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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO INSTITUTO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS O LOBBY DE ISRAEL: ANÁLISE DO DEBATE NOS ESTADOS UNIDOS Autor: José Antonio Lima Disciplina: O Conflito Israel-Palestina: origens, desdobramentos e tentativas de resolução. Curso de pós-graduação – 2º semestre de 2011 (  paper final ). Responsável: Prof. Dr. Peter Robert Demant São Paulo 2011 

O lobby de Israel nos Estados Unidos

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Este trabalho analisa as características do lobby de Israel nos Estados Unidos, sua capacidade de influência e os efeitos que ele tem para a política externa dos Estados Unidos.

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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

INSTITUTO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS

O LOBBY DE ISRAEL: ANÁLISE DO DEBATE NOS ESTADOS UNIDOS

Autor: José Antonio Lima

Disciplina: O Conflito Israel-Palestina: origens, desdobramentos e tentativas de

resolução. Curso de pós-graduação – 2º semestre de 2011 ( paper final).

Responsável: Prof. Dr. Peter Robert Demant

São Paulo

2011 

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ABSTRACT

This study addresses the debate about the Israel lobby in the United States. The

discussion begins with an analysis of the controversial article The Israel Lobby,

published in 2006 by the Americans John Mearsheimer and Stephen Walt, in which are

discussed key aspects of their argument and criticisms that the authors make to the

actions of the Israeli lobby, which is present, they argue, in various sectors of American

society as the media, think tanks, academia and politics. As a result, the study brings a

critique of the key points of the debate that Mearsheimer and Walt relegated to the

background: the identification between the American and Israeli; the relationship

between the two countries, the growth of anti-US sentiment and terrorism; the profile of 

the votes of American Jews; and the role of other lobbies. Finally, the paper ends trying

to answer if the special relationship between the two countries poses a risk to U.S.

security.

Keywords: United States, Israel, lobby; Israel lobby in the USA

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SUMÁRIO

Introdução .............................................................................................................. 3

1. A prática de lobby nos Estados Unidos ............................................................. 4

2. O Lobby de Israel segundo Walt e Mearsheimer ............................................... 6

3. Reflexões sobre características do lobby ............................................................ 9

3.1. Origens do apoio americano a Israel ........................................................... 10

3.2. O voto judeu nos Estados Unidos .............................................................. 12

3.3. O apoio dos Estados Unidos a Israel, anti-americanismo e terrorismo ...... 13

3.4. Outros lobbies nos Estados Unidos ............................................................ 16

4. Considerações finais ........................................................................................... 17

5. Bibliografia ......................................................................................................... 20

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INTRODUÇÃO

O tema deste estudo é uma discussão a respeito do lobby de Israel nos Estados Unidos,

com foco no debate que ocorre dentro da sociedade americana. A discussão tem como

base uma análise sobre as formas por meio das quais este lobby influencia a políticaexterna nos Estados Unidos, em qual proporção isto se dá e se a relação especial entre

os dois países coloca em risco a segurança nacional americana.

Nos Estados Unidos, a prática do lobby é legalizada e regulamentada. Diversos

grupos de interesse atuam tentando convencer os políticos sobre os mais diversos temas,

que vão desde assuntos que dizem respeito apenas à população americana como também

temas que geram reflexos em outras partes do mundo, uma vez que diversos lobbies

miram a política externa americana. O lobby pró-Israel é um destes.

O debate acerca da existência e do poder do lobby de Israel foi iniciado

recentemente, por meio de um artigo e posterior livro publicado por John Mearsheimer

e Stephen Walt, no qual os autores defendem a tese de que a relação especial entre

Washington e Jerusalém reduz a segurança americana. Eles detalham o “excepcional

nível de apoio material e diplomático” dos Estados Unidos a Israel e dizem que isto é

fruto do trabalho de uma “ampla coalizão de indivíduos e organizações” queinfluenciam diversos setores da sociedade americana  – a mídia, as universidades, think

tanks e, especialmente, a política. A partir das publicações de Mearsheimer e Walt, o

debate sobre o lobby pró-Israel se tornou aberto e acalorado.

Boa parte das emoções geradas pelo texto se dá pois os autores deixaram de

explorar alguns aspectos importantes que são fundamentais para o debate,

nomeadamente a identificação das sociedades americana e israelense, o perfil da

comunidade judaica nos Estados Unidos, a amplitude das razões que levam terroristas ater nos Estados Unidos um alvo primordial e a importância de outros lobbies para a

política externa americana, especialmente no que diz respeito ao Oriente Médio.

Avaliando cada um destes aspectos, este trabalho tenta chegar a uma conclusão

sobre o grau de influência do lobby na política externa americana e sobre como a

relação com Israel afeta a segurança nacional americana.

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1. A PRÁTICA DE LOBBY NOS ESTADOS UNIDOS

No estudo das Relações Internacionais, Israel é um dos Estados sobre os quais há mais

polêmicas. O problema de décadas com os palestinos, a turbulenta relação com os

vizinhos árabes e a troca de ameaças com o Irã são alguns dos assuntos geradores deintensa discussão. Neste trabalho, o tema não é menos polêmico: é a relação extra-

especial entre Israel e os Estados Unidos, com foco no lobby israelense dentro da

sociedade americana. Este lobby foi acusado de manipular a imprensa, manobrar para

que Washington siga as ordens de Tel Aviv, influenciar a decisão americana de usar

suas Forças Armadas, entre outras coisas. Mas quais são origens do lobby? Quais os

interesses por trás dele? Qual é o seu real poder? E, mais importante, por que o lobby e

a relação entre Israel e Estados Unidos provocam tanta polêmica? São essas asperguntas que regem este texto e cujas respostas serão objeto de debate.

