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O LIVRO AGRESSÃO E AS IMAGENS BELIGERANTES NO LITORAL SERGIPANO DURANTE A GUERRA SUBMARINA (1942) Luiz Antônio Pinto Cruz 1 Lina Maria Brandão de Aras 2 INTRODUÇÃO “O navio afundou na barra de Aracaju, trazendo malafogados pra vestir os nus”. 3 A fala de Idalina Lima de Sousa é exemplar para iniciar uma discussão sobre a presença da II Guerra Mundial na sociedade aracajuana. Diferentemente da pesquisa desenvolvida no mestrado em História Social/UFBA 4 , este projeto de doutorado não se voltará para os elementos externos da guerra submarina alemã e seus reflexos na costa de Sergipe, mas adotará o caminho inverso, com o intuito de estudar as respostas dos sergipanos de “dentro para fora” 5 . Neste sentido, estudar a história dos malafogados através da memória coletiva 6 foi uma forma de compreender como a II Guerra adentrou na sociedade brasileira e, especialmente, na aracajuana. Construir um objeto científico tão singular significa, sobretudo, romper com a historiografia tradicional e com o senso 1 Doutorando em História Social do Programa de Pós-Graduação em História/FFCH-UFBA. Bolsista da CAPES. 2 Doutora em História pela USP, professora do Programa de Pós-Graduação em História/FFCH-UFBA. 3 Entrevista de Idalina Lima de Sousa realizada em Porto Alegre-RS, 15 de julho de 1999. 4 CRUZ, Luiz Antônio Pinto. “A guerra já chegou entre nós!” O cotidiano de Aracaju durante a guerra submarina (1942/1945). Salvador: UFBA, 2012. (Dissertação de Mestrado em História Social – PPGH/UFBA). 5 Essa “História de experiência” é, para o historiador Lutz Niethammer, uma possibilidade de nos aproximarmos empiricamente de algo como o “significado da história dentro da história” e permite questionar de modo crítico a aplicação de teorias macrossociológicas sobre o passado. A capacidade de a entrevista contradizer generalizações sobre o passado amplia, pois, a percepção histórica – e nesse sentido permite a “mudança de perspectiva”. Essa riqueza da História oral está evidentemente relacionada ao fato de ela permitir o conhecimento de experiências e modos de vida de diferentes grupos sociais. Nesse sentido, o pesquisador tem acesso a uma multiplicidade de “histórias dentro da história”, que, dependendo de seu alcance e dimensão, permitem alterar a “hierarquia de significações historiográficas”, no dizer da historiadora italiana Silva Salvatici. ALBERTI, Verena. Histórias dentro da História. In: PINSKY, Carla Bassanezi. (org.) Fontes Históricas. São Paulo: Contexto, 2005, p. 166. 6 O conceito de memória social ou coletiva não se confunde com a memória histórica, pois a história resulta de uma construção cristalizada por um grupo estabelecido para defender-se contra a permanente erosão da mudança. Se em princípio a memória parece ser um fenômeno individual, algo íntimo, próprio de uma pessoa, convém ressaltar que nossas lembranças são coletivas. A recordação da aracajuana Idalina Lima de Sousa é um exemplo disso. As pessoas não precisam estar presentes, mesmo o indivíduo sozinho, em pensamento, se desloca de um grupo para outro, de um lugar para o outro. Ver: HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva. São Paulo, Vértice, 1990; POLLACK, Michael. Memória e identidade social. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, 5 (10), 1992. p. 200-212; BOSI, Ecléa. Memória e sociedade. São Paulo, Edusp, 1987.

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O LIVRO AGRESSÃO E AS IMAGENS BELIGERANTES NO LITORAL SERGIPANO DURANTE A GUERRA SUBMARINA (1942)

Luiz Antônio Pinto Cruz1 Lina Maria Brandão de Aras2

INTRODUÇÃO “O navio afundou na barra de Aracaju, trazendo malafogados pra vestir os nus”.3

A fala de Idalina Lima de Sousa é exemplar para iniciar uma discussão sobre a presença

da II Guerra Mundial na sociedade aracajuana. Diferentemente da pesquisa

desenvolvida no mestrado em História Social/UFBA4, este projeto de doutorado não se

voltará para os elementos externos da guerra submarina alemã e seus reflexos na costa

de Sergipe, mas adotará o caminho inverso, com o intuito de estudar as respostas dos

sergipanos de “dentro para fora”5. Neste sentido, estudar a história dos malafogados

através da memória coletiva6 foi uma forma de compreender como a II Guerra adentrou

na sociedade brasileira e, especialmente, na aracajuana. Construir um objeto científico

tão singular significa, sobretudo, romper com a historiografia tradicional e com o senso

1Doutorando em História Social do Programa de Pós-Graduação em História/FFCH-UFBA. Bolsista da

CAPES. 2Doutora em História pela USP, professora do Programa de Pós-Graduação em História/FFCH-UFBA.

3 Entrevista de Idalina Lima de Sousa realizada em Porto Alegre-RS, 15 de julho de 1999. 4 CRUZ, Luiz Antônio Pinto. “A guerra já chegou entre nós!” O cotidiano de Aracaju durante a guerra submarina (1942/1945). Salvador: UFBA, 2012. (Dissertação de Mestrado em História Social – PPGH/UFBA). 5 Essa “História de experiência” é, para o historiador Lutz Niethammer, uma possibilidade de nos aproximarmos empiricamente de algo como o “significado da história dentro da história” e permite questionar de modo crítico a aplicação de teorias macrossociológicas sobre o passado. A capacidade de a entrevista contradizer generalizações sobre o passado amplia, pois, a percepção histórica – e nesse sentido permite a “mudança de perspectiva”. Essa riqueza da História oral está evidentemente relacionada ao fato de ela permitir o conhecimento de experiências e modos de vida de diferentes grupos sociais. Nesse sentido, o pesquisador tem acesso a uma multiplicidade de “histórias dentro da história”, que, dependendo de seu alcance e dimensão, permitem alterar a “hierarquia de significações historiográficas”, no dizer da historiadora italiana Silva Salvatici. ALBERTI, Verena. Histórias dentro da História. In: PINSKY, Carla Bassanezi. (org.) Fontes Históricas. São Paulo: Contexto, 2005, p. 166. 6O conceito de memória social ou coletiva não se confunde com a memória histórica, pois a história resulta de uma construção cristalizada por um grupo estabelecido para defender-se contra a permanente erosão da mudança. Se em princípio a memória parece ser um fenômeno individual, algo íntimo, próprio de uma pessoa, convém ressaltar que nossas lembranças são coletivas. A recordação da aracajuana Idalina Lima de Sousa é um exemplo disso. As pessoas não precisam estar presentes, mesmo o indivíduo sozinho, em pensamento, se desloca de um grupo para outro, de um lugar para o outro. Ver: HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva. São Paulo, Vértice, 1990; POLLACK, Michael. Memória e identidade social. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, 5 (10), 1992. p. 200-212; BOSI, Ecléa. Memória e sociedade. São Paulo, Edusp, 1987.

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comum dos brasileiros, quer dizer, com representações partilhadas por todos, de uma

guerra distante do país, quer se trate dos simples lugares comuns da existência vulgar,

quer se trate das representações oficiais.7

Malafogado, uma singela palavra que traz em si um mar de informações sociais.

Criada pelos aracajuanos para designar tudo aquilo que se desprendeu de um navio

naufragado e flutuou até as suas praias, sendo mais tarde, apropriado culturalmente e re-

significado socialmente. Convém esclarecer que os constantes naufrágios – na

embocadura do rio Sergipe e no seu entorno atlântico8 - alimentaramessa antiga prática

social. Tantos afundamentos de navios se justificavam por “causas acidentais” (encalhes

em banco de areia, falhas técnicas e erros da pilotagem), “problemas naturais”

(tempestades, instabilidade da barra, mar agitado e etc.) ou “operações bélicas” (ação

militar dos U-boots na costa sergipana durante a Segunda Guerra Mundial).

