157
MARILUCI ALVES MARTINO O MUNDO DO TRABALHO E A FORMAÇÃO PROFISSIONAL - A difícil adequação - Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP, como exigência parcial para obtenção do Título de Mestre em Administração, sob orientação do Professor Doutor Ladislau Dowbor. São Paulo PUC 2001

O MUNDO DO TRABALHO E A FORMAÇÃO PROFISSIONAL Alves Martino.pdfNesse trabalho faremos uma análise sobre as transformações no mundo do trabalho, e a forma como as empresas reagem

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MARILUCI ALVES MARTINO

O MUNDO DO TRABALHO E A FORMAÇÃOPROFISSIONAL

- A difícil adequação -

Dissertação apresentada à BancaExaminadora da Pontifícia UniversidadeCatólica de São Paulo – PUC-SP, comoexigência parcial para obtenção do Título deMestre em Administração, sob orientaçãodo Professor Doutor Ladislau Dowbor.

São Paulo PUC2001

ii

Banca Examinadora

_______________________________________

_______________________________________

_______________________________________

iii

Dedicatória

Aos meus pais Manoel e Maria, porque com

sabedoria e simplicidade, me incentivaram

e encorajaram a explorar o mundo do

trabalho e do conhecimento.

Ao meu marido Martino, que sempre

apoiou minhas opções e buscas, com

incentivo e amor. Acreditou em mim,

compreendeu meu afastamento e buscou

suprir minha ausência junto às nossas filhas.

Às minhas filhas Andressa e Larissa,amores da minha vida, pelas horas de

atenção que lhes foram negadas em função

deste Trabalho.

iv

Agradecimentos

Ao Professor Dr. Ladislau Dowbor, meu orientador, sempre tão rigoroso, sempre

tão terno, me fez viajar pelo mundo a fora num imenso universo de conhecimento,

com quem compartilho parte desta trajetória.

Ao Professor Dr. Onésimo pelas brilhantes aulas, fez despertar em mim vários

questionamentos sobre a existência humana, os dogmas e os dilemas, me fez

alcançar um plano mais elevado de reflexão e entendimento.

Ao Professor Doutor Leonardo Trevisan, que sempre me incentivou, ressaltando a

importância do meu trabalho e pelas importantes considerações feitas no exame

de qualificação.

À professora Dra. Marcia Leite, pelas recomendações feitas no exame de

qualificação que levaram ao aprimoramento deste trabalho.

Aos professores e coordenadores do Ceeteps, que prontamente me ofereceram

material para o desenvolvimento desse estudo.

Aos amigos do Ceeteps – Professor Antonio Carlos Baffi e Professor Jose

Aparecido Santos, que contribuíram com o desbrotar das idéias e ajudaram a

cultivá-las ao longo do estudo.

Às empresas de Transportes ABNT, CET, METRO, CBTU, SPTrans e Sindicatos

dos metroviários, metalúrgicos ABC e bancários que gentilmente me concederam

entrevistas.

À Shirlei Cristina dos Santos, com seu jeito terno e amigo, auxiliando a todos com

competência.

v

À Paulina, Marilini e Marani que com amor e carinho supriram a minha ausência,

cuidando de minhas filhas, enquanto eu estudava e realizava este trabalho.

À amiga Marcia S.Michelotti, pelo incentivo e palavras de afago nos momentos de

cansaço.

Às amigas Lucia Helena M.R. Domingues Fernandes e Eliane Shiobara pelo apoio

e oportunidade da frequente troca de idéias.

Ao Manoel Carvalho pelos ricos debates e estímulo na vida acadêmica.

Aos meus alunos, que me propiciam reflexão constante sobre a complexidade do

mundo em que vivemos, ampliando assim minha retórica sobre as transformações

atuais.

E finalmente ao Programa de Pós graduação em Administração, que com o auxílio

do Capes me concedeu a bolsa, tornando possível a conclusão deste trabalho.

