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O Espírito Santo, sua relação com o Pai e o Filho no NT P. Manuel de Araújo Abreu, Miss. do Verbo Divino 68 O ESPÍRITO SANTO SUA RELAÇÃO COM O PAI E O FILHO NO NT P. Manuel de Araújo Abreu, Missionário do Verbo Divino O Espírito Santo tal como aparece na sua relação com o Pai e o Filho no Novo Testamento e como inspirando as primeiras comunidades cristãs (palestra exegética) e dos primeiros concílios. O Espírito Superior que tem poder sobre os outros espíritos. Reflexão Pastoral. Preâmbulo e questão metodológica Num contexto de sequência das Semanas Teológicas, na Beira, estudou-se, em 1999, o tema “Os Espíritos”. Neste ano 2002, retomamos o assunto “Espíritos”, mas numa perspectiva pastoral. Cabe-nos neste momento reflectir sobre o Espírito Santo. Queremos pedir-lhe que nos oriente e invocámo-lo com o refrão: “Vem, vem, vem, vem Espírito Santo de amor, Vem a nós traz á Igreja um novo vigor”. Escondes a tua face e eles se apavoram Retiras sua respiração e eles expiram Voltando ao seu pó Envias teu sopro e eles são criados E assim renovas a face da terra (Salmo 104,25-30) -Metodologicamente, optamos por enfocar primeiro a NOVIDADE da nossa fé. Partir da nossa realidade que somos cristãos, e com essa luz procurar ver toda a realidade de que fazemos parte, discernir os espíritos, descobrir os valores e a unidade do projecto de Deus na Criação e Redenção. A Ressurreição está dentro da Criação, fazendo-a nova. Com outras palavras: não priorizamos ler o presente à luz do passado, mas sim reler o passado à luz da nossa vida nova do Baptismo, no presente.

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O Espírito Santo, sua relação com o Pai e o Filho no NTP. Manuel de Araújo Abreu, Miss. do Verbo Divino 68

O ESPÍRITO SANTOSUA RELAÇÃO COM O PAI E O FILHO NO NT

P. Manuel de Araújo Abreu, Missionário do Verbo Divino

O Espírito Santo tal como aparece na sua relação com o Paie o Filho no Novo Testamento e como inspirando as primeirascomunidades cristãs (palestra exegética) e dos primeirosconcílios. O Espírito Superior que tem poder sobre os outrosespíritos. Reflexão Pastoral.

Preâmbulo e questão metodológica

Num contexto de sequência das Semanas Teológicas, naBeira, estudou-se, em 1999, o tema “Os Espíritos”. Neste ano2002, retomamos o assunto “Espíritos”, mas numaperspectiva pastoral.Cabe-nos neste momento reflectir sobre o Espírito Santo.

Queremos pedir-lhe que nos oriente e invocámo-lo com orefrão:“Vem, vem, vem, vem Espírito Santo de amor,Vem a nós traz á Igreja um novo vigor”.

Escondes a tua face e eles se apavoramRetiras sua respiração e eles expiramVoltando ao seu póEnvias teu sopro e eles são criadosE assim renovas a face da terra (Salmo 104,25-30)

-Metodologicamente, optamos por enfocar primeiro aNOVIDADE da nossa fé.Partir da nossa realidade que somos cristãos, e com essa luzprocurar ver toda a realidade de que fazemos parte, discerniros espíritos, descobrir os valores e a unidade do projecto deDeus na Criação e Redenção. A Ressurreição está dentro daCriação, fazendo-a nova. Com outras palavras: nãopriorizamos ler o presente à luz do passado, mas sim reler opassado à luz da nossa vida nova do Baptismo, no presente.

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A fé não nos desliga da nossa história e cultura, faz-nos ver aísímbolos e imagens que nos revelam a acção e o rumo doEspírito Santo. Começar pela novidade da nossa fé, não paramostrar diferenças, mas para ir com uma luz que nos ajude adescobrir Deus presente de mil e uma maneiras na Vida detodos os povos e revelar, discernindo.

-A palavra Espírito, em hebraico Ruah, é uma palavrafeminina, que significa vento, ar, respiração, energia que semove e põe em movimento; também significa a atmosfera, oambiente, como o útero materno onde a vida nova é possível.Onde vida nova começa, aí está o Espírito de Deus (Gn 1,2;Lc1,35; Mt 3,16; Jo 20,22 At 2,2).1

-O Espírito Santo é Dom que Jesus Ressuscitado recebeudo Pai e derramou sobre nós: “ Ele falava do Espírito quedeviam receber aqueles que tinham crido nele; pois não haviaainda Espírito, porque Jesus ainda não fora glorificado” (Jo7,39); “...exaltado pela direita de Deus, ele recebeu do Pai oEspírito Santo prometido e o derramou, e é isto o que vedes eouvis” (cf.At 2,33). “Nisto reconhecemos que permanecemosnele e ele em nós: ele nos deu o seu Espírito” (1Jo 4,13)“...porque o amor de Deus foi derramado em nossos coraçõespelo Espírito Santo que nos foi dado” (Rm 5,5). ” Se alguémestá em Cristo, é uma nova criatura. Passaram-se as coisasantigas, eis que se fez uma realidade nova” (2 Co 5,17); “Deresto, nem a circuncisão é alguma coisa, nem a incircuncisão, mas a nova criatura “ (Gl 6,15). “Quem não nascer da água edo Espírito não pode entrar no Reino de Deus” (Jo 3,4).

-Na dialéctica: Evangelho - nossos costumes e tradições,descobrimos que estamos ainda no comecinho do seguimento deJesus. Jesus tem paciência connosco, como teve comPedro:”...eu porém orei por ti, a fim de que tua fé não desfaleça.