A maioria dos entrevistados para esta pesquisa destacou a conjuntura da guerra

marítima como um momento de maior fartura dos malafogados, possibilitando assim,

um manancial de histórias e memórias. Pierre Nora esclarece que não se pode fazer a

história da memória da mesma forma que faria a de qualquer outro tema de história,

porque há entre a memória e a história uma relação de antiguidade e de intimidade que

faz com que a abordagem ou o desejo de abordagem coloquem em questão as

abordagens tradicionais da história. Contudo, não se objetiva aqui inventar uma nova

temática dentro da historiografia brasileira, mas de dar uma atenção, um brilho, uma

centralidade que os malafogados nunca tiveram. Então, pouco a pouco, um novo campo

de pesquisa se desdobrou diante desta investigação. Cabe um esforço interdisciplinar

para preencher esta lacuna e perceber a dimensão simbólica dos objetos que flutuaram

até os aracajuanos. Convém assinalar que “lugares da memória” não são os destroços

em si, mas a significação simbólica que emerge do conjunto deles, a exemplo dos

malafogados. A esse respeito Pierre Nora esclarece:

7 BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil. 2009, p. 34 8 A costa de Sergipe, com 163 km de extensão entre a foz do Rio São Francisco, ao Norte, e a do Rio Real, ao Sul, possui ao longo da sua orla atlântica cidades, povoados e colônias de pescadores. Contudo, nos anos de 1940, essa microrregião apresentava baixíssimos índices de povoamento. Dos municípios litorâneos, somente Aracaju estendia sua malha urbana à beira-mar e desenvolvia o comércio fluvial-marítimo com outras partes do Brasil. Em 1940, a área da capital sergipana compreendia uma extensão territorial de 262 km2, com uma população de 59 460 habitantes e uma densidade demográfica de 230 moradores por km2.

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“Um lugar de memória, para mim, não poderia nunca ser reduzido a um objeto material, mas sim, ao contrário. A noção é feita para liberar a significação simbólica, memorial – portanto, abstrata – dos objetos que podem ser materiais, mas na maior parte das vezes não o são. Na verdade, existem somente lugares de memória imateriais, senão seria suficiente que falássemos de memoriais”.9

A noção de lugares de memória ajudou a compreender as significações históricas

atribuídas aos destroços que deram à praia. Abordar esta temática pioneira exigiu um

esforço que demanda a adoção de um olhar escalar da micro-história: na “compreensão

íntima” (adentrar os lares dos aracajuanos que ainda detém seus malafogados e analisar

os inúmeros registros documentais deles) e na “observação externa” (perceber como a

guerra no mar repercutiu na população costeira e como esta respondeu aos ataques

navais). Afinal, como entender o significado demalafogados? De acordo com as

memórias do militar Francisco Moura, o grande problema foi o seguinte, “este povo

pobre, quando torpedearam os navios aí. Então, deu na praia aqui: caixotes, cervejas,

roupas, entendeu? tudo isso boiou por aí né!? Então, esse pessoal pegava esses pacotes

que apareciam na praia e levavam para suas casas: roupas, sapatos, tudo, tudo, tudo...10”

E conclui: “o navio explodiu né!? Então ficou boiando por aí. Isso é malafogado”.11

Uma vez retirados da praia, eles tendem a ser transformados em abstrações

sociológicas mais amplas. “Ficar boiando por aí”, não apenas no mar, mas também

evidencia o sistema de apropriação e a essência “etimológica” (porque o objeto não se

afundou plenamente), seu aspecto “social” (porque seguiu “por aí” de mão em mão

pelos quatro cantos da capital sergipana, especialmente nas feiras e com os vendedores

ambulantes) e as suas “histórias navais” (porque eram vestígios dos atentados nazistas e

despertaram várias histórias em Aracaju). Assim, a palavra nasceu da junção entre um

grande “mal” (perda ou encalhe do navio) e “afogado” (aquilo que caiu na água ou que

foi tragado pelo mar). Era malafogado porque representava de um lado, a marca de uma

catástrofe, e, de outro, evidenciava a alegria oportunista das pessoas em saquear o que

apareceu na praia. “Os livros de história falam dos horrores, dos sofrimentos, das

9 BREFE, Ana Cláudia Fonseca. Entrevista com Pierre Nora, ou historiador da memória. Revista de História Social. Campinas: Unicamp. No 6, 1999, p. 30. 10 Entrevista com Francisco Moura. Aracaju, 16 de janeiro de 2012. 11 Idem.

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vítimas da guerra. Jamais de seus prazeres, de suas alegrias. Alegria de matar, de

saquear, de violar, de humilhar. A guerra pertence à vida privada”.12

Ao adentrar a vida privada dos aracajuanos, eles nos ensinaram outras palavras

com o mesmo sentido de malafogado: “tchibum” (imitando o som da mercadoria jogada

na água ou retratando a explosão do torpedo) e “só-assim-tu-tinha” (evidenciando a

apropriação indevida dos homens e mulheres pobres). O ato de recolher destroços à

beira rio ou mar era umaprática dos aracajuanos transmitido de geração em geração, que

remonta a um tempo em que a sua cidade ainda possuía uma tradição naval. O tempo

dos navios a vapor deixou muitas memórias: ritos urbanos, formas de protestos, padrões

de ação coletiva, enfim, uma cultura portuária foi reproduzida ao longo do tempo.

“Como me alegra o apito do navio se despedindo. É como se eu estivesse dentro dele”13,

aracajuano Joel Silveira registrou em suas memórias o vaivém dos navios nas águas do

rio Sergipe.

As entrevistas orais e os documentos de época ajudam a compor um quadro de

memórias diversificadas, onde a linguagem tipicamente nordestina exerce um papel

fundamental. O historiador KrzysztofPomian percebeu, ao analisar a utilidade e o

significado dos objetos, a importância da linguagem no entendimento do processo de

construção social da realidade estudada. Como se através dos malafogados, os

aracajuanos respondessem à guerra submarina e trouxessem o acontecimento marítimo

para dentro de sua realidade social. Conforme Pomian:

“É a linguagem que engendra o invisível. Fá-lo porque permite aos indivíduos comunicarem reciprocamente os seus fantasmas, e transformar assim num facto social a íntima convicção de ter tido um contacto com alto que jamais se encontra no campo do visível. Além disso, o simples objeto com as palavras acaba às vezes por formar enunciados que, embora compreensíveis, designam todavia algo que nunca ninguém viu. Sobretudo, a linguagem permite falar dos mortos como se estivessem vivos, dos acontecimentos passados como se fossem presentes, do longínquo como se fosse próximo, e do escondido como se fosse manifesto”.14

Mais do que palavras insólitas e exóticas, uma história social da linguagem sobre

os malafogados demonstra como os torpedeamentos navais deixaram marcas na vida

12 AIRIÈS, Philippe; DUBY, Georges. Uma história do segredo? In: História da vida privada. São Paulo: Companhia das Letras, 1992, v.5, p. 201 13 SILVEIRA, Joel. Conspiração na Madrugada. Rio de Janeiro: José Olympio, 1993, p. 61. 14 POMIAN, Krzysztof. “Coleções” In: Enciclopédia Einaudi, vol.1. Memória/História. Porto: Imprensa Nacional/Casa da Moeda. 1984, p. 68

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dos aracajuanos. Pelas escolhas que faz e pelas relações que estabelece, o historiador

atribui um sentido inédito às palavras que arranca do silêncio dos arquivos. A apreensão

da palavra responde à preocupação de reintroduzir existências e singularidades do

discurso histórico, de desenhar a golpes de palavras cenas que são igualmente

acontecimentos.15

A palavra, a fotografia, a linguagem e a memória trazem a ilusão: o que passou

não está definitivamente inacessível, pois é possível fazê-lo reviver graças à lembrança.

