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O IRREDENTISMO NO NORDESTE DEMONSTRADO NO CHAPÉU DO
CANGACEIRO
André Lucas Silva Santos1
RESUMO
A proposta deste trabalho é analisar o movimento cangaceiro como um movimento
irredentista que visava manter a todo custo o seu padrão de existência e reagir diante do
coronelismo vigente no sertão nordestino e da concentração de terras. O cangaço é um
movimento importante e tipicamente nordestino e um dos principais responsáveis pela
identidade regional, tendo como principal personagem Virgulino Ferreira da Silva, o
Lampião, chefe do bando que não pode ser considerado, nem heróio nem bandido, mas um
resistente. O objetivo é destacar o chapéu do cangaceiro como elemento mais referenciado e
icônico, impregnado de um simbolismo marcado de significados, atitudes e valores religiosos.
Palavras-chave: irredentismo, cangaço, nordeste, chapéu de couro, patrimônio.
IRREDENTISMO BRASILEIRO
Para Mingst (2009, p. 316) irredentismo “é a reivindicação de grupos nacionalistas
étnicos que desejam assumir o controle político do território que tem relação histórica e étnica
com eles, separando-se do Estado original ou tomando territórios de outros Estados”.
No Brasil, vários movimentos irredentistas se desenvolveram, como os levantes
indígenas, pelos quilombos, além das revoluções liberais, tais movimentos podem ser
explicados pelo próprio processo de colonização, já que desde chegada dos portugueses ao
Brasil, certos grupos sociais ficaram a margem desse processo.
Os primeiros a serem escravizados foram os índios, a partir da constatação dos
europeus da inicência e passividade de uma gente que vivia sem lei nem rei, até os
movimentos nos quais há uma ruptura da ordem como a Revolução Federalista no Rio Grande
do Sul em 1893, a própria Revolta da Armada, no Rio de Janeiro nesse mesmo ano, além do
epísodio do Belo Monte, de Antônio Conselheiro, nos sertões da Bahia em 1897.
Segundo Gilberto Freire “raro aquele dos nossos movimentos políticos e cívicos em
que não se tenha ocorrido explosões desse furor recalcado ou comprimido em tempos
normais”
1 Bacharel em Direito pela Faculdade de Administração e Negócios de Sergipe – FANESE e aluno especial do
Programa de Pós-Graduação em Antropologia da Universidade Federal de Sergipe – UFS.
E acrescenta: “tais movimentos resultam de choque cultural desiguais ou antagônicos.
Também são frequentes, entre nós, os relapsos no furor selvagem, ou primitivo, de destruição,
manifestando-se em assassinatos, saques, invasões de fazendas por cangaceiros…”
Em suma, o irredentismo “é um conflito territorial externo, que se delineia porta afora
e não porta adentro” (FONT; RUFÍ, 2006, p. 214). No entanto, esse tema remete a uma
questão complicada de identidades territoriais e da identificação da população com um
território. Trata-se de uma transferência do sentimento de identidade do grupo para o
território.
Assim, comprovou-se a partir da antropologia que atualmente e até em outras épocas
históricas em muitos lugares, o principal elemento de identidade das pesoas era pertencer a
um grupo, a um clã, ou seja, as pessoas se definiam, em relação ao grupo social em que
nasciam, sendo que este grupo social imprimia caráter ao seu território (Nora, 1984).
No entanto, acerca dessa temática Pierre Nora em sua obra, levanta o conceito de
lugares de memória, como mais um evidenciador de toda a simbologia que envolve a
memória e seus respectivos campos de atuação, sendo o patrimônio mais um destes campos:
São lugares, com efeito nos três sentidos da palavra, material, simbólico e funcional,
simultaneamente, somente em graus diversos. Mesmo um lugar de aparência
puramente material, como um depósito de arquivos, só é lugar de memória se a
imaginação o investe de uma aura simbólica. Mesmo um lugar puramente funcional,
como um manual de aula, um testamento, uma associação de antigos combatentes,
só entra na categoria se for objeto de um ritual. (1984, p. 21)
Dessa forma, compreende-se que o nordestino utiliza-se da memória coletiva de um
povo como tática para confirmar sua identidade regional. Segundo Michel de Certeau
(1990), tais estratégias “são movimentos dos dominados que tem por objetivo oferecer uma
resistência silenciosa ao poder central, revelando a astúcia de se proteger contra as imposições
do sistema”.