1 A BÍBLIA DE JERUSALÉM, Nova Edição, revista, São Paulo, 1989. Anota r na carta aos Romanos capítulo 5,5 traz um resumo teológico-bíblico do Espírito Santo.

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Quando porém te converteres, confirma os teus irmãos” (Lc22,32). E Pedro, após a conversão (At 10), confirmou os seusirmãos na fé (cf. At 15,7-11).

Quando falamos de Novidade, não estamos a falar de coisasmilagrosas ou extraordinárias, mas sim daquilo que aconteceno quotidiano da vida orientada pelo Espírito de Jesus.O documento “Relações entre Bispos e Religiosos” (Mutuae

Relationes)2 escreve: “Os membros desse Povo sãoconvocados de todas as nações e fundem-se em unidade tãoíntima (LG 9) que não se pode explicar simplesmente comfórmulas sociológicas; pois há nela uma verdadeira novidadeque transcende a ordem humana (...) o elemento sobre o qualse funda a originalidade dessa natureza, é a própria presençado Espírito Santo” (MR 1).

-A novidade da Igreja, como Povo Novo, que une todos ospovos, é a Presença de Jesus Ressuscitado e do seu Espírito.Deus salva cada povo de maneira diferente, mas o Povo de Deus

não nasce de maneira nacionalista. É sempre mistura na unidadedo Espírito Santo. Sem Jesus Ressuscitado nenhum povo oupessoa chega à plenitude “Pois da sua plenitude todos nósrecebemos graça após graça” (Jo 1,16).

-O nosso livro de referência é a Bíblia, onde o Espírito Santo semanifesta do começo (Gn 1,2) ao fim (Ap 22,17). Não fosse aBíblia o grande presente que o Espírito Santo nos deu! A Bíblia,como presente, testemunha a Presença de Deus na história.Deus é grande, a Criação é grande. O Espírito Santo actuatambém fora da Igreja - instituição e fora da Bíblia-livro, Mas sema Bíblia e sem a Igreja orientada pelo Espírito Santo, onde setestemunha a presença de Jesus Ressuscitado, dificilmente sepode sair da confusão dos espíritos!

2 RELAÇÕES ENTRE BISPOS E RELIGIOSOS documento pós-conciliar publicado em 1978, pelas Congregações para os Bispos e paraos Religiosos e os Institutos seculares. É um documento de preocupaçãopastoral.

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-Seguimos este roteiro:1. Espírito Santo na Trindade2. Pesquisa dos participantes por grupos, textos bíblicos3. O Espírito Santo na vida de Jesus4. O Espírito Santo nas primeiras comunidades.4.1. O Espírito e Jesus trabalhando em equipa5. Critérios de discernimento. Espírito Santo, Supremo “Anti-

Vírus”.6. Um “golpe de Estado” do Espírito Santo. At 9,32-11,18;15,1-11 (Concílio Ecuménico I)6.1. O Espírito Comum7. Perspectivas pastorais.

Bibliografia

1. O Espírito Santo na Trindade

Que Deus existe e é um só, várias religiões o acreditam eanunciam. Mas que Deus é um só em três pessoas iguais edistintas é novidade de revelação, chegada à plenitude em JesusCristo que nos devolveu o rosto verdadeiro de Deus. Vivendocomo Filho que revela o Pai (quem me vê, vê o Pai), ungido eimpelido pelo Espírito Santo partilha connosco o mesmo Espírito.At 2,33; 1Jo 4,13. Jo 10,14; Jo 16,12-14Jesus não faz nada sem o Pai, e o Espírito não faz nada sem oFilho (Jo 14,31; 16 13-15)! O Pai age através do Filho e doEspírito, as duas mãos divinas (Gn 1,1-2; Jo 1,1, Ap 22,1.17))

A Fé em Deus–Trindade revoluciona toda a sociedade. Onosso Deus não é um Partido Único, um patrão poderoso sobreos empregados, não é um Imperador ou Presidente ditador, nãoé um Rei absoluto que manda e desmanda como se fosse donodas vidas do Povo. É Deus da Vida que sempre promove a vida.““Eu vim para que tenham a vida e a tenham em abundância”(Jo10,10).Em Ex 3,7 Deus se revela como alguém que escuta o grito dooprimido, em Jesus de Nazaré Deus se revela como “Deus

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oprimido-crucificado que grita (cf. Mt 27,46.50; Mc 15,37; Lc23,46).

O nosso Deus é comunidade de amor. Nessa comunidade –trindade, o Espírito Santo é comparado ao Relacionamento deamizade entre duas ou mais pessoas, é o Envolvente de todos,que une mantendo a diversidade.

Há uma obra de arte numa igreja na Alemanha, em Lüdenscheid,que expressa de um modo muito feliz a Trindade: duas pessoas,numa base comum, inclinadas uma para a outra, envolvidas numaluz e segurando no meio delas, como dentro delas, o mundo.A terceira pessoa da Trindade não se vê, envolve como uma luz atodos e tudo.A Trindade é aberta, tem em si a criação, a Vida que partilha ecuida. O Reino de Deus é Deus Uno e Trino, mais nós e toda aCriação.

Também a figura da Trindade em ícone russo, mostrando trêspessoas à volta de uma mesa. O lugar em frente não estáocupado, e vê-se o símbolo da Eucaristia, como porta de entradana intimidade dos três.3 De lembrar que na oração eucarística, oEspírito Santo, não só transforma o pão e o vinho mas também osparticipantes em corpo de Cristo: “...o Espírito Santo nos una numsó corpo”.

Lembremos a lenda de Santo Agostinho pensando ao longo dapraia em Deus e querendo entender. E a criança com umacontinha, dizendo que vai tirar toda a água do mar para a suapicota, diz a Agostinho que a sua cabeça não vai conseguircompreender Deus.

