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O JOGO RPG DIGITAL NA MEDIAÇÃO DA APRENDIZAGEM DA ESCRITA NAS SÉRIES INICIAIS (05/2008) Sueli da Silva Xavier Cabalero Universidade do Estado da Bahia - UNEB [email protected] Alfredo Eurico Rodrigues Matta SENAI-BA-CIMATEC [email protected] Categoria – C - Métodos e Tecnologias Setor Educacional – 1- Educação Fundamental Natureza – A – Relatório de Pesquisa Classe – 1 – Investigação Científica

o Jogo Rpg Digital Na Mediacao Da Aprendizagem Da Escrita Nas Series Iniciais

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Jogo RPG

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  • O JOGO RPG DIGITAL NA MEDIAO DA APRENDIZAGEM DA ESCRITA NAS SRIES INICIAIS

    (05/2008)

    Sueli da Silva Xavier Cabalero Universidade do Estado da Bahia - UNEB

    [email protected]

    Alfredo Eurico Rodrigues Matta SENAI-BA-CIMATEC

    [email protected]

    Categoria C - Mtodos e Tecnologias

    Setor Educacional 1- Educao Fundamental

    Natureza A Relatrio de Pesquisa

    Classe 1 Investigao Cientfica

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    Resumo Este estudo analisa as potencialidades dos jogos de RPG (Role Playing Game) digital com interface frum de comunicao, na mediao da aprendizagem na escola, sobretudo no que se refere formao de produtores de escrita. Tal discusso ancorou-se na abordagem scio-construtivista da educao. O jogo RPG visto como uma comunidade de aprendizagem, onde os sujeitos interagem entre si e constroem o conhecimento por meio da colaborao. O jogo RPG digital foi aplicado com um grupo de seis estudantes do ensino fundamental, numa escola da rede pblica de ensino, da cidade do Salvador. Nesta mediao caractersticas como leitor vigilante, escritor vigilante, autoria colaborativa foram evidenciadas. O jogo RPG digital by Frum mostrou-se um instrumento mediador de aprendizagem altamente interativo, com potencial para formao de comunidade de leitores e escritores, e impulsionador de ZDP (Zona de Desenvolvimento Proximal). Conclui-se que o referido jogo constitui uma ferramenta pedaggica que pode ser utilizada para trabalhar diversas reas do conhecimento, assim como nos diferentes nveis de escolaridade. Revelou-se, ainda, um espao onde os sujeitos expressaram as suas idias espontaneamente, ao invs de copiarem modelos previamente estabelecidos. Palavras-chave: RPG; Mediao; ZDP; Aprendizagem. 1. Introduo

    Este trabalho analisa o uso do Role Playing Game - RPG digital na

    mediao pedaggica da aprendizagem da leitura e escrita. Foi desenvolvido um modelo de aplicao de jogo digital em sala de aula a partir do dilogo com vrios autores, de base principalmente scio-construtivista. Pronto o modelo foi conduzido um procedimento de pesquisa participante com a aplicao do modelo de jogo em uma escola municipal de Salvador, Bahia, Brasil, visando levantamento das caractersticas didticas do modelo.

    Os inter-ttulos 2 e 3 deste estudo, faz parte portanto da pesquisa, j que foram as discusses que levaram construo do modelo.

    Por meio da leitura dos estudos de Pavo (2000), Ricon (2004), Marcatto (2004), Pereira (2004), Silva (2000), Rosa (2004), Riyis (2004), pde-se perceber certa insuficincia de conhecimento sobre as caractersticas dos jogos de RPG digital, em particular no que se refere ao seu uso pedaggico. Os estudos de Pavo (2000), por sua vez, so reveladores de uma prtica viva de leitura e escrita entre os mestres de RPG.

    Foi este aspecto que conduziu ao problema da pesquisa: So desconhecidas s caractersticas dos jogos RPG digitais como instrumento mediador de aprendizagem da escrita nas sries iniciais. A pesquisa foi realizada em 2 anos, entre o incio de 2006 e o final de 2007, na UNEB.

    A fim de investigar tais caractersticas a partir da interao dos sujeitos com o jogo realizou-se a aplicao do jogo RPG digital Play by Frum via Moodle, com um grupo de estudantes do ensino fundamental com faixa etria entre 9 e 13 anos.

