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MAGISTÉRIO: FORMAÇÃO E TRABALHO PEDAGÓGICO O MÉTODO DIALÉTICO NA DIDÁTICA 4ª Edição P A P I R U S E D I T O R A

O Método Dialético na Didática - Capítulo 3 (Reformatado no Word)

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M A G I S T É R I O : F O R M A Ç Ã O E T R A B A L H O P E D A G Ó G I C O

O MÉTODO DIALÉTICO NA

DIDÁTICA 4ª Edição

P A P I R U S E D I T O R A

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Capa: Francis Rodrigues Copidesque: Rosa Dalva V. do Nascimento

Revisão: Alzira D. Sterque Josiane Pio Romero Niuza M. Gonçalves

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação ( CIP)

(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Wachowicz. Lilian Anna O método dialético na didática / Lilian Anna Wachowicz. -2a ed. -

Campinas, SP : Papirus, 1991. - (Coleção Magistério: Formação e Trabalho Pedagógico)

Bibliografia. ISBN 85-308-0155-5

1. Dialética 2. Educação - Filosofia 3. Ensino - Métodos I. Título. II. Série.

91-0266 CDD-371.3

-370.1

Índices para catálogo sistemático:

1. Dialética aplicada à educação 370.1

2. Didática: Educação 371.3

3. Educação: Concepção dialética: Filosofia da educação 370.1

4. Ensino: Métodos 371.3

4ª edição 2001

DIREITOS RESERVADOS PARA A LÍNGUA PORTUGUESA: © M.R. Cornacchia Livraria e Editora Ltda. - Papiru s Editora Telefones: (19) 3272-4500 e 3272-4534 - Fax: (19) 3 272-7578 Caixa Postal 736 - CEP 13001-970 - Campinas - SP - Brasil. E-mail: [email protected] www.papirus.com.br Proibida a reprodução total ou parcial. Editora afili ada à ABDR.

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Capítulo III

A QUESTÃO DIDÁTICA: O SABER FAZER NA ESCOLA

3.1 Fundamentos do método didático Seguiremos a partir dos pressupostos já alcançados: o trabalho da escola se refere à apropriação do

saber, por parte do aluno concreto; o saber de que se trata na escola pública deve ter um conteúdo específico para servir às classes subalternas no seu processo de progressão humana e social; o conteúdo específico de que se trata somente será progressista se o meio pelo qual é transmitido for progressista.

O controle dos meios de socialização do saber é do governo, que entretanto trata a questão com um interesse insuficiente, no limite dos dividendos eleitorais. Pressupõe-se nessa tese que o controle deva ser retirado pela sociedade civil ao governo, assumindo-o os professores organizados em associações, com a manutenção total do Estado e em articulação com a comunidade escolar organizada.

Nesse contexto, a questão didática retoma a questão do método: ressaltando a importância da prática para que uma teoria se cumpra e para que não se torne seu contrário, vamos a partir daqui tratar dos meios pelos quais pode ser realizada a apropriação do saber, segundo a pedagogia progressista.

A prática social é caracterizada por nossos autores como sendo o ponto de partida do ensino 1, tratando-se este como um processo que tem por objeto o saber escolar. O método didático é fundamental, mas não é sinônimo do meio pelo qual é transmitido o saber. Por meios de transmissão tomam-se, nessa tese, desde os tipos de instituições de ensino, os mecanismos de seleção do aluno, as relações entre alunos e professores até o próprio método didático, sendo este o meio que está na alçada do professor.

O método didático é decorrente de muitas dessas variáveis. Pode ser tratado como a forma que o conteúdo adquire; "no processo de transmissão-assimilação de conteúdo do saber escolar ( . . . ) o conteúdo foi supervalorizado, em detrimento da forma ( . . . ) . Não há conteúdo sem forma e vice-versa" 2.

Na relação entre forma e conteúdo do processo de ensino, há uma especificidade da forma, ou seja, do método didático, no contexto do conteúdo-objeto do saber. Mas não nos parece que seja esta uma relação do menor para o mais amplo, e muito menos de uma contradição. Também não seria a forma didática utilizada no sentido de um método capaz de "ensinar tudo a todos", como já foi citado.

"Na relação conteúdo-forma, o conteúdo é o pólo determinante, mas essa determinação não é absoluta. A forma mantém com o conteúdo uma autonomia relativa. Na medida em que essa autonomia relativa não é percebida, a forma que vem sendo dada àquele conteúdo, e que pode estar servindo a determinados interesses diferentes daqueles que se proclama, acaba refreando o desenvolvimento do conteúdo, sendo este apresentado (sem se ter consciência disso) como algo estático, já acabado ( . . . ) " 3.

Há então um terceiro componente na relação forma-conteúdo, sendo importantíssima sua análise para a compreensão dessa relação. Confirmada a especificidade da forma e a determinação do conteúdo, temos a finalidade em função da qual se dá a relação como o terceiro componente.

"É interessante notar que, ao não se perceber a necessidade de se considerar o conteúdo em relação recíproca com a forma em função de objetivos conscientizados, afirma-se (também sem ter consciência disso), a forma já existente, pois não há conteúdo sem forma e vice-versa. É preciso portanto questionar não só o 'que' do saber escolar a ser ensinado mas também o 'como' se pretende ensinar esse 'o quê'. E mais ainda: é preciso questionar esses dois pólos em função de quais interesses está servindo o ensinar bem" 4.

O conjunto de que se trata no processo de ensino é pois conteúdo, forma e objetivos, sendo esse último o que determina a relação entre os outros dois. Se os objetivos não forem explicitados, tornando-se "objetivos conscientizados", a forma já existente é afirmada. Uma analogia se apresenta: os objetivos do ensino seriam na prática educacional o mesmo que é a ideologia na prática social: um condicionante de

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todo o processo, através de "um corpus de representações e de normas que fixam e prescrevem de antemão o que se deve e como se deve pensar, agir e sentir" 5.

A forma didática, pois, é uma conseqüência dos objetivos.

Uma forma que existiu desde a origem da instituição e foi crescendo através do tempo, persistindo fundamentalmente apesar de tendências que surgiram no decorrer da história da escola mas que não a atingiram em extensão significativa, é o que se percebe ao fazer a leitura do discurso do professor 8.

A forma na prática persiste, apesar das teorias mudarem. Uma explicação que nos ocorre é que essa forma didática decorre de uma lógica formal, sendo que esta se manteve apesar das propostas de mudanças nos métodos de ensino, porque os objetivos se mantiveram também. Alguns autores7 falam de um tratamento formal e de um tratamento instrumentalista que o método didático recebeu na sua história, e também denunciam que na escola se constata

" ( . . . ) a ausência de um tratamento orgânico e específico sobre o problema do método, não sendo essa ausência casual. Este esquecimento da questão do método parte de duas linhas de tratamento que visam a encobrir posições ideológicas, deixando de lado o problema metodológico, ou seja, tornando-o inoperante para situações concretas a nível de aula ou dando respostas parciais sem um enfoque global" 8.

Avançando na crítica dessas abordagens, as autoras citadas indicam um método geral, o método

dialético,

"que concebe o mundo em movimento e desenvolvimento contínuos, vendo-o tal como é. Todos os seus conceitos, categorias e leis desempenham o papel de princípios metodológicos" 9.

Reconstituindo nossos pressupostos teóricos, temos que não se trata de um método didático geral, mas de um método de pensamento, não de ciência nem de ensino, tratando-se portanto de uma lógica, a dialética, que supera a lógica formal e indica as etapas para que o pensamento se aproprie da realidade. Concordamos, então, com as autoras em que as etapas para essa apropriação são: prática-teoria-prática. Assim, quando tratamos de método didático não o entendemos como um método geral mas decorrente de um método de pensamento.

Diferente do objeto da metodologia científica e do objeto da metodologia do ensino, a didática tem como objeto a metodologia do pensamento.

É preciso reafirmar nesse ponto que a educação escolar não trata apenas da transmissão do conhecimento. Se assim fosse as metodologias do ensino poderiam resolver a questão didática através do critério dos conteúdos das áreas do conhecimento.

Este é um critério lógico, através do qual o método de ensino em cada área do conhecimento depende das formulações que o conteúdo da mesma área indicar.

Na investigação científica do conhecimento, também o conteúdo a ser investigado determina o método científico da pesquisa.

Entretanto, há um campo específico para a didática na questão do método, campo esse decorrente do fato de ser a educação escolar uma ação pela qual estudantes e professores trabalham na conquista do conhecimento.

Pela característica de ação, a educação está referenciada à atividade dos sujeitos do processo e não somente à lógica dos conteúdos, que são o seu objeto.

Isto não significa que o critério psicológico, ligado à atividade do sujeito independentemente do objeto do trabalho escolar, seja adotado em nossa perspectiva como o foi durante a vigência do movimento educacional chamado Escola Nova.

Não existe o trabalho escolar sem o objeto específico do conhecimento, mas também não existe esse trabalho independentemente dos sujeitos da ação educacional.

A pedagogia tradicional é que considerava apenas o critério lógico, segundo o qual basta ao professor conhecer a matéria a ser ensinada para que se realize o ensino. A pedagogia nova por sua vez considerava apenas o critério psicológico, segundo o qual basta ao professor promover condições favoráveis à aprendizagem do aluno para que esta se realize.

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Em conseqüência da elaboração teórica da lógica dialética, ou concreta, após o século XIX, é compreensível que se elabore a didática segundo o método do pensamento sobre o objeto do conhecimento e que assim se caracterize o método didático.

É preciso pois explicitar a lógica dialética em cujos elementos se encontram os fundamentos do método didático.

No Brasil, esse trabalho foi iniciado entre os educadores, mais especificamente a partir de 1982 10, quando a questão didática aflorou nos debates acadêmicos, após uma significativa produção teórico-educacional na linha crítica desde a década de 70.

Dermeval Saviani, ao preconizar para o ensino o método da prática social11, faz uma comparação entre os métodos tradicionais e os métodos novos (da Escola Nova).

Da pedagogia tradicional, utiliza nessa comparação o método de Herbart (passos formais) e da pedagogia nova, o método de Dewey.

O método proposto para realizar a dialética na sala de aula, diferentemente dos métodos que foram apresentados para a comparação, tem como ponto de partida e ponto de chegada, no processo de ensino, a prática social.

Nesse sentido, é possível ao método dialético de pensamento, e só a este método, abordá-la como uma totalidade, pois trata-se de uma realidade, a realidade social.

Ainda segundo Dermeval Saviani, a prática social tomada como ponto de partida para o ensino teria para alunos e para professores uma leitura diferente. Os alunos sentem e "sabem" a prática social em um nível sincrético e os professores em um nível de "síntese precária”.