3 BRUNO FORTE, A Trindade como História, p. 192, “O lugar em quea origem trinitária volta continuamente a representar-se e, por isso, asuscitar e a alimentar a Igreja como comunhão una na diversidade e como coração voltado para a unidade final do Reino, é a Eucaristia”.

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Um pouco talvez podemos compreender, referindo-nos à Criação:“Deus disse: façamos o homem à nossa imagem, como nossasemelhança (...) ele o criou homem e mulher “ (Gn 1,26-27).E mais vamos compreender conhecendo Jesus, o Filho de Deuse Filho do Homem, nosso Irmão, Deus-Connosco, amando comoele ama, até entregar a própria vida (Jo13,34; 15,13). “Ninguémconhece o Pai senão o Filho e aquele a quem o Filho o quiserrevelar” (Mt11,27).“Quem não ama, não conhece a Deus, porque Deus é Amor”(1Jo4,8). Quando duas pessoas se amam profundamente e secomunicam e partilham, nessa Comunhão profunda da vida emamor, experimentam a presença amiga de um “Terceiro” que osdeu um ao outro e está presente. Os verdadeiramente amantesse descobrem rezando e agradecendo o amor.

Na realidade humana do amor total, podemos experimentar umpouco de entendimento sobre o Espírito Santo: onde surge oamor, ele é como um “terceiro” que procede dos dois (ou mais),mas é uma nova realidade. O Amor é um terceiro elemento queembora tenha surgido entre os dois, não é simplesmente produtodos dois, no qual eles podem mandar, ou ignorar. O ”Terceiro” noqual eles não mandam, nem são capazes de ignorar, passa a sero orientador das suas vidas. Deixam-se conduzir e impelir peloamor. “Onde dois ou três estiverem reunidos em meu nome, aliestou eu no meio deles" (Mt 18,20).Isto pode parecer muito romântico, mas é a vida. Lembremos afamília (mulher-homem-criança), lembremos a comunidade deJesus Ressuscitado, reunida em oração, que Pedro e João, soltosda cadeia, procuram. “E todos ficaram repletos do Espírito Santo,continuando a anunciar com intrepidez a Palavra de Deus” At4,23-31).

Toda a natureza está criada para o encontro, porque Deus éTrindade.

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“É indispensável que nos encontremos, partilhemos eparticipemos para experimentar a Presença de Deus-Trindadeque nos precede, nos assiste e nos cria fazendo-nos encontrar” 4.

2. Pesquisa dos participantes, por grupos. Textos bíblicos.Ler os textos, ver o que surpreende e as expressões maisrepetidas.

2.1. O Espírito Santo na vida de Jesus:- conduzido pelo Espírito: Mt 4,1; Lc 4,1; Mc 1,12 At 10,38- ungido pelo Espírito no Baptismo: Mt 3,16; Mc 1,10; Lc

3,22, Jo 1,32; Lc 4,18-21- anuncia e promete a vinda do Paráclito: Jo 14,26; 15,26;

16,7-14;- Baptiza no Espírito Santo Mt 3,11; Mc 1,8; Lc 3,16 ; Jo

1,33; Jo 3,3-8; At 1,5; 11,16; Jo 20,22

2.2. O Espírito Santo no NT, inspirando as primeirascomunidades cristãs

- Actos dos Apóstolos: 1,2.4.5.8.16; 2,2.3.4.4.5.17.18.33.38;4,8.25.31; 5, 3.9.(comparar Mt 10,20; Lc12,12; Jo 15,26-27; At1.8).32; 6, 3.5.10¸7, 51.55; 8, 15.17.18.19.29.39; 9,3(luz).17.31;10, 19.38.44.45.47; 11, 12.15.16.17.24.28.; 13, 2.4.9.52; 15, 8.28;16, 6.7; 19, 2.2.6 ; 20,22.23.28.36-38 (cordialidade); 21, 4.11;22,6 (luz); 28, 25

- Romanos, capítulo 8- Gálatas, capítulo 5- Cartas aos Coríntios: 1Co 1,10-13; 12,1-31; 14,26-33;

2Co 11,4.12-15- Primeira a Timóteo 1,3-7; 4,1-4- Efésios 1,13; 6,12- Primeira João 4,1-2- Apocalipse: 1,4; 2,7.11.17.29; 3, 6.13.22

4 MANUEL DE A. ABREU SVD, Cornélio e Pedro: Caminho de Ir eVir, p. 187

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2.3. O Espírito Santo (Espírito, luz) e Jesus Ressuscitado (anjo doSenhor, anjo de Deus, anjo santo, Voz, Senhor, homem comveste resplandecente, Palavra) trabalhando em equipa

Analisar como o Senhor e o Espírito se revesam na acção:At 8,26-41 (Filipe e o etíope eunuco)At 9,1-19 (Paulo e Ananias)At 10,1-11,18) Pedro e Cornélio)At 4,31; 10,44 Ef 6,17