Em primeiro lugar, é preciso ter em conta que, no Brasil, os termos lobby e

lobista (aquele que pratica o lobby) têm uma conotação extremamente negativa. Esta

condição provavelmente deriva do fato de que o lobby não é regulamentado no país.

Levantamento feito pela agência de notícias do Senado mostrou que, até 2010, havia

dez propostas diferentes sob exame da Câmara dos deputados, sendo que uma dela fora

aprovada pelo Senado há 20 anos (TEIXEIRA, 2010). Nos Estados Unidos, no entanto,

ainda que uma conotação negativa exista, a situação dos lobistas, e do lobby como

prática, é diferente.

Nos Estados Unidos, o direito de fazer lobby é protegido por pelo menos três

dispositivos previstos na Constituição e na Carta de Direitos. O principal deles é a

Primeira Emenda à Constituição, que veta qualquer lei que proíba os cidadãos

americanos de “peticionar o governo para reparação de injustiças” (Bill of Rights,

1791). Esta é uma definição abrangente de lobby, que serve para proteger uma prática

que o ser humano provavelmente realiza desde que começou a se organizar em

sociedades  – a tentativa de influenciar as decisões políticas sobre temas que considere

relevante, sejam elas tomadas em qualquer instância. Nos Estados Unidos, o lobby é

antigo e há registros de pressões políticas realizadas no nível do governo federal desde

os primeiros anos de independência do país, em nome de causas como a construção de

navios e a repressão a levantes comandados por indígenas (DEKIEFFER, 2007).

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Hoje em dia, a prática é muito mais complexa e sofisticada. A legislação original

que rege o comportamento dos lobistas nos Estados Unidos é o Ato de Regulação

Federal do Lobby, que data de 1946. Esta lei obriga os lobistas a informarem o que

fazem, em nome de quem e quanto recebem por isso. Como a atividade sempre gerou

polêmica, o Legislativo e o Judiciário já debateram diversas vezes a definição jurídica

de lobby, que até hoje “é uma das mais controversas questões dentro do sistema político

americano (DEKIEFFER, 2007). Dois dos frutos deste debate são o Ato de Divulgação

de Lobby, de 1995, e o Ato de Liderança Honesta e Governo Aberto, de 2007. Graças a

essas e outras leis, hoje os lobistas são obrigados a se registrar diante do escriturário da

Câmara dos Representantes e do secretário do Senado e se reportar a eles

periodicamente. Os congressistas não podem mais receber presentes dos lobistas (mas

das empresas que eles representam, sim) e precisam identificar nominalmente cada

lobista que arrecada fundos para uma determinada causa. As tentativas de

regulamentação não abafam todas as críticas à prática de lobby. Uma das maiores

reclamações que vigora atualmente diz respeito ao chamado efeito “porta giratória”.

Este efeito nada mais é do que o fato de que muitos ex-congressistas, uma vez fora da

Câmara ou do Senado, mudam de lado e se tornam lobistas. O mesmo ocorre no sentido

inverso. Para muitos analistas, este tipo de comportamento provoca uma série de

conflitos de interesses entre os setores público e privado.

Ainda que enfrente críticas, a prática de lobby está consolidada no sistema

político americano. O Center for Responsive Politics (CRP) é um reconhecido e

respeitado grupo de pesquisa baseado em Washington que se dedica a rastrear as fontes

de financiamento dos políticos americanos, com destaque para os grupos que fazem

lobby. Em seu website, o OpenSecrets.org1, o CRP revela como a prática se alastrou nos

Estados Unidos. Até 24 de outubro de 2011, havia 12.193 lobistas registrados nos

Estados Unidos, que movimentaram US$ 2,44 bilhões. A indústria que mais gastara até

ali com lobby era a de produtos farmacêuticos e de saúde, com US$ 181,4 milhões,

seguida por seguros (US$ 116 milhões), petróleo e gás (US$ 110 milhões) e utilidades

elétricas (US$ 105,6 milhões).

1OPEN SECRETS. Lobbying - Top Industries [internet] - Washington, OpenSecrets.org, acessado em 10

nov 2011. Disponível em: http://www.opensecrets.org/lobby/top.php?showYear=2011&indexType=i

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2. O LOBBY DE ISRAEL SEGUNDO WALT E MEARSHEIMER

Nos Estados Unidos, o debate a respeito do lobby de Israel e da polêmica relação entre

Washington e o governo israelense tomou corpo em 2006, quando John Mearsheimer

(Universidade de Chicago) e Stephen M. Walt (Universidade Harvard) publicaram oartigo The Israel Lobby no  London Review of Books. Os estudiosos apresentaram uma

abordagem da relação entre os dois países que classificam de realista. Segundo

Mearsheimer e Walt, o lobby de Israel é uma “ampla coalizão de indivíduos e

organizações que ativamente trabalham para conduzir a política externa americana em

uma direção pró-Israel”, o que é um erro para os Estados Unidos, segundo o ponto de

vista realista de ambos, porque o apoio a Israel é um dos motivos da inflamação da

opinião pública árabe e muçulmana, o “que colocou em risco a segurança dos Estados

Unidos”. A seguir analisaremos a abordagem dos autores salientando os pontos em que

fazem as críticas mais relevantes à atuação do lobby israelense, para em seguida

fazermos uma análise mais profunda sobre as brechas deixadas por Mearsheimer e

Walt.

