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Universidade Federal da Paraíba Centro de Ciências Humanas Letras e Artes (CCHLA) Programa de Pós-Graduação em História O governo de Pedro Gondim e o Teatro do poder na Paraíba: Imprensa, imaginário e representações (1958-65). Railane Martins de Araújo JOÃO PESSOA - PARAÍBA FEVEREIRO – 2009

O governo de Pedro Gondim e o Teatro do poder na Paraíbalivros01.livrosgratis.com.br/cp124212.pdf · Georges Balandier, bem como da idéia de Imaginário, presente em George Duby,

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Universidade Federal da Paraíba Centro de Ciências Humanas Letras e Artes (CCHLA)

Programa de Pós-Graduação em História

O governo de Pedro Gondim e o Teatro do poder na Paraíba:

Imprensa, imaginário e representações (1958-65).

Railane Martins de Araújo

JOÃO PESSOA - PARAÍBA FEVEREIRO – 2009

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Biblioteca Central - Campus I - Universidade Federal da Paraíba

A663g Araújo, Railane Martins de. O governo de Pedro Gondim e o Teatro do poder na

Paraíba: imprensa, imaginário e representações (1958-65) / Railane Martins de Araújo.- João Pessoa, 2009.

139p. Orientadora: Monique Guimarães Cittadino Dissertação (Mestrado) – UFPB/CCHLA

1.História da Paraíba. 2. Gondim, Pedro – governo – 1958-1965. 3. Cultura Política. 4. História Política. 5. Práticas populistas. 6. Teatralização do poder.

UFPB/BC CDU: 32(043)

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O governo de Pedro Gondim e o Teatro do poder na Paraíba:

Imprensa, imaginário e representações (1958-65).

RAILANE MARTINS DE ARAÚJO

ORIENTADORA: Profa. Dra. Monique Guimarães Cittadino

Área de Concentração: História e Cultura Histórica Linha de Pesquisa: História Regional

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação, do Centro de

Ciências Humanas, Letras e Artes da Universidade Federal da Paraíba -

UFPB, em cumprimento às exigências para obtenção do título de Mestre em

História, Área de Concentração em História e Cultura Histórica.

JOÃO PESSOA - PARAÍBA FEVEREIRO – 2009

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O governo de Pedro Gondim e o Teatro do poder na Paraíba:

Imprensa, imaginário e representações (1958-65).

Avaliado em _______________ com conceito_____________

Banca Examinadora da DISSERTAÇÃO DE MESTRADO

______________________________________________________ Profa. Dra. Monique Guimarães Cittadino (UFPB)

Orientadora

Prof. Dr. Paulo Giovani Antonino Nunes (UFPB) Examinador

______________________________________________________ Prof. Dr. Gervácio Batista Aranha (UFCG)

Examinador

Prof. Dr. Elio Chaves Flores (UFPB) Suplente

______________________________________________________ Profa. Dra. Maria Lucinete Fortunato (UFCG)

Suplente

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Dedicatória

Dedico este trabalho:

Aos meus pais, especialmente a minha mãe, que sempre me auxiliou com seu amor e cuidado.

Aos meus irmãos, com os quais compartilho a vitória de estar concluindo

mais esta etapa da minha vida profissional.

A Diego, com quem escolhi dividir todos os momentos de minha vida!

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Agradecimentos

Chegamos ao final de mais uma jornada de nossa vida e neste momento a sensação é de

vitória. E como serva de um Deus vivo eu não poderia deixar de dedicar a Ele as primícias

dos meus agradecimentos, porque foi graças a Sua misericórdia que eu encontrei forças para

prosseguir; foi no Seu infinito amor que encontrei consolo nos momentos de angústia, e

graças aos Seus milagres eu pude chegar até aqui! Por isso a Ele eu rendo a minha vida em

forma de gratidão e de louvor.

Após agradecer ao principal responsável pela conclusão deste mestrado, gostaria de

reconhecer afetuosamente a contribuição de todos que participaram do amadurecimento e

conclusão deste trabalho.

Primeiramente, a minha querida orientadora Monique, pelos momentos de correção e

cobrança, que creiam, não foram poucos, mas essenciais para o desenvolvimento da minha

escrita. Muito Obrigada Monique, não pela paciência na orientação (porque como você

mesma sempre afirma, esta não é uma de suas características), mas sim pela inquestionável

competência com a qual conduziu nossa relação e nosso trabalho, muitas vezes apostando em

mim, mais do que eu mesma.

Aos professores Paulo Giovani e Gervácio que aceitaram fazer parte de nossa banca,

meus sinceros agradecimentos. A Paulo Giovani agradeço especialmente porque, pela

proximidade institucional e pela generosidade humana, se envolveu tão sensivelmente com

minhas inquietações, sempre me apresentando possibilidades de amadurecimento e

aprofundamento das questões empíricas.

Aos demais professores do Programa, principalmente àqueles com os quais cursei

disciplinas; Claúdia Cury, nossa coordenadora, Carla Mary, Elio Flores, Regina Behar,

Regina Célia, Antônio Carlos, Raimundo Barroso, pois no diálogo com os textos, bem como

diante de alguns questionamentos propostos nos foi possível suscitar questões e ampliar

horizontes teóricos.

A nossa querida secretária Virgínia, a qual sempre esteve prontamente disponível para

dissipar nossas dúvidas e resolver as questões burocráticas de sua competência.

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A minha amiga Giulianne, companheira de aventuras e desventuras, como eu sempre

digo, pelo compartilhar de cada descoberta, pelas dúvidas postas que sempre me ajudavam a

refletir sobre meus objetivos e minhas incursões teóricas e pelas imensas gargalhadas que

demos de tudo e de nós mesmas. E ao lado de Giulianne, não poderia deixar de estar meu ex-

orientador, mas sempre amigo e companheiro, Júnior Flôr, pela preocupação e pela solicitude

em ajudar no que podia, sobretudo nas palavras mágicas de ânimo e encorajamento, desde o

primeiro momento de inserção nessa jornada. Veleu mestre!

Aos meus colegas de turma, Adeilma, Adriana, Aninha, André, Célia, Ediene, Eloy,

Genes, Herick, Luciana, que souberam, cada um ao seu modo, compartilhar as angústias e as

expectativas deste trabalho.

A todos os irmãos da Igreja Cristã Maranata que estiveram acompanhando, apoiando e

ajudando, durante todas as fases deste mestrado. E gostaria de pedir licença a estes para

agradecer especialmente as minhas amigas Andreza, Adriana e Polyana com as quais

compartilhei provas e vitórias e das quais recebi incentivo, apoio e, sobretudo, orações.

A Capes pela bolsa de estudo nos doze últimos meses desta pesquisa.

Aos funcionários do Instituto Histórico, do Arquivo Público e do Diário da Borborema,

pela gentileza em facilitar o acesso e a coleta do material necessário à pesquisa, bem como a

Fábio da Rocha pela possibilidade da pesquisa na Biblioteca Maurílio de Almeida.

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RESUMO

O presente trabalho tem como objeto o Governo de Pedro Gondim na Paraíba, o qual se desenrolou entre os anos de 1958 a 1965. O tema, por envolver um governo paraibano, se insere na linha de pesquisa História Regional, do Programa de Pós-Graduação em História da UFPB, que tem como área de concentração História e Cultura Histórica. Sendo assim, o nosso objetivo é, dentro das novas implicações da história política, sobretudo a partir da categoria de cultura política, perceber como foram montadas, em meio a esse intervalo de tempo, as diversas imagens para caracterizar este líder. Tomamos como fonte principal o Jornal estatal A União. A escolha por esse objeto partiu de sua localização temporal e de sua aproximação com as práticas populistas, as quais davam o tom da política nacional no período. Ademais, a década de 1960 atravessou momentos de crise político-social, as quais sinalizam para nós como um cenário propício a percepção do teatro do poder. Desse modo, nos apropriamos dos conceitos de Teatralização do Poder, a partir de Cliffort Geertz e Georges Balandier, bem como da idéia de Imaginário, presente em George Duby, e do Poder Simbólico com Pierre Bourdieu. Aparece também com freqüência em nosso texto as recorrências a Representação, a partir de Roger Chartier, com a Mitologia política de Raoul Girardet. Nos três capítulos discorremos sobre as representações e enunciados construídos em torno da figura de Pedro Gondim, e como estes, apoiados em elementos da cultura histórica paraibana, transpareciam o controle do Estado sobre o cotidiano da política local, além de massificar uma idéia de que a razão de todas as ações do Governador era o bem estar do povo paraibano, bem como das instituições e da democracia. Palavras-chave: História da Paraíba, Pedro Gondim, cultura política, práticas populistas, teatralização do poder.

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ABSTRACT This work examines the period in which Pedro Gondim was governor of Paraíba, from 1958 to 1965. The theme e comes, therefore, the line of research Regional History of the Graduate Program in History of UFPB. This program is dedicated especially to the area of History and History Culture. Therefore, our study (that is political history and is linked to political culture), seeks to understand how the various images were assembled to characterize this political leader. The main source of research is the state newspaper The Union. The period Pedro Gondim matches with the populist practices at the national level, our goal is to see how those practices occurred at the level of Paraíba. Moreover, the 1960 through times of political and social crisis, which indicate a scenario conducive to the perception of the theater of power. We appropriate of concepts of dramatization of Power (Cliffort Geertz and George Balandier), the idea of Imaginary (George Duby) and Symbolic Power (Pierre Bourdieu). We, too, appropriate the concept of representation (Roger Chartier) and mythology politics (Raoul Girardet). In three chapters talk about the representations and listed built around the figure of Pedro Gondim, and as such, supported by elements of the historic culture of Paraíba, reflected the state’s control over the daily life of local politics. Besides, a massive idea that the reason for all actions of the Governor was the welfare of the people of Paraíba and the institutions and democracy. Keywords: History of Paraíba, Pedro Gondim, political culture, practices populist, dramatizations of power.

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Introdução

O que faz um político ser “espiritual” não é, afinal, sua posição fora da ordem social, em algum transe

de auto-admiração, e sim um envolvimento íntimo e profundo – que confirme ou deteste, que seja defensivo ou

destrutivo – com as ficções mais importantes que tornam possível a sobrevivência desta ordem.

(Clifford Geertz)

Ao propormos, nesta dissertação, uma discussão sobre a história política paraibana, em

especial os desdobramentos do Governo de Pedro Moreno Gondim entre os anos de 1958 a

1965, estamos entendendo o trabalho com o poder político, a partir das novas implicações

postas pela renovação dos temas, abordagens e dimensões do campo historiográfico. Neste

sentido, a escolha do objeto para a discussão partiu da ânsia de perceber como as tramas

políticas dos anos Jânio/Jango e o Golpe Militar repercutiram nas dimensões políticas locais.

A partir dessa inquietação inicial fomos tecendo os primeiros contatos com os anos da

administração de Gondim.

No entanto, no processo de amadurecimento do objeto em questão, foi-nos sugerido

analisar a trajetória governista de Gondim desde a interinidade, entre 1958-60, quando ele

ocupou o cargo substituindo o então Governador Flávio Ribeiro Coutinho, visto que estes

primeiros anos no poder do Estado foram fundamentais para traçar seu perfil enquanto

homem público. Desse modo, o nosso recorte temporal passou a abarcar os quase oito anos

nos quais Pedro Gondim esteve no poder no Estado.

A nossa análise sobre este governo objetivava perceber, como já dissemos, as tramas

políticas montadas na Paraíba durante estes conturbados anos, e quais falas e posturas foram

assumidas pelo Estado em resposta as demandas locais, sobretudo no contexto de ascensão do

movimento agrário conhecido como Ligas Camponesas. No entanto, nossa maior inquietação

era perceber essas questões em consonância com uma idéia que, a priori, parecia bastante

pessoal, de que o poder de um indivíduo para ser legítimo e autorizado precisa atender certas

demandas imaginárias e simbólicas da sociedade. Tais demandas não podem necessariamente

serem explicadas pela razão, ou pela lógica dos fatores político-sociais, mas ao contrário, se

enquadram no universo das paixões e das sensibilidades, no universo do simbólico, do mítico.

O universo que não nos parecia averso ao político, mas sim, parte constituinte deste, sendo

um dos fatores responsáveis pelo esplendor e eficiência da política. Essa inquietação pessoal

tornou-se acadêmica em contato com os autores que trabalham justamente a construção do

simbolismo em torno da política para justificar a sua relação com a sociedade.

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Sendo assim, para nos achegarmos às respostas pretendidas, lançamos mão de leituras

sobre “nova história política”, bem como do conceito de “teatralização do poder”, além dos

conceitos caros à história cultural, como imaginário, representação e símbolo. Acreditamos

ser necessária uma breve contextualização da possibilidade aberta pela recente historiografia

para o uso de tais conceitos e de uma proposta de trabalho que busque uma leitura do poder a

partir da idéia de encenação.

A disciplina histórica sofreu uma renovação nas primeiras décadas do século XX com a

ascensão da chamada “nova história” e o estabelecimento de um diálogo profícuo entre os

historiadores e outros cientistas sociais, sobretudo, os antropólogos, os sociólogos e os

lingüistas 1. Desse modo, a história política, tal como a percebemos neste trabalho, está

imbricada de uma nova prática histórica que incorpora a ampliação das fontes, dos temas e

dos diálogos postos atualmente para o campo do conhecimento histórico. Segundo René

Rémond (2003, p. 26), além do diálogo com outras ciências, a nova história política

incorporou um intenso contato com o universo do cultural, do qual emerge o desejo de

compreender os múltiplos poderes presentes no corpo social a partir do universo simbólico e

representativo que o acompanham. Sendo assim, juntamente com o conceito de representação

e de imaginário, as mitologias, os discursos, a cultura histórica e a cultura política passam a

ter valor preponderante nos trabalhos envolvendo o estudo do poder, especialmente o do

poder político. Concordamos assim com Rémond quando ele afirma que: “a virada da sorte

da história política” foi composta pela emergência desses novos campos e abordagens. Vale

ressaltar que nosso olhar sobre essa dita “renovação” da história política, se limita aos

desdobramentos da historiografia francesa, bem como a influência que esta desempenha sobre

a escrita historiográfica nacional.

No entanto, lançando um olhar sobre a antropologia norte-americana, Clifford Geertz

(1998), nos aponta uma consideração extremamente pertinente para nosso debate. O autor

afirma que o século XIX, por ter mergulhado nos paradigmas “modernos” de racionalidade,

acabou por engessar as relações presentes no universo do poder político em uma estrutura

desprovida de emoção. Porém, Geertz considera que o poder ainda é hoje, tal como nas

sociedades monárquicas, embevecido pelos valores míticos, pelo simbolismo e pelo fausto,

elementos que juntos dão vida ao espetáculo da política. Geertz (1998, p. 215) afirma que:

“(...) O extraordinário não deixou a política moderna, por mais que a banalidade nela tenha

entrado; o poder ainda inebria, mas também ainda dignifica”. Para o autor, as monarquias

1 Para uma mais profunda histocização dos caminhos trilhados pela história política desde o século XIX aos nossos dias ver: ARANHA, 2001, p. 38-42.

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desapareceram, mas não desapareceu a capacidade de se produzir, na política, “espetáculos

que exaltem ou desafiem o centro”. ( p. 216).

A crítica à racionalidade moderna apontada por Geertz nos serve de apoio para a

compreensão da chamada “virada de sorte” que Rémond classificou anteriormente para

definir as mudanças presentes na história política atual. Isso porque, a noção de poder político

– matéria prima da história política – passou a sofrer deslocamentos de interpretação. As

novas leituras sobre o poder, bem como sobre o espaço a ele delimitado, passaram a ser

pensadas não mais nos limites das esferas institucionais, focados apenas nos atos dos

afamados “grandes homens”, mas, ao contrário, passaram a ser vistas como resultado de uma

relação dinâmica entre os políticos e os diferentes elementos e grupos que compõe o corpo

social 2. Ou mesmo, quando se foca o olhar na figura dos “líderes” estatais, monarcas ou

republicanos, como é o caso deste trabalho, a perspectiva é perceber os caminhos trilhados

pela construção de uma “imagem de liderança”, os elementos da cultura e do imaginário do

grupo em questão, presentes na elaboração de tal imagem de poder. Nesse sentido, os

historiadores passam a atentar para as tramas que envolvem o establishment do poder

político, nas mais diferentes e complexas sociedades, ou conjunturas políticas, sobretudo, no

tocante aos elementos simbólicos que legitimam o poder nas mãos de determinados sujeitos,

famílias ou partidos.

Gervácio Batista Aranha (2001, p. 139), por exemplo, aponta o contraponto entre a

perspectiva dos eruditos do século XIX e dos historiadores do político na contemporaneidade,

em que os primeiros buscavam com sua escrita sobre a história política “a preparação de

monumentais histórias de reinos ou dinastias, retratando as realizações que julgavam

‘gloriosas’ por parte de seus monarcas...”, enquanto os segundos, no tocante às suas

motivações e argüições sobre os objetos que exploram, buscam (...) o estudo do comportamento dos atores sociais responsáveis pelas ações políticas e sua representação imaginária, em particular no tocante à fabricação dos chamados símbolos do poder e dos meios que recorrem para que tais ações ou símbolos sejam aceitos favoravelmente, sem contestações. Daí a preocupação do novo historiador político em ‘desvendar mitos, ritos e símbolos que a sociedade resgata e a política coloca em ação’... 3

2 Segundo José de Assunção Barros (2005, p. 1-2) a “nova história política”, principalmente nos seus desdobramentos a partir dos anos 1980, passou a se interessar pelas diversas modalidades e esferas do poder, os chamados micropoderes, as relações de poder no interior da família, o relacionamento dentro dos grupos, bem como o campo das representações políticas, dos símbolos, dos mitos políticos, do teatro do poder, os quais nos interessam diretamente em nossa pesquisa, além do universo das construções discursivas. 3 Os grifos da citação correspondem as palavras de Mª Eurydice de Barros Ribeiro, 1994, p. 100 evocadas pelo autor.

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Dito isto, passemos a uma breve elucidação dos termos recorrentes na escrita dos

historiadores do político na contemporaneidade e que aparecerão com significativa

recorrência no decorrer deste texto. Não raro aparecem nos textos de história política os

conceitos advindos da História Cultural, como imaginário, representação e simbologia. Além

da categoria cultura política e dos temas envolvendo a teatralização do poder, os quais se

aproximam mais do contato entre a história política e a Antropologia. Desse modo,

entendemos por imaginário, tal como Sandra J. Pesavento (2003, p.43), “um sistema de idéias

e imagens de representação coletiva que os homens, em todas as épocas, construíram para si,

dando sentido ao mundo” . Para Jacques Le Goff (1994, p. 11-12) o imaginário é um:

“fenômeno coletivo, social e histórico”.

Segundo José de Assunção Barros (2005, p. 138), o imaginário pode ser entendido se

relacionado com as imagens mentais de um indivíduo, mas, sobretudo, de uma sociedade,

pois através destas imagens mentais a sociedade forja seu sentido para compreender a

realidade que os circunda. O universo do imaginário é composto assim, por “imagens,

símbolos, mitos e visões de mundo” e se relaciona diretamente com as questões sociais e

políticas de uma época.

Como exemplo de tal afirmativa, Barros (2005) toma a Europa medieval, sobretudo a

crença no “toque real”. O autor destaca que a existência de um imaginário típico do período,

imbuído das crenças religiosas e míticas próprias da época, privilegiaram a construção deste

simbolismo em torno do rei. Ou seja, os códigos culturais, os simbolismos e mitos da

sociedade inglesa e francesa, foi o que tornou possível a montagem de uma representação em

torno de um rei possuidor de um dom de cura sobre doenças desconhecidas, o qual lhe foi

outorgado pelo sagrado, e que se materializava apenas com um toque. Desse modo, Barros,

tomando como esteio de análise a obra de Marc Bloch, os Reis Taumaturgos 4, publicada em

1924, afirma que Um exemplo pioneiro de conexão entre a História Política e a História do Imaginário, que remonta à terceira década do século XX, é a famosa obra em que Marc Bloch estuda Os reis taumaturgos. O que Bloch está examinando neste caso é a persistência de um determinado imaginário régio, de uma determinada crença popular em um aspecto muito específico e delineado que seria a capacidade dos reis franceses e ingleses de duas dinastias medievais curarem com um simples toque as “escrófulas” (sintomas visíveis de doenças pouco conhecidas na época). Marc Bloch decifra precisamente a imagem do “rei taumaturgo” e a sua apropriação política, investigando rituais e simbologias que com ela estariam relacionados. Não é portanto um modo genérico de sentir o que ele busca rastrear, o que caracterizaria uma obra mais como uma História das Mentalidades do que como uma História do Imaginário, mas sim a história de uma crença muito bem delineada e atrelada ao

4 Gervácio Batista Aranha em sua tese discorre brevemente sobre o imaginário medieval, tendo também por base, a obra de Bloch. (Ver ARANHA, 2001, p.38-41).

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universo político e social de sua época, com base em um imaginário que tem uma história a ser decifrada e que foi se entranhando na maneira medieval de conceber uma realeza que dialoga com a sacralidade. (BARROS, 2005, p. 138-9).

Seguindo a trilha de análise aberta por Barros, tomamos também a definição de George

Duby sobre o imaginário. O autor, no prefácio de A história Continua (1993), explica o uso

que propôs acerca do termo imaginário, visto que para ele o imaginário, apesar de imaterial,

não é irreal, posto que incide decisivamente sobre o comportamento dos homens em uma dada

época. O autor afirma que ... tomava-o [o imaginário] em seu sentido mais amplo, para designar o que só existia na imaginação, a faculdade do espírito de forjar imagens. É com razão, quer-me parecer, pois minha intenção era escrever a história de um objeto extremamente real, apesar de imaterial, a representação mutante que a sociedade dita feudal tinha de si mesma, (...). (DUBY, 1993, p. 113).

Barros, em outro artigo, no intuito de levar o leitor a uma melhor compreensão entre a

relação existente entre imaginário e prática social, se apropria das leituras que atravessaram o

Ocidente entre os séculos XI e XVII com respeito à figura do mendigo. O autor apresenta

assim, que o mendigo passou de um sujeito necessário para a sociedade medieval,

representação que o acompanhou entre os séculos XI e XII, por ser através das “boas obras”

que os homens ricos da sociedade alcançariam salvação de suas almas, para, no século XIII,

com a ascensão das ordens mendicantes, ser associado ao mais supremo dos valores humanos,

resultante de seu estado de pobreza extrema. No entanto, nos aponta ainda o autor, chegado o

século XVI, o mendigo passou a ser visto de forma excludente pela sociedade, a qual

começava a forjar os valores sobre o mundo do trabalho, passando a criticar a ociosidade.

Nesse caso, o mendigo, sobretudo o mendigo estrangeiro, ou “pobre de passagem”, devido a

sua falta de ocupação, foi se associando e sendo estigmatizado como um marginal 5. Sendo

assim, Barros afirma que O mendigo, que na Idade Média beneficiara-se de uma representação que o redefinia “instrumento necessário para a salvação do rico”, era agora [no final do século XVII] penalizado por se mostrar aos poderes dominantes como uma ameaça contra o sistema de trabalho assalariado do Capitalismo, que não podia desprezar braços humanos de custo barato para pôr em movimento suas máquinas e teares, e nem permitir que se difundissem exemplos e modelos inspiradores da vadiagem. O mendigo passava a ser representado então como um desocupado, um estorvo que ameaçava a sociedade (e não mais como um ser merecedor de caridade). Ele passa a ser então assimilado aos marginais, aos criminosos – sua representação mais comum é a de vagabundo... Novas práticas irão substituir as antigas, consolidando novos costumes. (BARROS, 2006, p. 139).

A afirmativa de Barros corresponde assim, a uma instrumentalidade real do imaginário,

apesar de sua imaterialidade, tal como nos afirmou acima Duby.

5 Ver: BARROS, 2006, p. 137-139.

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Compreendemos o conceito de representação, intimamente relacionado com o de

Imaginário, como visão de mundo e posição diante do mundo, sendo justamente no

imaginário de um período, que se encontram congregadas as representações que os diversos

sujeitos constroem para dá sentido ao “mundo real” 6. A representação é estudada por Roger

Chartier como a relação entre a imagem presente e um objeto ausente, uma valendo pelo outro

porque são homólogas. Chartier, re-visitando as sociedades do Antigo Regime, se apropria

das definições de Furetière, o qual, em 1727, elabora dois sentidos para explicar o termo

representação. Segundo Chartier: (...) as acepções correspondentes à palavra "representação" atestam duas famílias de sentido aparentemente contraditórias: por um lado, a representação faz ver uma ausência, o que supõe uma dist inção clara entre o que representa e o que é representado; de outro, é a apresentação de uma presença, a apresentação pública de uma coisa ou de uma pessoa. Na primeira acepção, a representação é o instrumento de um conhecimento mediato que faz ver um objeto ausente substituindo-lhe uma "imagem"capaz de repô-lo em memória e de "pintá-lo" tal como é. Dessas imagens, algumas são totalmente materiais, substituindo ao corpo ausente um objeto que lhe seja semelhante ou não: tais os manequins de cera, de madeira ou couro que eram postos sobre uma sepulcral monárquica durante os funerais dos soberanos franceses e ingleses. (...) (CHARTIER, 1991, p. 10).

Compreendemos assim, que o poder da representação está na mobilização de

significados a ela associados, que acabam por conferir poder a um sujeito ou à sua fala. Desse

modo, a representação, ao fazer “ver uma ausência”, proporciona à sociedade um ato de

rememoração, que “pinta” a realidade passada “tal como” ela tenha sido. Ao mesmo tempo, a

representação, ao “apresentar uma presença”, exerce um ato simbólico de atribuir sentido

aquilo que se vê. Vale ressaltar que o sentido atribuído ao mundo depende dos valores

cultuados na sociedade.

Parece-nos pertinente, nesse sentido, a proposição de Pierre Bourdieu (1989) acerca do

que ele classifica de “poder simbólico”. Bourdieu aponta como é possível se forjar uma

determinada realidade, a partir das subjetividades, as quais compõem o “universo simbólico”,

respaldando a construção dos símbolos. Sendo assim, o processo de construção de um tipo de

poder simbólico em uma sociedade é acompanhado pela enunciação desse poder, pelo dizer-

se poder, e cristalizar-se como poder, sedimentado em um processo de sensibilização e uma

pseudo-identificação entre o sujeito que enuncia e o grupo social alvo da enunciação. Desse

modo o autor afirma que

...o poder de construir o dado pela enunciação, de fazer ver e fazer crer, de confirmar ou de transformar a visão do mundo e, deste modo, a acção [sic] sobre o mundo, portanto o mundo; poder quase mágico que permite obter o equivalente daquilo que é obtido pela força (física ou econômica), graças ao efeito específico da

6 Ver CHARTIER, 1990, p. 25.

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mobilização, só se exerce se for reconhecido, quer dizer, ignorado como arbitrário (...) (BOURDIEU,1989, p.14).

Em uma outra obra, A economia das trocas lingüísticas (1998), Bourdieu apresenta a

linguagem como detentora de uma capacidade peculiar de formação de espaços de poder, bem

como de comportamentos. O autor aponta como as categorias de símbolo e poder simbólico,

ao se fazerem presentes na linguagem, facilitam a formação e a manipulação de elementos

que ajudam um indivíduo a transformar-se em autoridade. Essa autoridade tem sua aura

cristalizada cotidianamente na sociedade, através da constante ratificação do seu poder como

legítimo e necessário. Sendo assim, Bourdieu (1998, p. 87-88) aponta que (...) Pode-se dizer que a linguagem, na melhor das hipóteses, representa tal autoridade, manifestando-a e simbolizando-a. Há uma retórica característica de todos os discursos institucionais, quer dizer, da fala oficial do porta-voz autorizado que exprime em situação solene, e que dispõe de uma autoridade cujos limites coincidem com a delegação da instituição. (...). O uso da linguagem, ou melhor, tanto a maneira como a matéria do discurso, depende da posição social do locutor que, por sua vez, comanda o acesso que se lhe abre à língua da instituição, à palavra oficial, ortodoxa, legitima. O acesso aos instrumentos legítimos de expressão e, portanto, a participação no quinhão de autoridade institucional, está na raiz de toda a diferença – irredutível ao próprio discurso – entre a mera impostura dos “mascaradores” (masqueraders) que disfarçam a afirmação performativa em afirmação descritiva ou constatativa e a impostura daqueles que fazem a mesma coisa com a autorização e a autoridade de uma instituição. O porta-voz é um impostor provido do cetro (skeptron). (grifos do autor).

Com relação ao diálogo travado entre a história política e a antropologia, ressaltamos a

possibilidade de estudos focados na categoria “cultura política”, a qual busca compreender as

subjetividades que perpassam a relação entre os diferentes grupos que compõem a sociedade e

o poder político, ressaltando, mais uma vez, que o poder é aqui pensado para além da

circunferência institucional do Estado.

Inicialmente, o termo cultura política apareceu no dicionário dos cientistas políticos

para designar o estudo dos acontecimentos políticos vivenciados em uma sociedade, a partir

do cruzamento de elementos que perpassavam o campo da sociologia, da antropologia e da

história. O objetivo desses estudos era apreender a cultura política de tais sociedades, sendo

esta entendida como a “expressão do sistema político de uma determinada sociedade nas

percepções, sentimentos e avaliações da sua população” 7. Após as críticas sofridas pelo

conceito no campo da ciência política, por volta da década de 1990, ele migra para os estudos

históricos. Segundo Monique Cittadino (2007, p. 53), o contato da história política com o

conceito de cultura política resultou em uma sofisticação do campo de estudo do poder. A

autora afirma que

7 ALMOND & VERBA, 1963, p. 13, apud KUSCHNIR & CARNEIRO, 1999, p.227-8.

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(...) O estudo da política, a partir da incorporação da noção de cultura política, deixa de se restringir às questões políticas formais, às práticas institucionais, às discussões centradas no aparelho de Estado e suas leis, passando a levar em conta elementos conformadores da dinâmica interna das relações sócio-políticas entre os diferentes atores sociais (individuais e coletivos) e entre estes e o Estado, a exemplo de suas percepções, visões de mundo, valores e sentimentos. Em síntese, estas novas análises, partindo do campo teórico da cultura política, passaram, sobretudo, a levar em conta conceitos como o de paixão e o de desejo e a refletir como estas paixões e estes desejos terminam por serem determinantes dos comportamentos e condutas dos indivíduos ou dos grupos diante da sociedade e da política.

Neste sentido, os estudos envolvendo a cultura política sinalizam para nós uma das

possibilidades de estabelecer conexões entre o universo simbólico e material de uma

sociedade, uma vez que esta categoria engloba o conjunto de relações e representações

forjadas no contato entre o poder político e os diferentes grupos sociais, em épocas distintas.

Ou seja, a forma como a sociedade, na multiplicidade de seus grupos, compreende e se

posiciona frente a mudanças de governos, de sistemas políticos, de ideários de poder, tendo

como ponto de intercessão entre a posição a se assumir e o poder estabelecido, o conjunto de

seus valores culturais. A historiadora Ângela de Castro Gomes (2005), com seus estudos

sobre o Brasil Republicano, especialmente no período do Estado Novo, contribui

significativamente para a ampliação do conceito. A autora ressalta que a sociedade, entendida

na pluralidade dos indivíduos e grupos que a constituem, desenvolve formas de perceber e de

se posicionar frente ao Estado e às suas práticas de poder, de modo que são criados símbolos e

mitos que constituem e dão significado ao imaginário político das gerações. Segundo Gomes

(2005, p. 31), o termo cultura política pode ser definido como: (...) ‘um sistema de representações, complexo e heterogêneo’, mas capaz de permitir a compreensão dos sentidos que um determinado grupo (cujo tamanho pode variar) atribui a uma dada realidade social, em determinado momento do tempo. Um conceito capaz de possibilitar a aproximação com uma certa visão de mundo, orientando as condutas dos atores sociais em um tempo mais l ongo, e redimensionando o acontecimento político da curta duração. (grifos nossos).

Desse modo, entendemos que a cultura política abrange uma série de sentimentos, de

representações, de imaginários políticos e de mitologias, acabando por abarcar um conjunto

significativo de possibilidades de trabalho para o historiador do político, em consonância com

o que estaremos a discutir nesta dissertação. Esse encontro entre o historiador e as novas

possibilidades de estudo do poder possibilita a problematização de discursos de governos, de

estados, ou mesmo de indivíduos, em diferentes momentos históricos. Dentro dessas novas

perspectivas de análise o historiador se preocupa com os caminhos trilhados por um “líder”

político no intuito de se apropriar do conjunto simbólico que constitui os valores culturais e

identitários de uma sociedade, para, a partir de tal apropriação, forjar para si uma

correspondência com tais grupos, alcançando assim, legitimidade no exercício do poder.

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No entanto, para que tal movimento de legitimação seja possível, é necessário o

estabelecimento de uma série de práticas de poder, de falas, de atitudes e recursos imagéticos

para que um determinado sujeito consiga cristalizar sua imagem perante a sociedade; para que

o povo, na amplitude e vagueza que o termo designa, seja sensibilizado, atraído e se sinta

identificado com as “autoridades” que se propõe a representá-los. Sendo assim,

resumidamente, poderíamos dizer que as práticas políticas se apóiam em modelos de poder,

em representações sócio-culturais, que juntamente com o imaginário político de uma

sociedade, em um dado momento histórico, possibilitam a um sujeito, ou a um grupo, ou

mesmo a um ideário, se consolidar no poder. Vale ressaltar que todos esses elementos podem

ser lidos como parte constituinte da cultura política de uma sociedade. Corroboramos assim,

com a afirmação de Gomes (2005, p.32), de que: “(...) culturas políticas exercem papel

fundamental na legitimação de regimes, sendo seus usos extremamente eficientes”.

Ao lado da cultura política está também, servindo de cenário para a montagem de

discursos políticos e apelos de identificação e sensibilização com o público, a Cultura

Histórica. Essa categoria de análise nos foi apresentada no contato com o programa de pós-

graduação, no qual estamos inseridos, e pode ser compreendida como a relação que uma

sociedade estabelece com seu passado histórico, e através deste contato é levada a elaborar

suas representações, suas identidades, suas formas de se compreender e se situar em relação

ao seu próprio passado, bem como ao tempo presente 8. A cultura histórica pode ser resultado

de uma memória coletiva, através de narrativas do passado de um grupo, e pode ainda ser

fruto de uma escrita historiográfica. Por meio dessas, os historiadores, de oficio ou não,

constroem uma determinada versão sobre os acontecimentos passados e presentes. Tais

versões podem atingir um grau tão elevado de legitimidade que acabam por contribuir para a

formação de identidades e representações coletivas 9.

Somando-se a cultura política e a cultura histórica aparece com significativa

importância para o desenvolvimento de nossa pesquisa e da compreensão de nosso objeto, o

conceito de teatralização do poder. Tal conceito será aqui brevemente apresentado, visto que

8 Ver FLORES, 2007; GOMES, 2007. 9 Ao longo de todo texto aparecem referências os usos políticos da cultura histórica nacional e local. Tais exemplos nos ajudam a compreender o termo em seus dois sentidos mais abrangentes, quais sejam o que se relaciona com uma escrita historiográfica, ao oficio do historiador, que ao dizer algo sobre o passado ajuda a legitimar uma memória “oficial” sobre feitos e fatos e sujeitos, e o segundo sentido do termo que se volta para os significados que a sociedade atribui ao seu passado, que é, segundo os autores com os quais dialogamos, sobretudo, FLORES e GOMES, também considerado cultura histórica. Como exemplo substancial dessa relação entre escrita e identidade, exploramos o mito da paraibanidade, visto que ele foi fruto de uma escrita dos historiadores paraibanos do XIX, mas acabou sendo objeto de uso dos grupos políticos para cristalizar a identidade do paraibano. Sobre tal discussão ver p. 103 e 104 desta dissertação.

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o retomamos mais detalhadamente no desenrolar dos capítulos. O que gostaríamos de

esclarecer aqui é a apropriação geral que estamos fazendo deste, a partir das leituras dos

antropólogos Geertz (1998) e Balandier (1982), os quais nos levam a entendê-lo como a

montagem recorrente feita nos processos políticos, ou no desenrolar dos governos,

monárquicos, republicanos ou autoritários, de verdadeiras peças de teatro, nas quais o

representante estatal encena acerca dos valores, dos sentimentos, do imaginário político da

sociedade, buscando se aproximar de seus eleitores, ou de seus súditos, com o objetivo de

garantir a legitimação de seu poder.

Como um bom exemplo da crença na eficácia da aproximação entre a história e a

antropologia, bem como do uso da idéia de teatralização do poder, tomamos a exposição de

Aranha (2001, p. 43): ... estou convencido de que a hipótese do Estado espetáculo ou da teatralização política é válida porque pode ser testada em inúmeras experiências sociais pelo mundo afora, servindo como referência para a caracterização da vida política em diferentes sociedades, mesmo distantes no tempo e no espaço, inclusive atuais. Entretanto, na condição de historiador, não poderia deixar de chamar a atenção para o fato de que essa hipótese só tem alguma validade se foram respeitadas as devidas condições da cultura, tempo e lugar, sem dúvida o mandamento número um dos profissionais da história. (ARANHA, 2001, p. 43).

Balandier, por exemplo, nos propõe uma fórmula para se compreender essa posição de

constante encenação desempenhada pelo “príncipe” perante a sociedade. O autor afirma que (...) O príncipe deve se comportar como ator político para conquistar e conservar o poder. Sua imagem, as aparências que tem, poderão assim corresponder ao que seus súditos desejam encontrar nele. Ele não saberia governar mostrando o poder desnudo... e a sociedade em uma transparência reveladora. Tomemos pois o risco de uma fórmula: a aceitação resulta em grande parte das ilusões da ótica social. (BALANDIER, 1982, p.7).

Aranha (2001, p. 44) discorrendo sobre a fórmula da aceitação, presente na “ilusão da

ótica social” proposta por Balandier (1982), nos afirma que (...) um sistema de poder não se perpetuaria sem que seus dirigentes, a exemplo do príncipe nas propostas políticas de Maquiavel, se transformasse em atores políticos, com capacidade para produzir imagens, ante os governados, que lhe sejam totalmente favoráveis, jamais apresentando o “poder desnudo” ou revelado em toda sua “transparência”, pois essa é uma imagem que l evaria os governados a se decepcionarem com o sistema político vigente.

Nesse sentido, foi à procura de um palco propício, no qual Pedro Gondim pudesse ter

exercido seu potencial teatral, que escolhemos como fonte de nossa pesquisa a imprensa

paraibana, com ênfase especial nas reportagens de A União. O jornal A União despertou nosso

interesse imediato por ser o único no Brasil de origem estatal, e, ainda no período de Pedro

Gondim, ser apresentado pelos seus próprios editores – nas edições pesquisadas (de 1958 a

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1966) – como um “Patrimônio do Estado” 10. Essa posição de pertencimento ao Estado coloca

o jornal A União em uma posição de frente no que diz respeito à construção de imagens e

representações para classificar e legitimar os líderes políticos locais. Neste sentido, nos

interessava perceber quais elementos foram elencados por este jornal, em meio aos

conturbados anos que perpassaram a administração de Gondim, para fortalecer sua imagem de

líder popular, tão cara ao governador, mas ao mesmo tempo, colocá-lo em direto debate com

os diferentes setores da sociedade, ajudando-o a responder às cobranças e às “calúnias”

proferidas pela oposição. Sendo assim, compreendemos o jornal A União como um palco

perfeito para a encenação deste governo, que se utilizou de todo um conjunto de elementos da

cultura histórica local para se aproximar da população, se apresentando como um líder capaz

de solucionar seus problemas, mas que recorria a estes mesmos elementos para justificar suas

decisões e merecer apoio por parte de seu “povo”.

No entanto, diante das especificidades do Governo de Pedro Gondim, sobretudo o fato

dele ter se ausentado do poder em março de 1960, para lançar-se candidato ao Governo do

Estado, nos foi gerada a necessidade de trabalhar com outras fontes impressas, dentre as quais

optamos pelos Jornais: O Norte e Diário da Borborema. Esses dois jornais foram essenciais

para perceber como se desdobrou sua campanha para o Governo, em um momento no qual

Gondim era tido como oposição e perseguido pelo jornal A União, por Ruy Carneiro e pelo

PSD. Através dessas duas novas fontes percebemos os rituais adotados por Gondim na

construção de sua imagem como candidato necessário à Paraíba naquele momento.

Ademais, a escolha por trabalhar com fontes impressas parte também da idéia de que a

imprensa, ao manipular os discursos sobre os acontecimentos cotidianos, acaba se

estabelecendo como tutora das informações, e se auto-conferindo um status de autoridade 11.

No âmbito da política, a proximidade da mídia com a população acaba ainda por torná-la um

alvo disputado pelas tramas do poder político, no sentido de que aquele indivíduo que possui

uma livre circulação nos meios de comunicação, transforma a mídia, especialmente a

10 O Jornal A União fora criado em 1893, pelo então governador Álvaro Machado, com o intuito de propiciar ao Estado um veículo de imprensa comprometido com a “verdade na transmissão dos fatos e das notícias” de acordo com “...os interesses da Paraíba...”, o que possibilitaria aos paraibanos uma posição de consonância com a dinâmica do novo regime republicano, recém instaurado (ver: MARTINS, 1977, p.20). O jornalista Eduardo Martins, em sua obra “A União: jornal e História da Paraíba” (1977), nos possibilita, por exemplo, a compreensão do imaginário que envolveu a criação e a função política deste jornal. A partir do subtítulo de seu trabalho, jornal e história da Paraíba, Eduardo Martins nos remete ao papel que A União pretensamente desempenhou desde sua fundação no sentido de representar uma parcela importante na construção da história, sobretudo política do Estado. 11 Sobre a idéia de quarto poder construída em torno da imprensa, Ver: BRIGGS E BURKE, 2004, p.197. .

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imprensa escrita, em um poderoso agente de propaganda política, lançando-o à frente de

outros políticos desprovidos de tal auxílio.

Mª Helena Weber (2000), em trabalho no qual analisa a relação entre as comunicações e

o espetáculo da política na sociedade contemporânea, nos ajuda a fortalecer esta idéia ao

afirmar que A política, como a mídia, detém a palavra. Essas carregam a legitimidade de quem as pronuncia e, se adotadas adequadamente, como táticas, produzem efeitos reais. No discurso está o poder da mídia e da política. Historicamente, os regimes políticos exercem o controle da sociedade com mecanismos específicos de coerção, sedução ou da combinação destes. A coerção sai do âmbito dos regimes autoritários em forma de violência e sangue e, nos regimes democráticos, adquire uma dimensão asséptica, mas não menos controladora da sociedade e das mídias. Mesmo assim, ainda são as mídias o fator desequilibrador deste processo totalizante, exercendo seu poder explicitado na sua estética, nos seus mecanismos de tradução e produção da informação... (WEBER, 2000, p. 13).

A propósito dessa relação de palco para o desenrolar de um espetáculo do poder

político, a imprensa também é entendida dentro das novas possibilidades de fontes históricas,

abertas pelas recentes discussões historiográficas. Tais renovações passaram a se apropriar

dos periódicos como uma possibilidade de obtenção dos desdobramentos sofridos pelos

homens na dinâmica do tempo e dos acontecimentos históricos. Nesse sentido, Tânia Regina

de Luca (2005, p.128), nos afirma que: “As renovações no estudo da História política, por

sua vez, não poderiam dispensar a imprensa, que cotidianamente registra cada lance dos

embates na arena do poder”.

O uso da imprensa, assim como o de qualquer outra fonte histórica, deve ter como

premissa a existência de interesses de enunciação, que correspondem às implicações dos

órgãos de comunicação no jogo dos poderes estabelecidos, estando explícitas ou implícitas

tais posturas. Diante disto, Maria Helena Capelato e Maria Lígia Prado (1980) afirmam que (...) a escolha de um jornal como objeto de estudo justifica-se por entender-se a imprensa fundamentalmente como instrumento de manipulação de interesses e de intenções de vida social; nega-se, pois, aqui, aquelas perspectivas que a tomam como mero “veículo de informações”, transmissor e neutro dos acontecimentos, nível isolado da realidade político-social na qual se insere. (CAPELATO e PRADO, apud: DE LUCA, 2005, p.118).

A imprensa, portanto, ajuda a produzir as cenas que serão protagonizadas pelos

políticos, em busca da sedução do público, transparecendo assim as disputas simbólicas dos

políticos em períodos de campanha, ou em momentos de crise sócio-econômica, em prol da

concretização de uma legitimidade no poder. Os elementos utilizados para a eficiência de uma

disputa do tipo eleitoral, por exemplo, são dos mais variados, desde as ofensas morais

administrativas, bem como a apresentação de uma história de vida honrada e de construção de

uma família sólida, aspectos característicos, supostamente, de alguém capacitado a

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administrar uma sociedade. Essas apresentações para tornar um político um sujeito capaz, não

são estáticas; ao contrário, são mutáveis conforme a dinâmica dos acontecimentos cotidianos,

os aparecimentos de novos enredos e a modificação dos códigos e valores caros à sociedade.

Concordamos assim com Balandier (1982, p.62) quando ele afirma que A multiplicação e a difusão dos meios de comunicação modernos modificaram profundamente o modo de produção das imagens políticas. Elas podem ser fabricadas em grande quantidade, por ocasião de acontecimento ou de circunstâncias que não têm necessariamente um caráter excepcional. Elas adquirem, graças aos meios audiovisuais e à imprensa escrita, uma força de irradiação e uma presença que não se encontram em nenhuma das sociedades do passado. Elas se tornam quotidianas; isto quer dizer que elas se tornam banais e se desgastam, o que exige renovações freqüentes ou a criação de aparências de novidade.