Pela retrospecção o homem aprende a suportar a duração: juntando os pedaços do que

foi numa nova imagem que poderá ajudá-lo a encarar sua vida presente.16 Ao

rememorar a imagem de um acontecimento em grupo, Maurice Halbwachs nos alerta

que “podemos reconstituir um conjunto de lembranças de maneira a reconhecê-lo

porque eles concordam no essencial, apesar de certas divergências”.17 As divergências

serão inevitáveis, mas Paul Thompson esclarece que“a descoberta de distorção ou de

supressão numa história de vida, uma vez mais é preciso ressaltar, não é puramente

negativa. Até mesmo uma mentira é uma forma de comunicação”.18 Portanto, cabe ao

historiador não fazer o papel de ingênuo:

O documento não é inócuo. É, antes de mais nada, o resultado de uma montagem, consciente ou inconsciente, da história, da época, da sociedade que o produziram, mas também das épocas sucessivas durante as quais continuou a viver, talvez esquecido, durante as quais continuou a ser manipulado, ainda que pelo silêncio. O documento é uma coisa que fica, que dura, e o testemunho, o ensinamento que ele traz devem ser em primeiro lugar analisados, desmistificando-lhe o seu significado aparente. O documento é monumento. Resulta do esforço das sociedades históricas para impor ao futuro – voluntária ou involuntariamente – determinada imagem de si próprias. No limite não existe um documento verdade. Todo documento é mentira. Cabe ao historiador não fazer o papel de ingênuo.19

A guerra submarina na costa do Brasil ainda desperta muitas divergências de

ordem bélica, política, econômica e social. Graças às pesquisas de Arthur Oscar

Saldanha Gama e Helio Leôncio Martins, que estudaram o papel da Marinha do Brasil

15 CHARTIER, Roger. À beira da falésia: a história entre incertezas e inquietude. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2002, p. 9. 16 CANDAU, Joël. Memória e identidade. São Paulo: Contexto, 2012, p. 15. 17 HALBWACHS, Maurice. A Memória Coletiva. São Paulo: Centauro Editora. 2ª Edição, 2006, 4ª Reimpressão, 2009, p. 29. 18 THOMPSON, Paul. A voz do passado – História Oral. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992, p.191. 19 LE GOFF, Jacques. Documento/Monumeno. In:História e Memória. 5. ed. Campinas: UNICAMP, 2003. p. 538.

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no tempo da Segunda Guerra Mundial20 e analisaram documentos oficiais tanto em

arquivos nacionais quanto estrangeiros, foi possível identificar quais submarinos

alemães atuaram na costa sergipana. Em 1942, entre os dias 15 e 16 de agosto, o

submarino U-507 afundou os seguintes navios: Baependy, Araraquara e Aníbal

Benévolo. Estas investidas germânicas tornaram-se significativas porque evidenciou a

maior operação dos nazistas na América do Sul e oportunizou o abrasileiramento da

Segunda Guerra Mundial. Para as autoridades varguistas, o confronto global esteve

desde o início vinculado à guerra atlântica. De acordo com a Declaração Oficial de

Guerra do Brasil, “não há como negar que a Alemanha (a Itália) praticou contra o Brasil

atos de guerra, criando uma situação de beligerância que somos forçados a reconhecer

na defesa da nossa dignidade, da nossa soberania e da nossa segurança e da América”.21

Os torpedeamentos navais prosseguiram na costa sergipana ao longo do ano de

1943. No dia 1o de março, o navio estrangeiroFitz John Porter acabou surpreendido pelo

U-518. No dia 31 de julho, o Bagé foi torpedeado pelo U-185.Nas imediações da foz do

Rio São Francisco, o U-161 afundou um mercante não identificado no dia 20 de

setembro de 1943. Com a força aérea norte-americana instalada em Aracaju, mas,

especialmente, em Salvador, os submarinos alemães passaram a ser caçados pelos

marines. Em 16 de maio de 1943, a movimentação de um submergível foi detectada

pelo radar da aeronave VP-74. Este avião anfíbio estava embasado em Aracaju, no

estuário do Rio Sergipe. Os militares, então, iniciaram as suas buscas. Era o U-128, do

comandante alemão Heyse. De imediato, foram lançadas cargas de profundidade, que

avariaram o barco. Sem conseguir submergir, o U-128 se tornou um alvo fácil. Então, a

tripulação abandonou o barco. Os 51 submarinistas alemães foram resgatados e

aprisionados pelos destroyers USS Moffett e USS Jouett, que partiram da base naval de

Aratu, região da grande Salvador/BA. Convém ainda mencionar, que o U-161 também

foi bombardeado nas imediações da foz do rio Real, mas em lado baiano. As histórias

de perseguição aos U-boots chegaram aos ouvidos dos homens costeiros. De acordo

20 GAMA, Arthur Oscar Saldanha da & MARTINS, Helio Leôncio. A Marinha na Segunda Guerra Mundial. História Naval Brasileira. Volume Quinto. Tomo II. Rio de Janeiro: Ministério da Marinha/Serviço de Documentação Geral da Marinha. 1985. 21 ARANHA, Oswaldo. Declaração do Estado de Beligerância com a Alemanha e a Itália. Nota do Itamarati. Rio de Janeiro, 22 de agosto de 1942. In: O Brasil e a Segunda Guerra Mundial. Ministério das Relações Exteriores. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional. 1994.

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com as memórias José Martins Ribeiro Nunes (Zé Peixe), “os aviões vieram guarnecer a

costa. Quem botou o submarino a pique foram os americanos. O Brasil não tinha avião

daquele. O avião veio pra aqui, dormia no Rio Sergipe. Corria a costa às 5 da manhã.

Todo dia voava”.22 Essa movimentação aérea também foi recordada por Idalina Lima de

Sousa, “era avião direto em Aracaju. Ia pra lá, ia pra cá, pelo mar, rodando tudo”.23

Diante da anormalidade gerada pela guerra submarina, Aracaju se transformou

em uma Cidadela dos Malafogados. Desta forma, a situação de beligerância

comprovada fez essa pesquisa adotar a palavra “cidadela”: lugar aquartelado onde se

alojaram tropas militares no estabelecimento da defesa antissubmarina; centro de

socorro, de busca e de assistência aos náufragos; cenário de enfrentamentos, mortes e

sobreviventes; território do medo; área atlântica que reuniu os salvados que deram à

costa sergipana; local de trabalho do capitão de corveta Gentil Homem de Menezes,

donde ele expedia suas ordens aos corpos que estavam subordinados; enfim, pequena

cidade que se sente encurralada por um inimigo invisível no mar (o submarino) e

outros, de múltiplas faces (o espião, o quinta-coluna, o integralista, o estrangeiro, etc).

Ao tornar o medo enquanto objeto de estudo, Jean Delumeau parte da ideia de que não

apenas os indivíduos, mas também as coletividades estão engajadas num dialogo

permanente com a menos heróica das paixões humanas.24 Ainda de acordo com o

historiador francês, “o medo faz parte da condição humana, todos os medos levam ao

medo da morte. E estamos todos submetidos à morte”.25 E conclui: “mas os medos

mudam no tempo e no espaço em função dos perigos que se apresentam à Humanidade.

Não podemos raciocinar sobre o medo sem levar em conta a necessidade de segurança,

fundamental ao ser vivo”.26

Em 6 de outubro de 1942, o secretário da Capitania dos Portos de Sergipe, José

Augusto Diniz de Aguiar Dantas, apresentou um edital com uma série de proibições,

normas e posturas que obrigatoriamente deveriam ser seguidas pelos sergipanos naquele

tempo de guerra submarina. Entre as orientações da Marinha, o referido secretário 22Entrevista de José Martins Ribeiro Nunes (Zé Peixe) realizada em Aracaju-SE, 07 de abril de 2004. 23Entrevista de Idalina Lima de Sousa realizada em Porto Alegre-RS, 15 de julho de 1999. 24C.f. DELUMEAU, Jean. História do medo no ocidente: 1300-1800. São Paulo: Companhia das Letras, 1989. 25 Ver entrevista em <http://ensinandoartesvisuais.blogspot.com.br/2007_09_20_archive.html> acessado e, 18 de novembro de 2013, às 11:25. 26Idem.