O sociólogo Alípio de Sousa Filho entende que:
Sabedoria, táticas, artes de fazer, maneiras de utilizar o sistema e suas imposições
dogmáticas, constituindo resistências ou ao menos “manobras” entre forças
desiguais. Estratagemas dos dominados (...). Maneiras de jogar e fazer de conta
jogar o jogo do outro (do sistema). Não se trata aqui da celebração do fim do
contrato social, do cinismo, mas apontar como, na vida cotidiana, os mais fracos
empreendem seus combates silenciosos e sem propósitos políticos bem aceitos para
virar as regras de um contrato coercitivo favorável apenas aos fortes. (2002, p. 134).
Nesse contexto, o nordestino arroga-se de estratégias para se proteger da dominação
imposta pelo sistema, se utilizando do discursso regional como principal triunfo dando início
ao movimento conhecido por Cangaço.
CANGAÇO COMO MOVIMENTO IRREDENTISTA
Para compreender como o cangaço, movimento social considerado bem cultural, se
constituiu no nordeste brasileiro é necessário fazer um apanhado histórico.
O Brasil passava por um período de transição, a chamada Revolução de 1930,
movimento das oligarquias que não se beneficiavam da política do café-com-leite.
Posteriormente, em 1935, houve o levante comunista, que tinha como líder Carlos Prestes,
que visava retirar Getúlio Vargas do poder e implantar um governo comunista no Brasil, no
entanto a revolta foi reprimida por Vargas que com receio da ameaça comunista implementou
o Estado Novo em 1937, efetivando a Ditadura Varguista, concentrando todo o poder nas
mãos do presidente.
Foi nesse cenário histórico que surge o movimento cangaceiro que teve repercussão
regional e nacional, já que o banditismo social, chegou a ameaçar a ditadura varguista.
Segundo Dias:
O presidente Getúlio Vargas aumentou o reforço no combate ao cangaço. O
número de volantes crescia, alguns coiteiros foram comprados, outros rastejadores
alugados, investigadores e interventores especializados dedicavam integral
dedicação à erradicação do problema que era considerado um atraso da Pátria. A
ordem do mais alto escalão consistia em eliminar qualquer vestígio relacionado ao
fenômeno, pois que desafiava a honra e o prestígio da Nova República. (DIAS,
2005, p. 29-30).
O movimento cangaceiro teve início por volta de 1870 e seu fim apenas na década de
40. Tal movimento, formado por bandos que se uniam com o objetivo de combater injustiças
sociais. A palavra cangaço, vem de canga uma peça de madeira que prende os bois ao arado,
simbolizando o fato do canagaceiro esta submetido ao dono das terras.
Entre os cangaceiros mais famoso e temido era Virgulino Ferreira da Silva, conhecido
como Lampião extremamente respeitado pelos outros cangaceiros e por toca a população
nordestina.
Nesse período o sertão nordestino se tornou palco de violência, jagunços, a volante e
cangaceiros formaram grupos independentes cada um com usas características. Frexinho
explica:
Não é de se estranhar que aquele complexo quadro de fatores e circunstâncias
gerasse nas populações pobres e marginalizadas dos ser- tões do Nordeste
inquietude e insatisfação generalizadas. A princípio dissimuladas e reprimidas,
em face de falta de perspectivas individuais para situar-se na sociedade rural em
que o sertanejo deveria integrar- se. No fundo, um verdadeiro bloqueio às
iniciativas criativas, bloqueio que o sertanejo buscou romper por meio de dois
caminhos: a aliena- ção por meio do radicalismo religioso; ou a violência
liderada por che- fes carismáticos [terrorismo de clã] ( 2003, p. 27).