A relação entre o público leitor e os jornais paraibanos é entendida a partir da idéia de

que o contato entre o emissor, a informação, e seu receptor, o leitor, não se dá de forma

determinante, tão pouco reducionista e passiva, mas, ao contrário, os leitores produzem um

novo sentido para aquilo que estão a ler, e como afirma Mª Luiza Batista (1997, p.1), a

recepção de uma informação é um encontro entre dois mundos, o do produtor e do receptor,

ambos produzindo comunicação. A comunicação é explicada pela autora como um “processo

de interação de sujeitos”. Nesse sentido, estamos considerando que a relação entre os

paraibanos e as informações produzidas pelos jornais, sobretudo o A União, pela sua relação

intrínseca com o Governo, não foram recebidas e reproduzidas pela sociedade sem um

momento de confronto e reflexão, os quais podem ter resultado em representações totalmente

diferentes das pretendidas pelos autores das reportagens e pelo próprio Governo. Tal idéia é

reforçada por Chartier, para quem o leitor possui uma liberdade criadora, a qual está contida

na idéia de apropriação. Ou seja, a forma como cada indivíduo se apropria do texto lido é

múltipla, fugindo inclusive do controle dos produtores dos referidos textos, pois

correspondem a uma série de relações estabelecidas entre o leitor e o mundo a sua volta. A

apropriação é assim apresentada pelo autor: (...) A apropriação, a nosso ver, vi sa uma história social dos usos e das interpretações, referidas a suas determinações fundamentais e inscritas nas práticas específicas que as produzem. Assim, voltar a atenção para as condições e os processos que, muito concretamente, sustentam as operações de produção do sentido (na relação de leitura, mas em tantos outros também) é reconhecer, contra a antiga história intelectual, que nem as inteligências nem as idéias são desencarnadas, e, contra os pensamentos do universal, que as categorias dadas como invariantes, sejam elas filosóficas ou feno menológicas, devem ser constru ídas na descontinuidade das trajetórias históricas. (CHARTIER, 1991, p. 6).

Feita esta apresentação geral dos conceitos e perspectivas que balizam nossa discussão,

passemos a anunciar cada um dos capítulos desta dissertação. O primeiro destes abarca o

recorte 1958-60, voltando-se para a discussão acerca do estabelecimento de uma aproximação

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entre as propostas desenvolvimentistas do presidente JK e o Governador Pedro Gondim. Ao

lado do desenvolvimentismo apareceu neste mesmo espaço temporal, a necessidade de uma

aproximação entre o Estado e a população da região Nordeste, que vitimada pelas estiagens,

bem como pelas transformações nas relações de sociabilidade, na dimensão das propriedades

as quais ocupavam, começava a representar uma ameaça à “ordem” nacional. Em um segundo

momento do mesmo capítulo, nos dedicamos ao contexto das eleições estaduais de 1960,

quando Gondim se ausenta do Estado, perdendo o apoio político do PSD e passando a sofrer

as retaliações que a “ruptura” com Ruy Carneiro lhe legaram. Nossa preocupação nessa

primeira etapa é traçar o caminho trilhado pela construção das imagens de administrador para

Gondim, as quais acompanharam-no nos primeiros anos de seu Governo.

O segundo capítulo se subdividiu entre a percepção do contexto político nacional,

sobretudo no que tangencia a conceitualização de “populismo” para perceber as tramas

partidárias, bem como sócio-políticas erigidas nesse momento da política nacional, buscando

situar a administração de Pedro Gondim nesse universo de modos de governar e de se

relacionar com a população. Em um outro ponto, foi discutida a relação de Gondim com a

transição Jânio/Jango, e também com o período apoteótico das Ligas Camponesas no Estado,

mostrando os discursos de ordem e de tranqüilidades irradiados pelo Governo paraibano,

através do órgão de imprensa oficial, o Jornal A União.

O terceiro e último capítulo volta-se para o contexto de crise da política nacional, a qual

culminou no Golpe Militar de março de 1964, apontando a mudança de postura de Pedro

Gondim, como ele se distanciou do ideário de reformas, anteriormente militado, e se

aproximou da estruturação do Estado de Segurança Nacional, projetado pelos militares. Mais

uma vez, nossa busca é por perceber quais as justificativas buscadas na cultura histórica

paraibana, para sedimentar o apoio do Estado às novas forças políticas que se desenhavam no

cenário nacional. Depois de feito esse desenho geral dos primeiros meses da transformação

política causada pelo Golpe no Estado, chegamos aos últimos momentos da administração de

Gondim, nos quais sentimos uma ausência de autonomia, devido a sua aproximação com a

UDN e com o senador João Agripino, ao mesmo tempo em que o principal esteio de apoio

para Gondim, o “povo” da Paraíba, também desapareceram de suas encenações políticas.

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1 -“Quem é o homem? O homem é Pedro!”: Governo interino e campanha eleitoral

1.1 Um Governo dividido: entre o desenvolvimentismo e a solução dos “flagelos” da seca

O homem ao qual nos remeteremos nas próximas páginas é Pedro Moreno Gondim,

paraibano de Alagoa Nova, nascido em 1º de maio de 1914. Gondim era filho de Inácio Costa

Gondim e de Eulina Moreno Gondim. Cursou o primário em Alagoa Nova e o curso

secundário no Liceu Paraibano, já em João Pessoa, formando-se bacharel em Direito, no ano

de 1938, aos 24 anos, na Faculdade do Recife. Exerceu a advocacia, atuando na Paraíba e nos

estados vizinhos, até enveredar pelo caminho da política, tendo sido um dos fundadores do

Partido Social Democrático (PSD). Em 1946, foi eleito deputado estadual, reelegendo-se para

um segundo mandato nas eleições de 1950, o qual não exerceu por ter sido designado, pelo

governador José Américo de Almeida, para a Secretaria da Agricultura, Viação e Obras

Públicas do Estado 12.

Nas eleições de 1956, Gondim foi eleito vice-governador, em uma composição entre o

PSD e a UDN, promovida por José Américo. No período 1958-1960, Gondim assumiu o

governo do Estado de forma interina, pois o governador Flávio Ribeiro Coutinho necessitou

afastar-se por motivos de saúde. Em março de 1960, Pedro Gondim se ausentou do governo

para candidatar-se ao cargo de governador, para o qual foi eleito após derrotar Janduhy

Carneiro, candidato do PSD, irmão de Ruy Carneiro, um dos nomes mais importantes do

partido no cenário local.

Gostaríamos de destacar duas figuras de significativa representatividade no Estado, no

sentido que concentravam o poder e o prestígio local, as quais foram intimamente

relacionadas à ascensão de Pedro Gondim ao cenário político da Paraíba, são elas: José

Américo de Almeida e Ruy Carneiro, o primeiro à frente da UDN e o segundo líder do PSD.

A partir da análise apresentada pela historiadora Martha Lúcia R. Araújo (1999) é possível

vislumbrar o quadro político paraibano na década de 1950, no qual ainda era possível

encontrar resquícios de relações política patriarcais, baseadas principalmente na barganha,

12 Ver: MAIA, Benedito. Governadores da Paraíba (1947-1980). João Pessoa: 1980; site oficial de Vital do Rêgo Filho, neto de Pedro Gondim: www.vitalzinho.com.br

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que tinha em torno de um determinado sujeito, pertencente a grupos agrários, ou a estes

atrelado, a concentração de um tipo de mandonismo que perpassava desde as escolhas dos

candidatos aos diferentes cargos, como também as coalizões partidárias, e ainda era capaz de

angariar apoio popular, graças ao seu prestígio pessoal 13.

Desse modo, a política na Paraíba entre as décadas de 1940-50, estava estruturada em

volta dos dois grandes partidos, PSD e UDN e das figuras de Ruy Carneiro e José Américo,

que concentravam as possibilidades de ascensão política, bem como as concessões

tradicionais de favores e apadrinhamentos. A partir desse quadro, Araújo afirma que as

relações partidárias no Estado eram compostas pela junção de diversos interesses, os quais

resultavam em alianças políticas, que tinham como objetivo primeiro ajudar a manter o

controle de alguns grupos sobre o poder político estadual. A autora aponta que É claro que a caracterização dos partidos políticos não poderia se reduzir à perspectiva sócio-econômica. A estrutura partidária formou-se em grande medida por fatores conjunturais como o anti ou pró-varguismo, ligações familiares, orientações valorativas das classes dominantes em razão da oposição ou conciliação dos seus interesses, etc. (...). (ARAÚJO, 1999, p.98).

Assim, nas eleições de 1956, José Américo, então governador do Estado, prepara o

“cenário” para sua sucessão, articulando a candidatura de Flávio Ribeiro Coutinho e de Pedro

Moreno Gondim. O primeiro fora indicado pelo partido udenista, enquanto Gondim seria o

vice, representando as forças do PSD. Tal articulação visava, ainda segundo a análise de

Araújo, promover uma aliança partidária entre os dois principais partidos do Estado. Notamos

que a análise da autora faz menção as representações que recaíram sobre esta articulação

partidária, as quais tomavam o ato de Américo como uma estratégia de promoção da

conciliação entre as forças “antagônicas” da sociedade, de modo a garantir o desenvolvimento

e a tranqüilidade no Estado da Paraíba.

Neste sentido, as candidaturas de Flávio Ribeiro e Pedro Gondim são apontadas por

Martha Lúcia R. Araújo como a personificação dos interesses da burguesia estadual e dos

latifundiários, respectivamente. Vitoriosa a chapa dentro deste “arranjo”, ou “concórdia

13 Como nos descreve Linda Lewin (1993, p. 18), o poder abarcado por um chefe agrário, lhe possibilitava, graças a sua imensa “influência econômica em seus respectivos estados”, um poder decisivo sobre os conchavos políticos. Vale ressaltar, no entanto, que a discussão da autora perpassa os primeiros anos da República, mas, sua análise é extremamente pertinente porque nos ajuda a vislumbrar um quadro de relações pessoais presentes na política paraibana, os quais permaneceram nas tramas do poder local, mesmo após a ocorrência de uma certa desarticulação da política oligárquica com o movimento de 1930. Esse continuísmo se deve principalmente, a estrutura sócio-política e econômica do Estado, que põe a Paraíba, ainda como estado essencialmente agrário, submetida mais fortemente ao poderio dos senhores da terra, enquanto outros estados, que apresentaram já na década de 1920-30 a estruturação de um parque urbano-industrial, conseguiram se desprender de tais relações, passando a conviver com traços de “modernidade” urbana e industrial, mas também com a “tradição” do latifúndio e do coronelismo.

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geral” como classifica a autora, foi mantido na Paraíba o domínio desses setores. A aliança do

PSD com a UDN garantiria a manutenção do poder nas mãos dos grupos dominantes,

impedindo, segundo Araújo, o acesso das “organizações populares” ao jogo das decisões

políticas. Vejamos a análise que a autora desenvolve sobre a aliança entre pessedistas e

udenistas nesse processo eleitoral liderado por José Américo Dentro desta perspectiva, antes de deixar o Governo do Estado, José Américo se propõe a escolher o seu sucessor, promovendo ‘a concórdia geral’ entre os diversos partidos. Depois de sucessivas reuniões, com os termômetros partidários oscilando ora para o desenvolvimento ora para a conciliação, a fórmula encontrada foi a composição PSD/UDN, sendo lançado candidato a Governador Flávio Ribeiro, da UDN, e o candidato a vice do PSD, Pedro Gondim (...) Desta forma, as classes no poder asseguraram ardilosamente o controle político do processo, na medida em que se impediu a participação popular através do processo eleitoral, evita-se as contestações e mantinha-se o status – quo. (idem, ibidem, p.101).

A historiadora Monique Cittadino (1998), ao apresentar o contexto das eleições de

1955, discute o emblema da pacificação que envolveu a aliança da UDN com o PSD. A

autora apresenta que a dita “pacificação” envolvia na realidade a engenhosidade de José

Américo de Almeida em, percebendo as novas contradições de classe do Estado, articular uma

chapa que manteria o controle da política paraibana nas mãos dos mesmos agentes políticos,

ao mesmo tempo em que afastava o risco do surgimento de uma força com representatividade

popular na Paraíba. Os novos personagens que começavam a repercutir no Estado poderiam,

alcançando gradativamente pujança política, ameaçar sua representatividade local. Deste

modo, a melhor solução encontrada por Américo foi amortecer o embate entre os partidos, na

medida que articulava a aliança de representantes de ambos para o pleito. Cittadino afirma

que Sofrendo com a progressiva rearticulação das forças ligadas à UDN, sentindo a perda de vários de seus contigentes que partiram para a oposição, e amargando algumas derrotas significativas de seu partido (senado, prefeituras municipais, etc) José Américo, apesar da grande popularidade, ao final de seu mandato, procurou articular a ‘pacificação’ das forças políticas do estado fugindo de um confronto direto (através do lançamento da candidatura de um sucessor) no qual os resultados poderiam ser-lhe desfavoráveis. A UDN e o PSD, percebendo a indefinição política do momento e o desgaste e os custos que poderia significar o embate político no qual o eleitorado popular deveria agora ser disputado e conquistado, preferem partir para a conciliação e aceitam a ‘pacificação’ proposta por José Américo (...). (CITTADINO, 1998, p. 56-7).

No entanto, ainda segundo a autora, não houve após as eleições um entendimento tão

harmônico entre os dois partidos como propunha Américo. Ao contrário, com o afastamento

de Flávio Ribeiro e a conseqüente subida do PSD ao poder, na figura do vice Pedro Gondim,

houve uma redução da influência dos udenistas no Estado. Ruy Carneiro, em pronunciamento

posterior a ascensão de Gondim ao governo, confirma a confiança do PSD na sua

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administração, ao mesmo tempo em que sugeri que o poder político estatal estaria, a partir

daquele momento, concentrado nas mãos do partido. No telegrama recebido pelo Governador,

Ruy Carneiro afirma: No momento em que os destinos de nossa Paraíba lhe são entregues, por força dos dispositivos constitucionais conquistado pelo nosso PSD, através de uma política de compreensão, renúncia e despreendimento, com os superiores objetivos de resguardar nossa terra das paixões tumultuárias, ..., reafirmo minha confiança na sua serena, eficiente e honrosa postura na condução dos negócios públicos ... (A UNIÃO, 08 de jan. 1958, p.3).

Assim, em 04 de janeiro de 1958, Pedro Moreno Gondim assume o poder no Estado,

sendo justamente a partir deste fato que teceremos nosso estudo. Para tanto é necessário

compreender o cenário nacional que estava montado quando Gondim assume o poder,

sobretudo, no que concerne à política desenvolvimentista e aos planos de “salvação” para o

Nordeste.

Tomamos assim, inicialmente, a historiografia tradicional que apresenta o Brasil da

década de 1950 como um espaço de singular progresso. O presidente Juscelino Kubitschek é

exaltado pelos feitos que, em 5 anos de Governo, transformaram o Brasil em um oásis de

desenvolvimento. O historiador Thomas E. Skidmore (1982) reflete em uma de suas

discussões (Anos de confiança ‘1956-1960’) o imaginário que se cristalizou na cultura

histórica nacional sobre este governo, de forma a superestimar o valor e a contribuição deste

sujeito político para o país. O autor apresenta que O período Juscelino Kubitschek tornou-se conhecido por suas realizações econômicas, e é daí que devemos começar analisando a presidência. O dinâmico presidente prometeu “cinqüenta anos de progresso em cinco de governo” e não há dúvida de que de 1956 a 1961 o Brasil apresentou um crescimento econômico real e marcante. A base para o progresso foi uma extraordinária expansão da produção industrial. (...). (SKIDMORE, 1982, p. 204). (grifos nossos).

Neste sentido, ao lançarmos um olhar sobre as representações que perpassaram os anos

da administração Pedro Gondim, concomitantemente ao período J.K., ou seja, o período de

dois anos no qual ele ficou no poder de forma interina, percebemos que as apresentações que

envolviam o governador buscavam constantemente cristalizar no imaginário local, a idéia de

que Gondim era o político necessário à Paraíba naquele momento. As representações, assim

como os valores simbólicos da sociedade paraibana, eram manipulados pela imprensa estatal

para que fosse possível promover uma atmosfera de tranqüilidade e desenvolvimento para o

Estado, tal como se anunciava no cenário nacional. Tal análise fundamenta-se na idéia

apresentada por Raoul Girardet (1987, p.86) de que existem momentos propícios, ou

momentos de efervescência, como classifica o autor, para a construção de enunciados, os

quais tendem a legitimar um simbolismo em volta de determinados sujeitos, para transformá-

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los assim, em mitos ou ícones da política. Assim, observamos que durante os anos de

interinidade, Gondim era alvejado por uma intensa propaganda política que apontava o Estado

da Paraíba, na figura de seu representante, como um organismo dinâmico aos moldes do

fenômeno desenvolvimentista e progressista empreendido pelo presidente Kubitschek, e que,

apesar das crises sociais atravessadas no Estado, o governador estava sendo capaz de manter a

vivacidade e a sagacidade em sua administração 14.

O Jornal A União, entre o período que decorre de janeiro de 1958 a meados de março de

1960, apresentava, quase que diariamente, os feitos que Pedro Gondim desempenhava “em

todos os recantos do Estado”, com sua “dinâmica administração”. O objetivo desse discurso,

tal como apresentado anteriormente, era transmitir à sociedade paraibana a idéia de que a

Paraíba em nada estava inferiorizada quanto a política de desenvolvimento nacional, ao

mesmo tempo em que se cristalizava uma imagem de harmonia entre o governador e o

presidente, sentida principalmente através da ação do DNOCS (Departamento Nacional de

Obras contra as secas).

O recurso teatral que perpassava estas apresentações apelava para a pujança do

Governador, que logo ao assumir o poder passou a rastrear os principais problemas do Estado

na busca por soluções. Para perceber o aspecto de dinamismo administrativo que envolvia o

governador analisamos algumas de suas ações mais recorrentes, as quais se direcionavam,

sobretudo, para a solução das mazelas sociais causadas pela estiagem. O nosso objetivo inicial

é acompanhar a montagem do cenário e do teatro em torno do nome de Pedro Gondim e de

sua administração, para que, posteriormente, fosse possível a sua candidatura ao governo do

Estado, apoiado nas representações que, com o auxílio de A União, construiu sobre si.

Antes, no entanto, gostaríamos de ressaltar a noção de teatralidade que perpassa tal

análise. Para tanto, evocamos José Murilo de Carvalho em seu “Teatro de sombras” (1996).

O autor analisa o Império Brasileiro, principalmente através da “dialética da ambigüidade”

que existia entre o Império, na figura de sua burocracia, e os proprietários rurais. É também

destacado pelo autor a “visibilidade do poder” construída e definida pela “pompa” e pelo

“carisma real” (p.384).

Segundo Carvalho, no foco dos holofotes do Império esteve sempre a figura de D.

Pedro II, “para o bem ou para o mal do Brasil”. O jogo político que envolvia o Império era

pautado na dialética: realidade/ficção, a qual se apresentava como a responsável pelo aspecto

teatral do poder, ou pela “metáfora teatral”, como classifica José Murilo de Carvalho.

14 Como exemplo dessa apresentação sobre o governo Gondim ver: A UNIÃO, 04 de jan. 1959, p. 1.

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A metáfora teatral é apresenta pelo autor associada a uma outra metáfora que é a da

sombra. Segundo José Murilo de Carvalho, a realidade existente no Brasil do século XIX era

o Império, tudo mais era sombra/espectro de tal realidade. O parlamento vivia, nesse contexto,

a desempenhar seu papel sob o espectro, cada político estava à sombra de um outro, enquanto

o Imperador, com seu poder Moderador, reinava acima de todos. Porém, como nosso lócus

não é a política imperial, o que nos interessa neste diálogo com Carvalho é destacar, na

discussão proposta pelo autor, sua ressalva de que a metáfora teatral, responsável pelo tom da

política imperial no Brasil, não findou em 1889, ao contrário, permanece latente durante a

República, envolvendo, mitificando e legitimando o exercício do poder. O autor considera

que: (...) a metáfora teatral se pode aplicar com mais extensão ao fenômeno político em geral. O ritual, o simbolismo, são partes integrantes de qualquer sistema de poder, assim como o é o carisma. Mas a política é teatro também por razões que tem a ver com os mecanismos modernos do exercício do poder. A representação política tem em si elementos que podem ser comparados à representação teatral. Ambas as representações se exercem em palcos montados, por meio de atores que tem papéis conhecidos e reconhecidos. Há regras de atuação, há enredo e, principalmente, há ficção. Em política, a primeira ficção é a própria idéia de representação. De fato, é preciso admitir um grande faz-se-conta, é preciso crença para aceitar que alguém possa falar autenticamente por milhares de pessoas. (...). (CARVALHO, 1996, p. 387-88). (grifos nossos).

Dito isto, iniciemos nossa análise da montagem de um cenário de desenvolvimentismo

para o Estado, a partir da atuação da Secretaria de Viação e Obras Públicas. Este órgão é

apresentado como o responsável, a pedido dileto do governador, pelo atendimento de algumas

necessidades da população pobre do Estado. Um dos primeiros atos da Secretaria, noticiado

pela União, foi o encaminhamento de 192 toneladas de leite em pó destinadas à merenda

escolar e aos postos de saúde da capital do Estado. Estas toneladas de leite estavam

armazenadas desde novembro de 1957 no Porto de Cabedêlo, impedidas de chegar ao seu

destino. A reportagem descreve que ao tomar conhecimento de tal situação, especialmente da

inoperância do Estado em solucionar o fato, descrita pela reportagem como: “falta de

providência dos setores competentes”, o governador, “imediatamente”, enviou ao local os

veículos necessários para retirar o carregamento do Porto, conduzindo-os às unidades de

assistência 15.

Para entender a ênfase dada às ações da Secretaria de Viação é necessário compreender

que no cenário político nacional existia um discurso de “salvação” para o Nordeste 16. Desta

15 A UNIAO, 11 jan. 1958, p. 1. 16 O discurso da salvação para o Nordeste sedimentava-se no ideal de “arrancar” a região do atraso e introduzi-la no mundo modernizado e industrializado. A criação da Sudene baseava-se assim nesse projeto, correspondendo assim, ao projeto nacional de desenvolvimento encampado pelo presidente Kubitschek (Ver SILVA, 1997, p.29).

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forma, se fazia extremante necessário que o Governador da Paraíba assumisse uma postura

próxima a do Presidente Juscelino Kubitschek, ou seja, tomar medidas para amenizar os

sofrimentos da população sertaneja, mas, ao mesmo tempo, promover o desenvolvimento da

região.

As obras de assistência ao Nordeste alcançaram grande destaque na construção do

imaginário deste período, principalmente através da ação de alguns departamentos do

Governo Federal como o DNOCS, o BNB, e por fim a SUDENE. Analisar a ação desses

órgãos, bem como os discursos dos governos deste período, é perceber o contra-senso entre a

onda desenvolvimentista apregoada pelo slogan “cinqüenta anos em cinco” e a situação

dramática na qual estava envolto o Nordeste 17. Enquanto a “cidade”, pensada no eixo sul-

sudeste, se estabelecia como o lugar do progresso e do dinamismo, o “campo”, sob o qual

recaia a representação dos estados nordestinos, era apresentado como o espaço mergulhado no

atraso, vivenciando relações de poder arcaicas, sobretudo com relação ao trabalho e a

prestação de serviço.

Fato notável é que os anos de 1958 e 1959 foram marcados por uma forte estiagem, o

que tornava o cenário propenso às engenhosidades do poder administrativo. A prática da

promoção política às custas das necessidades da população é recorrente na cultura política

local. Construir uma imagem de grande benfeitor, com um discurso voltado para os mais

humildes, se torna uma fértil opção para obter apoio e votos populares, possibilitando assim, a

sedimentação de campanhas e carreiras políticas sobre tais enunciações e práticas. A

massificação desse discurso sobre as secas e sobre a pobreza da região Nordeste desembocou

na criação da Sudene em 1959.

A Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste nasce dentro de uma proposta que

objetivava nivelar o Nordeste com as demais regiões do país. A região, para acompanhar o

desenvolvimento nacional, dentro da proposta do Plano de Metas, necessitava de

investimentos e projetos sociais. Iniciativas essas encontradas em projetos como: Operação

Nordeste (OPENO) e no Conselho de Desenvolvimento para o Nordeste (CODENO), além da

criação do Banco do Nordeste do Brasil (BNB) 18.

O II Encontro dos Bispos do Nordeste, ocorrido na cidade de Natal, em maio de 1959,

foi um outro importante passo para a concretização do projeto de criação da Sudene, uma vez 17 Ver: BRUM, 1999, p. 229-36. 18 Ver: COHN, 1976, p.23 -45; Especificamente sobre as propostas da OPENO, RANGEL (2000, p. 52) destaca que sua primeira ação seria: “... criar no semi-árido uma economia adptável, resistente à seca. Isso implicaria necessariamente uma diminuição de sua densidade demográfica – particularidade que torna catastróficos os efeitos das estiagens – e numa exploração dos recursos naturais possibilitada por um persistente e rigoroso estudo do meio”.

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que os religiosos fortaleceram o discurso do Governo Federal, configurando-o, inclusive, com

uma aura sacra. Dentre os pontos estabelecidos no Encontro destacamos o que aponta para “a

necessidade de ver o planejamento econômico, elaborado para o Nordeste, completado por

aspectos humanos e por implicações sociais, a bem do próprio planejamento econômico,

para que não se torne inumano e irreal”. O mesmo pronunciamento segue afirmando que Afirmamos, dentro desse pensamento, e baseados nas Conclusões dos Grupos de Estudos do Encontro, que o desenvolvimento económico do Nordeste: a) só atingirá sua eficiência plena se apoiar no esforço consciente e voluntário das forças atuantes de toda a comunidade, para o que se toma urgente a preparação, em todos os seus níveis, de líderes, especializados em modernas técnicas de organização comunitária, tais como a promoção do cooperativismo, do serviço de extensão rural e de outros processos de educação de base; b) supõe que a agricultura regional mereça tratamento igualitário, sob todos os aspectos, ao que se vie r a dar ao desenvolvimento industrial; c) exige medidas não só relativas a um melhor nível alimentar, mas também providências que visem à saúde pública, tendo-se em vista que as populações nordestinas são em geral subnutridas e, conseqüentemente, vulneradas no seu estado sanitário, razão pela qual devem ser promovidos locais referentes a problemas sanitários e de assistência à maternidade e infância, para que se possa contar com gente sadia para os empreendimentos visados no Nordeste; d) terá necessidade de elaboração imediata de um plano de trabalho que permita assegurar aos migrantes nordestinos uma assistência humana condigna, sobretudo aparelhando os postos de migração e modificando a orientação das hospedarias para que venham a cumprir adequadamente suas finalidades, urna vez que são ainda precárias as condições de assistência, em particular quanto ao problema de transporte e colocação 19.

Em função desse encontro, A União noticiou a intensa atividade de Pedro Gondim nas

conversas com os bispos, solicitando inclusive que fossem incluídas, nas conclusões dos

trabalhos, as quais seriam encaminhadas ao Presidente Kubitschek, solicitações para que o

presidente viabilizasse o funcionamento do Serviço Social Rural da Paraíba 20.

Percebemos desta forma, que o Governador Pedro Gondim, a propósito de toda essa

representação de ativismo que se construía em torno de sua imagem e de sua administração,

não se negava em recorrer ao Governo Federal para ver solucionada as necessidades dos

pobres da Paraíba. A União transcrevia os telegramas que o chefe do executivo paraibano

enviava ao presidente, nos quais era ressaltada a situação caótica na qual se encontrava o

Estado. O Governador pedia providências urgentes aos setores responsáveis, sobretudo ao

DNOCS, para que as populações destas regiões sertanejas fossem atendidas, uma vez que

diante de tão alarmante quadro apenas o poder local não tinha estrutura para tal faceta 21.

No entanto, a narrativa das reportagens tinha o cuidado de explicar que a necessidade da

intervenção do poder federal não se devia à negligência do Estado paraibano, mas sim à

impossibilidade, sobretudo financeira, enfrentada pela Paraíba, de socorrer a todos os 19 Texto disponível em: www.cpdoc.fgv.br/nav_jk/htm. (Acesso em 09/02/2008). 20 A UNIÃO, 26 de maio 1959, p.1. 21 A UNIÃO, 15 jan. 1958, p. 1.

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necessitados, ou flagelados, como eram comumente chamados os sujeitos em questão 22. As

medidas cabíveis e possíveis ao governo, como restabelecimento do abastecimento d’água em

algumas cidades do Estado eram tomadas com presteza, e automaticamente transformadas em

discursos das “grandes ações de Pedro Gondim em favor do povo da Paraíba”. Essas obras

fomentavam o enaltecimento empreendido pelo Jornal à figura pública do governante, e ao

mesmo tempo, eram apontadas como portas abertas ao sentimento de gratidão que a

população beneficiada nutria sobre o seu governador 23.

Essas ações em prol das cidades paraibanas, juntamente com os aniversários mensais de

Governo, eram apontadas por A União como ocasiões propícias às demonstrações de apoio e

gratidão popular. As mensagens felicitando o Governador pelos meses de mandato interino,

assim como em agradecimento a algum benefício do governo, eram transcritas pelo jornal

com entusiasmo; o apoio e as homenagens partiam de diferentes locais do Estado, como

Areia, Serraria – centro das atividades políticas de Pedro Gondim –, Pirpirituba, Cuité,

Araruna, Belém e Campina Grande, e eram dirigidas por lideranças, políticos, deputados,

prefeitos, e é claro, também pelo povo, representados, sobretudo por organizações de bairro e

associações de trabalhadores 24.

O Jornal, em seu Editorial do dia 22 de janeiro, trazendo o título: “Aos primeiros dias

de Governo” teceu elogios às primeiras medidas do governo Pedro Gondim. O texto segue

declarando que: “Desde que assumiu o Governo, não tem o Sr. Pedro Gondim se decurado

um só instante dos superiores assuntos que dizem respeito ao bem coletivo e que dependem

de sua atuação a frente da administração estadual. (...)”. O mesmo texto ainda aponta a

nomeação de novos secretários, a ampliação da rede de saneamento em Campina Grande,

medidas para sanar o racionamento de água em João Pessoa, um rigoroso plano de trabalho

para o abastecimento d’água no sertão, dentre outras obras púbicas projetadas para escolas,

casas de detenções e hospitais. O editorial conclui dizendo: “Oportunamente, será melhor e

mais amplamente informado o povo da Paraíba sobre as diretrizes e realizações de seu atual

dirigente” 25.

É interessante perceber a função exercida pelo editorial de A União nessa apresentação.

O editorial, segundo a jornalista paraibana Fátima Araújo, deve ser uma “peça opinativa”,

22 Sobre a operação de “guerra contra a seca” ver A UNIÃO, 19 de mar. 1958, p.1; Com relação ao direcionamento de Gondim à JK solicitando “solução para os problemas da Paraíba” ver: A UNIÃO, 18 de dez. 1959, p.1. 23 Ver reportagens de A UNIÃO, 18 de mar. 1958, p.1; 23 de mar. 1958, p. 1; 08 de abr. 1958, p.3. 24 Ver reportagens dos dias 18 de maio 1958, p.1; 10 de jun 1958, p.1; 23 de ago. 1958, p.1; 06 de set 1958, p.1; 04 de jan. 1959, p.1; 08 de já. 1959, p.1. 25 A UNIÃO, 22 jan. 1958, p.3.

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servindo à “identificação”, ao mesmo tempo em que “singulariza a linha de cada jornal” 26.

O editorial de A União é, assim como praticamente todo o seu conteúdo, uma demonstração

da identificação da instituição com o Governo. Sua “linha editorial” desempenha a função

explícita de uma ponte entre o poder público e a sociedade. O principal empreendimento ao

longo desse caminho é forjar uma identificação entre o governador e o povo. Diariamente foi

se moldando enunciações que apontavam o homem público como aquele que entende e se

sensibiliza com os problemas da população. Em torno do nome de Pedro Gondim se construiu

um emblema de político popular, que através de suas práticas de governo conseguia a cada dia

angariar adeptos para junto de si, além de imprimir sua marca de administração dinâmica ao

governo do Estado.

Em paralelo ao desenvolvimento de seu governo, de forma até contraditória, o

fenômeno da seca está presente, e é apresentado com bastante ênfase pelo Jornal, que retoma

por diversas vezes discussões acerca dos danos humanos e sociais que a estiagem estava

causando, não só a Paraíba, mas a toda a região Nordeste. Em suas páginas, A União aponta a

presença do Governo paraibano nos principais focos de crise, sobretudo através da atuação da

Secretaria de Viação e Obras Públicas. O Jornal destacava os depoimentos de Deputados

sobre a “crise que assola a região”, ao mesmo tempo em que mostrava o Governador

mobilizado em “acudir as vítimas do flagelo”. Pedro Gondim recebia, de toda a Paraíba,

“apelos e denúncias da completa penúria que assola o Estado” 27.

Desta forma, não podemos deixar de pensar sobre a cultura política nacional, e também

local, que se construiu em torno da seca e da necessidade de socorrer os habitantes da região

Nordeste. Trazemos para a elucidação dessa idéia, a Tese do historiador Gervácio Batista

Aranha (2001), na qual ele trabalha a emergência dos enunciados que apontam o Nordeste,

ainda Norte, sob os signos da carência, entre os anos de 1880-1925.

O mote para a construção do drama que aponta a região como necessitada é justamente

a seca, daí a correspondência entre a discussão deste autor e a nossa, apesar dos diferentes

recortes temporais. No Norte do final do século XIX, assim como no Nordeste de meados do

século XX, os debates políticos eram atravessados pela constante afirmação, envolta em um

cenário de teatralização, da existência de necessidades naturais e humanas urgentes, que

precisavam ser supridas pelo poder executivo nacional. O interessante não é negar tais

necessidades e urgências, mas, compreender o tom exacerbado, característica da teatralização

política, que envolvia as enunciações dos quadros de miséria e fome vivenciados pelos

26 ARAUJO, 1983, p. 145. 27 A UNIÃO, 09 de mar. 1958, p.1; 18 de mar. 1958, p.1 e 21 de mar. 1958, p.1, respectivamente.

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homens e mulheres da região. Como nos afirma Gervácio B. Aranha, a política desde os

últimos anos do Império foi marcada por um excessivo: “(...) uso político da miséria através

dos órgãos de imprensa, com destaque para falas que pintam esse ou aquele quadro de

miséria com cores dramáticas ou com cores mais desumanas do que seu equivalente na vida

efetiva dos homens que vivem nas áreas submetidas a secas periódicas no Norte. (...)”.

(ARANHA, 2001, p.2).

Como afirmamos anteriormente, o recorte temporal estudado pelo autor abarca os anos

oitenta do século XIX até os anos vinte do século XX, um período, portanto, no qual a

nomenclatura Nordeste ainda não vigora para denominar a região, mas sim a de Norte.

Todavia, independente de ser chamada de Norte ou de Nordeste, a região era apresentada sob

os signos da fome, da miséria e da necessidade. Tais características, destaca Aranha, eram

transformadas em temas perfeitos para o apelo retórico dos políticos, no sentido de atrair

recursos e privilégios, os quais, na maioria das vezes, visavam o benefício de indivíduos ou

famílias e não da coletividade, apesar deste último ser a justificativa para os apelos dos

parlamentares. Neste sentido, o autor considera que: ... os problemas ‘climáticos’ e os ‘sofrimentos’ daí resultantes, como parte de uma natureza ‘adversa’ são simples peças de retórica ou simples meios estratégicos usados para causar impacto, para sensibilizar, para fazer crer que é um dever do Estado acudir os que são ‘víti mas’ da fatalidade, a seca com todos os seus ‘horrores’. O que realmente se pretende, com esses discursos é que os recursos cheguem, reforçando assim o poder econômico e político daqueles que se dizem preocupados com a ‘miséria’ da região, isto é, os que fazem a elite local e/ou seus representantes no parlamento e na imprensa. (ARANHA, 2001, p. 114).

Com relação à Paraíba, nesse quadro de apelo retórico e de necessidades, o autor ainda

afirma que: A imagem de uma Paraíba desamparada, esquecida, “coitadinha” é impressa com maestria pelo citado parlamento. Trata-se de um exemplo típico de discurso que sensibiliza. Partindo do pressuposto de que é um dever do Estado dar proteção às regiões atingidas pelas secas, os autores/atores desses discursos carregam nas tintas ao retratarem o “drama” dos que estão sujeitos aos efeitos calamitosos das longas estiagens, cada um querendo provar que na sua província (depois Estados) esse “drama” é mais intenso, condição básica para se reivindicar os chamados “melhoramentos materiais”, com destaque para as estradas de ferro. Os aplausos, claro, ficam com aqueles que melhorem se portarem em cena. (ARANHA, 2001, p. 118).

Ainda neste aspecto, Martinho Guedes dos Santos Neto (2007, p.117), em sua

dissertação de mestrado sobre a interventoria de Antenor Navarro na Paraíba (1930-32), ao

historicizar o uso feito pelos políticos nordestinos dos danos sociais causados pela seca afirma

que

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Toda estrutura organizacional do Nordeste, desde os primórdi os, esteve condicionada à iminência de um período de estiagem. Sua economia, sua estrutura social, suas relações de poder e suas reservas estiveram sempre à espera de alguma seca e, ao mesmo tempo, alimentando a esperança de que ela nunca viria. Ordinariamente, as secas produzem fenômenos físico-sociais com variáveis extremas. Entre o social e o econômico, oscilam as conseqüências de um período de longa estiagem que, amplamente, são refletidas nas camadas sociais menos favorecidas, cujas medidas implementadas pelo Estado, apenas suavizam os efeitos climáticos. O combate à seca do Nordeste brasileiro nunca foi caracterizado a partir de medidas efetivas, mas sempre se configurou como “vício”, em detrimento da maioria das populações sertanejas. Em outras palavras, os períodos de estiagem foram caracterizados pela introjeção de uma cultura viciosa de exploração, por parte da classe política dominante desses espaços, sem que houvesse a busca de soluções duradouras para o problema das secas.

A partir desses dois autores ressaltamos que a seca é um cenário favorável à legitimação

de nomes e partidos no imaginário político de uma localidade, correspondendo a um enredo

dramático, o qual é traçado e encenado por indivíduos que buscam legitimação política. Nesse

sentido, concordamos com Raoul Girardet (1987, p. 81) quando o autor afirma que, para se

construir uma determinada realidade simbólica em torno de um sujeito, no nosso caso

específico Pedro Gondim, se faz necessária a existência de uma realidade histórica que

propicie a sedimentação de determinadas enunciações. Ou seja, para que se dramatize com

cores drásticas e apelativas a seca, a fome e o flagelo, é necessário que a estiagem, a falta de

chuva, tenha de fato ocorrido enquanto realidade vivida. Sendo, a partir dela, que se constrói

ou se forja uma realidade simbólica, a qual transgride o espaço do real e se adensa na esfera

do teatral.

Sendo assim, as falas presentes em A União, baseadas no fenômeno da seca, se

direcionavam para o fortalecimento de elos políticos entre o Governador e alguns outros

políticos de renome na Paraíba. Um exemplo disso é a exploração que o Jornal apresentava

entre a existência de uma plena harmonia entre o Senador Ruy Carneiro, líder do PSD, e

Pedro Gondim. A presença de Ruy Carneiro no âmbito e nas articulações nacionais, propondo

soluções urgentes para os males causados pela seca na Paraíba, eram apresentadas de forma

enaltecedora, ressaltando principalmente a perspicácia do Senador na defesa do Estado. Os

apelos dirigidos pelo Senador ao Ministro da Viação, Lúcio Meira, acabaram por

proporcionar à Paraíba uma ação eficaz do DNOCS e do DNER, como construção de estradas

que possibilitava uma condição de trabalho ao povo das regiões assoladas pela estiagem,28. Os

apelos do Senador Ruy não se limitavam a esses dois órgãos, sendo direcionados inclusive

para a figura do próprio presidente. Esses apelos ancoravam-se na urgência das soluções para

o problema social causado pela seca. A posição adotada por Juscelino, atendendo

28 A UNIÃO, 18 mar. 1958, p. 1.

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prontamente as solicitações do Senador, assim como as do Governador, eram motivos de

exaltação de sua imagem por A União. Nas palavras do Jornal, o Presidente passava a

desenvolver uma “Operação de guerra contra a seca” 29.

Como se pode perceber, os anos de 1958-9 foram marcados pela massificação do

discurso em torno da necessidade do desenvolvimento da região Nordeste. A OPENO

(Operação Nordeste), assim como a CODENO (Comissão para o desenvolvimento do

Nordeste), representavam, portanto, etapas da iniciativa do Governo Federal em atender aos

clamores de desenvolvimento para a região. As reuniões que balizavam o projeto contavam

com a presença dos Governadores dos Estados nordestinos, de técnicos e do Presidente da

República. As sessões debatiam sobre as medidas a serem desenvolvidas para sanar o atraso e

as crises que marcavam o território. No entanto, mais que analisar as proposições destes

eventos gostaríamos de destacar a ênfase dada na atuação do representante do Estado

paraibano nestes encontros. A União destacava que se fazia notar a desenvoltura e o empenho

com que o governador da Paraíba se portava nas discussões com o Presidente Juscelino 30.

No mês de abril de 1959, em função da realização do Seminário para o

Desenvolvimento do Nordeste, em Garanhus, mais uma vez a postura do “líder de Estado” foi

destacada pelo Jornal que enunciava: “Governador Pedro Gondim em nome do Seu Estado,

vai recomendar planos de interesse social e econômico” 31.

Neste sentido, a imagem do governador vai se deslocando da dimensão de liderança

local, como Governador que primava pela defesa dos interesses do Estado, para assumir

proporções regionais, visto que ao participar dos eventos acima narrados e apresentar um

discurso que apontava a crise comum a todos os Estados do semi-árido, Gondim passava a ser

apresentado como um “defensor de todo o nordeste” 32.

Como exemplo tomamos o regresso do Governador de uma reunião do CODENO, em

Teresina, no mês de agosto de 1959. O Jornal aponta de forma entusiasmada: “Regressou o

Governador Pedro Gondim: Viva atuação (no Codeno) em defesa dos interesses do

Nordeste” 33. Na primeira página do dia 9 de agosto deste mês era destacado que Gondim

estava a desempenhar: “Uma administração que já transpõe as fronteiras do Estado. –

Aplausos dos governadores do Piauí e Maranhão ao Governador Pedro Gondim”. A

reportagem ainda afirmava que o Governador da Paraíba defendeu a “mais rápida integração

29 Reportagem de capa do dia 19 de mar. de 1958. 30 A UNIÃO, 15 de fev. 1959, p.1. 31 A UNIÃO, 16 de abr. 1959, p.1. 32 A UNIÃO, 31 de jul 1959, p.1. 33 A UNIÃO, 07 de ago. 1959, p.1.

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da sub-região ocidental representada pelo Maranhão e o Piauí, na economia nacional ...”,

destacando ainda, que acreditava ser o seu pensamento representativo quanto ao dos demais

Conselheiros presentes à reunião 34.

Ao completar o “1º Ano de Sua Administração”, Pedro Gondim passava a ser alvo de

inúmeras homenagens. O Jornal trazia em primeira página o título: “Governo faz ano

entregando serviços ao povo”. A reportagem, de maneira entusiástica, narrava que Comemora hoje o atual Governo da Paraíba o seu primeiro ano de administração. Na capital e no interior, o Governador Pedro Gondim vai inaugurar diversos serviços públicos iniciados e ultimados durante a sua gestão. No decorrer desse período, a ação do Governo se fez sentir nos mais variados setores da vida pública paraibana caracterizando-se pela presença constante da administração estadual em todos os recantos do Estado, do litoral aos longínquos municípios interioranos. (A UNIÃO, 4 de jan. 1959, p.1). (grifos nossos).

Durante todo o mês de Janeiro de 1959, A União dedicava-se a apresentar com um

discurso dinâmico e empolgante, as obras que o Governador Gondim vinha concretizando em

todo o Estado. Eram publicadas as mensagens de congratulações e aplausos que chegavam de

todos os recantos da Paraíba ao chefe do Governo em agradecimento a tais feitos. As

manchetes traziam títulos como: “O povo aplaude a operosidade do Governo” 35; “Governo

quebra ‘record’ em construção de estradas” 36.

O historiador José Octávio de Arruda Mello (1995) reproduz, na historiografia

paraibana, todo o imaginário desenvolvimentista apresentado nas páginas de A União sobre os

anos de administração de Pedro Gondim. Tal apresentação marcou não só o período da

interinidade, como também todo seu mandato como Governador eleito. Nas palavras do autor,

com Pedro Gondim à frente do governo do Estado, a Paraíba passou a ter um significativo

desenvolvimento assegurado pelas políticas estatais, das quais Gondim era o “grande mentor”.

Mello afirma: Senhor de orientação desenvolvimentista, a Pedro Gondim caberia entre 58 e 66, criar novos serviços como Conselho Estadual de Desenvolvimento (FAGRIN), Departamento de Assistência Técnica aos Municípios (DATM), Plano Prioritário de Obras Rodoviárias (PPOR), Conselho Estadual de Águas e Energia (CEAEE), e principalmente, dois distritos industriais, sendo um em João Pessoa e outro em Campina Grande. (...). (MELLO, 1995, p.201)

Cittadino também destaca a veia desenvolvimentista que marcou os anos do governo

Gondim da seguinte forma: ... Pedro Gondim, em consonância com os princípios reformistas e do nacional-desenvolvimentismo dos quais era defensor, procurou imprimir uma nova feição ao estado, através do aproveitamento técnico nos cargos públicos e do incentivo à industrialização. Nesse momento, percebe-se que Gondim estava plenament e

34 A UNIÃO, 9 de ago. 1959, p.1. 35 A UNIÃO, 06 jan. 1959, p.3. 36 A UNIÃO, 13 jan. 1959, p.1.

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inserido no contexto nordestino de ensaios de transformações sócio-político-econômicas, sobretudo, com o advento da criação da SUDENE. Para isso, Gondim criou uma série de novos órgãos e programas para gerir um estado que se pretendia tornar mais complexo: o Conselho Estadual de Desenvolvimento (CED), embrião da futura Secretaria de Planejamento, criada em 1959, e responsável pelo planejamento estatal; o Fundo de Desenvolvimento Agro-Industrial (FAGRIN), fundo de incentivo à instalação de projetos no setor agroindustrial, baseado na arrecadação do imposto de renda de consignação; o Departamento de Assistência Técnica aos Municípios (DATM), o Plano Prioritário de Obras Rodoviárias (PPOR), o Conselho Estadual de Águas e Energia (CEAE), a Campanha de Educação Popular (CEPLAR) e os distritos industriais de João Pessoa e Campina Grande. (CITTADINO, 2006, p. 111-12).