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    2. Contextualizando a experincia: a aprendizagem escolar em perspectiva scio-construtivista

    Constituiu importante base de pesquisa caracterizar o processo de ensino-aprendizagem da escrita atravs da mediao do jogo RPG digital (em rede de computadores), em perspectiva scio-construtivista. Necessitava-se compreender como a criana exercita processos de autoria por meio deste recurso digital.

    A partir do dilogo com concepes de estudiosos tais como Freire (1996; 2005), Piaget (1964), Vygotsky (1998), Matta (2006), entre outros, construiu-se um posicionamento basilar acerca da complexidade do processo de ensino-aprendizagem no contexto da educao escolar. O construtivismo, visto como concepo scio-interacionista, explica o conhecimento como resultado de uma contnua construo, ou seja, o conhecimento nem inato, nem est dado apenas pelo objeto, mas se constitui pela interao entre ambos (ARANHA, 1996a).

    Considera-se que o ato de aprender envolve sempre um fazer, uma ao do sujeito, e neste sentido est relacionada tambm com os princpios da concepo construtivista piagetiana, pois se postula que, aprender construir, criar, descobrir. Os interacionistas constatam que o educando sujeito da sua prpria aprendizagem.

    Vygotsky (1998) foi o principal interlocutor para a construo do modelo proposto. Para o autor, o homem se forma a partir da constante interao dialtica com o meio social. Assim como Piaget (1964), o autor tambm se apresenta radicalmente contrrio s teses que dicotomizam o inato e o que adquirido durante o processo de produo da existncia de cada sujeito. Conclui-se que a aprendizagem social e se d em construo progressiva e interativa.

    A aprendizagem surge, ento, mediante construo social e interiorizada por aquele que aprende, tanto sujeito individual, como coletivo. Vygotsky (1998) indica que esta interao ocorre atravs da mediao com sistemas simblicos instrumentos e signos - tais como: a linguagem, a escrita, o sistema numrico. Portanto, os sujeitos envolvidos no processo de aprendizagem (educandos e educador) interagem, mediatizados pelos instrumentos e signos construdos culturalmente. Com base na abordagem vygotskiana a figura 1 foi construda com o intuito de evidenciar o que se compreende por Interao Social, Mediao, ZDP e Interatividade.

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    MEDIAO ZDP INTERATIVIDADE Figura 1 Interao Social

    O quadro que segue traz uma sistematizao do nosso entendimento acerca de determinados princpios scio-construtivistas que norteiam a nossa concepo acerca do processo de aprendizagem da escrita, assim como do modelo de jogo digital pedaggico sugerido.

    Interao Social Intercmbios existentes na zona proximal entre as diversas estruturas cognitivas dos sujeitos, que favorecem a construo do conhecimento de todos os envolvidos, inclusive professores. um dos principais pressupostos da abordagem construtivista e interacionista. Focaliza as relaes entre objeto do conhecimento, aprendizes e professores.

    Mediao Caracteriza-se pela relao do homem com o mundo e com os outros homens, atravs de signos e instrumentos. Estes elementos so mediadores entre o mundo e a aprendizagem do sujeito. Brinquedos, jogos, ferramentas podem estar mediando esta relao. A construo e reconstruo de significados e representaes acontecem atravs da mediao.

    Zona Proximal a distncia entre o nvel real e potencial de desenvolvimento. Ou seja, existe um espao entre o que se consegue realizar de forma independente e o que est fora do alcance de resoluo independente, caracterizando-se como desenvolvimento potencial, que o momento em que se consegue resolver um problema em colaborao com outro companheiro mais experiente.

    Interatividade Interseco entre o sujeito conhecedor e o objeto do conhecimento, ou entre os sujeitos envolvidos no compartilhamento de experincias.

    Quadro 1 Conceitos Fundamentais para a Caracterizao do Processo de Ensino e Aprendizagem Fonte: Este quadro foi construdo a partir do dilogo com Freire (2005), Matta (2006), Piaget (1964) e Vygotsky (1998).

    Considera-se ento, fundamental, mediar o processo de produo da escrita (texto), a partir do envolvimento em atividades, de forma interativa e contextual, a fim de que o aprendiz perceba o uso funcional da escrita. Em estudos desenvolvidos sobre a linguagem escrita, Vygotsky (1988) ressaltou a necessidade de um espao maior para a aprendizagem desta linguagem na escola, enfatizando que comumente as prticas privilegiam o ato mecnico de desenhar letras e/ou palavras.