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deixou claro para sociedade aracajuana, a “proibição de detenção dos salvados”. Eis o

documento:

“De ordem do Senhor Capitão de Corveta Gentil Homem de Menezes, Capitão dos Portos deste Estado, comunico a todos a quantos possa interessar que esta Capitania dá por muito bem recomenda a proibição do corte de lenha de mangue por quem não esteja para isso legalmente habilitado, bem como a sua compra e venda fora de tais condições; a proibição de detenção em poder de particulares de quaisquer salvados de náufragos ou qualquer objeto ou embarcação que dê à praia; a obrigação que é imposta a quem quer que encontre objetos, salvados ou embarcações em tais condições, de promover a sua guarda e comunicar o encontro a esta Capitania com maior brevidade; que na forma das disposições do decreto 4557 de 10 de agosto último, todo movimento dos portos e águas interiores bem como a sua fiscalização e vigilância além da orla marítima, são a cargo desta Capitania e das entidades federais e estaduais que com ela colaborem, com o fim comum; que pelo cumprimento de disposições análogas às presentes e anteriormente tornadas públicas têm sido aplicadas às sanções regulamentares e multas a grande número de contraventores. Esta Capitania em benefício de serviço público e no cumprimento de suas atribuições não pode deixar de ser rigorosa com os infratores nem estes podem alegar ignorância das disposições legais”.27

Ao procurar demarcar posições sociais e limitar o acesso dos civis à região

praiana, os militares acabaram por despertar uma “guerra pelos malafogados” com os

aracajuanos. Por esta razão, o litoral se transformou em lugar de conflito. Em defesa da

posse deles, a população realizou suas incursões às áreas proibidas e criou artimanhas

para se apropriarem dos malafogados: 1 – conheciam o ciclo das marés, sabendo o

momento em que as águas jogavam os artefatos; 2 – preferiam agir ao raiar do dia, para

reconhecê-los antes da primeira ronda militar; 3 - cavavam buracos por entre as dunas e

lá escondiam os objetos catados, marcando o local com cocos ou galhos; e por fim, 4 –

sabiam dos horários e comportamentos dos marinheiros. Entre manhas e artimanhas, os

aracajuanos aliavam suas tradições às brechas sócio-espaciais para se apropriarem dos

cobiçados malafogados.

A luta pela posse deles fundou um conflito com consequências profundas entre

os aracajuanos e os marinheiros ao tornar “crime” a prática dos malafogados. A

Chefatura de Polícia realizou várias prisões, recolheu os objetos nas casas dos suspeitos,

devolveu jóias aos parentes dos náufragos e destinou todo material recolhido para os

quartéis. Afinal, as normas do edital da Capitania dos Portos eram menos influentes do

27 DANTAS, José Augusto Diniz de Aguiar. Edital da Capitania dos Portos de Sergipe. Aracaju, 6 de outubro de 1942.

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que a tradição dos aracajuanos? Como entender essa anormalidade, essa rebeldia dos

civis? Ela foi essencialmente rebelde porque os aracajuanos acreditavam

veementemente que estava defendendo o que era seu por direito.

Diante das incessantes investidas, os marinheiros cederam à pressão e foram

reorientados a deixar as mercadorias para a população, ficando somente com o material

bélico, alguns objetos navais e os cadáveres para perícia médica. No entanto, a tensão

voltou a aumentar quando os cadáveres passaram a ser os alvos dos catadores. De

acordo com uma apelação criminal dessa época, objetos de uma náufraga morta foram

furtados. Como se não bastassem os atentados nazistas no mar, as vítimas dos

naufrágios ainda sofreram com os saques no território praiano.

“No dia dezoito de agosto deste ano, quando uma justa indignação pública a todos assaltava pelo covarde e traiçoeiro torpedeamento de cinco pacíficas unidades da nossa marinha mercante em águas territoriais brasileiras. Horácio Nelson Bittencourt, mais conhecido por Nelson de Rubina, acompanhado de pessoas outras, dirigiu-se de automóvel à Praia de atalaia velha, no município da Capital, a ver se dentre os náufragos encontrava um viajante de nome Fonseca, conhecido de Josefina Matos, sua companheira de viagem. Às dez horas mais ou menos, de volta da Barra de são Cristóvão, nas proximidades do lugar onde está assentada a torre da “Itatig”, Nelson de Rubina desce do carro, e, puxando para a praia o cadáver de uma mulher alva, muito inchada e semi-nua, já agora identificado como sendo o da excelentíssima senhora D. Virgínia auto de Andrade (documento de folha 53), dele subtraiu três anéis, furtando-os assim, cientemente, aos herdeiros de uma das vítimas das muitas atrocidades hitleristas, vilipendiando mais o cadáver a que deveria antes honrar e respeitar, em sinal de educação e de acendrado patriotismo, porque nele se refletia, naquele instante como ainda hoje, a mais torpe e ignominiosa afronta lançada contra a soberania nacional”.28

Como se pode perceber, os aracajuanos nem sempre se comportaram de maneira

“civilizada” ou “solidária” em relação aos náufragos. A leitura da apelação criminal

permite visualizar que a elite local também estava envolvida pela prática dos

malafogados. Malotes com dinheiros, jóias dos cadáveres e fardos de mercadorias ainda

flutuam no imaginário social. De acordo com Salvelina Santos de Moraes, “teve muita

gente que ficou rica no povoado Mosqueiro, no Robalo. De comprar sítio e tudo, com

esse negócio dos naufrágios dos navios viu?”.29 Dos pescadores aos membros da classe

média, urge uma caracterização de quem eram os homens e mulheres malafogados? É

28Apelação Criminal. Documento. 17 de dezembro de 1942. 2a vara da Comarca de Aracaju. 1942. 29 Entrevista de Salvelina Santos de Moraes realizada em Aracaju-SE, 19 de julho de 2006.

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preciso ampliar a visão sobre esses sujeitos, que estiveram à margem da história oficial

seja pela origem pobre, seja pelos privilégios sociais.

Outros aspectos sociais que também podem ser trabalhados são os boatos da

época. Tantos os destroços quantos os testemunhos dos sobreviventes estimularam a

criação de várias histórias. A natureza bélica dos submarinos desafiava a compreensão

dos aracajuanos. Em luta contra inimigos escondidos debaixo d’água, eles não tinham a

menor idéia de como se defender deles. Assim, a população travou batalhas contra o

desconhecido, o estranho, o invisível, a imaginação e a surpresa. Só para exemplificar,

eis as temáticas de algumas histórias que alarmaram os aracajuanos: “o aparecimento de

homens loiros no litoral”; “o surgimento de sinais luminosos na cidade em direção ao

mar”30; “a entrada do submarino inimigo nos estuários locais”31, “o medo de

bombardeamento aéreo da capital sergipana”32, “a suspeita dos submarinos norte-

americanos serem os verdadeiros responsáveis pelos torpedeamentos navais de agosto

de 1942”33.