Se for tomada como leitura da realidade, a prática social tem como agentes sociais diferenciados os alunos e os professores enquanto que "do ponto de vista pedagógico há uma diferença essencial que não pode ser perdida de vista: o professor, de um lado, e os alunos, de outro, encontram-se em níveis diferentes de compreensão (conhecimento e experiência) da prática social" 12.

Trazida para a sala de aula, na forma verbal pela qual a escola tem trabalhado, a prática social seria o objeto do diálogo entre alunos e professores. Como técnica ou forma de trabalho didático, o diálogo seria estabelecido; como conteúdo, a prática social na sua leitura cotidiana seria explicitada.

Temos então preliminarmente duas questões para a primeira etapa: como se toma a prática social e de qual diálogo se trata, no método didático, entendido como um método de pensamento.

" O trabalho pedagógico, por ser um trabalho, não é transmissão de conhecimento, mas também não é um diálogo, uma comunicação intersubjetiva entre o professor e seus alunos" 13.

O diálogo enquanto forma de trabalho pedagógico realmente não é uma comunicação intersubjetiva, pois não se trata de um "fazer de conta" que alunos e professores têm uma relação simétrica no ponto de partida do ensino. Se ambos fazem uma leitura diferente do conteúdo da prática social, o diálogo que se trava não é entre esses sujeitos. "O diálogo do aluno é com o pensamento, com a cultura corporificada nas obras e nas práticas sociais transmitidas pela linguagem e pelos gestos do professor, simples mediador" 14.

Não somente o professor, ou melhor a relação professor-aluno, mas também o conteúdo, a forma e os objetivos, como componentes do ensino, seriam mediadores. E o verdadeiro processo didático, a aprendizagem, no seu aspecto nuclear e mais interno, seria a relação de alunos e professores com o conteúdo ou saber escolar.

No plano das relações portanto é que são respondidas as questões sobre a forma didática que vai caracterizar a sala de aula, sobre seu objeto, a prática social.

Mas como poderia a escola trabalhar com a prática social como leitura da realidade se está afastada dela na sua estrutura institucional?

Aplicando a lógica dialética, temos que os textos que alunos e professores irão trabalhar na escola serão textos da realidade mesma e não apenas escritos por autores que estudaram o assunto e agora vêm à escola de uma forma distante da realidade.

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Paulo Freire sistematizou esse método e não por acaso somente o fez na educação de adultos e fora da instituição escolar formal. Os empecilhos para atingir o sistema escolar são muito grandes, de ordem político-administrativa, o que nem mesmo em caráter experimental foi tentado 15.

Para alguns dos analistas de Paulo Freire, sua obra evoluiu de uma ótica situacionista para uma ótica de resistência 18 mas toda ela dedicada à conscientização e portanto ligada intrinsecamente à relação educação e sociedade.

Do ponto de vista teórico, a lógica dialética no método didático tem como fundamento psicológico o estudo, entre outros, do desenvolvimento infantil elaborado por Henri Wallon, indicado por autores progressistas como sendo

" ( . . . ) um ponto de vista dialético sobre o desenvolvimento infantil ( . . . ) . Wallon é capaz de situar-se ante o verdadeiro objeto da psicologia, a pessoa concreta em sua situação concreta" 11.

Segundo Wallon, o meio vital e primordial da criança é o meio social, mais que o meio físico. Fora desse meio social, o desenvolvimento normal é impossível, e a criança chega à condição de ser humano total através de uma autêntica osmose biossocial.

Para esse ponto de vista, os três conceitos-chave do desenvolvimento infantil são a preponderância, a alternância e a integração. Admite etapas no desenvolvimento infantil, porém sua sucessão é marcada pelo conflito e se caracteriza não como ampliação das etapas anteriores mas como recomposição, sendo descontínua.

O primeiro desses conceitos-chave é definido a partir da constatação de que as etapas são caracterizadas por uma atividade preponderante e disso resulta em cada etapa um "conflito específico", que a criança deve resolver. Para isso, dispõe de vários tipos de respostas (motoras, intelectuais e afetivas), tipos estes que não são separáveis, pois estão integrados em unidades dialéticas.

Uma das diferenças entre a psicologia de Wallon e as demais concepções genéticas do desenvolvimento infantil é que cada etapa é caracterizada segundo a preponderância de umas respostas sobre outras, não sendo fixas nem seqüenciais as preponderâncias, mas alternadas.

"O desenvolvimento da criança não se produz por adição dos progressos, mas apresenta oscilações entre as manifestações antecipadas de uma função que se há de estabelecer posteriormente e as regressões a momentos já superados" 18.

São as alternâncias funcionais, princípio esse que explica o crescimento infantil como descontínuo e marcado pelos conflitos.

A mais complexa e frágil das funções psíquicas é a integração funcional, nessa teoria. Ao indivíduo cabe integrar as atividades mais primitivas nas mais recentes, formando sínteses da diferenciação e dos agrupamentos,

" ( . . . ) circuito interno dinâmico, em cujo seio operam as sínteses que têm lugar como resultado da dialética evolutiva ( . . . ) . Na sucessão das idades, é sempre o mesmo ser, em curso de metamorfoses. Feita de contrastes e conflitos, a unidade infantil será tanto mais suscetível de ampliações e novidades" 19.

Todas as teorias da educação baseiam-se em uma psicologia do desenvolvimento e da aprendizagem. Na concepção histórico-crítica entretanto a psicologia tem sido relegada.

A explicação para esse fato pode estar na ligação sobre a qual temos elaborado um posicionamento da didática no contexto da educação, muito mais no sentido de ser essa área decorrente da lógica do que da psicologia. Isto porque entendemos a didática no contexto do método do pensamento, ou seja, no contexto da lógica.

Também em psicologia o pensamento é objeto de estudo, o que explica alguns pontos comuns entre psicologia e lógica, e portanto entre psicologia e didática. Mas enquanto a psicologia estuda a natureza do pensamento, a lógica estuda a forma pela qual o pensamento apreende o conteúdo da realidade.

Poderia parecer, assim, que estamos situando a didática no campo da abstração. É preciso portanto esclarecer, a partir do que já foi colocado, que se trata não de uma lógica formal, mas de uma lógica dialética, ou concreta.

"A lógica não pode ser concebida apenas como ciência da forma do pensamento, separada de qualquer conteúdo ( . . . ) a forma do pensamento é conduzida além de si mesma e não pode permanecer pura

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(puramente formal) ( . . . ) . O método não deve desdenhar a lógica formal, mas retomá-la. Portanto, o que é esse método? É a consciência da forma, do movimento interno do conteúdo. E é o próprio conteúdo, o movimento dialético que este tem em si, que o impele para a frente, incluída a forma. Não se poderia dizer melhor que só existe dialética (análise dialética, exposição ou síntese) se existir movimento; e que só há movimento se existir processo histórico ( . . . ). A história é o movimento de um conteúdo, engendrando diferenças, polaridades, conflitos, problemas teóricos e práticos, e resolvendo-os (ou não)" 20.

Antônio Gramsci já fazia em sua época a defesa do método histórico na didática. "Promove o princípio pedagógico-didático da história da ciência e da técnica, base da educação formativo-histórica da nova escola. Para ele, o ensino que utiliza como método a investigação histórica converte-se em ato de liberação. Possui a fascinação de todas as coisas vitais"21.

A questão histórica é que conduz à questão psicológica, do sujeito, pelo princípio da dupla determinação. "A relação entre o mundo e eu não pode ser concebida no estranho e no alheio sem o outro e o outrem, o próximo e o longínquo, que são os mesmos (dois aspectos da mesma relação). O mundo chega a esse eu que sou eu, por dois caminhos: a história inteira, o passado, o tempo biológico e social — e a biografia individual, o tempo singular ( . . . ) . Não seria a dupla determinação?" 22

O meio social como sendo fundamentalmente o meio vital para o desenvolvimento humano é um pressuposto que se coaduna com o método didático a partir da prática social; porque ambos consideram o concreto e o social.

Mas a prática social é apenas o primeiro passo, no método didático proposto, a partir do qual os demais passos são a problematização, a instrumentalização e a catarse, para então novamente se tomar a prática social, agora como ponto de chegada. Assim, após alunos e professores se defrontarem com o conteúdo da prática social no início do trabalho pedagógico, o passo da problematização vai decidir quais as grandes questões que se colocam no âmbito da prática social e quais conhecimentos são necessários para resolvê-las.

A seleção de conteúdos a ser feita nessa etapa não se coloca de forma rígida e previamente preparada, mas a decisão é da alçada do professor diante do grupo de alunos pelo qual se responsabiliza. As grandes questões no âmbito da prática social entretanto não são locais nem regionais, pois não se trata de um currículo na linha da reconstrução social, de que falavam autores norte-americanos da década de 60.

Na linha da pedagogia progressista, os conteúdos necessários são comuns, a tal ponto que Gramsci falava de uma escola unitária, onde houvesse nas primeiras séries da escolarização um certo dogmatismo para assegurar a transmissão de determinados conteúdos culturais.

A questão do método didático, entretanto, interliga-se de tal forma à questão do conteúdo que neste ponto é preciso verificar como se dá esse passo, da problematização. Não pode ser apenas uma estratégia pela qual um conjunto de conteúdos pré-elaborados, dado ao professor, passaria por um processo de seleção em função das questões relevantes para a prática social. Haveria então um enlaçamento artificial entre os conteúdos necessários em uma determinada cultura e aqueles pontos que a prática social de um determinado grupo considera relevantes.

No método Paulo Freire de alfabetização, a etapa do levantamento do vocabulário no contexto do universo significativo refere-se à prática daquele grupo em particular, ao qual pertence culturalmente o professor de certa forma na condição de monitor. Este não necessariamente tem formação especializada ou qualificação por agência específica.

No método Saviani, entendemos por prática social o contexto amplo, histórico-social, na totalidade das relações entre classes antagônicas. Para ultrapassar a barreira da ideologia dominante, o trabalho deve ser o princípio fundamental. Mas essa tarefa se configura muito difícil (de dificuldades inauditas), por ser uma tarefa de resistência.

Manacorda considera errôneo explicitar ideologias no ensino, porém o tipo de escola que proceder à transmissão do conteúdo em si e não à transmissão da ideologia necessariamente terá uma proposta clara de conteúdo, do ponto de vista da classe dos trabalhadores. Entendemos o pensamento de Manacorda no

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sentido de não se fazer na escola a simples inculcação ideológica sem conteúdo, como é usual em grupos políticos que confundem educação com política e praticam a crítica pela crítica.

Gramsci fala de um fundamento de coletivização do tipo social alcançado a partir do qual a escola entra numa fase na qual não há um programa predeterminado, a escola criativa, onde a aprendizagem se realiza principalmente pelo esforço do aluno.

