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Universidade Estadual de Maringá 02 a 04 de Dezembro de 2015 O MÉTODO DE VIOLA SPOLIN APLICADO À SALA DE AULA MARCHI, João Alfredo Martins COLAVITTO, Marcelo Adriano Apresentação O presente artigo pretende demonstrar como os jogos teatrais propostos dentro da pedagogia de Viola Spolin, importante pesquisadora no campo do ensino do teatro principalmente para crianças e não atores, pode favorecer um ambiente colaborativo, capaz de fomentar o estabelecimento de relações mais humanas, estimulando um convívio social pautado na ética, na afetividade e no respeito mútuo, tornando-se um instrumento dialógico para construção do conhecimento tanto do âmbito pessoal como àquele relativo a construção cognitiva e a compreensão do mundo onde o sujeito se insere. Da mesma forma, buscamos uma aproximação com a pedagogia de Paulo Freire visando complementar as propostas de Spolin. Para o autor o diálogo é essencial na construção do conhecimento, nesse sentido “a palavra jamais pode ser vista como um “dado” (ou como uma doação do educador ao educando) mas é sempre, e essencialmente, um tema de debate para todos os participantes do círculo de cultura” (FREIRE p. 5) 1 . Durante a licenciatura em teatro realizada na Universidade Estadual de Maringá (UEM)-Paraná, descobrimos na obra de Viola Spolin, um método significativo para catalisar a espontaneidade na prática teatral. Partindo de jogos dramáticos e teatrais sob uma crescente transformação dos problemas a serem resolvidos como foco, atenção, olhar, trabalho em grupo; a autora fomenta uma sequência de atividades capazes de despertar a arte da improvisação e, sob nossa perspectiva, mais qualidade nas relações 1 Em nosso caso, utilizamos a roda de cultura no final de cada atividade para problematizar os exercícios e dar voz aos educandos, estimulando assim sua participação, a troca de conhecimentos e a autonomia.

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Universidade Estadual de Maringá 02 a 04 de Dezembro de 2015

O MÉTODO DE VIOLA SPOLIN APLICADO À SALA DE AULA

MARCHI, João Alfredo Martins

COLAVITTO, Marcelo Adriano

Apresentação O presente artigo pretende demonstrar como os jogos teatrais propostos dentro da

pedagogia de Viola Spolin, importante pesquisadora no campo do ensino do teatro

principalmente para crianças e não atores, pode favorecer um ambiente colaborativo,

capaz de fomentar o estabelecimento de relações mais humanas, estimulando um

convívio social pautado na ética, na afetividade e no respeito mútuo, tornando-se um

instrumento dialógico para construção do conhecimento tanto do âmbito pessoal como

àquele relativo a construção cognitiva e a compreensão do mundo onde o sujeito se

insere. Da mesma forma, buscamos uma aproximação com a pedagogia de Paulo Freire

visando complementar as propostas de Spolin. Para o autor o diálogo é essencial na

construção do conhecimento, nesse sentido “a palavra jamais pode ser vista como um

“dado” (ou como uma doação do educador ao educando) mas é sempre, e essencialmente,

um tema de debate para todos os participantes do círculo de cultura” (FREIRE p. 5)1.

Durante a licenciatura em teatro realizada na Universidade Estadual de Maringá

(UEM)-Paraná, descobrimos na obra de Viola Spolin, um método significativo para

catalisar a espontaneidade na prática teatral. Partindo de jogos dramáticos e teatrais sob

uma crescente transformação dos problemas a serem resolvidos como foco, atenção,

olhar, trabalho em grupo; a autora fomenta uma sequência de atividades capazes de

despertar a arte da improvisação e, sob nossa perspectiva, mais qualidade nas relações 1 � Em nosso caso, utilizamos a roda de cultura no final de cada atividade para problematizar os

exercícios e dar voz aos educandos, estimulando assim sua participação, a troca de conhecimentos e a autonomia.

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humanas. O jogo dramático pode ser caracterizado como aquele em que todos os

jogadores estão envolvidos e participando ao mesmo tempo, já no jogo teatral há uma

parte que assiste (plateia) e outra que mostra, seja uma improvisação, uma cena ou um

jogo (SPOLIN, 2010).