Mearsheimer e Walt dão cinco exemplos sobre o “excepcional nível de apoio

material e diplomático” dos Estados Unidos a Israel. O primeiro é a ajuda anual de US$

3 bilhões que Washington envia a Jerusalém, equivalente a cerca de 20% do orçamento

americano para este fim. O segundo é o fato de esta ajuda, ao contrário do que ocorre

com outras nações, ser entregue em condições muito favoráveis, o que inclui o

pagamento em parcela única, a possibilidade de investir na própria indústria de defesa

israelense e a dispensa de prestar contas sobre como o dinheiro foi gasto. O terceiro e o

quarto pontos levantados pelos autores estão no campo diplomático: os Estados Unidos

fornecem a Israel informações de inteligência que são restritas até mesmo de integrantes

da Organização do Tratado do Atlântico Norte e vetaram, até a publicação daquele texto(2006), 32 resoluções do Conselho de Segurança críticas a Israel, mais que todos os

vetos combinados dos outros quatro membros do CS em toda a história. O quinto ponto

é a ajuda militar extra que Washington envia aos israelenses em momentos cruciais, o

que viria a se repetir após a publicação do texto, em julho de 2006, durante um novo

conflito entre Israel e Líbano. São cinco fatos com pesos políticos bem diferentes, que

servem para comprovar a relação especial entre Estados Unidos e Israel, mas que

sozinhos não explicam por que o lobby de Israel é, para os autores, tão poderoso.

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Para comprovar esta tese, Mearsheimer e Walt descrevem o funcionamento do

lobby de Israel e as áreas em que seus representantes atuam. Uma primeira característica

do lobby que a dupla comenta é a intensa relação que os dirigentes deste grupo possuem

com “membros do governo de Israel”. Os autores citam um ativista anônimo de “uma

grande organização judaica” segundo quem é rotina para os integrantes do lobby

checarem com seus colegas israelenses se as políticas que estão buscando dentro dos

Estados Unidos refletem o pensamento oficial de Israel. Esta prática, segundo

Mearsheimer e Walt, seria reflexo do fato de que, nos Estados Unidos, tanto os judeus

moderados quanto os linhas-duras defendem um apoio inflexível a Israel. Tal afirmação

é bastante polêmica e será objeto de análise posterior (no item O voto judeu nos

Estados Unidos).

Como forma de comprovar o que seria a penetração do lobby de Israel em vários

setores da sociedade americana, Walt e Mearsheimer destacam como a mídia, os think

tanks e as universidades são influenciados pelo lobby. No caso da mídia, os autores

afirmam que “a perspectiva do lobby” domina a grande mídia americana e citam casos

específicos de jornalistas que admitiram escrever a partir de uma perspectiva pró-Israel,

como Max Frankel, ex-editor executivo do jornal The New York Times. Os autores

falham, entretanto, por não debaterem se o fato de a cobertura ser favorável a Israel éuma consequência do trabalho dos lobistas ou se tem origem em fatores intrínsecos à

sociedade americana, como uma simpatia maior a Israel do que aos árabes. Tal

discussão seria fundamental (ver As origens do apoio americano a Israel) para alguém

que tente definir o papel deste lobby na mídia. No que diz respeito aos think tanks, Walt

e Mearsheimer afirmam que o Washington Institute of Near East Policy é parte

integrante do Lobby de Israel e dizem que “forças pró-Israel” têm presença dominante

em muitas destas “usinas de ideias”, como o Brookings Institution, o Center for Security

Policy e a Heritage Foundation, entre outras. Crítica semelhante é feita pelos autores ao

debate nas universidades americanas. Segundo os dois, o Lobby de Israel tenta policiar

o debate, monitorando o que professores e palestrantes dizem, além de criar grupos pró-

Israel formados por estudantes. Nos dois casos, as evidências expostas pelos autores são

interessantes, porém não são contrapostas com a atuação de outros lobbies nos Estados

Unidos e nem com a possibilidade de tais mecanismos terem sido criados em resposta a

iniciativas que os lobistas viam como contrárias aos interesses de Israel.

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Um argumento mais forte de Walt e Mearsheimer para demonstrar o poder do

Lobby de Israel é a força que este tem dentro do Congresso dos Estados Unidos. Os

autores notam que o Congresso americano não costuma se eximir de discussões

 polêmicas, mas que “Israel é virtualmente imune à crítica” entre os parlamentares. Walt

e Mearsheimer colocam no centro da crítica o American Israel Public Affairs

Committee (AIPAC), que se auto-identifica como o “Lobby pró-Israel na América”, e

citam dois pontos críticos da atuação do grupo. O primeiro surge em declarações de

Douglas Bloomfield, ex-membro do AIPAC. Segundo ele, o AIPAC é a fonte primária

de informações sobre Israel de muitos congressistas, à frente até da Biblioteca do

Congresso e do Serviço de Pesquisa do Congresso (duas instituições conhecidas por sua

busca por isenção e isonomia no fornecimento de informações públicas) e atua no

Congresso até mesmo rascunhando discursos e legislações para os congressistas. Outro

ponto crítico citado pelos autores é a influência do AIPAC no processo eleitoral dos

Estados Unidos. Mearsheimer e Walt citam casos em que candidatos contrários a

posições do AIPAC se viram diante de adversários pró-Israel que contavam com grande

apoio financeiro, um fator fundamental nas eleições americanas.