O tipo social a ser alcançado segundo a pedagogia progressista na escola básica é muito claro e opõe-se frontalmente ao tipo da ideologia dominante. Aliás este tipo social, da ideologia dominante, é indefensável, mesmo para a escola atual, que portanto trabalha sobre um tipo social ideal, no sentido de que não é concreto. Este, se lograsse sua formação, revelar-se-ia despreparado para a vida real.

A educação se reduz a uma instância da superestrutura totalmente alienada quanto à relação entre o indivíduo e a sociedade.

Henri Wallon faz uma abordagem clara desse problema. Na interpretação de Palácios, para a teoria de Wallon, " ( . . . ) o individualismo deve ser superado. Querer dar soluções individualistas a problemas coletivos ou sociais é um erro de perspectiva ( . . . ) . A escola não pode permanecer fechada aos problemas da sociedade; evidentemente, ela não os pode solucionar, mas tão pouco pode esquecê-lo" 23.

Apenas, na leitura da proposta de Wallon, bem como na de Saviani, pode ser deduzido que cabe ao professor a escolha do conteúdo, ou a adequação do conteúdo ao grupo de alunos pelo qual se responsabiliza. E isto na prática não é o que ocorre.

"O segundo passo não seria a apresentação de novos conhecimentos por parte do professor (pedagogia tradicional) nem o problema como um obstáculo que interrompa a atividade dos alunos (pedagogia nova). Caberia, neste momento, a identificação dos principais problemas postos pela prática social" 24.

Alguns professores, principalmente ao nivelado ensino superior, têm trabalhado dessa forma. A seleção dos conteúdos é da responsabilidade do professor, que para isso tem liberdade até certo ponto. Mas, que ponto é este? Os professores devem seguir ementas das disciplinas, ementas essas que são as referências sobre as quais são elaborados os programas, tarefa essa que cabe ao professor, no período de tempo a que se refere o programa.

Esse procedimento não inclui as escolas públicas de 1.º e de 2.º graus no Brasil, nas quais a seleção de conteúdos é determinada ao nível central da administração do sistema educacional: as secretarias de Estado da Educação para as redes estaduais e as secretarias municipais para as redes municipais, a partir de diretrizes emanadas do Conselho Federal de Educação e dos Conselhos Estaduais de Educação.

As questões que se põem são portanto de duas ordens: primeiro, qual a abrangência do conteúdo definido a partir da consideração da prática social, como fundamento para a seleção; e segundo, quem define os conteúdos.

Na pedagogia progressista é ponto de acordo entre os autores que educação e sociedade estão relacionadas. Para Gramsci, o problema do método didático se remonta à relação entre a escola e a vida" 25.

Entre os professores, é senso comum o entendimento de que quaisquer técnicas utilizadas para "vivificar o ensino" 28 demandam mais tempo para a aprendizagem, o que prejudicaria a velocidade em que o conteúdo é dado. Assim, o controle que a administração do sistema exerce sobre o conteúdo interfere também sobre a forma, ou método didático.

O professor da escola básica enfrenta de forma real o problema, por força das circunstâncias: a idade dos alunos não lhe permite a formalidade que se constata no ensino das séries mais avançadas.

Sem pretender responder de forma pronta e acabada às questões colocadas, entendemos que as mantenedoras das redes escolares no Brasil dificilmente irão permitir que o controle dessa questão lhes escape, mesmo que seja apenas na direção de favorecer a autonomia do professor.

A teoria atribui essa tarefa ao professor, mas este declara que o programa ou os conteúdos lhe são impostos até mesmo na sua seqüência 27.

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As redes municipais, por administrarem mais de perto as escolas das quais são mantenedoras, têm condições mais concretas para a seleção de conteúdos. A forma de implementação entretanto adquire maior importância ainda, pois dela depende em última análise o próprio conteúdo.

Investir na forma de implementação é investir no professor. Qualquer tentativa que não considere esse ponto não tem respaldo concreto, pois na prática é o professor que decide como se realiza a aula, seja qual for a rede de ensino.

Temos portanto algumas indicações: um professor que sinta e saiba a prática social na qual vive, bem como seus alunos; um professor ao qual a mantenedora da rede de ensino preste subsídios técnicos fornecendo uma seleção de conteúdos apropriados e principalmente um professor que detenha o saber fazer com os conteúdos para que se cumpra o terceiro passo do método ou instrumentalização. Esta é definida pelo autor como sendo a " ( . . . ) apropriação pelas camadas populares, das ferramentas culturais necessárias à luta social que travam diuturnamente para se libertar das condições de exploração em que vivem.

Nesse ponto, podemos compreender como acertadas as indicações tomadas para a fase anterior. Na fase da instrumentalização, os alunos se apropriam dos instrumentos, teóricos e práticos, com os quais enfrentarão os problemas detectados na fase anterior.

"Como tais instrumentos são produzidos socialmente e preservados historicamente, a sua apropriação pelos alunos está na dependência de sua transmissão direta ou indireta, por parte do professor" 29.

No detalhamento da fase, compreende-se por fim o conteúdo sobre o qual trabalha o método didático: é um conteúdo produzido socialmente e preservado historicamente. Seu âmbito é pois tão amplo quanto o âmbito histórico-social.

Chega-se então ao ponto mais importante do processo de ensino, porque mais concreto: até aqui pode ser considerado abstrato o caminho percorrido.

Nesse ponto, chamado de catarse, o aluno faz "a expressão elaborada da nova forma de entendimento da prática social a que se ascendeu" 30.

Sem esse passo não se completa o processo. Muitos professores chegam até aqui e não avançam principalmente se a única preocupação for a transmissão dos conteúdos. Sejam quais forem os meios anteriormente desenvolvidos, diretos ou indiretos, sem a expressão elaborada da nova forma não há aprendizagem e conseqüentemente não há ensino.

Também chamado o momento da criatividade, a fase da expressão elaborada tem sido objeto de pesquisa por parte daqueles estudiosos de didática que a entendem apenas como uma comunicação peda-gógica.

Os passos do método didático, ou caminhos metodológicos, seriam segundo essa concepção 31: primeiro, perceber e denotar; segundo, intuir e conotar; terceiro, raciocinar e criticar; e quarto, sentir e criar. Sendo este último considerado a auto-expressão do aluno, seu autor chama a atenção dos pedagogos para o fato de que a criança de hoje pensa e se expressa em imagens, o que levaria à importância da educação da percepção. O estudante não é pura inteligência, e a escola foi de um extremo a outro ao partir dessa suposição. Do extremo de um ensino abstrato e intelectualizado, que na prática se baseia na escrita, o que significou fechar a porta da escola à experiência e à vida, os sistemas educacionais tentaram passar a um ensino no outro extremo, sensorial e subjetivo, produto da imagem.

Partindo do pressuposto de que não há três linguagens, mas uma só, total, que tem três classes de signos, que são as palavras, as imagens e os sons, essa concepção da didática propõe que os meios de comunicação social sejam vistos pelo educador não como técnicas audiovisuais, mas como o próprio ensino, tomado como um meio de comunicação pedagógica:

"Esta nova visão das técnicas audiovisuais é a que propomos nesta metodologia. Na verdade, não nos importam as técnicas como recursos reforçadores dos sentidos, nem sequer como motivadores. Para nós, as técnicas dos meios de comunicação significam um novo processo educativo ( . . . ) . A pedagogia da linguagem dos meios de comunicação social é a encarnação da escola dentro da realidade vital, familiar e social do educando" 32.

E chegaria a vez da escola aberta, sem muros. O autor considera um contra-senso a escola utilizar-se apenas da linguagem verbal, escrita ou falada, num mundo saturado pela informação dos meios de comunicação de massa.

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A conseqüência principal não são os recursos utilizados, mas o processo de aprendizagem que se tornou diferente após a comunicação de massa.

"A rapidez da sucessão das imagens não pode seguir os passos do raciocínio lógico. A leitura em mosaico de uma página de jornal ou a linguagem de uma historieta, inclusive, implica uma decodificação diferente à da leitura da escrita corrente. A essência do problema não está no uso ou não de técnicas, mas sim em saber reconhecer que essas técnicas se valem de linguagens diferentes e, portanto, incidem diferentemente no processo cognoscitivo. Não são ajudas dentro do método tradicional de aprendizagem, mas implicam uma nova aprendizagem. Os novos métodos requerem novas estruturas educacionais. A escola do futuro terá que ser um mundo comunitário, propulsor dos equilíbrios sincrônicos do grupo social" 33 (grifo nosso).

Na vertente dessa interpretação está a pedagogia institucional que tende " ( . . . ) a substituir a ação permanente e a intervenção do professor por um sistema de atividades, de mediações diversas, de instituições que assegurem de modo contínuo a obrigação e a reciprocidade dos intercâmbios, no grupo e fora dele. Uma das chaves da pedagogia institucional é o repúdio da relação 'a dois' — professor e aluno — e a outra chave é a institucionalização das mediações" 34.

Apresenta-se como uma alternativa de certa importância para a questão educacional, porém dilui a especificidade do trabalho do professor atual.

Para o método dialético na didática, a não-especificidade do trabalho do professor é fatal. Fundamentando-se na reflexão como procedimento, o método didático necessita de um tempo e de um lugar específicos na sociedade para o trabalho pedagógico. Evidentemente aberto para a prática social, esse espaço e esse tempo de trabalho referem-se à relação entre professores e alunos, porém não da forma pela qual tem sido compreendida. A relação que se propõe, segundo o método dialético na didática, é de ambos os sujeitos, alunos e professores, com o conteúdo, objeto do trabalho escolar.

Quando a pedagogia da linguagem total apresenta as mudanças que os meios de comunicação de massa colocam para a aprendizagem está tratando de uma nova incidência no processo cognoscitivo, que apresenta diferenças a partir de então e não apenas meios novos da mesma forma de aprender.

Uma nova aprendizagem que requer novas estruturas educacionais não significa, a nosso ver, que deva ser eliminada a diretividade do ensino. Se concordamos com a necessidade que hoje se apresenta de renunciar o professor ao autoritarismo que exercia sempre indevidamente sobre o aluno, não concordamos com a proposta da pedagogia institucional de renunciar também à sua palavra para colocar toda a ênfase do trabalho pedagógico na elaboração das relações e nas experiências afetivas do grupo. "Característica comum das pedagogias institucionais é seu caráter fronteiriço entre o educativo e o terapêutico" 35.

A classe institucional "estrutura-se como um lugar de comunicação e de intercâmbios, no qual o que vai suceder — a aprendizagem, a educação — não pode formular-se em termos de transmissão do saber" 30.

As duas correntes predominantes da pedagogia institucional na França dos anos 60 tinham por fundamento: uma, a psicossociologia e a não-diretividade (Lobrot), e outra, a orientação freudiana e a psi-coterapia institucional (Vásquez e Oury).