Como se não bastasse a censura à imprensa escrita e radiofônica, a ditadura

varguista34 estendeu as suas garras para as pessoas comuns, tentando impedir a livre

circulação de ideias nas ruas e praças, procurando amenizar a guerra de nervos gerada

pelos boatos. Através de uma nota oficial, as autoridades cívico-militares tentaram

esclarecer quem estava por trás dessas informações anônimas. “Essas conversas de

perigo eminente, de assalto às nossas costas para o dia marcado, bem próximo, do

aparecimento de homens loiros em tais lugares escusos, fazem parte do programa que

compreende a guerra de nervos”.35 E por fim, a nota do governo ordena: “estejamos

30 CABRAL, Mario. Roteiro de Aracaju. Aracaju: Livraria Regina, 1948, p. 286. 31 SANTIAGO, Enoque. Relatório do Inquérito instaurado pelo Departamento de Segurança Pública de Sergipe em consequência dos torpedeamentos dos cinco navios brasileiros e no qual se acham envolvidos vários estrangeiros (alemães e italianos). Aracaju-SE, 10 de outubro de 1942. 32 Entrevista de Edmundo Rodrigues da Cruz. Aracaju, 06 de maio de 1998. 33Folha da Manhã.Aracaju-SE,26 de agosto de 1942, p. 2. 34 À época, o Brasil vivia sob o regime ditatorial de Getúlio Vargas. O Estado Novo, implantado em 1937, representou um período de profundas mudanças políticas, econômicas e sociais no país. O presidente governava através de decretos-leis. Os estados eram governados por interventores nomeados diretamente pelo Chefe da Nação. A centralização anunciada desde a Revolução de 1930 realizava-se plenamente. As forças militares tiveram grande influência durante esse período. O objetivo tanto das Forças Armadas do Brasil quanto o governo varguista era a modernização do país pela via autoritária. 35 Correio de Aracaju. Aracaju-SE, 04 de novembro de 1942, p. 2.

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alertas, é verdade, porém tenhamos cuidados ainda maior com esses sutis boateiros,

autênticos quita-colunistas disfarçados”.36

Ao estudar o fenômeno dos boatos, Jean-Noël Kapferer afirma que quando um

acontecimento se produz é importante se divulgar o mais rápido possível o máximo de

informações. Os boatos nascem de perguntas espontâneas colocadas pelo público e para

as quais não se tem respostas. Eles satisfazem à necessidade de compreensão do

fenômeno, se este não é claro.37 Mais do que isso, os boatos se tornam “informações

livres” da censura do DIP – Departamento de Imprensa e Propaganda, quando inexistia

liberdade de expressão no tempo do Estado Novo.

I – A FOTOGRAFIA ENQUANTO FONTE HISTÓRICA

Qualquer que seja o tema representado numa fotografia é a lembrança que ela

traz de uma época desaparecida o aspecto simbólico sempre recorrente. É a fotografia,

dentre as demais fontes de informação histórica não-convencionais, uma das que têm

atraído o interesse de um número maior de pesquisadores; um eficaz instrumento de

descoberta e análise dos cenários e fatos do passado.

BorrisKossoy alerta que no trabalho histórico a imagem não vale por mil

palavras. A gênese e a história dos documentos fotográficos, assim como os fragmentos

do mundo visível passado que esses mesmos documentos preservam congelados,

requerem, para sua devida compreensão, uma ampla gama de informações advindas de

diferentes áreas do conhecimento.

A fotografia se refere a um micro-aspecto do mundo, a uma

determinada realidade que ela registra. No entanto, queremos

sempre saber mais a respeito daquilo que se acha gravado na

fotografia. Porque temos a consciência que o que vemos se conecta

a inúmeros fatos sobre os quais nada sabemos; e que podem

36Idem. 37 KAPFERER, Jean-Noël. Boatos – a mais antiga mídia do mundo. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1993, p. 8.

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contextualizar a imagem: um registro de aparências, composto de

múltiplas realidades.38

A guerra submarina na costa sergipana oportunizou várias imagens. No

entanto, é necessário ter cautela com as imagens publicadas pelo DIP- Departamento de

Imprensa e Propaganda e acuidade com as fotografias tiradas pelos sergipanos. Tanto

uma quanto outra não corresponde à verdade histórica, apenas ao registro expressivo da

aparência. Seu potencial informativo poderá ser alcançado na medida em que esses

fragmentos forem contextualizados na trama histórica em seus múltiplos

desdobramentos sociais, políticos, culturais, que circunscreveram no tempo e no espaço

o ato da tomada do registro. Caso contrário essas imagens permanecerão estagnadas em

seu silêncio: fragmentos desconectados da memória.

Assim como as demais fontes de informação históricas, as fotografias não

podem ser aceitas imediatamente como espelhos fiéis dos fatos. A imagem de qualquer

objeto ou situação documentada pode ser dramatizada ou estetizada, de acordo com a

ênfase (intenção) pretendida pelo fotógrafo.A manipulação é inerente à construção da

imagem fotográfica. A foto é sempre manipulada posto que se trata de uma

representação segundo um filtro cultural são as interpretações culturais,

estéticas/ideológicas e de outras naturezas que se acham codificadas nas imagens.

A decifração das imagens vai além das aparências. Sua realidade interior deve

ser desvendada segundo metodologias adequadas de análise e interpretação, caso

contrário, permaneceremos na superfície das imagens, iconografias ilustrativas sem

densidade histórica.

Este presente artigo objetiva, portanto, analisar a produção fotográfica sobre os

salvados de guerra que deram às praias nordestinas durante a Batalha do Atlântico,

especialmente entre os anos de 1942 e 1943, contribui para enriquecer abordagens sobre

o abrasileiramento da Segunda Guerra Mundial.

Mais do que um documentário dos fatos que levaram o Brasil à Segunda

Guerra Mundial, a obra varguista “Agressão” pode ser considerada uma fonte primária

38KOSSOY, Boris. Imagem fotográfica e história. Disponível em:<http://www2.uol.com.br/historiaviva/artigos/imagem_fotografica_e_historia.html > Acesso em: 19 de maio de 2014.

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porque nos leva a perceber como o fenômeno dos torpedeamentos foi visto por seus

contemporâneos, especialmente as autoridades do Estado Novo. Produzida pela Agência

Nacional, em 1943, a referida obra possui uma capa moderna expondo a guerra

submarina na costa do Brasil e em seu interior traz um material jornalístico

significativo: discursos das autoridades varguistas, depoimentos dos sobreviventes e

fotografias diversas (navios torpedeados, náufragos, destroços e manifestantes no Rio

de Janeiro). A intenção desta pesquisa histórica se volta para o material iconográfico

produzido na época da guerra submarina, especialmente as imagens que abarcam os

salvados que chegaram às praias de Sergipe.

II -CONSIDERAÇÕES TEÓRICO-METODOLÓGICAS

A bibliografia recente sobre memória tem investigado de maneira fragmentária e

tímida o papel central dos objetos materiais nos processos de rememorização, que

ocorrem num universo que é tanto de palavras quanto de coisas. Diante desta

problemática, urge alguns questionamentos: qual a natureza do objeto material como

documento? Em que reside sua capacidade documental? Como pode ele ser suporte da

informação? Ou, dito de forma mais direta para esta investigação: que tipo de

informação intrínseca podem os malafogados conter, especialmente de conteúdo

histórico? Talvez o cerne da questão, como alerta o historiador Ulpiano Bezerra de

Meneses, seja o seguinte aspecto: os objetos estão permanentemente sujeitos a

transformações de toda espécie, em particular de morfologia, função e sentido, isolada,

alternada ou cumulativa. Isto é, os objetos materiais têm uma trajetória, uma biografia.

Se as observações acima expostas continuarem válidas, para traçar e explicar as

biografias dos objetos é necessário examiná-los em situação, nas diversas modalidades e

efeitos das apropriações de que foram parte. Não se trata de recompor, portanto, um

cenário material, mas de entender os artefatos na interação social.39

39 MENESES, Ulpiano T. Bezerra de. Memória e cultura material: documentos pessoais no espaço público. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 11, n. 21, 1998, p. 92.