Aqui é preciso notar que a influência do AIPAC e a instância pró-Israel do

Congresso americano são realmente inegáveis. O AIPAC não faz doações diretas acandidatos, mas é capaz de direcionar as contribuições por meio de Comitês de Ação

Política afiliados a ele. De acordo com o Center for Responsive Politics, no ciclo

eleitoral de 2008, entidades pró-Israel gastaram US$ 3,2 milhões fazendo lobby para

candidatos pró-Israel, sendo que US$ 2,5 milhões foram arrecadados pelo AIPAC

(MINKOFF, 2009). Esses valores são pequenos diante do que é gasto em cada pleito

norte-americano, mas como qualquer outro lobby faz nos Estados Unidos, o AIPAC

encoraja seus afiliados a fazerem doações para aqueles candidatos que considera mais

favoráveis a posições que a entidade defende. Ainda assim, antes sabermos em que

medida o Lobby de Israel afeta a atividade legislativa americana seria necessária uma

comparação profunda entre a quantidade de dinheiro que os legisladores recebem do

AIPAC ou de doadores ligados a ele e o real efeito que o trabalho desses legisladores

têm sobre a política externa americana no Oriente Médio. Isto não foi feito pelos autores

do texto. A tese de que o lobby influencia diretamente a política externa dos Estados

Unidos parece derivar mais de fatores cosméticos, sem direta relação com o que os

Estados Unidos fazem ou deixam de fazer no Oriente Médio. Em agosto de 2011, a

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influência do AIPAC ficou um tanto clara com a divulgação da notícia de que 81

membros da Câmara de Representantes dos Estados Unidos  –  cerca de um quinto da

Casa, um recorde (KAMEN, 2009)  – visitariam Israel durante o recesso de agosto. A

notícia causou surpresa pois, naquele momento, os Estados Unidos viviam um período

agudo da crise econômica que abala o país e o Congresso era visto como incapaz de

chegar a um consenso interno e com o Executivo para aliviar os efeitos da recessão. Em

meio a este clima econômico, chamou a atenção a declaração do democrata Steny Hoyer

de que os problemas financeiros americanos “não teria qualquer efeito adverso na

determinação da América de manter suas promessas a Israel” (KEINON, 2011). Meses

antes, em maio, a instância pró-Israel do Congresso americano ficou clara durante

discurso do primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, diante de uma sessão

conjunta do Congresso. Netanyahu foi recebido como uma estrela, passou dez minutos

cumprimentando os representantes e senadores antes de iniciar sua fala e, como notou o

  jornal Los Angeles Times, “apesar das claras discordâncias com a administração

[Barack] Obama, Netanyahu atuou diante de uma amigável audiência” (MUSKAL,

2011). Em seu discurso, Netanyahu deixou pouco espaço para a retomada das

negociações de paz com os palestinos, mas ainda assim recebeu 29 ovações em pé

contra 25 de Obama durante o discurso sobre o Estado da União em janeiro deste ano

(WOLF, 2011).

3. REFLEXÕES SOBRE CARACTERÍSTICAS DO LOBBY

A análise de Mearsheimer e Walt é válida em uma série de pontos, mas ela também

possui algumas falhas que precisam ser analisadas para entendermos o complexo

contexto do Lobby de Israel nos Estados Unidos. Abordaremos aqui as que

consideramos mais fundamentais. São elas a minimização da identificação entre as

sociedades americana e israelense; a análise apenas superficial sobre a relação entre o

apoio dos Estados Unidos a Israel, o crescimento do sentimento anti-EUA e o

terrorismo; análise também superficial sobre o voto dos judeus americanos; e a ausência

de uma discussão sobre a força comparada do lobby de Israel e a de outros lobbies.

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3.1. Origens do apoio americano a Israel

Na análise que fazem sobre a relação especial existente entre os Estados Unidos e Israel,

Mearsheimer e Walt deixam em segundo plano a identificação entre as duas sociedades

e atribuem o apoio meramente ao poder o Lobby de Israel. Esta parece ser umaabordagem insuficiente.

No ensaio The New Israel and the Old - Why Gentile Americans Back the Jewish

State, Walter Russell Mead traça as raízes do apoio Americano a um Estado judeu e

mostra que no início do século XIX já havia americanos favoráveis ao estabelecimento

de um Estado judeu na Terra Santa (MEAD, 2008). Segundo Mead, a partir desta época,

os não-judeus sionistas nos Estados Unidos passaram a se dividir em duas frentes: os

sionistas proféticos, que “viam no retorno dos judeus à Terra Prometida a realização

literal da profecia bíblica, muitas vezes conectada com o retorno de Cristo e o fim do

mundo” e os sionistas progressistas, para quem “Deus estava construindo um mundo

melhor por meio do progresso humano”. Este segundo grupo tinha secularistas, mas

também religiosos, para os quais a criação do Estado judeu “serviria par a proteger os

 judeus das perseguições e, por meio dos poderes redentores da liberdade e do trabalho

agrícola honesto, elevar e melhorar o que viam como a esquálida moral dos judeus

otomanos e da Europa oriental”. 

Mead nota que essas percepções têm origem no fato de que, como ocorre com os

  judeus, o Antigo Testamento faz parte do ideário americano. Nos Estados Unidos, tal

influência, que pode ser observada desde o discurso político até a nomenclatura de

cidades e regiões, decorre da “redescoberta” das antigas escrituras durante a Reforma

Protestante, particularmente na teologia calvinista, fundamental para entender a

sociedade americana de hoje (MEAD, 2008). Segundo o autor, pela lógica do Antigo

Testamento, as experiências dos americanos e dos hebreus da Antiguidade são vistas

como análogas, uma vez que os americanos se enxergam como aqueles que  – graças a

Deus ou à história  –  chegaram a uma nova terra e ficaram ricos e poderosos e cuja

“prosperidade continuada depende no cumprimento de suas obrigações com Deus ou

com os princípios que os abençoaram até aqui.