O primeiro grupo teve uma origem relacionada com o trabalho de Rogers enquanto o segundo, com o trabalho de Freinet. Este considera elitista a proposta do primeiro, afirmando que o otimismo rogeriano não se coaduna com o dia-a-dia dos professores populares.

Próximo do primeiro grupo está a tendência de autogestão pedagógica, de Lapassade. Contra a burocracia instalada na sociedade e na escola, entende que a tarefa do professor não é mais que liberar as forças do grupo; as quais por sua vez instituirão novas instituições (ou contra-instituições, para utilizar o termo de Lapassade).

Segundo Lobrot, "a escola burocrática não só não proporciona nada, mas ainda constitui uma espécie de contra-experiência intelectual, que levanta barreiras frente ao conhecimento e produz aversão face às críticas da escola" 37

Procedente quanto à crítica da escola burocratizada, a pedagogia institucional acusa a pedagogia tradicional de reduzir o papel do professor a três objetivos principais: a conformidade com um programa, a obtenção da disciplina e o bom desempenho dos alunos nos exames. Mas ao entregar a gestão de todos os problemas do ensino aos alunos, desde a decisão sobre qual será sua formação, as relações internas do

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grupo e seu funcionamento, reduz também o papel do professor a uma dependência das solicitações que lhe façam os alunos, demanda essa que deverá ser coletiva. Ao professor resta a decisão de responder ou não às solicitações dos alunos, mas não deverá reverter o grupo a uma posição de não-institucional, ou diferente da autogestão, mesmo que isso seja solicitado pelo grupo.

Muitas teorias de aprendizagem têm ressaltado a importância dos processos de ensino nos quais a atividade é centrada no aluno. Mas na prática essa idéia não conseguiu afirmar-se e surgiram resistências tais que a educação centrada no professor não chegou a ser ameaçada.

As experiências realizadas com os métodos de ensino são válidas enquanto explicitam como se realiza a apropriação do saber por parte do aluno. A discussão sobre o trabalho escolar centrado no aluno, enquanto visava a essa atividade de apropriação, contribuiu para explicitar a dialética da aprendizagem. Mas enquanto supunha propiciar autogestão, para que essa proposta se estendesse à sociedade a partir da escola, extrapolou as possibilidades da didática e ingressou na corrente do otimismo pedagógico, entendendo que poderia transformar a própria sociedade, burocratizada e hierarquizada, através de uma prática escolar autônoma.

Talvez por isso não tenha vingado, permanecendo sua contribuição ao nível de como se realiza a aprendizagem propriamente dita naquele ponto que foi chamado, no método da prática social, de catarse.

No método Saviani, após a catarse que é a verdadeira apropriação do saber por parte dos alunos, como "expressão elaborada da nova forma de entendimento da prática social a que se ascendeu" 38, volta-se à prática social, ponto de partida, mas não ao nível inicial, " ( . . . ) a compreensão da prática social passa

por uma alteração qualitativa. Conseqüentemente, a prática social referida no ponto de partida (primeiro passo) e no ponto de chegada (quinto passo)

é e não é a mesma. É a mesma, uma vez que é ela própria que constitui ao mesmo tempo o suporte e o contexto, o pressuposto e o alvo, o fundamento e a finalidade da prática pedagógica. E não é a mesma, se considerarmos que o modo de nos situarmos em seu interior se alterou qualitativamente pela mediação da ação pedagógica; e já que somos, enquanto agentes sociais, elementos objetivamente constitutivos da prática social, é lícito concluir que a própria prática se alterou e qualitativamente" 39.

A transformação da prática social não é portanto direta enquanto dada pela educação, mas mediatizada, de modo indireto, agindo sobre os sujeitos dessa prática.

Concluímos que o método didático, na forma pela qual foi elaborado por Saviani, é também um método que vai do abstrato para o concreto. A prática social, tal como é tomada no início, é abstrata porque não se tem ainda o conhecimento de suas determinações. Ainda que abstrata, tem a pretensão de reproduzir o concreto, não na sua realidade imediata, mas na sua totalidade real.

O ponto de partida pois, onde começa a análise, ou fase de explicitação, é a síntese de determinações encontradas na representação do real. É um método pelo qual o pensamento começa sobre um todo, constituído de relações gerais e determinações simples.

A prática social à qual se volta ao final do caminho percorrido pelo pensamento é concreta, mas de um concreto pensado, constituído de relações múltiplas e determinações complexas. É um concreto novo, porque pensado.

O processo de ensino é a análise, conduzida pelo professor, mas que o aluno percorre com a atividade do seu pensamento. Temos então que a atividade predominantemente reflexiva dos alunos, juntamente com o professor, é que completa a aprendizagem ao elaborar o concreto pensado.

Não sendo imediato o ponto de partida, mas o abstrato, a prática social tem um conteúdo amplo, histórico, não representado pelo dado empírico que o aluno conhece, como parte da realidade local ou regional. Não é do próximo para o distante nem do particular para o geral nem do concreto para o abstrato o caminho que percorre o pensamento do aluno durante o ensino.

Esse é o caminho do método didático segundo a lógica formal. Segundo a lógica dialética, o caminho do pensamento vai de uma totalidade da qual se buscam os nexos internos a outra totalidade, pensada, e portanto criada no pensamento e pelo pensamento.

O movimento do pensamento deve ser o reflexo do movimento da realidade, transportado para o pensamento.

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Como conseguir realizar efetivamente esse processo na escola? Esta teria que ser uma escola para ensinar a pensar.

A realidade, ponto de partida e de chegada para o pensamento, é a referência fundamental do método didático. E qual procedimento tem melhor base na realidade do que aquele que a história utiliza?

Com isso não se diz que cada aluno deva percorrer o caminho da investigação histórica. Pressupõe-se ao contrário que o professor possa apresentar-lhe essa síntese. E que o aluno, ao defrontar-se com essa síntese apresentada pelo professor nos seus nexos internos, possa fazer o caminho da explicitação da realidade junto com o professor, até um concreto por eles pensado.

Cada aula, cada lição seria uma parte desse caminho, de tal forma que o processo da síntese inicial, passando pela análise para uma nova síntese elaborada por aquele grupo de alunos com o professor, seja a rotina do ensino, e o método didático fundamental.

A totalidade real deve acompanhar todo o processo, e a busca das relações essenciais que organizam essa realidade deve indicar os conceitos que organizam o seu conhecimento.

Aquilo que faz com que essa síntese seja referida à prática social é justamente sua história, que deve ter referência ao presente dos alunos e dos professores. Ou seja, partir de um quadro atual e verificar em que medida nele está contido o passado, desvelando os conceitos não pela ordem em que eles se formaram historicamente, mas precisamente na ordem inversa.

Na passagem da relação do presente ou do quadro atual para o contexto amplo, histórico-social, é fundamental o ponto de vista da classe social. Pois a compreensão "humanístico-histórica", de que falava Gramsci, é a compreensão do ponto de vista da classe que trabalha, vale dizer, que domina a natureza, produzindo a história e a si mesma.

Assim, a história de que se trata é a história do trabalho, tomado como uma luta do homem para a posse da natureza.

"Os conteúdos culturais são históricos e o seu caráter revolucionário está ligado a sua historicidade" 40. 3 . 2 O cotidiano na sala de aula

A maior parte das pesquisas realizadas entre professores em exercício nas salas de aulas demonstra

uma grande distância entre a teoria existente sobre a ação pedagógica e a sua prática. Quando solicitado a responder sobre o que deve em sua opinião um professor competente utilizar em termos de metodologia, declara o professor:

"A mais simples possível!. Ou então: "Um resumo dos melhores métodos é fazer o nosso próprio" 41.

Isto pode representar uma reação contra as metodologias que são ensinadas na maioria das escolas para formação de professores, sofisticadas em suas propostas e inócuas em sua aplicação, por serem for-mais e abstratas.

Na busca da explicação para essa distância entre a teoria e a prática selecionamos algumas pesquisas ou depoimentos que apresentam aspectos da metodologia de ensino em sala de aula.

Em 1980, Gizelda Santana Moraes organizou e publicou Pesquisa e realidade no Ensino de 1º Grau, livro do qual destacamos o capítulo I: "A sala de aula — o que fazem alunos e professores?".

Num primeiro projeto, foram observadas quinze classes de 4ª série do Ensino de 1º Grau, pertencentes a escolas públicas e particulares da zona urbana de Salvador-Bahia, sorteadas de uma lista-gem fornecida pela Secretaria da Educação do Estado. Os registros foram feitos em cada classe em três dias diferentes, num total de seis sessões de trinta minutos de observação e registro para cada uma, perfazendo 90 sessões de observação.

Quanto ao uso do tempo, verificou-se que nas escolas públicas, durante 23% do período de observação, os professores estiveram em atividades não-relacionadas com a aula ou com os alunos, o que caía para 11% nas escolas particulares.

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A interação professor/aluno foi predominantemente do tipo interrogativo, tanto por parte dos professores como dos alunos, sendo da parte destes, na maioria, de pedidos de esclarecimentos sobre tarefas. Outro tipo de relação ocorreu com uma incidência muito aproximada daquela do tipo interrogativo: é um tipo de relação que pode ser denominada de aversiva, negativa, ou punitiva, incluindo as categorias de agressão verbal (críticas) e agressão não-verbal (aluno colocado para fora da sala de aula), repreensão, ameaças, solicitações ignoradas.

Os resultados aversivos chegam a superar as médias de perguntas. "Tudo indica que, nas escolas públicas, as crianças perdem seu tempo sentadas nas carteiras, ouvindo coisas distantes de sua realidade, e fazendo um esforço muito grande para conseguirem decifrar e reproduzir os signos escritos por pessoas de mundos diferentes.

Somados os totais de reações aversivas com os da categoria atendimento a perguntas e solicitações dos alunos, encontrou-se uma proporção de 70% sobre 30%, em ambas as agências. Ambas (as escolas, públicas e particulares) parecem dominadas pelo mesmo princípio — o do controle da disciplina e do silêncio — visando à repetição de conhecimentos definidos em programas oficiais" 42.

Esses resultados são assustadores. Analisando-os, podemos concordar com o depoimento de uma professora que após muitos anos de trabalho em escolas de subúrbio na cidade do Rio de Janeiro escreveu em forma de romance a decisão necessária para tornar possível o trabalho de magistério, então principiante:

"Vou desenredar as tramas que me tolhem: desfazer-me dos livros, das vozes oficiais, dos ecos gravados: areia no vidro — na consciência. Aprender o avesso foi... doloroso. . . A voz presa,... descobri que eles bordavam o reverso a seu modo, sem admiti-lo, buscando esconderijo no direito, onde havia margens plácidas" 43.