Mello (2010, p. 44), explica:
O cangaço, em raiz de insurgência nômade, grupal e autônoma – é dizer, de chefia
situada dentro do próprio bando – mostra-se tão velho quanto a própria colonização
brasileira, as suas desordens remontando ao período das capitanias, fenômeno de
origem litorânea que é, sem que dispusesse, nesses primórdios junto ao mar, do
nome por que ficaria conhecido e que só viria a receber no sertão, quando para ali
vai sendo enxotado pelo sucesso da colonizaçõ na faixa verde.
Segundo Albuquerque (2011, p. 143-144):
O cangaço vai marcar o Nordeste e o nordestino com o estereótipo da ‘macheza’, da
violência, da valentia, ‘do instituto animal’, do assassino em potencial. Motivo de
orgulho e de vaidade para os setores tradicionais, notadamente para os camponeses
da região, o elogio do cangaço servirá para estigmatizar o homem pobre e vindo do
meio rural do Nordeste, especialmente quando chega nas grandes cidades do Sul.
Estereotipá-los como homens primitivos, bárbaros, alheios à civilização e à
civilidade, que, embora fossem homens comuns, escondiam uma fera pronta a se
revelar, ‘às vezes nem pareciam gente’. O Nordeste seria a terra do sangue, das
arbitrariedades, região da morte gratuita, o reino da bala, do Parabelum e da faca
peixeira.
No entanto, esse movimento possui interpretações antagônicas, já que para os grandes
latifundiários os cangaceiros não passavam de criminosos, contudo a população aplaudia a
atuação do bando, sendo considerados heróis, justiceiros e vingadores, já que tiravam dos
ricos para dar aos pobres. Segundo Mello (2010, p.44) […] “o cangaço sumaria aos olhos dos
brasileiros de hoje, a franja de todos os irredentismos, sua saga confundindo-se com a própria
ideia de resistência contra poderosos. É processo em curso avançado de robinhoodização do
nosso cangaceiro.
Segundo Clóvis Britto (2016, p. 55) “independentemente dos múltiplos conflitantes
discursos que apresentem os cangaceiros heróis ou bandidos, é evidente que o cangaço
consiste em um “evento crítico”, visto que é construído sob o signo da violência, da opressão,
da insegurança, da seca, da morte”.
Hobsbawn (1976) explica que o movimento cangaceiro se difere de qualquer outro
movimento criminoso, o que enseja essa interpretação dicotômica, pois o bandido social atua
como um tipo de líder para as minorias em uma tentativa de defesa contra o sistema:
O ponto básico a respeito dos bandidos sociais é que são proscritos rurais,
encarados como criminosos pelo senhor e pelo Estado, mas que continuam a fazer
parte da sociedade camponesa, e são considerados por sua gente como heróis, como
campeões, vingadores, paladinos da justiça, talvez até mesmo como líderes da
libertação e, sempre, como homens a serem admirados, ajudados e apoiados. (p.
11).
Para Mello (2010, p. 1) define:
O cangaço em seu sentido profundo, é a expressão de irredentismo que falta
agregar à historiografia brasileira dos cinco séculos de colonização. Uma
historiografia de longa data, sensível às recorrências irmãs desse irredentismo de
chapéu de couro, representadas pela intermitência plural do levante indígena, de
que é exemplo maior a chamada “Guerra dos Bárbaros”; do quilombo
predominantemente negro, à frente Palmares, e da revolta social branca ou mestiça,
encabeçada por Canudos.
Nesse contexto, o movimento cangaceiro é compreendido como bem cultural
intangível da região nordeste, podendo ser considerado como um dos principais responsáveis
pela identidade regional, tendo em vista que trata-se de uma movimento tipicamente
nordestino.