3. O Espírito Santo na vida de Jesus

“Mas o Paráclito, o Espírito Santo que o Pai enviará em meunome, vos ensinará tudo e vos recordará tudo o que eu vos disse”(Jo 14,26).O Espírito Santo sempre nos remete, conduz a Jesus. Nostrabalhos de grupos já vimos como Jesus foi conduzido e ungidopelo Espírito Santo, como ele anunciou a vinda deste Dom paranós e como ele nos baptiza no Espírito Santo.Falar do Espírito Santo nos faz pensar no Pentecostes que Actos

dos Apóstolos relata. No entanto é importante notar que a vindado Espírito Santo sobre os Apóstolos é precedida pela vinda doEspírito Santo sobre Jesus. Foi um acontecimento tão importanteque todos os Evangelhos o relatam (Mt 3,16; Mc 1,10; Lc 3,22, Jo1,32). Jesus ungido pelo Espírito Santo venceu a tentação eassumiu a Missão do Servo “O Espírito do Senhor está sobre mimporque me ungiu para evangelizar os pobres” (Lc 4,18)Literalmente ser cristão é ser ungido, participar na unção deCristo. “Jesus soprou sobre eles e disse-lhes: Recebei o EspíritoSanto...” (Jo 20,22).“Se o Espírito que no Pentecostes veio sobre a Igreja e que noBaptismo foi derramado em nossos corações não é outro senão oEspírito que esteve em Jesus de Nazaré e guiou todos os seuspassos, então é preciso descobrir em que direcção o Espíritoimpeliu Jesus durante a sua vida para saber em que direcção hoje

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impele a nós e à Igreja. Porque ele impele para as mesmascoisas.”5

O barqueiro deve primeiro descobrir o rumo do vento. Depoisdeve colocar as velas de acordo com este rumo. Para conhecer orumo do Espírito de Jesus é necessário olhar sempre a acção doEspírito na vida de Jesus. É da prática de Jesus que os cristãosficam sabendo qual o rumo que o Espírito quer tomar nascomunidades.6Agora é a nossa vez de andarmos conduzidos pelo mesmoEspírito que Jesus.

4. O Espírito Santo nas primeiras comunidades cristãs

A palavra “Espírito Santo” aparece nos Actos , pelo menos 56vezes, na 1Co 35 vezes, na carta aos Romanos 30 vezes, 16 noEvangelho de João, 10 na 2Co.Da plenitude de Jesus no Espírito, agora são multidões sem fim,que Jesus torna participantes do seu Espírito “derramarei do meuEspírito sobre toda a carne” (Joel 3,1) Com os Actos e as cartasestamos no segundo volume da vida de Jesus.Em Lc 2,52 lemos: “E Jesus crescia em sabedoria, em estatura e

em graça...”Um refrão nos Actos é: ”E a Palavra do Senhor crescia. O númerodos discípulos multiplicava-seenormemente” (At 2,41.47; 4,4; 5,14; 6,1.7; 931; 11,21; 16,5;

12,24; 13,48-49; 19,20).

Se o primeiro volume contava o que Jesus fez até à sua morte eRessurreição (At 1,1-2), o “segundo volume” conta o que JesusRessuscitado e o seu Espírito estão a fazer agora, através dascomunidades cristãs, até ao fim dos tempos. Nos Actos podemosconferir que o que aconteceu com Jesus, está a acontecer com os

5 RANIERO CANTALAMESSA, O Espírito Santo na Vida de Jesus, p.116 Cf. CARLOS MESTERS, O. Carm., Descobrir e discernir o rumo doEspírito, p. 14

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seguidores do Caminho (Jesus). Há um elo vital que une todas ascomunidades cristãs a Jesus Ressuscitado, presente no meio denós. Esse elo vital é o Espírito Santo.Jamais pode haver uma comunidade cristã, em lugar nem temponenhum, que não tenha ligação vital a Jesus Ressuscitado e seuEspírito, através das comunidades cristãs (tradição viva) atéchegar à primeira.

Nos Actos dos Apóstolos, a presença e manifestação do EspíritoSanto, assim como a do Senhor Jesus é uma constante como avida que não admite pausas.Há o pentecostes dos judeus (At 2), pentecostes dos samaritanos

(At 8,17), o pentecostes dos “pagãos” (At 10,44-48), de notaraqui, que em Cesareia, aos pagãos, o Espírito Santo é dadoantes do Baptismo! O Espírito Santo irrompe em Jerusalém,Samaria, Cesareia, Antioquia, Chipre..., na imposição das mãos,no baptismo, na oração, no roteiro missionário. È uma constante.

4.1. Salientando a equipa dois enviados do Pai

Num estudo aprofundado de At 10,1-11,18, surpreende que aMissão às nações tem dois enviados divinos: o Verbo (a Voz) e oEspírito. São companheiros inseparáveis. Agem juntos e de mododiferenciado, mas a acção é comum. A Voz (o Jesus) dá ordens,não cede a réplicas (cf.At 10,5.13.15), o Espírito vem em auxílio,ajuda a entender (At 10.19). O nosso Deus é Trindade, éComunhão, age em “equipa”.Essa realidade constatada em At10, Verbo e Espírito pode serconferida em quase toda a Bíblia, e tem consequênciasdeterminantes para uma vida cristã em acção plena eharmoniosa, orientada pela Trindade.7

7 CARLOS MESTERS, Ibid., p. 19 “Tudo isto é muito atual hoje. Apalavra de Deus não vale só pela idéia que transmite, mas também pelaforça que transmite. Não só diz mas também faz (...) O povo judeu (...)na língua deles dabar significa, ao mesmo tempo, palavra e coisa, diz efaz (...) luz e força, Verbo e Espírito (...) Na prática pastoral, porém, estesdois aspectos estão separados. De um lado, os movimentos carismáticos;

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Sem o Espírito, não sabemos falar de Jesus, e sem Jesus(plenitude do Espírito) não sabemos discernir os espíritos. “Aespada do Espírito é a Palavra de Deus” (Ef 6,17; Jo 6,63).Alguém acha que anda orientado pelo Espírito Santo, e não leva asério Jesus dos Evangelhos perseguido e crucificado, nem querouvir a Igreja sacramento corpóreo de Jesus, esse andacertamente bem enganado. Mas também pode acontecer quealguém engaiola o Espírito Santo numa Instituição eclesial ounum tempo que já passou e não quer reconhecer a novidade doEspírito derramado sobre toda a carne e em todos os tempos,como Dom universal. Esse reduz a nossa fé a um museu! Jesusestá vivo. A Vida tem sempre novidade.Para não cairmos nas seitas, nem no museu, temos que nosorientar sempre pelo Jesus dos Evangelhos e seu Espírito, pelaIgreja enquanto comunhão não só espiritual mas tambémhierárquica.8

5. Discernimento dos espíritos

Como o assunto dos espíritos no NT ainda vai ser tratadonesta semana pelo P. Martinho Maulano, limitamo-nos aqui a unscritérios que são consequência do que já reflectimos.