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    3.O RPG Digital by Frum na Mediao da Aprendizagem da Escrita A partir deste ponto o estudo centra-se na anlise das caractersticas do RPG do tipo Play by Frum uma vez que constitui o modelo utilizado pela pesquisa. A opo pela modalidade by Frum se justifica pelo fato da interface frum de comunicao permitir a produo de textos mais elaborados, alm de possibilitar que a histria construda coletivamente fique registrada e disponvel para todos. Considera-se que o RPG por frum um ambiente digital recomendvel para ser aplicado na escola, pois contempla processos de aprendizagem colaborativa, e est de acordo com os princpios scio-construtivistas.

    A utilizao do jogo RPG digital by Frum na mediao da prtica da escrita, na escola, auxilia no processo de aprendizagem significativa e colaborativa. Parte-se da leitura de mundo (experincia do sujeito) para a escrita da palavra contextualizada e refletida.

    Para Freire (2005), s existe saber na inveno, na reinveno, na busca inquieta com o mundo e com os outros. E de acordo com o scio-construtivismo a produo do conhecimento se d pela construo de novos significados, modificando a estrutura cognitiva j consolidada, o que a torna dinmica.

    Segundo Silva (2000), o jogador de RPG escreve seu prprio texto em uma constante autoria coletiva. O jogador condensa os diversos suportes de leitura para produzir uma obra indita que s possvel atravs da harmonia das diversas vozes que perpassam o grupo. Isto reforou o entendimento de que a utilizao do RPG by Frum na escola pode contribuir para uma construo significativa da escrita e contribuiu para a escolha deste modelo. 4.Abordagem Metodolgica

    Neste tpico, desenvolve-se a perspectiva metodolgica da aplicao do

    modelo de jogo RPG digital by frum no campo emprico de uma unidade escolar municipal, na qual o jogo foi estudado quanto sua funo mediadora para processos de produo escrita no ensino fundamental.

    A participao ativa dos pesquisadores e dos pesquisados na produo do conhecimento (VEIGA, 1985), constitui um dos princpios bsicos da pesquisa participante. Outro princpio observado nesta abordagem metodolgica a relao dialtica entre sujeito e objeto do conhecimento. Estas caractersticas, presentes na pesquisa realizada no campo emprico, nos fizeram optar pelo desenho metodolgico de pesquisa participante.

    Durante o desenvolvimento da pesquisa participante, todos os envolvidos so sujeitos da pesquisa (BRANDO, 1986, p. 20). Como participante, o pesquisador parte integrante da situao, ao mesmo tempo em que a pessoa responsvel pela construo e conduo do processo de interao social. Enfim, o pesquisador participante tambm parte dos eventos que so pesquisados.

    Na prtica partimos para a aplicao em uma turma de estudantes da 4 srie do ensino fundamental. A aplicao, ou seja, o jogo RPG durou 11 sesses de 4 horas, tendo um mestre de RPG voluntrio como orientador da

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    aventura, e a pesquisadora e professora supervisionando e registrando o processo.

    Para a efetivao desta prtica, a pesquisa utilizou a plataforma Moodle (Modular Object-Oriented Dynamic Learning Environment), como ambiente virtual de aprendizagem para hospedar o Play by Frum, por se tratar de um software livre e gratuito que pode ser modificado por qualquer sujeito, e por oferecer recursos que no seriam encontrados em outros softwares criadores de frum (moodle, 2008). O ambiente dispe de espao destinado construo de perfil (onde se pde registrar as caractersticas dos personagens do jogo), e permite postar imagens (o que possibilitou que os estudantes desenhassem os seus personagens para serem identificados durante o jogo). Alm disso, um ambiente potencializador da interao social, da aprendizagem em colaborao, e fcil de usar, considerando-se que a pesquisa foi desenvolvida com crianas.

    Os 6 estudantes cadastrados no Moodle construram e passaram a controlar seus respectivos personagens durante a produo coletiva da aventura. Cada estudante participou a partir de um computador conectado a internet.

    A aventura deve ter sempre uma temtica. Neste estudo foi construdo o incio de uma aventura sobre a Guerra de Canudos, movimento de revolta popular ocorrido no interior da Bahia, Brasil, no final do sculo XIX. Os jogadores reviveram e participaram deste evento histrico tendo a oportunidade de compartilhar conhecimentos sobre leitura e escrita.