O movimento cangaceiro pode ser considerado um bem cultural, já que a Constituição
Federal de 1988 prevê que o conjunto de bens passíveis de ser tombados é considerado
patrimônio cultural brasileiro. Segundo Fonseca (2003, p. 65) “a representatividade dos bens,
em termos de diversidade social e cultural do país, é essencial para que a função de
patrimônio se realize, no sentido que de grupos sociais possam se reconhecer nesse
repertório”.
o registro corresponde à identificação e à produção de conhecimento sobre o bem
cultural de natureza imaterial e equivale a documentar, pelos meios técnicos mais
adequados, o passado e o presente dessas manifestações em suas diferentes versões,
tornando tais informações amplamente acessíveis ao público. O objetivo é manter o
registro da memória desses bens culturais e de sua trajetória no tempo, porque só
assim se pode “preservá-los”. Como processos culturais dinâmicos, as referidas
manifestações implicam uma concepção de preservação diversa daquela prática
ocidental, não podendo ser fundada em seus conceitos de permanência e
autenticidade. Os bens culturais de natureza imaterial são dotados de uma dinâmica
de desenvolvimento e transformação que não cabe nesses conceitos, sendo mais
importante, nesses casos, registro e documentação do que intervenção, restauração e
conservação. (Sant’Anna, 2003)
Outra peculiaridade que chamava atenção no movimento cangaceiro era o alto grau de
novidade dos vestes dos seus membros que servia muitas vezes de convite para os jovens
entrarem no movimento, tendo em vista a beleza das roupas.
A aparência do cangaceiro reunia uma quantidade de elementos gráficos e simbólicos.
Segundo Mello:
“Havia uma estética rica que conferia uma ‘blindagem mística’ ao cangaceiro,
satisfeito com a sua beleza e ainda seguro em meio a uma suposta inviolabilidade.”
[…] “O contágio inelutável dá a força dessa estética e evidencia a existência de
outra luta, travada em paralelo, no plano da representação simbólica. A vingança
estética do cangaço contra a eliminação militar se dá quando o ícone principal de sua
simbologia se transforma na marca do Nordeste: a meia-lua com estrela do chapéu
de Lampião.”
Para Clarival Valadares citado por Pernambucano de Mello (2010, p.49), ao invés de
procurar a camuflagem, o disfarce, como os modernos combatentes dos exércitos da
contemporaneidade, o cangaceiro enfeita-se com espelhos, moedas, metais, botões e recortes
multicores, tornando-se um alvo de fácil visibilidade até na escuridão.
Segundo Silva (2014) os artefatos, chapéu de couro e punhal eram enriquecidos por
outros como embornais, cartucheiras, coldres, perneiras, cantis, luvas e alpercatas impõem-
se como imagens de uma arte de síntese que refletem o orgulho de ser sertanejo, isto é,
habitante dos sertões. As cartucheiras carregavam a munição, os coldres permitiam levar as
pistolas a tiracolo, os cantis garantiam a água para a sobrevivência, os embornais levavam
víveres, remédios, ferramentas; quanto às luvas, perneiras e alpercatas protegiam o corpo dos
espinhos e garantiam a sobrevivência na caatinga.
Dessa forma, verifica-se que a estética das indumentárias cangaceira é concebida não
só como uma maneira de se vestir e sim um modo de ser, viver e agir, já que além dos enfeites
todas as peças eram confeccionadas de modo a dar condições aos cangaceiros proteção à
aridez do sertão e a violência dos combates.
O CHAPÉU DE SEUS SIGNIFICADOS
Na cabeça, grande, alto, vistoso chapéu de couro, ainda novo, bem talhado, a imitar
os antigos chapéus de dois bicos, com as pontas para os lados, tendo as largas abas
da frente e de trás erguidas e enfeitadas. Uma estreita tira de couro, ornada, o prende
a testa; uma outra, à nuca, e uma terceira, o barbicacho, aos queixos. Esse chapéu
fica, assim, bem seguro e, apesar da altura, não deve cair com facilidade (PASSOS
apud BARRETO, 1929, P.140).