Tanto os americanos religiosos como os não religiosos observaram as escrituras

dos hebreus como exemplo de um povo escolhido por sua missão e chamado a umdestino capaz de mudar o mundo. Os primeiros americanos habitaram uma terra

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que outrora pertenceu a outros? Sim, mas os hebreus similarmente conquistaram

terra dos cananeus. As pequenas colônias americanas armadas apenas com a justiça

de sua causa derrotaram o maior império do mundo? O mesmo fez David, o

humilde pastor, que derrotou Golias. Os americanos no século XIX foram isolados

e caçoados por conta de seus ideais democráticos? O mesmo ocorreu com os

hebreus cercados por idólatras. Os americanos derrotaram seus inimigos em casa

em no exterior? Da mesma forma, segundo as escrituras, os hebreus triunfaram. E

quando os americanos tinham milhares de escravos, eles foram punidos e

açoitados? Sim, de forma muito parecida com os hebreus, que sofreram as

consequências de seus atos perante Deus. (MEAD, 2008).

O Antigo Testamento serve como base também para uma comparação entre os

americanos e os israelenses, segundo Mead: ambos são Estados de colonos. O autor

nota que quando os primeiros colonos judeus começaram a produzir no que hoje é

Israel, foram vistos com grande admiração nos Estados Unidos.

Os judeus eram largamente considerados como a população mais deplorável da

Europa oriental: ignorantes, depravados, supersticiosos, faccionários, briguentos e

desesperadamente atrasados. Que esta população, após ser sujeitada à selvageria

sem precedentes da perseguição nazista, conseguisse estabelecer a primeira

democracia estável do Oriente Médio, construir uma economia pujante no deserto,

e repetidamente derrotar inimigos com exércitos muitas vezes maiores e mais

poderosos do que o seu pareceu para muitos americanos uma clara prova histórica

de seus ideais mais queridos (MEAD, 2008).

Mead nota ainda que o apoio secular a Israel sofreu uma guinada nos EstadosUnidos depois da Guerra dos Seis Dias, em 1967, quando Israel derrotou, de forma

espetacular, as Forças Armadas de Egito, Síria, Jordânia e das Forças Expedicionárias

Árabes e conquistou a Península do Sinai, a Faixa de Gaza, a Cisjordânia e as Colinas

de Golã. Até ali, o apoio dos sexcularistas a Israel nos Estados Unidos era uma das

bandeiras da esquerda, que via esta posição como parte de sua luta a favor do

anticolonialismo (Israel se tornou independente em 1948), da liberdade e do fim da

discriminação racial e religiosa. Depois da guerra e das políticas de Israel nos territóriosocupados, diz Mead, o apoio da esquerda americana, ainda que bastante considerável,

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começou a decair, enquanto os conservadores direitistas passaram a apoiar Israel de

forma mais intensa (MEAD, 2008). Segundo ele, este apoio se deu entre os cristãos

evangélicos e os jacksonianos2, grupos que não são exatamente iguais, mas que

possuem certo grau de sobreposição. Enquanto para os primeiros o apoio a Israel

ganhou força graças a uma série de renascimentos religiosos que ocorreram nos Estados

Unidos, para o segundo grupo se tornaram argumentos importantes a favor de Israel o

apoio da União Soviética aos países árabes, o fato de Israel e Estados Unidos terem

inimigos em comum, como o Irã e o Iraque, e depois da Guerra Fria, uma crescente

preocupação com as populações cristãs no mundo, particularmente no Oriente Médio,

onde elas costumam ser duramente oprimidas.

Todos esses fatores mostram que, por mais importante que seja o poder do Lobbyde Israel nos Estados Unidos, há aspectos não relacionados a este lobby que ligam os

americanos e os israelenses que precisam ser considerados.

3.2. O voto judeu nos Estados Unidos

A análise de quais americanos fazem parte do Lobby de Israel deveria ser acompanhada

de um debate sobre qual a porcentagem e quais grupos de judeus americanos fazem

parte dele. Mearsheimer e Walt tocam brevemente esta questão. Eles notam que as

posições de muitos judeus nos Estados Unidos diferem daquelas dos dirigentes do

lobby, mas afirmam que devido à influência do eleitor judeu (concentrado em Estados-

chave como Califórnia, Flórida, Illinois, Nova York e Pensilvânia) o lobby tem muito

poder sobre o Executivo. Por fim, concluem que tanto os judeus moderados quanto os

linhas-duras defendem um apoio inflexível a Israel.

A análise de Mearsheimer e Walt é bastante superficial no que diz respeito ao

perfil de voto do judeu americano e incorre em uma generalização que produz um

resultado falso. Em primeiro lugar, os autores lembram que há uma semelhança de

ideias ultimanente entre o partido Republicano, a da direita israelense e os “chefes” do

2 O termo aparentemente foi criado pelo próprio Walter Russell Mead, para designar os eleitores influenciados pelo presidente

Andrew Jackson (1829-1837) que introduziu a política de massas nos Estados Unidos. Neste texto de 2008, Mead descreve o grupo

como formado por eleitores populistas-nacionalistas que defendem que os Estados Unidos tenham um exército forte e que são

céticos quanto às organizações internacionais. No artigo The Tea Party and American Foreign Policy, de 2011, Mead afirma que as

ideias jacksonianas se baseiam no Iluminismo Escocês, segundo o qual verdades morais, religiosas e científicas podem ser

encontradas por pessoas comuns. Isto leva os jacksonianos a verem com ceticismo os chamados “especialistas”. 

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lobby de Israel. Isto posto, os autores deveriam considerar que os judeus americanos

votam em massa no partido Democrata  –  desde 1992, todos candidatos democratas

atraíram cerca de 80% dos judeus3. Quando eleito, Barack Obama teve 78% do voto

 judeu, mesmo tendo ligações com o pastor Jeremiah Wright, cuja igreja supostamente

apoiava o Hamas, e tendo entre seus auxiliares Samantha Power, que foi acusada de

sugerir que, na hipótese de o conflito Israel-Palestina caminhar para um genocídio, o

Ocidente deveria ocupar a região e desarmar Israel.