    Durante a aplicao do jogo RPG digital por frum, o grupo de estudantes foi convocado a dar continuidade produo da aventura envolvendo o tema Guerra de Canudos, de forma coletiva.

    Toda produo desenvolvida pelos sujeitos, neste processo, representou fonte de dados. A anlise das aventuras construdas e registradas no frum durante cada partida possibilitou identificar questes relacionadas ao processo de aprendizagem da escrita de base scio-construtivista, sendo que a tcnica de observao participante foi o principal instrumento utilizado no trabalho de campo. 5. Jogo de Aprender A Aplicao do Jogo e Resultados obtidos

    O experimento aconteceu em 11 encontros, administrados numa carga horria de 44h, sendo 3 encontros destinados para o processo de criao e caracterizao dos personagens do jogo, e os demais encontros para a interao, tendo ao final oito dias de aventura. Todos os encontros do experimento aconteceram no laboratrio de tecnologia da escola.

    Alm dos fruns das aventuras, a gravao de udio e o dirio de bordo tambm constituram fonte de dados da pesquisa. Sendo que foi atribudo maior enfoque de anlise aos fruns das aventuras, ou seja, s produes escritas dos sujeitos nos fruns, pois permitiriam visualizar as caractersticas da mediao da aprendizagem da escrita com o jogo RPG digital. A escrita dos sujeitos foi preservada no estudo, tendo em vista o propsito de analisar o nvel real de aprendizagem e possveis avanos ocorridos durante a interao com o jogo.

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    Vale ressaltar que os nomes utilizados na apresentao dos dados so verdadeiros, com a devida autorizao dos responsveis pelos sujeitos participantes da pesquisa.

    Os eventos analisados aparecero identificados pela letra inicial da fonte a qual se origina a observao dos resultados (sendo F para frum, T para transcrio e DB para o que for proveniente do dirio de bordo), seguida da ordem do dia em que aconteceu cada aventura, alm das suas respectivas datas, conforme exemplo, F - 1 dia de aventura (28/08/2007). A seguir, os resultados da pesquisa sero apresentados parcialmente.

    Durante a aplicao com o jogo RPG digital notou-se que os sujeitos, em relao interpessoal, ajudaram-se mutuamente e, como mostraram as observaes, compartilharam viver no tempo e no mundo da velha povoao de Canudos, confirmando o processo de produo de Zona Proximal do grupo.

    Dificuldades relacionadas escrita ortogrfica, bem como s relacionadas ao uso do computador e da internet, durante a aventura construda coletivamente, constituram problemas comuns, em que os sujeitos estiveram engajados em solucionar, na maioria das vezes, de forma colaborativa. Por exemplo:

    DB 1 dia de aventura (28/08/2007) Juliana: levantou-se para ajudar o colega Cleisson na correo da escrita de determinada palavra, no computador em que ele estava. Ianca: aproximou-se e tambm ajudou na correo Todos: ficaram em volta de Cleisson para ajud-lo na correo DB 1 dia de aventura (28/08/2007) Cleisson: deparou-se com uma situao em que tinha que tomar uma deciso importante. Todos: manifestam as suas opinies sobre a ao de Cleisson naquele momento. DB 7 dia de aventura (14/09/2007) Ianca: sentou-se ao lado de Cleisson para ajud-lo a escrever a sua ao no frum. Situao como esta mostra que o jogo estimulou a ajuda dos mais experientes, aspecto que evidenciou o potencial de ativao da ZDP na mediao pedaggica com o RPG.

    No momento em que os sujeitos estiveram reunidos em torno de um objetivo comum (ajudar Cleisson a resolver alguns problemas) houve o compartilhamento de prxis e intervenes nas ZDPs. Atitude possibilitada pelo RPG digital em vrias situaes, alm da citada. A interao social foi confirmada como fundamento bsico do jogo RPG by Frum, considerando-se que os personagens/jogadores estiveram unidos na resoluo de problemas, especialmente os que se referiam escrita. O Jogo RPG digital by Frum se mostrou instrumento mediador no somente da aprendizagem da escrita, mas da aprendizagem em geral. O dilogo seguinte entre a professora e Reginaldo evidencia uma prtica de colaborao e interao social estimulada.