Dito isto, ressaltamos a idéia de que as enunciações mais freqüentes durante o Governo

Interino de Pedro Gondim foram aqueles que apresentavam-no como um líder político,

destacado pela sensibilidade com que tratava e agia em função das necessidades de todos os

menos favorecidos, sobretudo, os “flagelados da seca”. Ao mesmo tempo, o Governador não

se abstinha do dever de trabalhar para o desenvolvimento econômico do Estado, e como foi

possível perceber em alguns momentos, da própria região Nordeste. O Governador também

defendia a valorização dos produtos regionais, como o sisal e o algodão, além de buscar o

equilíbrio de preços no mercado para que a economia paraibana não fosse sufocada em função

da concorrência.

Os discursos de progresso e de desenvolvimento apareceram de forma intensa para se

cristalizar representações regionais, bem como nacionais, que ajudassem a fortalecer grupos e

sujeitos políticos, principalmente em períodos eleitorais. Ressaltamos assim, que as

necessidades e problemas naturais da região Nordeste, juntamente com as propostas de

desenvolvimento econômico do Estado, formavam o lastro do poder e da legitimação social

do governador.

O combate à seca, relacionado com uma necessidade de desenvolvimento, é percebido

por nós como um terreno fecundo para a teatralização construída pela mídia em torno de um

nome político. O sujeito que almeja alcançar uma identificação com o público eleitor, se apóia

nas necessidades sociais assumindo a roupagem de “salvador” e solucionador de tais

problemas, para promover sua imagem e legitimar seu domínio. Como afirma Girardet (1987)

sobre o mito do salvador: “(...) Em torno deles (os heróis ou salvadores) cristalizam-se

poderosos impulsos de emoção, de espera, de esperanças e de adesão (...)” (GIRARDET,

1987, p.70).

No caso do Governador Pedro Gondim, seu posicionamento, e principalmente, seu

envolvimento no combate aos danos causados pelas estiagens, bem como na preocupação em

envolver o poder federal na resolução dos problemas do “povo carente do Estado”, acabou por

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fundamentar os principais pontos da elaboração de seu discurso como candidato ao Governo

do Estado nas eleições de 1960. Sua ação contra a seca é apontada como o ponto culminante

de sua “obra em favor do povo paraibano”, resultando assim, no apoio que estes sujeitos

deveriam prestar ao seu grande benfeitor no pleito que se iniciava. Passemos pois à discussão

sobre os discursos de campanha do candidato Pedro Gondim, bem como sobre as lutas

simbólicas travadas em torno da conquista da identificação popular.

1.2 O espetáculo das eleições estaduais de 1960: As imagens do candidato Pedro Gondim nos jornais paraibanos

O processo eleitoral que envolve a candidatura de Pedro Gondim às eleições estaduais

de 1960 é o alvo de nossa discussão nesse ponto. Nossa análise busca enfatizar os recursos

simbólicos, bem como as representações utilizadas pelo candidato Pedro Gondim nesse pleito.

Nos inquieta perceber como foram montadas as relações de identificação entre o candidato e a

população, através das imagens e discursos que foram produzidos e difundidos no Estado por

alguns jornais. Neste sentido, através da apreciação dos elementos culturais e históricos

elencados durante a campanha, e apresentados na imprensa, visamos perceber a construção da

teatralização política em torno de Gondim, a qual buscava cristalizar um reconhecimento

entre ele e a população paraibana, garantindo-lhe assim, a vitória no processo de disputa

política. O espetáculo político compõe a idéia de teatralização do poder, conceito aqui

apropriado, primeiramente, de George Balandier (1982). Esse conceito envolve a idéia de que

todo poder, para ser reconhecido como legítimo, precisa sedimentar-se em determinados

recursos simbólicos presentes na sociedade, para a qual o discurso político está a se

direcionar. O sujeito que protagoniza as cenas da política busca cristalizar para si uma

representação que o identifique com as aspirações de sua sociedade, de modo que a

legitimação do poder em suas mãos seja facilitada. O público é, assim, envolvido pelas

emoções e intempéries da encenação política. Balandier (1982) considera que o político

estabelece através da dramatização e da manipulação do imaginário social, uma dominação

legítima. O autor afirma que O poder estabelecido unicamente sobre a força ou sobre a violência não controlada teria uma existência constantemente ameaçada; o poder exposto debaixo da iluminação exclusiva da razão teria pouca credibilidade. Ele não consegue manter-se nem pelo domínio brutal e nem pela justificação racional. Ele só se realiza e se conserva pela transposição, pela produção de imagens, pela manipulação de símbolos e sua organização em um quadro cerimonial. Estas operações se efetuam

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de modo variáveis, combináveis, de apresentação da sociedade e de legitimação das posições do governo. (...). (p.7).

Outro autor que nos ajuda em muito a ampliar a idéia de teatralização política é o

antropólogo Clifford Geertz. Em Negara: o Estado Teatro (1991), Geertz apresenta a

composição política e social de Bali, ressaltando o papel da encenação na legitimação da

figura do monarca e de sua corte. Negara é para o autor um estado que combina a pompa, o

status e a governação e o êxito de tal combinação se apóia na proclamação do poder. Os

balineses, segundo Geertz, exibem a simbologia do poder, de modo a apresentar um tipo de

estrutura social e política, na qual a encenação do poder é um componente da própria

complexidade e estratificação da sociedade de Bali. Geertz justifica o poder real em Bali da

seguinte forma: “... Era o culto ao rei que o criava, que o elevava de Senhor a ícone; isto

porque, sem o drama do Estado-teatro, a imagem de divindade composta não podia sequer

formar-se. (...)”. (p. 165).

Compreendemos assim, que a legitimação de um sistema de poder precisa estar envolta

em uma retórica de poder própria, que reforça os sentimentos, aspirações e revanchismos

presentes na própria sociedade, da qual é fruto. Essa retórica, na perspectiva de Geertz, é a

personificação do espetáculo da política, o qual transforma ações em “sentimentos

colectivos”, justificando as decisões do Estado como sendo uma ratificação da prática social 37.

Desse modo poderíamos afirmar que o poder da realeza, assim como o poder de um

presidente, é construído a partir de um conteúdo emblemático para os valores de sua

sociedade. Geertz (1998, p. 157) afirma: “(...) É o conteúdo da ‘divindade’ (ou da

‘popularidade’ ou da ‘autocracia’) que importa. Mais ainda o que importa é como esse

conteúdo foi criado, como é que surgiu materialmente. Se um Estado era construído

construindo um rei, um rei era construído construindo um deus”.

Sendo assim, a partir da idéia de teatralização do poder, analisaremos a campanha de

Gondim, ressaltando o aparato simbólico que a envolveu. Tomamos, para tanto, a assertiva de

que Gondim iniciou sua campanha política, ainda durante o período de interinidade,

utilizando-se da posição privilegiada de Governador do Estado para manobrar o discurso de A

União em seu favor. O objetivo era gradativamente moldar sua identificação com o eleitorado

paraibano, sedimentando uma imagem relacionada com o dinamismo, com a preocupação em

ajudar o povo carente, além da massificação da idéia de que Gondim desempenhou uma

administração empenhada no progresso do Estado, tal como discutimos no tópico 1.1. 37 Ver: GEERTZ, 1998, p. 155.

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Neste sentido, tomamos, para corroborar com nossa idéia, a afirmativa da historiadora

Monique Cittadino (1998, p. 96), de que já durante o ano de 1959, sem que as candidaturas

tivessem sido apresentadas, tomava corpo no Estado o “movimento queremista”. Segundo a

autora, o “queremismo” reivindicava a candidatura de Gondim ao próximo pleito que

ocorreria em outubro de 1960. Desde modo, o processo de articulação e sensibilização do

eleitorado empreendido por Gondim iniciou-se no seu mandato interino através do empenho

do governador em explorar sua imagem como liderança popular. As articulações de Gondim

visavam, segundo Cittadino, uma futura articulação para lançar-se candidato. A autora afirma

que Percebedor de que a sua ascensão ao cargo de governador era definitiva (já que o grave estado de saúde de Flávio Ribeiro demonstrava que a possibilidade de sua volta era extremamente remota) e com metade do mandato a sua frente, Pedro Gondim procurou imprimir a sua marca pessoal ao ‘novo’ governo que se iniciava, traçando um plano de trabalho específico para a sua administração. As novas diretrizes impostas por ele ao Governo do Estado lhe renderam a conquista de ampla popularidade que se refletia nas manifestações de apoio e nos elogios vindo dos mais diversos setores, o que criava um clima favorável à sua permanência no governo ao fim do mandato de Flávio Ribeiro. (CITTADINO, 1998, p.95). (grifos nossos).

Tal como discutido no tópico anterior, vigorava durante o governo interino de Gondim a

promoção de sua auto-imagem no jornal do Estado, que enaltecia sua posição como

administrador e homem público, explorando seu engajamento nas questões relativas ao

desenvolvimento da região Nordeste, bem como sua atuação ostensiva na supressão das

mazelas causadas pelas secas.

Foi em meio a construção dessas representações, cuja função era enaltecer o

governador, que se apresentou a questão da sucessão para o governo. O apelo da Paraíba ao

nome de Gondim foi apresentado por A União como um clamor que se fazia ouvir em todo o

Estado. Clamor popular que anunciava também uma crise política que marcou não apenas a

campanha, mas também os anos do segundo governo Gondim. A crise se deu pelo fato de que

o PSD, partido do Governador, tencionou lançar a candidatura de Janduhy Carneiro, irmão do

então Senador e líder do partido no Estado, Ruy Carneiro, para a sucessão governamental.

Somando-se a questão da predileção do partido por Janduhy Carneiro, existia o fato da

candidatura de Gondim se configurar como ilegal. Os seus oponentes afirmaram que ele não

poderia se candidatar porque já era Governador, e a constituição brasileira vigente não previa

reeleição no país. Gondim, no entanto, afirmava que a legalidade de sua candidatura se

apoiava no fato de ser governador interino, uma vez que Flávio Ribeiro, o governador eleito,

estava vivo, apenas ausente da função. Caso Ribeiro viesse a óbito, Gondim seria sim seu

sucessor, o que não era ainda, o caso.

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Devido as informações acerca do agravamento da saúde de Flávio Ribeiro, Gondim

renuncia. A renúncia possibilita legalmente sua candidatura.

Transcorrido mais de um mês da renúncia, “na madrugada do dia 29 para o dia 30 de

abril de 1960” 38, dá-se a ruptura de Gondim com o PSD e a oficialização de seu nome ao

pleito. O afastamento de Pedro Gondim dos quadros pessedistas alterou significativamente o

clima político no Estado, e transferiu o poder estatal para as mãos de José Fernandes de Lima.

O Jornal A União, agora sob nova administração, passa a apresentar Gondim sob aspectos

bastante diferentes dos que outrora havia feito. A articulação do novo Governador com os

irmãos Carneiro interfere de forma maciça, nos discursos que se desenrolam no Jornal do

período que transcorre da renúncia de Gondim até sua posse em Janeiro de 1961.

Desta forma, como as versões apresentadas em A União para a candidatura e campanha

de Gondim o apontam como o candidato de oposição ao governo, utilizaremos a partir daqui o

jornal O Norte e o Diário da Borborema no intuito de visualizar os discursos evocados e

postos em circulação no Estado para defender a candidatura deste.

Em reportagem de primeira página no dia 03 de maio de 1960, O Norte traz a maciça

aceitação da Paraíba ao nome de Pedro Gondim como candidato. O teor da apresentação

busca mobilizar e contagiar o leitor. A reportagem apresenta que Entusiasmo queremista tomou conta de João Pessoa no dia 1º de maio: Povo foi à Praça do Trabalho e saiu pelas ruas (grande passeata). Pedro Gondim (ficou confirmado) é líder absoluto das multidões – O povo mostrou que não tem medo e está com Pedro ... (grifos nossos).

A construção da imagem do candidato Gondim como “líder absoluto das multidões” se

sedimentou, principalmente, no fato dele ter assumido uma postura de contestação à

autoridade de Ruy Carneiro, rompendo com o PSD e lançando-se candidato. Após esse ato, se

assistiu no processo de disputa eleitoral a montagem de um grande espetáculo político, no

qual o enredo apresentava o “herói” Pedro Gondim, e o “carrasco” Ruy Carneiro 39.

Neste sentido, nas eleições para o governo da Paraíba em 1960, os discursos que

envolviam a candidatura de Pedro Gondim buscavam o envolvimento da população em um

sentimento de mobilização e apoio ao candidato da ousadia e da mudança. O jornalista Josué

Sylvestre, rememorando esse processo eleitoral, apresenta o efeito popular que o nome de

Gondim despertava. A postura assumida pelo candidato durante o pleito, sobretudo sua

ousadia em romper com Ruy Carneiro, era um dos motivos da adesão popular a seu nome.

Para nós esses símbolos elencados durante o processo de campanha se configuraram como 38 CITTADINO, 1998, p.100. 39 Vale salientar que essa enunciação heróica para Gondim estava presente dentre entre os jornais O Norte e Diário da Borborema, no Jornal A União, a posição era totalmente oposta.

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uma espécie de trampolim político através do qual Gondim atingiu as aspirações do eleitorado

paraibano. Ao apresentar um dos slogans de campanha de Pedro Gondim, o jornalista aponta

que A campanha de Pedro Gondim foi uma das mais vibrantes de toda a história da Paraíba. Com seu slogan de forte apelo popular “Quem é o homem? _ o homem é Pedro!”, contagiou o eleitorado de todos os quadrantes do Estado, o gondinismo virou uma verdadeira “doença”. (grifo nosso) (SYLVESTRE, 1988, p.315).

A partir do slogan de campanha que trazia a inquietante indagação: “Quem é o homem?

O Homem é Pedro!”, podemos tecer algumas considerações acerca da apresentação de Pedro

Gondim como candidato, sedimentado em uma teatralização de sua imagem. A expressão do

slogan indica Gondim como o político habilitado a representar o eleitorado – representação

aqui compreendida como delegação de autoridade –; o discurso empregado assinala a

necessidade de validar o representante, apontando-o como um sujeito dotado de uma

capacidade singular para o exercício do cargo que se está a pleitear, visto que este já é

conhecido dos eleitores, afinal, “o homem é Pedro!”. Um homem conhecido dos paraibanos,

sensível às suas necessidades, comprometido com o povo e não com os poderosos. Todos

esses significados estão implícitos na expressão apresentada em torno do candidato, uma vez

que o conceito de representação política carrega a máxima: “Pelo Povo, Com o Povo, Para o

Povo!”.

Segundo a socióloga Irlys Barreira (1998), durante os processos eleitorais no Brasil, se

apresentam os usos de simbologias e recursos teatrais. Alguns dos elementos simbólicos

mencionados pela autora quando analisa os ritos eleitorais nacionais são adequados aos perfis

das candidaturas paraibanas, sobretudo, no que diz respeito a busca pela proximidade e a

identificação com o eleitorado. Quando Gondim defendeu sua candidatura, possibilitou a

construção de discursos, bem como a evocação de simbologias, em torno da resistência ao

mandonismo do partido que estava a desempenhar. Ao assumir a posição de candidato, se

resignando quanto a sua expulsão dos quadros pessedistas, mas levantando a bandeira da

resistência aos abusos do poder, como também a bandeira da mobilização e da mudança,

Gondim adquiriu para si todos os riscos que representava o lugar da oposição, mas também se

apropriou de toda uma gama de virtualidades presentes no imaginário político paraibano

quanto aos homens que, com “coragem”, encampam a resistência 40.

Um exemplo dessas associações se encontra nas narrativas de O Norte. Nessas, desde o

processo da ruptura, até as vésperas do pleito de 1960, aparecem, em torno do nome de Pedro 40 Ver: entrevista de Helio Zenaide a Cittadino, 1998, p.100.

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Gondim, a associação com a idéia de mudança, de inovação, de ousadia e de dinamismo. O

ponto crucial das glórias do candidato concentra-se no momento que ele deixa os quadros

partidários do PSD, afirmando que levará sua candidatura à frente, mesmo sem recursos, pois

apostava no apoio da população a seu nome. Em sua declaração, Gondim afirma que: “não

tenho dinheiro, mas o povo da Paraíba tem muito caráter”. (O NORTE, 19 de mar. 1960,

p.8). Na perspectiva do candidato, a população paraibana, por ser dotada de caráter e

convicção de moral, estaria posicionada ao seu lado, contra aqueles que estavam a demonstrar

intolerância e ganância político-partidária, sem se compatibilizar com as necessidades do

povo.

Sobre o gesto ousado de Gondim em romper com o PSD, a coluna de José Souto

confere ao candidato atributo valorativo pelo “gesto corajoso” que apresentou. Em sua

narrativa o jornalista afirma que Muita gente duvidava que o sr. Pedro Gondim tivesse coragem suficiente para abandonar o governo do Estado, desincompatibilizando-se para se candidatar ao mesmo posto para o qüinqüênio que se iniciará em janeiro do ano vindouro. (...) o ex-governador é apontado como um homem de coragem, pronto para toda empresa que seja preciso enfrentar, não enjeitando parada por difícil. (...). Foi, certamente, um gesto muito corajoso do sr. Pedro Gondim, porque toda briga política tem como fito atingir o poder e o ex-governador, que nele estava, desceu para a planície, tornado-se homem do povo. (O NORTE, 20de mar. 1960, p.2).

Em outra reportagem, O Norte apresenta: “O sentido de uma renúncia”. Na narrativa

aparece a exacerbação do sentido da posição do candidato Pedro Gondim em romper com

Ruy Carneiro. Seu gesto de rachar com a ortodoxia pessedista e se lançar candidato é

ovacionado pelo moralismo e pela demonstração de força que concentra. Ao mesmo tempo,

através dessa decisão, Gondim passava a despertar o civismo do povo paraibano, bem como a

confiança em futuros dias de glória para o Estado. O texto aponta que A veneração com que a Paraíba está cercando Pedro Gondim nesses dias que sucedem à sua renúncia ao poder, é desses espetáculos vibrantes nos quais se restaura a fé no civismo de um povo. É como se a Paraíba tivesse se reencontrado a si mesma. Retornado à sua estrada de sacrifício e de glória onde, muitas vezes, o idealismo superou as desvantagens materiais. Está a Paraíba, nos quatros cantos do Estado, com veemência apaixonada, respondendo ao brado altivo do destemido governante de ontem que está sendo a incarnação de nossa consciência cívica. A Paraíba não é estranha, nunca foi, a esses atos de desprendimento heróico, a essas atitudes altivas que galvanizam a fé e a admiração de um povo. (O NORTE, 22 de mar. 1960, p.8).

A reportagem do dia 1º de maio de 1960 de O Norte traz em primeira página a resposta

de Gondim à expulsão que lhe foi imposta por Ruy Carneiro. A chamada da manchete é a

frase clássica da rebelião: “Prefiro ser expulso por rebeldia a ser condecorado por

subserviência”. Na seqüência dessa frase, o mesmo enunciado traz: “Pedro Gondim responde

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com altivez à violência do diretório do PSD”. A reportagem apresenta para o público leitor do

Estado, as palavras endereçadas por Gondim a Ruy Carneiro, em um telegrama enviado no

dia seguinte a sua eliminação dos quadros pessedistas: João Pessoa, 30 – Senador Ruy Carneiro – Prefiro ser expulso por rebeldia a ser condecorado por subserviência. Só não poderão devolver é o meu grande trabalho já incorporado ao patrimônio do Partido e a vitória de V. Excia. Sou expulso porque não aceitei a candidatura do seu irmão. E qual a sentença que se imporá ao povo paraibano por derrotá-lo nas urnas em 3 de outubro? – Pedro Gondim.

Ao lado do telegrama está a foto imponente de Gondim com a seguinte legenda:

“PEDRO GONDIM: candidato das oposições ao Governo do Estado”. A legenda da foto

abaixo transmite uma idéia de congregação em torno do nome de Gondim por parte de todos

que estavam insatisfeitos, na Paraíba, com o Governo em exercício – José Fernandes de Lima

– assim como com os desmandos do PSD na pessoa de Ruy Carneiro.

Fig. 1- Foto de Pedro Gondim em O Norte, 01/05/1960, p. 1

Incorporado ao discurso de campanha do candidato Pedro Gondim, a idéia de ruptura

era explorada de forma ostensiva, sempre associada a representação de coragem e resistência.

As “célebres” palavras proferidas no telegrama enviado por Gondim ao partido, em resposta à

sua “expulsão”, transformam-se em um slogan de efeito para sua candidatura. Efeito

principalmente no que diz respeito ao simbolismo que desencadeia, visto que a contestação

aos abusos e aos desmandos, produz a evocação de valores pertencentes a sociedade, já

cristalizados em seus códigos morais e culturais. A frase de Gondim: “Prefiro ser expulso por

rebeldia a ser condecorado por subserviência”, convidava todos os paraibanos a

posicionarem-se contra o PSD, contra Janduhy e Ruy, e rebeldemente, demonstrarem sua

força e altivez no pleito de outubro.

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Irlys Barreira (1998) nos reporta à recorrência ao signo da ruptura 41 nos processos

políticos nacionais, sobretudo nas campanhas políticas. Para nós, esse elemento se faz

presente também em campanhas estaduais e locais, visto que na história política da Paraíba, o

discurso da “ruptura” apareceu em diferentes momentos, forjando uma cultura política, a qual

sempre que necessário, é evocada pelos políticos locais, como no caso de Gondim.

Esse discurso de ruptura acaba por forjar uma espécie de identificação entre os

diferentes sujeitos sociais em torno da contestação. Identificação esta que acompanha as

formas como a sociedade lê e compreende sua história e seu passado. A leitura que a

sociedade faz do seu passado histórico acaba por possibilitar, em diferentes contextos, o

aparecimento de sujeitos, que de posse do conhecimento das sensibilidades que um grupo tem

do seu passado, acaba por sedimentar seu poder político-social sobre tal Cultura histórica 42.

Nas narrativas do jornal campinense, Diário da Borborema, existe uma recorrência

significativa quanto a evocação à rebeldia do candidato Gondim. Além da coragem,

aparecem, atreladas a imagem do candidato, a identificação com o “povo simples e honesto”

do Estado 43. Neste sentido, a reportagem do dia 11 de setembro segue afirmando que Governador Pedro Gondim (1961-1966)

Contra a oligarquia, o suborno e a corrupção; contra a proteção aos pistoleiros e capangas que massacram o POVO pelo crime das manifestações democráticas nas praças e nas ruas; contra a política do empreguismo e a falta de escrúpulos com que o Governo de José Fernandes e seus apaziguados dissipam os dinheiros públicos; contra tudo que aí está, envergonhando e deprimindo o nosso Estado, Pedro voltará para constituir a felicidade do Paraíba. (p.1).

A associação de Gondim com a imagem da ruptura, saindo de uma política

conservadora, a qual era marcada pelo tradicionalismo oligárquico, lançava sobre o candidato

de situação, Janduhy Carneiro, o ônus do continuísmo. O apelo a essa idéia de transposição de

conduta esteve presente em outros momentos da política local, constituindo portanto, um

elemento relevante de nossa cultura histórica.

Um dos mais clássicos exemplos, utilizados nos discursos políticos da cultura histórica

paraibana, diz respeito a trama envolvendo o assassinato do presidente João Pessoa. As

circunstâncias desse episódio foram, por diversas vezes, evocadas por Pedro Gondim e pelos

discursos em torno de seu nome. O candidato apresentava que os princípios que moveram

politicamente João Pessoa, principalmente a ruptura com as oligarquias e com o mandonismo

local, eram os mesmos princípios que estavam a movê-lo contra Ruy e Janduhy Carneiro. O

que possibilita a Gondim se dirigir à população paraibana com esse rito de apresentação 41 BARREIRA, 1998, p.18. 42 Sobre o conceito de Cultura Histórica ver Introdução. 43 Reportagens dos dias 4 e 31 de agosto de 1960, ambas em 1ª página.

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eleitoral é o fato de existir no imaginário político e social da população paraibana um

feedback sobre a morte de João Pessoa, que não cabe discutir neste texto, mas que pode ser

encontrado em bibliografia pertinente ao tema 44.

Uma das menções feitas durante a campanha buscava atrelar a conjuntura, na qual

surgiu a candidatura de Gondim, a outros momentos políticos de definição e de crise da

política local, momentos propícios, portanto, para o despertar dos sentimentos e valores do

povo paraibano. Na reportagem de O Norte aparece da seguinte forma esse desprendimento

do povo paraibano em função do apoio a Gondim: A cruzada democrática que empreende o candidato do udenismo e das outras correntes partidárias do Estado, empenhada na salvação da Paraíba, despertará, sem dúvida, os brios de um povo sempre alerta para formar ao lado dos movimentos de sentido democrático. (...). (grifo nosso) (O NORTE, 8 de maio 1960, p.1).

O discurso de O Norte apresenta que Gondim, ao embalar as emoções populares,

despertando os brios do povo, recebia em contrapartida o calor e a vibração dos eleitores

paraibanos. Durante a homologação oficial de sua candidatura, Pedro Gondim, no Parque

Solon de Lucena, foi cercado, segundo O Norte, por uma imensa aglomeração popular. A

reportagem apresenta que O lançamento oficial da candidatura Pedro Gondim, em convenção a céu aberto, pelo Partido Socialista Brasileiro, anteontem, constituía a grande arrancada popular de uma marcha triunfal, cujo objetivo é a reconquista do governo pelo povo, através do seu legítimo candidato. Aproximadamente dez mil pessoas acorreram ao Parque Solon de Lucena registrando-se, durante toda a concentração, indescritível e contagiante entusiasmo. Dir-se-ia que o povo rebelde de João Pessoa fora desaguar na plácida Lagoa, que tanto nos enfeita, a caudal de toda a sua vibração cívica, em correntes incontidas do mais puro idealismo paraibano. Foi uma consagração. Foi uma d efinição coletiva. Foi julgamento popular antecipado. Foi uma prévia apuração da vontade do povo, a ser sentenciada nas urnas de três de outubro. (O NORTE, 15 de maio, 1960, p. 8).

Ainda neste encontro, no Parque Solon de Lucena, em um momento decisivo de sua

afirmação como candidato ao governo, Gondim utiliza em seu discurso de uma expressão

célebre na memória política da Paraíba, o NEGO 45. Pedro Gondim, durante a apresentação de

44 Sobre a memória do Movimento de 1930 na Paraíba ver Dissertação de Mestrado intitulada: Inventando Tradições, Construindo Memórias: A “Revolução de 30” na Paraíba, de autoria de José Luciano de Queiroz Aires, 2006, p.6-22. Assim como o trabalho desenvolvido pelo mestrando Genes Duarte sobre a construção do mito João Pessoa no Estado, tendo como título Sacrifício, heroísmo e imortalidade: a arquitetura da imagem do presidente João Pessoa. 45 A expressão NEGO foi empregada pelo então Presidente do Estado da Paraíba, João Pessoa, em face da sucessão presidencial de 1930, quando ele negou-se a apoiar o candidato do presidente Washington Luis, Júlio Prestes. Vargas e a Aliança Liberal, após o assassinato de João Pessoa, em 26 de julho de 1930, por querelas locais, se usou da morte deste para deflagrar a afama “revolução” de 1930. Como João Pessoa havia sido candidato à vice-presidência na chapa da AL sua morte foi apropriação em nível nacional, passando a ser apresentada por todo o Brasil como uma trama dos conspiradores atrelados a Washington Luis. O NEGO foi utilizado para construir uma memória oficial acerca da atuação do presidente João Pessoa no episódio da

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suas propostas de Governo, afirma que nega qualquer tipo de articulação que viesse a impedir

a vontade do povo em colocar no poder um sujeito identificado com suas necessidades e

anseios de mudança e de democracia. Gondim atesta que Para afirmar os novos rumos, as tendências modernas do Estado, teremos fatalmente de negar as práticas superadas, as crenças abolidas, as normas vencidas, o edifício ameaçado de ruir à força irresistível do tempo ... Por isso senhores convencionais, em nome de nossa Paraíba e de sua vocação dinâmica, de seu desejo ardente de implantar um Governo atual em meio a uma política renovada, aceito vossos reclamos e, publicamente: NEGO a conspiração dos que resistem à vitória, na Paraíba, do Governo popular, fundamentado na consulta direta as tendências de opinião e na convocação para as tarefas administrativas dos legítimos valores oriundos do povo. (...). (O NORTE, 17 de maio de 1960, p.4).

Essa identificação de conduta entre Gondim e João Pessoa fica ainda mais evidente na

coluna escrita por Crisanto Telles, na qual o jornalista afirma que A Paraíba em 1930 era uma fogueira crepitante. João Pessoa negara submissão às determinações do Poder Central, conquistando com essa atitude varonil um lugar na história. O ambiente era trepidante. A Paraíba se dividiu entre os acomodados e os rebeldes, esses últimos, somando quase toda posição, pois mesmo entre aqueles muitos havia que não fossem compromissos de ordem partidária desejariam formar na legião dos combatentes da boa causa. Atualmente, mesmo sem agudeza de observação, constata-se que os dias tem grande semelhança com aquelas horas heróicas, quando marchamos, impelidos pelos acontecimentos, para o desfecho trágico, que culminou com a destruição da velha ordem oligárquica. Também como naquela época a rebeldia de um homem acompanhado por outros destinos políticos, porque Pedro Gondim, repetindo a atitude de João Pessoa se agigantou na admiração e na simpatia dos seus conterrâneos. Também em 1930 os que abdicavam do direito de lutar pelos direitos da sua terra acusavam o grande presidente de traição ao Catete, então onipotente e intolerante. Venceram em 1930 os rebeldes, e vencerão em 1960, trinta anos depois, visto que a flama que anima a luta atual tem suas origens naquele período de grandezas da Paraíba. (O NORTE, 03 de jun. 1960, p.1).

Além de O Norte, a trajetória da Campanha Gondim é acompanhada, quase que

diariamente, também pelas páginas do Diário da Borborema, desde o primeiro momento,

quando a candidatura de Pedro Gondim é legalizada pelo Tribunal Regional Eleitoral, fato

necessário, uma vez que o PSD pediu a impugnação da candidatura por motivos já

mencionados. Nessa ocasião, o DB publica a seguinte nota: “T.R.E considera legível a

candidatura de Pedro Gondim – Negado provimento ao pedido de impugnação formulado

pelo PSD – Povo aclamou nas ruas a decisão dos juizes”. A matéria segue afirmando que Após o pronunciamento dos membros da alta corte eleitoral considerando o sr. Pedro Gondim elegível, grande massa popular que superlotava as dependências do Tribunal e suas adjacências deslocou-se em passeata até o Comitê Central “Pedro Gondim”, acompanhando o candidato e aplaudindo entusiasticamente a decisão dos

sucessão presidencial, bem como na causa de sua morte “heróica”. (Sobre a construção desse discurso nacional envolvendo a morte de João Pessoa, bem como as repercussões do Movimento de 1930 na Paraíba, ver: AIRES, 2006).

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juízes. Na sede do Comitê discursaram sob aclamações do povo, os senhores Egídio Madruga, Pedro Gondim e Sílvio Porto. (DIARIO DA BORBOREMA, 1º de jul. 1960, p.1).

Além da frase da rebeldia: “Prefiro ser expulso...” um slogan é construído para a

campanha de Gondim, também remendo ao episódio da expulsão e da resistência. O lema

levantado pelo candidato propunha a união da Paraíba em torno do sentimento de mobilização

social, na forma de um desafio aos “poderosos”. Um apelo, quase uma conclamação, para que

todos os paraibanos se unissem contra a família Carneiro, defendendo a “renovação” que o

homem Pedro Gondim passava a representar. O slogan referido esbraveja: “Está com medo,

ou está com Pedro!?”.

Através desse slogan percebe-se claramente o teor de provocação política presente na

campanha de Gondim. Provocação num sentido de afronta, de desafio, sentimentos que o

candidato buscava compartilhar com toda a população paraibana, com todos aqueles que

valorizando os aspectos de nossa formação histórica e cultural 46, resistiriam aos abusos do

PSD e demonstrariam, nas urnas, que o povo paraibano não estava com medo, mas sim,

estava com Pedro.

Estão presentes, desta forma, no jogo eleitoral paraibano, dois dos elementos que,

segundo Barreira (1998), são responsáveis pelos significados das disputas eleitorais. São eles:

o novo e o povo. Ambos elementos, ao se articularem, passam a compor a sinfonia que dá o

tom das representações mais recorrentes do poder político, sobretudo, nas campanhas

políticas. O discurso do novo, que no caso de Gondim está implícito no episódio da ruptura, o

apresenta como a nova alternativa para o futuro da Paraíba. Através de uma exploração

maciça desta representação, Gondim conclama a população à participação do processo

político-eleitoral. Segundo a autora, os políticos em suas falas colocam nas mãos do povo,

enquanto eleitores, os rumos do país, e no caso específico aqui discutido, do Estado

paraibano. Sobre a relação do novo e do povo como aspectos significantes nas campanhas

eleitorais, Barreira considera que (...) Os significantes “novo” e “povo” têm uma função já discutida por SFEZ (1988), que é a de construção de um pólo antagônico e criador da idéia de unidade ou inimigo comum. Nessa situação, uma parte da sociedade configurada em determinados grupos sociais tenta se passar por inteira, evocando algumas investiduras clássicas presentes nas noções de povo, nação e massa. Estas são espécies de figuras de salvação, que funcionam principalmente em momentos de conflito ou situação nas quais se torna necessário realizar a operação simbólica de construção da idéia de totalidade. (BARREIRA, 1998, p.124-5).

46 Sobre o discurso construído em torno da formação histórica da Paraíba, que aponta para a presença de elementos de coragem e bravura no povo paraibano, ver a discussão de Margarida Maria Dias (1996, p.50) sobre o mito da paraibanidade.

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Sendo assim, os jornais que elaboravam e difundiam representações positivas sobre o

candidato Pedro Gondim evocam a imagem do povo, em uma associação entre o candidato e a

população, com vistas a uma identificação que possibilitasse a vitória eleitoral, mas também

conquista da confiança e da credibilidade dos paraibanos.

Como um exemplo da construção dessa identificação entre o povo e o candidato,

tomamos a reportagem do Diário da Borborema, na qual são apresentadas informações de

que a Paraíba estava unida em torno do nome de Pedro Gondim, dando a certeza da vitória ao

candidato. O Jornal apresenta, com relação ao apoio recebido por Gondim do PTB paraibano,

que os trabalhadores do Estado, em resposta às relações estabelecidas entre Gondim e

Hermano de Sá, integrante petebista e um dos candidatos a vice Governador do Estado,

dariam vitória a sua chapa. A reportagem diz que Venceram os Trabalhadores!!! O Partido Trabalhista Brasileiro, pela sua Convenção Regional realizada domingo passado, em João Pessoa, homologou apoteoticamente a candidatura de Pedro Gondim ao Governo do Estado. Fiéis aos postulados de Getúlio Vargas os laboristas paraibanos preferiram respeitar as tendências do eleitorado. O grande líder trabalhista Hermano Sá foi consagrado companheiro de chapa do candidato da vitória. (grifos nossos). (DIARIO DA BORBOREMA, 05 de jul. 1960, p.1).

Notemos que os recursos referentes ao passado histórico são novamente evocados,

agora nas dimensões do nacional. A ênfase é nas possíveis relações e representações já

vivenciadas, e portanto, reconhecidas pela sociedade paraibana. Analisamos esta passagem à

luz do que afirma Balandier (1988): “(...) o passado coletivo elaborado em uma tradição, em

costumes, é a origem da legitimação...” (p.7). Ou seja, a cultura histórica nacional está sendo

apresentada neste texto do D. B. em uma busca pela recomposição de supostos laços afetivos

entre os paraibanos e o passado histórico nacional, principalmente com a evocação à figura de

Getúlio Vargas. Tais evocações buscam a manutenção de identificações entre a sociedade e o

poder público. Mantidos esses laços de identificação, se torna possível converter tal

reconhecimento em apoio e futuras vitórias eleitorais.

Em outras ocasiões, o Diário continua apresentando um discurso enfático sobre a

campanha de Gondim, apontando, por exemplo, o desenvolvimento apoteótico de sua

candidatura. Dentre essas descrições, uma nos parece merecer destaque ao descrever uma

passeata do candidato em Campina Grande, a qual fora acompanhada por expressiva

multidão. A reportagem afirma que Na maior passeata que a Campina já presenciou Pedro Gondim recebeu a apoteótica consagração de sua esmagadora vitória. Mais de 20 mil pessoas deliraram de entusiasmo escrevendo nas ruas da cidade emocional capítulo da história do nosso triunfo. Os campinenses usaram os transportes do “outro” e vieram ao comício de Pedro. (DIARIO DA BORBOREMA, 22 de jul. 1960, p.8). (grifos nossos).

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A reportagem do dia seguinte, ainda se referindo às passeatas e comícios do candidato

Pedro, nos chama ainda mais a atenção, pelos recursos metafóricos e simbólicos empregados.

A narrativa, versando com astúcia e graça, já em seu título: “Balanço da Programação do

‘Outro” apresenta de forma lúdica que

Inicialmente – (DRIBLOU) Era para ser em José Pinheiro Intermediariamente – (ESCAPULIU) Deveria ser na Praça do Trabalho Posteriormente – (TAPIOU) Tentaram a rua Dr. João Moura Finalmente, escorregou e caiu de decepção na praça da Flórida, então ocupada pelo povo de Pedro Gondim que conduzido pelo Dep. Vital do Rêgo, promoveu outro comício nas emoções triunfais da indiscutível vitória!!! (DIARIO DA BORBOREMA, 23 de jul. 1960, p.8). (todos os deslocamentos e grifos encontram-se na própria reportagem).

Esse jogo de palavras utilizado nas descrições transforma em apoteóticos os

pronunciamentos, as aparições e as atitudes de Gondim. Sem dúvida eles almejavam uma

reação de apoio e delírio popular, uma vez que compreendemos, concordando com Balandier

(1988, p.10), que o poder político não se “acomoda com a simplicidade”, mas que ao

contrário, se faz necessária a exacerbação de forças, de cores, de fausto, elementos que juntos

contribuem para o engrandecimento da cena do poder, apresentado e representando com

glórias o sujeito alvo das significações em jogo.

Apresentados os discursos sobre a campanha de Pedro Gondim, presentes no Diário da

Borborema e em O Norte, passemos ao novo discurso de A União sobre a administração de

Pedro Gondim. É necessário esclarecer que tal discurso é entendido como uma postura de

campanha do Jornal pró Janduhy Carneiro, visto que a mudança de postura política do Jornal

explica-se por ele ser órgão estatal, que sofre as mudanças dos rumos e temperaturas dos

jogos e disputas de poder no Estado. Desse modo, o Estado, na figura de seus

administradores, exerce poder e controle sobre a produção e circulação das informações e

notícias presentes neste veículo de comunicação 47.

O Jornal A União, no desenvolvimento do objetivo de solidificar a retaliação política a

Gondim, José Fernandes de Lima, logo que assume o governo do Estado paraibano, demite

grande parte dos jornalistas e editores que trabalhavam no Jornal durante a administração do

ex-governador, em uma atitude que remete a uma tradição política de perseguição aos antigos

aliados de uma administração, quando esta se ausenta do poder. Com esta medida de 47 Gostaríamos também de esclarecer que a utilização das narrativas do Diário da Borborema e de O Norte neste tópico foi necessária para que pudéssemos vislumbrar as representações difundidas por outros órgãos de imprensa acerca do candidato Pedro Gondim. Percebemos assim, a delimitação de um espaço de apoio a Gondim advindo destes dois jornais, enquanto que em A União, pelas razões já apresentadas de apoio delegado pelo Governador José Fernandes de Lima ao grupo dos irmãos Carneiro, se desdobraram as retaliações a imagem política e pessoal do “Homem Pedro”.

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silenciamento, os novos governantes ambicionam anular possíveis oposições, dentro da

própria máquina administrativa e governamental, de forma a estabilizar e uniformizar, pelo

menos no campo das aparências, seu poder.

Com José Fernandes no controle do Estado, Janduhy Carneiro, o candidato do PSD,

portanto, a figura da situação, passa a ser o principal personagem destacado pela imprensa

estatal no período das eleições. A maior ênfase do Jornal é dada na postura de deputado do

candidato, visto que nesse período ele havia se dedicado a solução dos problemas da Paraíba.

Ao mesmo tempo em que A União destacava a atuação de Janduhy como deputado, ressaltava

sua tradição política como herdeiro de Ruy Carneiro. Desse modo, simultaneamente, o Jornal

era utilizado para forjar uma representação de popularidade para Janduhy Carneiro e denegrir

a imagem pública do outro candidato, no caso, Pedro Gondim.

A modificação no discurso de A União, como já fora referido, é compreensível uma vez

que o contexto político se alterava. As novas forças que passavam a atuar na editoração do

Jornal, relacionadas diretamente ao quadro de transição administrava vivenciado no Estado,

sugeriam o novo tom das notícias, bem como dos novos personagens que passavam a atuar

como “heróis” e “vilões” na Paraíba. Neste sentido, a imagem de Pedro Gondim passa, da

condição de aliado do PSD, envolto no imaginário de ser o representante do partido no poder,

para o lugar de oposição, sendo considerado traidor, não só dos seus anteriormente aliados,

mas também de toda a Paraíba, além de oportunista e ingrato 48.

Desta forma, A União passou a atacar maciçamente a imagem de Gondim, trazendo em

suas críticas não apenas um ataque de teor político, mas também moral e administrativo.

José Fernandes de Lima travava uma busca incessante, a qual se pautava,

principalmente, no objetivo de supressão declarada, e muitas vezes agressiva, da

representação que envolvia o Governo e a administração Pedro Gondim. O Jornal A União

empreendia um embate discursivo, no intuito de modificar as representações que ele mesmo

havia ajudado a construir sobre os anos de governo interino de Gondim e de uma

administração, intitulada dinâmica e voltada para os mais necessitados.

As novas informações sobre a situação econômica e social do Estado, que passavam a

vigorar no noticiário de A União, descreviam um cenário caótico de corrupção, atraso e

mazelas sociais. Os lampejos de progresso e dinamismo, apregoados durante o Governo

Gondim, eram totalmente suprimidos, e revertidos diariamente, em críticas e denúncias, que

48 A UNIÃO, 02 de maio 1960, p.1.

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encenavam uma crise, sobretudo econômica, que se generalizava em todo o Estado,

envolvendo a saúde, a educação e a segurança pública.

Em uma de suas primeiras declarações à imprensa, José Fernandes, utilizando dados das

diferentes secretarias que compunham o Estado, divulgava o déficit deixado por Gondim de

392 milhões e 306 mil cruzeiros, situação desastrosa que, somada aos “esbanjamentos de

verbas da administração anterior”, eram apontados como os fatores responsáveis pela crise

econômica que o Estado estava a enfrentar. Acusações de desvio de verbas públicas

apareciam também nessa primeira declaração do Governador 49. Esses desvios seriam

oriundos principalmente da Secretaria de Viação e Obras Públicas, órgão que curiosamente

era apontado, durante o Governo de Pedro Gondim, como o mais produtivo do Estado e que

trabalhava incessantemente para o desenvolvimento da Paraíba.

Quanto a esse pronunciamento do Governador José Fernandes, acerca da administração

de Gondim, o Jornal O Norte apresenta o seguinte discurso de defesa em favor do ex-

governador: Ao invés da preocupação com u m futuro de realizações, características dos governos operosos, surgiu apenas a indefensável manobra de censurar o processo através do qual a administração anterior conseguiu realizar sua verdadeira finalidade: as obras, serviços e benefícios coletivos empreendidos em todo o Estado, durante a gestão interrompida a 17 de março. Como se aquela atitude pudesse justificar a inoperância em que, inevitavelmente, remanescerá uma equipe administrativa armada do intuito exclusivo de promover a campanha eleitoral do candidato do Governo. ... Não há contraditório possível entre palavras e obras e não existiria prestação de contas mais completa da eficiência administrativa, alcançado no período anterior, do que a simples alusão às conquistas mais objetivas do Governo Pedro Gondim, tão eloqüente aos sentidos e aos corações paraibanos. (O NORTE, 01 de maio 1960, p.4).

Em meio as insistentes demonstrações de A União, sobre o apoio recebido por Janduhy

por parte do povo do Estado, bem como aos apelos para que a Paraíba reconhecesse o valor de

sua experiência, a publicação de uma reportagem nos chama a atenção. A União traz a

seguinte mensagem: “deputados paraibanos denunciam farsa udeno-queremista ao

presidente J. K.”: Mensagem de 21 deputados expõe a real situação do Estado no caso do empréstimo – Contra a demagogia, a mentira e a má fé. Em data de ontem, a maioria dos deputados da Assembléia Legislativa do Estado redigiu ao Presidente Juscelino Kubitscheck longa candente mensagem, expondo-lhe a verdade sobre a situação financeira e administrativa da Paraíba, ao mesmo passo que repele, com justa veemência, o processo vil e demagógico, de mentiras e de desmoralizações das honrosas tradições de nosso povo e de seus atuais dirigentes. Nesse sentido, para conhecimento público, passemos a transcrever o referido documento que é, indiscutivelmente , um retrato fidelíssimo da situação criada pelo

49 Reportagem do dia 1º de Abril de 1960.

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sr. Pedro Gondim e, no momento, torpemente explorada pelo udenismo em desespero de causa. (A UNIÃO, 4 de set. 1960, p.4). (grifos nossos)

Essa reportagem representa um dos pontos altos da demonstração de apoio de A União

ao nome de Janduhy, ao mesmo tempo em que denota um apelo contundente contra a

administração de Pedro Gondim. A reportagem faz uso de uma linguagem que apela para as

“honrosas tradições de nosso povo”. Traz também a evocação de um passado político de

glória para o Estado, o qual teria sido maculado por sujeitos que em administrações

desastrosas feriram tal tradição.

No entanto, findado o processo eleitoral, as urnas confirmam a “verdadeira vontade

popular”, a qual recaiu sobre Pedro Gondim no plano estadual, e Jânio Quadros na dimensão

federal.

Após a derrota do PSD, João Bernardo de Albuquerque, então diretor de A União, em

coluna de sua autoria, traz a possível justificativa deste fato “inesperado”. A resposta à

inquietação do desprestígio do partido seria a “imprecisão das decisões de povo”, que são, nas

palavras de Bernardo, “uma correnteza forte, impetuosa, domá-la, ante o caudal das águas

livres – é mister processos técnicos e renovados, onde a inteligência não se desenha no

obsoleto do antigo sem força de persuadir”. Bernardo conclui dizendo que: “tal reflexão se

refere aos homens e partidos que perdem, porém salvaguardando a dignidade” 50.