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Cabe à memória coletiva desvendar essa interação social entre os malafogados e

os aracajuanos, apontando os seus lugares de circulação: nas praias, nos quartéis, no

comércio, nas feiras e nas residências. Além disso, as recordações dos mais velhos

permitirão identificar seus significados, seus formatos, seus usos, suas trocas, seus

valores e suas trajetórias. De acordo com ArjunAppadurai, somente pela análise destas

trajetórias podemos “interpretar as transações e os cálculos humanos que dão vida às

coisas. Assim, embora de um ponto de vista teórico atores humanos codifiquem as

coisas por meio de significações, de um ponto de vista metodológico, são as coisas em

movimento que elucidam seu contexto humano e social.”40Appaduraiainda esclarece:

“O mundo das coisas se presta a um número infindável de classificações, baseadas em características naturais e em percepções idiossincráticas. A mente individual pode brincar com todas elas, construindo uma cadeia infinita de classes e universos distintos de valores comuns, e modificando esferas de troca. A cultura, por outro lado, não pode ser tão exuberante, e menos ainda na economia, na qual as suas classificações devem fornecer diretivas não ambíguas para ações pragmáticas e coordenadas. No entanto, se o choque é inevitável, as estruturas sociais que se realizam em seu interior variam, dando-lhe diferentes intensidades”.41

O deslocamento de objetos navais para o mundo social dos aracajuanos suscitou

diferentes intensidades, classificações, brincadeiras, conflitos e infindáveis histórias. A

exterioridade, a concretude, a opacidade, em suma, a natureza física deles trazem

marcas específicas à memória da guerra no mar. Eles orientaram o desenvolvimento de

leituras sociais que permitiram inferências diretas e imediatas sobre um sem-número de

esferas de fenômenos. Desta forma, a noção de guerra migra do “mar” para a “vida

social”, graças aos malafogados. Esses objetos históricos se caracterizavam, quaisquer

que sejam seus atributos intrínsecos, por sentido prévio e imutável que o impregnava,

derivado, não desses atributos, mas de contaminação externa com alguma realidade

transcendental – por exemplo, quando a guerra submarina chegou ao mar do Brasil.

O que aparentemente mais parecia lixo, entulho ou resto, poderia ser

interpretado sob diversos ângulos: o naval, o militar, o direito, o social, dentre outros.

Há uma pluralidade de leituras sobre os artefatos flutuantes do tempo da Segunda

Guerra Mundial. O governo varguista os tratou como “prova” de que a guerra chegou ao

40 APPADURAI, Arjun. A vida social das coisas: as mercadorias sob uma perspectiva cultural. Niterói: Editora da Universidade Federal Fluminense. 2010, p. 17. 41Idem, p. 104.

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Brasil. As Forças Armadas os analisaram como “evidências” de uma operação militar

eixista. Para os marinheiros eram “salvados”, os restos que escaparam de uma tragédia

naval. De acordo com o direito marítimo, também podiam ser considerados “bens

particulares”, os destroços eram considerados propriedades das Companhias Navais

Mercantes ou dos seus viajantes oceânicos. “Malafogados”, objetos apropriados e re-

significados pelos aracajuanos. Cabe à História Social perceber nesses “documentos de

barbárie” – como diria Walter Benjamin, na VII tese sobre o conceito de história – uma

esteira de elementos dramáticos, que foi arrastada sucessivamente pelas ondas até a vida

social.

Ao identificar as múltiplas formas de se interpretar os escombros navais (provas,

evidências, salvados, bens particulares, malafogados, enfim, documentos de barbárie),

percebeu-se que eles não falavam por si mesmos, mas através dos significados

construídos socialmente. Através deles, portanto, tratava-se de conjecturar o invisível a

partir do visível, dos rastros. Eles foram bastante documentados pela imprensa da época,

despertando assim, inúmeras interpretações, algumas alarmantes.

“No lugar denominado Mosqueiro, os militares retiraram do mar três baleeiras vazias, de No 1, 2 e 4, do vapor Araraquara, além de 3 cadáveres que apresentavam horríveis mutilações. Um deles, do sexo masculino, tinha o tronco amputado, chegando à praia apenas os membros inferiores. Acredita-se que a inditosa vítima fora atingida por um dos torpedos lançados pelo submarino agressor. Os demais cadáveres também se achavam irreconhecíveis. As autoridades providenciaram a remoção dos corpos para esta capital, a fim de serem sepultados, após as formalidades legais. No cadáver de uma criança encontramos uma pulseira de metal com a inscrição Aleide. Durante as últimas horas da manhã de hoje, foram retirados do mar 14 corpos, alguns dos quais já bastante deteriorados”.42

A leitura do texto permite visualizar: a perplexidade dos aracajuanos diante das

mortes; as histórias inventadas pelos jornalistas; e por fim, a percepção do torpedo

como um elemento do progresso industrial e causador de toda a desgraça coletiva.

Como as ossadas de um membro inferior poderiam flutuar até a praia? Será que a vítima

realmente foi atingida por um torpedo? Qual o impacto desta notícia para os leitores do

Sergipe Jornal? Convém esclarecer que as horríveis mutilações dos corpos eram, na

verdade, indícios da atuação de raposas ou de urubus, atraídos pelo forte odor dos

42Sergipe Jornal. Aracaju, 19 de agosto de 1942, p.2.

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cadáveres na praia. A morte constitui, de acordo com Juliana Schmitt, uma experiência

de desordem da realidade. Diante dela, os homens reagem. Não apenas do fato biológico

em si – verdade incontornável da natureza – mas do que ele representa: é a percepção da

finitude que leva o ser humano a procurar compreender, com todos os meios possíveis,

o sentido de sua existência43 e também as evidencias da guerra.

Afinal, como o historiador pode adentrar o mundo social dos malafogados? A

abordagem de Walter Benjamin também aponta interessantes caminhos ao privilegiar o

fragmentado, o rastro, enfim, o aspecto de menor valor. Para ele, estudar a história dos

vencidos implicava que renunciássemos à pretensão de estudar a história como

totalidade. Devemos estudar a história, como ruínas, de maneira fragmentada. Por quê?

Porque essa fragmentação é a experiência dos vencidos. Benjamin não era historiador

de ofício, mas um pensador heterodoxo, que procurou conjugar a teologia judaica com o

marxismo. Em suas análises explorou a simbologia do brinquedo, das ruas da cidade

grande, da vida dos poetas marginais, das experiências de guerra, das obras de arte, do

teatro barroco, da literatura, do cinema, da fotografia, das prosas, enfim, ele se dedicou

àqueles temas que o homem comum dispensa como sendo os de menor importância.

Mas é justamente através do tratamento desses temas secundários, que ele produziu uma

literatura singular. Em suas Teses sobre filosofia da história, Walter Benjamim

apresentou sua visão da História.

“Devemos estudar História como um espetáculo de horror. Quer dizer, conforme avança o progresso, o que fica para trás são os momentos de ruína, os momentos de derrota, e, se o historiador quer ser crítico em relação ao progresso que avança sem mencionar obstáculos, deve é resgatar a experiência e a memória desses grupos que foram desbaratados e que ficaram à margem de todo esse processo. Conforme ele dizia, se na História o progresso é uma prova de cultura, nós não podemos esquecer o que ficou no passado, e no passado ficam também as marcas de barbárie. Se há progresso na história e na cultura, o que fica no passado, pelo menos do ponto de vista do historiador disposto a enfrentar criticamente esse processo, são os documentos da barbárie. Esses documentos da barbárie, que Benjamin propõe ao arqueólogo de modernidade resgatar, são documentos da barbárie no seguinte sentido: são documentos onde se registra a experiência dos perdedores, a experiência dos vencidos, a experiência de contato daqueles que são impactados pelo progresso, pelo avanço da ciência, pelo avanço da técnica, mas, sobretudo, pela experiência da sociedade de mercado, da sociedade capitalista”.44

43 SCHMITT, Juliana. Mortes Vitorianas – Corpos, luto e vestuário. São Paulo: Alameda, 2010, p. 21. 44 BENJAMIN, Walter apud AVANCINI, Elsa Gonçalves. Da História Nova à História Prismática – Reflexões. Ciências & Letras. Porto Alegre: FAPA. No 18. Maio - 1997, p.47.