Quando Jesus é caluniado que expulsa os demónios porBeelzebu, o príncipe dos demónios, responde: ”Mas se é peloEspírito de Deus que eu expulso os demónios, então o Reino deDeus já chegou a vós” (Mt 12,27)). Onde está o Espírito Santo, oSim à vontade do Pai, os maus espíritos ficam amarrados,tremem e desaparecem. O Espírito Santo é o Supremo Anti-Virusque fulmina as “legiões” (Mc 5,9) de vírus perniciosos (cf. Jo12,31; 14,30; 16,11; Ef 2,2). Ele dá o dom do discernimentodos espíritos (cf. 1Co 12,10)

de outro lado os movimentos de libertação..Os carismáticos têm muitaoração, mas carecem muitas vezes de ação profética (...) Os movimentosde libertação, por sua vez têm muita consciência crítica, mas às vezescarecem de perseverança e fé (...).8 Cf. RELACÕES ENTRE BISPOS E RELIGIOSOS, op. cit., nº 5

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-O Espírito que nos anima e anima as comunidades cristãs sópode ser o Espírito de Jesus. Por isso é a prática de Jesus deNazaré que serve de critério para discernir os espíritos. O Espíritoque os cristãos experimentam nas suas comunidades é o mesmoque actuava em Jesus desde a concepção (Lc 1,35). Se faltaunidade entre a vida no Espírito e a prática de Jesus de Nazaré,esse espírito é falso! (cf. 1Jo 4,1-3).

-Todos os dons e “espíritos” nada valem sem o amor-agaph(1Co 12,31-13,13), por isso se algum espírito não constróinem ajuda a reconstruir a comunidade no amor, esse espíritonão é de Deus!Pelos frutos se conhece a árvore. Segundo Gl 5,22 o fruto doEspírito é amor, alegria, bondade, fidelidade, autodomínio,mansidão, comunidade.É o mesmo Espírito que atua na Criação e na Redenção, queatua em Jesus e na Igreja, por isso é critério dediscernimento a procura de unidade do projecto de Deusna Criação (AT), na prática de Jesus (sua vida morte eressurreição), na prática das primeiras comunidades cristãs ena Igreja hoje.

O Concílio Vaticano II, “Pentecostes” do nosso tempo, écritério de discernimento para os cristãos de hoje. Toda aIgreja reunida, durante 4 anos (por sessões) representada por3.000 Bispos aproximadamente. Diversidade e Unidade.Catolicidade. Também aqui, o Espírito Santo se manifestoude maneira flagrante e maravilhosa, “abrindo portas e janelasda Igreja, para entrar ar fresco e expulsar o ar mofo” (citandoo Papa João XXIII, quando ele anunciou o ConcílioEcuménico).

Outro critério é a maneira do Espírito Santo actuar, quandopensamos que ele pode ser contristado e até extinguido (Ef4,30; 1Ts 5,19).Os maus espíritos tomam posse das pessoas, o Espírito o

Santo inspira, “pede licença” para habitar em nós. Ele é DOM,e o dom não se impõe. Onde ele encontra docilidade e

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abertura nos enche de vida e luz e afugenta todo o mal,como a luz afugenta as trevas. Há dias, na abertura de umnovo núcleo, chamado “Senhora das Graças”, em Amputo,um grupo de senhoras cantavam: “Não recebemos umespírito de medo. Recebemos o Espírito Santo. Temos poderpara vencer o Satanás.”Ser morada do Espírito Santo é a nossa sabedoria,dignidade, alegria e força e defesa (cf. 1Co 3,16; 6,19; Fe2,22), “Pois não sereis vós que falareis, mas o Espírito Santo”(Mc 13,11)Quem fundamentalmente está aberto ao Espírito o Santo equer mesmo viver seguindo Jesus, nessa pessoa ecomunidade, o Espírito Santo assume o Rumo, tomainiciativa, e faz acontecer maravilhas impensáveis.É o que vamos ver naquilo que queremos chamar de “Golpede Estado”9 do Espírito Santo para libertar a comunidadecristã judaica da prisão e escravatura à própria tradição das613 leis e abri-la à mistura das nações, na dialéctica semprenova da diversidade na unidade. A Bíblia é inspirada einspiradora!

6. “Um Golpe de Estado” do Espírito Santo At 9,32-11,18; 15,1-11 (Concílio Ecuménico I)

Neste texto estamos diante da dobradiça do livro Actos dosApóstolos e da história da Igreja.10 Aqui a porta se abre para ir edeixar vir, e então a comunidade cristã cresce para IgrejaCatólica, ou a porta se fecha na própria cultura, e o cristianismoparalisa (At 9,33) ou morre (At 9,37) como seita judaica.Esta conversão dos discípulos de Jesus “às nações” é de talmaneira vital e indispensável à identidade e missão da Igreja queo Senhor e o seu Espírito tiveram que levar a cabo ”um golpe de

9 P.CATRICE, Reflexions missionaires sur la vision de Saint Pierre aJoppe, em : Bible et Vie Chretienne 79 (1968), p 20-21.10 D. RAMÍREZ F., Evangelização e cultura, estudo exegético-hermenêutico dos Actos dos Apóstolos capítulo 15, em “RIBLA”-12, P.104

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Estado” e dar ordens terminantes no coração daqueles que umdia aceitaram ser cristãos.