A votação de Obama levanta um segundo ponto: a afirmação de que todos

  judeus americanos defendem o apoio inflexível a Israel é falsa. Uma pesquisa4 do J

Street, organização judaica americana, mostrou em 2010 que Israel era apenas o sexto

tema (empatado com as guerras no Iraque e no Afeganistão) que mais preocupavam os  judeus dos Estados Unidos –  antes apareciam economia, saúde, o déficit do governo,

segurança social e terrorismo. A mesma pesquisa mostrou que 73% dos judeus

americanos apoiavam a mediação do conflito com os palestinos pelos Estados Unidos

mesmo que isso implicasse em discordâncias públicas com as duas partes (entre elas

Israel) e 71% aprovavam que os Estados Unidos “exercessem pressão” sobre as partes  

(entre elas Israel). Soma-se a isso o fato de grande parte dos judeus americanos serem

seculares e extremamente favoráveis tanto ao casamento gay quanto a leis liberais sobrereprodução humana (ALTERMAN, 2011), o que os aproxima dos políticos democratas,

e não dos republicanos (e da direita israelense e dos “chefes” do lobby). 

3.3. O apoio dos Estados Unidos a Israel, anti-americanismo e terrorismo

Em um dos pontos mais polêmicos de seu artigo, Mearsheimer e Walt tratam sobre a

relação que o apoio dos Estados Unidos a Israel têm com o sentimento anti-americanoentre as populações árabes e, no limite, com o terrorismo. Os autores ponderam que o

apoio a Israel “não é a única fonte de terrorismo anti-americano”, mas afirmam que “os

Estados Unidos têm um problema de terrorismo em boa parte porque são um aliado tão

 próximo de Israel, não o contrário”. Em uma publicação recente em seu blog no site da

revista Foreign Policy, Walt reforça esta tese afirmando que Ramzi Yousef, responsável

3 Informação disponível no site da Jewish Virtual Library, no linkhttp://www.jewishvirtuallibrary.org/jsource/US-Israel/jewvote.html4 Informação disponível no site da J Street: http://jstreet.org/new-poll-of-american-jews-views-israel/ 

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pelo atentado ao World Trade Center em 1993, Khalid Sheik Mohammed, o arquiteto

do 11 de Setembro, e Osama bin Laden, o fundador da Al Qaeda morto em maio de

2011, tinham como uma de suas justificativas para os ataques o apoio dos Estados

Unidos a Israel (WALT, 2011). Walt e Mearsheimer não estão sozinhos ao dizer que a

proximidade com Israel prejudica os Estados Unidos. Em março de 2010, a tese foi

defendida de maneira aberta pelo então chefe do Comando Central dos Estados Unidos,

o general David Petraeus, em um testemunho escrito enviado ao Comitê de Serviços

Armados do Senado americano. Segundo Petraeus, “as contínuas hostilidades entre

Israel e alguns de seus vizinhos” representam “desafios nítidos” à política externa

americana. “A raiva árabe sobre a questão palestina limita a força e profundidade das

parcerias dos Estados Unidos com governos e pessoas no Oriente Médio e enfraquece a

legitimidade dos regimes moderados no mundo árabe” (KRIEGER, 2010).

Neste ponto, Walt e Mearsheimer parecem confundir o todo  –  a política

americana para o Oriente Médio  –  com uma parte dela  –  a amizade entre Estados

Unidos e Israel. Qualquer breve análise sobre as políticas americanas para o Oriente

Médio e o mundo muçulmano mostra uma história de intervenções, em grande parte,

desastrosas e hipócritas. Em 1953, os Estados Unidos apoiaram o golpe de Estado

contra o governo do primeiro-ministro Mohammad Mosaddegh, que havia sido eleitodemocraticamente no Irã; em 1963, os Estados Unidos apoiaram o golpe militar do

partido Baath do Iraque contra o regime de Abd al-Karim Qasim; os Estados Unidos

apoiavam o cruel e impopular regime do xá Mohammed Reza Pahlavi no Irã, derrubado

em 1979; em 1991, após libertar o Kuwait das tropas iraquianas de Saddam Hussein, os

Estados Unidos prometeram apoio aos opositores de Saddam no Iraque e abandonaram

esses grupos, que foram amplamente massacrados; após a Guerra do Golfo, a Casa

Branca deixou milhares de soldados estacionados na Arábia Saudita (esta sim a

  justificativa maior do ódio de Bin Laden); em 2001, os Estados Unidos invadiram o

Afeganistão; em 2003, invadiram o Iraque; desde 2008, os Estados Unidos promovem

uma série de bombardeios ao território do Paquistão, que deixam um grande número de

civis inocentes mortos. Nenhum destes episódios, e muitos outros que poderiam ser

citados, têm direta ligação com Israel ou com o Lobby pró-Israel nos Estados Unidos.

Soma-se a tudo isso um fato determinante no ódio aos Estados Unidos entre

populações muçulmanas – o apoio irrestrito do governo americano a regimes altamenteimpopulares como os de Hosni Mubarak (Egito), o da família Saud (Arábia Saudita), da

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monarquia Hachemita (Jordânia), o de Zine El Abidine Ben Ali (Tunísia), o de Ali

Abdullah Saleh (Iêmen), entre outros. Esses e outros governos destruíram as vidas de

gerações de muçulmanos ao implantar ou manter regimes altamente corruptos e

incompetentes em detrimento do bem-estar das populações, regimes estes que cooperam

com os Estados Unidos e, ao mesmo tempo, atribuem à amizade deste com Israel todos

os problemas da região.

Atribuir o anti-americanismo no mundo muçulmano apenas à amizade entre

Estados Unidos e Israel ainda pode esconder uma raiz sociológica deste sentimento.

