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 O EFEITO RAMAN Como a luz interage com as vibrações moleculares Vamos usar o método usual de representar esquematicamente as energias dos estados de vibração com um diagrama de níveis. Cada energia possível para a vibração de uma molécula será representada por um tracinho ________, ordenados segundo valores crescentes da energia, como vimos no caso do elétron no átomo de Bohr (ver O ÁTOMO de HIDROGÊNIO). Para simplificar nossa descrição, suporemos que cada modo normal de vibração só tem dois estados (e níveis de energia) possíveis. O mais baixo corresponde simplesmente a uma molécula parada, sem vibrar, logo, com energia E0 = 0. Esse é o chamado estado fundamental da vibração molecular. O outro nível corresponde à energia E1 que a molécula tem quando está vibrando em um de seus modos normais. Portanto, para convencer uma molécula que está parada a vibrar com esse modo normal você precisa presenteá-la com uma energia E 1 . Isso significa "excitar" a molécula, daí esse estado ser chamado de estado excitado. Um fóton incidindo sobre a molécula pode fazer esse trabalho por você. Basta que ele tenha energia Ef igual à diferença de energia entre os níveis excitado e fundamental. Isto é, E f = E 1 . Nesse caso, o fóton pode ser engolido pela molécula e sumir. Dizemos que o fóton foi absorvido. As vibrações moleculares costumam absorver fótons que pertencem à região do infra-vermelho no espectro. Agora, vejamos o que acontece no espalhamento Raman. Nesse caso, o fóton incidente tem uma energia Ef muito maior que a energia E1 do modo normal. Ao incidir sobre a molécula, o fóton pode excitá-la a um estado cuja energia EV é muito maior que a energia E1 do modo de vibração. Em geral, essa excitação é eletrônica, do tipo daquelas que encontramos no caso do átomo de Bohr (ver O ÁTOMO de HIDROGÊNIO). Mas, esses estados excitados são muito instáveis e a molécula rapidamente cai para estados de menor energia. A molécula pode, por exemplo, voltar ao estado fundamental (0), re-emitindo um fóton com a mesma energia do fóton incidente., em uma direção que pode ser diferente da direção que tinha antes. Para todos os efeitos, o fóton incidente foi simplesmente espalhado, sem perder nada de sua energia inicial. É o espalhamento Rayleigh, como já vimos. A grande maioria dos fótons que incidem sobre a molécula é espalhada desse jeito.

O EFEITO RAMAN

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O EFEITO RAMAN 

Como a luz interage com as vibrações moleculares Vamos usar o método usual de representar esquematicamente as energias dosestados de vibração com um diagrama de níveis. Cada energia possível para avibração de uma molécula será representada por um tracinho ________, ordenadossegundo valores crescentes da energia, como vimos no caso do elétron no átomode Bohr (ver O ÁTOMO de HIDROGÊNIO).Para simplificar nossa descrição, suporemos que cadamodo normal de vibração só tem dois estados (e níveisde energia) possíveis. O mais baixo correspondesimplesmente a uma molécula parada, sem vibrar,

logo, com energia E0 = 0. Esse é o chamado estadofundamental da vibração molecular. O outro nívelcorresponde à energia E1 que a molécula tem quandoestá vibrando em um de seus modos normais.Portanto, para convencer uma molécula que estáparada a vibrar com esse modo normal você precisapresenteá-la com uma energia E1. Isso significa"excitar" a molécula, daí esse estado ser chamado deestado excitado.Um fóton incidindo sobre a molécula pode fazer essetrabalho por você. Basta que ele tenha energia Ef  igualà diferença de energia entre os níveis excitado efundamental. Isto é, Ef  = E1.Nesse caso, o fóton pode ser engolido pela molécula esumir. Dizemos que o fóton foi absorvido. Asvibrações moleculares costumam absorver fótons quepertencem à região do infra-vermelho no espectro.Agora, vejamos o que acontece no espalhamentoRaman. Nesse caso, o fóton incidente tem uma energiaEf  muito maior que a energia E1 do modo normal. Aoincidir sobre a molécula, o fóton pode excitá-la a um

estado cuja energia EV é muito maior que a energia E1 domodo de vibração. Em geral, essa excitação é eletrônica,do tipo daquelas que encontramos no caso do átomo deBohr (ver O ÁTOMO de HIDROGÊNIO). Mas, essesestados excitados são muito instáveis e a molécularapidamente cai para estados de menor energia. Amolécula pode, por exemplo, voltar ao estadofundamental (0), re-emitindo um fóton com a mesmaenergia do fóton incidente., em uma direção que pode ser diferente da direção que tinha antes. Para todos osefeitos, o fóton incidente foi simplesmente espalhado,

sem perder nada de sua energia inicial. É oespalhamento Rayleigh, como já vimos. A grandemaioria dos fótons que incidem sobre a molécula éespalhada desse jeito.