Segundo a autora “Se o ambiente permitir, pode-se aprender qualquer coisa, e se o

indivíduo permitir, o ambiente lhe ensinará tudo o que ele tem para ensinar” (SPOLIN,

2010 p. 3); partindo dessa ótica democrática de trabalho apresentada, propusemos, no

início do ano de 2015, a implementação do método da espontaneidade para uma turma de

25 alunos do ensino fundamental de uma instituição da rede particular de ensino de

Maringá-Paraná.

A ideia de se trabalhar teatro com crianças, de modo a propiciar uma experiência

substancial de aprendizado num sentido ontológico, vem fundamentada na pesquisa

realizada por Spolin na Young Actors Company em Hollywood; escola onde eram

estudados fundamentos do jogo teatral com o intuito de libertar as crianças do medo do

palco e dos clichês do teatro, além de promover um espaço para o desenvolvimento social

do sujeito. Nesse período “a palavra 'jogador' foi introduzida para substituir 'ator' e

'fisicalizar' para substituir 'sentir' […] a abordagem da Solução de Problemas e Ponto de

Concentração foram acrescentados à estrutura do jogo” (SPOLIN, 2010, p XXVIII).

Ao se chegar à escola, os primeiros jogos a serem apresentados e vivenciados

foram os de foco, concentração, atenção e interação e, logo na sequência, foi introduzida

a fisicalização2. A partir do que Freire (1979) aponta como consciência crítica, buscamos

desde o início priorizar o diálogo para, de forma horizontal, reconhecer as diferentes

realidades e saberes dos educandos. Assim, por meio das primeiras rodas de conversa

para problematizar os temas das aulas, percebemos diferentes vivências em relação ao

teatro por parte dos educandos. Alguns nunca haviam tido contato com o teatro e outros

2 � Vale ressaltar que o trabalho não foi finalizado, estando até o presente momento, numa etapa inicial

onde os alunos estão experenciando problemas mais simples do método como, por exemplo, construir objetos com o corpo e ou fisicalizar ambientes.

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que já tinham pelo menos um ano de prática teatral na mesma instituição. Com isso, os

jogos propostos, além de trazerem os primeiros conceitos do método de Spolin (2010),

fomentaram ao mesmo tempo o conhecimento que os educandos já possuíam sobre

teatro.

Após os primeiros encontros identificamos que jogos, os quais permitiam aos

educandos definir as regras eram substancialmente mais aceitos. De que forma isso foi

observado? Quando aos educandos era dada a liberdade para definir as regras do jogo,

bem como a liberdade de se organizar em grupo, instituindo um líder de maneira

espontanea, o ponto de concentração e o foco eram otimizados significativamente,

consequentemente, o jogo fluía de forma que os problemas eram solucionados mais

rapidamente e com qualidade estética e de interação social. Entendemos o ponto de

concentração como o direcionamento do foco para determinado objeto ou acontecimento,

em outras palavras, “o objeto em torno do qual os atores se reúnem” (SPOLIN, 2010, p.

345). Já o foco pode ser entendido como a “atenção dirigida e concentrada numa pessoa,

objeto ou acontecimento específico dentro da realidade do palco” (SPOLIN, 2010, p.

340).

Além da dialogicidade, pudemos identificar outro princípio Freiriano em

convergência com a metodologia de Spolin (2010). No que tange ao homem como um ser

da praxis. “o mundo humano só é porque está sendo; e só está sendo na medida em que

se dialetizam a mudança e o estático” (FREIRE, 1979, p. 47). Na passagem do parágrafo

anterior, os educandos passaram a interferir na dinâmica dos exercícios de forma crítica e

coletiva, ou seja, passaram a transformar a realidade das aulas a partir das reflexões e do

diálogo proposto constantemente entre educador/educando e educando/educador.

Desse modo as aulas passaram a ser constituídas de seguinte forma: Num primeiro

momento eram aplicados o aquecimento e jogos coletivos para gerar energia e começar

trabalhar o foco; há ainda nesses jogos o que Chateau (1987) define como sendo de

natureza lúdica para a criança e a prepara para o mundo adulto. Em seguida a proposta

seguia com a aplicação de jogos dramáticos visando a atenção, a concentração e a

experimentação corporal/sensorial. Na terceira parte da aula os educandos se dividiam em

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pequenos grupos e compunham uma “cena” com base no tema da aula, caracterizando um

jogo teatral e, para finalizar, uma roda de conversa era feita para problematizar as

percepções dos alunos e, assim, ver como o aproveitamento da aula se deu naquele dia.