Para poder resumir a mensagem, vejamos dois grupos depessoas (neste caso judeus e não judeus) que Deus quer que seencontrem e sentem à mesma mesa, mas estão separados poruma grande barreira, um muro altíssimo, ideologicamenteintransponível: a cultura judaica com as suas 613 leis (365proibições e 248 prescrições) e os conceitos de povo eleitoprivilegiado.

“Pedro imola e come. De modo nenhum , Senhor, na minha bocanunca entrou coisa profana ou impura (At 10,13-14). “ Bem sabeisque é ilícito a um judeu relacionar-se com um estrangeiro oumesmo dirigir-se à sua casa. Mas Deus acaba de me mostrarque a nenhum homem se deve chamar de profano ou impuro (At10,28).“Os cristãos da circuncisão começaram a discutir com Pedrodizendo: tu entraste em casa de homens que têm prepúcio ecomeste com eles” (At 11,3)Pedro para se defender, relata que apenas obedeceu ao Senhore ao seu Espírito, e lembra uma palavra do Senhor “...mas vóssereis baptizados com o Espírito Santo” (At 11,16), e terminadizendo: “quem seria eu para poder impedir a Deus de agir?” (At11,17).Mais tarde, no primeiro Concílio Ecuménico, em Jerusalém, Pedrodeclara “ Deus não fez distinção alguma entre nós e eles...porquetentais a Deus impondo ao pescoço dos discípulos um jugo quenem nossos pais nem nós pudemos suportar? (At 15,10).

O que é relatado na narrativa de Cornélio e Pedro e no Concíliode Jerusalém representa uma longa conversão da Igreja nascentepara não reduzir o Evangelho à própria cultura e abrir-se àsnações.Vejamos como o Espírito Santo e o Senhor põem os dois grupos:judeus e não judeus em movimento de encontro e vão derrubandoas barreiras da separação.

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Deus, pelo Senhor e o Espírito, toma a iniciativa, juntoaos dois grupos representados por Cornélio e Pedro, coloca osdois grupos em movimento de encontro, dá visões, mandachamar, manda ir (At 10,3.5.11.20). Dá ordens terminantes erepetidas (At 10,13.15).Não somos só nós que vamos, são também outros que vêm e nosconfirmam que o envio é recíproco. O vir de outros ao nossoencontro (enviados pelo mesmo Deus), nos faz experimentarcomo é verdade que Deus nos mandou ir, e que ele está cá e láonde chegamos.A Missão às nações é em primeiro lugar iniciativa de Deus-

Trindade, através da Igreja em movimento. “Recebereis umaforça, a do Espírito Santo (...) e sereis minhas testemunhas (...)até aos confins da terra” (At 1,8).

Remete à Criação. Para a fundação de uma comunidadeuniversal, sem proibições, a matriz é a Criação: “...uma toalhabaixada à terra pelas quatro pontas. Dentro havia todos osquadrúpedes da terra, as feras e os répteis e as aves do céu”(10,11-15; 11,6-9). Os vocábulos: céu, terra, animais, homem,Deus são idênticos ao relato da Criação e dos seres que entramna arca de Noé (Cf. Gn 1,24-26; 6,20; 7,8.14).A Criação, a Vida é a primeira e constante Palavra de Deus. E aítudo está misturado. A Voz dá por três vezes uma ordemterminante: “ ...não chames de impuro o que eu criei...” (At 10,15).Pedro entra em parafuso, porque toda a vida pensou de umamaneira, e agora a Voz diz-lhe o contrário: “imola e come. Nãochames de impuro” (em grego, a palavra usada é: não chames decomum!). O Espírito Santo vai ajudá-lo a entender (cf. At 10,17-19).Qualquer religião ou cultura que não respeita o chão e a mesacomum da Criação, é pura fantasia e alienação.

Remete à igualdade. “Pedro reergueu-o dizendo: levanta-te,pois eu sou um homem como tu” (At 10,26).

Remete à imparcialidade de Deus. “Pedro falou: dou-meconta, em verdade, de que Deus não faz acepção de pessoas

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(não é aceitador de rostos), mas em qualquer nação quem o temee pratica a justiça, lhe é agradável”(At 10,34-35). Diante de Deus,ninguém tem privilégio. Tão pouco os que se consideram eleitos!

Faz anunciar Jesus Cristo e testemunhar sua vida, mortee Ressurreição.

“...como Deus o ungiu com o Espírito o Santo e com poder(...) a quem no entanto mataram (...) Mas Deus o ressuscitou econcedeu-lhe que se tornasse visível (...) a nós que comemos ebebemos com ele (At 10,36-41).São próprias desta narrativa as palavras: ”e concedeu-lhe que setornasse visível”. A Ressurreição como Nova Criação tem queser visibilizada, manifestada. “Sereis minhas Testemunhas”(At1,8).

Faz descobrir o Espírito Comum, o Espírito o Santo“E os fieis que eram da circuncisão ficaram estupefactos de

verem que também sobre os gentios se derramara o dom doEspírito o Santo” (At 10,45).O muro de separação cai, quando vêem que o Espírito Santo caisobre todos, como dom universal. Esta descoberta,experimentada e vista, é o auge do derrubo das barreiras queimpedem o encontro de pessoas de diferentes culturas.É admirável que o Espírito Santo é dado aos “gentios” antes doBaptismo (cf.10,47).