Resumo

vi

As atuais transformações sociais, econômicas e políticas ilustram o período de

transição que vivemos. Neste momento de mudança de paradigma, o

conhecimento torna-se elemento chave para transformações sociais, pois assim

como as escolas as organizações empresariais estão alterando sua estrutura

organizacional e política, de forma a articular as novas exigências com a formação

profissional. Isto implica em sérios desafios para a educação e é preciso refletir

tanto sobre a prática profissional como sobre a formação oferecida pelas escolas.

Nesse trabalho faremos uma análise sobre as transformações no mundo do

trabalho, e a forma como as empresas reagem a essas transformações.

Discutiremos também o conceito de qualificação. Em seguida visando exemplificar

a dificuldade de adequação das instituições de formação profissional frente às

novas demandas, faremos um breve histórico da educação profissional no Brasil e

do Centro Paula Souza. Finalmente relataremos uma experiência de parceria

entre o Ceeteps e as Empresas de Transportes.

Esta estrutura de trabalho permitirá a visão articulada dos grandes eixos de

análise, a mudança do trabalho, as novas demandas empresariais e os esforços

de adequação que hoje se exige dos centros de formação profissional.

Abstract

vii

The present social, political and economical transformations show the transition

period we have been facing. With the changes of management paradigms,

knowledge becomes a key element of social transformation. Professional schools,

just like corporations, are having to change their organizational structures, so that

they can face the new demands. This means serious challenges for the education

system, since the new trends modify both professional practice and the type of

education schools have to offer.

In this study, we will first see how jobs are being transformed, and the way

corporations are facing these changes. We will then discuss the concept of

qualification. After that, as an example of the difficulties teaching institutions face in

order to be respond to the new demands, we will present a brief history of the

professional education system in Brazil and of the Centro Paula Souza. Finally, we

will present an experience of partnership between CEETEPS and the transport

companies.

This structure will allow us to show how three key trends, namely how jobs are

changing, how the corporations are facing these changes, and how professional

training institutions are responding, – can actually be faced by partnership and

more flexible management.

Sumário

viii

Relação de Figuras ....................................................................................Relação de Tabelas................................................................................

xxi

Relação de Siglas e Abreviações ............................................................. xii

Introdução ..................................................................................................

PARTE I – O MUNDO DO TRABALHO

Capítulo 1 – Transformação no Trabalho

2

1.1. 1.2. 1.3. 1.4. 1.5

Concepções e dimensões do Trabalho e do Emprego..............................Inovações Tecnológicas e Reestruturação Produtiva ...............................Teletrabalho ..............................................................................................Desemprego ..............................................................................................Tempo Livre ..............................................................................................

1015212530

Capítulo 2 – Estratégias Empresariais de Organização de Aprendizagem

2.1. 2.2.

2.3.

Tendências Organizacionais ...................................................................Organização Qualificante ........................................................................Gestão do Conhecimento ........................................................................2.3.1. Educação Corporativa....................................................................2.3.2. Organização de Aprendizagem .....................................................2.3.3. Do Teinamento à Educação ..........................................................2.3.4. Treinar Competências – Aprender à Aprender .............................

36394344464952

Capítulo 3 – Qualificação Profissional 3.1. 3.2. 3.3. 3.4. 3.5.

Discutindo os Conceitos .........................................................................Qualificação como Construção Social .....................................................Qualificação como sinônimo de preparação de capital humano .............As noções de qualificação que tomam como parâmetros a produção e a

Organização do Trabalho ........................................................................A ressignificação do conceito de qualificação e sua substituição pelo decompetência ..............................................................................................

57596264

67

ix

PARTE II – A FORMAÇÃO PROFISSIONAL

Capítulo 4 – Histórico do Ensino Profissionalizante

4.1. 4.2. 4.3. 4.4. 4.5.

4.6.