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Entretanto, em alguns casos, a molécula não retorna aoestado fundamental. Depois de decair, ela fica no estadovibracional (1), com energia E1. Nesse caso, o fóton queé re-emitido em uma direção qualquer, terá sua energiadiminuída para Ef  - E1. A molécula e sua vibraçãoroubaram um pouco da energia do fóton. Esse é um tipo

de espalhamento Raman.

Mas, existe outra possibilidade. A molécula pode já estar vibrando com energia E1, quando o fóton incide sobre ela,levando-a a uma energia bem mais alta EV´. Desseestado V´ a molécula decai, só que agora para o estadofundamental (0). No processo, um fóton de energia Ef  +E1 é emitido. Agora, foi o fóton que roubou um pouco deenergia da molécula. Portanto, o processo Raman podeproduzir fóton com energia maior ou menor que a energiado fóton incidente.

Quando a energia do fóton diminui, gerando umavibração da molécula, o processo é chamado de Stokes,por razões históricas. No outro caso, em que a energiado fóton aumenta, roubando energia de vibração damolécula, o processo é chamado de anti-Stokes.

Quem faz as moléculas vibrarem, mesmo antes de receberem luz, é a agitaçãotérmica. O ambiente onde está a amostra troca calor (energia) com as moléculas,excitando algumas delas a seus modos normais de vibração. São essas que podemproduzir o espalhamento Raman anti-Stokes. Normalmente, em uma amostra atemperatura ambiente, o número de moléculas que estão no estado fundamental é

muito maior que o de moléculas já excitadas termicamente. Portanto, o número deprocessos do tipo Stokes é maior que o número de processos anti-Stokes.

A seguir, vamos ver que tipo de vibração pode gerar um espalhamento Raman eque tipo não pode. Isso nos levará às intimidades da interação entre luz e matéria.

Vamos começar mostrando como uma molécula pode absorver luz infravermelha.Tomemos, como exemplo, uma molécula simples de ácido clorídrico, HCl. Nafigura, a bolinha maior é o átomo de cloro e a menor, o átomo de hidrogênio.Inicialmente, a molécula está parada, sem vibração.Luz infravermelha com 3 freqüências diferentes,

portanto, com 3 energias diferentes, incide sobre ela.Se uma dessas 3 freqüências coincidir com afreqüência de um modo normal de vibração damolécula de HCL, essa componente da luz seráabsorvida, transferindo sua energia para a moléculaque passa a vibrar. As outras componentes passamincólumes.Entretanto, não basta que a freqüência da luz coincida coma a freqüência davibração para que o fóton seja absorvido. Para haver absorção, além dessacoincidência de freqüências (ou energias), é necessário que a luz gere ummomento de dipolo elétrico na molécula. Ou, se a molécula já tem um momento

de dipolo, a vibração precisa fazer esse momento de dipolo variar.

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Um momento de dipolo elétrico, como você sabe, ésimplesmente um sistema com duas cargas iguais emvalor, uma positiva e a outra, negativa, separadas por uma pequena distância. No caso da molécula de HCl,uma carga negativa se acumula mais perto do átomode cloro e uma carga negativa perto do átomo dehidrogênio.

Essa molécula tem dipolo elétrico p, medido pelo produto de uma das cargas, Q,pela distância entre elas,d. O momento de dipolo é representado por uma seta dacarga negativa para a positiva, um "vetor".O campo elétrico da luz incidente pode interagir com ascargas e deslocá-las, como mostra a animação. Comisso, o momento de dipolo varia em sintonia com aonda de luz. É essa interação entre o campo elétricoda luz e a vibração da molécula que patrocina a trocade energia com a absorção do fóton.Em outras palavras: para haver absorção da luzincidente, a vibração deve variar o momento de dipolo

da molécula. Note que a freqüência de vibração dodipolo coincide com a freqüência da luz incidente.Agora, vejamos o caso do espalhamento Raman, que é um pouco mais sutil. Comovimos antes, o momento de dipolo da molécula pode ser gerado ou modificado pelocampo elétrico da luz. Quanto maior o campo, maior o momento de dipolo, segundoa expressão: p = α  E . Esse α é chamado de polarizabilidade e mede adisposição da molécula a ter momento de dipolo. Como veremos a seguir, parahaver efeito Raman a polarizabilidade deve variar.

Para ilustrar, vamos considerar uma molécula de gás

carbônico, CO2, que não tem momento de dipolo poisas cargas negativas e positivas, apesar de separadas,têm o mesmo centro. Um modo de vibração do tipoestiramento simétrico não afetaria esse estado decoisas, portanto não geraria dipolo. Portanto, esse tipode vibração não absorve a luz.