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A tecnologia industrial levou a guerra submarina a vários rincões do Atlântico,

áreas distantes da Europa. Assim, o mar também se transformou em um campo de

batalha, um lugar de percepção e um espaço de luta social, portanto, uma arena da

barbárie. A instituição militar realizou suas revoluções técnicas e científicas, levando

em conta os mais diversos aspectos do progresso. Esse mundo do progresso foi

cuidadosamente avaliado e vivido pelo pensamento benjaminiano, que também nos

ajudou a compreender os fragmentos dos navios torpedeados em 1942 e 1943.

Vale acrescentar, que não se deve atentar a um destroço em especial, mas às

histórias que emergem do conjunto deles, num todo inteiramente outro. Essa relação

permite visualizar não apenas a catástrofe marítima, mas também, a identidade dos

aracajuanos. Portanto, “é sob a forma de fragmentos que as coisas olham o mundo”.45

Homens e mulheres da zona costeira nordestina também responderam às histórias

fragmentadas que vieram do mar. Nessa via de mão dupla, cabe à História Social o

importante papel de estabelecer pontes entre o mar e o social, a água e a terra, o militar

e o civil, o caos e a ordem, a guerra e a paz.

Ao trazer à arena da História Social os objetos e sujeitos naufragados, o

historiador demonstra o quanto suas pesquisas podem contribuir para o abrasileiramento

da Segunda Guerra Mundial. Diante do esmaecer da História total, enfim da perspectiva

globalizante, Michel de Certeau convida ao historiador a vir para as “margens” e

assumir uma posição de “erradio”. O historiador não é mais um homem capaz de

construir um império. Nem visa mais o paraíso de uma história global. Ele chega a

circular em torno das racionalizações conquistadas. Ele trabalha nas margens. Sob

esse aspecto, ele se torna um erradio.46

Nesse contexto – o de ser erradio – faz desta pesquisa um convite à reflexão

micro-histórica, que penetra nos arquivos, ouvi depoimentos, escarafuncha vestígios da

cultura material ou simbólica, decifra impressos ou audiovisuais em busca das

experiências coletivas dos anos de 1940. Enfim, nutre um olhar escalar do micro ao

macro, mas sempre sensível aos detalhes. Esse tipo de abordagem enriquece a análise

45BENJAMIN, Walter. Origem do drama barroco alemão. São Paulo: Brasiliense, 1984, p. 208. 46CERTEAU, Michel de. Apud BOUTIER, Jean & JÚLIA, Dominique. Passados recompostos: campos e canteiros da História. Rio de Janeiro: UFRJ/FGV, 1998, p. 28.

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social tornando suas variáveis mais móveis, numerosas e complexas. Para José

D’Assunção Barros:

A micro-história não se relaciona necessariamente ao estudo de um espaço físico reduzido, embora isto possa até acontecer. O que a micro-história pretende é uma redução na escala de observação do historiador com o intuito de se perceber aspectos que de outro modo passariam despercebidos. Quando um micro-historiador estuda uma pequena comunidade, ele não estuda propriamente a pequena comunidade mas estuda através da pequena comunidade.47

Com essas e outras reformulações, o campo de atuação do historiador se

ampliou. Assim, áreas marginais ganharam destaques nesta pesquisa. A praia é por

definição “areia às margens do mar”, “orla da terra”, “parte da costa”, “borda do

atlântico”, “beira do mundo”... Nesta pesquisa, a praia não será vista como um lugar

marginal ou uma linha limítrofe entre a terra e o mar. As vivências sociais na praia

ocuparam um papel de destaque nestes estudos históricos. É necessário por nexo entre o

“mundo atlântico em guerra” e o “mundo social dos aracajuanos em guerra pelos

malafogados”, subtraindo deles diálogos, respostas, conflitos, estranhamentos,

interseções, medos, barbárie, interesses, etc. Portanto, o homem costeiro documentou

várias memórias dramáticas. Mesmo em lugares paradisíacos, como as praias

nordestinas, podem-se localizar na história do lugar, várias situações de conflito.

Há uma diversidade de documentos produzidos nos anos de 1940, tanto em

Sergipe quanto em outros estados da federação. Na capital sergipana é possível localizá-

los nos acervos do Arquivo do Judiciário de Sergipe, Arquivo Público do Estado de

Sergipe, Arquivo Municipal de Aracaju, Biblioteca Pública Epifânio Dória, Instituto

Histórico e Geográfico de Sergipe e arquivos particulares. De acordo com Roger

Chartier, “os documentos não são mais considerados somente pelas informações que

fornecem, mas são também estudados em si mesmos, em sua organização discursiva e

material, suas condições de produção, suas utilizações estratégicas”.48Dentro as

principais fontes arroladas para esta pesquisa, destacaram-se os documentos escritos,

orais e visuais.

As fotografias dos salvados (destroços navais, cadáveres e sobreviventes) foram

exaustivamente exploradas pelo Estado Novo e tratadas como ilustração, prova ou

47BARROS, José D’Assunção. O Campo da História. Petrópolis: Vozes, 2004, p. 153. 48 CHARTIER, Op. Cit., 2002.

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testemunhos para várias ações varguistas. Além disso, os torpedeamentos navais

permitiram ao DIP - Departamento de Imprensa e Propaganda montar cartazes

nacionalistas e preparar campanhas de bônus de guerra entre a população brasileira. Os

autores especialistas em fotografia e na análise visual como Roland Barthes, Boris

Kossoy e Ana Maria Mauad são unânimes no sentido de que para avaliar um documento

visual é necessário atentar para três pressupostos básicos e inerentes à própria história:

expressão e conteúdo, tempo e espaço, percepção e interpretação. “A noção de espaço

como chave de leitura das mensagens visuais, devido à natureza deste tipo de texto”49

Convém assinalar que as fontes iconográficas ajudaram a dialogar com as

escritas e as orais. Juntas elas forneceram subsídios importantes para perceber como e

por que os aracajuanos criaram várias histórias sobre os malafogados no tempo da

Segunda Guerra Mundial. Neste sentido, a fonte oral tem um papel central nesta

pesquisa. Trabalhar com elas implica o respeito a uma série de regras metodológicas

que garantam o ajuste do trabalho realizado às normas básicas do rigor científico e

metodológico: confrontar documentos escritos, iconográficos e orais; atentar que não há

verdadeira história oral; não é uma soma de entrevistas independentes entre si, mas um

conjunto orgânico e coerente de entrevistas; atentar para a seletividade da memória,

seus ditos e não ditos; enfim, o uso das fontes orais requer uma aproximação crítica.

Para Garrido,

O uso de fontes orais nos permite, por um lado, um aprofundamento na história de grupos sociais que, por razões diversas, estiveram marginalizados ou quase ausentes das fontes documentais escritas, de outro lado, nos permite penetrar na percepção do processo histórico feita por indivíduos ou grupos concretos.50

Com a incorporação das fontes orais como uma fonte documental a mais,

ampliar-se-á o olhar escalar da micro-históriaincidindo sobre múltiplas prática sociais

no litoral sergipano. Quanto às questões de caráter metodológico, o pesquisador que as

utilizarem tem que ter em claro, antes de iniciar o trabalho de campo, toda uma série de

elementos: o universo da amostra, a própria amostra, o tipo de entrevista que se deve

usar em cada caso, a atitude do entrevistador, o lugar onde eventualmente pode-se

49MAUAD, Ana Maria. Através da Imagem: Fotografia e História Interfaces. Tempo. Rio de Janeiro: UFF, v1. N2, 1996, p. 14. 50 GARRIDO, Op. Cit., p. 43.