Para o sociólogo Paul Hollander, o anti-americanismo pode ser “mais bem entendido

como uma difuso e contínuo protestos contra os principais componentes e

consequências não pretendidas da modernidade”, como “secularização, industrialização,

urbanização, burocratização, mobilidade (social e espacial), e o declínio da coesão

comunitária e sócio-cultural” (HOLLANDER, 2002). Para Hollander, é no mundo

muçulmano que se encontra “a mais óbvia e clara conexão entre o anti-americanismo e

a modernidade:

[A conexão é encontrada em países muçulmanos] e outras sociedades tradicionais

onde a modernização enfrenta crenças tradicionais, instituições e padrões de

comportamento arraigados, e onde ela desafia o sentido da vida, as relações sociaise as verdades religiosas. (...) Em países árabes e entre populações muçulmanas, o

anti-americanismo não é apenas monopólio dos intelectuais, mas também uma

disposição generalizada das massas. Nestas áreas, a religião tradicional, a política

radical, e o atraso econômico se combinam para fazer do anti-americanismo uma

resposta excepcionalmente generalizada, virulenta e reflexiva para uma grande

gama de frustrações coletivas e pessoais  – e uma bem-vinda alternativa a qualquer

autoexame coletivo ou individual (HOLLANDER, 2002).

Tudo isto posto, fica claro que ainda que o apoio quase que irrestrito dos Estados

Unidos às atitudes de Israel seja uma das fontes de anti-americanismo, ele está longe de

ser o único.

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3.4. Outros lobbies nos Estados Unidos

Como já notado, apenas uma análise comparativa entre o Lobby de Israel e os demais

lobbies nos Estados Unidos poderia dizer em qual medida o governo americano é

influenciado por ele. Os autores não se dedicam a esta análise  – o que talvez tiraria ofoco de seu objetivo, que era trazer à tona a discussão sobre a amizade entre Israel e

Estados Unidos  –  mas também não ponderam nem mesmo sobre outros lobbies

importantes para a região do Oriente Médio, como são os da indústria do petróleo e o da

Arábia Saudita.

Aqui vale destacar a influência do lobby saudita, uma vez que a principal

acusação feita ao Lobby de Israel  –  colocar em perigo os interesses nacionais dos

Estados Unidos  – é também atribuída a ele. Mearsheimer e Walt citam o embargo do

petróleo levado a cabo pela Organização dos Estados Produtores de Petróleo (Opep) em

1973, após a ajuda bilionária dos Estados Unidos a Israel em meio à Guerra do Yom

Kippur, como uma prova de que a parceria com Israel é um “fardo” para os Estados

Unidos. O mesmo episódio mostrou que a parceria com a Arábia Saudita também é um

fardo para os Estados Unidos, pois mesmo com o embargo “violando a lei internacional

e o acordo de comércio bilateral entre os Estados Unidos e a Arábia Saudita a Casa

Branca e o Departamento de Estado não poderiam ter sido mais diplomáticos com seus

amigos beduínos” (MACARTHUR, 2007) e receberam o recado de que o embargo só

seria desfeito caso o “a duelo político entre Israel e os árabes fosse resolvido de maneira

satisfatória aos árabes” (MACARTHUR, 2007).

Mais recentemente, a aliança dos Estados Unidos com a Arábia Saudita também

pode ter servido para ampliar o sentimento anti-americano em partes do mundo

muçulmano e mesmo para manchar a imagem do país perante o mundo. Após defender

a saída de Hosni Mubarak e Muammar Kadafi do poder no Egito e na Líbia,

respectivamente, e ensaiar uma retórica pró-reformas e democracia durante o início da

Primavera Árabe, o governo de Barack Obama moderou seu discurso quando o levante

chegou ao Bahrein, aliado americano e também da Arábia Saudita, que interveio no país

vizinho com o envio de tropas para conter as manifestações populares. O quase silêncio

da Casa Branca colocou os holofotes sobre a aliança americana com a Arábia Saudita, a

ameaça que ela representa para “segurança nacional” dos Estados Unidos e sobre o

“lobby saudita em Washington –  as indústrias financeiras, de petróleo e armas, os

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lobistas profissionais, os mais elevados oficiais da administração e mesmo a mídia” que

fazem o governo americano “ser tão hesitante ao defender os direitos legítimos da

maioria no Bahrein” (ASKARI, 2011) 

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como mostrou a análise presente neste trabalho, os textos de Walt e Mearsheimer

traziam uma série de afirmações erradas e superficiais ao lado de uma série de

comentários pertinentes sobre os efeitos que a relação especial entre os Estados Unidos

e Israel tem para a segurança nacional americano. Se fosse preciso destacar um único

acerto dos autores, este não estaria no bojo do texto, mas sim em sua existência: o fatode o tema ter sido trazido à tona serviu para gerar um debate que ainda está longe de

acabar e que precisa continuar. Precisa pois a evolução da parceria entre Estados Unidos

e Israel ao longo do tempo é parte importante da solução para o conflito entre

israelenses e palestinos.