No Brasil ..................................................................................................Em São Paulo ...........................................................................................4.2.1. A reforma educacional nos anos setenta em São Paulo................A Educação Profissional Pós Constituição de 1988 ...............................A Educação Profissional na LDB ..............................................................A Educação Profissional no Decreto 2208/97 ..........................................4.5.1. Os objetivos da Educação Profissional .........................................4.5.2. Formas de Realização...................................................................4.5.3. Níveis da Educação Profissional ..................................................Parecer 16/99 ...........................................................................................

74 78 80 81 84 85 86 86 89

Capítulo 5 – A Instituição de Ensino Frente às Novas Demandas

5.1. 5.2.

5.3. 5.4. 5.5.

Caracterização de Instituição Ensino......................................................Centro Estadual de Educação Tecnológica Paula Souza .......................Diagnóstico da Gestão do Ceeteps .........................................................A nova organização do Ceeteps ............................................................Perspectiva de Mudança..........................................................................

94 96 99 103 110

Capítulo 6 – A Articulação – Formação da Parceria 116

Considerações Finais ...............................................................................

Bibliografia ................................................................................................

126

133

x

Relação de Figuras e Tabelas

Figura 2.1. Aprendizagem por Competência .......................................................46

Figura 2.2. O Modelo de Treinamento por Competência ....................................50

Tabela 4.1. Mudança de Paradigma da educação Profissional ...........................84

Tabela 5.1. Número de Inscritos cursos Técnicos de maior demanda ................91

Tabela 5.1. Número de alunos e turmas 2º semestre 2000 ...............................101

xi

Relação de Siglas e Abreviações

ANTP – Associação Nacional de Transportes Público

ARH – Administração de Recursos Humanos

CEB - Câmara Educação Básica

CEETEPS- Centro Estadual de Educação Tecnológica Paula Souza

CET - Companhia de Engenharia de Tráfego

CETEC- Coordenadoria de Ensino Técnico do Centro Paula Souza

CLT - Consolidação das Leis Trabalhistas

CNE - Conselho Nacional de Educação

CPTM – Companhia Paulista de Trens Metropolitanos

DISAETE – Divisão de Supervisão e Apoio às escolas Técnicas Estaduais

ETAE – Escolas Técnicas Agrícola Estaduais

ETES – Escolas Técnicas Estaduais

FATEC – Faculdade de Tecnologia

FSP – Folha de São Paulo

FUNDAB- Fundação do Desenvolvimento Administrativo

IE - Instituição de Ensino

LDB – Leis de Diretrizes e Bases Curriculares

MEC - Ministério da Educação e Desporto

METRÔ- Cia Metropolitano de São Paulo

MTB – Ministério do Trabalho

PEA- População Economicamente Ativa

xii

PROEP- Programa de Educação Profissional

SEFOR- Secretaria de Formação e Desenvolvimento Profissional

SPTrans- São Paulo Transportes

UNESP- Universidade Estado de São Paulo

UNIMETRO- Universidade Corporativa dos Metroviários

xiii

1

Introdução

2

Introdução

O mundo do trabalho passa por mudanças profundas, os desafios que estas

mudanças trazem estão relacionados aos avanços tecnológicos e às novas

expectativas das empresas que enfrentam agora mercados globalizados e

extremamente competitivos. Com isso, surgem também novas exigências em

relação ao desempenho de todos os profissionais1.

No marco dessas transformações, consolida-se o consenso, entre os empresários,

da superação gradativa da concepção “taylorista-fordista” de organização do

trabalho. Isso nos leva, inevitavelmente, à mudança da concepção de tarefa que

deixa de requerer um aprendizado por assimilação de operações, às vezes

repetitivas e sem experiência e qualificação, para requerer formas mais

abrangentes e organizadas de aprendizagem, onde o ato de pensar preside o ato de

fazer. Daí a necessidade de ajudar o trabalhador-aluno a pensar e, mais ainda, de

contribuir para que esse trabalhador aproveite sua experiência de vida,

organizando-a intelectualmente para utilizá-la em seu trabalho.