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fazer a entrevista e, finalmente, o tratamento – estatístico ou de análise de conteúdo –

que vai dar à informação obtida.51

Ao promover a construção da memória contemporânea, a história oral apresenta

uma importante contribuição ao perceber que na história vivida se apoia a memória

coletiva. O sociólogo Maurice Halbwachstambém alerta que são os indivíduos que

lembram, no sentido literal, físico, mas são os grupos sociais que são “memoráveis”, e

também como será lembrado. Os indivíduos se identificam com os acontecimentos

públicos de importância para seu grupo. “Lembram” muito do que não viveram

diretamente.

Finalmente, convém assinalar que a memória coletiva não se confunde com a

história. Embora haja ligações entre elas, aliá-las em uma espécie de “memória

histórica” não é um caminho profícuo. Maurice Halbwachs esclarece que essa expressão

memória histórica não é muito feliz, pois “associa dois termos que se opõem em mais

de um ponto. A história é a compilação dos fatos que ocuparam maior lugar na memória

dos homens. (...) A história só começa no ponto em que termina a tradição, momento

em que apaga ou se decompõe a memória social”.52 Ainda é possível recolher

informações vívidas da memória coletiva, da última geração contemporânea dos

torpedeamentos. A título de ilustração, pode-se citar como exemplo, o olhar do baiano

radicado em Sergipe, Jardilino Marques, “a guerra é um sinal de perigo para toda

geração”. E continua:“diante do que se passou na guerra, dos torpedeamentos, de muita

gente morrer e do avião bombardear submarino. O pessoal vivia assombrado. O pessoal

vivia com medo. Então essas coisas o povo não pode esquecer porque é parte principal

de uma geração”.53 Diante do por de sol de uma geração e para enfrentar o

esquecimento, a História assumirá um importante papel que já foi da Memória.

LISTA DE FONTES

Fontes orais Alaíde Alves de Oliveira. Aracajuana, nasceu em 10 de novembro de 1925. Por ter sido casada com o prático Gilberto de Oliveira, ela nutre uma visão peculiar do mundo naval sergipano, as práticas dos malafogados e as praias aracajuanas.

51 Idem, p. 41. 52HALBWACHS, p. 101. 53 MARQUES, Op. Cit., 1999.

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Edmundo Rodrigues da Cruz nasceu na cidade de Simão Dias, em 16 de janeiro de 1918. Policial militar, e depois, comerciante. Compôs a tropa do Esquadrão da Cavalaria, que patrulhava o município de Aracaju e exigia da população o cumprimento das medidas de segurança no tempo da Guerra Submarina. Francisco Moura. Aracajuano, nasceu no dia 25 de março de 1923. Oficial do Exército da Reserva Remunerada e Professor de Matemática Licenciatura Plena. Adentrou a carreira militar no ano de 1942 e compartilhou informações sobre: a paisagem urbana da cidade; a ação repressiva do Esquadrão da Cavalaria; o mundo da Guerra Submarina no Nordeste; e a prática dos malafogados. Idalina Limade Sousa nasceu na cidade de Aracaju, no dia 30 de julho de 1933. Ainda era adolescente quando se tornou operária na Fábrica de Coco, localizada no Bairro Industrial. Casou-se com o jogador Paulo Otacílio de Souza. Em 1961, o seu esposo foi transferido para Grêmio de Porto Alegre-RS, ganhando a alcunha de Paulo Lumumba. Desde então, eles fixaram residência na capital gaúcha. Jardilino Marques nasceu no município de Santa Brígida (BA), no dia 12 de janeiro de 1916. Com 14 anos migrou para Aracaju, em busca de uma vida melhor. Na capital sergipana formou família e trabalhou como ajudante de pedreiro e foi integrado momentaneamente à guarda municipal em 1942. João Martins do Nascimento. Nasceu no povoado Pontal, município de Indiaroba, em 1914. Conhecido como Seu Joãozinho, exerceu várias atividades profissionais: pescador, roceiro, negociador, político, etc. Chegou a migrar para São Paulo, mas não se adaptou e voltou para vida simples às margens do rio Real. Salvelina Santos de Moraes nasceu na cidade de Aracaju, em 22 de fevereiro de 1932. No tempo dos torpedeamentos, o seu pai, o faroleiro Teodoro José dos Santos prestou variados serviço à Marinha do Brasil. Por esta razão memória dela apresenta detalhes ricos do que aconteceu nas praias sergipanas, as mercadorias malafogadas e as múltiplas atividades da Capitania dos Portos. Periódicos Correio de Aracaju. Aracaju-SE, 27 de novembro de 1943, p. 4. Diário Oficial de Sergipe. Aracaju-SE, 4 de novembro de 1942. Folha da Manhã.Aracaju-SE,26 de agosto de 1942, p. 2. Sergipe Jornal. Aracaju, 19 de agosto de 1942, p.2. ARQUIVO DO JUDICIÁRIO DE SERGIPE Apelação Criminal. Documento. 17 de dezembro de 1942. 2a Vara da Comarca de Aracaju. 1942 (os corpos assaltados à beira mar). Relatório do Inquérito Policial instaurado no Departamento de Segurança Pública de Sergipe contra brasileiros acusados de exercerem o integralismo no estado ou de serem simpatizantes das ideias nazifascistas. Aracaju, 18 de setembro de 1942.

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Protesto Marítimo dos proprietários que deixaram seus barcos a serviço da Capitania dos Portos de Sergipe. Aracaju, 26 de setembro de 1942. Relatório do inquérito policial sobre o envolvimento dos estrangeiros nos torpedeamentos dos cinco navios brasileiros. Departamento de Segurança Pública de Sergipe. Aracaju, 10 de outubro de 1942. ARQUIVO PÚLICO DO ESTADO DE SERGIPE Acervo fotográfico sobre os torpedeamentos, com ênfase nos destroços e mortos nas praias sergipanas. Ofício No 1.539 redigido por Enoch Santigado. Documento oficial do Departamento de Segurança Pública. Aracaju, 12 de outubro de 1942. Arquivo Público do Estado de Sergipe. ACERVO PARTICULAR DOS ARACAJUANOS Acervo fotográfico e documental de Walter Batista sobre os torpedeamentos e os náufragos na costa sergipana durante a Segunda Guerra Mundial. Famílias aracajuanas que ainda preservam objetos malafogados em suas residências; BIBLIOTECA NACIONAL DO RIO DE JANEIRO Declaração do Estado de Beligerância com a Alemanha e a Itália. Nota do Itamarati. Rio de Janeiro, 22 de agosto de 1942. In: O Brasil e a Segunda Guerra Mundial. Ministério das Relações Exteriores. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional. 1994. Declaração do Estado de Guerra em todo o Território Nacional. Documento Oficial. Decreto No 10.358.31 de agosto de 1942. In: Coleção das Leis de 1942. Atos do Poder Executivo. Decreto de Julho a setembro. Milton Fernandes da Silva. Relatório da Última Viagem do Navio Motor Araraquara. Rio de Janeiro, 15 de setembro de 1942. O Brasil e a Segunda Guerra Mundial. Ministério das Relações Exteriores. Volume II. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1944. CAPITANIA DOS PORTOS DE SERGIPE Edital de Normas organizado por José Augusto Diniz de Aguiar Dantas. Capitania dos Portos do Estado de Sergipe, Aracaju-SE, 6 de outubro de 1942. DIRETORIA DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E DOCUMENTAÇÃO DA MARINHA GAMA, Arthur Oscar Saldanha da & MARTINS, Hélio Leôncio. A Marinha na Segunda Guerra Mundial. História Naval Brasileira. Volume Quinto. Tomo II. Rio de Janeiro: Ministério da Marinha/Serviço de Documentação Geral da Marinha. 1985. Decreto Lei 4830-A, de 15 de outubro de 1942, subordina ao Ministério da Marinha, as colônias de pesca [até então subordinadas ao Ministério da Agricultura, Comércio e Indústria REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALBERTI, Verena. Histórias dentro da História. In: PINSKY, Carla Bassanezi. (org.) Fontes Históricas. São Paulo: Contexto, 2005

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