"Eles" são os alunos, pertencentes a uma classe social cujo universo existencial é muito diferente daquele que fundamenta a proposta da escola, a ponto de sugerir a comparação dessa diferença a uma trama onde há um lado avesso e um lado direito; o primeiro correspondendo ao ponto de vista dos alunos e o segundo ao da professora e ao modo oficial em geral. Encontrar os pontos onde se apóia a trama, aquilo que se chama no livro "os nós", é fundamental para a ação pedagógica.

Outra pesquisa reconsultada foi a contida em um relatório referente a 1981. Foram realizadas 186 entrevistas com professores que estivessem atuando na escolaridade inicial (desde a Pré-Escola até a 4ª série do Ensino de 1º Grau), na condição de alunos egressos dos cursos de magistério, em 1979 e 1980, em 21 municípios do Estado do Paraná; municípios esses nos quais situavam-se, segundo a Secretaria de Estado da Educação, as maiores escolas para a formação do magistério, ao nível de 2.° grau.

As entrevistas tiveram o objetivo de captar a representação que faz o aluno recém-egresso do curso de magistério no nível de 2 ° Grau, sobre seu trabalho cotidiano no Ensino de 1.° Grau, para o qual foi formado.

Quanto aos métodos de ensino, os professores consultados pronunciaram-se em um nível genérico de respostas, porém revelando buscá-las mais na sua prática de trabalho cotidiano do que nas teorias supostamente estudadas nas escolas formadoras de magistério: "Um professor competente, quanto aos métodos didáticos, é aquele que:

— usa todos métodos;

— cria um método para a sua classe;

— não se apega ao currículo e aos livros;

— usa métodos conforme a matéria;

— faz uma adequação do método conforme as necessidades dos alunos;

— primeiros identifica o aluno que tem, para depois aplicar o método adequado;

— usa metodologia ativa, tanto para o aluno como para o professor;

— consegue bons resultados;

— cita casos e exemplos concretos" 44.

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Reconsultando todos os depoimentos, pode ser percebida uma tendência eclética, pragmática e até mesmo burocrática, bem como uma noção de metodologia do ensino que se reduz ao domínio de técnicas didáticas: "Um professor competente é aquele que: — domina a matéria que dá;

— sabe como transmitir o necessário;

— usa vários recursos;

— varia os métodos;

— sabe responder perguntas;

— tem domínio da classe, disciplina;

— tem um plano em dia;

— faz com que o aluno consiga assimilar a matéria;

— cumpre horários;

— trata todos os alunos por igual;

— tem responsabilidade, é assumido;

— está sempre informado;

— é amigo;

— tem honestidade em relação a notas e provas; — não fica achando que o aluno é culpado;

— não deixa um aluno de lado;

— tem experiência didática;

— ensina conversando, não é rígido;

— tem vocação, paciência, amor, dedicação;

— não exige que o aluno decore a matéria;

— faz os alunos participarem;

— dá conta do programa;

— sabe conversar com as crianças;

— tem que estudar, mas não adianta ler sem passar nada;

— orienta os alunos;

— conhece bem o que faz;

— gosta de crianças;

— faz cursos de atualização; — comunica-se para fazer os alunos gostarem da escola;

— sabe usar um bom diálogo; — tem boas condições físicas;

— não usa um só método;

— sabe motivar as crianças;

— segue um método mas não se prende a ele;

— gosta do que faz;

— tem voz clara mas não grita;

— sabe o método a ser empregado;

— é contagiante, faz os alunos viverem a aula;

— tem comunicação;

— chega até o aluno e suas dificuldades;

— tem objetivos definidos;

— trabalha de acordo com o nível da classe;

— faz trabalho em grupo;

— prepara bem as aulas;

— sabe expor a matéria;

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— usa material concreto;

— sabe um pouco mais que o aluno;

— ensina reaprendendo com os alunos;

— compreende aquilo que sabe"45.

Apesar de existir uma certa preocupação, a nosso ver positiva, com os conteúdos, esta preocupação permanece na dependência da preocupação com as relações entre alunos e professores, a um nível pessoal, o que reduz a perspectiva do conteúdo e da própria ação didática: "Não precisa conhecer tudo. É só ler as apostilas e dar as aulas" 46.

Em 1982, a Revista da Associação Nacional de Educação (ANDE) dedicou seu n.° 4 ao professor, especialmente o de 1.° grau, lembrando que "a sala de aula continua sendo o ponto crucial do processo ensino-aprendizagem, qualquer que seja o grau ou o tipo de prestígio social da profissão docente" 47.

Uma professora municipalista da cidade de São Paulo faz seu depoimento:

"Então não estou falhando ... por que as crianças não aprendem? Só se as crianças é que estão erradas. Elas é que falharam. Não são essas que deveriam estar aí.

Foi um engano . . . Sinto muito, senhores técnicos, filósofos, especialistas, diretores, assistentes, agora tenho o que falar: vocês só me ensinaram a combater os moinhos de vento e me impediram de ver a realidade que vocês mesmos não conhecem e agora me acusam?" 48

Na ironia da professora em São Paulo ("Só se as crianças é que estão erradas...") e na resposta da professora do Paraná ("O professor competente não fica achando que o aluno é culpado"), encontra-se a mesma intenção, ou percepção, de enfrentar a situação concreta e de trabalhar com o aluno concreto.

"A culpa que era preciso, eles já tinham toda" 49.

Vários depoimentos obtidos em sala de aula no curso de pedagogia da UFPR, da parte de professoras do Ensino de 1.° Grau em 1987, dão conta de que, na grande maioria dos casos, foi estabelecida uma rotina pela qual os objetivos e os conteúdos do ensino são determinados pela coordenação da escola, que por sua vez recebe determinação dos órgãos centrais do sistema educacional.

O professor se acomoda a esse sistema e toda a ação pedagógica se resume em cumprir um programa estabelecido, o qual pela sua extensão não permite a utilização de materiais ou técnicas diferenciadas. Passar um filme e comentá-lo, por exemplo, demanda o dobro do tempo que demanda uma exposição verbal do professor sobre o mesmo assunto.

Um quadro semelhante é descrito em pesquisa recente, que registrou depoimentos de professores de todas as séries do Ensino de 1.° Grau:

" Os professores, na sua maioria, não têm liberdade para falar sobre assuntos surgidos ou postos pelos alunos, porque eles têm muito conteúdo e pouco tempo para aplicar. Então, devido a isso, a relação professor-aluno fica prejudicada, ou seja, o professor fala e o aluno escuta" 50.

O que se percebe é que o professor, mesmo aquele que é um profissional principiante, faz uma representação menos abstrata da sua prática, ou seja, interpreta-a de acordo com os dados que o seu cotidiano lhe coloca. Deixa de lado a teoria da pedagogia tradicional, que não dá conta de seus problemas profissionais. Em alguns casos, chega a burlar a organização escolar que o impede de trabalhar de acordo com as necessidades e interesses dos alunos concretos:

"Em determinadas circunstâncias, eu registro uma coisa no diário de classe e trabalho outra completamente diferente" 51.

Quando rejeita da mesma forma a pedagogia progressista, isso é feito também em nome de sua prática:

"Desconfio de quem não conhece a nossa confraria. São os mesmos que estão falando de novo: hegemonia, luta de classes, cultura dominante, profissionalização: É esse o remédio agora? Obrigada, depois eu tomo. Primeiro, eu quero o remédio para o Joãozinho que não consegue aprender a ler"52 (grifo da própria professora).

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Ou seja, os professores de alguma forma enfrentam o seu cotidiano c rejeitam as pseudoteorias, por supérfluas diante da gravidade da prática. Parece que o professor atingiu, pressionado pelas circunstâncias, e antes dos teóricos, a compreensão do que é uma pseudoteoria e de sua inutilidade: a representação que não vai até o concreto pensado, porque se esgarça ao se distanciar da realidade para fazer suas abstrações, e principalmente por acreditar que está referenciada à realidade, no ponto de partida. No caso da pedagogia tradicional ou da Escola Nova, o método de conhecimento utilizado para a reflexão, nas agências que formam o professor, confundem o imediato com a realidade, o que lhes confere o artificialismo, bem percebido pelos professores, na abordagem da educação.

Nas pedagogias progressistas, por sua vez, quando não é utilizado o método de conhecimento decorrente da lógica dialética, a abordagem da educação permanece abstrata, presa e determinada a categorias prefixadas em um modelo genérico, ou universalismo, adotado para quaisquer dados, sendo as interpretações portanto artificiais.

O método que parte da realidade em educação já compreendida nos seus nexos internos, portanto como abstração, para encaminhar-se a um concreto novo porque pensado, tem que estudar a sala de aula, a organização escolar, as estruturas de ensino, a sociedade brasileira e suas relações com a educação.

Sem isso o pouco avanço que se percebe não está nas pesquisas mas na prática de alguns professores, mais criativos, que de alguma forma se insurgem contra a situação. Esses entretanto não são a maioria.

Com programas extensos a cumprir, numa seqüência determinada pela escola ou pelo livro adotado, a maioria dos professores limita-se a executar as tarefas burocráticas que lhe são impostas pelo planejamento e adotar a metodologia o mais simples possível: falar, enquanto o aluno escuta.

"A professora fala, fala, e a gente tem vontade de sair correndo ou de dormir". É o depoimento de um aluno do ensino supletivo noturno, em Curitiba, 1987.

"Depois ela passa exercícios no quadro, manda copiar e vai até o corredor conversar com as colegas".

Na Bahia ou no Paraná, em São Paulo ou em Minas Gerais, essa rotina parece dominar.

Muito distante do poder que se atribui à escola, a prática que se depreende das salas de aula durante muito tempo tem sido frágil, formal, alienante e alienada.

"É justiça reconhecer que em geral os professores fazem quanto podem. Mas não podem muito" 53.

Por que o homem e a sociedade exercem esse tratamento formal sobre a escola e o exercem já há tanto tempo? E mais, por que permitiram que esse tratamento fosse dado a ela pelo governo durante tanto tempo? "E basta pôr abaixo a riqueza dialética do existir humano para que o terreno fique preparado para as mais estranhas semeaduras. Hoje se contesta o magistério, vemos contestadas as lideranças pedagógicas, tudo isto menos em nome de algo que a história indicasse dever ser feito, muito mais em nome de ressentimentos equivocados" 54.

Esse texto trata da contestação ao professor, ao qual se atribui a culpa pela atual situação da escola. O autor invoca "a dialética do existir humano, na qual é a polaridade antitética que constrói as grandes superações" 55.

No discurso do professor, percebe-se a possibilidade das grandes superações: ele reflete as condições concretas do seu trabalho, insiste em colocar no aluno concreto as suas preocupações, recoloca a importância do conteúdo e acaba encontrando, apesar das exigências burocráticas, uma forma de adequar seu trabalho ao existir humano concreto.