Faz sentar à mesma mesa, Hospitalidade, Koinonia.“Pediram-lhe então que permanecesse ali por alguns dias”

(At10,48).Descoberto o Espírito Comum, já não têm problema em sentar àmesma mesa. Comem juntos na mesma casa. O caminho doencontro chega à celebração, ou seja à koinonia, à comunhão. AEucaristia é o centro, a fonte, a raiz e o ápice de toda a vida cristã(cf. Vaticano II, PO 6; LG 11; CD 30)Enquanto não sentarmos e comermos juntos na mesma mesa, aEvangelização não chega onde deve chegar. O Reino de Deus écomparado a um grande banquete preparado para todos os

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povos. (Is 25,5-6; Lc 14, 12-24; Ap 19,9). A crítica a Pedro e aseus companheiros (At 11, 3.12) não é porque falaram a Palavrade Deus e baptizaram gentios, é porque entraram na casa dehomens com prepúcio e comeram com eles. E Pedro, na casa deCornélio, para se provar como testemunha autêntico de Jesus diz:“ (...) a nós que comemos e bebemos com ele” (At 10,41).

6.1. O Espírito Comum

Comparando At 10, 44-48; 11,15-17; 15, 7-11 há algo relevante:“Também sobre os gentios foi derramado o dom do EspíritoSanto” (At 10,45).

Poderia alguém recusar a água do Baptismo para estes quereceberam o Espírito o Santo assim como nós? (At 10,47).“Ora apenas começara eu a falar, caiu o Espírito o Santo sobreeles, assim como sobre nós no princípio”( At 11,15).“Se Deus lhes concedeu o mesmo dom que a nós” (At 11,17)“Deus deu testemunho em favor deles, concedendo-lhes oEspírito o Santo assim como a nós (...) não fez distinçãoalguma entre eles e nós (...) Ao contrário, é pela graça doSenhor Jesus que nós cremos ser salvos, da mesma forma comotambém eles” (At 15,8-11).

De “eles assim como nós” (At 10 e 119) passa-se ao “nóscomo eles” (At 15,11). Quando Pedro falou assim, cumpriu o queJesus lhe tinha pedido: ”Quando porém te converteres, confirmaos teus irmãos “ (Lc 22,32).A descoberta do Espírito Comum, como Dom universal, faz cairos obstáculos à unidade e acalma as discussões (At 15,2.7).

Analisando At 10,14-15 em grego, cai nas vistas que a palavrausada para dizer impuro ou profano, é a palavra “comum” ; paradizer não chames de impuro, diz-se não chames de comum.O que poderá ter acontecido para que aquilo que é comum, detodos, se tenha transformado em impuro e profano? A resposta aesta pergunta nos levaria a longo processo na história dasreligiões. Ao que parece a ordem inicial : impuro igual a sagrado epuro igual a comum (tudo misturado) foi alterada por impuro

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igual a comum e puro igual a sagrado, ligando aos conceitos umconteúdo moral e oposto. Com o aparecimento de reis esacerdotes, o sagrado foi privatizado (para eles) e o comum (opovo e a terra) foi profanado como objectos de uso e abuso.A identidade procurada por oposição leva à perda de sentido e aoconflito, mas a identidade procurada por participação pessoal numtodo comum, sem submissão de nenhuma parte, mas em plenareciprocidade, leva ao sentido da vida como dom participado.

O que era comum é que foi profanado. O sagrado não foiprofanado!Jesus vem para resgatar o comum, a multidão (Mt 20,28).O COMUM onde todos têm parte (participam) e podem dar parte(partilham) onde todos são sujeitos, esse Comum é o Espírito oSanto (cf At 10,44-48; 15,7-11).Onde dois partilharem profundamente a sua vida, vãoexperimentar a presença misteriosa de Deus que é Trindade-Comunidade. É essa Presença amiga que nos faz descobrir” odivino” de cada pessoa, de cada comunidade. O Santo (ou comoalguns dizem o sagrado) não é o separado, reservado,privatizado. Divino verdadeiramente é o que está em todos e unea todos. É este divino TERCEIRO que envia “Cornélio e Pedro” aoencontro, e no encontro faz descobrir o Espírito Comum. “Poisfomos todos baptizados num só Espírito para ser um só corpo,judeus e gregos, escravos e livres, e todos bebemos de um sóEspírito” (1Co 12,13).

7. Perspectivas PastoraisViemos à Semana Teológica da Beira com algumas expectativas.Reflectimos alguns assuntos. Se no final voltarmos para casaiguais, então estivemos aqui a perder tempo. Tem que haveralguma consciência ou inquietação novas, alguma mudança. Éjusto que nos perguntemos: então agora como?

7.1. Pastoral em equipa

O nosso Deus é Trindade. Age em Trindade. O Filho e o Espíritosão os enviados divinos.

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Se somos chamados a viver e a trabalhar à imagem esemelhança de Deus, só nos resta viver e trabalhar emcomunidade, em equipa. Jesus envia os seus discípulos dois adois (Lc 10,1) e a Igreja orientada pelo Espírito Santo tambémforma, em princípio, equipa de Missão (At 13,2-3).

7.2. Atenção à batuta do Espírito Santo

A Evangelização, e portanto a actividade pastoral deve serreconhecida como iniciativa do Espírito Santo.11A acção doEspírito Santo é muito mais do que aquilo que nós fazemos ouconhecemos.Ver o que ele faz e então alegrar-se e proclamar (Cf. At 11,23; Lc10,21), colaborar (At 10,29 “por isso vim”), ser testemunha da suaacção (At 11,15.17; 15,8).Em At 1, 4.8 Jesus ordena aos seus discípulos de nãoavançarem para a “pastoral” antes de receberem o Espírito Santo.Só cheios do Espírito Santo é que podem enfrentar os poderes epotestades (cf. At 4,8.31; 7,55).