    T 5 dia de aventura (12/09/2007) Reginaldo: por enquanto pr que... a gente pode ficar olhando l o jogo deles? Sueli: vocs podem olhar daqui mesmo, daqui vocs vm o jogo. Reginaldo: Ah, d pra ver ? Sueli: vai aparecer aqui... as informaes vo ficando uma embaixo da outra, encadeadas entendeu? Isso que a gente chama de frum. Reginaldo: se eu soubesse no tinha faltado nenhum dia. Sueli: achou interessante agora? Mas voc j tinha visto no dia que construiu o personagem.

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    Reginaldo: mas agora t bem melhor.

    Em relao ao ensino da escrita, foi constatado que os estudantes no utilizaram e no foram provocados a utilizar auxiliares desejados tais como um dicionrio. Talvez isso se deva velocidade e engajamento do jogo. Pode tambm indicar um ponto a ser trabalhado e melhorado pelo professor que utilize este tipo de mediao. Um avano verificado foi a voluntariedade dos sujeitos em convidar os colegas mais experientes no grupo, para lhes auxiliar na escrita.

    Foi importante identificar a ao de reviso da prpria escrita pelos estudantes. A reviso da escrita ocorreu em vrios momentos. Pode-se dizer que o jogo RPG by frum favoreceu a manifestao de conflitos scio-cognitivos e discusso sobre a escrita de determinadas palavras. A nfase das correes se deu em relao ortografia, pois quase no houve curiosidade por parte dos sujeitos sobre os aspectos gramaticais. A aprendizagem da ortografia foi um processo ativo de uma construo coletiva, onde a intermediao do professor ocorreu no sentido de estimular os sujeitos a fazerem as suas suposies de como se escrevia e a colaborarem entre si.

    Durante o jogo, os sujeitos fizeram a autocorreo e corrigiram os escritos dos colegas permanentemente, prtica que no ocorre em sala de aula sem que o professor solicite. Esta foi uma das caractersticas que surgiu neste estudo, aqui denominada escritor vigilante, pois os sujeitos escrevem e tm uma preocupao em revisar os registros. O comportamento de escritor vigilante surge desde o primeiro dia de envolvimento com o jogo. Como no exemplo:

    T 1 dia de Aventura (28/08/2007) Ianca: professora o nome dele t Joaguim. Sueli: Se a gente percebe o erro o que que a gente pode fazer?

    Os alunos deram nfase e demandaram por correes de aspectos ortogrficos. Conforme pode ser visto na situao abaixo. F 7 dia de aventura (14/09/2007) Rebeca: eu pego a minha lana e meto no lobizomi. T 7 dia de aventura (14/09/2007) Rebeca: Pr, tem alguma coisa escrita errado a?

    Na ocasio, a professora provocou a discusso no grupo sobre o

    registro da palavra lobizomi, escrita por Rebeca. Todos se concentraram no trabalho de auxili-la na correo.

    Aps reescreverem a ao e reenviarem para o frum, observou-se que a falha continuou a existir no registro da palavra, que passou a ser escrita lobizomen, agora mais prxima da sua escrita convencional. Tal situao assinala a ocorrncia do comportamento escritor vigilante. O comentrio abaixo, feito por um dos sujeitos ilustra mais uma vez tal comportamento. T 1 dia de aventura (28/08/2007) Juliana: pr, mas o nome Maria est no meio da frase, escreve com letra maiscula?

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    Outra situao evidencia a presena do comportamento leitor vigilante. Durante interao com o jogo no 1 dia de aventura, duas estudantes riram da escrita do colega quando este escreveu a palavra mia em lugar de minha, realizando a correo da escrita. Em seguida, uma das estudantes soletrou a palavra pra que ele a corrigisse. Momentos antes, os sujeitos haviam descoberto que ao clicar em editar poderiam reescrever as suas aes no frum.

    Vale ressaltar que os sujeitos no se sentiram constrangidos em escrever nos fruns. Por outro lado, a conscincia da existncia de um leitor real os levou a ter maior cuidado com o que escreviam. O escritor e o leitor vigilantes no esto presentes no contexto da sala de aula convencional, possivelmente pelo fato de os sujeitos produzirem os seus textos para, na maioria das vezes, serem guardados para si. Ou seja, no so socializados com o outro, ao passo que, o processo de produo textual, no frum, conta com um leitor de fato.