Sem dúvida o elemento mais representativo e icônico do cangaço é o chapéu, que
reúne símbolos mágicos e místicos do movimento. Segundo Millan (2014) O chapéu meia-lua
de couro, com uma estrela no meio, lançado por Virgulino, hoje é o símbolo do nordeste
brasileiro. O chapéu, que tem a aba virada naturalmente para cima quando se cavalga, durante
o período do cangaço, serviu de suporte de arte, já que eram colocados alguns enfeites,e
também de alerta, pois nenhum cangaceiro poderia correr o risco de ser surpreendido em uma
emboscada, por isso não poderia andar com a aba abaixada escondendo os olhos.
Burton assinalava que:
Do chapéu de couro à alpercata de rachino, o taje do cangaceiro é todo imponência
[…] quando pudera ver nos sertões do São Francisco, no tocante à primeira de tais
peças, que “os elegantes levantam um pedaço da larga aba e, prendendo-o com um
grande botão metálico, transformam o chapéu num tricórnio”. E confirmava: “Esses
chapéus são feitos de couro de cabra, carneiro ou veado; os últimos são melhores,
mas qualquer um serve (1867,p. 200).
Todos os chapéus eram enfeitados com medalhas e moedas, a base e as correias do
chapéu de Lampião estavam carregadas, que mais parecia uma numismática. Trazia no
chapelão de couro 7 moedas e 25 medalhas de ouro de lei e outros adornos. Completavam a
fachada um monograma de ouro de lei, onde se lima letras CL, significando Capitão Lampião
(Jasmim, 2011).
Figura 1 - Chapéu de Couro com Abas Virada Para o Alto, no Centro 4 Medalhas de Ouro e Prata...e 2 Símbolos
de Flores de Lirio, Para Mal Olhados, Testeiras em Medalhas de Ouro, Barbicahos em Couro Ornamentados com
Cravos de Prata.
Fonte: Mello (2012, p.79)
Para ter êxito nas batalhas não bastava apenas a força física, patriotismo, tenacidade e
estratégia, mas também um traje que reunisse características necessárias para os confrontos.
Mello (2010, p. 73) explica:
O chapéu é o ponto de concentração dos acrescentamentos simbólicos que
caracterizam o traje do cangaceiro. A fachada ainda mais ostensiva de uma
indumentária ostensiva por inteiro. Nas missões silenciosas, caminhassem o bando
por lugar aberto, sujeito a ser avistado de longe, ou entrasse em canoa para
atravessar o São Francisco, o chefe riscava com a advertência infalível: tirar o
chapéu! E como que apeavam momentaneamente da condição de cangaceiros, ao
simples desatar do laço simbólico de maior expressão no conjunto do traje.
Estrategicamente. O mesmo motivo que levou Lampião a despir o chapéu de couro e
a se meter em chapéu de feltro bem-comportado, nada de aba quebrada em desafio,
no momento em que se pôs, com o bando, a serviço do Governo Federal para
repressão aos revoltosos da Coluna Prestes, sob as bênçãos do padre Cícero em
1916.
E acrescenta:
Como expressão de arte, o chapéu tem vida própria, podendo ser lido, em seus
aspectos estéticos e místcos, com ou sem geral da vestimenta, ao modo da carranca
do São Francisco em face do barco que isolava. Sintetizando elementos que não
valem artisticamente por si, tomados isoladamente, de couro tecido, metais nobres,
ou apenas vistosos, ilhoses e circunstancialmente fitas, há de ser apreciado no
conjunto que encerra à decomposição.
Figura 2 - Lampião, em traje e chapéu típicos, representativos do Cangaço.
Fonte: MILAN, 2014.
Na literatura, há inúmeras referências ao poder de proteção da estrela de oito pontas,
que “simboliza os mil raios da macambira, essa bromélia temível, com espinhos de ida e volta
nas hastes longas de ouriço, uma aliada imemorial contra todo invasor” (SILVA, 2014).