No entanto, apesar da manutenção da “dignidade do partido”, hipóteses continuam a ser

elaboradas para justificar a derrota, principalmente por João Bernardo. Em uma dessas, o

diretor de A União referencia com pesar o resultado do pleito, visto que os rumos políticos do

Estado, com Gondim novamente à frente do poder, não seriam tão promissores. O texto da

coluna afirma que (...) Mas o grupo que vai entrar no gramado da coisa pública e que dela sempre viveu –não trará, salve melhor juízo, nenhuma novidade a ponto de satisfazer o desejo, a vontade do povo, mesmo o menos exigente no uso e gozo de suas reivindicações. Iremos ver, sem contudo forçar a vista, como quem quer ver bem. Na Paraíba, por exemplo, entende o advogado Geraldo Freire que a coisa agora vai mudar. Mas, mudar como meu boníssimo colega, se quem estiver no Governo durante quase três anos, é o mesmo que vai continuar. E quando lá estava não fez mudar, apenas aquinhoou e favoreceu na hora da renúncia através da mira eleitoreira. Em termos de povo de massa humana, nada sobrevive como lembrança duradoura, senão o emocional, slogan, “o homem é Pedro” que está se transformando em matança, símbolo de sangue. De desordem, de agressividade, danos materiais, deboche, ódio e vingança. Como mudar e porque mudar substancialmente, se o elemento humano é o instrumento por excelência para isto. (grifos nossos) (A UNIÃO, 06 de out 1960, p. 1).

50 Coluna de João Bernardo em A União, dia 2 de out. de 1960, p.1.

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55

Apesar dos discursos difamatórios de A União, do teor drástico com que a vitória

gondinista aparece representada por João Bernardo, poderíamos pensar que a apresentação de

Gondim como candidato, sua auto-representação, a forma como se deu a ler pela sociedade,

parafraseando Chartier (1998), se fizeram mais eficazes que a de Janduhy. Poderíamos

também especular que as práticas de poder desempenhadas por ele, ainda como governador,

foram as responsáveis pela eficácia das representações que acarretaram sua vitória. Mas, em

qualquer destas hipóteses, poderemos apresentar uma quase certeza: a política toma cor e

magia na medida que manobra representações e se apóia em uma gama de relações simbólicas

já existentes e são reconhecidas pela sociedade.

Deste modo, para nós, não apenas a retórica foi responsável pelo alcance dos tão

disputados votos, mas, sobretudo, o sentido que as enunciações despertavam nas mentes e nos

corações dos eleitores. Sentimentos e sensações que ajudaram a forjar a relação de

reconhecimentos e pertencimento entre a sociedade paraibana e o candidato Pedro Gondim.

Através da manipulação desses elementos, foi possível a Pedro Gondim, se tornar um sujeito

político identificado com a população paraibana. Ele conseguiu acenar para o povo como

alguém capaz de representá-los politicamente, a partir da delegação de poder e autoridade que

está implícita em toda esta trama política.

2. Entre a Legalidade e a Legitimidade: O desenrolar de um governo popular

2.1 O Gondinismo e as práticas populistas: interfaces de uma cultura política local 2.1.1 O populismo na história política nacional: entre o processo e o conceito

O uso do povo como elemento de respaldo político aparece na política brasileira

associado ao período que sucede a ascensão de Vargas ao poder em 1930, atingindo o ponto

máximo, a partir de 1937, quando foi instaurado o Estado Novo. Com a “queda” de Vargas

em 1945, o “populismo” se estabelece ainda com mais vigor durante todo o período

democrático até 1964, anos estes que se cristalizaram na historiografia brasileira como

“democracia populista”.

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O Estado varguista aparecia para a sociedade, envolto em um discurso de

desenvolvimento econômico e social para a nação, o qual beneficiaria a população em sua

coletividade, mas, sobretudo aquela parcela de indivíduos com parcas condições financeiras,

que seriam absorvidos pelo mundo do trabalho. Vargas sedimentou assim, um projeto de

desenvolvimento para o país que recebeu o título de nacional-desenvolvimentismo. Argemiro

Brum (1999) explica esse processo da seguinte forma: A prática política do populismo foi uma das características marcantes da era Vargas. De fato, o populismo emergiu na vida brasileira com Getúlio. O populismo é uma política baseada no aliciamento das camadas sociais de menor poder aquisitivo. Trata-se de uma prática polí tica paternalista, clientelística e cartorial, em que o Estado exerce a tutela da sociedade – e sobre os sindicatos e demais organizações, regulando a vida de tudo e de todos. O Estado, pretensamente neutro, assume uma atitude benevolente, de protetor dos mais fracos. As ações do governo são apresentadas, não como um direito dos destinatários, mas como dádiva e favor dos poderosos (...). (BRUM, 1999, p. 198).

Argemiro Brum, para fortalecer sua tese, lança mão da discussão de Hilário Barbian

(1993), na qual o autor analisa os anos Vargas. Brum se apropria de Barbian, para juntamente

com ele, afirmar que o populismo caracteriza-se: “como uma política de Estado que busca

satisfazer as necessidades mais imediatas das camadas populares sem alterar a estrutura de

poder dominante” (Barbian, 1993, p.16).

Desse modo, a inserção do populismo, enquanto modelo político no Brasil, associado ao

Governo Vargas, resulta principalmente da investida de Vargas em uma aproximação com os

setores operários, sobretudo quando instaura o período de ditadura (1937-45). Vargas

desempenhou uma política de aproximação com os setores oligárquicos, como também da

burguesia, esta última atraída pelo projeto de desenvolvimento industrial para o país.

O Brasil, após ter saído dos anos da Ditadura Vargas em 1945, atravessou um estágio,

no qual o direito de voto, a liberdade de expressão e de opinião, e, sobretudo, o

pluripartidarismo51, se configuravam como uma etapa democrática52, ainda não

experimentada pela nação. Neste sentido, a disputa por votos e a luta de políticos pela

conquista da confiança do eleitorado proporcionou a montagem de novos signos políticos e

novas linguagens para o alcance do poder.

As práticas de poder adotadas em meio a esse recorte temporal, graças ao sistema

democrático instalado, estavam configuradas em uma incessante retórica de identificação dos

políticos com a grande maioria da população, sobretudo a votante, visto que o voto era o

51 Sobre a discussão de pluripartidarismo no período 1945-64, ver: DELGADO, 2003, p.134-35. 52 Segundo Lucília de Almeida Neves Delgado, o período de 1945, com o fim da ditadura do Estado Novo, até 1964, com o Golpe Militar, representa uma fase da história nacional, na qual a democracia, no sentido eleitoral do que o termo representa, foi vivida de forma plena. (DELGADO, op. cit, p. 152).

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caminho para a efetivação do poder constitucional. O estigma de ser representado como um

político popular passava a ser buscado pela maioria dos candidatos. No entanto, a categoria

povo pode variar no decorrer das disputas e das conjunturas políticas, designando diferentes

grupos sociais. O termo povo, pode assim, ser usado para se dirigir a trabalhadores urbanos, a

camponeses, ou a nação como um todo, dependendo do contexto e das posições partidárias de

quem o está utilizando 53.

O presidente Juscelino Kubitschek, por exemplo, eleito nas eleições de 1955, aderiu ao

apelo maciço de um projeto de desenvolvimento econômico e ampliação das riquezas

nacionais, utilizando o favorecimento do povo brasileiro, no sentido de nação, como pretexto

para tal empreendimento. O amplo desenvolvimento econômico possibilitaria o crescimento

da oferta de emprego e, conseqüentemente, a idéia de que a condição da maior parcela da

sociedade estava a melhorar, ao mesmo tempo em que beneficiava os setores da burguesia

industrial 54.

Com João Goulart no poder, a situação política, social e econômica do Brasil se alterou

de forma substancial. JK deixou o poder, porém os saldos negativos de sua administração

refletiram sobre o seu sucessor, principalmente no que dizia respeito à inflação 55. Esse

desequilíbrio financeiro, somado ao contexto de crise social atravessado pelo país, culminou

em um parco desenvolvimento econômico, possibilitando, no entanto, uma maior interlocução

entre o Estado e a sociedade, no âmbito das reivindicações sociais, sobretudo populares. Tais

reivindicações se faziam presentes nos grupos de esquerda, os quais pressionavam o governo

para a adoção de medidas que solucionassem rapidamente necessidades como: ampliação do

direito de voto, o controle do capital estrangeiro, e principalmente, a reforma agrária 56.

Sendo assim, as relações que se construíram no pós 1930, e que atravessaram o

intervalo de 1945-64, foram marcadas pela presença do Estado na elaboração de projetos de

industrialização e de modernização do país, somada a um apelo popular muito intenso. O

Estado passava a ser representado como o defensor dos interesses sociais, fornecendo meios

para que a classe dos industriais se consolidasse, mas também atendendo aos grupos que se

formavam com esta industrialização, ou seja, o grande número de trabalhadores urbanos. O

Estado populista passa a ser identificado como um amortecedor dos conflitos sociais entre

53 Sobre uma melhor elucidação da amplitude e, ao mesmo tempo, vagueza da categoria povo, ver páginas 60 e 61 desta dissertação. 54 Ver BENEVIDES, 1979, p.239-43. 55 BRUM, 1999, p.260. 56 Ver FERREIRA, 2003, p.351-52.

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esses grupos, industriais e operários, à medida que se torna o responsável pelos acordos e

diálogos entre eles 57.

Desta forma, é em meio a esse cenário de crescimento industrial, modificação da

estrutura social do país e apelos populares, que emerge a identificação do Estado como um

Estado populista. Entre outras implicações, essa nomeação concentra as práticas de

sensibilização e acolhimento, no discurso do governo, aos novos elementos que passam a

atuar no cenário político nacional, sobretudo os trabalhadores. Esse Estado populista passava

a ser também caracterizado como popular, visto que o discurso voltado para o povo é

largamente apresentado em sua agenda. No entanto, o populismo representa uma categoria de

análise complexa e heterogênea, complexidade que nos apresenta a necessidade de

historicizá-lo e defini-lo antes de aplicá-lo à compreensão do Governo Gondim.

Segundo Octávio Ianni, no processo acima apresentado, o Estado passa a concentrar e a

servir de meio, para que ocorresse a junção de interesses, entre as classes envolvidas na

dinâmica da industrialização e da modernização no país. Ocorre, deste modo, uma coalizão de

forças, a qual o autor conceitua de pacto populista. Ianni (1991, p.126), afirma que: “No

populismo os sistemas de poder Estado-sindicato apóiam-se na aliança de classes ,... É

importante fixar aqui a idéia de coalizão de classes, ou forças políticas heterogenias que

caracteriza o pacto populista”.

O líder populista atuava principalmente na concretização de um imaginário social, de

que ele era o legítimo representante do povo, transpondo assim, o que Bourdieu (1989, p.11),

chama de dominação efetiva, para uma dominação simbólica, a qual é responsável pela

aproximação entre o “dominador”, aqui entendido como o líder populista, e seus

“dominados”, leia-se a sociedade. Bourdieu ainda considera que: “...os sistemas simbólicos

cumprem a sua função política de imposição ou de legitimação da dominação, que

contribuem para assegurar a dominação de uma classe sobre outra...” (BOURDIEU, 1989,

p.11).

Dentre os estudos mais destacados na temática do populismo está o trabalho de

Francisco Weffort, O populismo na política brasileira, publicado inicialmente em 1978. Tal

obra é fruto de um contexto histórico, no qual os cientistas sociais buscavam explicações para

o presente político-social da nação, sobretudo a crise política aberta pelo golpe de 1964. Deste

modo, o autor é um dos responsáveis pela elaboração da idéia de que existiu no Brasil entre

1945-64 um “fenômeno populista” 58.

57 Ver WEFFORT, 2003, p. 70-71. 58 Ver WEFFORT, op. cit. p. 24.

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59

Neste sentido, destacamos um artigo da historiadora Ângela de Castro Gomes (2001),

no qual ela traça um histórico das indagações que conduziram os cientistas sociais, entre as

décadas de 1940/60, a formularem explicações para os acontecimentos que marcavam o país

naquele período. Gomes, nesse artigo, acompanha a trajetória do conceito de populismo, a

partir de meados da década de 1950, quando alguns intelectuais se reúnem para discutir os

fenômenos da política nacional. Segundo a autora, esses intelectuais formaram o Grupo de

Itatiaia, o qual lançou, em 1954, sob a forma de artigo, um questionamento sobre a realidade

da política vivenciada em São Paulo, intitulado O que é o Ademarismo? A partir desse

trabalho, foram montadas as explicações para o que seria o populismo, ou seja, uma política

voltada para as sociedades em processo de modernização 59. A análise de Gomes perpassa

também os anos 1960, apontando que novos problemas entraram para o debate que buscava

definir a caracterização do populismo. Figuras com Jango, Arraes, Brizola passavam a

compor objetos de estudo, principalmente após o Golpe Militar. A principal questão a se

responder era o por quê do golpe. As explicações encontradas situavam-se no fim do “ciclo

populista”, na ruptura das práticas de acomodação da massa operária. Sobre essa indagação do

período, a autora afirma que O fenômeno do populismo passa então a integrar, com destaque, a nova agenda de investigação que visava responder a uma grande e crucial questão: quais as razões do golpe? É nesse contexto intelectual e político que uma associação fundamental é traçada: as causas do golpe deitariam raízes no esgotamento da experiência populista, que passa a possuir uma clara periodização. Ela tem inicio em 1930, quando eclode o movimento militar liderado por Vargas, e se conclui em 1964, quando do movimento militar que depõe João Goulart. Desta forma, tanto o tema quanto o período se transformam num imperativo de pesquisa nas ciências sociais. De 30 a 64 vive-se o “ciclo populista”, e este adjetivo passa a se estender a diferentes substantivos. (GOMES, 2001, p. 27-8).

No entanto, a designação de populismo para classificar o período democrático brasileiro

que transcorre do fim do Estado Novo até o Golpe Militar encontrava, como principal ponto

de contradição, entre os estudiosos, a definição precisa do tipo de relação desenvolvida entre

o Estado e a Sociedade, bem como da sociedade entre si, na figura dos grupos que a

compunham 60.

Desse modo, aprofundando a discussão sobre a ambivalência das relações entre as

classes sociais no Brasil, sobretudo no que concerne aos operários, destacamos um outro

trabalho de Ângela de Castro Gomes (2005). Neste, a proposta de Gomes é pensar o período

democrático como cenário, no qual se aperfeiçoou, a política trabalhista no Brasil e não o

populismo. A explicação da autora para tal opção conceitual é a seguinte: 59 Ver GOMES, 2001, p.24. 60 Ver: ALMEIDA, 1983, p.18.

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... a mitologia populista ... evoca o ceticismo. Ela narra um destino manifesto que se configura como um impasse permanente. É como se houvesse uma “caveira de burro” enterrada no solo político brasileiro, que sela um pacto perverso entre elites e povo, ambos marcados pela ausê ncia de atributos positivos de forma verdadeiramente ontológica. Talvez seja por essa razão recôndita e tão óbvia, afinal, que eu tenha tanto desapreço pela mitologia populista. Ela é uma narrativa que “rebaixa” a sociedade e a política brasileira e isso me incomoda como historiadora e como cidadã. (...). (GOMES, 2005, p.37).

Gomes vê no termo populismo, algo de depreciativo para a sociedade brasileira, visto

que se apoiaria em uma espécie de mito de passividade e de dependência, atribuindo à

sociedade brasileira um tipo de predisposição às seduções paternalistas61. Por isso, a opção da

autora em trabalhar com o termo trabalhismo para caracterizar o período político entre o

Governo Vargas e o Golpe militar em 1964, discordando de Chauí e de outros autores que

advogam o conceito de populismo, é explicada pelo fato de Gomes se negar em pensar a

sociedade, segundo um viéis de predisposição à dominação, submetida a uma “caveira de

burro” que “rebaixa” a população brasileira. Assim, Gomes vê no trabalhismo a possibilidade

de compreender as articulações entre o Estado e a sociedade, não enquanto, rebaixamento dos

populares, mas como negociata, diálogo. A autora assim apresenta o trabalhismo: ... o trabalhismo, como ideologia, foi “inventado” em momento e circunstâncias bem precisos, não tendo origens remotas, nem imemoriais, muito pelo contrário. Envolvendo um conjunto de idéias, valores, vocabulários e também práticas festivas (como um certo tipo de comemoração do Dia do Trabalho), o trabalhismo, como ideologia, foi um produto do Estado Novo em seu segundo movimento. (...). (GOMES, 2005, p.38).

Maria Helena Capelato, analisando o trabalho de Ângela de C. Gomes, A invenção do

trabalhismo, afirma a contribuição da análise de Gomes no sentido de destacar, que no

trabalhismo existia uma busca por parte do Governo de uma identidade próxima aos setores

operários, identidade essa que o permitia se apresentar como “semelhante” ao povo. A

construção desta identidade era o que conferia ao líder a mobilização das emoções e

sensibilidades do setor operário e a conseqüente legitimação do Estado. Capelato afirma que A tese de Ângela de Castro Gomes sobre A invenção do trabalhismo explica a adesão dos trabalhadores a essa política varguista a partir da existência de uma “dupla lógica” no processo histórico, que conferiu poderes ampliados ao Estado e possibilidades de intervir na sociedade: se essa adesão, por um lado, pode ser explicado pela lógica material _ os interesses nos benefícios trazidos pelo direito trabalhista _, por outro, pode ser entendido segundo uma lógica simbólica de formação e de mobilização de identidade... (grifo nosso) (CAPELATO, 2005, p.185).

61 A discussão teórica mencionada por Gomes que, segundo ela, encara o populismo como resultante de uma predisposição do brasileiro à passividade, advém da perspectiva filosófica de autores como Marilena Chauí, para quem o populismo possui raízes teológicas, e esteve sedimentado em mitos, como o “mito fundador”, presentes na trajetória política brasileira (ver CHAUI, 1994, p. 18-21).

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Weffort, contudo, também considerou em sua análise a presença de elementos

subjetivos, que de forma coletiva eram responsáveis pela relação estabelecida entre os setores

operários e o líder, a partir da apropriação que este líder fazia dos elementos comuns ao grupo

social para o qual se direcionava. O autor afirma que ...pode-se asseverar que é difícil descartar os conteúdos que definem as relações do populismo com a massa. É preciso bem compreender, neste caso, a verdade da informação de que se conhece um indivíduo não pelo que ele diz ser mas por suas ligações reais, proposição tão mais significativa quando se tem em vista o estilo manifestamente individualista da política populista. As ligações reais do líder populista não são apenas as que mantêm com grupos econômicos e políticos de sua própria classe burguesa. Grupo burguês algum é capaz, por si próprio de inventar um político de massas. As condições de existência das massas têm também seu papel nesta invenção. (grifo nosso) (WEFFORT, 2003, p.34).

No entanto, o que nos interessa destacar no período de 1945-64, não é exatamente a sua

melhor ou mais adequada conceituação, e sim o conjunto de práticas desenvolvidas pelos

políticos nesse espaço temporal, em meio ao contexto de uma dinâmica social específica. Tais

práticas nos ajudam a sedimentar a idéia de que a relação entre Estado e Sociedade baseava-

se em uma teatralização do poder, que põe em evidência os mecanismos desenvolvidos pelo

Estado para se fortalecer como legítimo detentor do poder, mas também como Estado atento

às necessidades de seu povo. Compreendemos que o sucesso de tal exibição resultava da

encenação democrática, da incorporação de elementos significativos para a maioria da

sociedade, especialmente os trabalhadores, mas também da sensibilidade deste Estado

populista em compreender as aspirações de desenvolvimento e modernização dos setores

médios de nossa sociedade.

O Estado populista só conseguiu legitimidade, à medida que estabeleceu essa relação de

pertencimento à sociedade, uma vez que a população – público alvo do teatro – se via

envolvida no discurso político, tendo suas necessidades ouvidas, e na medida do possível,

supridas, o que cristaliza uma imagem de Estado sensível à voz e às necessidades do povo. Como um dos exemplos substanciais dessa postura, tomamos o governo do Presidente JK,

que sedimentou em torno de si, associado a postura desenvolvimentista, uma imagem de

“simpatia e confiança” 62. Esses elementos compuseram um tipo de teatro populista que

buscava na sensibilização e no encantamento da sociedade atraí-los ao apoio político a

determinadas propostas, construindo assim, teias que relacionavam a posição dinâmica do

presidente com as aspirações da população brasileira, sobretudo, de uma classe média em

ascensão.

62 Ver relato do site: http://www.unificado.com.br/calendario/08/presidentejk.htm, rememorando os feitos do presidente Juscelino.

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62

O uso incessante do povo em um sistema democrático, corresponde à busca pela

legitimidade. A apropriação do povo é pensada aqui, como componente básico utilizado por

diferentes grupos político-partidários visando a manutenção do poder em suas mãos. Essa

necessidade de reformulação das falas e práticas dos políticos, se associava ao processo

perene nos anos pós-1945, que, como já foi assinalado, se encontrava imerso em um processo

de reestruturação, com a sociedade civil se reorganizando depois dos anos ditatoriais. Isso

gerava a necessidade das forças políticas dominantes dialogarem com os setores em

crescimento, trazendo-os, na medida do possível, para junto de si, incorporando aos seus

programas de governo e de partido o novo discurso democrático.

Concordamos assim, com a apresentação de Pierre Bourdieu (2004), para quem o povo,

enquanto categoria social, é largamente utilizado pelos discursos artísticos, religiosos e

principalmente políticos 63. O autor ainda afirma que o uso do povo e do popular são

discursos diretamente rentáveis para o campo político, justamente porque através de tais

enunciações um determinado sujeito chama para si uma carga simbólica de poder, com

identificações de classe, de organização, de agrupamento, ou até mesmo de necessidades

comuns 64.

Ainda segundo Bourdieu (2004), a partir da concentração de tais representações sobre

um sujeito, torna-se possível a delegação de poder e de autoridade a essa figura, delegação

esta feita pela própria sociedade. Nos regimes democráticos poderíamos dizer que tal relação

é perceptível no ato da eleição, visto que através desta, um indivíduo passa a representar toda

a sociedade, por meio de um poder que lhe foi conferido em resposta a uma relação de

confiança e de identificação, sentimentos que perpassam e legitimam o jogo do poder nas

democracias.

A manobra desempenhada pelos políticos populistas na busca pela conquista das

diferentes camadas sociais é compreendida à luz da idéia de teatralização, a qual, ao

acompanhar um sistema de poder democrático, dispensa sobre o público um tratamento

específico. Esse público que durante a monarquia era percebido e significado como um mero

espectador, passivo ao teatro do poder desempenhado pelo Rei e sua corte, na busca pela

constante reafirmação dos seus poderes, passa a ser, nas novas relações de poder erigidas com

a República, envolvido por um novo tipo de teatro, o qual tem na representatividade política

o principal alicerce de suas encenações.

63 Ver: BOURDIEU, 2004, p. 181. 64 Idem, op. cit. p. 184.

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63

O povo passa a configurar assim, na retórica do teatro republicano, como sujeito ativo

no processo político. O espetáculo republicano apela amplamente para a democracia,

adotando um discurso que almeja construir um ideário de que a população participa de forma

ativa das decisões do Estado. O público desta forma é significado como um sujeito de poder,

dotado de opinião, sobre o qual, está concentrada a capacidade de decidir e, a partir da

materialização de sua vontade, através do voto, assistir a concretização do triunfo do estado

representativo. No entanto, a experiência efetiva da sociedade brasileira no jogo político

republicano, se constitui de forma bastante diferente dessa perspectiva. A população em sua

maioria esteve alheia ao processo de consolidação da República, ao mesmo tempo em que a

participação política esteve bastante restrita aos cidadãos abastados 65.

O novo espetáculo que envolve a nossa política diz respeito a esta construção: oferecer

ao público a idéia de que ele detém o poder, e é para ele que o Estado existe e governa. O

político que protagoniza a cena, nesta nova forma de espetáculo, não é mais o sujeito que se

estabeleceu no poder pela sua origem real, superior aos seus súditos por ter sido alvo da

presciência e predileção divina. Ao contrário disto, a República traz consigo a grande ambição

de envolver a sociedade em um discurso de unidade, apontando os sujeitos que atuam na

política como representantes, racionalmente escolhidos e habilitados para desempenhar as

funções que lhes foram confiadas, não mais por uma delegação divina, mas sim pela opção da

sociedade. O sucesso dessa relação de representatividade, na leitura de Renato Janine Ribeiro

(2004), acaba significando a traição da idéia primeira de res publica. Sobre esta idéia o autor

afirma que Quanto mais se teatralizar a política – quanto mais os cidadãos forem reduzidos a público, a espectadores das decisões políticas –, menor será o caráter público das decisões adotadas, menor seu compromisso com o bem comum, com a res publica que deu nome ao regime republicano. Em suma, quanto mais o governante fizer cena para sua popularidade, menos será republicano, e maior risco correremos de que, esquecendo o público pelo publicitário, ele se aproprie da coisa comum para fins privados. (RIBEIRO, 2004, p. 34).

Sendo assim, para pensar os discursos populares de Pedro Gondim, faremos uma

correlação entre o contexto de democracia populista e o gondinismo. Para tanto,

apresentaremos os desdobramentos do governo, nos quais percebemos uma aproximação entre

as práticas de poder enumeradas e caracterizadas por Weffort como fazendo parte do conjunto

65 José Murilo de Carvalho em: Os bestializados (1987) nos aponta como o projeto de República no Brasil nasceu elitizado, excluindo a população brasileira, em sua maioria descendente de escravos, das articulações da proclamação. No entanto, o autor discorda da frase de Aristides Lobo de que: “O povo assistiu tudo bestializado”, mas que ao contrário, encontrou fissuras na exclusão sofrida para se manifestar nas ruas, sobretudo nas festas, expressando tanto seu desagrado como suas esperanças com os novos rumos tomados na política nacional.

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64

das práticas populistas 66 e o gondinismo, visto que Gondim, enquanto governante, construiu

para si a imagem de um sujeito próximo e identificado com as aspirações e necessidades do

povo da Paraíba. Tal postura foi adotada pelo governador, em um contexto nacional, no qual o

discurso de aproximação com o povo, como demonstrado até aqui, fazia parte da cultura

política vigente, caracterizando uma das principais práticas do populismo.

2.1.2 As práticas políticas de Pedro Gondim: diálogos com o populismo nacional

A Paraíba, acompanhando as modificações políticas vivenciadas no âmbito do nacional,

apropriou-se de algumas das práticas populistas desenvolvidas pelos políticos no período

democrático de 1945-64. A historiadora Monique Cittadino (1998) afirma em sua discussão

sobre o populismo na Paraíba, que as práticas características do populismo brasileiro eram

presentes na política paraibana, uma vez que os grupos políticos locais passaram a

implementar novos “métodos de controle do jogo político” (1998, p.53). As camadas políticas

dominantes do Estado eram, ainda na década de 1940, intimamente relacionadas com o

coronelismo. No entanto, com a modificação na estrutura partidária, bem como com as novas

demandas sociais geradas pelas mudanças econômicas, esses grupos passaram a encarar a

necessidade de encorpar em seus programas os novos agentes sociais.

Uma das características em comum dos discursos políticos, tanto na Paraíba, como nos

demais Estados da federação, com já demonstrado, era o discurso maciço de delegação do

poder ao povo. Ao povo era apresentado que, a partir de sua inserção no processo

democrático, com o uso do voto, ele deteria o direito da escolha, a possibilidade de resolver os

problemas do Estado, bem como encaminhar o destino da nação.

Cittadino (1998) se remete a presença de tais enunciações, durante as campanhas para o

governo do Estado em 1950, com o candidato José Américo, e também nas eleições

municipais de 1952, com o candidato à prefeitura de Campina Grande, Elpídio de Almeida. A

autora aponta que o teor dos pronunciamentos desses sujeitos voltava-se para a participação

do povo nas eleições, em um movimento que convergia à catalisação das camadas

“populares” urbanas como base de apoio de tais políticos. A autora ressalta ainda, que os

grupos de situação não temiam a organização político-partidária popular, uma vez que

partidos como PCB, PSB e PTB, ditos populares, não eram de expressiva representatividade;

66 Sobre a discussão das práticas características do populismo ver WEFFORT, 2003, p.28-38.

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o temor recaia sobre o poder que o voto, agora conferido a todos os indivíduos, independente

de camadas sociais, estava a significar. Cittadino afirma que As classes populares precisavam agora ser conquistadas, cooptadas – não que nesse momento elas significassem uma real ameaça ao poder estabelecido, haja vista que o seu nível de organização política e de representatividade partidária era praticamente inexistente –. O voto é que já não era mais uma certeza inquestionável: ele deveria ser atraído em troca de promessas que as massas desejavam ouvir. Estas, com o voto secreto passavam a ter um espaço garantido no jogo político. (CITTADINO, 1998, p. 55).

Desta forma, tais práticas políticas populistas se desenrolaram na Paraíba no pós 1945 e

chegaram ao período de Governo Gondim. Gondim se aproxima do discurso de político

possuidor de uma forte inclinação popular. E eis aí uma das grandes dubiedades a serem

encaradas quanto a classificação de seu governo.

Gostaríamos, antes de passar adiante, de ressaltar que não estamos usando o populismo

apenas enquanto conceito político, a partir de suas inúmeras acepções, mas sim, buscando

discuti-lo através de suas práticas. Entendemos que estas foram utilizadas pelos governantes

de diferentes localidades do território nacional que buscavam se apoiar em uma simbologia

própria do período, as quais eram marcadas, principalmente, pelas propostas de

desenvolvimento econômico e atendimento de necessidades sociais, como aumento de salário

e assistência à saúde. A incorporação de tais falas, pelos políticos, almejava um sustentáculo

no poder, que tinha nos elementos populares, alcançados com promessas e ações, a maior base

de apoio.

No Governo de Pedro Gondim o povo está sempre presente em seus discursos e na

construção midiática de sua imagem como homem público e administrador. E foi a partir

dessa recorrência, que iniciamos essa reflexão.

O Jornalista Hélio Zenaide, atuante direto na campanha de Gondim, bem como nos seus

governos de uma forma geral, uma vez que era assessor de imprensa do Governador,

classifica Gondim como sendo uma liderança populista (ZENAIDE, 1993, p.151). Desta

forma, nos inquieta saber qual a concepção de populismo que perpassa o imaginário do

Jornalista, quando ele afirma que Gondim, ao assumir uma postura populista, preenchia um

espaço vazio que se encontrava no Estado com relação a esse tipo de prática e inclinação de

governo.

Antes de tentarmos compreender a idéia de populismo apresentada em Zenaide, é

necessário ressaltar que o artigo, no qual ele chama Gondim de populista é da década de 1990.

Nos artigos escritos pelo jornalista em A União, durante os anos do Governo Gondim, em

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nenhum momento ele fez uso de tal terminologia para apresentar o desempenho do

Governador.

Quando Zenaide (1993) chama Gondim de populista, nos parece claro que ele não está

empreendendo uma calúnia ao Governador, ao contrário, está a tecer um elogio. A observação

de Zenaide acompanha, nesse sentido, o deslocamento do próprio conceito, tal como afirma

Ferreira (2001, p.9). O populismo, por volta da década de 1940, era usado como uma espécie

de agraciamento para com os políticos, depois é que ele adquire uma conotação pejorativa – o

adversário era sempre o populista –, passando depois para o âmbito das explicações

acadêmicas, até finalmente, atingir o senso comum, aonde acaba muitas vezes de ser

esvaziado de conotação e sentido.

Assim, acreditamos que para Zenaide (1993) classificar Gondim como sendo um

político de inclinação populista, como antes não se tinha visto no Estado, era apontá-lo como

dotado de uma postura próxima ao povo mais necessitado da Paraíba, o qual, em consonância

com o contexto do período de sua administração, se configurava como sendo os trabalhadores

rurais que formavam as Ligas Camponesas. Vejamos o que afirma o autor Nessa linha de orientação populista havia um espaço vazio na Paraíba. Tínhamos líderes populistas de dimensão nacional, um Juscelino, um Jânio, um Jango, um Ademar. Mas, não havia um líder populista nativo, local, estadual. E era esse espaço que se abria a Pedro Moreno Gondim, identificado como estava com as idéias de mudança e de reforma, inclusive a reforma agrária, bandeira maior de luta das Ligas Camponesas. (ZENAIDE, 1993, p.151).

A citação denota que o fenômeno, ao qual Zenaide chama de populismo, é uma espécie

de virtude possuída por Gondim. Tal virtude estava relacionada com a sensibilidade que

movia o Governador a se envolver com os trabalhadores rurais, sentindo e se emocionando

com as necessidades desse grupo, instalando, nesse sentido, um espaço para o populismo na

Paraíba, espaço este, segundo o autor, ainda inexistente no Estado. Essas elucubrações de Zenaide acerca da postura desenvolvida por Gondim nos levam a

crer que para ele político populista e popular são sinônimos. Tal idéia é respaldada nos

artigos da época, em meio ao calor dos acontecimentos locais, uma vez que nestes artigos,

sempre que possível, Zenaide apelava para a veia popular de Gondim, demonstrada em suas

práticas de governo, principalmente no que tocava às necessidades dos sujeitos menos

favorecidos do Estado, os camponeses em especial, que viviam sob um jugo de exploração e

descriminação social.

Sendo assim, pelo uso constante de um discurso de aproximação com o povo, de adesão

das massas, que caracteriza os políticos populistas, podemos compreender que Gondim se

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apoderou de algumas práticas, compreendidas como populistas, ao longo de seus anos de

Governo.

A busca pela adesão das massas marcou o período significativamente, e é apresentada

por Weffort (2003, p. 38-47) para sedimentar a tese geral do populismo. O autor ressalta que

esse líder precisava ser possuidor de uma característica particular entendida como carisma67.

O carisma compreende, segundo Weber, uma capacidade de sedução desempenhada por um

sujeito, de modo a torná-lo mítico, fazendo com que o grupo social, para o qual se direciona

seu discurso, o encare como um ser de capacidade superior, quase divino, forte e disposto.

Todos esses atributos conferem a esse individuo a legitimação necessária para exercer o

poder. Weber classifica o carisma como uma forma de dominação, na qual o sujeito

carismático desempenha: “...O sempre novo, o extraordinário, o inaudito e o arrebatamento

emotivo ...”, estes elementos constituem, segundo Weber, “a fonte da devoção pessoal. (...)”.

(WEBER, apud COHN, 1991, p.135).

Geertz (1998, p. 184) 68 apresenta a existência de certo “oportunismo” nos indivíduos

carismáticos. “Oportunismo” este, que se explica na busca de alguns sujeitos pela

proximidade com “os centros ativos da ordem social”, tais como a ciência, a política, a

religião e a arte. Sendo assim, Geertz afirma que o carisma é uma invenção do ‘centro’, o qual

passa a difundir representações de um determinado sujeito como portador de virtualidades da

vida de sua sociedade. O autor afirma que: (...) O carisma que o centro havia inventado (aliás, de forma bastante deliberada) para ela [Elizabete Tudor], utilizando os símbolos populares da virtude, da fé, e da autoridade, ela levava para o campo, com um talento para a arte de governar bem maior do que aquele de seus ministros que a isto se opunham, fazendo de Londres não só a capital da imaginação política britânica, mas também de seu governo. (p.193).

Para Geertz (1998, p. 186), o soberano é portador de um tipo de conteúdo sagrado que

caracteriza o seu poder real. No entanto, é através dos ritos e imagens, por ele exercidos, que

seu poder é de fato legitimado perante seus súditos. Segundo Geertz, a partir da encenação

dos valores da virtude, da fé e da autoridade, apresentados na citação acima, o indivíduo

exerce, “realmente”, o poder político, sedimentado no que ele chama de “aura mágica”. Para

67A capacidade do populista em ser carismático é, na perspectiva de Weffort (2003, p. 69), uma capacidade necessária ao político populista. De acordo com o autor, os pronunciamentos dos políticos, e suas ênfases na sua identificação com o povo, corresponderiam ainda, a uma política de oportunismo e de efeito ilusório; um tipo de demagogia. A veia demagógica imbuída nos populistas, somava-se ao “culto à imagem do líder”, bem como a exaltação do Estado, e o apelo as “massas” trabalhadoras, de modo a compor o conjunto das práticas que caracterizam este modelo político. 68 A afirmativa de Geertz parte da análise da obra de Edward Shils (1965).

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Geertz (1989, p. 194): “Foi a alegoria que lhe deu uma aura mágica, e foi a repetição da

alegoria que manteve viva essa mágica. (...)” 69.

Desse modo, existe uma relação necessária entre o carisma e a encenação dos valores

morais de uma sociedade, os quais gravitam no ‘centro’ do poder. O bom desempenho de um

político na encenação de tais valores é responsável pelos significados positivos que alguns

sujeitos alcançam em sua sociedade. Geertz afirma que É por esse motivo, que mesmo que o tipo de figura carismática que nos interessa seja periférico, efêmero, ou sem base sólida – o mais extremado dos profetas, ou o mais radical dos revolucionários – devemos primeiramente examinar o centro e os símbolos e concepções que nele existem, para que possamos entendê-los e saber exatamente o que eles significam. (...). (p. 215)

Dito isto, e já tendo demonstrado ao longo do capítulo primeiro, que desde os seus anos

na interinidade, Gondim usou de forma abundante, uma proposta que o apresentava como um

líder que congregava os interesses da maioria da população, teatralizando esse “potencial

representativo” e fazendo uso excessivo do respaldo popular como elemento de justificativa

para suas iniciativas políticas e ações administrativas. Passemos a explorar algumas das

práticas populistas que o acompanharam durante seu governo.

Em seu discurso de posse, por exemplo, Gondim ressaltou o papel relevante do povo em

seu Governo. Uma das principais ênfases dadas pelo Governador foi na confiança que o povo

da Paraíba tinha em sua pessoa, confiança que fazia com que os eleitores paraibanos

depositassem em suas mãos o cetro da administração estadual. Neste sentido, concordamos

com Weber quando ele afirma, que um líder de massa precisa desempenhar o arrebatamento

das emoções da sociedade, sendo nesta sua capacidade, que reside uma das fontes de seu

poder. Desta forma, através das palavras empregadas por Gondim, assistia-se a uma

encenação baseada na devoção. Gondim demonstra que como representante político, confiava

em seu povo, e ao mesmo tempo acredita ser o depositário da confiança popular. Nessa

69 Vale ressaltar que as ‘alegorias’ do poder, mudam, conforme se mudam as características e os valores de uma sociedade. Para tanto Geertz discute diferentes alegorias, que refletem diversas sociedades, e como em cada uma delas os códigos de cultura estão presentes na encenação do poder. A primeira delas, já mencionada, é a da Rainha Elizabete Tudor, na Inglaterra do século XVI, que dramatizou em seus cortejos por todas as províncias os valores da honra e da fé. Um outro exemplo apresentado por Geertz é a Java de Hayam Wuruk, um misto de esplendor e hierarquia nas culturas índicas da Indonésia do século XIV e o Marrocos de Mulay Hasan no século XIX que demonstrava força, movimento e energia durante suas viagens. Ver GEERTZ, 1997, p. 188-213. 71 A idéia de demagogia presente em Weffort (2003) se aproxima da definição de Giampaolo Zucchini, no Dicionário de Política, aonde o autor define que: “a demagogia não é propriamente uma forma e não constitui um regime político, é, porém, uma praxe política que se apóia na base das massas, secundando e estimulando suas aspirações irracionais e elementares, desviando-a da sua real e consciente participação ativa na vida política. Esse processo desenvolve-se mediante fáceis promessas impossíveis de ser mantidas, que tendem a indicar como os interesses corporativos da massa popular ... Assim, era chamado demagogo, na antiga Grécia, aquele que, sendo homem de Estado ou hábil orador, sabia conduzir o povo. É com Aristóteles que o termo adquire um significado negativo em teoria política”. (ZUCCHINI, 2003, verbete Demagogia).

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relação de troca, o desfecho era a concretização da “justiça social”. Vejamos um trecho desse

pronunciamento: Paraibanos: Tenho, nas imperecíveis memórias da campanha, o sentido e a extensão de responsabilidade de meu govêrno. O Povo não integra e comanda os grandes movimentos, sem o estímulo da fé e preço da confiança. (...) Hoje, mas do que ontem, esperamos do Povo e no seu proveito o máximo subsídio da compreenção, convergência de energia e de trabalho, sacrifício extremo da renúncia, coragem de pioneiros, e cadência de patriotas, para que o caminho e a marcha nos conduzam ao feliz convívio da JUSTIÇA SOCIAL [sic]. (A UNIÃO, 2 de fev. 1961, p. 1).

Em diálogo com a idéia de teatralização do poder, proposta por Geertz,

compreendemos que o uso excessivo da retórica de aproximação com o povo, demagógica na

ótica de autores como Francisco Weffort71, corresponde a peças de encenação do poder,

espécies de artefatos, os quais nos ajudam a esclarecer as práticas populistas, especialmente,

os excessos orais dos políticos pelo apoio das massas. Isso porque, tal como demonstrado em

páginas anteriores, o populismo se consolida na política nacional em um momento de

reformulação das estruturas políticas e sociais do país, ou seja, no período de democratização

política entre os anos de 1945-64, apesar de já ter sido presente no período Vargas, sob as

bases da ditadura. Nesse mesmo recorte, ao lado das mudanças políticas e sociais, e

associadas a elas, esteve também o fortalecimento das chamadas “sociedades de massa”,

derivadas do processo de modernização-industrialização. Tais necessidades conjunturais

acabaram por resultar na formulação de uma fala específica, sobretudo dos grupos políticos

partidários, para se dirigir às novas forças sociais, se coligando com suas necessidades, bem

como com seu imaginário político, fatores que atribuem uma importância significativa à

retórica de aproximação com o povo.

Sendo assim, Gondim, em consonância com uma praxe política desenvolvida

nacionalmente, buscava se coligar com o universo popular, através dos elementos

pertencentes aos paraibanos, sobretudo no que dizia respeito às necessidades cotidianas,

especialmente dos camponeses, como discorreremos mais adiante. Desse modo, a partir dos

apelos retóricos de Gondim como este, no qual ele afirmar que: “O Povo não integra e

comanda os grandes movimentos, sem o estímulo da fé e preço da confiança”, nos é

permitido perceber uma retórica de Governo extremamente apelativa para a aproximação do

líder com o povo, característica que, aliás, acompanhou Gondim durante quase a totalidade se

seus anos no poder. O enfoque desses apelos era sempre dado na capacidade de “Pedro” em

conquistar e se aproximar do povo.

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A partir desses aspectos compreendemos que as práticas populistas, no âmbito do

simbolismo do poder, se aproximam em muito da idéia de teatralização, uma vez que, como

nos define Ludovico Incisa (2003), o povo é a “... principal fonte de inspiração e termo

constante de referência ...”. Sendo assim, na busca pela aproximação e conquista do povo, são

extrapolados os limites racionais do poder, lançando-se mão dos elementos simbólicos de

uma sociedade.

Outro elemento que nos ajuda a pensar as freqüentes recorrências ao povo pelos

políticos populistas é o fato desta categoria representar uma abstração. Ao se remeter a um

termo esvaziado de sentido como este, os políticos conseguem a “mágica” de falar

pretensamente para todos, mas ao mesmo tempo, dirigir-se a nenhum grupo social

diretamente. Incisa (2003) ainda aponta que o termo povo não está diretamente relacionado a

nenhuma categoria profissional especifica, podendo, portanto, ser utilizado para se referir a

camponeses, a trabalhadores urbanos, a um elemento marginal, aos soldados de tropas

especiais 72. O elemento que envolve tais enunciações sedimenta-se na emoção como suporte

básico de identificação, buscando homogeneizar a sociedade, diluindo suas contradições

internas. Nesse sentido concordamos com Incisa (2003) quando ele afirma que Para além de uma exata definição terminológica, o povo é tomado como mito a nível lírico e emotivo. O populismo tem muitas vezes uma matriz mais literária que política ou filosófica, e, em geral, suas caracterizações históricas são acompanhadas ou precedidas de manifestações poéticas, de uma descoberta e transfiguração literária de dados ou supostos valores populares... (p.1) (grifos nossos).

Desse modo, na busca por difundir sua aproximação com a população paraibana e suas

preocupações com os populares, Gondim utilizou amplamente o jornal estatal. O

comprometimento de Gondim com a causa dos populares era sempre apontado pelo Jornal, a

partir das evidências materiais do Governo. Tais evidências baseavam-se na prontidão do

Estado em resolver os problemas da população, como abastecimento d’água, falta de

alimentos, dentre outros, ou mesmo quando o Governador propunha soluções para aqueles

casos mais complexos, em reuniões com outros governadores, com os ministros, ou com os

presidentes. Como exemplo claro destas últimas enunciações do Jornal sobre a postura do

Governador, temos as apresentações da participação de Gondim nas reuniões de criação da

Sudene e demais debates envolvendo os problemas causados pela seca, ou a questão da

Reforma Agrária. O Jornal também não deixava de frisar com bastante ênfase, as ações do

Governo em tentar contemplar as reivindicações dos estudantes, dos proprietários rurais, e dos

funcionários públicos. Essas posições de Gondim, atuando em várias frentes, o conformava

72 Ver INCISA, 2003, verbete populismo.

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com o que Weffort (2003, p. 78-79) chama de árbitro, dentro do conjunto de práticas que

caracterizam o populismo73.

Outra prática especificada por Weffort (2003, p. 78) como pertencente ao modelo

populista, e que foi apropriada pela administração Gondim, diz respeito ao fato de exaltar o

Estado na figura do próprio líder que o governa. Essa prática é perceptível nas falas de

Gondim, quando este apela simbolicamente para a idéia de coletividade que o sistema

representativo congrega e que o sujeito ocupante do cargo está ali porque o povo no exercício

de sua vontade soberana, assim o permitiu. Podemos perceber esse apelo durante os primeiros

dias de Governo, após empossado Pedro Gondim, em que aparecia com significativa

recorrência a expressão: “O povo deu posse a Pedro”. Essa expressão esteve presente nos

dias que sucederam a posse do Governador, e no dia 02 de fevereiro, por exemplo, aparece na

primeira página de A União, acima de uma foto que mostra a concentração popular na

cerimônia de posse;

Fig. 2- Foto da posse de Pedro Gondim, em A União, 02/02/1961, p. 1

Abaixo da foto o Jornal traz a seguinte legenda: Houve momento de indescritível delírio popular, por ocasião das festividades de posse do Governador Pedro Gondim. As ruas da capital apresentavam um ambiente festivo, e as fisionomias expressavam a alegria incontida da numerosa massa constituída por pessoas de todas as condições sociais. Gente da capital, gente do

73 Segundo Weffort (2003) o árbitro é aquele que assume um compromisso político com as classes dominantes, assegurando seus benefícios, mas também atua juntamente com as classes populares em ascensão, no caso os trabalhadores. Diante das especificidades da situação sócio-econômica do Estado, Gondim arbitrava junto aos proprietários rurais, principal expressão econômica do Estado, e junto aos camponeses, principal foco de reivindicações no período de seu Governo.