Na última etapa, com a roda da conversa, o foco é no que Freire (2012) chama de

círculo de cultura, e galga-se nas percepções dos educandos sobre o jogo, sobre o outro,

sobre toda a experiência da aula. Assim, construímos os planos de atividades levando em

conta as considerações de cada educando, promovendo democraticamente o avanço dos

exercícios. Outra observação sobre esse momento é a possibilidade de um primeiro passo

em direção à emancipação do sujeito pelo que Paulo Freire (1996) conceitua como

dialogicidade. Para Freire, a oportunidade do diálogo no processo de aprendizagem

estimula a participação na construção do conhecimento a partir das experiências culturais

obtidas, fomentando uma curiosidade crítica nos educandos.

PRIMEIRAS IMPRESSÕES

Ao chegar ao salão de eventos onde as aulas seriam realizadas, a primeira

iniciativa nossa foi ouvir os alunos a fim de identificar o conhecimento prévio de cada

um dos estudantes sobre teatro e, ainda, qual a sua visão sobre o tema. Acreditamos numa

proposta dialógica de vivências, a qual propicia uma troca de conhecimentos que

enriquece tanto educandos como educadores. A visão exposta acima se fundamenta na

obra de Paulo Freire que expõe: É preciso […] que o formando, desde o princípio mesmo de sua experiência formadora, assumindo-se como sujeito também da produção do saber, se convença definitivamente de que ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua produção ou a sua construção […] embora diferentes entre si, quem forma se forma e re-forma ao formar e quem é formado forma-se e forma ao ser formado […] formar é ação pela qual um sujeito criador dá forma, estilo ou alma a um corpo indeciso e acomodado […] Quem ensina aprende ao ensinar e que aprende ensina ao aprender. (FREIRE, 1996, p. 22-23)

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Apreendido o meio social e educacional daqueles educandos, foi-se estabelecendo

as primeiras relações educador-educando e educando-educador e, assim, as aulas

passaram a ser pensadas numa sequência que permitisse sempre a intervenção dos alunos

para complementar os exercícios.

A ideia de ouvir os educandos a fim de compor as aulas, vem de nossa

compreensão a qual vê na criança um sujeito dotado de conhecimentos próprios e em

relação constante no que tange à troca de experiências e saberes. Pesquisas apontam que,

historicamente, a criança era vista como um “adulto em miniatura”, sem capacidade de

opinião. Atualmente as políticas públicas fomentam outro olhar sobre os pequenos, nesse

sentido compreendemos que “A infância se refere exatamente a um conjunto de seres

humanos que tem características próprias e que, usado o termo, já se sabe de quem

falamos, das crianças e seu mundo.” (MÜLLER, 2007, p. 18).

Mesmo na atualidade, com o estatuto da criança e do adolescente, a violação de

direitos dos pequenos é gritante. A escola nesse processo, seguindo a lógica social

vigente, ao invés de estimular sujeitos pensantes, pauta-se numa narrativa a qual “conduz

os educandos à memorização mecânica do conteúdo […] Em lugar de comunicar-se, o

educador faz “comunicados” e depósitos que os educandos, meras incidências, recebem

pacientemente, memorizam e repetem.” (FREIRE, 1996, p. 36)

Por meio do diálogo e dos jogos de improvisação vivenciados no período de

fevereiro à junho, recorte analisado pelo presente artigo, vimos um avanço em relação ao

foco e a capacidade dos alunos de trabalharem em coletivo. No início, durante a aplicação

do jogo denominado “círculo contínuo”3 os educandos tinham bastante dificuldade em

manter um ritmo; quando foi acrescentada uma bolinha ao jogo a dificuldade passou a ser

lançar e receber corretamente a bolinha. Acreditamos que tal dificuldade se deu pelo fato

3 � O jogo consiste em: dispostos num círculo, um aluno começa olhando para outro e indo para o lugar

deste; ao perceber isso quem foi visto olha para outro aluno e se dirige para o lugar do mesmo; isso ocorre continuamente. Pode se acrescentar uma bolinha para que o aluno a jogue antes de sair de seu lugar e podem ser trabalhadas variações como por exemplo (jogar a bolinha e falar o nome da pessoa para onde você está indo tomar o lugar).