No entanto, o campo elétrico da luz incidente pode induzir um momento de dipolopois as cargas negativas da molécula (elétrons) são deslocadas de sua posição deequilíbrio. Veja, na animação abaixo, um momento de dipolo induzido que varia

com a freqüência da vibração enquanto interage com um campo elétrico defreqüência mais alta. O dipolo oscilante afeta a amplitude da onda de luz fazendocom que essa amplitude flutue com a freqüência da vibração. Diz-se que a onda foi"modulada" pela variação do dipolo. Parte da energia da luz é perdida na interação.Esse é o caso Stokes. O caso anti-Stokes ocorreria se a amplitude fosseaumentada pela vibração já existente do dipolo da molécula.

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No laboratório, um espectro Raman é obtido fazendo-se a luz monocromática deum laser  incidir sobre a amostra que se quer estudar. A luz esplhada é dispersadapor uma rede de difração no espectrômetro e suas componentes são recolhidas emum detetor que converte a intensidade da luz em sinais elétricos que sãointerpretados em um computador na forma de um espectro Raman. A figura abaixomostra um dos equipamentos de espalhamento Raman usados no Laboratório doDepartamento de Física da UFC. Para contrastar, a outra fotografia mostra o

equipamento usado pelo próprio Raman, na década de 20. A fonte de luz que eleusou foi o velho Sol.

Vamos ilustrar o resultado de uma experiência Raman observando o espectro obtidocom uma amostra de tetracloreto de carbono (CCl4). A molécula de CCl4 tem a formade um tetraedro com o átomo de carbono no centro e os átomos de cloro nosvértices. Como essa molécula tem 5 átomos, o número de modos normais devibração, como já vimos, deve ser 5x3 - 6 = 9. A figura mostra 4 desses modos e aslinhas Raman associadas a eles. A energia indicada em inverso de centímetros paracada linha corresponde à energia "roubada" da luz do laser pela vibração. Essa

figura mostra apenas o espectro Raman Stokes.Na verdade, essas 4 linhas correspondem a todos os 9 modos de vibração do CCl4.Três delas estão associadas a vários modos com energias iguais. São modos ditos"degenerados". Por exemplo, a linha de 770 cm-1, correspondente ao modo chamadode "estiramento assimétrico", representa o conjunto de 3 modos de vibração que sódiferem pela orientação espacial dos movimentos dos átomos. Logo, devem ter amesma energia.

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NOTA: O inverso de centímetro (cm-1) é uma unidade de energia da preferênciados espectroscopistas e baseia-se no seguinte esquema. Energia é proporcional afreqüência e freqüência é inversamente proporcional a comprimento de onda. Logo,energia é proporcional ao inverso de comprimento de onda. Medindo ocomprimento de onda em centímetros, a energia pode ser medida em inverso decentímetros (cm-1).

A espectroscopia Raman, os lasers e o físico brasileiroSérgio Porto Em 1960 Theodore Maiman apresentou ao mundo o primeiro laser  (veja a seçãosobre lasers). Nesse mesmo ano, um físico brasileiro chamado Sérgio Pereira Portochegava nos Estados Unidos para trabalhar no Laboratório Bell, um dos maiorescentros de pesquisa aplicada do mundo.

Porto tinha se doutorado na Universidade JohnHopkins e, desde então, cultivava um grande interessepelo efeito Raman. Na época, essa técnica eralimitada pela dificuldade na obtenção de uma boa eintensa fonte de luz monocromática. O brasileiro logo

vislumbrou o enorme potencial doslasers

para suprir essa lacuna. Usou seu talento de experimentalista namelhoria dos dispositivos de deteção e dispersão dosequipamentos Raman e, com a utilização dos novoslasers passou a obter espectros de amostras sólidascom alta qualidade e resolução. Logo, seu laboratóriose tornou lider nessa área de pesquisa.

Porto aplicou o efeito Raman ao estudo de inúmeras propriedades de sólidos, comopolaritons em cristais, ondas de spin, sólidos desordenados e fonons oblíquos. Em 1967, foitrabalhar na Universidade da Califórnia do Sul e, finalmente, em 1972 voltou ao Brasil paraensinar e pesquinar na Universidade de Campinas, que desde essa época transformou-seem um dos mais importantes centros de pesquisa do Brasil.

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Sérgio Porto morreu em 1979, aos 53 anos, enquanto participava de uma conferência sobrelasers em Novosiburk, na Sibéria da então União Soviética.

Porto foi um grande incentivador do grupo de espalhamento de luz do Departamento deFísica da UFC, tendo, inclusive, participado da banca examinadora da primeira tese de pós-graduação do Departamento, que tratava da aplicação do efeito Raman ao estudo detransições de fase em cristais.