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Brejo, gente do Sertão, para aqui afluiu a fim de participar do histórico acontecimento. Em um jipe aberto, cercado p or uma multidão compacta, o Governador Pedro Gondim o dirigiu, conduzido pelo povo (na acepção máxima) do poder supremo do Estado. As fotos demonstram bem o que foi o dia da consagração da vitória. (A UNIÃO, 02 de fev. 1961, p.1).

Sendo assim, crendo na existência desses apelos populistas, evocamos para corroborar

com nossa idéia, a historiadora Monique Cittadino (1989, p. 74), que defende a tese de que

existiu na Paraíba governos identificados com as práticas populistas. A autora apresenta que

tipo de populismo está se remetendo ao fazer tal afirmativa. Segundo ela, o “populismo

paraibano” apresenta uma característica específica que diz respeito ao fato de a Paraíba ser

um Estado essencialmente agrário, não apresentando um crescimento urbano-industrial

compatível com os estados do centro-sul. Essa característica sócio-econômica balizou a

experiência populista vivenciada no Estado, sobretudo nas décadas de 1940/50. Cittadino

afirma que (...) ... o populismo na Paraíba não foi movido, como nos estados do centro-sul, pelo avanço do processo de industrialização que atraia uma ampla massa de trabalhadores para os centros urbanos. Aqui, onde a participação da população trabalhadora em atividades industriais ao longo dos anos 40-60 praticamente não sofre alterações, o populismo só pode ser entendido a partir das transformações processadas no campo que impulsionaram o êxodo rural levando, desta forma, à constituição de núcleos urbanos periféricos e marginalizados. Assim sendo, o desenvolvimento das massas urbanas e, conseqüentemente, a possibilidade de surgimento de uma política populista no estado deu-se, portanto, em função das transformações verificadas na estrutura social do campo que acompanharam o processo de modernização do espaço agrário. (CITTADINO, 1989, p.74).

A autora destaca que na década de 1960, com o populismo gondinista, a política

paraibana passou a apresentar um conjunto de práticas voltadas para a inclusão do homem do

campo, sobretudo, devido ao contexto nacional, no qual se debatiam as contradições que

marcavam o espaço rural, devido ao crescimento dos conflitos e convulsões sociais. Neste

sentido, eram freqüentes nos apelos do Governador, tentativas direcionadas para os

camponeses, sobretudo no que dizia respeito a inserção destes na dinâmica política. Assim,

devido a realidade sócio-econômica no Estado durante sua administração, Pedro Gondim

defende em suas metas de governo, a proposta de modernização do campo, possibilitando

assim, a melhoria na condição de vida e de trabalho destes sujeitos 74.

Como deixaremos o diálogo de Gondim com os camponeses para adiante, nos

deteremos nesse momento para seu relacionamento político com as outras forças políticas

locais, das quais destacamos primeiramente os estudantes.

74 O relacionamento de Gondim com os camponeses, na figura das Ligas, será discutido em último tópico deste capítulo.

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O movimento estudantil paraibano estava em franco processo de organização e

participação nos debates políticos nacionais. A questão agrária se configurava como um dos

principais pontos no debate estudantil. As implicações políticas da União Estadual dos

Estudantes da Paraíba (UEEP) estavam sintonizadas com um movimento mais abrangente,

de cunho nacional, encampado pela UNE. Sobre a luta travada pela União Nacional dos

Estudantes (UNE), Jorge Ferreira (2003) apresenta que A União Nacional dos Estudantes, por sua vez, conheceu um processo de politização crescente desde o início do governo Kubitschek, culminando com a radicalização esquerdista a partir de 1961. As expressões “revolução” e “união operária-estudantil-camponesa” eram freqüentes em seus textos. Hegemonizada pela Juventude Universitária Católica (JUC) – depois rebatizada de Ação Popular (AP) –, mas aliada aos comunistas do PCB, a UNE atraía a participação e o engajamento dos estudantes mais politizados. A aproximação deles com os trabalhadores rurais, sindicalistas e sargentos, bem como, mais adiante, com os cabos, marinheiros e fuzileiros navais estava coerente com a proposta da aliança operária-estudantil-camponesa-militar. (FERREIRA, 2003, p. 352-53).

Desta forma, na Paraíba, a UEEP representava a organização e mobilização dos

estudantes, intimamente relacionados com o movimento operário rural e também urbano. No

entanto, foi no diálogo com os camponeses que o movimento estudantil paraibano adquiriu

grande notoriedade na década de 1960. Cittadino (1989), ao analisar a articulação estudantil-

camponesa no Estado e sua evolução no contexto dos anos pré-Golpe Militar afirma que ... será através da identificação com a luta camponesa que o s estudantes desenvolverão uma articulação mais consistente com os interesses das classes trabalhadoras do estado e, ao mesmo tempo, aprofundarão sua organização e politização. Avançando nas possibilidades de análise das reais causas da “subversão social que domina o Nordeste” os estudantes passam a apoiar, através de suas entidades, a organização do movimento camponês, e a participar ativamente de suas mobilizações, passeatas, comícios e atos públicos, tornando-se mais um elemento de difusão e reverberação das reivindicações camponesas. A questão agrária no estado torna-se um ponto fundamental de preocupações estudantis, tendo ocupado, juntamente com as Ligas Camponesas, posição central no temário do X Congresso da UEEP, realizado em João Pessoa, do dia 14 a 17 de setembro de 1961. E, dentro das conclusões do Congresso, ficou estabelecido como meta prioritária dos estudantes a luta pela realização da reforma agrária e extinção das formas “semi-feudais” de trabalho e a reivindicação pela extensão da legislação trabalhista aos trabalhadores do campo. (CITTADINO, 1989, p. 91).

Devido ao crescimento do movimento estudantil, encontramos a aproximação do

Governador Gondim com os estudantes, no sentido de garantir a legalidade de suas ações e de

suas reivindicações, possibilitando inclusive, dentro do jornal A União, um espaço para o

informativo e as opiniões do movimento estudantil, denominada “Página Universitária”. A

concessão do Governador em criar, “em seu próprio jornal”, um espaço para a voz dos

estudantes é exaltada por Hélio Zenaide como uma demonstração da inclinação democrática

libertária do governador. Em mesmo artigo, Zenaide afirma que apesar da seção estar dentro

do jornal do Estado, nem o Governador, nem A União se responsabilizavam pelo conteúdo

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produzido naquelas páginas e nem se identificavam com as propostas do Movimento

Estudantil 75.

Além dos estudantes, Gondim também se relacionou, durante seu governo, com as

esquerdas “radicais”, representadas no Estado pelo MNB-PB (Movimento Nacionalista

Brasileiro- Seção Paraíba), assim como também, com a Imprensa de esquerda, a qual,

segundo Cittadino, era identificada com o projeto das reformas sociais urgentes 76.

A relação estabelecida entre o Governador e a imprensa paraibana, era mais um ponto

da exaltação de sua imagem pelo jornal estatal. Nas palavras de A União Gondim se dirigia

aos jornalistas paraibanos, inclusive aos opositores, respeitando os princípios da democracia.

Em dada ocasião o Jornal apresenta matéria com o seguinte título: “A Festa mais

Democrática das Festas da Paraíba”. No editorial do mesmo dia tem-se: “Julgamento e

Absolvição”. O editorial refere-se ao churrasco que Gondim ofereceu aos jornalistas, tanto os

pró, quanto os contra Governo, em uma demonstração, segundo o texto, de “amizade e

congraçamento”. O editorial diz mais Foi o próprio Governador quem fez questão de reunir em torno de sua pessoa homens da mais diversa opinião política ideológica, do jornalista oficial ao mais azedo comentarista de oposição, indiferente ao modo de interpretar dos adversários, que criticam para corrigir e dão a sua parcela de contribuição e de ajuda à opinião pública e ao próprio administrador, interessado em servir à coletividade. (...) Foi excelente a manifestação de José Morais de Souto, presidente em exercício da Associação Paraibana de Imprensa e comentarista político dos mais apreciados e dos mais categorizados de nossa imprensa, retratando com fidelidade e com justiça, a personalidade de um chefe de Estado que ama a sua terra e tem o coração, a alma e o cérebro voltados para os interesses maiores da sua gleba, do seu povo e da sua gente. (...). (A UNIÃO, 09 de jan. 1963, p.3).

Paralelo a essa parcela da sociedade paraibana mais “progressista”, Gondim também

desempenhou uma expressiva relação com a parcela conservadora da nossa sociedade,

sobretudo os usineiros e os latifundiários. Poderíamos dizer que era uma tentativa do

governador em apresentar uma postura de conciliação, não pretendendo uma identificação

direta com os setores “radicais” do Estado. Ademais, tal aproximação buscada pelo Estado

com os diferentes grupos que compõe a sociedade é uma característica dos chamados

governos populistas. Tal como nos afirma Ludovico Incisa (2003, p. 6): "... A síntese

populista dá-se entre os valores de base em que se fundamenta a cultura tradicional da

sociedade em questão, e a necessidade de modernização (...)”.

Com relação a aproximação entre Gondim e as classes conservadoras do Estado, em

uma tentativa de conciliação, destacamos, primeiramente, a presença de André de Paiva 75 A UNIÃO, 24 de jun. 1961, p.8. 76 Sobre o MNB-PB ver CITTADINO, 1998, p. 105.

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(Zabilo) Gadelha como seu vice-Governador. A família Gadelha é de tradição agrária,

representando uma das maiores referências ao poder local. André Gadelha era industrial e

agropecuarista77. Neste sentido, acreditamos na existência de um cálculo político que

aproximou Pedro Gondim, como uma liderança de representatividade popular, de um nome de

referência entre os latifundiários do Estado, garantindo assim, o sucesso de sua candidatura.

Em um momento, no qual pairava ainda o clima da vitória no estado, Gondim convida

as classes dos plantadores para um diálogo. A União, em reportagem do dia 17 de Fevereiro

de 1961, pouco mais de 15 dias após a posse de Gondim, apresenta esse encontro. O Jornal

traz a felicitação da classe rural, representada pela Federação das Associações Rurais do

Estado da Paraíba (FAREPA) 78 ao chefe do Executivo. Segundo a reportagem, os ruralistas

se dirigem com confiança ao Governador, afirmando que ele estava compromissado com os

“esquecidos” proprietários rurais. A reportagem traz em seu título: Ruralistas exultantes com

a volta de Pedro Gondim. Na narrativa o texto apresenta que Com o seu retôrno ao Govêrno do Estado, a Federação das Associações Rurais (FAREPA), por seu presidente agrônomo Salvino de Oliveira Filho, enviou a S. Excia. Significativa mensagem de congratulação e fé no apoio do novo Governo ao campo (...). (A UNIÃO, 17 de fev. 1961, p.3).

Com relação aos trabalhadores urbanos, mais exatamente aos servidores públicos,

encontramos uma atuação presente durante quase todo o governo. Gondim atuava junto a esse

setor, principalmente no tocante a questões salariais, concedendo aumentos consecutivos a

estes funcionários. A reportagem de primeira página do dia 20 de novembro de 1962 sintetiza

bem o que estamos a afirmar. A reportagem apresenta que O funcionalismo público estadual compareceu em massa, na tarde de ontem, ao Palácio da Redenção, para testemunhar mais um ato do Governador Pedro Gondim em favor da classe: a sansão do novo aumento de vencimentos. Era o terceiro substancial aumento de vencimentos concedidos à classe pelo governador Pedro Gondim em sua curta trajetória de governante: o primeiro, em 59, o segundo em 60, e o terceiro, ontem, para vigência a partir de janeiro de 63.

Através dos desdobramentos registrados na imprensa, podemos perceber como o

Governador montava sua atuação em cada episódio desenvolvido na esfera local, como

também nacional. A organização estudantil, as reivindicações operárias, a atuação dos

camponeses, cada movimento recebia a atenção do Estado. Em cada demonstração de apoio a

esses movimentos o Governador sempre se colocava como um defensor do compromisso

social firmado entre a Paraíba e ele. Ao Estado cabe atuar junto à população, ouvindo,

atendendo, direcionando, assegurando a ordem e o bem coletivo. No entanto, a principal 77 RAMOS, 1989, p.18. 78 Em fins da década de 1960 a FAREPA passou a se chamar FAEPA (Federação de Agricultura do Estado da Paraíba).

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recorrência do governo era na massificação de uma imagem popular. E o ser popular, em

muitos momentos, é apresentar-se ao lado dos agricultores, mas também pode ser, em outros

momentos, estar ao lado dos estudantes, ou mesmo de qualquer grupo que apareça na

sociedade com uma voz de alarido, chegando aos ouvidos do poder público e da opinião

pública. Em sua retórica de Governo, aparece a figura do povo, da necessidade de garantir o

benefício ao povo, de ter no favorecimento a este, a única justificativa das ações e das

decisões consolidadas pelo poder estatal.

2.2 Gondim e as convulsões no campo: o discurso de irmanação e de reformas urgentes

2.2.1 Gondim, a transição Jânio-Jango e as Reformas sociais: algumas considerações

Ao analisarmos as discussões políticas que atravessaram o período do governo Pedro

Gondim, sobretudo no intervalo 1961-64, nos deparamos com uma conjuntura de intensos

debates e projetos de reforma social.

Logo após sua eleição, a partir de janeiro de 1961, Gondim passou a lapidar laços de

proximidade com as posturas presidenciais, tanto as de Jânio Quadros, como as de João

Goulart, este último com duas etapas de administração, parlamentarista e presidencialista. Os

vínculos políticos entre Gondim e Jânio foram, no entanto, construídos ainda durante a

campanha de 1960, visto que Jânio era o candidato à presidência da UDN e Gondim contava

com o apoio do partido udenista na Paraíba.

Hélio Zenaide, em sua coluna do Jornal A União, aponta as relações de admiração e

confiança existentes entre os dois candidatos. O jornalista, em seu artigo posterior ao pleito,

assinala que em um comício de Jânio na Paraíba, realizado no parque Solon de Lucena, este

havia afirmado estar ao lado de Gondim, e que tudo quanto a Paraíba pedisse, após Gondim

eleito, seria por ele prontamente atendido. Um dos aspectos que mais nos interessa nessa

coluna diz respeito a ênfase dada por Zenaide ao dinamismo administrativo de Pedro, fator

apontado por ele como a causa da prontidão e da confiança com que Jânio defendia o

candidato paraibano. Zenaide apresenta que Durante a campanha, nos comícios de Campina Grande e João Pessoa, Jânio Quadros ficou impressionado com a imensa popularidade de Pedro Gondim nos dois maiores centros urbanos do Estado. Candidato também de extraordinário lastro popular, o atual presidente se deixou contaminar pelo entusiasmo das multidões e fez aquelas declarações que foram tão aplaudidas por milhões de paraibanos no

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Parque Sólon de Lucena: eleito Pedro Gondim, nada, nada, nada que a Paraíba me pedir, eu, presidente da República negarei. Naquela oportunidade [o comício], a pessoas que o rodeavam, Jânio Quadros fez algumas indagações sobre os motivos mais fortes da espetacular popularidade do candidato paraibano, interessando-se pelas informações de que, no Governo, Pedro Gondim se revelara um administrador ousado, dinâmico, inconformado com velhas práticas de governo, sempre disposto a inovar, a quebrar tabus, a vencer barreiras, a oferecer algo de novo em matéria de administração pública, não se entregando nunca à rotina, à mesmice, à politicagem. (A União, 30 de jul. 1961, p.3).

Um outro aspecto que Gondim assumiu para si no debate político do momento, diz

respeito à moralização da política paraibana, tal como Jânio se propunha na esfera nacional.

Em sua campanha para a presidência, Jânio assumiu um discurso e um teatro de poder em

torno da necessidade de ruptura com os continuísmos e com a corrupção, presentes na política

brasileira. O símbolo de sua campanha, a vassoura, significava a varredura nas instituições

públicas e instalação da moral na política 79.

Sendo assim, em sintonia com Jânio Quadros, Gondim se apresentava como portador de

um objetivo coletivo de moralização da política paraibana. Sobre esta enunciação de Gondim,

Zenaide destaca: (...) Que se pregava? Uma Paraíba moralizada, um governo moralizado, dinâmico, eficiente. Um Governo que arrancasse a administração pública do lamaçal da politicagem ... Um governo de paz, de garantias, de tranqüilidade. (...). (A UNIÃO, 07 de jul. 1961 p. 3).

No entanto, por questões que não cabe aqui discutir, o projeto de Jânio Quadros não se

consolidou, cabendo a este a renúncia ao cargo. Pedro Gondim, atento às tensões políticas do

momento, e em função da renúncia do presidente, assumiu a defesa da Legalidade e da

manutenção das instituições democráticas. Através do Governador, a Paraíba se colocava ao

lado do vice-presidente João Goulart, de modo que uma nova fase de discursos e manobras

políticas passou a ser orquestrada no Estado.

No editorial de 30 de agosto de 1961, Zenaide manifesta a postura de Gondim de crença

na supremacia democrática. Tal posição do governador paraibano devia-se às manobras

desenvolvidas pela extrema direita em se contrapor a posse de Jango. Ferreira (2003) analisa

Goulart como sendo um sujeito incompatibilizado com as “classes conservadoras”, possuidor

de um significativo apoio popular e considerado um continuador dos projetos varguistas. Sua

atuação como presidente representava, portanto, uma ameaça de radicalização popular. Em

face da articulação militar que acenava para um golpe, a solução encontrada foi a do

parlamentarismo, o qual manteria o presidente, porém restringindo seu poder de decisão.

Ferreira afirma que

79 Sobre a campanha de Jânio à presidência ver: SKIDMORE, 1982, p.237.

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(...) O sistema parlamentarista, implantado às pressas, visava, na verdade, impedir que ele exercesse seus poderes. Sob um parlamentarismo “híbrido”, o governo não tinha instrumentos que dessem a ele eficiência e agilidade. Tratou-se de uma solução que resultou de uma ampla coalizão para impedir o golpe militar, isolando os grupos civis e militares que não se conformaram com a sua posse, garantindo, assim, as instituições democráticas. (FERREIA, 2003, p.348).

Na Paraíba, assim como em todo o país, o desenrolar dos acontecimentos era

acompanhado com atenção. O Governador não silenciava diante das ameaças de um Golpe

Militar; ao contrário, assumia, em nome do povo paraibano, a defesa das instituições

democráticas. Sobre a posição de Gondim ante estas questões, Zenaide aponta que Tão logo teve conhecimento da renúncia do presidente Jânio Quadros, imediatamente, cônscio das suas responsabilidades perante a comunidade que governa, o Chefe do Executivo de nosso Estado, em mensagem afirmativa e vigorosa, manifestou sua inabalável confiança nas instituições democráticas, traduzindo a serenidade de nosso povo diante dos acontecimentos como prova de sua aspiração de paz e da sua fé no regime constitucional, emanado da vontade dos brasileiros. Melhor definição ao povo não se poderia exigir de um governante democrático que preza a ordem constitucional em que assumiu o poder para exercê-lo em nome do povo. (...), o governador Pedro Gondim não poderia deixar de juntar, como responsável maior pela segurança e tranqüilidade da família paraibana, reiterada exortações em favor da manutenção da ordem e do respeito às autoridades constituídas e representativas da Nação. (A UNIÃO, 30 de ago. p.3).

Definida a regulamentação do sistema parlamentarista, como alternativa possível

naquele momento, Gondim se mantém ao lado de Jango, sobretudo em defesa do retorno ao

presidencialismo e da execução das reformas de base urgentes.

Cabe destacar também, que a posição de Gondim como um defensor ardente da

democracia e da Legalidade passou a ser apresentada como motivo de exaltação, a ele, por

parte da Paraíba. O Jornal A União, no desempenho de seu papel como promotor da imagem

do governador, transformava cada uma de suas palavras em ponto de glorificação de sua

imagem como liderança. As moções de apoio que grupos sociais destinavam ao governador

eram apresentadas como manifestação da vontade geral da Paraíba, bem como da perfeita

comunhão entre povo e governo. A reportagem do dia 03 de setembro de 1961 traz o seguinte

enunciado: “Paraíba exalta a tomada de posição do Seu Governador”. O texto da

reportagem apresenta os telegramas recebidos por Gondim, de diversos municípios do Estado,

em manifestação de apoio aos seus pronunciamentos em defesa “da ordem constitucional do

país”. (p.1).

Já em agosto de 1962, iniciam-se as discussões sobre o plebiscito, que revogaria o Ato

Adicional, o qual estava a cercear o poder do Executivo nacional. A Paraíba, através de

Gondim, apresentava-se como um Estado defensor da Legalidade e da democracia, passando

a apresentar reportagens, editoriais, e manifestações em defesa do retorno ao

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presidencialismo, principalmente para que as medidas reformadoras de João Goulart

pudessem ser concretizadas, fato que beneficiaria diretamente o Estado paraibano, foco de

muitos conflitos sociais.

A partir do mês de novembro desse mesmo ano, a campanha para o plebiscito se

intensifica em todo o Brasil. Pedro Gondim manifesta-se pessoalmente na imprensa, para

conclamar a população paraibana a comparecer às urnas e dizer NÃO ao parlamentarismo.

Em Dezembro, na mensagem de Natal destinada à população, o Governador constrói

uma narrativa e uma reflexão, que sutilmente expressa a necessidade da mobilização e do

desprendimento para se lutar pela democracia e pela reorganização da sociedade. O texto da

mensagem aponta que ... não teria sentidos e efeitos trazer a mensagem de Natal nos lábios e nas mãos e consentir, ao mesmo tempo, no círculo de amizades e setores de trabalho, sob o estímulo criminoso do conformismo, na existência de criaturas sem dias e sem destinos. Não teria autoridade e conseqüência a mensagem lan çada convencionalmente por quem fomentasse o ódio e cultivasse a intriga. Que mensagem de Natal ofereceria aquele que, no exame diário de consciência e no balanço de suas relações, não pudesse registrar mais um ato objetivo de solidariedade e êxito social? Trabalhemos por que não se deprima, não se esgote a marra, num enredo diário e sem grandezas, o conceito de vida e de bondade. Não transferir, subjetiva e comodamente, as responsabilidades do seu momento histórico, habilitar-se e confraternizar a vitória de um mundo isento dos atuais desníveis e terríveis injustiças, eis a única mensagem humanamente verdadeira. (...). Assim nós devemos querer e impor – conscientes, dinâmicos, organizados e agressivos – para que o amanhã dos nossos dias e dos nossos filhos seja resposta às nossas mensagens. Que 1963, no pleno exercício desses princípios e penhor dessa inspiração, possa unir, cada vez mais, todos os paraibanos na sua grande causa comum de amor e de progresso. (grifos nossos). (A UNIÃO, 30 de dez. 1962, p.1).

Nas palavras do Governador podemos notar a presença de um sentimento de

inconformismo. A sua inconformidade é objeto principal de sua mensagem. Gondim

transmite sua postura de incômodo com a situação em que a nação e a Paraíba se

encontravam, e busca com isso despertar e mobilizar todos os coirmãos. Fica evidente no

conteúdo de sua fala, a demonstração de uma sensibilidade quanto ao momento de crise social

vivenciado na Paraíba, sobretudo com o conflito entre camponeses e proprietários, ao mesmo

tempo se percebe uma esperança e uma confiança no novo ano que se anunciava. O

Governador enfatizou que a esperança na reversão da realidade se concretizaria desde que

todos os cidadãos se rebelassem contra o comodismo e se dispusessem a lutar, traçando novos

caminhos para a posteridade.

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Durante todo o mês de Dezembro A União trazia a convocação “As urnas cidadãos!”80.

Em outros convites, o Jornal apresentava os motivos pelos quais os paraibanos deveriam dizer

NÃO ao parlamentarismo, a exemplo de: “Contra a miséria; contra o analfabetismo; contra

a falta de terra; contra a usurpação do seu voto: No dia 06 de Janeiro marque NÃO” 81.

Passado o plebiscito, decidindo o povo pela volta do presidencialismo, o Editorial de 08

de Janeiro apresenta o papel desempenhado pelos paraibanos no exercício da cidadania, bem

como o prestígio do Governador em ter convocado o seu povo, e ter recebido deste, nada

menos que o pronto comparecimento às urnas, para endossar o coro democrático. O texto

aponta que A Paraíba não faltou à convocação que lhe foi feita através da palavra e do prestígio pessoal e político de seu Governante, que não se constitui um presidencialista e improvisado de última hora, mas um defensor seguro e vigilante da nossa integridade constitucional ... Erraram os que pensaram que os paraibanos seriam indiferentes à sorte da democracia brasileira e fugiriam, na hora decisiva, ao comparecimento das urnas. (...). Erraram todos os que não acreditavam na politização, no raciocínio, na maturidade e no bom senso da população eleitoral brasileira, e, particularmente, paraibana, inconformada com os rumos tortuosos impostos a nossa Pátria, ajustada a um regime parlamentarista de carregação e de quase nenhuma responsabilidade (...).(p.3).

O Editorial exalta a participação da Paraíba no plebiscito, como uma demonstração de

civismo, de criticidade política e de brasilidade, mas aponta substancialmente a atuação do

Governador como um crítico ao parlamentarismo e como um referencial na inspiração das

vontades e decisões dos eleitores paraibanos.

Transcorridos os primeiros momentos da política nacional com João Goulart no poder,

estando já fixado o presidencialismo, e diante da aparente disposição do Presidente em

realizar as Reformas de Base, se verificou a ascensão crescente e polemizada dos debates

sociais envolvendo a reforma agrária.

O projeto de promoção da Reforma Agrária já havia tomado espaço no cenário político

nacional desde os anos JK 82. No entanto, foi com Jango na presidência, que tal debate

80 A UNIÃO, 16 de dez. 1962, p.4. 81 A UNIÃO, 13 de dez. 1962, p.4. 82 Sobre o debate envolvendo a Reforma Agrária no período de Governo de Juscelino Kubitscheck, sobretudo entre os anos de 1958-59, Socorro Rangel (2000) destaca que houve uma articulação conservadora para promover a reforma “por cima”, evitando assim, possíveis levantes de esquerda. No entanto, o debate extrapolou os espaços institucionais dos “guardiões da lei”, passando a despertar, por exemplo, o interesse da Igreja Católica, que empreendeu um projeto de Reforma Agrária em suas terras. Após esse ato da Igreja, um grupo religioso publica um livro: “Reforma Agrária: uma questão de consciência”, no qual rotula a reforma promovida pela Igreja de “sadia” e “harmoniosa com a tradição cristã”, enquanto outros modelos reformistas, sobretudo o do PC, foram taxados de “revolucionário”, “esquerdista” e “mal sã” (ver: RANGEL, 2000, p. 59-70). Esse discurso quase de “satanização” da dita reforma, considerando-a um projeto contagioso e degenerativo, por ferir a família e a propriedade, direitos sagrados para os cristãos, contribuiu, ao nosso ver, de forma significativa para a resistência social que se evidenciou no período de Jango em torno das Reformas de Base.

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adquiriu uma proporção peculiar. Desse modo, identificados com a necessidade da supressão

do latifúndio e de democratização das terras brasileiras, Jango e Gondim passaram a ter suas

imagens associadas na Paraíba.

Em um de seus pronunciamentos, o presidente afirmou a necessidade de se acabar com

a fome dos homens do campo, para que a paz social pudesse vir a ser alcançada. Na mesma

página, ao lado do pronunciamento do presidente, A União transcreve o telegrama de Jango a

Gondim, no qual o presidente afirmava que o governador paraibano era um “autêntico líder

do Nordeste na defesa das Reformas Básicas” 83.

A visita do Presidente à Paraíba no mês de Julho, ainda em 1962, movimentou os

ânimos e as esperanças dos camponeses. O Presidente discursou para trabalhadores, sobretudo

os rurais, dando garantias de que a Reforma Agrária seria concretizada, e que os homens do

Nordeste podiam estar tranqüilos porque “nenhuma força seria capaz de fazê-lo recuar” 84.

Com a crescente onda de otimismo com relação às promessas de reformas básicas, os

grupos de esquerda, que sempre apoiaram Jango, passaram a exigir do Presidente, medidas

radicais, principalmente o fim do latifúndio e a reforma agrária. Segundo Jorge Ferreira

(2003), essa pressão da extrema esquerda sobre Jango revelava o caráter ambivalente de seu

governo. Segundo o historiador, Jango não era comunista, e propunha reformas respaldadas

na conciliação entre os diferentes grupos políticos. No entanto, o que se esperava dele era a

radicalização. O fato do Presidente propor uma reforma agrária que não atingisse frontalmente

os proprietários, indenizando-os como forma de amenizar os confrontos, passava a ser

encarada com desconfiança pelos radicais, sobretudo Brizola, que ainda durante o

parlamentarismo tentava empurrar Jango para o confronto direto com os conservadores,

através de uma ruptura institucional 85. Sobre os primeiros instantes e deslocamentos do

presidente pós-plebiscito, Ferreira afirma que Goulart assumiu seus poderes com a aprovação maciça da população. O plebiscito, na verdade, era a sua eleição para a presidência da República. Seu prestígio, nesse momento, era imenso. Sobretudo porque seu programa era, como todos sabiam, o das reformas de base. Em 24 de Janeiro de 1963, ele empossou o novo ministério, procurando apoio do centro político, como fizera com Tancredo Neves, evitando a radicalização. A estratégia procurava conciliar medidas de estabilização econômica com propostas reformistas. Para isso, a aliança entre os dois partidos que davam governabilidade ao país, o PSD e o PTB, era fundamental para o sucesso de seu governo. A união das duas agremiações garantiria ao Executivo a maioria necessária no Congresso – sobretudo com os pessedistas – mas, também, o apoio para as reformas, particularmente com os trabalhadores. Portanto, a estratégia de Goulart era a de, através de acordos, negociações e compromissos entre o centro e a esquerda,

83 A UNIÃO, 13 de maio 1962, p.1. 84 A UNIÃO, 31 de jul. 1962, p.1. 85 Ver FERREIRA, 2003, p.356.

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implementar as mudanças econômicas e sociais por meios democráticos ... (FERREIRA, 2003, p.362-63).

Diante das pressões sociais, bem como do seu isolamento político, João Goulart

encaminhou em março de 1963 o projeto de Reforma Agrária ao Congresso. Essa proposta

buscava uma emenda constitucional que alterasse dois artigos, o primeiro referente ao

pagamento prévio de indenizações aos proprietários, e o segundo que tocava na questão da

desapropriação por interesse social 86.

Tomada essa medida, assistiu-se ao acirramento de uma onda nacional pró-reforma,

assim como as críticas e acusações de ameaça comunista no Brasil, debate que transpunha os

limites do Congresso Nacional e se espalhava pelas ruas do país. Sobre essa intensificação dos

debates das reformas, Ferreira ainda apresenta que (...) Nas ruas, uma imensa campanha foi deflagrada, com comícios, passeatas e ameaças de greve geral. Liderados por Brizola, o CGT, a UNE, a FPN, entre outros grupos de esquerda, tentavam pressionar o Congresso. Em um desses comícios, ainda em março, Brizola deu um ultimato: os parlamentares teriam que aprovar a emenda em um prazo de 40 dias, senão outros meios seriam encontrados para implementá-la. Apesar da mobilização nas ruas, a comissão parlamentar recusou o projeto de reforma agrária do PTB (...). (FERREIRA, idem, op.cit., p.367).

Na Paraíba, as esperanças com relação ao projeto de Reforma Agrária eram crescentes.

No entanto, diferentemente do discurso de radicalização assumido por outros Estados, como o

vizinho Pernambuco, o Governador Pedro Gondim apresentava a necessidade da moderação.

O radicalismo era encarado com um destoante na postura política pacífica dos paraibanos, de

modo que o chefe do Executivo apelava para o bom senso na aprovação do projeto, devido ao

acirramento dos ânimos entre os trabalhadores e os proprietários.

Em um de seus editoriais, sob o título de “O Governo e a Questão Agrária”, A União

transmite o contexto nacional, convulsionado pelo debate sobre as reformas. Ao mesmo

tempo o editorial desenha um panorama para a situação local. O texto aponta que Como o assunto do momento, o prato do dia na política brasileira, é a reforma agrária, tornado tema obrigatório dos debates e discussões, tanto na imprensa, como nas tribunas populares, e das Casas Legislativas, a Paraíba, por seu Governo e por seu povo, não poderia ficar alheia e distanciada de tão momentosa e importante questão ... Embora não exista no nosso Estado um clima de agitação e efervescência permanentes, com atritos constantes, invasões diárias de propriedades e engenhos e amiudados choques entre camponeses e senhores de terra, como vem acontecendo em Pernambuco e em outras unidades federadas, do Nordeste e do Sul, temos pago (naturalmente, em menores proporções) o nosso tributo de sacrifício e até de sangue, com prejuízos de preciosas vidas humanas, imoladas nos embates e lutas, naturais, infelizmente, nessas disputas e conflitos ideológicos e sociais. (grifos nossos) (A UNIÃO, 9 de maio 1963, p.3).

86 Ver: FERREIRA, op. cit., p. 367.

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Notamos nesse editorial, a presença da negação total de um possível “clima de

agitação” no Estado, apesar do reconhecimento que vidas estavam sendo ceifadas com os

choques entre proprietários e camponeses.

A narrativa feita pelo Jornalista Severino Ramos (1989), sobre os acontecimentos desse

período no estado, contradiz o discurso de tranqüilidade das relações no campo, apresentado

pela folha, bem como a aparente ordem mantida na Paraíba. A propósito dos incidentes, temos

segundo Ramos, após a morte de João Pedro Teixeira, ocorrida em 1962 87, o acirramento dos

conflitos entre camponeses e proprietários de terras, perceptível através de diferentes

episódios. O autor aponta que Nenhuma trégua foi conseguida entre donos de terra e agricul tores desde o acirramento das tensões a partir do assassinato de Pedro Teixeira. Com a omissão das autoridades, cada facção procurava resolver os problemas a sua maneira, tendo por base a lei do mais forte. Deste modo, acentuaram-se as derrubadas dos casebres dos moradores das fazendas, agora não mais por capangas ou sicários de aluguel, porém pelos próprios fazendeiros que empreendiam freqüentes incursões noturnas a fim de expulsarem, pela força, elementos que consideravam indesejáveis por serem ligados às Ligas Camponesas ou serem delas simpatizantes ... (RAMOS, 1989, p. 127).

Observamos que a posição assumida por A União em, apesar da existência desses fatos,

apresentar uma conjuntura de equilíbrio e ordem no estado, corroborava para a cristalização

do discurso do Governador. Pedro Gondim apresentava-se como defensor de reformas

urgentes para o país, no entanto, primava pela estabilidade das relações sociais, se opunha aos

embates violentos, negando qualquer tipo de inclinação radical nas Ligas paraibanas. Os

discursos difundidos por A União, também frisavam constantemente a inexistência de

relações comunistas no movimento camponês paraibano.

Os últimos meses da administração de Jango foram marcados pela intensificação dos

debates em torno das reformas. O Nordeste passava, progressivamente, a se associar à idéia de

“subversão e revolução” 88. Na Paraíba, como no cenário regional, os ânimos se exaltavam

cada vez mais, e, neste sentido, A União passou a incorporar um clima de intranqüilidade em

suas enunciações, sem contudo, negar a existência de uma relativa conjuntura ordeira mantida

pelo poder executivo. Em editorial de 23 de agosto, A União apresenta que Continua em crescente ebulição e efervescência o clima quase revolucionário, implantado na região nordeste, onde, com raras exceções, se criou um ambiente de subversão, de manifesta hostilidade, de insegurança e de iminente perigo, tanto para a população, como para as instituições democráticas. (...) Embora reine e se positive na Paraíba, um clima de harmonia, de paz, de ordem e de respeito, implantado pela ação moderada, vigilante, moralizadora e enérgica,

87 João Pedro Teixeira era líder da Liga Camponesa de Sapé, no dia 02 de abril de 1962 foi assassinado em uma tocaia, a mando dos fazendeiros da região. (Sobre a trama envolvendo sua morte ver: RAMOS, 1989, p.42-52). 88 Ver Montenegro, 2003, p. 255-63.

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quando necessário, do Governador Pedro Gondim, muito nos intranqüiliza, inquieta e alarma essa progressão subversiva que se alastra pelo nordeste subdesenvolvido e que figura, por isso mesmo, como uma presa fácil e um campo ideal à ação dos agitadores, inimigos da democracia e da Pátria, interessados na confusão e na anarquia generalizada, porque para eles “quanto pior melhor”. (grifos nossos) (A UNIÃO, 23 de ago. 1963, p.3).

Apenas para ilustrar o acirramento nos debates, como também a “sensibilidade tensa”

que se construiu em torno da situação do Nordeste e da urgência nas Reforma de Base,

sobretudo a Agrária, evocamos as adjetivações, apresentadas por Socorro Rangel, que

envolveram a reforma agrária no vocabulário dos parlamentares entre o final dos anos

cinqüenta e início dos sessenta. Os termos classificam de “momentoso problema”, a crise

social atravessada pelo país, chamava a Reforma Agrária de “uma urgência urgentíssima”, e

chamava de “ponto nevrálgico da sociedade brasileira” a concentração de terra e a

espoliação do homem do campo. (RANGEL, 2000, p. 112).

2.2.2 Diante do acirramento das convulsões no campo, qual a postura do Estado paraibano?

Este tópico dedica-se mais especificamente, à discussão sobre o espaço ocupado pelos

camponeses nas atenções do Estado paraibano nos primeiros anos da década de 1960, agora

não apenas envoltos na representação de “flagelados” e “necessitados”, características

imputadas a estes sujeitos durante a era JK, como vimos no capítulo 1. A nova posição a esses

indivíduos reservada, passava a ser proporcional ao crescimento do movimento das Ligas

Camponesas. Neste sentido, compreendemos que a medida que as Ligas cresciam e se

espalhavam pela região Nordeste, cada vez mais passavam a atuar como representantes do

homem do campo, sintetizando suas lutas, institucionalizando suas reivindicações e

integrando os camponeses de forma à identificá-los politicamente como grupo ou classe

social.

A primeira experiência de Liga Camponesa surgiu em meados da década de 1940,

inspirada pelo Partido Comunista. No entanto, diante da ilegalidade deste, em 1946 a Liga foi

desarticulada, reaparecendo, sob novas influências e articulações políticas, nos anos cinqüenta 89. O contexto de reaparecimento da organização camponesa se deu em um momento de

intenso debate social, sobretudo no concernente às desigualdades econômicas. As

contestações que insurgiam no campo denunciavam o relativo descaso com que o poder

público tratava o espaço rural, ao mesmo tempo em que alvejava as relações de trabalho 89 Ver: MONTENEGRO, 2003, p. 248.

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presentes nas propriedades, as quais não tinham regulação de leis trabalhistas, ficando a cargo

dos desmandos dos proprietários da terra.

A organização que se tornaria posteriormente as Ligas Camponesas surgiu a partir da

experiência de associações de moradores rurais. A primeira associação se formou em

Pernambuco, no Engenho Galiléia, no ano de 1954, sendo composta por cerca de 140

famílias. O objetivo inicial desse ajuntamento de trabalhadores rurais era assistir às famílias

organizadas, suprindo necessidades básicas das famílias vinculadas às Associações e não

debater questões de reforma na estrutura agrária do país. A Associação legalizou-se como

Sociedade Agrícola de Plantadores e Pecuaristas de Pernambuco (SAPPP) 90.

Dentre as metas de assistência, englobada pelas associações, estavam o melhoramento

da vida das comunidades, com a construção de escolas, a garantia de assistência médica e

jurídica aos associados. Eram os trabalhadores rurais que se organizavam em busca de

soluções para os problemas comunitários, os quais, na maioria das vezes, era negligenciado

pelo Estado. No entanto, apesar dessa implicação de buscar soluções para demandas da

comunidade, a SAPPP não estava, neste primeiro momento, imbuída de objetivações político-

partidárias. Valdeck Santiago (2001), ao analisar este momento inicial do movimento, afirma

que (...) Dos objetivos da SAPPP constava _ também o de obter recursos para construir escola e garantir assistência médica e jurídica para os camponeses. Também se pretendia formar uma cooperativa de crédito para a compra de sementes, adubos e instrumentos agrícolas. E ajudar a pagar a dívida dos que es tivessem com o pagamento do foro atrasado. Possuía, de qualquer forma, um caráter assistencialista, e não político. Não foi criada para lutar pela terra, mas para atender a outras necessidades dos camponeses. (SANTIAGO,2003, p.30-1).

Para confirmar o descaso, acima mencionado, do Estado com o meio rural e as

alternativas criadas pelos camponeses para se desvencilhar de certos problemas, evocamos a

discussão de Fernando Antônio Azevedo (1982). O autor afirma que a negligência do Estado

se explicava pelo fato do Brasil está vivenciando o “Estado populista”, o qual voltava-se

somente para as causas dos trabalhadores urbanos, de modo que as necessidades dos

camponeses eram esquecidas, o que os obrigava a se organizarem de forma independente do

Estado, com vistas a suprir necessidade cotidianas. Azevedo considera que ... os assalariados rurais, ..., impedidos na prática de se sindicalizar e sem contar com uma legislação trabalhista específica, ficavam à margem desse tipo de luta, já que os seus litígios e conflitos eram regidos, pelo menos teoricamente, pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que disciplinava a relação entre o capital e o trabalho. No entanto, a CLT era impraticável no campo, pelo menos por duas razões: em primeiro lugar, as trabalhistas tinham como modelo os conflitos típicos do mundo urbano-industrial, envolvendo o operariado e os assalariados das cidades. Não

90 Ver: MONTENEGRO, 2003, p. 247-49.

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previa, pois, e nem levava em conta a complexidade e a especificidade do trabalho rural. (...). (AZEVEDO,1982, p.82-83).

Assim, contrapondo-se ao desenvolvimento urbano e ao mesmo tempo denunciando as

mazelas do campo, se fortaleceu, sobretudo na década de 1960, no Nordeste brasileiro, o

movimento que ficaria internacionalmente conhecido como Ligas Camponesas. Vale ressaltar

que desde J.K. as tensões do campo já despertavam as atenções do Governo Federal, o que

pode ser interpretado como o receio de uma articulação dos camponeses com movimentos de

cunho revolucionário, aos moldes da Revolução Russa.

Após João Goulart assumir o poder, sob forte tensão e resistência das alas

conservadoras da sociedade, o Movimento das Ligas foi gradativamente adquirindo uma

conformação “ameaçadora”, sobretudo, para os interesses dos proprietários de terra que se

viam pressionados por propostas de Reforma Agrária. Nesse sentido, destacaremos a forma

como se deram as aproximações entre o Estado paraibano e os camponeses.

Durante as décadas de 1950-60, em meio ao discurso do nacional desenvolvimentismo,

crescia a denúncia sobre as contradições no universo rural do país. Essas denúncias, ao

emergirem em âmbito nacional, acabavam por deformar o projeto de desenvolvimento

econômico orquestrado pelo Estado, principalmente no Governo de Juscelino. A aparição em

esfera nacional e internacional da situação em que vivia o homem do campo no Nordeste

brasileiro traz à tona a discussão sobre a dualidade e discrepância existente entre o universo

rural e o urbano, entre o campo e a cidade 91.

Virgínia Tavares Silva (1997) analisa o fortalecimento do movimento das Ligas

Camponesas no Brasil, como uma resposta do campo ao descaso social que as cidades lhe

impuseram. Segundo a autora, o Estado passou com Juscelino, a se propor a assistir aos

“revoltosos” 92, sobretudo através da criação de órgãos como a Sudene, criada em 1959. Um

dos objetivos da Sudene teria sido assim, conter os possíveis levantes e revoltas, a partir do

momento que o Estado passava a se preocupar com as “mazelas do campo”, com os

“flagelados”. As propostas do Presidente, em longo prazo, inseririam a região no

desenvolvimento nacional. Segundo a análise da autora, de acordo com o desenvolvimentismo

que marcava os anos J.K., se fazia necessário políticas para inserir o Nordeste no universo de

91 Sobre estas denúncias destacaram-se as reportagens de Antônio Callado apontadas por alguns autores como uma das responsáveis pela difusão das críticas à estruturação da propriedade no Nordeste brasileiro e como uma porta ao crescimento das agitações nacionais em torno da Reforma Agrária. Ver: MONTENEGRO, 2003, p. 255-56; RANGEL, 2000, p. 1-9. 92 A “revolta” da população nordestina representava, primeiramente, uma resposta as necessidades imediatas da parcela mais pobre da região, sobretudo as que se viam alienadas de qualquer assistência do Estado. (SILVA, 1997).

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progresso apontado com o Plano de Metas, bem como com os discursos de progresso do

presidente. Virgínia Tavares considera que (...) Voltada para a industrialização, a linha desenvolvimentista baseava-se no liberalismo econômico e visava sobretudo a diversificar a indústria. Para isso, operou-se a abertura dos mercados internos para o capital estrangeiro, mas aceitou-se também a ação interventora do Estado. Dentro dessa perspectiva, a região Nordeste começou a receber um tratamento do governo, baseado no planejamento global da região, a qual mereceu a criação de um órgão para “arrancá-la” do subdesenvolvimento. A SUDENE destinou-se a cumprir esta função. (SILVA, 1997, p.29).

Os camponeses viviam atrelados a obrigações, interpretadas por alguns autores como

“semifeudais”, pois eram obrigados a “ofertar” ao proprietário da terra, dias de trabalho – o

chamado cambão – além de pagar aluguel das terras que utilizavam – prática conhecida como

foro. Os camponeses estavam submetidos também ao barracão, que usurpava boa parte de

seus salários, e ao pulo de vara 93, dentre outros abusos. O que permitia esse tipo de relação

entre proprietários e camponeses era o fato de não existirem medidas, nem instrumento

institucionais que mediassem as relações de trabalho no campo, o que não dava garantias ou

segurança aos camponeses, deixando-os ao bel prazer dos proprietários de terras.