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dos alunos não “olharem” de fato uns para os outros e por perderem o foco rapidamente.

O olhar por mais que seja inerente ao nosso dia a dia, não é trabalhado para “ver”

realmente o que nos cerca, seja um objeto, uma paisagem ou um sujeito.

Atrelamos tal informação com a cultura hegemônica vigente defensora da rapidez

das ações, da competição exacerbada entre indivíduos e do fomento de um pensamento

voltado ao acúmulo do capital. Segundo Morin (s/d) “O capitalismo desvia as massas de

seus verdadeiros problemas […] na falsa cultura a alienação do homem não se restringe

apenas ao trabalho, mas atinge o consumo e os lazeres” (MORIN, s/d, p. 19). Podemos

dizer que há uma tendência cada vez mais forte de alienar os sujeitos e individualiza-los

e, atualmente, cada vez mais cedo. Segundo o mesmo autor “uma homogeneização da

produção do consumo tente a atenuar as barreiras entre as idades” (MORIN, s/d, p. 41).

Versando sobre os dias atuais, encontramos nos pequenos uma fonte de lucro para as

empresas capitalistas e um número cada vez maior de produtos direcionados às crianças a

fim de fomentar um espírito de consumo.

Essa atmosfera de consumo tende a criar competições e, consequentemente,

potencializa a desumanização dos sujeitos, assim, o outro se torna adversário, olhá-lo

significa criar relações, ser afetivo, se mostrar humano. Na visão de Bauman (2011) um

dos principais motivos do “desgaste” das relações está atrelado à rapidez que a

tecnologia, os meios de comunicação em massa, o avanço da ciência e o fluxo das

informações imprimem na modernidade, denominada pelo autor como líquida4; ou seja,

um estado que está em constante transformação, permeado de possibilidades

tecnológicas, de fluxo intenso e constantes de informações e convergentes à um

conhecimento raso. Nesse âmbito:

4 � Para Bauman (2007, 2010) a modernidade líquida está caracterizada pelo enfraquecimento do

vinculo para com as coisas e as pessoas. O excesso de informações e a multiplicidade de caminhos que a pós-modernidade traz, gera uma flexibilidade que abrange “a prontidão em mudar repentinamente de táticas, de estilo, abandonar compromissos e lealdades sem arrependimento […] buscar oportunidades mais de acordo com sua disponibilidade atual do que com as próprias referências” (BAUMAN, 2007, p. 10)

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Fazer contato com o olhar, reconhecendo a proximidade física de outro ser humanos, parece perda de tempo: sinaliza a necessidade de gastar uma parcela de tempo preciosos, mas horrivelmente escasso, em mergulhos profundos (coisa que a exploração de profundidades certamente exigiria); uma decisão que poderia interromper ou impedir o surfe por tantas outras superfícies não menos – e talvez muito mais – convidativas. (BAUMAN, 2011, p. 16)

Buscando sempre criar uma atmosfera lúdica e plena de espontaneidade, notamos

num dos encontros ao propor que os alunos tentassem jogar a bolinha uns para os outros

20 vezes sem deixá-la cair, que era possível conseguir imprimir a compreensão de que

atuando em coletivo, o grupo ganha e perde como um único sujeito. Quando um não

coopera, o coletivo sai prejudicado, e em contrapartida, com todos trabalhando para uma

mesma finalidade, o conjunto se fortalece e todos usufruem dos resultados que são

socializados. Assim, a cooperação e a vontade de ganhar o jogo, catalisaram o trabalho

em equipe por parte dos educandos. Durante o jogo, várias tentativas foram frustradas,

todavia a cada erro os alunos pareciam se conectar mais uns com os outros e todos com o

mesmo objetivo e, finalmente, quando eles conseguiram, houve uma explosão de energia

por terem resolvido o problema. Nos encontro seguintes o círculo contínuo melhorou

significativamente; a bolinha passou a cair menos e o ritmo se tornou mais dinâmico.