Se o escolanovismo e a pedagogia tecnicista retiraram do professor o conteúdo, após isso a tendência da não-diretividade do ensino e da contestação à autoridade do professor retiraram-lhe também o método; restam-lhe agora apenas as tarefas parceladas de que falávamos no capítulo anterior.

"Agora, conteúdo e método diluem-se em técnicas prefixadas por objetivos específicos. Se antes o método sucede o conteúdo, agora a administração — planejamento, supervisão, inspeção — sucede o método...

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Lutar pelo saber fazer é uma luta homóloga, pois, àquela que o operário trava para recuperar o seu meio de trabalho" 56.

Vale a pena registrar entre os professores aqueles que apesar de tudo conseguem bons resultados.

Em 1987, uma aluna que volta a estudar depois de quatro anos o programa do ensino do 2.º grau, para submeter-se ao concurso vestibular de uma universidade no Paraná, declara que somente se recorda do que aprendeu com determinados professores. Na entrevista que se sucedeu, ela conseguiu definir os pontos comuns entre esses professores, quanto à sua forma de trabalhar:

"O professor de Língua Portuguesa, a cada aula, chamava alunos voluntários ao quadro negro, um ou dois de cada vez. Mandava escrever frases e depois perguntava o que havia ali para analisar.

Nunca me esqueci de um desses exemplos. Era a frase 'Há dois anos atrás, comprei uma bicicleta'. Toda a turma tinha que descobrir o que havia de errado, mas ninguém descobriu: era que o verbo haver já indicava o passado e a palavra 'atrás' estava repetindo o passado. Ele analisava junto, mas já colocava na frase o que queria ensinar.

Depois ele mandava ler em casa, textos de bons autores. Aprendi como escrever em Português e por que se escreve assim.

A cada 3 aulas, ele dava uma prova curta, de surpresa, com exercícios parecidos aos do quadro. Não levávamos mais que 10 minutos para fazer a prova. No fim do mês ele somava as notas. Ele corrigia em casa e na aula seguinte já nos entregava. Éramos uns 60 alunos na sala. Tudo o que sei de Português aprendi com ele e não me esqueci. Ele nem pegava o giz na mão. O professor de Matemática também fazia assim: exercícios no quadro para classe inteira acompanhar. O professor de Inglês também. Eu aprendi bastante. Mas na série seguinte um outro professor de Matemática passava a matéria no quadro, nós copiávamos e ninguém aprendeu nada" 5T.

Aquela primeira maneira relatada foi encontrada pelo professor para efetivar a reflexão, não individual mas em conjunto, com os alunos. A segunda era para passar o tempo de forma o mais "disci-plinada possível".

A reflexão não se efetivava como um diálogo entre o professor e os alunos. O professor já sabia o que estava errado na frase. O diálogo que se instalava era entre a frase, no quadro, e a classe com o professor. Enquanto o professor tem a autoridade e a exerce, conduzindo a reflexão, os alunos exercitam passo a passo o seu pensamento.

"Hoje está posto um desafio que precisa começar a ser enfrentado no exato espaço da sala de aula. O de se recuperar o sentido da autoridade nas relações pedagógicas, sem qualquer concessão a autoritarismos... Gosto muito das pedagogias dialéticas quando estas nos põem perante o fato inegável de que o contexto político condiciona a escola; mas fico insaciado quando as vejo querendo resolver tudo exclusivamente pelo lado político, eximindo-se de tarefas que estão adstritas ao que há de mais interno (e humilde) no processo de ensino" 58.

Pelos depoimentos dos professores, expostos a partir da pesquisa de 1981, vemos que a autoridade do professor frente aos alunos vem de seu domínio sobre a matéria, mas não de forma estática:

"Um resumo dos melhores métodos é fazer o nosso próprio".

"O professor competente é aquele que não se apega ao currículo e aos livros"; ou que "compreende aquilo que sabe" 69.

De todo modo é valorizada a atividade do professor.

Se existem na mesma escola professores tão diferentes como esses, um que utiliza o tempo da aula em exercícios e outro que o desperdiça em cópias, podemos deduzir que a forma pela qual trabalha é a instância que ainda pertence ao professor, mesmo sendo esse domínio limitado pela quantidade de conteúdos estipulada na organização escolar.

"A escolha do método, da técnica didática e do material instrucional estão na esfera de decisão do professor, enquanto que a definição da filosofia da educação da escola e a organização curricular fogem ao seu controle; é comum observar-se a adoção de procedimentos ou materiais didáticos em dissonância e até mesmo em desacordo com a linha pedagógica escolhida ou simplesmente seguida pela instituição" 60.

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Se a filosofia da educação e a organização curricular podem ser — e isso ocorre a ponto de ser considerado comum — divergentes dos métodos, técnicas e materiais, é porque permanecem num plano formal enquanto a realidade da sala de aula, bem ou mal, se efetiva num plano concreto.

Betty Oliveira ao fazer o relato de sua experiência com um programa de alfabetização de adultos após analisar como "a ação especificamente pedagógica, tanto na sua produção dentro da sala de aula como nos seus efeitos, cumpre uma função política" 61, ressalta de forma bastante clara a importância do cotidiano na escola:

"É comum ouvir-se dizer que o professor ensina como ele foi ensinado e não como foi ensinado a ensinar! Na relação professor-aluno verifica-se algo semelhante: o aluno, através do fazer do professor, acaba aprendendo muito mais atitudes e outras maneiras de ser do que 'o que' o professor ensina. O modo como o professor desenvolve o seu dia-a-dia em sala de aula (independentemente ou não do discurso que proclama) contribui em muito (sabendo-se disso ou não) para a formação da postura do aluno (tanto no que diz respeito ao seu pensamento como a sua ação), dentro e fora da escola, em relação a si mesmo, aos demais membros de grupos dos quais faz parte, enfim, em relação à prática social na qual se insere" 62.

Como se faz a história da sala de aula? Pelos indivíduos que realizam criativamente sua efetiva dinâmica? As possibilidades ou circunstâncias podem dar sustentação ao desenvolvimento da história segundo os valores da análise crítica, da síntese refletida, de um pensar unitário e coerente o tempo presente?

Do ponto de vista do aluno existe a percepção dessa possibilidade. No programa de alfabetização de adultos já mencionado, um depoimento de aluno a respeito de um recurso utilizado pelo professor para firmar a ordem das vogais através de música deve ser registrado:

"A musiquinha da ordem a-e-i-o-u me ajuda a guardar todas as cinco letras e fico certo de que não esqueci de nenhuma; mas a coisa que mais me atrapalha na hora que eu preciso esforçar a idéia é essa musiquinha" 63.

"Esforçar a idéia" seria, a nosso ver, o próprio objetivo da dinâmica da sala de aula.

Nesse ponto, deve ser explicitada a questão da cotidianidade na sua relação com a história, para que se possa retomar o nível das explicações teóricas sobre o saber fazer na escola.

Para a compreensão do que é o cotidiano, é necessário também explicitar a relação entre o poder das circunstâncias e o fazer-se da História.

Assim, espera-se chegar ao entendimento de como poderão ser alteradas as condições do fazer da escola, sendo esse o seu cotidiano.

"A vida cotidiana não está fora da história, mas no centro do acontecer histórico: é a verdadeira essência da substância social (...). “A vida cotidiana é a vida do indivíduo. O indivíduo é sempre, simultaneamente, ser particular e ser genérico.

Também enquanto indivíduo, portanto, é o homem um ser genérico, já que é produto e expressão de suas relações sociais, herdeiro e preservador do desenvolvimento humano; o representante do humano genérico não é jamais um homem sozinho, mas sempre a integração — bem como, freqüentemente, várias integrações — cuja parte consciente é o homem e na qual se forma sua consciência de nos”.

Como integrações, a autora cita o estamento, a classe social, a nação.

"A assimilação, o amadurecimento para a cotidianidade, começa sempre por grupos (na família, na escola, em pequenas comunidades). E esses grupos 'face to face' estabelecem uma mediação entre o indivíduo e os costumes, as normas e a ética de outras integrações maiores" 85.

A mesma autora entende que o indivíduo adulto é aquele "capaz de viver por si mesmo a sua cotidianidade" 68.

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Admitindo dessa forma a importância do indivíduo na História, impõe-se a diferenciação entre esta concepção e a concepção idealista, segundo a qual o indivíduo pode conduzir a história a partir de idéias e ideais, independentemente de circunstâncias concretas.

Também a concepção materialista clássica, segundo a qual o indivíduo é produto das circunstâncias, deve ter suas características diferenciadas da presente concepção.

Nesta, as circunstâncias são dadas como possibilidades, não como determinismos nem como valores abstratos.

"A partir do momento em que o homem produziu as possibilidades de sua própria essência, ao elevar-se através da hominização acima do reino animal, pode realizar apenas precisamente essas possibilidades. Uma vez que as realiza, em qualquer das direções possíveis, já não pode mais perdê-las, do ponto de vista do desenvolvimento histórico global...

Não podemos conhecer a meta da história nem sua necessidade... Mas podemos estabelecer a possibilidade de um subseqüente desenvolvimento dos valores, apoiar tal possibilidade e desse modo emprestar um sentido a nossa história"67.

Por ser cotidiano, o fazer-se da história da escola, que sem dúvida é efetivado predominantemente pelo fazer-se na sala de aula, mesmo sendo o "centro do acontecer histórico", e dessa forma a própria vida dos indivíduos, é também produto das circunstâncias.

Não é possível ao indivíduo, como ser particular, realizar a história segundo seus ideais. Mesmo tendo o poder de decidir sobre a vida de um grupo, como é o caso do indivíduo com autoridade, não é a partir de diretrizes de ação que a direção da história se cumpre: é uma síntese de múltiplas determinações, o que significa não somente que muitos elementos estão presentes na realização da história, mas que as relações entre esses elementos tornam-se igualmente determinantes no movimento real da história.

Por outro lado, também não é verdadeiro que a direção da história seja predeterminada pelas condições concretas nas quais vivem os grupos sociais: o que realiza a história é a alteração das condições concretas da existência social, a partir da definição das direções possíveis, e principalmente na ação conjunta de "apoiar a possibilidade de um subseqüente desenvolvimento dos valores". Nesse limite, a ação do homem pode alterar a história, o que não significa que o futuro será assim como foi definido pela opção das direções possíveis, pois as relações entre as determinações são extremamente dinâmicas e escapam ao controle da vontade.

Apoiar as possibilidades é exatamente, mas apenas, criar condições para sua realização: então, sim, o papel dos indivíduos com autoridade se exerce nessa criação. A história será a nossa história, na medida em que nós lhe emprestamos um sentido, sem que se possa esperar a realização de um sentido tal como este se delineou; pois estabelecer a possibilidade não significa tomar uma decisão abstrata, mas realizar ações concretas no conjunto das circunstâncias, na síntese do existir humano e social no tempo histórico.