A transformação das SAPPPs em Ligas Camponesas ocorreu ainda em Pernambuco.

Esse deslocamento de uma entidade assistencialista em um organismo de reivindicação

política, no sentido partidário do termo, resultou em uma nova configuração para o

movimento. A necessidade de legalização da instituição levou os camponeses a se

aproximarem de Francisco Julião, deputado estadual e advogado, que legalizou as

Associações e garantiu assessoria jurídica aos integrantes destas. Posteriormente,

estabeleceram contatos com os sindicatos, com os partidos, especialmente o Partido

Comunista, com estudantes, profissionais de outros setores e com a sociedade em geral. Neste

percurso, os objetivos do movimento foram se alterando e as Ligas passaram a lutar por

reformas sociais, dentre as quais se destaca, pelo impacto que gerou, a Reforma Agrária.

Sobre a expansão das Ligas de Pernambuco para todo o Nordeste, Montenegro (2003)

afirma que A mobilização dos camponeses de Galiléia torna-se, nos últimos anos da década de 1950, um símbolo de resistência para uma parcela da sociedade, enquanto para outros representa o avanço do comunismo e a ruptura da pax agrária. (MONTENEGRO, 2003, p.256).

93 O “ pulo da vara” é uma expressão utilizada para classificar o processo no qual um administrador “ao medir com uma vara a extensão da terra trabalhada, comumente salta dois um ou dois passos em relação à marca anterior”. (MONTENEGRO, 2003, p.206).

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Na Paraíba, a experiência dos camponeses com as Ligas se deu no ano de 1958, em

resposta as relações pessoais e de trabalho que perpassavam o espaço rural, as quais em muito

se pareciam com a descrição das Ligas pernambucanas 94. Os trabalhadores rurais, moradores

e meeiros estavam submetidos a uma espécie de trabalho forçado, devido às inúmeras

obrigações que adquiriam com os donos das propriedades, tendo que ceder seu tempo de

serviço a estes, pagar-lhes aluguéis, além de, quase obrigatoriamente, comprar mantimentos

no barracão das terras do proprietário. Essa situação se agravou com a expulsão dos

camponeses das terras, devido ao crescimento das lavouras de cana.

É nesse contexto, que Mª do Socorro Rangel destaca o aparecimento do nome de João

Pedro Teixeira na articulação da Liga de Sapé, uma vez que ele, após ter residido em

Pernambuco, teve contato com as associações de lá, tendo acesso a documentos, livros e

cartilhas, tanto do PC como das propostas de Julião. Desse modo, encabeçando a organização

do movimento, ao lado de Nêgo Fuba, João Pedro filtrou inúmeras das propostas sobre a

Reforma Agrária, debitadas não só em Pernambuco, como em todo o país, construindo no

contato com outros sujeitos, o projeto da Associação dos Lavradores e Trabalhadores

Agrícolas de Sapé.

Na leitura de Rangel, as motivações que conduziram inúmeros camponeses a se

associarem às Ligas, se encontram respaldas na violação do “pacto” existente entre os

proprietários das terras e os moradores (meeiros, foreiros, principalmente). Segundo a autora,

com a expansão da lavoura de cana, a necessidade cada vez crescente de novas terras para

plantio, acarretando a expulsão dos camponeses das terras arrendadas, gerou a sensação de

injustiça, e esta, por sua vez, a crença de que a união destes homens em torno da luta pela

terra lhes restituiria as “origens” violadas, os seus antigos lugares de habitação, nos quais

registraram seus sonhos, trajetórias e vivencias 95. Sendo assim, Rangel (2000, p. 264) afirma

que “(...) as mudanças nas formas de trabalho e nas regras de acesso a terra (...)” foram as

repensáveis pela emergência do movimento camponês, não só na Paraíba, mas no país como

um todo. A autora ainda considera que: “essa experiência marcada pela tensão, pela supressão

e, ainda assim pela manutenção da esperança, é o que orienta a filiação nas Ligas ...” (p. 270).

Sendo assim, a indignação dos moradores rurais, somada às propostas de Reforma

Agrária, debatida tanto no Congresso, como também entre os jornalistas, estudantes e

94 Segundo Mª do Socorro Rangel a institucionalização das Ligas de Sapé datam de 1958, mas, desde janeiro de 1955 o jornal Terra Livre, do partido Comunista, fazia menção a associação de meeiros, arrendatários e pequenos proprietários na cidade. (ver: RANGEL, 2000, p. 139). 95 Ver 4º capítulo de RANGEL, 2000, p.217-334. Explicação semelhante para a associação dos camponeses de Pernambuco é dada por MONTENEGRO, 2003, p. 243-46.

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trabalhadores, criou o clima de tensão revolucionária que marcou os últimos anos do

Governo de João Goulart.

Nesse quadro de debate, ocupam lugar de “destaque” o partido comunista, apesar da

ilegalidade, e o Deputado pernambucano Francisco Julião. No entanto, para Rangel, a atuação

destes dois personagens não podem ser sobrepostas às razões dos camponeses, nem tão pouco

a suas próprias leituras e objetivações no contato com as Ligas. A autora afirma: É preciso entender que as experiências de mudança, que orientam os membros do PCB e Julião, têm historicidade e, nesse caso especificamente, foram construídas no embate que mobilizou o Brasil nas décadas de 50 e 60, por isso, não podemos desconsiderá-las nesse texto, mas também não precisamos impô-las à vivência dos camponeses. A denúncia de exclusão política e social do camponês não deve ser um imperativo que impeça a consideração dos saberes que eles elaboram sobre o mundo e sobre suas vidas, pois a exclusão, por mais absoluta que seja, não significa privação de sonhos, de desejos, de valores, pelos quais eles também lutaram. (RANGEL, 2000, p. 265).

O mundo capitalista e a sociedade conservadora não escondiam o receio e o temor com

que encaravam o movimento articulado pelos camponeses. O “fantasma” comunista que

rondava a América Latina no período da Guerra Fria gerou sobre as Ligas uma série de

resistências e oposições. A cada momento que era identificada com as esquerdas radicais, as

Ligas passavam para o lado obscuro das organizações sociais, sendo portanto, rotulada de

subversiva e revolucionária 96.

Segundo Octávio Ianni (1994), na década de 1960 estava a se assistir, com relação ao

discurso do Estado, interpretado como populista pelo autor, a fase mais exacerbada da política

de aproximação com as massas. Tal apelo exacerbado decorria do esgotamento do modelo de

Estado, evidente no período. As promessas do líder já não satisfaziam às classes operárias

urbanas, de modo que este se vê conduzido a uma postura de radicalização para poder

continuar se mantendo no poder. Ianni afirma que ... a democracia populista tinha diante de si uma única opção: continuar a revolução brasileira, realizar nova etapa do modelo getuliano. Tratava-se de afirmar-se, pelo aprofundamento das rupturas estruturais internas e externas. Tornava-se necessário e urgente entrar em nova fase de realização das suas “virtualidades”. Impunha-se efetivar a política externa independente, apressar a modernização da sociedade agrária, engajar novos contingentes da população brasileira no processo político, favorecer o debate científico e político sobre a realidade nacional, estimular o florescimento dos movimentos artísticos inspirados na sociedade nacional, etc. (IANNI, 1994, p.106).

Diante da impossibilidade de continuar o mesmo modelo de política nacional, se deu, na

leitura de Ianni “o colapso do populismo”.

96 Sobre a construção desse imaginário em torno das Ligas ver: MONTENEGRO, 2003.

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Sendo assim, é a partir da inclinação política do Estado para o meio rural, que

encontramos a relação de Gondim com os camponeses. No entanto, o Governador,

anteriormente ao período de efervescência das Ligas, já demonstrava interesse pelo campo.

Contudo, a atenção com esses sujeitos, ainda no governo interino, era envolta na perspectiva

de assistencialismo e supressão de necessidades imediatas, visto que no ideário do Estado, os

camponeses representavam uma massa de “flagelados”. Já nos anos 1960, pela conjuntura do

período, os camponeses passavam a serem encarados como trabalhadores rurais, e não como

mazelados.

Pedro Gondim, através de A União, apresentava à sociedade paraibana, tal como

demonstrado em capítulo anterior, propostas e apelos políticos na defesa do homem do

campo, mais especificamente, no que dizia respeito à solução de problemas imediatos, como a

falta de gêneros advinda da seca, o desemprego que a seca acarretava, dentre outros

problemas articulados sempre com a estiagem. Esse discurso e essa prática política estavam

em sintonia com a postura do governo Federal, no sentido de tratar o Nordeste como um

espaço de necessidades específicas 97. No entanto, com a ascensão de João Goulart ao poder, e

a conseqüente modificação no trato com algumas questões nacionais, como a questão agrária,

por exemplo, se percebeu na Paraíba o reflexo da necessidade de novas articulações entre o

Estado e o homem do campo, que gradativamente adquiria notoriedade nos debates político-

sociais.

A postura adotada pelo governador paraibano, percebida através dos discursos

difundidos pelo jornal do Estado, apresenta uma clara defesa da ordem, da paz e das

instituições, em uma postura que advoga a legalidade política, bem como o direito desses

sujeitos expressar suas reivindicações, tendo em vista o regime democrático em vigor.

O Governador chamava para o Estado, a identificação com o movimento das Ligas,

enfatizando um tipo de compreensão sobre os motivos da luta camponesa, mas não

exatamente para as práticas desenroladas ao longo do processo que acompanhou o

crescimento do movimento, ou seja, Gondim dizia comungar com os camponeses as razões de

suas revoltas diante da precária situação de vida e de trabalho na qual estes indivíduos viviam.

No entanto, não era adepto da violência, tão pouco da “revolução”; afirmava que a ordem

deveria estar acima de todas as lutas, e que o Estado apoiaria os camponeses, assegurando,

contudo, em primeiro lugar, a tranqüilidade pública, lidando de forma serena com os

acontecimentos e com as decisões cabíveis ao Governo 98.

97 Ver a política de J. K. para o Nordeste em: FURTADO, 1959. 98 A UNIÃO, 17 de fev. 1961, p. 8.

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Sendo assim, a posição assumida pelo Governador Pedro Gondim em defesa do homem

do campo e no empenho para solucionar os problemas dos moradores do Nordeste é

apresentada por A União sob uma dubla perspectiva: por um lado destacar o desempenho

administrativo de Gondim, e por outro ressaltar sua destacada sensibilidade para o trato com o

problema agrário da região.

Uma das ocasiões, na qual se comentou a destacada atuação de Gondim como defensor

da reforma agrária, foi no III Ciclo de Estudos sobre a Integração do Nordeste, ocorrido em

Fevereiro de 1962. O Governador defendeu, nesse encontro, o fim do latifúndio como um

pressuposto básico para o desenvolvimento da região. Gondim também ressaltou que o fim do

latifúndio significaria o término do massacre ao trabalhador rural. Sob o título de Camponeses

e Reforma, o editorial de 21 de fevereiro de 1962 aborda as palavras do Governador no III

Ciclo afirmando que Era uma definição, assim, do grave problema, perante a consciência nacional ali representada por figuras das mais responsáveis do país. O atual regime de terra – disse referindo-se a esta região – é um convite a agricultura extensiva, a baixa produtividade, a ação predatória do homem e, pior do que tudo, as relações de trabalho tipicamente feudais, semi-escravistas e desumanas. (p.3).

Com relação a organização dos camponeses em torno das Ligas, Gondim ressaltava a

contribuição que a negligência do Estado forneceu para que tal associação fosse concretizada

e estivesse a assumir tão significativas proporções. Nas palavras de A União, Gondim

apresentou que Na Paraíba – advertiu o Governador – mais de 14 mil trabalhadores e lavradores rurais já buscaram a insipiente organização das Ligas Camponesas como forma associativa de condução da defesa de seus interesses. E essas sociedades civis – são ainda palavras textuais do governante paraibano – não se transformaram em faces de agitação subversiva porque a política do governo tem sido, até agora, a de admiti-las dentro de uma filosofia realista e nas condições permitidas pelo grau de maturidade social e política como grupos de pressão democraticamente formados. (A UNIÃO, 21 de fev. 1962, p.3).

Um dos eventos que repercutiu intensamente no Estado e no país foi a concentração dos

camponeses no dia 1º de maio de 1962. Esse encontro que reuniu não só militantes, como

políticos, jornalistas, estudantes, simpatizantes e adversários, se transformou em uma

demonstração da capacidade de organização e mobilização desempenhada pelos trabalhadores

rurais. Sobre a concentração histórica de trabalhadores rurais e urbanos no 1º de maio, Assis

Lemos de Souza (1996) relata que Logo que clareou, começaram a chegar a João Pessoa, caminhões lotados de camponeses, vindos de todas as Ligas do Estado, que se dirigiam ao pátio em frente à Estação Ferroviária, local previamente escolhido como ponto de encontro dos homens do campo. Foram alugados pelas Ligas mais de 300 caminhões. Somente de Sapé, Mari, Mamanguape, Rio Tinto e Guarabira saíram mais de 200. De Santa Rita, Cabedelo, Bayeux e Lucena, os camponeses vieram de trem. Calculou-se que cerca

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de 20 mil camponeses se deslocaram até João Pessoa, em caminhões, ônibus e trem. Outras 20 mil pessoas que compareceram eram operários, estudantes, funcionários públicos, donas de casa, gente da Capital e outras cidades que se deslocaram para o Parque Solon de Lucena, mais conhecido como Lagoa. A frente e os lados do Cassino da Lagoa, que serviu de palanque, foram tomados pela multidão. (SOUZA, 1996, p.79).

A postura assumida pelo Estado paraibano através de seu líder apresenta-se em dois

sentidos principais. Um que diz respeito ao discurso de que os camponeses são irmãos, e

portanto, deveriam contar com o apoio e a solidariedade de toda a Paraíba. Em uma segunda

linha de argumentação estava a defesa urgente da Reforma Agrária. Uma das claras

demonstrações dessa postura do governador, se deu, justamente, na concentração de 1º de

maio.

Nessa concentração, a presença do Governador foi utilizada para transparecer uma idéia

do apoio de todo o Estado à causa dos camponeses, ao mesmo tempo em que dava a entender

o caráter pacífico do movimento. Diante dos camponeses, Gondim proferiu o seguinte

discurso (...) Preferi tomar parte nessa concentração comemorativa do dia universal do trabalhador a defender uma posição omissa e distante, recolhido aos bastidores das conveniências locais. Quantos desejosos de fazê-lo, temem, e no temor, estimulam o equivoco dos conceitos. Temem o que de si digam ou pensem, sem uma palavra ou gesto de resposta, sem desfrutar sequer uma mensagem intima de tranqüilidade, que não se defere a dúbios e a calculistas. Confundem o diálogo das ruas e o livre debate com o fomento de ódios na luta de classe, e, na mistura de juízos precipitam as conclusões. No final, antes que peçam ou se ofereçam a julgamentos são condenados. Aqui, nesse primeiro e memorável encontro dos bravos trabalhadores do campo e da cidade a minha posição, humanamente a mesma, humanamente a vossa, é entretanto, circunstancialmente diferente, por vezes mais delicada que a de outros companheiros.(...). O movimento operário, na sua grandeza universal, onde inseparavelmente sois agentes e beneficiários, não pode mais sofrer paradas nem recuos, e está em vós próprios a segurança deste processo de profundidade e de expansão. (A UNIÃO, 02 de maio 1962, p.1).

Anteriormente à concentração de 1º de maio, em telegrama dirigido ao Presidente Jango

e ao Primeiro Ministro Tancredo Neves, em 21 de abril, logo após a morte do líder das Ligas

de Sapé, João Pedro Teixeira, Gondim relata a crise que se estava avolumando no Nordeste.

Nas palavras do Governador, a reforma deveria vir urgentemente, uma vez que os

acontecimentos na região, sobretudo os embates com morte entre camponeses e proprietários,

se intensificavam. Gondim ressalta a confiança do povo paraibano na pronta ajuda do Estado

implantando as tão ansiadas reformas e findando com o problema da concentração da terra e

da espoliação do homem do campo. No telegrama, o Governador apresenta que (...) Quatro incidentes marcados e maculados com o sangue irmão, onde não faltou sequer a figura covarde e hedionda da emboscada extremaram a luta de classe entre humildes camponeses e os senhores de terra. Não nos tem faltado vigilância, insuspeição e energia na apuração dos fatos e identificação dos culpados perante a

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justiça, o que não basta nem satisfaz num problema que já transcende o legal e o jurídico. Superada a fase de preparação política, marcharemos, resolutos, para as reformas básicas, onde, então, se confirmarão ou se negarão propósitos. (...) Em nome do povo paraibano, renovamos, nas pessoas de Vossas Excelências, aos demais patrícios, homens públicos e autoridades da República, a nossa confiança na urgente adoção de medidas que coloquem o homem brasileiro no centro e no exercício de sua dignidade cristã, obrigações e deveres, sob a égide das grandes reformas, que todos proclamam e defendem, como num coro cerimonial ... (A UNIÃO, 25 de abr. 1962, p.1).

Através da fala de Gondim neste telegrama, notamos a presença de uma das mais

recorrentes referências feitas por ele aos camponeses. O Governador defendia a idéia de

irmanação entre os homens. Irmanação justificada no princípio de cristandade que permeia o

imaginário religioso nordestino, e que não aceitava a violência da perseguição aos

camponeses e o derramamento de sangue pela disputa de propriedades. Diante desse quadro

alarmante de conflito, o Chefe do Executivo paraibano reitera sua confiança nas reformas,

como se estas pudessem ser as portas que reabririam o caminho da humanidade e da paz,

perdida pelos homens nas disputas materiais.

As palavras proferidas por Gondim, no comício de 1º de maio, bem como sua presença

ao lado dos trabalhadores foi apontada pelos jornalistas Hélio Zenaide (1993) e Severino

Ramos (1989), como o ápice da demonstração de compromisso social e popular do

Governador. Através de sua fala, Gondim demonstrava, na leitura dos autores citados, seu

envolvimento com a causa dos camponeses, resistindo, inclusive, às críticas proferidas pela

oposição. Gondim manifesta publicamente nesse evento, sua solidariedade e seu apoio à

organização civil e popular dos trabalhadores do campo e da cidade, atestando a legitimidade

de tal manifestação reivindicatória. Ali reunidos, “os bravos trabalhadores do campo e da

cidade” demonstravam sua disposição em defender suas posições e seus direitos,

necessidades às quais o poder público não mais poderia virar as costas. Como vimos, as

palavras do Governador apontavam para o fato de que: “O movimento operário, na sua

grandeza universal, onde inseparavelmente sois agentes e beneficiários, não pode mais sofrer

paradas nem recuos, e está em vós próprios a segurança deste processo de profundidade e de

expansão”. (A UNIÃO, 02 de maio 1962, p.1).

Em seu discurso, perante os trabalhadores do campo e da cidade, o Governador encenou

mais uma vez a sua defesa em prol do direito de organização dos trabalhadores rurais,

atestando a legalidade de tal concentração. Novamente menciona que os homens são irmãos e

como tais devem se ajudar mutuamente e devem se compadecerem com as mazelas e os

sofrimentos uns dos outros. Gondim enalteceu as instituições sociais, como a família e a

Pátria.

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As repercussões políticas da participação de Gondim na concentração de camponeses

são interessantes. Uma ressalva tem que ser feita: o Jornal A União, desde abril, já vinha

noticiando a concentração de 1º de maio; após sua realização, no dia do Trabalhador, o Jornal

passou a ressaltar o êxito do encontro, a mobilização que gerou na imprensa nacional, mas

afirmava, categoricamente, o caráter pacífico do movimento.

Nos dias seguidos ao 1º de maio, o Jornal apresenta as felicitações recebidas pelo

Governador. Os cumprimentos partiam de diferentes alas, sobretudo dos militantes ou

simpatizantes da causa dos camponeses, como os socialistas. No entanto, apelava-se para que

as reivindicações do grupo não fossem confundidas com anarquia comunista 99.

Em Editorial do dia 04 de maio, A União traz: “Mensagem aos trabalhadores”. O texto

ainda se refere à atuação de Gondim no encontro dos trabalhadores, apresentando que

A de ficar nos anais da nossa história, como capítulo gêmeo na mesma resenha da concentração inédita de 1º de maio, a mensagem de saudação que o Governador Pedro Gondim reverenciou o dia universal do trabalho. Em dias tumultuários como estes que estamos vivendo, quando as contradições quebram o pacto de convivência pacífica para se duelaram no campo dos conflitos de classe, só os instrumentos de moderação, de equilíbrio e de serenidade, manejados pelo tirocínio de dirigentes hábeis e ciosos de suas responsabilidades pode restabelecer a calmaria dos ânimos exaltados, garantindo a preservação da ordem. A nota de imparcialidade assinada e assumida pelo Governo em praça pública, definiu muito bem o papel de isenção e o dever retilíneo de magistrado que compete a um Chefe do Poder. (...). Foi esta inspiração serena de árbitro que conferiu ao pronunciamento do Governador Pedro Gondim, no 1º de maio, a marca de identificação dos documentos que nascem para ficar, como subsídio para a história. (...). (A UNIÃO, 04 de maio 1962, p.3).

A narrativa do Editorial nos apresenta um Pedro Gondim árbitro da situação envolvendo

camponeses e proprietários. O Governador assume o lugar de fiador da lei e da ordem no

Estado, a partir de sua inserção na concentração dos camponeses. O discurso do editorial

visava primeiramente afastar de Gondim qualquer imagem de anarquismo, de rebelião. Sua

participação no encontro dos trabalhadores significava ainda que o movimento era pacifico,

visto que não cabia ao chefe do poder estatal tomar parte em um conclave contra a ordem

pública ou contra as instituições.

Segundo Zenaide (1993), após proferir o discurso diante dos trabalhadores, o

Governador passou a ser retaliado pela oposição. As acusações diziam respeito, sobretudo, ao

fato de Gondim estar demonstrando conivência com a sublevação camponesa. Para os

99 A UNIÃO, 09 de mio 1962, p.1.

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colaboradores do Governador, sua atuação nos debates envolvendo o homem do campo marca

sua independência e autonomia política 100.

O Jornal estatal aproveitava o calor dos debates, para difundir a representação que

Gondim era um governante comprometido com a solidariedade humana e com os

camponeses. Projetava-se de forma mais intensa a imagem de governante popular, que estava

ao lado do povo em suas necessidades e ações, mesmo em meio a oposições e resistências.

Na fala de Gondim, percebemos a defesa de uma identificação com a causa dos

camponeses que, como trabalhadores, estavam legitimamente se articulando na defesa de seus

direitos. Segundo Gondim, as críticas que se voltavam para os camponeses e para ele mesmo

partiam de homens que não aceitavam “a luta do povo”, que não viam nesta legitimidade,

relevância e necessidade. Quanto aos que viam no movimento dos camponeses ares de

sublevação e anarquia, Gondim é enfático ao afirmar que se trata de julgamentos precipitados.

Com relação a defesa das reformas urgentes, Gondim contou com o apoio prestimoso

dos editoriais de A União, que trazia discursos enfáticos com relação a necessidade

preeminente da Reforma Agrária. Em um desses editoriais, o Jornal chega a ser sarcástico

com o Congresso Nacional, fazendo chacota com o lento processo de votação, no qual estava

a tramitar o projeto da Reforma Agrária. O Editorial traz que Assunto de tamanha relevância e necessidade pública, no entanto, se arrasta num compasso lento e emperrado, como um caminhar dolente de tartaruga, parecendo mais uma deliberação acertada, que se destina e tem por obje tivo vencer a resistência coletiva, pela exaustão e pelo cansaço. Ao que parece, ninguém se apercebe, nem se esforça por compreender, a gravidade da situação nacional, que apresenta, cada dia que passa, sintomas mais alarmantes, perigosos e inquietadores, porque os focos de agitação se ampliam e se multiplicam de forma assustadora. A miséria que vivem milhões de brasileiros abandonados e largados nos campos e nas zonas rurais não têm, nem dispõe de fôlego para esperar que banqueiros, industriais e milionários e latifundiários, udenistas, pessedistas, trabalhistas e de outras siglas partidárias, bem nutridos, bem acomodados e melhor servidos, resolvam se ajustar à realidade social e econômica do País, tomando as providências que possam evitar as explosões populares de camponeses e operários, saturados de tanta exploração e de tanto sofrimento. (...) O Brasil e as autoridad es responsáveis pela segurança social, política e administrativa desta grande Pátria que tanto amamos e desejamos conservar unificada e preservada de ingerências estranhas (...). As reformas de base não podem ser retardadas ou proteladas. Os camponeses, pacificamente, precisam de terra para trabalhar e produzir. Os operários e a gente pobre das grandes cidades e dos grandes centros industriais necessitam de melhores condições de vida, ... (A UNIÃO, 26 de abr. 1963, p.3) 101.

100 Ver ZENAIDE, 1993, p. 15. 101 Esse mesmo editorial foi publicado em A União no dia 11 de setembro do mesmo ano com o título: “Perigoso compasso de espera”.

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Nesse editorial notamos a presença de argumentos que se inclinam para justificar a

possível radicalização da luta dos trabalhadores, caso o Congresso e os administradores da

Nação continuassem a negligenciar o socorro a estes setores.

Além desse clima de confronto reinante no Nordeste, no plano nacional, as Reformas de

Base continuavam esbarrando nas oposições dos congressistas. O presidente Jango cada vez

mais se via empurrado para a esquerda, o que tornava sua administração ainda mais

intolerável aos grupos conservadores 102. Sobre as alianças de Jango com a esquerda, as quais

antecederam e intensificaram o clima favorável ao Golpe Militar, Ferreira analisa que No início de março de 1964, o clima político tornar-se-ia bastante difícil para o governo. A radicalização política assumiu proporções preocupantes para a manutenção da ordem democrática, particularmente com o anúncio da realização de um comício no dia 13 daquele mês na Central do Brasil, no Rio de Janeiro. Com o evento, a aliança do governo c om o movimento sindical urbano, com os trabalhadores rurais e as esquerdas, notadamente o PCB e a ala radical do PTB, foi selada ... Um restrito grupo de sindicalistas comunistas e trabalhistas tomou à frente da organização do comício, desde as medidas de segurança – em acordos com o Exército – até mesmo as difíceis negociações para que subissem, no mesmo palanque, Goulart, Brizola e Arraes. Por trás da comissão, apoiando-os e assinando as notas de convocatória para o evento, um amplo leque de organizações sindicais, políticas, estudantis e femininas. (FERREIRA, 2003, p. 382).

Esses acontecimentos, apesar de convulsionarem drasticamente a Paraíba, deram

margem à montagem de apresentações e manifestações políticas do Governador Pedro

Gondim, baseadas em elementos de grande apelo emocional e valorativo, cuja força de

mobilização respaldava-se, principalmente, em elementos já conhecidos pelos paraibanos.

E foi, justamente a partir do apelo aos valores do povo paraibano, que Gondim atuou

frente aos movimentos sociais na Paraíba, sobretudo as Ligas, buscando transparecer que,

mesmo em meio a complexidade das relações e dos conflitos em pauta, o Governo estava

comprometido com as necessidades dos menos favorecidos. No entanto, uma das dubiedades

presentes na postura do Governador era o fato dele estar impossibilitado de romper com os

laços que o ligavam as classes “conservadoras” do Estado, devido principalmente as suas

relações partidárias.

102 Sobre o isolamento político de Jango ver: Ferreira, 2003, p.371-382.

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3.A Paraíba no (pós)Golpe: entre a paraibanidade e as novas representações de um “ex-líder” popular.

3.1 Gondim e o cenário político nacional: o apoio ao Golpe e a ruptura com o populismo

A partir deste tópico discutiremos as modificações nas relações entre Gondim e o

movimento de esquerda na Paraíba, sobretudo os que militavam em favor da Reforma agrária

e ao lado das Ligas Camponesas. Tomamos, inicialmente, o fato do desaparecimento, nas

páginas de A União, após o Golpe Militar, de qualquer referência ao movimento agrário, bem

como aos conflitos entre proprietários e camponeses. Essa diferença de postura marcou a

ruptura na posição do Governo Gondim, o qual anteriormente havia dedicado apoio ao

movimento, e agora, diante da nova conjuntura, abandonou a militância reformadora, bem

como a ênfase na popularidade e proximidade com os camponeses.

Tal como demonstrado nas últimas páginas do segundo capítulo, as relações sociais na

Paraíba, diante das convulsões no campo, e em meio os acirramentos das disputas entre a

esquerda e os conservadores, estavam cada vez mais dramáticas. Os debates envolvendo a

Reforma Agrária, como também os conflitos entre camponeses e proprietários rurais,

tomavam a cada dia notoriedade, não só no cenário político local, como também nacional.

Sendo assim, diferentes setores envolviam-se na luta pela democratização da divisão de terras

no Brasil. No entanto, a população estava polarizada entre dois grupos específicos: um destes,

simpatizante ou diretamente envolvido com os movimentos sociais reivindicatórios; o outro,

marcadamente conservador, vendo na luta camponesa e na atuação de João Goulart ameaças

comunistas; neste se enquadravam os proprietários, a maioria dos religiosos católicos e parte

da classe média paraibana.

Neste sentido, concordamos com a afirmativa de Caio Navarro de Toledo (1997), na

qual o autor analisa o equívoco existente no período quanto ao temor, de parte da nação, em

torno da promoção das reformas de base, especialmente a reforma agrária. O autor considera

que Apesar de não ter nenhum sentido revolucionário, correspondendo, assim, as necessidades de consolidação social burguesa, a reforma agrária foi fortemente combatida no Congresso. PSD e UDN, representando os interesses dos grandes proprietários rurais e de expressivos setores da Igreja Católica, negaram apoio a qualquer emenda constitucional que viabilizasse a reforma agrária proposta pelo governo. Com esta decisão, o Congresso Nacional demonstrava que o caminho das reformas seria difícil e tormentoso. ... Por meio de comícios, passeatas e manifestos, as organizações reunidas em torno da Frente de mobilização popular (FPN, CGT, ligas camponesas, PCB, etc.) passam

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a exigir “reformas já!”. Ameaçando os conservadores, clamava-se com o slogan: “Reforma agrária: na lei ou na marra!”. Em contrapartida, os setores de direita (Ipes/Abad, ADP, Igreja, Associações femininas, etc.), alguns amplamente financiados pela embaixada norte-americana e por empresas multi nacionais, passaram a denunciar a “subversão” e a “comunicação do país”. Segundo estes setores, o governo era acusado de estimular a “desordem e a agitação social”. (TOLEDO, 1997, p. 36).

Para fazer uma relação com a afirmativa de Toledo (1997), porém ressaltando o aspecto

de construção midiática na crescente argumentação de que o movimento das Ligas caminhava

para uma radicalização e uma ameaça à ordem, tomamos a análise de Antônio Torres

Montenegro (2003). Segundo o autor, a imprensa brasileira desempenhou um papel

significativo na propagação de um discurso nacional, e também internacional, que afirmava a

existência de uma “ameaça revolucionária” que pairava sobre a região nordeste, e, portanto,

sobre o país. Os argumentos para esse risco sedimentavam-se nas condições sociais do povo

nordestino, as quais eram apresentadas como facilitadoras de uma insurreição revolucionária.

Vale ressaltar que toda espécie de revolta na época, em meio ao contexto da bipolaridade, era

associada ao comunismo. O autor afirma que Ao ler [no The New York Times em 1960] esse pequeno extrato do que teria sido o discurso de um líder das Ligas, o leitor possivelmente terá imaginado que a revolução armada estava a caminho e que ela teria como alvo os grandes proprietários do Brasil e os interesses dos Estados Unidos na região. O efeito de verdade do enunciado é construído ao apresentá-lo não como interpretação ou comentário jornalístico, mas como expressão direta da fala de um líder camponês. Para reforçar seu argumento, associa declarações de políticos e intelectuais, para quem, se algo não for feito em termos de mudança econômica e da estrutura social, uma revolução de proporções incontroláveis será inevitável em poucos anos. (...). (MONTENEGRO, 2003, p. 263).

Segundo Mª do Socorro Rangel (2000), desde os primeiros debates, ainda em 1956,

envolvendo a Reforma Agrária, se gerou no país um clima de intranqüilidade nacional. A

tensão gerada com a possibilidade de uma Reforma Agrária no Brasil, ainda segundo Rangel,

acabou resultando em um temor coletivo da ocorrência de uma “revolução” esquerdista para

assegurar a transformação na estrutura agrária do país. Entendemos assim, que como os

camponeses, através das Ligas, eram os militantes diretos do projeto reformador, logo o

“temor coletivo” de uma revolução comunista respingou sobre eles. A autora considera que ... o crescimento das Ligas, perigosamente associadas a Francisco Julião e ao PCB, e as ações da Igreja – só pra falar das pressões mais evidentes –, foram tornando imperiosa a necessidade de posicionamento sobre a questão. Por isso, a idéia de urgência, e a sensação de perigo que advinha da urgência, foram complementares para delimitar a postura dos deputados frente ao “momentoso problema”. Essa sensação de perigo foi traduzida num argumento repetido à exaustão pelos mais diferentes parlamentares: se não fossem tomadas as medidas legais, a reforma agrária seria realizada inevitavelmente por uma revolução. (...). (p. 202-03).

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Sendo assim, a partir das proposições de Montenegro (2003) e de Rangel (2000)

podemos recorrer aos editoriais de A União durante todo período de crescimento do

movimento das Ligas, para perceber a recorrência ou não de um discurso de revolução,

entendida como rebelião, iminente na Paraíba.

Segundo os editoriais, sobretudo no ano de 1963, podemos perceber como as agitações

no Estado se avolumavam. Apareciam resumos da crise que se alastrava pelo Nordeste

brasileiro, e apelava-se para as prontas soluções, uma vez que todos desejam evitar o conflito

e a inquietação social.

O Editorial do dia 14 de fevereiro, por exemplo, apelava: “Evitemos o Caos”. O texto,

após remeter o leitor às agitações que se iniciaram nos engenhos de Pernambuco, alcançando

o Maranhão, e depois envolvendo também a Paraíba, passava a propor possíveis soluções para

que os saldos de mortes e destruições não continuassem a se alastrar, pois tais eventos

descaracterizavam o “patriotismo” e o “amor à pátria do homem nordestino”. Assim começa o

editorial: Continuam, cada dia que passa, aumentando de proporções e de intensidade os conflitos e choques sangrentos na conturbada região nordestina, apontada, com razão, como o mais perigoso “Barril de pólvora” da República, ameaçada por crises sucessivas e insuperáveis, que aí estão a desafiar a coragem, o patriotismo e o bom senso dos homens responsáveis deste País. Ontem era o Estado de Pernambuco que se intranqüilizava, com engenhos e propriedades privadas invadidas e atacadas por bandos e grupos armados. Antes, já o Maranhão se constituíra palco de idênticos crimes, (...). Também na Paraíba não tem sido menor o tributo que vamos pagando, como conseqüência irrecusável da intranqüilidade e desajuste social (...). (A UNIÃO, 14 de fev. 1963, p.3).

Sobre as medidas necessárias para o fim do “caos”, o editorial sugere que Nessa altura, não se pode ter a ingenuidade de pensar que as agitações que se estão registrando no País, sejam obras do acaso. Força é convir que algo de planificado e organizado está em marcha e em plena execução, (...). Ainda há tempo de evitar os excessos e deter a marcha da anarquia que se multiplica e se alastra por todo o País. (...). Ainda há tempo de corrigir os erros, esbarrar a agitação e garantir a paz e a tranqüilidade da família brasileira. (idem)

Ademais, havia ainda uma outra singularidade nas apresentações de A União. O

discurso do Jornal buscava negar a revolução de caráter comunista em marcha na Paraíba.

Em editorial de 30 de Janeiro de 1963, A União apresentava que a situação do Nordeste

em nada se aproximava de um reduto de comunistas, mas que, ao contrário, o que se tinha no

Nordeste era um grande número de pessoas famintas. Uma coisa que nos chama a atenção

nesse editorial é a defesa do argumento de que o homem nordestino tem um “apreço

histórico” pela liberdade, pela democracia e pela legalidade, e que mesmo em condições

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humanas tão adversas, esses princípios culturais e históricos seriam preservados. Vejamos o

teor do conteúdo presente no editorial: Ninguém neste país possui mais arraigado sentimento de patriotismo, respeito às instituições, amor à liberdade, convicções democráticas e obediência à legalidade e à ordem, além do mais profundo sentimento religioso e cristão, do que o homem sofrido e maltratado deste infeliz Nordeste, entregue a própria sorte, em séculos de vivência histórica desta terra brasileira. (A UNIÃO, 30 de jan. 1963, p.3).

O discurso jornalístico seguiu apelando ostensivamente para a cultura histórica

nordestina. A narrativa apresenta momentos e acontecimentos, nos quais foi provada a

brasilidade do nosso povo. O objetivo de tal volta ao passado é legitimar o que se estava a

afirmar acerca da tradição patriótica e democrática dos paraibanos. Observemos o que ainda

diz o editorial As lutas ... (ilegível) que sustentamos contra os invasores holandeses e franceses, pontilhadas do maior desprendimento, coragem e heroísmo, são provas inequívocas do nosso sentimento de brasilidade, de verdadeiro fanatismo patriótico, de idolatrado amor a terra e à Bandeira Sagrada do Brasil. Não há fundamento, portanto, nas acusações veladas que nos fazem, apontando-nos como terríveis ameaçadores da unidade da Pátria. O que existe no Nordeste é fome, é subnutrição, é subdesenvolvimento, é abandono completo, formando um estado de inquietação social que atinge o ponto máximo da explosão coletiva. O que falta no Nordeste é assistência às populações flageladas. Falta escola para a criança. Falta hospital para o doente. Falta posto de saúde e higiene para as cidades. Falta estrada para a circulação das riquezas. Falta máquina para a exploração racional dos campos. Falta semente para o plantio. Falta água potável para beber. Faltam meios que possam impedir a estupenda mortalidade infantil. Falta habitação para o povo. Falta condição social de sobrevivência para a coletividade. A explosão do barril de pólvora nordestino pode ser evitada e o será certamente. Para isto basta que o Governo Central abandone os planos complicados e intermináveis e se disponha a atender com firmeza e lucidez as prementes necessidades da região, resolvendo os seus problemas e dando melhores condições de vida aos seus habitantes. Do contrário ninguém espere milagre de operários e populações famintas, nem de camponeses escravizados a terça, a meia e ao cambão. O Nordestino, saibam todos, quer viver tranqüilo e em paz. Negar esse direito é provocar a explosão do nordeste. (idem).

Elementos dessa narrativa nos remetem a um ponto crucial na política paraibana do

período: negar a existência de levantes, ou rebeliões de cunho revolucionário no Estado. Essa

postura adotada pelo Jornal aponta para uma tentativa de legitimação do discurso sustentado

pelo Governador, o de que a Paraíba estava em ordem, mesmo com as notícias de

multiplicação dos acontecimentos que denotavam o acirramento das relações entre

proprietários e camponeses. A postura do Estado era a de defender as negociações com

passividade, apoiando o projeto de Reforma Agrária, proposto pelo presidente Jango, sem

contudo, transparecer ares de revolução nacional.

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A União apresenta em primeira página do dia 1º de Setembro de 1963, um

pronunciamento feito pelo Governador, na cidade do Rio de Janeiro, no qual Gondim afirmou

categoricamente que: “Não existe intranqüilidade no meu Estado”. Na entrevista aos

jornalistas cariocas, Gondim esclarece quanto a alguns acontecimentos ocorridos no Estado,

como a agressão ao Jornalista Benedito Souto, bem como o assassinato do prefeito da cidade

de Bonito de Santa Fé, o Sr. José Dias. O Governador, que desde o dia 19 de agosto

encontrava-se ausente do Estado, apresentou, de forma enfática, que enquanto administrador

da Paraíba não tinha conhecimento de clima de intranqüilidade no Estado. Gondim afirmou

ainda sua surpresa quanto as notícias que estavam sendo divulgadas pelos jornais cariocas. O

Governador fez referência a ordem que estava sendo mantida na Paraíba, e culpou a oposição

de lançar acusações acerca da segurança do Estado. Gondim se mostrou também seguro de

suas convicções como defensor das instituições e dos direitos democráticos. O governador

afirmou que Não temo acusações que visam a desfigurar o meu comportamento democrático e altos propósitos administrativos. Não tenho, nesse segundo governo, orientação diferente da do primeiro, quando então integrante dos quadros do PSD, presidi pleitos que resultaram na eleição do senador Ruy Carneiro e do ministro Abelardo Jurema, merecendo destes os mais reiterados aplausos e agradecimentos.

Quando os jornalistas insistiram nos acontecimentos mencionados, o assassinato do

prefeito e a agressão ao jornalista, o Governador tangencia a resposta dizendo que: “Não

quero, por previdência e zelo, pronunciar-me sobre fatos subseqüentes ao meu afastamento e

transferência do governo, mesmo porque de tudo aguardo relatório já solicitado”. (A

UNIÃO, 1 de set. 1963, p.1).

À medida que as notícias de insegurança e de violência no campo avolumavam-se, não

só na Paraíba, como em praticamente todo Nordeste, o Governador, através de A União,

insistia em reafirmar a apresentação de um discurso de estabilidade, ordem, e manutenção da

paz no Estado. Em editorial de 20 de dezembro o Jornal aborda que A NENHUMA crítica é facultado o direito de negar o interesse constante do Governador Pedro Gondim em manter a tranqüilidade em todo o território paraibano. A paz e a ordem tem sido preservadas em todo o Estado. O direito constitucional dos cidadãos e as liberdades de pensamento e de ação podem ser amplamente exercidos por todas as agremiações e partidos. Político de tradição em nossa terra, homem acostumado às asperezas dos embates partidários, militando na oposição ou desempenhando os mais altos cargos administrativos, o governador Pedro Gondim jamais foi de tolerar excessos ou estimular provocações e tumultos. (...) Não temos – é certo – a pretensão e a veleidade de afirmar que abusos não são cometidos, provocações não são feitas, desordens não são provocadas, nos dias agitadores que vivemos, onde o ódio, a falta de ponderação e de benção conduzem os homens ao caminho da violência. (...).

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O que queremos certificar – sem temor de contestação – é a posição do governador Pedro Gondim diante desses acontecimentos, jamais consentindo ou tolerando excessos, jamais cruzando os braços ou virando o rosto, jamais ficando indiferente ou apático, jamais faltando com a autoridade e a justiça, quando a ação do Governo se faz necessária. (...). Na Paraíba, não se pode dizer, sem prejuízo da verdade, que um apelo à autoridade governamental tenha recebido o silêncio ou o indiferentismo como resposta. Na Paraíba – queiram ou não queiram – existe democracia e respeito, existe tranqüilidade, paz social e garantia à liberdade de todo cidadão. (A UNIÃO, 20 de dez. 1963, p.3).

Na transição de 1963 para 1964, a Paraíba atravessou o crescimento das pressões de

esquerda, iniciando um processo gradativo de contradições entre o discurso oficial, de ordem

e paz, e os acontecimentos cotidianos nas propriedades do Estado. Neste sentido, o jornalista

Severino Ramos apresenta que A crise dos campos da Paraíba, notadamente na região da Várzea, vinha se aguçando de maneira impetuosa e incontrolada, com as sucessivas invasões de propriedades por numerosos grupos de homens sem terra. A situação começava a atingir o ápice a partir do último trimestre de 1963, culminando com o massacre de vigias e camponeses no município de Mari, vizinho a Sapé. No dia 15 de janeiro de 1964, o governador Pedro Gondim estava cercado de intelectuais e jornalistas num almoço que oferecia em homenagem ao escritor José Conde (...), por volta das treze horas, um carro, parou bruscamente à porta do restaurante e dele saltou, apressado, os cabelos em desalinho, Waldir dos Santos Lima que havia trocado a chefia da Casa Civil por uma cadeira de deputado estadual. Ele teve uma conversa reservada com o governador e retornou imediatamente a João Pessoa. Em instantes, a notícia se espalhava: num violento conflito armado ocorrido às dez horas em Mari havia tombado onze pessoas a golpes de foices e enxadas e tiros de revólveres e metralhadoras. (RAMOS, 1989, p.131-32).

À medida em que se exaltavam os ânimos, as atenções da sociedade se concentravam na

postura do Estado, ou seja, na figura de Pedro Gondim. A inquietação social gerada com a

relação entre o Governador, que como discutido, apresentava o discurso de defesa das

reformas sociais urgentes, era visto como uma possibilidade de instalação do “caos” no

Estado. A crescente violência do movimento agrário passou a exigir do poder Executivo um

posicionamento diferente do que até então vinha sendo desempenhado.

Em uma de suas entrevistas, dessa vez coletiva, transcrita em A União, o Governador,

após alguns dias da chacina ocorrida em Mari 103, reafirmou a posição do Executivo na

promoção e garantia da segurança, apesar de reconhecer que incidentes como o ocorrido na

região da Várzea, dificilmente são possíveis de se prever com a antecedência necessária para

que o Estado tome medidas cabíveis.

103 A “chacina de Mari” diz respeito ao conflito ocorrido em Mari envolveu proprietários e camponeses, no dia 15 de janeiro de 1964. O conflito armado, resultou das ocupações de propriedades na região da Várzea. Nesse embate foram vitimadas 11 pessoas, algumas foram mortas a golpes de foice e enxadas, enquanto outras morreram vitimas de tiros de revólver e metralhadora. (RAMOS, 1989, p.131-135).

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Ainda nessa coletiva, o Governador foi inquirido pelo jornalista Severino Ramos acerca

de tais conflitos ocorridos no Estado. Vejamos a pergunta do Jornalista e a posição do

Governador: Abrindo o debate, perguntou o jornalista Severino Ramos, do “Correio da Paraíba”, depois de falar da dificuldade de se prever um acontecimento como o de Mari, quais as providências que o Governador tem adotado no sentido de evitar a repetição dos fatos e se via alguma perspectiva de agravamento do problema social no campo em nosso estado. Em nenhuma oportunidade – disse o Governador – a Secretaria de Segurança deixou de tomar na devida conta a denúncia ou apelo de providências. Lógico que se faz necessário que tudo isso seja formulado a tempo e objetivamente. Mas em reunião que tive aqui, fosse com camponeses, fosse com proprietários, sempre salientei essa necessidade. Acontece é que raramente somos procurados com a devida antecipação para podermos contrapor ação mais eficiente, capaz de prevenir os fatos. (A UNIÃO, 18 de Jan. 1964, p.8).