Podemos analisar o exposto no parágrafo anterior a partir do que Viola Soplin

chama de “Ponto de Concentração” ou POC; nas palavras da autora “O ponto de

concentração libera a força grupal e o gênio individual [...] é o ponto focal para o sistema

coberto neste manual, e realiza o trabalho para o aluno. Ele é a “bola” com a qual todos

participam do jogo.” (SPOLIN, 2010, p. 20). Vimos durante os encontros seguintes que o

POC se tornava mais forte quando os próprios alunos coordenavam os exercícios, para

exemplificar a afirmação segue a descrição de um desses exercícios.

Conhecido por nós como “Xô Toro” tal jogo consiste em movimentos e sons

onomatopeicos passados como uma “ola” entre os alunos dispostos em círculo5; cada

5 � Proveniente do espanhol, a palavra “ola” significa para nós “onda”. No presente jogo, um

participante começa o movimento e passa-o quem está ao seu lado; este passa o mesmo movimento ao

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movimento altera a regra do jogo. O primeiro movimento é o “iá” no qual um aluno “faz

uma ação com o braço como a de cortar o outro com uma espada na altura do joelho” e,

passando de um para o outro é o que movimenta a “ola”. Se algum aluno quiser inverter o

sentido da “ola” ele faz o segundo movimento proposto, o comando “randô” que é

configurado com a elevação e uma das pernas (flexionadas) e os braços “puxando” o ar

de cima para baixo. Um terceiro movimento trabalhado foi o “aim” que serve para que o

jogador que vai receber a “ola” seja pulado e o próximo jogador é quem continuará a

sequência.

Aplicado com os 25 alunos, percebemos problemas tanto de ritmo como de falta

de percepção, pois muitas vezes, o jogo ficava concentrado só num dos lados do círculo

(devido ao fato do “randô” ser utilizado muitas vezes por pessoas muitos próximas,

deixando assim as “idas e vindas da ola” vinculadas a um pequeno número de alunos).

Decidimos dividir o grupo ao meio e deixar que os próprios alunos decidissem quem

começar e discutissem sobre deixar todos jogarem (foi proposta essa variação sem a

mediação do professor), pois acreditamos que o “respeito à autonomia e à dignidade de

cada um é um imperativo ético e não um favor que podemos ou não conceder uns aos

outros” (FREIRE, 1996, p. 59). Com isso viu-se um ganho imediato de qualidade tanto

no ritmo quanto no aprimoramento do foco no jogo. Constamos assim que, com essa

turma em específico, a autonomia já é um dado presente e que fomenta o envolvimento e

o interesse de todos no jogo. Tal afirmação pode ser relacionada com o conceito de

curiosidade crítica exposta por Paulo Freire que, em sua pedagogia, leva os educandos ao

verdadeiro aprendizado. Nas palavras do autor “nas condições de verdadeira

aprendizagem os educandos vão se transformando em reais sujeitos da construção e da

reconstrução do saber ensinado, ao lado do educador, igualmente sujeito do processo”

(FREIRE, 1996, p. 26).

A partir desse breve relato de experiências do método de Viola Spolin, na

sequência iremos ampliar e expor nossa opinião sobre a aplicação metodológica da

participante seguinte e, tal qual uma ola num estádio de futebol, um a um vai recebendo e passando o movimento continuamente.

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pesquisa da autora para a arte educação não só na instituição trabalhada, mas como um

dispositivo capaz de gerar mais qualidade nas relações humanas na sala de aula.

Teatro e Escola: Uma relação dialógica

Dentro da sala de aula o que se vê, na maioria dos casos, é uma educação voltada

para o mercado de trabalho e que atua sob uma ótica bancária de ensino (FREIRE, 1996).

Dentro desse quadro, os alunos se vêem sem voz ativa e, consequentemente,

desmotivados a pensar de forma crítica em relação ao ambiente que os cerca; visando

transcender tal situação é que propusemos o ensino do teatro na instituição avaliada nesse

estudo. Nas palavras de Viola Spolin (2010, p. 30):

Poucas são as oportunidades oferecidas às crianças para interferir na realidade, de forma que possam encontrar a si mesmas. Seu mundo, controlado pelos adultos que lhes dizem o que fazer e quando fazer, oferece poucas oportunidades para agir ou aceitar responsabilidades comunitárias. A oficina de jogos teatrais oferece aos alunos a oportunidade de exercer sua liberdade, respeito pelo outro e responsabilidade dentro da comunidade da sala de aula.