Os símbolos mágicos no chapéu tinham uma função estética, mas também dariam
proteção ao cangaceiro, ou seja, funcionava como uma blindagem mística. Por isso o símbolo
de Salomão, estrela de oito pontas, cruz de malta e flor de lis, por exemplo.
Através dos signos os cangaceiros criaram símbolos que atingiram a eficácia ao
serem, não apenas vistos e reconhecidos, mas também lembrados e reproduzidos,
(DONDIS, 2007). O signo-de-salomão, por exemplo, além de sua característica enigmática,
era símbolo de poder, proteção e devolução às ofensas do ofensor, era usado como talismã
e também representava a humildade, representada pelos opostos (fogo/água), conforme
mostra a Figura 03.
Figura 3- Signo-de-Salomão e Simbologia
Fonte: Mello (2012, p. 62)
Dessa forma, verifica-se que o movimento cangaceiro se enquadra no chamado
irredentismo brasileiro, definido pela postura daqueles grupos sociais que não aceitaram a
submissão nem a opressão. O cangaço é um exemplo nítido do irredentismo coletivo, armado
e popular, afinal para eles os objetos falam, ou seja através dos objetos é possível penetrar no
mundo dos cangaceiros e seu estilo de vida.
Vale destacar que muitos dos símbolos próprios da movimento canagaceiro ainda
são muito utilizados na região nordeste, o que demostra a força e a irmportancia desse
movimento, além disso a temática do cangaço ainda é utilizada por estilistas em suas
produções em âmbito nacional e internacional contribuindo para a promoção e visibilidade
da cultura territorial nordestina.
IDENTIDADE DE UMA REGIÃO
A realidade sertaneja pode ser representada de várias formas, tais símbolos, tais
símbolos visuais traduzem a existência concreta dessa região, sendo o chapéu de couro não só
a representação do autêntico sertanejo como um artefato que funciona como verdadeiro
distintivo do Nordeste e do nordestino.
Segundo Medeiros (2016) “ talvez não existe um material com um aspecto tão forte
em termos de identidade, tão representativo do nosso sertão do que o belo e tradicional
chapéu de couro”. Tal material serve também para proteger a cabeça dos sertanejos do sol e
das chuvas temporárias, além de proteger também das ervas espinhosas da vegetação de
caatinga.
Através de entrevistas, foi possível obter algumas informações para melhor
compreender a simbologia do chapéu de couro atualmente:
Não nego que fico muito feliz quando vejo alguém utilizar o bom e velho chapéu de
couro nordestino e principalmente quando é comprado aqui na minha loja. Quando vejo uma
pessoa utilizando este tipo de chapéu, penso que a cultura da minha terra ainda resiste em
meio a tantas mudanças. Eu também tenho os meus chapéus de couro e utilizo com muito
muito orgulho, pois Deus me deu a sorte de ser nordestino. Hoje em dia abasteço meu estoque
com chapéus fabricados em João Pessoa, mas infelizmente os chapéus tem maior saída no
período junino, sendo que quem mais procura são os turistas. (Entrevista com José Freire de
Oliveira, dono de uma loja de artesanatos no Mercado Municipal de Aracaju, 2016)
Infelizmente não são muitos os artesões na região envolvidos no processo de fabrico
do tradicional chapéu de couro. Mas, para a sorte dos que valorizam a autêntica cultura
nordestina, temos verdadeiros mestres produzindo e ensinando a sua arte aos seus filhos e
netos pelo Nordeste afora. Apesar dessa queda na produção desse material o bom e velho
chapéu de couro está firme e forte na cabeça daqueles nordestinos que valorizam a cultura
tradicional de sua terra. Até mesmo como símbolo de resistência cultural (Medeiros, 2016).
Dessa forma verifica-se que mesmo depois de tanto tempo o chapéu é como marca de
sua origem nordestina, considerado uma obra de arte que compõem s tradicionais vestimentas
e acessórios dos vaqueiros. São veerdadeiras obras de arte produzidas de forma primitiva, mas
com maestria.
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