    A cada encontro, os sujeitos se engajaram em uma construo coletiva, pois todos participaram ativamente e realizaram a produo, no momento mesmo em que passaram a viver a aventura. O dilogo que segue exemplo disso.

    F 3 dia de aventura (31/08/2007) Mestre: Chegando em Euclides da Cunha vocs escutam da populao muitos boatos das vitrias dos conselheritas sobre as tropas. H na cidade uma igreja, msicos e repentistas. Vocs podem obter mais informaes com a populao local. Ianca (Joana Florisbela): Todos ns iremos obter informaes com a populao local. Mestre: Conversando com um velho repentista, ele fala que constantemete tropas passam por ali em direo a canudos.Inclusive que neste momento h tropas na cidade descanando e esperando orden de seus superiores. Eduardo: emto vamos segui o nosso carminho. Mestre: OK, vocs continuam a jornada seguindo a trilha mais recomendada. Depois de algumas horas de caminhada, no meio da tarde vocs avistam bem a frente uma movimentao intensa. Prece ser uma pequena tropa de 4 a 6 homens frazendo vigia. Por sorte eles ainda no viram vocs, mas esto vindo em direo. Cleisson (Joaquim): Todos ns vamos nos esconder em algum lugar antes que as tropas nos vejam. Mestre: Florisbela se esconde mal.Um dos homens avista a florisbela tentando se esconder atrs de uma pedra e alerta os outros homens. Neste momento vocs conseguem identificar que so 4 homens. Juliana (Maria): Todos ns vamos proteje Floribela. Mestre: Maria recebe um tiro no p. Ianca (Joana Florisbela): Eu vou chamar o meu cavalo para usa um dos meus poderes que luta e habilidade a cavalo com as minhas defesas. Mestre: Joana no consegue chamar seu cavalo, ele est muito distante para atender seu pedido. Mesmo com o p machucado Maria consegue se manter em p pra lutar contra a tropa. Eduardo (Joo): Eu pegor meu fuzil mator os quatos.

    Como se pode ver, no RPG by frum, os educandos so todos protagonistas e co-autores de uma histria. Ao final do experimento, se tem uma nica aventura, um nico texto produzido.

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    6. Concluso O RPG se mostrou adequado a uma abordagem scio-construtivista

    que levou formao de uma comunidade de escritores e leitores. Isto foi possvel porque o jogo constituiu um espao onde os sujeitos estiveram reunidos em torno de um objetivo comum, alm de ter sido um instrumento que favoreceu o intercmbio de experincias durante o processo de criao coletiva.

    Dentre as caractersticas que foram evidenciadas com a mediao do RPG digital by Frum no processo de aprendizagem destacam-se aquelas que so pertinentes prtica de produo escrita pela criana, sejam elas: escritor vigilante, leitor vigilante, reescrita, escrita colaborativa, escrita espontnea, construo coletiva, co-autoria, textualizao, reviso e planejamento.

    Durante a aplicao do jogo os sujeitos escreviam frases curtas e em resposta s situaes de conflito apresentadas pelo mestre, ou seja, produziram pouco textualmente. Por outro lado, houve aprendizagem da escrita, na medida em que os sujeitos passaram a colaborar entre si para resolver dvidas sobre a ortografia das palavras, e concordncia nominal e verbal. O histrico de poucas leituras pode ter contribudo para que os sujeitos tivessem este comportamento em relao escrita, tendo em vista que a leitura enriquece a imaginao.

    Nesta comunidade de leitores e escritores, os sujeitos tornaram-se praticantes da leitura e da escrita, pois tiveram oportunidade de produzir seus textos espontaneamente, assim como de fazer a autocorreo dos seus escritos, revisando sempre que necessrio, a fim de modificar aquilo que fosse pertinente. Todos participaram ativamente do processo de correo, que no ficou a cargo exclusivamente do professor.

    Por fim, resta ressaltar a inteno de que este estudo no seja encarado apenas como um instrumento para reflexo terica, mas, sobretudo como um recurso que favorea e proporcione processos de aprendizagens mais construtivos, colaborativos e capazes de aflorar a criatividade e criticidade dos sujeitos. Assim, o estudo finaliza com a sugesto de que sejam criados cursos sobre a utilizao de jogos de RPG digitais na educao escolar para professores que atuam na educao bsica, com o objetivo de que possam identificar as potencialidades que este tipo de jogo pode oferecer para o processo de ensino e aprendizagem.

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