Sobre a participação dos sujeitos a fim de interferir na realidade, Freire (1979)

aponta que: Se a vocação ontológica do homem é a de ser sujeito e não objeto, só poderá desenvolvê-la na medida em que, refletindo sobre suas condições espaço-temporais, introduz-se nelas, de maneira crítica. Quanto mais for levado a refletir sobre sua situcionalidade, sobre seu enraizamento espaço=temporal, mais “emergira” dela conscientemente “carregado” de compromisso com sua realidade, da qual, porque que é sujeito, não deve ser simples espectador, mas deve intervir cada vez mais (grifo nosso, FREIRE, 1979, p. 61)

As citações acima exemplificam muito bem o que acreditamos ser um caminho

para a educação libertadora; buscamos a emancipação do educando por meio dos jogos e

de uma visão ao mesmo tempo crítica frente ao mundo e transformadora das relações

humanas tão fortemente esquecidas atualmente. Para Mészaros, a educação está voltada

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para os interesses do capital e devemos buscar meios para superar essa lógica que busca a

constante reprodução e manutenção da ordem vigente que nos deixa “sob condições de

uma desumanizante alienação e de uma subversão fetichista do estado real de coisas

dentro da consciência” (2008, p. 59).

Para Foucault (1979) um dos dispositivos do poder é a docilização dos corpos por

meio da disciplina. Observamos que a escola é uma instituição que se pauta na disciplina

como meio fundamental para o exercício dos micropoderes que nela se articulam.

Inverter a lógica da docilização por meio de atividades que tem a intenção de libertar o

corpo de “quadros estáticos” (Spolin, 2005) de reprodução do sistema vigente é uma

forma revolucionária de resistência as imposições hegemônicas. O jogo torna-se,

portanto, uma tática capaz de “indisciplinar” o sujeito, tornando-o autônomo às

determinações do sistema.

Ao chegar com a proposta dos jogos teatrais, vimos que a maioria dos educandos

não expunham suas sensações, suas percepções e suas opiniões sobre o que foi

vivenciado; alguns deles – geralmente os mesmos em todas as situações – colocavam

suas ideias nas rodas de conversa feita por nós, mas com certa cautela sobre o que dizer,

justamente por estarem condicionados ao processo de docilização que costuma

acompanhar as práticas disciplinares presentes na maioria das instituições educacionais.

Conforme o avanço das aulas e o estímulo constante de ouvir os educandos, pudemos

constatar que houve uma maior participação. Ressaltamos que durante uma das aulas, o

fato de um educando ter sugerido variações para um dos jogos, fez com que o restante da

turma alcançasse um nível maior de concentração e de prazer ao jogar. Isso demonstra

que a inverter a lógica dos poderes, se pautando na organização que as atividades lúdicas

espontaneamente proporcionam, favorece a assunção dos sujeitos, garantindo seu

desenvolvimento social de forma mais participativa e democrática.

Ao partir da visão de Spolin (2010) sobre a espontaneidade e de Freire (1996)

sobre a educação libertadora, conseguimos analisar um comportamento que, pela

interação que o teatro possui em sua essência, aproxima os educandos, gera um estado

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coletivo propício ao jogo e, o que pensamos ser o principio motriz de nosso estudo, traz

um grau de autonomia capaz de catalisar uma visão crítica sobre a as atividades.

Com o avanço das aulas visamos ampliar e proporcionar cada vez mais uma

atmosfera de jogo que levasse a autonomia da prática proposta, percebemos que os

educandos passaram a expressar melhor suas opiniões e se posicionar criticamente frente

às discussões propostas nas rodas de conversa. Utilizando da linguagem freiriana,

podemos dizer que superamos alguns dos “mitos que nos deformam”. (FREIRE, 1995, p.