Esse incidente ocorrido em Mari revelou a fragilidade de um discurso de ordem e de

controle da situação que até então vinha sendo difundido pelo Estado.

Segundo a narrativa de Assis Lemos de Souza (1996, p. 197), após a ocorrência da

“chacina de Mari”, o Governador Pedro Gondim mandou que se instalasse um “quartel” da

Polícia Militar em Sapé. Para o autor, tal atitude visava: “manter a ordem e evitar novos

conflitos” no Estado, entre camponeses e proprietários. Souza aponta ainda que esse fato deu

a demonstração da mudança de postura de Gondim frente ao problema agrário atravessado na

Paraíba. Ainda segundo as palavras do autor, Gondim passava para o lado dos latifundiários,

posicionando-se contra os camponeses.

Monique Cittadino (1998) analisa da seguinte forma o reflexo do “incidente de Mari”

sobre o governo Pedro Gondim e sobre sua relação com o movimento agrário: Estes três acontecimentos 104 marcaram, por um lado, o ressurgimento dos conflitos sociais que, após terem permanecido latentes durante todo aquele ano, voltaram à cena com redobrada força, dando uma idéia dos níveis da tensão sócio-política presente no estado às vésperas da eclosão do golpe. Por outr o, eles são emblemáticos da transformação que já vinha se processando no relacionamento entre o Governo e as forças de esquerda (...). Diante desse quadro de radicalização social, marcado pelo crescimento das manifestações de insatisfação popular e pela feroz intolerância dos grupos conservadores e, considerando-se a fragilidade genética do seu partido, o PDC, incapaz de propiciar-lhe sustentação e apoio nesse momento de (in)definições, Pedro Gondim percebe a impossibil idade da manutenção de um esquema polít ico próprio, que o permitisse manter-se independente e soberano em rel ação á pressão das classes soc iais e faz, intuitivamente, uma opção que talvez fosse a única capaz de garantir a sua sobrevivência política: rompe definitivamente com as forças de esquerda, isolando-se daquela que foi, durante algum tempo, a base de apoio capaz de garantir-lhe

104 Além do conflito armado ocorrido em Mari, a autora também destaca dois outros eventos como sendo responsáveis pelo definitivo alinhamento de Gondim com as camadas conservadoras da sociedade paraibana, que foram: o ataque dos proprietários da Região da Várzea ao Governo do Estado, bem como ao governo Federal, culpabilizando-os pelas mortes ali ocorridas; o outro incidente diz respeito a “invasão” da Faculdade de Direito por estudantes e representantes da esquerda em protesto a vi sita de Carlos Lacerda ao Estado. (ver: CITTADINO, 1998, p. 137-38).

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autonomia política e submete-se totalmente às pressões exercidas pelas classes proprietárias, congregadas na UDN, tornando-se um refém dos seus interesses. (...). (CITTADINO, 1998, p. 138).

Compreendemos assim, que a partir do conflito de Mari, o governador passou a

apresentar uma postura de retração no que dizia respeito ao apoio do movimento camponês,

assumindo a característica que daria, meses depois, o tom de apoio aos militares, tanto no

momento do Golpe como posteriormente a ele, visto que, a título de exemplo, Gondim

silenciava diante das tensões envolvendo camponeses e policiais militares. Uma das principais

demonstrações desse comportamento de Gondim foi apresentada, segundo Cittadino (1998, p.

143), através da “(...) alteração imposta ao aparato policial no estado, no sentido do seu

reforço, emblemática da comunhão que se estabeleceu entre o Executivo Estadual e os

representantes das Forças Armadas, (...)”. Desse modo, após o Golpe, as perseguições,

expurgos, prisões e mortes de camponeses e lideranças, por ações do governo militar, não

eram mencionadas no jornal oficial, tão pouco contavam com pronunciamentos do

governador 105.

3.2 Gondim e o Golpe: as justificativas da adesão da Paraíba à “Revolução”

Pedro Gondim, em face da “Revolução militar”, se pronunciou publicamente,

manifestando à Paraíba sua postura enquanto líder do Executivo Estadual. Aliás, esse

posicionamento do Governador em se pronunciar a cada acontecimento destacado no cenário

político nacional foi uma recorrência em seus anos de Governo 106.

O Governador paraibano, segundo o relato de Hélio Zenaide (1993), na madrugada do

dia 31 de março de 1964, após tomar conhecimento da deflagração da “Revolução”,

confabulou com seus assessores, analisou a conjuntura política em questão, decidindo pelo

apoio a ação dos militares. Zenaide narra que: O governador Pedro Gondim perdeu toda a noite na discussão da situação, no acompanhamento do noticiário e na definição da posição que iria adotar, e que foi expressa na proclamação lida de manhã na Radio Tabajara. Houve quem visse nisso certa hesitação ou tibieza. Houve quem dissesse que, se tivesse se definido em favor da Revolução no próprio dia 31 de março, não teria sido mais tarde vítima do AI-5. Não vejo a coisa por aí, entretanto. O que parece é que o governador Pedro Gondim foi apanhado de surpresa pela Revolução. Os articuladores do movimento

105 Ainda segundo Cittadino (1998, p. 143), após o ocorrido em Mari e na Faculdade de Direito, o policiamento do Estado foi reforçado, tanto no campo como nas áreas urbanas, no sentido de reprimir a ação dos camponeses e dos estudantes. 106 Vide capítulo 2.

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revolucionário não o haviam procurado antes, não o haviam sondado ou consultado. Ele não fora ouvido nem convidado. Estava por fora dos acontecimentos. Estava mal informando, pouco informado, desinformado. É claro que, em tais circunstâncias podia arriscar uma definição no escuro e arrastar a Paraíba para o desconhecido. ................................................................................................................ O governador Miguel Arraes foi logo intimado a renunciar. Ante sua recusa em renunciar, foi preso e conduzido para a Ilha de Fernando de Noronha. Com o governador Pedro Gondim, a situação foi muito diferente. O governador da Paraíba mostrou-se empenhado, desde os primeiros instantes, em preservar a ordem pública. Colaborou, por isso, francamente, com a Guarnição Federal, tanto que, no dia seguinte, A União, em seu editorial, frisava: “Reina na Paraíba, até o presente momento, a mais absoluta ordem e segurança, estando o Governador do Estado em consonância com as Forças Armadas”, e acentuando “de acordo com a linha de conduta da Guarnição Federal da Paraíba, já revelada pelo seu bravo e leal comandante, coronel D’Avila Melo, absolutamente integrado no dispositivo militar do IV Exército”. (ZENAIDE, 1993, p.158-59).

As motivações apontadas por Gondim para tal posição respaldavam-se em sua crença na

soberania das instituições. A defesa da democracia, da legalidade, da sobriedade nas decisões

pelo bem comum, assim como a possibilidade dos militares concretizarem as reformas

sociais, pela consciência da urgência destas, foram apontadas como razões que levaram o

chefe do Executivo paraibano a estar ao lado do movimento “revolucionário”. Como exemplo

dessas justificativas apresentamos um fragmento da fala de Gondim na ocasião da Marcha da

Família Com Deus pela Liberdade, aonde ele afirma que O nordeste, paisagem maior e inspiração consciente do grande debate, assistiu, felizmente, em “paz armada”, nascer e se extinguir o conflito. Para tanto contribuíram a formação do seu povo, os sentimentos hu manos e solidários dos seus dirigentes – civis ou militares – funcionando como verdadeiros contensores, de modo a evitar que diferenças partidárias e pessoais, ou interesses de qualquer forma contrariados, se transformassem em causa de incidentes paralelos, com derramamento de sangue e abuso de autoridade. A Polícia Militar – digna do nosso reconhecimento e exaltação, pela unidade e fidelidade de conduta – e as forças do Exército, aqui aquarteladas, sob o comando do ilustre Cel. Ednardo D’Avila, em perfeita harmonia de vistas e de ação com o Governo Estadual, todos sensíveis à grave conjuntura, merecem da Paraíba especial apreço. Hoje, ainda mais do que ontem, pesa sobre os brasileiros o imenso e honroso dever de criar e estimular condições propícias a uma convivência pacífica, digna e construtiva. Jamais foi tão imprescindível usar, no grau máximo, os sentimentos de dignidade humana, únicos meios decisivamente capazes de evitar o degradante espetáculo de punições e sacrifícios vinculados a erros de julgamento ou e xtravasados de subalterno espírito de vingança. (GONDIM, 1964, p.XIX).

Segundo a análise de Cittadino (1998, p. 146), apesar da aproximação de Gondim das

“forças golpistas”, não há indícios da participação direta de Gondim na conspiração do Golpe

Militar. Nesse sentido, a autora aponta que Quanto à participação concreta do Governo do Estado na conspiração golpista, nada indica que tenha ocorrido, apesar da sintonia de interesses e de ação que já vinha se manifestando entre o governador e a guarnição federal na Paraíba. É extremamente viável, devido ao clima existente no país de intensificação dos radicalismos, que se pudesse suspeitar e prever um desfecho por fora do estado de direito e da legalidade

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à situação crítica vigente no país. Entretanto, é pouco provável que o Governador Pedro Gondim pudesse estar envolvido, a exemplo dos governadores líderes do movimento (Carlos Lacerda, Magalhães Pinto e outros), nas articulações golpistas. Inclusive, a reação imediata de Gondim à emergência do golpe e a indefinição que se estabelece inicialmente entre ele e seus assessores quanto à posição a ser tomada, são claros indícios de que o governador fora realmente tomado de surpresa 107.

Em pronunciamento oficial, no dia seguinte à “Revolução”, Pedro Gondim declara o seu

posicionamento, apresentado como a posição do Estado da Paraíba, diante dos

acontecimentos. O Governador declara: Não posso e não devo, neste instante de inquietação nacional, deixar de definir minha posição, na qualidade de Governador dos paraibanos. Reafirmo, preliminarmente, todos os pronunciamentos que expendi em favor das reformas essenciais, por saber que elas constituem instrumentos legais de adequação aos novos problemas do povo. E neste sentido, nunca faltei com o meu estímulo e apreço ao Governo Central. Os últimos acontecimentos, verificados no Estado da Guanabara, envolvendo marinheiros e fuzileiros navais, denunciam porém, inequivocamente e grave ruptura na disciplina, em destacado setor das Classes Armadas, com desprezo às linhas hierárquicas e completa alienação às prerrogativas da autoridade, sustentáculo autêntico da Segurança Nacional. O movimento que eclodiu, nestas últimas horas, em Minas Gerais, com repercussão em outros Estados, não é mais nem menos do que a projeção de recolocar o País no suporte da sua estrutura legal, propiciando clima de tranqüilidade – indispensável ao processo de desenvolvimento que vivemos. O pensamento político de Minas Gerais, hoje como em 30, identifica-se com a vocação histórica do povo paraibano, que deseja, neste episódio e, sobretudo, o cumprimento das liberdades públicas, consubstanciadas na defesa intransigente do regime Democrático.

(João Pessoa, 1º de Abril de 1964) 108.

As palavras do governador trouxeram ao conhecimento do povo da Paraíba, a posição

de seu “líder” nos desdobramentos da conjuntura crítica que marcou a administração de João

Goulart. Ademais, tal como afirmara o próprio Gondim, a posição tomada se baseou no que o

povo paraibano esperava de seu governante. Sendo assim, Pedro Gondim apoiou a

“Revolução” Militar, mas reafirmou sua posição em defesa das reformas sociais como algo

urgente. O Governador apresentou ainda sua crença na idéia de que o movimento armado

recolocaria “o país no suporte de sua estrutura legal”. Como fechamento de seu discurso

evoca a “tradição histórica do povo paraibano” 109 para respaldar sua posição frente a

legalidade, as liberdades e a democracia.

Mediante tal pronunciamento feito pelo Governador dando apoio à ação dos militares,

compreendemos, concordando com Cittadino (1998, p. 151), que essa tomada de posição de

107 O depoimento de Gondim referenciado pela autora encontra-se em: Pedro Gondim. Honra e Verdade. João Pessoa: A União, 1964. p.160. 108 GONDIM, 1964, p.XI. 109 Discutiremos adiante a formação desta pseudo-tradição paraibana, e o papel por ela desempenhado nos discursos de apoio ao Golpe militar.

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Gondim visou, entre outros fatores, a garantia de sua sobrevivência política. Sobre isso a

autora afirma que A posição tomada pelo governador Pedro Gondim, após a noite de vigília, garantiu-lhe não apenas a sua permanência à frente do Governo do Estado, como a preservação da sua liberdade, haja vista que, segundo depoimentos de testemunhas da época, caso a posição tivesse sido outra, ele teria sido deposto e, em seguida, preso, conforme aconteceu com Miguel Arraes. Portanto, essa definição do governo favorável aos “revolucionários” garantiu-lhe a sobrevivência política e a liberdade pessoal ...

No entanto, do ponto de vista da sociedade, o Golpe trouxe reflexos desastrosos. Os

grupos nos quais estava polarizada a sociedade paraibana continuaram divididos, agora entre a

defesa da “revolução militar”, em demonstrações como “A marcha da família com Deus pela

liberdade”, discutida mais adiante, e a execução de um “plano de resistência”. Os segmentos

considerados subversivos passaram a sofrer perseguições, cassações e retaliações por parte do

governo militar. Dentre esses, destacam-se as organizações camponesas, os estudantes e

alguns outros segmentos sociais que passaram para o rol dos “cidadãos suspeitos”, por serem

considerados uma “ameaça” à soberania, às instituições, à sociedade em geral 110.

Além disso, os reflexos políticos resultantes do apoio dado por Gondim ao Golpe civil-

militar caminharam para uma representação bastante complexa de seu Governo,

semelhantemente ao que se imputou ao presidente Jango. Especificamente sobre o papel de

Jango nas tramas envolvendo o Golpe de 1964, e as interpretações imputadas a sua posição,

os historiadores Ângela de Castro Gomes e Jorge Ferreira (2007) publicaram uma obra que

recompõe a trajetória política de João Goulart, ao mesmo tempo em que busca palmilhar as

interpretações dadas por diferentes personagens e grupos sociais ao momento complexo da

política nacional que atravessou a administração deste sujeito.

Neste sentido, os autores trazem à tona o debate historiográfico acerca do papel do

indivíduo na história, uma vez que a posição de determinados homens públicos, em

momentos de crise política, delimita marcações históricas e precipita acontecimentos políticos

de relevância nacional e mundial.

Desse modo, Jango, ao tomar a decisão de não resistir ao Golpe, refugiando-se quando

poderia ter convocado o povo à luta armada, assumiu uma postura que reincidiu

decisivamente sobre os rumos da nação. Sendo assim, Gomes e Ferreira (2007) destacam os

relatos que culpabilizam o Presidente pelo Golpe, pelas suas ações administrativas, ou pela

110 Sobre a “operação limpeza” empreendida pelos militares nos primeiros meses do golpe ver: Alves, 1984, p. 64.

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108

sua omissão diante da “marcha golpista”. Regina Mª Rodrigues Behar (2008, p. 173),

resenhando Gomes e Ferreira, assim define os relatos recorrentes sobre o Presidente Jango: João Belchior Marques Goulart, último presidente civil do Brasil antes do golpe de 1964, foi sistematicamente colocado no banco dos réus, como responsável, por ação ou omissão, pela instalação da ditadura militar. Eivadas de caráter personalista, as análises voltam-se para supostos traços de caráter ou personalidade de Jango e variam, conforme se observa o espectro político, de um extremo a outro: à direita foi julgado corrupto, incompetente e populista, o homem que incorporava, junto com seus aliados, o “perigo vermelho” de uma “república sindicalista” e, à esquerda, o fraco e vacilante presidente que não levara às últimas conseqüências a luta pelas reformas de base e não comandara a resistência contra os golpistas.

Compreendemos assim, que dentre as questões que pesam sobre o indivíduo João

Goulart, no contexto do golpe de 1964, tem destacada relevância o grau de seu envolvimento

com as mudanças sociais. Nesse sentido, a mesma autora apresenta que Em seu livro, Gomes e Ferreira revelam, a partir de sua “narrativa fragmentada, diversificada e tensa” que, entre memória e história um indivíduo, no lugar de protagonista, pode dizer sim ou não, condicionado pela multiplicidade que marca a existência humana e que joga no processo histórico, elementos como origem social, convicção política, traços de personalidade, caráter, idealismo, e outros, ingredientes que misturados ao acaso (ou não?) podem levá-lo ao olho do furacão, ao banco dos réus. (BEHAR, 2008, p. 176).

A partir dessa citação gostaríamos de delimitar a relação aqui proposta, salvo as devidas

proporções, entre a posição de não resistência ao golpe, tomada por Jango no cenário

nacional, e a posição de apoio de Gondim aos militares, no âmbito local. Sendo assim,

percebemos que no contexto de desenho do golpe, o Governador Pedro Gondim também foi

levado ao olho do furacão, parafraseando Regina M. R. Behar. Isso porquê a sua atuação ao

lado das reivindicações sociais, sobretudo camponesas, se fizeram notórias, tal como

discutimos no capítulo 2. No entanto, diante da articulação dos militares em uma ação

golpista, o Governador paraibano se alinhou ao ideário reacionário, passando a dialogar de

uma outra forma com o movimento de esquerda no Estado.

Sendo assim, a retração do Governo, à repressão armada imposta às articulações dos

“rebeldes”, bem como o silêncio diante das prisões, torturas, mortes e desaparecimentos de

lideranças, são demonstrações que apontam para a escolha política de Gondim enquanto

sujeito histórico, mas que refletiram, devido a sua posição política, sobre a coletividade da

população paraibana de uma forma substancial, principalmente porque as ações sociais

passaram a ser tolhidas pelo Estado que outrora as incentivava e apoiava pessoalmente.

Todavia, não cabe a nós enquanto historiadores julgarmos as ações dos protagonistas

dos acontecimentos que escolhemos transformar em objetos, uma vez que, tal como afirmou

Behar em sua análise sobre a obra de Ferreira e Gomes, as subjetividades históricas e pessoas

dos indivíduos que vivenciaram as tensões do período são impossíveis de serem captadas por

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nós, e as escolhas de cada um destes personagens, apesar de refletir sobre a coletividade,

devem-se muito mais às suas próprias sensibilidades, enquanto homens de seu tempo, com

suas formações ideológicas e sociais.

Desse modo, a partir das subjetividades de Gondim, que não nos são possíveis de

captar, percebemos a mudança na sua postura, sobretudo nos últimos meses que antecederam

o Golpe. Os discursos apresentados em A União demonstravam um apelo claro de apoio aos

militares e de repúdio a “ação subversiva” que tomava conta do País e da Paraíba naquele

momento. Assis Lemos de Souza (1996, p. 181-82), ao tecer considerações acerca dessa

mudança de postura de Gondim, a qual era sentida em algumas demonstrações de seu

governo, tal como a demissão de vários jornalistas, apresenta que A posição firme dos jornalistas, corajosamente representados pela Associação Paraibana de Imprensa, API, ao lado da causa camponesa, levou o Governador Pedro Gondim a demitir toda a diretoria do órgão oficial “A União”. Aquela atitude do Governador foi considerada como uma mudança de posição, abandonando a neutralidade até então assumida, passando a dar apoio aos latifundiários... ........................................................................................................................................ Para a direção daquele jornal foi nomeado Antonio Brayner, conhecido por suas posições reacionárias e que, a pós o golpe militar de 1964, c onfessou despudoradamente: Muito antes da Revolução, quando assumi a direção do Departamento de Publicidade do Governo (agosto de 1972) [sic], fiz uma limpeza no jornal “A União”. Mais de dez jornalistas que, atualmente estão em apuros, na mão do Exército, eu expurguei do Departamento que dirijo. Em todas essas oportunidades e para todas essas atitudes drásticas contei sempre com o mais decidido apoio e corajoso apoio e a mais formal garantia, inspiração e autoridade do Governador Pedro Gondim, que aprovou e manteve todos os meus atos”... 111 Esse depoimento representa forte indício de que Pedro Gondim já estivesse ao lado das Forças Golpistas, bem antes de 1º de abril de 1964. Para a direção da Rádio Tabajara, foi nomeado um parente de Renato Ribeiro Coutinho, Paulo Maroja.

Sendo assim, o Golpe deflagrado na noite de 31 de março de 1964, foi apresentado no

dia 02 de abril em primeira página de A União com bastante entusiasmo. O Jornal publicava o

nome do novo Presidente da República, Ranieri Mazzili, com a certeza de “restauração da

ordem” e dos “destinos democráticos da nação”. As reportagens de capa nos dias

subseqüentes ao Golpe traziam os enunciados de aclamação à nação, ao Estado e de exaltação

aos militares.

Em uma das reportagens é apontado que: “Pronunciamento de Gondim traduziu

convicções da Paraíba”. O texto apresenta: A atitude do governador Pedro Gondim declarando-se, ontem, através de pronunciamento feito pela Rádio Tabajara, solidário com o movimento nacional em defesa das instituições traduziu em sua verdadeira dimensão os sentimentos democráticos e cristãos do povo paraibano, razão por que o chefe do Executivo vem recebendo de todas as partes telegramas de solidariedade e congratulações. (A UNIÃO, 02 de abr. 1964, p.1).

111 Este trecho foi retirado pelo autor de “Honra e Verdade” publicado pela editora A União, em 1964.

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110

No editorial da mesma edição, o jornal oficial traz: REINA na Paraíba, até o presente momento, a mais absoluta ordem e segurança, estando o Governo do Estado, em consonância com as Forças Armadas, aqui sediadas e com os dispositivos legais da Polícia Militar e Civil, plenamente capacitado a manter e garantir a normalidade e a tranqüilidade da população. Quem ouviu a proclamação do governador, através das rádios e emissoras paraibanas, dirigida à Paraíba e ao Brasil, sabe já a posição tradicional de equilíbrio e respeito às liberdades democráticas e a integral plenitude da Lei e da Constituição, que orienta e estreita a firme, enérgica e corajosa deliberação do Chefe do Executivo estadual. Neste instante histórico e conturbado da vida nacional, a que fomos arrastados pelos excessos e abusos de uma minoria e pela imprevidência daqueles que tinham o dever e a obrigação, democrática e constitucional, de zelar e assegurar as liberdades do povo brasileiro, cumpre à Paraíba, o seu povo e o seu Governo, ocupar um lugar definido e destacado na trincheira de luta da democracia e da integridade da Pátria. Foi assim que agiu o Governador Pedro Gondim, quando, imbuído dos melhores propósitos cívicos e patrióticos, através de sua veemente e brava proclamação, afirmou que o “pensamento polí tico de Minas Gerais, hoje, como em 1930, identifica-se com a vocação histórica do povo paraibano que deseja, neste episódio e, sobretudo, o cumprimento das liberdades públicas, consubstanciadas na defesa intransigente do regime Democrático”. ........................................................................................................................................ Toda a Paraíba está, assim, entrosada numa só ordem de comando, totalmente unificada em torno do Governador e dos Comandos Federais e E staduais, aquartelados no Estado. (A UNIÃO, 2 de abr. 1964, p.3). (grifos nossos).

Nas palavras desse editorial pesam os valores de “ordem e segurança”, apontadas como

elementos responsáveis pelo apoio dedicado por Gondim às Forças Armadas. Do mesmo

modo, a atitude do Governador é representada como um ato de firmeza, de energia e de

coragem, valores apontados como caros aos paraibanos, como demonstraremos adiante.

Ao mesmo tempo percebemos a tentativa de relacionar aspectos como liberdade e a

soberania do povo, ao discurso democrático supostamente defendido pela “revolução”. Vale

também ressaltar que esses valores são apresentados como comuns e naturais ao povo da

Paraíba e advém daí o apoio delegado pelo povo, na pessoa do Governador, aos

“revolucionários”. É relevante perceber que nesse discurso do editorial, além da aclamação

aos valores democráticos, pesa também o objetivo de homogeneização do pensamento

paraibano em torno da “revolução”, ou seja, buscou-se transmitir a idéia de que o apoio aos

militares era algo homogêneo entre os paraibanos, o que para nós é uma clara contradição e

apelo da retórica oficial, uma vez que apontamos que a sociedade estava convulsionada e

dividida entre o apoio às Forças Armadas e a “causa de esquerda”.

Salientamos que o movimento de esquerda na Paraíba, diferentemente da pujança de

outrora, como vimos nas demonstrações de mobilização e força de movimentos como as

Ligas Camponesas, sofreu a ação do estado repressor. Muitas lideranças foram presas,

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111

torturadas e desapareceram “misteriosamente”, a exemplo do que aconteceu com os líderes

camponeses Pedro Fazendeiro e Nego Fuba 112.

No entanto, a propósito das tensões sociais locais, em pronunciamento concedido à

imprensa, dois dias após o Golpe, Vital do Rego, aliado político e genro de Gondim,

manifesta apoio ao movimento “revolucionário” e declara, tal como no editorial anteriormente

apresentado, o apoio “irrestrito” de toda a Paraíba à ação do Estado. Nesse, o Deputado

enfatizada a posição do Governo, que, como representante do povo paraibano, assumiu um

discurso em prol da preservação da estabilidade, assim como a “defesa de suas instituições”.

Nesse pronunciamento Vital aponta que Paraibanos: Integrado no processo da revolução brasileira, que sempre defendi como possível e nos caminhos da lei e em absoluto respeito às instituições vigentes, eis que os atos de desmoralização da autoridade levaram, o Brasi l a um clima revolucionário fratricida. Novamente Paraíba e Minas Gerais se encontram como em 1930, unidas pelo mesmo ideal de rebeldia libertária. Fora do Congresso Nacional a serviço de minha terra e do meu povo, cumprindo também um mandato em Campina Grande, sou convocado, às primeiras horas da manhã de hoje, para esta capital a fim de, ao lado do governador Pedro Gondim e dos seus auxiliares, em consonância com os anseios e aspirações da Paraíba, tomar posição em defesa do maior de todos os bens, do maior patrimônio espiritual do povo que é sua liberdade. (...) O governador Pedro Gondim negou submissão à anarquia e nós, em nome do sufrágio e da confiança do povo paraibano... contando que a Paraíba não fuja à sua tradição nem negue, em hora como esta, seus melhores instintos de bravura e rebeldia. (...) Minas Gerais recebe nesta hora o calor imenso desta solidariedade. A Paraíba, sempre na vanguarda dos grandes acontecimentos nacionais, está pronta, sob o comando resoluto e forte do Governador Pedro Gondim, a defender as instituições, e nunca de braços cruzados entregá-las à sanha dos agitadores, ao clima da anarquia, a perpetuação do poder nas mãos dos maus, que só q ueriam, personalisticamente, o egoísmo, a vaidade, o ódio e o desrespeito à família, à pátria e à paz social. (grifos nossos). (A UNIÃO, 2 abr. 1964, p.8).

A partir da afirmativa do deputado Vital do Rego de que: “... A Paraíba não fuja à sua

tradição nem negue, em hora como esta, seus melhores instintos de bravura e rebeldia”,

gostaríamos de refletir sobre a evocação sempre presente, tanto durante o acirramento dos

combates entre camponeses e proprietários, como depois de deflagrado o Golpe militar, dos

valores que caracterizam a identidade do paraibano, sobretudo a sua inclinação à “bravura”,

mas também à “rebeldia”, ou à “pacificidade”, como em outras passagens anteriores. Para

tanto, partiremos da discussão historiográfica de Margarida Maria Dias (1996) sobre a

construção da “história da Paraíba” e do “mito da paraibanidade”.

Segundo Dias, a historiografia paraibana do início do século XX criou diversos mitos

para caracterizar o “ser paraibano”. Tal função foi delegada ao Instituto Histórico e

112 Sobre as primeiras prisões pós-golpe a estudantes, camponeses e atuantes da esquerda ver: CITTADINO, 1998, p. 156-162.

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112

Geográfico da Paraíba (IHGP) criado em 1905. Os historiadores do Instituto queriam, através

de sua escrita, “demonstrar a grandeza desse Estado”. (DIAS, 1999, p. 36).

Foi assim, na tarefa de inventariar as “origens históricas do paraibano” (DIAS, 1999,

p. 47), que se criou o “mito da paraibanidade”. A paraibanidade circunscreve assim, um tipo

específico de ser humano, o qual se define por ser paraibano. O termo foi, segundo a autora,

amplamente utilizado pelos fundadores do IHGP, com o objetivo de configurar e difundir a

identidade do homem paraibano e, conseqüentemente, as características do Estado da Paraíba.

As peculiaridades da paraibanidade, que delimitam a identidade paraibana, começam a

serem forjadas no âmago do paraibano no início de sua “história”. Ou seja, na fundação da

Cidade de Nossa Senhora das Neves, quando se deu a criação de uma “nova civilização”.

(DIAS, 1999, p. 51).

As singularidades que marcaram o nascimento dessa “civilização” advêm da

pacificidade com a qual esta se constitui. Esse argumento apresentado pelos historiadores da

época respaldou-se na idéia de que as várias expedições portuguesas tiveram o cuidado de

ocupar o espaço, “convencendo” o indígena (que são, nessa perspectiva, encarados como

indivíduos essencialmente bons) que o melhor caminho para assegurar a defesa e o

“desenvolvimento” da “sociedade que surgia”, a qual daria origem a Paraíba, seria a aliança

firmada entre os nativos tabajaras e os portugueses 113.

Sendo assim, Margarida M. Dias explica o apreço dos historiadores do IHGP pela

paraibanidade: (...) A tradição criada do passado de luta, de resistência, de inconformação com a ordem estabelecida inerente aos “paraibanos” e a aliança com os tabajaras não por uma cooptação/submissão dos indígenas, mas por uma inclinação natural desse povo por compreender que se tratava do melhor resultado para a sociedade que surgia. (DIAS, 1999, p. 53).

Desta forma, poderíamos resumir os valores inerentes ao mito da paraibanidade

tomando como aspecto essencial: “... o caráter pacífico, mas associado à bravura, à

intrepidez ...” (DIAS, 1999, p. 57).

Gostaríamos, nesse momento, de apontar uma reflexão que nos é suscitada a partir da

afirmativa acima e que diz respeito ao papel desempenhado pela historiografia, pensada nos

limiares de sua relação com a cultura histórica, na conformação de determinadas

representações de passado, e, no caso proposto, do passado paraibano. Compreendemos assim

a produção do conhecimento histórico como desempenho da historiografia, ou seja, de uma

“arte de produzir obras históricas”, tal como nos apresenta José Jobson de Arruda (2008,

113 Ver: DIAS, 1999, p.51-53.

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113

p.29). Ainda segundo esse autor, a palavra historiografia, além de referir-se a escrita da

história, remete também à “análise crítica das obras históricas produzidas por

historiadores”. A perspectiva aqui adotada diz respeito a primeira acepção do conceito de

historiografia. Pretendemos a partir desta pensar a relação estabelecida entre a historiografia,

enquanto produção de uma dada escrita sobre o passado, e a cultura histórica.

Desse modo, ao lançarmos um olhar sobre o uso desempenhado durante o Golpe, no

Estado paraibano, do mito da paraibanidade, podemos compreender a visível tentativa que se

estabeleceu de relacionar um saber sobre o passado, que, como nos apontou Margarida M.

Dias, partiu de um lugar de produção e difusão de saber, que é o Instituto Histórico e

Geográfico Paraibano, para sedimentar as explicações de apoio político dado pelo Governo do

Estado à ação militar, tomando, logicamente, como pano de fundo para esta atitude, a

existência de uma relação de pertencimento da sociedade paraibana com tal representação de

bravura e de coragem.

Ressaltamos que os mitos fazem parte das culturas políticas das sociedades, e estas, são

partes constituintes da cultura histórica dos povos. Sendo assim, estão passíveis de se

tornarem objetos de apropriação por parte das tramas políticas 114.

3.3 A Paraíba manifesta-se em prol do Estado Autoritário: crenças na manutenção da ordem e dos valores pátrios

Durante o primeiro mês da vitória da “Revolução” seguiu-se em A União a transcrição

das mensagens de apoio que chegavam ao Governador Pedro Gondim por sua sobriedade em

aderir ao Movimento. No dia 03 de Abril, o Jornal A União traz: “Apoio Irrestrito da Paraíba

à posição assumida pelo Governador Pedro Gondim”. Antes da descrição das mensagens, o

texto da reportagem aponta: O Governador Pedro Gondim continua recebendo de todos os quadrantes da Paraíba mensagens de solidariedade e congratulações enviadas por líderes de classe, políticos e gente do povo, pelo seu pronunciamento em favor das instituições democráticas, que durante algum tempo estiveram ameaçadas pela baderna e pela anarquia. Os signatários dessas mensagens telegráficas são unânimes em afirmar que o Chefe do Executivo paraibano agiu em perfeita sintonia com as convicções profundamente democráticas da Paraíba... (A UNIÃO, 03 de abr. 1964, p.8).

114 Um trabalho que aplica a discussão em torno da apropriação desenvolvida pelo Estado de valores inerentes a cultura histórica nacional, em um momento histórico específico que foi o Estado Novo (1937-45), mas que nos fornece importantes elementos de análise, ver a discussão de Ângela de Castro Gomes sobre a cultura histórica no Estado Novo. In: GOMES, 2007.

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114

Em editorial, A União apresenta a defesa da “Revolução”, recriminando as pessoas que,

por desconhecimento da conjuntura político-econômica em questão, já estavam a criticar o

governo militar, pois acreditavam que os problemas nacionais seriam resolvidos em poucos

instantes. O editorial aponta que

A REVOLUÇÃO não é uma mágica para concretizar-se num minuto. Nem os erros profundos cometidos contra os brasileiros, uma simples gripe, que se possa curar com melhoral e chá de limão. ESTAMOS, na realidade, apenas com mei o corpo, fora do mar de lama, conseqüência do acúmulo de crimes, corruções, negociatas e irresponsabilidades, de toda espécie, cometida, sob a indiferença, complacência, impunidade e estímulo da oficialidade, através de dezenas de anos e governos. NÃO vamos chegar, portanto, com tanta facilidade ao porto de destino, pisando firme na terra sadia, moralmente restaurada. ................................................................................................................................... O POVO precisa ter fé e confiar. Se cada brasileiro se dispuser e levar no ombro o seu tijolo, dentro em pouco teremos reconstruído a casa em ruínas. A revolução não se destina a tornar “os ricos mais ricos e os pobres mais miseráveis”. Ela foi feita para garantir a paz e o equilíbrio social da comunidade brasileira. E isso será feito. Nenhuma força impedirá a sua marcha patriótica e irreversível. (A UNIÃO, 14 de maio 1964, p.6).

As palavras do editorial são categóricas em afirmar a crença na eficácia do movimento

iniciado pelos militares, ao mesmo tempo em que convocava a população ao apoio e a

participação na reconstrução do país.

Em outra notória demonstração de apoio ao movimento militar, A União, no editorial do

dia 15 de maio, esclarece: É NECESSÁRIO compreender que a Revolução é nacional e não particular. A VITÓRIA democrática, que se antepoz e frustou [sic] a bolchevização do País, pertence, de forma mais ampla e generalizada, à Pátria Brasileira e nunca a um grupo ou a uma casta civil ou militar. As forças armadas, movidas por sentimentos patrióticos e convicções liberais e cristãs e pelo tradicional respeito e obediência à Lei e a ordem constitucional, não se mobilizaram para um assalto e usurpação ao poder. A REVOLUÇÃO não tem privatividade. Não é tutelada do Exército. Nem propriedade da Marinha. Nem bem de raiz da Aeronáutica. Ela pertence ao Brasil. Como comunidade. Como Povo. Na plena e absoluta fusão do mundo militar e civil. Onde houver uma voz de repulsa ao comunismo e uma disposição de combatê-lo aí se encontra um genuíno e autêntico revolucionário. Onde houver um movimento, um gesto de condenação ao peelguismo, a roubalheira, à corrupção, a imoralidade administrativa, aí está, latente, a Revolução. (A UNIÃO, 15 de maio 1964, p. 3).

Os elementos valorativos elencados nesse editorial corroboram com o discurso de

existência de uma “conspiração comunista”, pairando sobre o Brasil antes do Golpe Militar, a

qual justificava sua ocorrência. Para a compreensão do pavor com o qual a sociedade

ocidental encara os “complôs”, as conspirações que, em tese, desarticulariam a “ordem

social”, nos apropriamos do mito da conspiração proposto por Raoul Girardet (1987).

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O autor analisa, especificamente, três mitos conspiratórios que “assombraram” o

Ocidente durante os séculos XVIII, XIX e XX: a crença na organização secreta dos “judeus”,

dos “maçons” e dos “jesuítas”. Nos interessa na análise desse autor, as incursões feitas pelo

imaginário cristão ocidental, nas quais ele busca compreender como, em determinados

momentos históricos, se tornam próprias as elaborações de tramas conspiratórias com uma

finalidade político-social determinada. Sendo assim, o comunismo é para nós um dos lócus,

no qual, se concentrou os medos da sociedade do século XX.

Sendo assim, é a partir da construção histórica desse medo, de todo o imaginário

elaborado em torno de uma possível conspiração comunista, que os militares difundiram

maciçamente, durante o pré-Golpe de 1964 no Brasil, a idéia da necessidade proeminente de

defesa da nação, das instituições, dos valores morais, aspectos estes que se tornaram as

explicações para a existência da “Revolução” e sua continuação. No entanto, a evocação de

um pseudo-complô comunista não foi obra exclusiva dos militares em 1964; em outros

momentos da nossa história política, a ameaça comunista apareceu para justificar ações

autoritárias 115. Martha Falcão de Santana (2000) relata como na Paraíba, na conjuntura dos

anos de 1930, existia uma constante “denúncia” dos órgãos de imprensa acerca da

possibilidade de uma “bolchevização” do país. A autora apresenta que A partir de julho de 1935, à medida que se avolumavam os movimentos grevistas na capital e cidades mais industrializadas do estado, aperta-se o cerco da Igreja e do governo do estado, demandando a cooptação da classe trabalhadora através do atrelamento e tutela das sociedades beneficentes e de seus poucos sindicatos. Concomitantemente, o porta-voz da Igreja, o Jornal A IMPRENSA, através de sua coluna integralista, incrementava a propaganda anticomunista e a doutrinação integralista. De meados ao fim de julho, o jornal católico iniciou a denúncia de um plano de objetivando a “bolchevização” do Brasil. ........................................................................................................................................ A guerra psicológica, desencadeada por um dos jornais mais lidos na capital, fazia parte de uma campanha desenvolvida pela Igreja e pelo governo Vargas a nível nacional. Nesse sentido, A IMPRENSA enfatizava o perigo da doutrinação comunista e que o Brasil era o país escolhido pelos comunistas para o seu quartel-general na América Latina. (SANTANA, 2000, p.225-26).

Segundo Girardet (1987, p.36), a estrutura do complô, sua organização, seus membros,

sua ideologia secreta, acabam por transmitir para o resto da sociedade a idéia de que os

conspiradores estão marchando para dominar o mundo, estão arquitetando golpes almejando

derrubar príncipes, povos, famílias, valores. A descrição do autor relaciona-se

harmoniosamente com a narrativa de Santana sobre o projeto apresentado pela Igreja e por

Vargas, de um “quartel-general dos comunistas na América latina”. Nesse sentido, sobre a

115 Como exemplo basta pensarmos no Golpe de Estado empreendido por Getúlio Vargas em 1937, fruto de um projeto para defender a nação do “Plano Cohen” que supostamente derrubaria o Governo instalando um sistema de governo no Brasil aos moldes do soviético.

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organização e os meios pelos quais se constitui e se difunde a idéia em torno de uma

conspiração, Girardet (1987, p. 38-9) afirma que (...) à medida em que se amplifica, ao longo do último século, a imagem da conspiração, em que um discurso cada vez mais repetitivo, em que uma literatura cada vez mais numerosa a impõem à consciência das massas, o campo atribuído à manipulação aparentemente não cessa de se desenvolver. A est ratégia da manipulação se faz, em outras palavras, multidimensional. O aparelho político e administrativo não constitui mais sua única aposta. Esta se expande para todos os domínios da vida coletiva, quer se trate dos costumes, da organização familiar, como também do sistema educacional ou dos mecanismos econômicos.

Como ilustração da assertiva, levada a cabo na Paraíba, de que existia de fato uma

conspiração comunista em marcha, abortada pela “Revolução Militar”, separamos um dos

Editoriais de abril de 1964. Nesse, A União apresenta a descoberta da ameaça de

“cubanização” que pairava sobre o país as vésperas da deflagração do movimento

“revolucionário”. O editorial apresenta que AOS POUCOS vamos conhecendo verdades e fatos estarrecedores, acerca das atividades desenvolvidas no mundo subterrâneo do oficialismo recém-deposto, visando a cubanização da nossa Pátria. Já não padece dúvida a quem quer que seja, a existência de métodos e processos acelerados de subversão da ordem legal e constitucional. Preparada estava e em vésperas de movimentação e marcha a inglória ... Os elementos estranhos, importados da China Comunista e de Cuba, com atuação aberta nos mais importantes setores, econômicos e estratégicos, do território brasileiro, atestam bem o crime que se estava perpetrando contra as nossas famílias e as nossas convicções cristãs e democráticas. (A UNIÃO, 7 de abr. 1964, p.3).

Percebemos, nessa enunciação do Editorial, a apresentação de uma conspiração

comunista-cubana, que trazia em suas entranhas algo de “maléfico”, de “degenerativo” contra

a nossa sociedade. Diante de tão inglória ameaça, o recurso foi justamente a Revolução, um

movimento que se levanta como salvação para a nação, visto que anulou a ação dos

comunistas infiltrados no aparelho do Estado e na própria sociedade.

Os adeptos dos militares, como o Jornal A União, apresentavam em suas falas que, com

a ação das Forças Armadas, os valores democráticos estavam recompostos, a moral cristã

estava salvaguardada, cumprindo-se, portanto, os “reais motivos” do levante “revolucionário”.

Nesse tipo de enunciação, a sociedade era em grande medida levada a crer que os

conspiradores, como afirma Girardet (1987, p. 40): “aprenderam a manejar a corrupção, o

aviltamento dos costumes, da desagregação sistemática das tradições sociais e dos valores

morais”. Por isso, a necessidade de resistir e de expurgá-los do corpo social.

Tomemos, como exemplo da difusão da idéia de “conspiração comunista” na Paraíba, A

“Marcha da Família com Deus pela Liberdade”, que representou, também no Estado, uma

demonstração, dada pela sociedade, de apoio a ação dos militares, bem como de expurgo ao

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sentimento subversivo que, supostamente, estava infiltrado no movimento político-social do

país, antes da dita “Revolução”.

O Jornal A União descreveu a manifestação ocorrida na cidade de João Pessoa, no dia

08 de Abril, uma semana após o Golpe, com significativo entusiasmo. O teor da reportagem

ressaltou o “sentimento cristão e o espírito democrático” que moveu as famílias paraibanas a

marcharem “com Deus pela Liberdade”, mostrando o “repúdio ao totalitarismo comunista e

manifestando o entusiasmo e orgulho da Paraíba pelo movimento de restauração

democrática empreendida pelas Forças Armadas Brasileiras em defesa da Constituição” (A

UNIÃO, 9 de abr. 1964, p.1).

O Governador, mais uma vez, se fez presente nos eventos que mobilizavam a sociedade

no Estado. Pedro Gondim apresentou-se ao lado da “família”, “da mulher paraibana”, “das

instituições” e “dos valores democráticos” tomando parte no debate. Separamos aqui apenas

algumas passagens da longa mensagem proferida pelo governador, as quais corroboram com a

discussão “conspiratória” que estamos a travar como uma das possíveis vias de compreensão

para o êxito da conjuntura golpista de 1964.

Gondim iniciou sua fala apontando o uso que vinha sendo feito, durante o governo de

Jango, das tribunas parlamentares, por “poucos [sujeitos] incapazes ou anarquistas” que

acabaram, com atitudes extremadas, por prejudicar o debate e a concretização das necessárias

e urgentes reformas sociais.

Em outra passagem, ainda nesse discurso, Gondim reafirmou sua confiança na

democracia e na manutenção do direito soberano do povo de escolher seus representantes e

suas posições em meio as disputas que marcavam a arena do poder. O Governador afirmou: O Congresso e o Executivo ... assumem encargos majorados, que lhes podem ser gloriosos ou fatais: ou vencem com o Povo, na proporção que o interpreta e defenda, ou por ele, e em curto prazo de tempo, serão condenados, com as próprias armas da democracia. É nessa vigília de deveres em causa que temos que prosseguir, todos os paraibanos, todos os brasileiros. E nenhum espetáculo denuncia melhor aquele estado de espírito, falaria mais do alto que este: o Povo nas ruas, convocado pela mulher paraibana, em expansões de alegria, protestos de fé e reafirmação de compromissos com a sua Pátria. (A UNIÃO, 9 de abr. 1964, p.1).

Ainda durante o episódio da “Marcha da família com Deus pela Liberdade”, ocorrida

em João Pessoa, Pedro Gondim reforçou sua posição em defesa das reformas sociais,

afirmando que o clima de intranqüilidade e ameaça da nação que se instaurou antes do Golpe,

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não poderia ser tomado como ocasionado pelas ditas reformas 116. Nesse sentido, o

governador afirmou que É preciso não identificar, nos erros e vícios que comprometeram a tranqüilidade pública e a conquista das reformas essenciais, causas ou pretextos de deturpação ou suspensão das mesmas. Promovê-las corretamente, com legitimidade de Poder, adequação de meios e segurança de fins, eis o que se impõe. É indispensável que o Executivo e o Congresso respondam, prontamente, ao justo apelo e integral confiança de nossa Pátria. O Brasil não pode parar nem retroceder. Não seria justo sacrificar um diálogo porque poucos incapazes ou anarquistas entraram no auditório e tomaram parte no debate. Provemos todos, sem fuga, sem covardia e sem conformismo, que pregávamos sinceramente e de que é possível, também sem falsas concessões, conduzidos por caminhos claros e legais, modificar-se, em profundidade, uma estrutura. O êxito do esforço pressupõe, no entanto, sacrifício comum e transitório e repudia a manipulação de bastidores, forgicada na sobre-partilha dos interesses pessoais. (GONDIM, 1964, p.XVII e XVIII).