O lobby pró-Israel nos Estados Unidos, (considerado aqui o AIPAC, outras

instituições semelhantes e indivíduos que se identificam com elas) não é tão poderoso

quanto Mearsheimer e Walt alegam. Ele realmente tem influência em diversos setores

da sociedade americana, como a mídia, os think tanks e o Congresso, mas não é capaz

de, sozinho, pautar a política externa americana no que diz respeito ao Oriente Médio e,

particularmente, ao conflito Israel e Palestina. Em primeiro lugar, o lobby não conta

com o apoio de todos os judeus americanos. Como mostraram pesquisas já citadas, este

grupo de eleitores vai às urnas e faz doações a candidatos pensando como americanos e

também como judeus  – eles se preocupam com diversos temas e não desejam que os

Estados Unidos apóiem Israel de maneira inflexível. Se todos os judeus americanospensassem desta maneira, o lobby seria muito mais poderoso e influente, tendo em vista

a distribuição geográfica (em Estados-chave) e a importância das doações dos judeus

americanos para as campanhas. Em segundo lugar, o lobby pró-Israel encontra

opositores em seu campo de atuação original: a prática de lobby em Washington. O

lobby saudita merece um destaque particular tendo em vista a antiga parceria entre os

Estados Unidos e a Arábia Saudita. Ainda que o lobby pró-Israel e o lobby pró-árabe

possam ter causas em comum, como um ataque ao Irã, por exemplo, no que diz respeitoao conflito Israel-Palestina, são claros antagonistas. Assim, o lobby pró-Israel não age

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livremente e sem opositores em Washington. Em terceiro lugar, é preciso ter em conta

que a política externa americana é, em último caso, formulada no Departamento de

Estado e na Casa Branca, e não no Capitólio, onde a influência dos lobbies, entre eles o

de Israel, é muito mais intensa.

O que ocorre com o lobby pró-Israel é que ele é incrivelmente competente no

quesito propaganda. Em primeiro lugar, o lobby é pródigo ao mostrar e alardear eventos

em que seu suposto poder (seja ele de qual grau for) é provado, como as conferências

anuais da AIPAC e os discursos dos primeiros-ministros de Israel diante do Congresso

americano. Em segundo lugar, o lobby é mobilizado em tempo integral. Em 9 de

novembro de 2011, menos de 24 horas depois do vazamento de um diálogo entre

Barack Obama e o presidente da França, Nicolas Sarkozy, no qual este chamavaBenjamin Netanyahu de “mentiroso”, Abraham Foxman, diretor-nacional da Liga Anti-

Difamação nos EUA, surgia no noticiário para declarar seu “profundo

desapontamento”5 com a conversa. Em terceiro lugar, o lobby é intensamente agressivo

com aqueles que fazem críticas a Israel. A própria reação ao texto de Mearsheimer e

Walt, que sofreram acusações de antissemitismo, mostra este aspecto. A obra

obviamente foi e é usada por todo o tipo de antissemitas, mas isto não quer dizer que os

autores o sejam. Todas essas práticas servem para manter o tema Israel como um de altasensibilidade, o que acaba beneficiando o lobby, pois o clima de histeria que cada nova

polêmica cria pode afugentar críticos e adversários. É uma condição que provavelmente

qualquer lobista gostaria de ter, mas que o lobby pró-Israel, devido à sua organização, é

capaz de manter ativa com certa facilidade.

O aspecto mais importante de toda esta discussão, entretanto, não é a forma

como o lobby pró-Israel opera e nem seu grau de poder, mas sim algo que Mearsheimer

e Walt deixaram em segundo plano. O problema é que o lobby pró-Israel nos EstadosUnidos é, patentemente, um lobby pró-Likud, o principal partido da direita israelense,

que só é favorável à paz com os palestinos e à solução de dois Estados para o conflito da

boca para fora. Tendo isto em vista, fica claro que o lobby pró-Israel, em suas

características atuais, é prejudicial não apenas aos Estados Unidos, mas também a

Israel. O poder que o Likud e seus aliados mais extremistas Shas e Yisrael Beitenu

desfrutam hoje é resultado da derrota do campo da paz em Israel, ocorrida com o

5 Disponível no site do jornal Haaretz: http://www.haaretz.com/news/diplomacy-defense/adl-deeply-disappointed-by-sarkozy-obama-exchange-on-netanyahu-1.394569

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descarrilamento dos processos de paz de Oslo e Camp David. Em substituição ao campo

da paz, subiu ao poder em Israel uma liderança para a qual uma paz que contemple

também os interesses dos palestinos simplesmente não é aceitável. Prova disso é o fato

de o governo Netanyahu bloquear a paz, de forma deliberada, em duas frentes:

defendendo uma política de assentamentos na Cisjordânia claramente insustentável e

insistindo para que os palestinos reconheçam Israel como Estado judeu antes da

retomada das negociações bilaterais – o que implicaria automaticamente na rejeição ao

direito de retorno dos refugiados, um dos grandes trunfos palestinos. Ao manter esta

política, que nos Estados Unidos encontra guarida no lobby pró-Israel (na verdade pró-

Likud) e nos setores evangélicos e “jacksonianos” do eleitorado, a direita israelense

coloca em perigo o futuro de longo prazo de Israel e também afeta a segurança dos

interesses americanos na região.

Como já notado, a paz entre israelenses e palestinos tornaria os Estados Unidos

mais seguros no que diz respeito à luta contra o terror, mas não resolveria o problema,

pois este tem raízes muito mais profundas. De formas diferentes, tanto o governo

George W. Bush quanto o governo Barack Obama tentaram lidar com esta questão ao

ensaiar um apoio às reformas e à democratização de nações do Oriente Médio, um

processo que sem dúvida teria um efeito muito mais significativo no combate ao terror.Bush e Obama fizeram isto contrariando os interesses da direita israelense, que preferia

ver a manutenção do status quo na região. Este comportamento de Bush e Obama

mostrou que ainda que as vozes do Likud, do lobby pró-Likud nos Estados Unidos e dos

eleitores jacksonianos seja potente, a Casa Branca é capaz de agir para preservar os

interesses americanos sem levá-las em consideração. Isto significa que o lobby pró-

Likud não é todo-poderoso e que poderá ser neutralizado caso chegue ao poder em

Israel uma liderança genuinamente interessada na paz e que tenha como parceiro do

lado palestino uma liderança também pronta para fazer concessões, condição que não

existia nos processos de paz de Oslo e Camp David. 

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