58). O autor infere ainda que “Ao contestar esses mitos enfrentamos também o poder

dominante, pois que eles são expressões desse poder, de sua ideologia” (idem). Ao ouvir

os educandos durante o decorrer de cada aula, temos como intuito inverter a lógica da

disciplina autoritária e rígida que a escola em questão costuma utilizar como dispositivo

de controle, seja para a obtenção de maiores resultados – visando o futuro mercado de

trabalho – ou para a manutenção da ordem dentro da instituição.

Na perspectiva de Foucault: [...] nunca a disciplina foi tão importante, tão valorizada quanto a partir do momento em que se procurou gerir a população. E gerir a população não queria dizer simplesmente gerir a massa coletiva dos fenômenos ou geri-los somente ao nível de seus resultados globais. Gerir a população significa geri-la em profundidade, minuciosamente, no detalhe. (1979, p. 291)

Relacionando tal afirmação com a aplicação dos jogos teatrais, é justamente nos

detalhes que incentivamos os educandos a falar e expressar seus pontos de vista, pois tal

estímulo contribui para uma formação humana que vai para além do simples fazer teatral.

A prática de atividades do campo da pedagogia teatral, pode proporcionar uma ação

contra hegemônica, pois o corpo, que segundo Foucault (1979) é o campo da ação do

poder disciplinar e docilizador, é descondicionado, ou “indisciplinado”, agindo de modo

a resistir a ação impositiva das forças regulamentadoras. Ao se proceder um trabalho que

afeta a relação do sujeito com seu corpo, se estabelece práticas inversas ao processo de

docilização, portanto capazes de funcionarem como táticas contra as estratégias de

determinados dispositivos de poder, o munimos para se libertar da ação disciplinadora

imposta pelo sistema vigente

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A seguir iremos expor quais conclusões a pesquisa tem nos fornecido até o

presente momento.

Considerações Finais

A partir da aplicação dos jogos teatrais na sala de aula, o primeiro ponto que nos

chama atenção, refere-se à autonomia que os alunos mostraram em cada nova aula; eles

começaram a sugerir propostas e variações para os jogos; organizarem-se em pequenos

grupos – que sempre eram sugeridos de forma variada por nós – em diálogo uns com os

outros, de forma a apresentar pequenos exercícios baseados em elementos trabalhados em

sala; e estarem cada vez mais se posicionando criticamente sobre os as atividades.

Outro ponto relevante está relacionado com a melhora das relações que o grupo

tem apresentado. A cada novo encontro vem se fortalecendo a identidade coletiva e, em

decorrência disso, os jogos podem se desenvolver com mais variações, ampliando as

possibilidades de solucionar outros problemas de cunho teatral.

Em última análise, a partir dos jogos realizados, apresentamos uma forma lúdica

que aproxima a teoria e a prática do dia-a-dia dos educandos, aperfeiçoando assim as

relações fora do ambiente escolar, característica suleadora6 tanto da metodologia

Freiriana como na práxis proposta por Spolin (2010). Definimos como lúdico o espaço

permissível de exploração da cultura que é própria das crianças, ou seja, um espaço de

jogo, de brincadeira. Nas palavras de Colavitto “Esse espaço pode proporcionar um

ambiente propício para um extraordinário desenvolvimento da imaginação, cognição e da

abstração, responsáveis pelo refinamento do pensamento humano” (2015, p. 50).

Dissertamos sobre essa questão, pois já ocorreram vezes dos pais chegarem antes

do horário previsto para o término das aulas, a fim de expor a vontade com que seus

6 � Optamos pelo uso deste termo validado por Boaventura Souza Santos (2010). Para o autor existe

forte influência do norte (geográfica e economicamente) sobre o mundo; dessa forma, ao conceituar a epistemologia do sul, Santos (2010) nos apresenta o termo como convergente com os discursos contra-hegemônicos.

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Universidade Estadual de Maringá 02 a 04 de Dezembro de 2015

filhos falavam do teatro e o entusiasmo de poder se desligar um pouco da rotina da

semana. Ficamos encantados com tais relatos e, no sentido freiriano da palavra,

acreditamos na poesia do teatro para gentificar o mundo cada vez mais voltado para o

individualismo e a competição exacerbada.

REFERÊNCIAS BAUMAN, Zigmunt. 44 Cartas do Mundo Líquido Moderno. Rio de Janeiro, Ed:

Zahar, 2011.

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