7.3. Relacionamento cordial

Sirva-nos o episódio de Paulo e seus companheiros (Sópatro,Aristarco e Segundo, Gaio, Timóteo, Tíquico e Trófimo, e talvezLucas) com os cristãos de Mileto (At 20, 4.17-38).“Após estas palavras, ajoelhou-se e orou com todos eles. Todosentão, prorromperam num choro convulsivo. E lançando-se ao

11 JOÃO PAULO II, Redemptoris Missio, n. 21 e 28“Verdadeiramente o Espírito Santo é o protagonista de toda a missãoeclesial. A sua obra brilha esplendorosamente na missão ad gentes, comose vê na Igreja primitiva pela conversão de Cornélio (cf. At 10), pelasdecisões acerca dos problemas surgidos (cf At 15), e pela escolha dosterritórios e povos (Cf. At 16,6). O Espírito Santo age através dosApóstolos, mas ao mesmo tempo, opera nos ouvintes (...) A presença eação do Espírito Santo não atingem apenas os indivíduos, mas também asociedade e a história, os povos , as culturas e as religiões”.

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pescoço de Paulo, beijavam-no, veementemente aflitos,sobretudo pela palavra que dissera: que não mais haveriam dever a sua face. E acompanharam-no até ao barco”.O Espírito Santo é comparado ao Relacionamento de amor. Se napastoral não surgir relacionamento amigo recíproco, se nãocrescer comunidade, se não surgir um elo que nos une demaneira indissolúvel, então falta o Espírito Santo e tudo degeneraem formalismo, poderes, partidos, conflitos, e até prostituiçãoquando as pessoas são usadas para exercício da religião masnão há relacionamento cordial e comunidade de vida.

6.4. A Criação como matriz

A narrativa de Cornélio e Pedro, fundação de uma comunidadeuniversal, tem como matriz, o relato da criação. As comunidadescristãs são mistas, pluralistas como a criação. Recusar-se a ver ea aceitar tudo junto como “naquela toalha” (At 10,11- 16; 11,3-10),é recusar o plano de Deus. Entramos numa alienação atrás daoutra, quando não partimos do “chão comum e mesa comum”, ouseja, da criação, que “é obra da Palavra do Senhor e do seuEspírito” (Gn 1,1; Sl 19,1-5; Rm 1,19-20). Somos terra “amada”,somos ser humano “adam” (Gn 3,19; 2,7). A libertação dospovos, o Reino de Deus não acontece sem a criação (Rm 8,18-23). Só a partir de uma identidade comum, ou seja , na base dasolidariedade radical do ser, é que podemos ir ao encontro unsdos outros e fazer serviço uns aos outros, como irmãos e irmãsiguais, relacionados, interdependentes, mas não submissos.Qualquer religião, cultura ou política que impeçam o encontro daspessoas, e não defendam a todo o custo a Vida (“luz que ilumina”Jo 1,4) e a dignidade das criaturas, são fantasia, alienação,injustiça e negócio.Vendo como a TERRA está sendo queimada, desmatada,inutilizada, prostituída, hoje pastoral já não é possível sem investirna defesa do ambiente, na luta contra a ignorância da populaçãoe contra a rapina criminosa das empresas. O Ambiente, onde aVida é possível, é hoje o nome melhor para o Espírito Santo. Semar ninguém consegue viver.

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6.5. Pastoral orientada pela Bíblia

Se queremos uma pastoral que nos conduza num processo deconversão e mudança para uma sociedade que promove a Vida ea Justiça, assumamos a Bíblia como caminho, paradigma, comoespelho para vermos o que deve ser corrigido em nós.

“É preciso que toda a pregação eclesiástica, assim como aprópria religião cristã seja alimentada e regida pela SagradaEscritura” (Vaticano II, Verbum Dei 21). “A ignorância dasEscrituras é ignorância de Cristo “ (Verbum Dei 25). Pela Palavrade Deus que o Espírito Santo “diz às Igrejas” (Ap 2,7.11.17.29;3,6.13.22), saberemos por onde andar.

Só experimentando que é o mesmo Espírito que agiu e que agehoje, é que os textos bíblicos deixarão de ser histórias edificantese passarão a ser Roteiros para ajudar a discernir o Rumo que noscabe hoje arriscar.

Terminamos esta exposição com umas palavras de Santo António(de Lisboa e de Pádua):“Feliz de quem fala conforme o Espírito lhe inspira e nãoconforme o que lhe parece”. A linguagem é viva quando falam asobras. Cessem portanto as palavras e falem as obras”(dosSermões de Santo António I, 226).

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Apêndice

Estrutura do texto (At 10,1-11,18)

Catalisador do texto: O Espírito

Objetivo do movimento do texto: o encontro à mesma mesa

A)Situação/desencontro : judeus (Pedro) não- judeus(Cornélio)

10,1-22 (primeiracena e parte dasegunda cena)

muro de separação:sistema do “puro e doimpuro” (10,14-28;11,3)

B) Caminho demudança

10,23-47 (últimaparte da segundacena e primeiraparte da terceiracena)

o Espírito toma ainiciativa, atua: dávisões, manda chamar,manda ir, remete àcriação (10,11-12) fazencontrar (10,20),anunciar Jesus Cristo,faz clarãomanifestando-sepresente também nosnão-judeus.

C) Nova situação

10,48(última parte daterceira cena):Baptismo

Hospitalidade

judeus e não-judeusacolhem-se e sentam àmesma mesa, numacomunidade semproibições.

D) Anúncio danova situação emJerusalém

11,1-18 quarta cena a novidade chega aJerusalém (11,1), os dacircuncisão sentem omesmo problema quePedro (10,1411,2-3)e pelo testemunho dosfactos (11,4-17),aceitam a novasituação (11,18).

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Bibliografia

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Este artigo foi-me entregue pelo próprioautor, quando ele,

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