Assim, a teoria é impotente sem a vontade política, mas esta por sua vez caminha sem pernas ao não considerar a teoria. Cumpre atentar para a necessidade de ser a teoria realmente a explicação da realidade, a análise de suas determinações.

Nessa explicitação, encontra-se duplamente a justificativa da existência da escola. Por um lado, a elaboração da teoria que se produz socialmente também se produz na escola, como instituição que é da sociedade; e por outro lado a socialização do saber, que sendo social na sua produção terá sua socialização incompleta se não abranger, também, a socialização dos meios de produção do saber 68.

Estes meios é que se constituem de fato no objeto do trabalho da escola. Trabalhados sempre sobre os conteúdos, os meios de produção do saber devem ser apropriados pela sociedade, sendo este o trabalho da escola.

Então se pode compreender a importância do método pelo qual trabalha a escola, e a afirmação inicialmente feita, de que é o modo de apropriação social dos conhecimentos que se configura como progressista ou conservador, segundo Rancière:

"A dominação não se exprime, neste caso, no conteúdo do saber, mas na confirmação do meio em que é transmitido".

É necessário, neste ponto, reafirmar que o meio em que é transmitido o saber significa a organização da escola em todos os seus níveis, incluindo o método de trabalho no interior da sala de aula.

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3 . 3 O método didático no contexto da educação

A organização dos professores como categoria profissional, o fracasso da administração do sistema

educacional pelo governo e o contínuo interesse da população pela escola, apesar de todas as suas falhas, são as condições históricas que nos ocorrem, no contexto da educação no Brasil hoje, como registro de pressupostos para nossa proposta, à qual chamamos o método dialético na didática.

Como vimos, a concepção dialética da educação desde sua elaboração no século XIX trata a questão escolar no contexto da ascensão da classe operária. Naquele tempo, quando as classes sociais fundamentais eram três (a operária, a burguesa e a aristocrática), seus autores as entendiam como educação intelectual, exercícios corporais e formação politécnica ligada ao trabalho.

Falando sobre a universidade em seu país, Gramsci criticou a forma pela qual o professor se relaciona com os alunos, ou seja, a forma pela qual o professor trabalhava, que ele chamou de "lições-conferência", nas quais o professor falava e o aluno escutava.

"Visando a uma absorção mínima, o sistema das lições-conferência leva o professor a não se repetir ou a se repetir o menos possível: as questões são assim apresentadas apenas dentro de um quadro determinado, que as torna unilaterais para o estudante. O estudante absorve um ou dois dos cem ditos pelo professor: mas se o cem é constituído por cem unilateralidades diversas, a absorção não pode deixar de ser muito baixa. Um curso universitário é concebido como um livro sobre o assunto. Mas alguém pode tornar-se culto, com a leitura de um só livro? Trata-se, portanto, do problema do método no ensino universitário: na universidade, deve-se estudar ou estudar para saber estudar? Deve-se estudar 'fatos' ou o método para estudar os 'fatos'? A prática do 'seminário' deveria precisamente complementar e vivificar o ensino oral" 69.

Mais tarde Gramsci formula a proposição da escola unitária, "na qual o trabalho e a teoria estão estreitamente ligados, mas a aproximação mecânica das duas atividades pode ser um esnobismo" 70 — ao mesmo tempo em que critica a introdução da atividade manual para "divertir" os intelectuais, o que

" ( . . . ) nada tem a ver com o problema de criar um tipo de escola que eduque as classes instrumentais e subordinadas para um papel de direção na sociedade, como conjunto e não como indivíduos e singularmente" 71.

O momento subjetivo da instrução é assinalado por Gramsci, que na interpretação de Manacorda destitui de valor qualquer noção sem o esforço individual de busca e da consciência histórica da matéria 72.

Tomado como um momento do processo autônomo de educação (autônomo em relação ao mundo produtivo) o trabalho é o próprio "princípio e fato educativo".

O aluno deve chegar da técnica-trabalho à técnica-ciência e à concepção humanístico-histórica, para estar capacitado a ser um dirigente, não apenas um especialista 73.

No âmbito da educação escolar, o aluno deve chegar a esses objetivos através do próprio trabalho, entendido como um esforço individual,

" ( . . . ) tomada de posição da própria personalidade, conquista de uma consciência superior, pela qual se chega a compreender o próprio valor histórico, a própria função na vida, os próprios direitos e deveres" 74.

O trabalho como fato educativo é o método a ser utilizado pela escola. Como princípio, é o conteúdo e também os objetivos do ensino.

Sempre entendemos conteúdo e objetivos como um todo indissociável, pois os conteúdos transformados em "conteúdos reais, dinâmicos e concretos", como disse Saviani, já apontam para o objetivo maior, a apropriação do saber.

Estudando-se a divisão do trabalho como base da sociedade atual, de relação entre as classes, é que se pode compreender a importância do trabalho como fato educativo. Por trabalho, entende-se o trabalho material e o mental, juntos, como forma de superação da divisão do trabalho. Mas a via que se apresenta como possível é "chegar da técnica-trabalho à técnica-ciência e à concepção humanístico-histórica".

Nosso estudo foi encaminhado no sentido de que o trabalho é o método de reflexão que se desenvolve no pensamento e pelo pensamento dos alunos, junto com o professor.

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A dificuldade surge quando, na união necessária entre trabalho manual e trabalho intelectual, chega-se a confundir a atividade do aluno na escola com algum tipo de trabalho manual, acrescentado artificialmente ao currículo.

Isto não é suficiente. Aliás Gramsci intitulou esse expediente de "esnobismo", conforme relatamos. Nada tem a ver com o trabalho tomado como fato educativo.

Vimos também que o fato educativo é o método. Todo o relato da experiência de Betty Oliveira o demonstra 75.

No impasse criado pela dificuldade de conciliar um método que se efetiva no pensamento e a necessidade objetiva de elevar o trabalho manual ao nível intelectual, encontra-se o caráter de historicidade da dialética, numa possibilidade de superação.

O modo pelo qual o homem dominou a natureza para produzir a história e a si mesmo é o conteúdo que vai dar forma unitária ao currículo da escola progressista.

Num parênteses, se passamos agora a utilizar o termo currículo, é preciso esclarecer neste ponto que o fazemos com o sentido de "um itinerário formativo" que "não pode ser definido 'a priori' a não ser em termos indicativos" 76, ou seja, de uma forma dialética.

A história do modo pelo qual o homem domina a natureza é a história do próprio trabalho. Este é o princípio educativo.

E parece-nos que o fato educativo já conta com algumas condições históricas para chegar também a uma superação; pois se a revolução industrial do século XIX colocou historicamente a possibilidade da superação da lógica formal, através do método dialético de pensamento que centrou no trabalho as suas teorias, a revolução tecnológica do século XX já tem alterado o trabalho no sentido de dar ao homem a função dirigente, liberando-o cada vez mais do trabalho mecânico. Mas não ainda em nosso país, não de forma significativa.

Nas proposições de Gutierrez, vimos o alerta para a mudança no processo cognoscitivo dos alunos por efeito dos meios de comunicação de massa.

Colin Mably, citando Daniel Bell (1979) destaca que "informação é poder. O controle sobre os serviços de comunicação é fonte de poder. O acesso à comunicação é uma questão de liberdade" 77.

Tanto os meios de comunicação quanto a informática são considerados "ferramentas, cujas possibilidades para o ensino ainda precisam ser exploradas" 78.

"O que acontece é que os nossos métodos de comunicação estão mudando muito rápida e significativamente. Os efeitos disto são equivalentes à invenção da imprensa e dos livros, mas multiplicados milhões de vezes" 79.

Embora tenhamos que considerar todas essas mudanças, entendemos que o método didático, entendido como o meio de trabalho do professor, não é comunicação pedagógica.

Definitivamente, a simples comunicação viria reduzir a ação pedagógica a um diálogo, fossem quais fossem os meios utilizados. Sendo muito mais do que uma comunicação, o método didático caracteriza-se por ser histórico-crítico.

Segundo Luckesi, o compromisso pedagógico da didática "se traduz em três pontos básicos que podem ser assim discriminados: compromisso com a formalização da mente; compromisso com os conteúdos e compromisso com o método de abordagem da realidade" 80.

Sem dúvida, trazendo contribuições importantes para o método dialético na didática, o pensamento de Luckesi quanto à apropriação de conteúdos como compromisso pedagógico inclui a "aprendizagem direta do desvendamento do mundo (produzindo o conhecimento novo)", o que nos parece merecer uma abordagem metodológica distinta da metodologia pedagógica.

A produção do conhecimento novo é objeto da metodologia científica. A "apropriação dos conhecimentos já acumulados" é objeto da metodologia do ensino. E quanto ao método didático, importa-lhe o caminho que o pensamento faz sobre um objeto que é o conhecimento, sendo este caminho pedagógico, no sentido de caracterizar como trabalho educacional o trabalho dos sujeitos envolvidos na conquista desse conhecimento, já existente na sociedade.

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Quanto à polêmica sobre se a escola produz ou não conhecimento novo, certamente a pesquisa que se realiza na universidade responde afirmativamente. O ensino enquanto trabalho que se realiza através do método didático e das metodologias do ensino, e não através da metodologia da pesquisa, cria novas formas de apropriação do conhecimento já existente, quando socializa não somente o produto desse conhecimento, mas também os meios de sua produção, conforme Oder dos Santos, em artigo já citado.

A direção é dada pois dos sujeitos para o objeto, ou melhor, sobre o objeto, determinada pela ação do pensamento, referenciada ao conteúdo-objeto. Este é o ponto comum entre metodologia da pesquisa, metodologia didática e metodologia do ensino: a referência ao conteúdo-objeto. Apenas o processo educacional exige que, tanto no método didático quanto nas metodologias do ensino, a direção seja dada dos sujeitos para o objeto, enquanto na metodologia da pesquisa essa preocupação educacional não existe.

Já descrito nos itens anteriores deste capítulo, esse método didático é decorrente da lógica dialética. A enorme aceleração, que é uma conseqüência do desenvolvimento tecnológico, somente poderá favorecer uma forma de pensar que pressupõe o tempo histórico, a totalidade real e o movimento da vida e do trabalho do homem. Assim esse homem que se propõe educar pela pedagogia histórico-crítica terá formação humanística e tecnológica, conforme já a seu tempo afirmava Gramsci.

Para cumprir as possibilidades dessa pedagogia, é preciso vivificar o ensino. O grande problema está em que cada sala de aula se transforme para o trabalho do ensino, vivificado. Para tanto, a condição mais fundamental é a ação do professor, senhor de seu meio de trabalho que é o método didático: a dialética na sala de aula não se efetiva sem o professor.