Notamos que a imagem que a Marcha buscou transmitir para a sociedade paraibana

respaldava-se na idéia de que a “Revolução” representava os interesses da Luz, “dos filhos da

Luz”, como nos aponta Girardet (1987), enquanto que os vencidos, entendidos como “os

comunistas”, “os anarquistas”, “os subversivos”, nada mais eram que movidos pelos “poderes

das Trevas” 117. Sendo assim, apoiar a “Revolução” significava recompor a “Luz da Nação”,

reencontrar os valores e remover as arestas da confusão e do caos . A “Revolução militar”

representa, nesse caso, o contra-complô, a contraposição do bem ao mal, da ordem ao caos, da

cristandade a algo de maléfico, de diabólico, representado pelos comunistas 118.

Acerca desse imaginário, utilizado pelos sujeitos que detém o poder para mitificar seu

domínio, revestindo-se de uma aura de “salvadores da nação”, em uma certa representação de

“sacralização-satanização da política”, encontramos a definição de Marilena Chauí (1994, p.

30), para quem: “... uma visão messiânica”, inerente ao imaginário da política e da nação, e

que “possui como parâmetros o núcleo milenarista como embate final, cósmico, entre luz e

116 Gondim reforçou por diversas vezes a crença na execução das reformas sociais pelos militares, principalmente a Reforma Agrária. Vale ressaltar que era apresentada, na pauta dos militares ‘moderados’ como Castelo Branco, a promoção das ditas Reformas, sobretudo a agrária. Tal medida era noticiada com entusiasmo nas primeiras páginas de A União. No entanto, o discurso apontava para a idéia de que a reforma promovida pelos militares seria sem “radicalismos”. A título de exemplo, apresentamos a reportagem de primeira página do dia 24 de Maio de 1964: “... o presidente Castelo Branco afirmou que o Estatuto da Terra será constituído de uma Reforma Agrária, que levará a todos os campos, uma verdadeira justiça social (...)”. O projeto de Lei que propunha o Estatuto da Terra data de 30 de novembro de 1964, e buscava regulamentar: “direitos e obrigações concernentes aos bens imóveis rurais, para os fins de execução da Reforma Agrária e promoção da Política Agrícola” (p.1 da Lei). Essa atitude do Governo Militar foi apresentada como uma demonstração da preocupação destes com a questão da terra no Brasil. No entanto, as prerrogativas da Lei não estavam em consonância com o projeto de Reforma Agrária de Jango, tão pouco com as tentativas de democratização das terras brasileiras defendidas pelo movimento de esquerda. (A Lei do Estatuto da Terra foi assinada por Castelo Branco no dia 30 de março de 1965). 117 Ver Girardet, 1987, p. 49. 118 Ver Girardet, 1987, p. 60.

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treva, bem e mal, de sorte que o governante ou é sacralizado “luz e bem” ou satanizado

(treva e mal).”

Desse modo, a partir da apresentação de Girardet e de Chauí, compreendemos que a

conjuntura pré-Golpe militar beneficiou a manipulação desses simbolismos em torno da idéia

dicotômica de “bem e mal”. Afinal, segundo Girardet (1987), os mitos políticos não são mera

abstração, fábulas, mas, ao contrário, partem de uma “realidade histórica” e por isso

constituem-se como gestores de representações e de comportamentos da vida social. Girardet

(1987, p. 51-2) afirma: (...) Nenhum dos mitos políticos se desenvolve, sem dúvida, no exclusivo plano da fábula, em um universo de pura gratuidade, de transparente abstração, livre de todo contato com a presença das realidades da história. Mas, no que diz respeito à mitologia do Complô, aceita-se de boa vontade que a carga de densidade histórica se revela, com toda evidência, particularmente pesada: com efeito, não há nenhuma, ou quase nenhuma, de suas manifestações ou de suas expressões que não possa ser relacionada mais ou menos diretamente com dados factuais relativamente precisos, facilmente verificáveis em todo caso, e concretamente apreensíveis. (...).

Sendo assim, os militares foram, inúmeras vezes, apresentados como os “salvadores” da

nação, os detentores dos valores nobres e cristãos, enquanto os vencidos, comunistas ou não,

foram alvejados pelo discurso da “satanização”, em uma tentativa de atribuir respaldo à ação

dos militares, colocando-os em consonância com valores culturais e tradicionais da sociedade

brasileira, os quais eram entendidos a partir da existência de um suposto caráter pacífico que

caracteriza a nação, responsável pelo repúdio da população aos movimentos extremistas, de

esquerda, ou direita e ao apoio delegado aos militares.

Uma das interpretações que corroboram com essa idéia “equivocada” de que o brasileiro

tem em seus valores culturais a tendência à pacificidade, nos é apresentada pelo economista

Argemiro Brum (1999). O autor, em passagem na qual faz inferência aos descaminhos da

esquerda nacional, após o Golpe Militar, dá a seguinte interpretação: Mais uma vez a esquerda radical se equivoca. Absolutizava sua causa, ignorava a força da tradição cultural da população brasileira, superavaliava sua capacidade de ação e de atrair apoios e subestimava a força do regime e o controle que as Forças Armadas tinham sobre o país. (...). (BRUM, 1999, p. 315).

O autor fala em uma “tradição cultural brasileira” que, segundo ele, teria sido

ignorada pela esquerda radical, fazendo assim com que as massas não encampassem a contra-

revolução. Essa fala de Brum nos chama a atenção porque alude ao mito de fundação da

nação brasileira, o qual aponta nossa tradição pacífica, nossos valores cristãos e morais que

eram, aparentemente, assegurados pelo Governo Militar.

O que nos interessa na recorrência a esse mito é o fato dele ter sido utilizado como

explicação para outros momentos de adesão da população a determinadas formas de governo

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e de práticas de poder, como é o caso da análise desenvolvida por Marilena Chauí sobre a

consolidação do populismo, diga-se de passagem, exatamente o modelo político derrubado

pelo Golpe Militar, mas que em grande medida se re-utilizou, para justificar a ação dos

golpistas, os mesmos simbolismos para atrair a população ao apoio da “Revolução”.

No entanto, nesse momento, nosso objetivo ao tratar do mito de fundação, a partir da

leitura de Chauí (1994), é observar os elementos encontrados nesse discurso mítico, que estão

em consonância com a discussão da “mitologia” apropriada pela “Revolução militar”.

A autora nos apresenta a existência, no campo do político, do uso de um “mito fundador

que permanece sob as ideologias e as sustenta” (CHAUI, 1994, p.21). Nesse sentido,

gostaríamos de reafirmar que os mitos, tal como afirma Ângela de Castro Gomes (2005), são

parte constituinte de nossas culturas políticas, e são, portanto, passíveis de uso pelos políticos,

em diferentes contextos, para sedimentar seu poder e justificar suas ações.

Chauí define o mito fundador como sendo: (...) Mito fundador porque, à maneira de toda fundatio, impõe um vínculo interno com o passado como origem, isto é, com um passado que não cessa, que não permite o trabalho da diferença temporal e se conserva como perenemente presente. Neste sentido, mito também na acepção psicanalítica, ou seja, como impulso à repetição por impossibilidade de simbolização e, sobretudo, como bloqueio à passagem ao real. Um mito fundador é aquele que não cessa de encontrar novos meios para exprimir-se, novas linguagens, novos valores e idéias, de tal modo que, quanto mais parece ser outra coisa, tanto mais é a repetição de si mesmo. (CHAUI, 1994, p.21).

A localização temporal dada por Chauí (1994), para situar o mito do qual está a tratar é

a “descoberta” e conquista do Brasil. A autora sedimenta sua discussão no que ela chama de

quatro constituintes principais. A primeira dessas diz respeito a “visão do paraíso” (p. 21-

24). A segunda apóia-se no “providencialismo da história” (p. 24-25). A terceira, a qual

constitui um elemento de forte contribuição para nossa análise, refere-se ao milenarismo, a

história profética (p. 25-26). O quarto elemento constituinte desse mito resulta de elaborações

jurídico-teocêntrica, que vê na figura do rei um escolhido de Deus (p. 26-29).

A terceira constituinte desse mito fundador nos interessa diretamente porque é possível,

a partir dos elementos que a constitui, fazer algumas alusões acerca do que estamos a discutir,

ou seja, crer que a história se desenrola à luz de um projeto eterno, divino, supra-humano, o

qual caminha para um combate entre o Cristo – analogia de tudo aquilo, ou aqueles, que

representam o “bem” ou estão a ele identificados – e o Anti-Cristo, representado como o

radical oposto. Essa perspectiva nos é pertinente porque o invólucro do Golpe Militar estava

sedimentado na idéia de um combate final entre o bem – representado pelas Forças Armadas e

apoiadas pelos civis – e o mal – compreendido como os influenciados pelos ideais

comunistas, anti-cristãos e diabólicos –, à população.

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Nesse sentido, relacionando o imaginário da época com os “reais” fatores conjunturais

do contexto, o discurso dos militares em favor de um projeto de Segurança Nacional alcança

êxito. Parafraseando Chauí, poderíamos dizer que a mitologia da ameaça diabólica,

representada pelos comunistas, foi ressignificada graças ao aparato ideológico defendido

pelos militares, os quais se proclamaram defensores do “bem” e da “luz”. Concordamos assim

com Chauí, quando ela defende a idéia de que a “matriz mítica” se conserva na sociedade

brasileira porque: ... é periodicamente refeita com noções que correspondem ao presente histórico. Em outras palavras, a mitologia é conservada através das ideologias. Estas, por seu turno, encontram uma base material real para se constituírem como expressões imaginárias da sociedade brasileira: o autoritarismo social. Em outras palavras, a estrutura e organização da sociedade brasileira reitera, alimenta e repete a mitologia, porque esta é um dos fundamentos da própria forma assumida por nossa sociedade. Há uma relação de feed-back entre mitologia e sociedade, sociedade e mitologia. (CHAUÍ, 1994, p. 27). (grifos nossos).

Sendo assim, para corroborar com a afirmativa de Chauí e com a discussão de Girardet

(1987, p. 53-4) de que: “(...) [a conspiração denunciada] jamais deixa de inscrever-se em um

clima psicológico e social de incerteza, de temor ou de angustia” marcado por determinados

“sinais clínicos”, compreendidos como as crises políticas, econômicas e/ou as mudanças

sociais 119, tomamos a fala de Toledo (1997, p. 31-2), quando este analisa as crises que

atravessaram o “breve” governo Jango desde seu nascedouro até sua morte, convivendo

sempre sob o “signo do Golpe de Estado”. Segundo esse autor: (...) uma intensa e prolongada crise econômico-finanaceira (recessão e uma inflação com taxas jamais conhecidas); constantes crises político-institucionais; ampla mobilização política das classes populares (as classes médias, a partir de meados de 1963, também entram em cena); fortalecimento do movimento operário e dos trabalhadores do campo; crise do sistema partidário e um inédito acirramento de luta ideológica [e eu acrescentaria também simbólica] de classes.

Neste ponto voltamos nosso foco especialmente para a Paraíba, que era assim

conclamada a se opor às ameaças “obscuras” que pairavam sobre a nação naquele momento,

aderindo e apoiando os “revolucionários”. No Estado, o clima de angústia social anterior ao

Golpe parece ser totalmente suplantado por declarações que apóiam abertamente os

“revolucionários” e apresentam uma imagem de total comunhão entre os paraibanos e as

Forças Armadas. O editorial de 15 de abril de 1964, por exemplo, apontou a confiança da

Paraíba na solidificação do “movimento revolucionário” de março, ao mesmo tempo em que 119 Esses elementos são utilizados como lastros para se erguer um mito justamente porque por trás das crises e dos sinais de mudança repousam os “medos coletivos” de uma sociedade. Ainda segundo Girardet (1987): “(...) não há nenhuma dessas construções que não possa ser interpretada como uma resposta a uma ameaça, ou pelo menos como uma reação quase instintiva ao sentimento de uma ameaça – e pouco importa, no caso, a exata medida da realidade dessa ameaça. (p. 54).

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ressaltava que o posicionamento das Forças Armadas correspondia a “uma linha centrista”

que marcava a conduta do Brasil e de seu povo. Vejamos a fala desse editorial: DIFICILMENTE poderão as forças extremistas, de esquerda ou direita, arrancar o Brasil da sua equilibrada e tradicional linha centrista. Ao longo dos anos, ao curso e registro da história, jamais aceitamos os extremismos como solução ideal para a nossa política interna. A própria ditadura estadonovista, para relembrar um ponto negro do nosso passado, apesar dos seus oito anos de domínio e existência, nunca conseguiu firmar os pontos capitais e fundamentais da Constituição de 37, porque o regime de exceção sempre repugnou a consciência democrática e cristã da imensa maioria do povo brasileiro. A experiência Revolucionária de 1935, quase não passou de uma estúpida quartelada, sem expressão e sem conteúdo de força e ideologia, ficando circunscrita a alguns focos insignificantes, sem alicerces no coração e na alma popular. Foi uma revolução sem povo. (...). A verdadeira revolução vai começar a partir de hoje [posse do General Humberto Castelo Branco]. Este País, es ta República democrática e cristã, estamos convencidos, nunca mais será presa fácil dos ladrões e dos aventureiros, porque moralizada, saneada e restaurada, permanecerá, eterna e intocável, como a Pátria feliz, tranqüila e respeitada, nossa, dos nossos filhos e dos nossos netos. (A UNIÃO, 15 de abr. 1964, p.3).

Os pronunciamentos de diferentes setores da política local apareciam em A União para

corroborar com o discurso oficial de justificar o apoio dedicado pelo Governo aos militares,

como uma demonstração de respeito e consonância com o “passado glorioso” do Estado e do

povo paraibano. O jornalista Antônio Brayner, por exemplo, em jantar oferecido pelo Centro

Paraibano de Relações Públicas às Formas Armadas, em visita à cidade de João Pessoa,

pronunciou um discurso de enaltecimento aos militares, mas que na realidade transformou-se

em uma narrativa memorialista aos valores da Paraíba, aos homens que derramaram sangue

na defesa dos valores desta terra, sobretudo o de liberdade, de modo que tais sentimentos

“heróicos e cívicos” ligavam indissoluvelmente à Paraíba e o ideal da “Revolução”. O

discurso afirmava o seguinte: Senhores: Numa terra de patriotas é justo e compreensível que eu me sinta estimulado e encorajado para fazer uma saudação aos gloriosos e bravos soldados de minha Pátria. Nascemos e vivemos numa região onde o exemplo de heroísmo, sacrifícios e amor à liberdade, de um Vidal de Negreiros, de um Peregrino de Carvalho, de um João Pessoa, ressurge e reponta da História e do passado, para ser o elo, a corrente de ligação indissolúvel, com o presente e o futuro. Uma cidade como a nossa, cujas principais ruas e avenidas se denominam: Duque de Caxias, General Osório, Almirante Tamandaré, Epitácio Pessoa, significa bem uma trincheira de civismo e de brasilidade, porque esses nomes despertam admiração e respeito, como se fossem símbolos e bandeiras que vão lembrando às gerações que passam, que nada é mais belo e imprescindível ao homem do que o empenho da honra e da dignidade, a serviço da paz e da ordem, da segurança, da liberdade, e da soberania da Pátria. Essa – Senhores e Senhoras – a Paraíba do passado e do presente, indormida e eterna na sua vigília do civismo, jamais os seus filhos negaram, ao Brasil, a sua coragem e o seu sangue, o seu patriotismo e o seu destemor na hora do sacrifício e da determinação extrema e comum.

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Heróica e indomável na luta, mas dócil e cativante na paz; agressiva como um cactus, na hora do combate, porém, mansa, prestativa, sincera e irmã, na convivência, na sensibilidade, no amor, na prestimosidade; a Paraíba é inesquecível na memória dos que partem, levando no coração e na alma, a lembrança e a saudade da gente e da terra, perdida na distância e no tempo. (A UNIÃO, 22 de maio 1964, p.3). (grifos nossos).

Passado cinco meses do Golpe, em meio às comemorações do dia 7 de Setembro,

desenhou-se nas páginas de A União, uma oportunidade riquíssima de enaltecimento à

“Revolução Militar”. As considerações do Jornal partiam de um paralelo muito sutil entre as

comemorações da Independência do Brasil e a oportunidade de reafirmação do apoio ao

movimento “revolucionário” de 1964. O editorial, em vésperas do 7 de Setembro, apresenta: O dia de amanhã, 7 de Setembro, marco inesquecível e histórico da nossa Independência Política, deve-se constituir, na consciência e na alma de cada brasileiro, num momento de reflexão e de amor, mais do que de glória, e veneração à Pátria. O passado, é bem verdade, nos envaidece, nos orgulha e nos sublima. Mas, o futuro nos preocupa, porque o presente é uma ameaça. NA DATA maior da nossa História Nacional, podemos e devemos nos perguntar, como quem faz um rigoroso exame de consciência: “Que fiz até hoje pela minha Pátria?”. Talvez, milhões, muitos milhões dos que formamos a nossa caldeada e brava gente brasileira, dos que constituímos a Nação, como Povo, como Família, como Sociedade, democraticamente, organizada, muito pouco tenhamo s de responsabilidade a apresentar como sacrifício, como trabalho, como esforço, individual e coletivo, em beneficio da grandeza e do progresso do Brasil. NESTA hora presente e difícil que vivemos não adianta ser patriota um dia, para esquecer deveres, obrigações e até fanatismos pela exuberante Pátria que, construímos a custa de tanto sacrifício e que é, eternamente, nossa e dos nossos filhos, na Sua comovente e Imortal mensagem de Liberdade e respeito Cristão. É preciso pois, compreendê-la e servi-la, guardando o seu presente, idolatrando e enaltecendo o seu passado e a sua tradição de heroísmo, para que seja possível garantir e preservar a honra e a dignidade de seu futuro. (...). (A UNIÃO, 6 de set. 1964, p.3).

A afirmativa de que: “O passado, é bem verdade, nos envaidece, nos orgulha e nos

sublima. Mas, o futuro nos preocupa, porque o presente é uma ameaça” assume ares de um

alerta à população, porque apesar da vitória da “Revolução” ainda se inspirava cuidados os

rumos da nação. Afinal: “NESTA hora presente e difícil que vivemos não adianta ser patriota

um dia, para esquecer deveres, obrigações e até fanatismos pela exuberante Pátria que,

construímos a custa de tanto sacrifício e que é, eternamente, nossa e dos nossos filhos, na

Sua comovente e Imortal mensagem de Liberdade e respeito Cristão”. O texto continua

apelando para o florescimento de um amor pátrio e destemido, o qual fosse capaz de despertar

em cada cidadão a força do sacrifício pela sua terra: “É preciso pois, compreendê-la e servi-

la, guardando o seu presente, idolatrando e enaltecendo o seu passado e a sua tradição de

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heroísmo, para que seja possível garantir e preservar a honra e a dignidade de seu futuro.

(...)”.

3.4 O fim de um mandato: o balanço do Governo de um líder popular no pós-revolução militar

Comecemos nossa análise neste último tópico, pela afirmativa de Cittadino, de que a

posição de Gondim em delegar apoio aos militares garantiu-lhe a possibilidade de chegar

“seguro” ao término do mandato. A autora apresenta que A posição tomada pelo governador Pedro Gondim, após a noite de vigília, garantiu-lhe não apenas a sua permanência à frente do Governo do Estado, como a preservação da sua liberdade, haja vista que, segundo depoimentos de testemunhas da época, caso a posição tivesse sido outra, ele teria sido deposto e, em seguida, preso, conforme aconteceu com Miguel Arraes. Portanto, essa definição do governo favorável aos "revolucionários" garantiu-lhe a sobrevivência política e a liberdade pessoal ... (CITTADINO, s/d, p. 5).

Apesar da permanência no governo, Gondim enfrentou oposições internas e ameaças de

inquéritos e até de cassação. Essas informações foram desdobradas nas páginas do Jornal

Correio da Paraíba que apresentava insinuações sobre a possível relação entre Gondim e as

“conspirações anti-democráticas”. O Jornal apresentou as denúncias feitas ao comando do 15º

Regimento de Infantaria (o 15º RI), pelo economista Ronald Queiroz, as quais criaram

rumores da abertura de um IPM (Inquérito Policial Militar) contra o Governador. Em

reportagem assinada por J. Soares Madruga, a folha apresenta: O economista Ronald Queiroz soltou a bomba esperada. Em carta ao comando do 15 RI fez críticas acerbas ao Governador e insinuou denúncias graves que poderão envolver o sr. Pedro Gondim como político esquerdista a serviço de uma causa anti-democrática. O Ex-secretário do SED não denunciou, propriamente, apenas fez insinuações de quem está documentado para enquadrar o seu antigo chefe e amigo em um dos itens do Ato Institucional que legitimou a “Operação Limpêsa” procedida pelas Forças Armadas. (CORREIO DA PARAÌBA, 14 de abr. 1964, p.3).

Em outra reportagem, o Correio acena sutilmente para um possível apoio à cassação de

Gondim, desde que existissem elementos materiais de acusação contra o Governador e não

apenas farpas da oposição. No entanto, a propósito disso, nos é interessante perceber como a

reportagem afirma a necessidade do Governador em tomar medidas dignas do “aplauso” dos

militares, silenciando as oposições internas e ao mesmo tempo demonstrando apoio irrestrito

da Paraíba à “Revolução”. O texto afirma que Ainda desconhecemos se há alguma coisa contra o Governador nos arquivos do IV Exército que possa determinar a cassação de seu mandato. Daí porque sustentamos o ponto de vista anterior – se é pra decretar o “impeachment”, que se o faça, sem,

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entretanto, deixar no ato a cor das siglas partidárias cujas bancadas sejam o instrumento de cassação. ........................................................................................................................................ Não defenderemos o “impeachment” do Governador enquanto não conhecermos os fundamentos básicos da ação. (...). Com a reforma [o texto se refere a mudança no secretariado] o governador atenderá, em parte, a àquele grupo e eliminará focos de desconfiança que deixam o situacionismo em sobressaltos. Unindo a Paraíba o Sr. Pedro Gondim chamará para seu governo todas as forças civis que apóiam a nova ordem instituída, criando ambiente para desenvolver a administração sem o embaraço das conveniências partidárias. E as Forças Armadas, inequivocamente aplaudirão o seu gesto, pois ele significará, antes de tudo, vontade de governar e a jura de respeito ao espírito e, aos desígnios da revolução. Por outro lado, decretará a aposentadoria das fofocas e dos interesses subalternos. (CORREIO DA PARAÌBA, 9 de mar. 1964, p.3) (grifos nossos).

Além das oposições e denúncias de Ronald Queiroz, Gondim também enfrentou as

denúncias de corrupção feitas pelo Deputado udenista Luis Bronzeado 120. No entanto, o

Governador “sobreviveu” a ambas e continuou seu mandato, apesar das seqüelas deixadas

pela sua mudança de lado no momento do Golpe 121.

Mesmo com esses acontecimentos, e com o desgaste de Gondim frente a opinião

pública, A União apresenta as comemorações do “Primeiro Aniversário da Revolução”. O

texto do editorial traz que: FAZ, HOJE, EXATAMENTE UM ANO que a Nação Brasileira reencontrou-se a si mesma para o prosseguimento e manutenção de sua vida democrática. NÃO ERA MAIS POSSÍVEL o permit ir-se a Pátria, o sacrifício de u ma “transferência” para a área comunista, que se ia, lentamente, tornando em realidade, ante o povo abismado, com a desfaçatez dos seus dirigentes. (A UNIÃO, 31 de mar. 1965, p. 3).

A reportagem destaca o re-encontro da “Nação Brasileira” consigo mesma, com seus

valores e suas origens de “ordem e progresso”. Enquanto “a Nação” se reencontrava, o

Governador Pedro Gondim se perdia de suas “origens populares”. O apoio por ele delegado à 120 Sobre o deslocamento dos acontecimentos, desde as acusações de Bronzeado, passando pela repercussão na imprensa e os apoios recebidos, além dos ataques e contra ataques dispensados por Gondim acera das acusações do parlamentar ver: GONDIM, 1964, p. XLI-XLVII; 7-9 e 17-20. 121 Essa impressão sobre os últimos dias de Gondim na administração do Estado nos foi possível após uma conversa com o economista e advogado, ex-membro da equipe de desenvolvimento do governo de Pedro Gondim no Conselho Estadual de Desenvolvimento (CED), o senhor Heitor Cabral. Segundo ele, a decisão de Gondim em apoiar o “movimento revolucionário”, em decorrência de seu “realismo político sacrificou sua biografia”. Em uma de suas falas Cabral afirmou: “(...) Veja o drama de Pedro Gondim, era um camarada liberal, fez os três primeiros anos do governo dele sempre pendendo para o lado do movimento camponês, tentando administrar a crise, e de repente ele começa a receber pressão dos militares do Nordeste que eram quase todos amigos dos proprietários rurais. Ele ficou na maior dificuldade, foi quando começou a vacilação dele. (...). Isso foi o último trimestre de 1963, ele já estava sentindo que as coisas não iam correr bem no país, ele tinha um senso político muito forte. (...). Pedro Gondim até o último momento vacilou na adesão do regime militar, ele deu uma de realismo político em prejuízo de sua biografia. .... ele saiu arrasado do palácio do governo. Aderiu, sacrificou a biografia por conta do realismo político e permaneceu no governo atacado virulentamente pelos militares (...)”.

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Revolução acabou por marcá-lo, nos últimos meses de seu mandato, com uma subserviência

contrária a sua vitalidade de outrora. Gondim estava ofuscado politicamente; o povo, sua

principal plataforma de apoio, não era mais evocado com os mesmos entusiasmos e com os

mesmos apelos de antes. Neste sentido, Cittadino (2006) aponta que Gondim, ao aderir ao

movimento “revolucionário” dos militares, acabou se ofuscando politicamente, se mantendo:

“numa posição desconfortável de submissão a UDN”. (CITTADINO, 2006, p. 113). Segundo

a autora, passado o calor do Golpe, a sobrevivência política de Gondim esteve associada a sua

proximidade com a UDN, bem como com João Agripino, sobretudo delegando apoio a

candidatura deste para as eleições de 1965. A autora afirma que ... A dependência do governador Pedro Gondim frente ao partido e, em especial, em relação a Agripino, aprofundou-se em decorrência da ameaça de instalação de um IPM contra Gondim, que teria partido da ala mais radical do IV Exército, bem como de opositores no estado, que desejavam a cassação do governador. Segundo Joacil de Brito Pereira, um dos políticos udenistas mais aguerridos e profundamente vinculado ao esquema “revolucionário” na Paraíba, o processo de cassação de Gondim só não foi instalado em virtude da influência exercida por João Agripino, para quem era interessante a permanência de Pedro Gondim no Executivo estadual. (CITTADINO, 2006, p. 122-23).

Cittadino ainda destaca como uma das maiores ilustrações da fragilidade política de

Gondim frente a UDN, a substituição do nome de Sílvio Porto, para vice-governador, em

favor de Severino Cabral. A autora considera que O episódio de substituição de Sílvio Porto, embora não possa ser considerado, conforme pensado à época, como o momento em que ficou sacramentada a subserviência de Pedro Gondim e de seu partido, o PDC, ao esquema udenista, talvez possa ser considerado como o episódio mais ilustrativo e o que tenha mais firmemente se incorporado ao imaginário político como representativo da débâcle pedecista. Na verdade, o ocaso do gondinismo e dos cristãos, seus aliados, ao contrário de ter-se verificado por ocasião das eleições de 1965, repousam longe, em março de 1964, quando Gondim, para salvar-se politicamente, lançou-se nos braços protetores da UDN, declarando-se partidário dos novos detentores do poder e empenhando todo seu apoio à construção do novo Estado. Daquela data em diante, a ascendência da UDN sobre Gondim só fez acentuar-se, chegando, no episódio da renuncia de Sílvio Porto, apenas ao seu momento mais explícito. (CITTADINO, 2006, p. 132).

No entanto, a propósito das seqüelas deixadas pelo Golpe na “biografia” de Gondim e

em seu brio pessoal, como nos afirmou Heitor Cabral 122, as reportagens dos últimos meses de

1965 foram marcadas pelas “despedidas” de Pedro Gondim do Governo do Estado,

despedidas entusiasmadas, que buscavam na memória dos primeiros anos de administração

razões para se enaltecer e apontar benefícios para a Paraíba. Nessas, não raro, o Governador

era representado como um líder democrático, que sempre esteve comprometido com o bem

122 Ver: nota de Rodapé da página 116.

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estar do povo paraibano. Nos textos do fim do mandato, A União, por algumas vezes, ainda

lembrava o viéis popular do Governador.

A reportagem do dia 20 de outubro de 1965 apresenta “Pedro, o Líder”. No texto foi

(re)afirmada a manutenção inabalável do apoio popular à figura de Pedro Gondim. Um outro

aspecto marcante desse editorial é o fato de ter sido feita, mais uma vez, a evocação da

imagem de João Pessoa, relacionada com a de Gondim. Aliás, essa recorrência, como

demonstrado em passagens dos outros capítulos, acompanhou os anos de governo de Gondim

desde a sua eleição em 1960. Essas articulações entre a memória de João Pessoa e o caráter

administrativo e pessoal de Gondim representam a existência de uma pseudo-unidade e

identidade entre o nome do ex-presidente e os paraibanos. Tal como afirma José Luciano Q.

Aires (2008, p.146), em discussão sobre a consolidação da memória do “mártir João Pessoa”:

“O povo sempre foi evocado no processo de construção da memória de João Pessoa: era

importante ter as massas a favor, pois, assim sendo, mantinha-se um Estado, aparentemente,

de todos”. O texto da reportagem, assim articulava o apoio popular à Gondim e o nome de J.

Pessoa: O que ocorreu ontem, na Praça João Pessoa, demonstra a todo aquele que enxerga um palmo, pelo menos, à frente do nariz, que Pedro Gondim continua sendo o mais autêntico líder popular da Paraíba. COMPARECENDO, pessoalmente, ao Tribunal Regional Eleitoral, para promover a sua própria defesa, no esdrúxulo pedido de afastamento do cargo de Governador encaminhado pelo PSD, o chefe do Poder Executivo foi alvo de calorosas demonstrações de solidariedade e estima por parte do Povo Pessoense. ....................................................................................................................................... CENAS emocionantes se verificaram na ocasião. Vimos mulheres, crianças e velhos, operários e estudantes, debulhados em pranto, abraçados ao eminente Governador dos Paraibanos, que também não pode conter as lágrimas que lhe corriam pela face. PARECIA mais um daqueles espetáculos dos idos de 1930 quando o Povo, em delírio, cercava o Presidente João Pessoa, beijando as suas mãos e cobrindo de lágrimas as suas vestes. ........................................................................................................................................ O POVO compareceu a praça do modo mais espontâneo. A multidão esteve na rua, exposto ao sol, aguardando, no sobressalto e na ânsia natural da espera, numa decisão importante e histórica, a palavra dos juizes, através do julgamento e da sentença. ....................................................................................................................................... O POVO tem razão. E o Povo é sábio e infalível no seu julgamento. Ninguém tem o direito, por mais perverso e infame que seja o expediente usado pelo adversário, de arrebatar-nos o Líder que foi escolhido e está cada vez mais presente no coração do Povo Paraibano. (A UNIÃO, 20 de out. 1965, p.3) (grifos nossos).

É de destacada dramatização o uso excessivo do termo “povo” e das demonstrações de

apoio desse “povo” ao seu “líder” Pedro Gondim. Além disso, o texto apelou para a emoção

despertada por Gondim nos corações dos seus eleitores. Nesse editorial foi ainda, uma das

poucas vezes, que reapareceu a nomenclatura popular associada ao nome de Gondim, visto

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que esses termos, no calor dos acontecimentos de março de 1964, poderiam ser “mal”

interpretados e caracterizados como “subversivos”.

Ainda fazendo referência ao fim do mandato de Gondim, encontramos no editorial

intitulado: “O Governo que sai” as seguintes apresentações do Governador: DENTRO de mais dois meses Pedro Gondim passará o Governo da Paraíba às mãos do seu substituto, legalmente eleito no pleito de 3 de outubro último, Senador João Agripino Filho. AO DEIXAR a chefia do Poder Executivo, que vem exercendo há cinco anos, o Governador Pedro Gondim tem absoluta convicção do dever cumprido e sente que, se não fez tudo, nem solucionou todos os nossos problemas, pelo menos não desperdiçou tempo e energia, pois realizou o que era possível e necessário, de acordo com as possibilidades do erário. PEDRO GONDIM, podemos dizer sem favor, praticando um ato de justiça, é um administrador que não receia prestar contas do seu período governamental ao Povo que o elegeu e a comunidade que dirigiu, com tanto espírito público, visão do futuro e acendrado paraibanismo. (A UNIÃO, 17 de nov. 1965, p.3). (grifos nossos).

Nas palavras de A União, o “purificado”, ou “requintado” “paraibanismo” de Pedro

Gondim lhe rendeu as glórias de chegar ao fim de um mandato, apesar dos conturbados

acontecimentos, com a consciência de que os cinco anos de administração, além dos outros

dois como governador interino, deixaram um legado frutífero e positivo no tocante ao

progresso e ao dinamismo do Estado. Deve-se, salientando que essa imagem atribuída a

Gondim de um sujeito portador de uma trajetória, como cidadão e como governante, marcada

pela idoneidade e pela coragem, sempre que possível foi explorada pelo jornal estatal 123.

No editorial do dia 31 de janeiro de 1966, dia do fim do mandato de Gondim e

transmissão do cargo a João Agripino, aparece: DENTRO de poucas horas mais, na presença da população, num ato público e solene de significativa importância histórica e democrática, o Governador Pedro Gondim estará passando o comando administrativo do Estado ao Senador João Agripino Filho, o Homem que o Povo escolheu, livremente, para Governar a Paraíba no qüinqüênio que hoje se inicia. NESTA oportunidade, quando fustigam a alma dos paraibanos os abraços de despedida, as emoções do adeus e as espontâneas lágrimas da saudade, não vamos rememorar o que fez, o que construiu, o que realizou, nesses cinco anos, de dinamismo e trabalho, que agora completam, o Governador Pedro Gondim. ........................................................................................................................................ (...) Se há lágrimas nos olhos do povo é porque a estima popular reflete a autenticidade de um líder, que foi digno e honrado, humano e sensível às reivindicações e anseios comuns da gente paraibana. Daí a saudade que nos dói. O princípio de ausência que nos domina e esvazia a alma. Quando estiramos a mão, acenando o lenço branco ou agitamos o braço para o gesto emocional e triste da despedida e do adeus. Não, propriamente o adeus, mas, apenas, do Até Breve, que é uma despedida que amargura muito menos. (A UNIÃO, 31 de jan. 1966, p.3).

Sendo assim, podemos ressaltar acerca dos discursos de final de administração, como

um substrato marcante, que, para além da rememoração aos feitos administrativos, prevaleceu 123 Ver tópico 1.1 do Primeiro Capítulo.

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a reestruturação dos laços de afetividade entre Gondim e o povo da Paraíba. A população do

Estado é apresentada envolta no sentimento de gratidão e de saudade, aspectos apresentados

nas tramas do poder político como resposta refletida pelos corações do povo, apenas com

relação aos sujeitos de destacada capacidade governamental e sensibilidade humana. Desse

modo, parafraseando Nicolau Evreinov 124, Pedro Gondim pagou, durante todos os dias de seu

Governo, em meio aos variados acontecimentos de tensão e conflito, “o seu tributo cotidiano

à teatralidade”.

124 Cf. BALANDIER, 1982, p.5.

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Considerações Finais

O texto que estamos a concluir se dedica a discussão sobre as tramas políticas

desdobradas na Paraíba, no contexto dos anos 60, sobretudo a primeira metade destes. Nesse

recorte temporal, desenrolou-se no Estado a administração de Pedro Moreno Gondim, um

governante que, pelas práticas adotadas ao longo de seus anos no poder, fornece-nos subsídios

que apontam para as encenações montadas por um governo às voltas com uma série de

situações delicadas, como, por exemplo, as organizações de estudantes e camponeses

apontadas como perturbadoras da ordem social e responsáveis por certo desconforto na

maioria das camadas que formam a sociedade paraibana.

Desde o primeiro governo, nos dois anos de seu Governo Interino, Gondim nos acenou

como um político voltado às articulações promissoras. O Governador se apresentou como um

defensor da modernização do Nordeste, assumindo o projeto desenvolvimentista do

Presidente Juscelino Kubitscheck. Gondim acompanhou também de perto todas as reuniões

que articularam a criação da SUDENE, sendo a partir destas, bem como de sua “prontidão”

em solucionar os problemas dos “flagelados” da seca no Estado, que ele projetou uma

imagem de político popular, voltado para a solução dos problemas dos mais carentes.

No ano de 1960, Gondim, ao romper com o PSD, afastando-se do cargo e lançando sua

candidatura ao governo paraibano, passa a ser alvo das acusações e críticas do Jornal A União,

seu antigo aliado, que, por ser um Jornal estatal, muda agora sua linha editorial. Em paralelo a

perseguição empreendida por A União, a campanha de Gondim é apresentada em dois outros

jornais do Estado, o Diário da Borborema e o Norte, sob os signos da coragem, ousadia e

dinamismo. Aparece na narrativa de ambos os jornais, a recorrência ao evento da ruptura,

como a demonstração máxima da capacidade de Gondim em defender os interesses do Estado,

visto que o povo clamava por seu nome para a ocupação do cargo de chefe do Executivo

Estatal.

No início de 1961, com a conturbada vitória eleitoral de Jânio Quadros, seguida da sua

renúncia e do parlamentarismo imposto a João Goulart, Gondim rapidamente se pronuncia

através de A União, respondendo, talvez, aos anseios da população do Estado que questionava

acerca de qual posição seria assumida pelo Governador. Gondim não só se anunciou contra o

parlamentarismo, como também militou para que os paraibanos fossem às urnas no dia 06 de

Janeiro de 1963, dizer NÃO a este. Passado esse período “obscuro” do parlamentarismo, em

meio a afirmativa de Jango em concretizar as Reformas de Base, Gondim mais uma vez não

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fica imune a tais debates, encampando a defesa da necessidade urgente de uma Reforma

Agrária no país para a manutenção da paz no campo.

Desse modo, a situação de Gondim, em meio a esse cenário de crise e contestações,

com uma série de valores e relações em jogo, não poderia ser outra, se pretendesse se manter

equilibrado no poder, a não ser a incorporação de uma estratégia de relacionamento dúbio

tanto com os “revoltosos” como os “reacionários”, assumindo, como chefe estatal, a postura

de arauto e defensor da paz, da ordem e das instituições. No entanto, as falas de Gondim

apontavam também para o reconhecimento da importância das contestações que estavam

sendo levantadas, sobretudo a Reforma Agrária, o que o levava a um íntimo relacionamento

com o movimento das Ligas Camponesas, subindo, inclusive, no mesmo palanque de seus

líderes para debater problemas e propor soluções à causa camponesa.

Sendo assim, a escolha de Pedro Gondim e de seus anos de administração como objetos

de estudo deve-se ao fato de estarem inseridos em um contexto de crise nacional e local. As

especificidades conjunturais do Governo Gondim fazem com que ele concentre elementos que

acenam para nós como um teatro político, no qual o enredo e as peças retóricas adotadas

objetivavam a sua manutenção no poder, sedimentado em elementos da cultura histórica e

política da Paraíba. Tais elementos eram utilizados, sobretudo, pelo Jornal Estatal, para

difundir uma imagem de Pedro Gondim como administrador comprometido com as

necessidades da população carente do Estado, ao mesmo tempo em que ele aparecia militando

a defesa do desenvolvimento econômico do Estado e da região Nordeste como um todo. Cabe

ressaltar ainda que, diante do crescimento dos conflitos internos, os enunciados que envolvem

o Governador incorporam elementos que apontam seu papel na manutenção da ordem

político-social no Estado, bem como da paz dos paraibanos, aspectos que, inseridos em um

contexto de crise, soam com um tom ricamente dramatizado, portanto, propício ao debate

dentro da categoria de teatralização do poder.

A percepção de toda esta encenação nos foi possível graças ao diálogo, como já

mencionamos acima, com a nossa principal fonte, o jornal oficial A União, que, com uma

recorrência significativa, apresentava, não só nos seus editoriais, como no conjunto de suas

reportagens, enunciações, apresentações, discursos e medidas adotadas por Pedro Gondim ao

calor dos acontecimentos, que revestiam sua imagem, e consequentemente a do Estado, como

comprometidos com a solução dos problemas que afligiam não só a Paraíba como todo o

Nordeste e a Nação, mas sempre reforçando a idéia de manutenção da democracia, das

instituições e das liberdades individuais. Vale ressaltar que parte das posições de Gondim

estava em sintonia com uma outra característica do seu tempo que eram as práticas próprias

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do populismo. Como abordamos no capítulo 2, as práticas populistas foram compreendidas

em consonância com a idéia de teatralização do poder, visto que na política populista se tem

a estruturação da imagem de um administrador balizada, quase constantemente, pela

encenação das relações de equilíbrio político, mesmo com os embates entre grupos distintos,

somadas ao “atendimento” das necessidades da população, além dos apelos retóricos a

participação do povo na vida política da Nação. Tais elementos contribuem para que as

lideranças populistas se anunciem como “salvadores da pátria”, uma vez que atendem as

necessidades de “Gregos e Troianos”.

Um dos aspectos que nos chamou a atenção no decorrer da pesquisa, sobretudo no

nosso contato com as falas presentes no Jornal A União, foi o desenvolvimento de certas

mutações sofridas pela conduta do Pedro Gondim, administrador do Estado. Essas mutações

na realidade não foram e não são peculiares de Gondim, mas atravessam o jogo político de

uma forma geral, fazendo parte, portanto, do teatro do poder; dizem respeito às mudanças de

alianças, de discursos, de partidos, e compõem o conjunto das estratégias políticas que

acompanham as tensões e ambições de um período. No entanto, todas essas mudanças que

perpassam o cotidiano dos políticos não podem ser apresentadas à sociedade de forma

“desnuda”, precisando passar pela depuração mágica das palavras, soando como uma

resposta às necessidades da própria sociedade, correspondendo aos valores próprios do povo

paraibano e do imaginário que o envolve. No caso específico de Gondim, o que tais peças de

retórica almejavam transparecer era o fato de que as mudanças por ele sofridas representavam

não atitudes gananciosas de um político querendo ascensão, mas sim, as atitudes de um

homem comprometido com a defesa da honra, e a garantia das liberdades e do bem estar

comum.

Somando-se a essas mutações de inclinação ora pra esquerda, ora pra direita, até o

momento em que de fato ele se alinhou com os centristas, estava o instinto de um político que

sentia muito bem as tensões em sua volta e se articulava politicamente para permanecer

legitimado no cargo que ocupava, à medida que respondia as demandas da sociedade, seja

com ações, seja com pronunciamentos. Para a manutenção de tal legitimidade, Gondim

apresentava-se atuante em todos os conflitos e debates, sempre com uma posição de

confiabilidade e serenidade, elementos que ajudavam a cristalizar a imagem de líder que ele

vinha cultuando desde os primeiros anos de sua administração. Lembramos aqui da idéia

apresentada por Geertz (1998), de que os políticos para conquistar uma imagem carismática

sempre se articulam com o Centro do poder, o qual é apresentado pelo autor como “o lugar

onde as coisas acontecem”.

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Sendo assim, Gondim não poderia estar perplexo diante dos acontecimentos que se

desenhavam no cenário nacional, tão pouco local. Deveria, ao contrário, estar alinhado com o

centro, estar no calor de cada um destes eventos. Ou seja, em meio aos inúmeros

acontecimentos que marcavam o Brasil e a Paraíba durante os anos de seu poder, o

Governador nunca se deixou ofuscar, sempre procurou estar sob os holofotes da política,

debatendo com os Presidentes, com os camponeses, defendendo suas posições, propondo

soluções, ou modificando comportamentos quando o contexto político exigia, mas sempre re-

afirmando em suas falas seu compromisso com a sociedade paraibana.

Para findar estas considerações, gostaríamos de refletir sobre as associações constantes

das imagens de Pedro Gondim, durante seus quase oito anos no poder, e os elementos da

cultura política paraibana, uma vez que compreendemos que os valores evocados durante

tais elaborações, formando um teatro entorno do nome de Pedro, compõem o imaginário

político local, bem como o universo das representações do poder cultivadas nas entranhas da

nossa sociedade. Isso porque, a partir dos diálogos travados com o antropólogo Geertz (1991),

compreendemos que a existência de um feedback entre o que se teatraliza na cena política e os

elementos que identificam uma sociedade são a explicação plausível para o êxito dos políticos

que, assim como Gondim, se lançaram neste terreno das construções retóricas empolgantes e

mitificadoras. Além disso, como nos afirma Balandier (1982), o poder desnudo não é passível

de forjar emoções, porque sua transparência reveladora não empolga, não faz vibrar os

corações da população. Tais sensações só são possíveis quando o poder se reveste de uma

aura que o mitifica, que dá à sociedade a impressão que um determinado político concentra

em si as aspirações de toda a sociedade.

A recorrência, por exemplo, dos editoriais de A União, bem como de suas reportagens, a

associação de Gondim com nomes que representassem para os paraibanos algo de “honroso”

sobre o seu passado político, como o de João Pessoa, que, como discutimos, é um dos mitos

da história paraibana, nos ajudam a fortalecer tal idéia. Isso porque a morte de João Pessoa,

pelos enredos míticos que a envolveram, acabou por cristaliza-lo, no imaginário político

paraibano, como um herói político, sendo benéfico para Gondim se aproximar dele em alguns

aspectos, como por exemplo, na resistência a oposição de Ruy Carneiro ao seu nome para

candidato ao Governo do Estado; o outro mito citado freqüentemente no nosso texto, o da

paraibanidade, também apareceu encenando sobre a coragem, a bravura, a honradez dos

paraibanos, e mostrando como Gondim era portador de tais valores, e balizava suas ações

nestes. De modo que ambos os mitos apareceram, sutilmente ou claramente, sempre que era

necessário a Gondim se justificar ante a Paraíba pelas suas atitudes, seja no ato da ruptura

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com o PSD e com os irmãos Carneiro, seja na militância contra o parlamentarismo – que aos

seus olhos usurpava do povo o direito supremo da liberdade democrática –, seja no apoio ao

Golpe Militar. Esses acontecimentos tão complexos e ao mesmo tempo extremamente

contraditórios, carregavam como elemento comum, a afirmação do Governador no

compromisso com os valores de sua sociedade, de seu povo – apresentado como uma entidade

metafísica, na qual, acima de qualquer outro interesse terreno e material, estava a razão de

suas atitudes e conquistas.

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