A partir dessa constatação, que pode parecer tão simples a quem esteja longe da escola, a ponto de entender, como é do senso comum, que o professor domina a sua classe de acordo com a sua vontade, temos que retomar o contexto da educação brasileira. Nele é que se vão encontrar, ou não, as condições concretas para que as possibilidades da pedagogia se cumpram.

Diante do controle burocratizado, formal e estático, do trabalho do professor, surgem muitas dúvidas sobre quais as condições históricas presentes para se obterem mudanças.

A política salarial do professor, no contexto da política salarial da classe trabalhadora, inibe qualquer possibilidade atual de melhoria em nosso país.

Com a especificidade de ser atribuída e executada pelo governo, essa política não resolve por si mesma a mudança pedagógica, mas é condição básica para tanto.

O fato de ser executada pelo governo é que a nosso ver torna ainda mais grave a situação dos professores públicos: permanece num círculo que se fecha cada vez mais nas suas dificuldades de trabalho, sem negociações, diante de um patrão que simplifica o tratamento da questão ao nível de argumentos tais como o fato de ser muito numerosa a categoria.

Entendemos que, atualmente, os pontos reais de estrangulamento do setor da educação escolar são: a aplicação da lógica empresarial capitalista acrescida das falhas da burocracia inoperante, a indústria do livro didático e a política salarial para com o professor público.

Apenas o método didático é da alçada do professor, mas mesmo assim nos últimos anos ele foi reduzido a técnicas prescritas pelos materiais, sendo que se deve dizer que a maioria dos professores atuantes em sala de aula já não tem a visão do poder do método nem da totalidade do seu trabalho.

Buscando as possibilidades históricas nas circunstâncias, temos que propor uma organização escolar autônoma com relação ao governo, porém, sustentada pelo Estado.

Se os meios de trabalho dependem do professor, os meios de produção do saber pertencem no Brasil de certa forma ao governo, com a "subalternação" dos setores até hoje excluídos.

Sendo o saber produzido socialmente, boa parte desse produto escapa ao controle da sociedade como um todo. O controle dos meios de comunicação, por exemplo, não deverá continuar sendo exercido sem a participação daqueles setores da sociedade até hoje excluídos.

Meios de trabalho e meios de produção estão interligados de tal forma que atribuir ao professor a iniciativa da mudança, sem a criação das condições estruturais, é inadequado mesmo do ponto de vista teórico. O melhor exemplo dessa interligação é a questão do livro didático no Brasil, com suas conseqüências sobre o trabalho do professor.

A política adotada pelo governo, para essa questão, interferiu decisivamente sobre os meios de trabalho do professor, vale dizer sobre o método didático. Essa política faz parte, como vimos, de um

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contexto decorrente da lógica da industrialização que introduziu na educação escolar o parcelamento das tarefas e reduziu o método didático a uma aplicação mecânica de técnicas pré-estabelecidas, fora do âmbito educacional.

Os resultados estão nos depoimentos dos professores: — "É só ler as apostilas e dar as aulas", dizia a professora ao ser consultada sobre a questão do domínio do conteúdo. Ou "O professor escreve a matéria no quadro e o aluno copia", dizia o aluno do Ensino de 2.° Grau em 1987. Ou, a respeito da questão da burocratização no ensino, dizia o depoimento da professora:

"O principal orientador das atividades instrucionais é o livro didático, freqüentemente escolhido sem uma sistematização de critérios e selecionado entre os que são enviados à escola no início do ano. Alguns dos diários consultados consistiam em cópias dos exercícios dos livros didáticos" 81.

Os diários consultados são documentos onde se registra o conteúdo já trabalhado ou o planejamento do que se vai trabalhar, documentos esses preenchidos pelos professores e controlados pela organização escolar. O tempo que o professor dispendeu com essas, entre outras, tarefas burocráticas é desviado do estudo para o domínio do conteúdo e do encaminhamento do ensino de acordo com as condições concretas dos alunos, pois é realizado em geral antecipadamente.

"Três eventos se sobressaem caracterizando a ocupação docente como essencialmente burocrática e burocratizante. São eles: a forma como a prática docente é orientada e realizada no cotidiano, a maneira como essa prática é controlada pela instituição e o modo pelo qual a carreira docente é estruturada. Tais eventos são burocráticos pela própria natureza de sua estruturação e são burocratizantes pelo modo como interferem no mundo subjetivo das pessoas a eles submetidas, orientando a forma pela qual são representados ou pela qual adquirem significado, condicionando, de maneira ampla, toda a práxis da professora" 82.

Por isso consideramos que não é o professor o culpado nem é ele o profissional capaz de inverter, individualmente, o pólo dessa situação. Não é verdade que o desenvolvimento da competência da escola represente, por si só, o papel da educação na mudança da ordem social.

É inevitável nesse ponto um certo desânimo. Pois as dificuldades são tão "inauditas" que a capitulação parece generalizada. Alguns colegas já nos dizem que a própria classe trabalhadora, no modo de apropriação social dos conhecimentos, prefere o saber chamado burguês, não deseja o chamado saber da sua própria classe, e menos ainda a hegemonia da ideologia do trabalho.

A ideologia na educação como vimos é concreta porque está nas instituições e no modo de agir, nos meios de se fazer o ensino.

"Como a educação se opera pela interação entre os indivíduos no grupo, na comunidade, pela sua atualização mútua, desse processo de tensão entre os indivíduos e a sociedade, nascem os padrões culturais que se constituem no próprio resultado da prática educativa" 83.

O processo de progressão humana e social das classes subalternas não vai prescindir da educação escolar, poderosa nesse sentido porque aberta a um número abrangente da população dessas classes.

Resta saber se a categoria dos professores tem, ou quando teria, as condições históricas para assumir a administração do sistema. Somente nesse sentido, ou seja, coletivamente podemos concordar com a responsabilidade atribuída ao professor pela situação do sistema.

Sem a autonomia na administração, as condições para a mudança no método didático são reduzidas pela interferência dos vários níveis da apropriação do saber.

Mantidas as atuais condições, a forma didática já existente tende a afirmar-se, e quaisquer inovações são exceções a essa regra.

Talvez o passo que vai de um ponto inicial — métodos tradicionais nos quais o professor fala e o aluno escuta — para um ponto no qual professores e alunos trabalham com o conteúdo para sua apro-priação da parte de cada um sob a forma de síntese crítica — talvez esse passo seja mais viável do que aquele que iria da pedagogia tradicional à pedagogia escolanovista, a qual por seu caráter idealista não se generalizou.

A pedagogia tecnicista entretanto, como versão modernizada do escolanovismo, generalizou-se com a interferência da política educacional do governo, investindo em capital constante, principalmente no livro didático e ao mesmo tempo deixando de investir no professor.

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O método didático decorrente da lógica dialética não poderá ser introduzido por uma política do tipo objetivo como essa. Dependerá de cada professor, em cada sala de aula. Ao governo cabe criar as condições para que o professor possa trabalhar.

O próprio conceito de autoridade governamental é mudado em decorrência do pressuposto da auto-organização da população. O governo não deve dar diretrizes para a vida social, mas criar condições para que as diretrizes sejam elaboradas no interior da sociedade civil organizada por ela mesma.

A esterilidade é constatada num sistema educacional que emite a nível central suas diretrizes, sustenta u m aparato gigantesco para comunicá-las e outro para controlar burocraticamente sua execução. O próprio sistema sabe que esse fluxo é artificial e se mantém aparentemente apenas porque a administração da administração passa a imagem falsa de que existe um sistema educacional funcionando.

Enquanto isso, o trabalho do professor e a sala de aula permanecem abandonados quanto às condições necessárias e prejudicados quanto às exigências desnecessárias.

É evidente que a administração do sistema educacional se mantém centralizada não apenas para auto-sustentar uma estrutura enorme e fisiológica de empregos de relativa importância, mas principalmente para não perder poder, aquele poder político que está na base do funcionamento de todos os órgãos públicos no Brasil, num regime que foi chamado, por Alfredo Bosi, de "capitalista-burocrático" 84.

Pela distribuição de empregos, com ou sem concursos públicos, pela manipulação das verbas, pelo acesso às obras necessárias, desde aquelas de pequeno porte até as obras faraônicas, não necessárias, o poder político se mantém e se reproduz nos grupos quaisquer que sejam os partidos eventualmente vencedores das eleições.

Nesse contexto, a questão do método parece extremamente teórica e de implementação subjetiva. Essa característica vem a comprometer suas possibilidades, principalmente na situação atual, onde a pedagogia progressista teria que medir forças com a pseudopedagogia tecnicista implantada, extremamente prática e de implementação extremamente objetiva.

Na América Latina a consciência de classe e a capacitação para exercer a função dirigente são respectivamente o que há de mais fundamental nos problemas políticos e educacionais em curso.

Ambos os pontos são convergentes e sua conquista depende da organização popular. No Brasil esse é o contexto no qual vai efetivar-se, ou não, a possibilidade que tem o professor de recuperar o seu meio de trabalho, o método didático.

Por outro lado, a possibilidade que diz respeito ao professor corresponde, a nosso ver, à possibilidade que tem a escola de exercer a função de socializar o saber. Ou seja, corresponde à possibilidade que têm as classes subalternas de progressão humana e social no que diz respeito ao saber.

Sem essas relações, qualquer mudança no método didático será apenas técnica e assim insuficiente para tornar-se realidade; pois o elo que corresponde ao professor é muito complexo, muito amplo e bastante subjetivo, dependendo de uma política geral a ser conquistada. Notas e referências

1. SAVIANI, Dermeval. Escola e Democracia. São Paulo, Cortez Editora: Autores Associados, 1983, p. 73. 2. OLIVEIRA, Betty Antunes & DUARTE, Newton. A socialização do saber escolar. 3.a ed., São Paulo, Cortez

Editora: Autores Associados, 1987, p. 33. 3 . Id. 4 . Ibid. 5. CHAUI, Marilena de Souza. Ideologia e Educação. In: Educação & Sociedade. São Paulo, CEDES II ( 5 ) , 1980,

p. 24-40. 6 . DEPOIMENTOS de professores. In: ANDE, Revista da Associação Nacional de Educação, 1 ( 4 ) , 1982, p. 4-7;

35-39; 45-51. Ver também: MARTINS, Pura Lúcia Oliver. A Didática na atual organização do trabalho na escola. Belo Horizonte, Dissertação de Mestrado em Educação, Universidade Federal de Minas Gerais, 1985.

7 . EDELSTEIN, Glória y RODRIGUES, Azucena. El Método: factor definitório y unificador de la instrumentación

didáctica. In: ALVITE.