As novas tendências atuais do mundo do trabalho, sugerem, portanto, novos

modelos de gestão, que enfocam a necessidade do aprendizado contínuo e do

comprometimento das empresas na busca do aprimoramento de seus recursos

humanos. Paulo Freire (1997), já atentava para a necessidade do aprender a

aprender, enfatizando em seu livro “Pedagogia da Autonomia” “que para se

aprender é preciso que se ensine e para se ensinar é preciso que se aprenda”.

A dinâmica da reestruturação produtiva e seus impactos sobre o mercado de

trabalho e sobre a qualificação profissional definem novas competências trazendo

mudanças estruturais na configuração dos mercados de trabalho e nos planos

nacional, regional e local.

1 As grandes linhas destas mudanças podem ser encontradas nos trabalhos de Alvin Tofler, Claus Offe,Domenico de Masi, Jeremy Rifkin, Manuel Castells, Willlian Bridges entre outros.

3

Esse processo apresenta uma série de desafios para os sistemas de educação

profissional, uma vez que valoriza o trabalho qualificado, com características de

multifuncionalidade e polivalência, num contexto de mudança altamente dinâmico. A

educação passa então a ser uma necessidade para a empresa e um interesse para

o trabalhador e para a sociedade, exigindo que se repensem as bases pedagógicas

da educação geral e da educação para o trabalho. Ao discutir tal questão Elenice

Leite nos fala:

“Em face da crescente difusão de um novo perfil de competências nomercado de trabalho, começa a perder sentido a dicotomiaeducação/formação profissional e a correspondente separação decampos de atuação entre instituições educacionais e de formaçãoprofissional. Trabalho e cidadania, competência e consciência nãopodem ser visto como dimensões distintas, mas reclamamdesenvolvimento integral do indivíduo que, ao mesmo tempo, étrabalhador e cidadão, competente e consciente [....]. A busca denovas metodologias, tanto para jovens como para adultos, colocaem xeque a própria cultura organizacional e pedagógica da maiorparte das instituições educacionais e de formação profissional, frutoem grande parte, das teses da organização científica. Perfilinovador, crítico, ousado e com iniciativa dificilmente pode serformado pela velha escola de organização e administração” (1995,p.13).

Portanto, os novos requerimentos em relação as habilidades para o trabalho e a

diversificação dos agentes produtivos implicam em não se esperar que um único

agente, seja o governo, os empresário, os trabalhadores ou outro segmento da

sociedade, tome a si a tarefa de formar, capacitar e retreinar recursos humanos. A

escassez de recursos obriga os atores sociais ao aproveitamento máximo das

diversas contribuições que instituições diversas podem oferecer para a formação dos

recursos humanos. Por isso, a articulação entre os agentes distintos – Instituição de

Ensino, Empresa – pública ou privada, centrais ou locais – é indispensável para

resolver os problemas enfrentados pelas sociedades no âmbito da educação e da

formação profissional. Esta tarefa reivindica a participação dos Ministérios da

Educação e do Trabalho, dos municípios, das organizações não governamentais,

dos meios de comunicação, dos serviços de formação profissional, e das diversas

organizações de ajuda à comunidade, e, em especial, dos empresários, através de

seus órgãos de associação e representação sindical.

4

De acordo com essas premissas, a literatura sobre as novas dinâmicas do trabalho e

de formação profissional evidenciam a necessidade desse tipo de articulação. A

nova legislação preconizada pelo MEC vem enfrentar essas questões, da forma

como estabelece no decreto 2208 de 17/04/1997 diz:

“Art.5º - A educação profissional de nível técnico terá organizaçãocurricular própria e independente do ensino médio, podendo seroferecida de forma concomitante ou seqüencial a este”.

E ainda ressalta a importância do desenvolvimento de estudos de mercado para a

construção de currículos sintonizados com o mundo trabalho e com os avanços

tecnológicos:

“Art.7º - Para a elaboração das diretrizes curriculares para o ensinotécnico, deverão ser realizados estudos de identificação do perfil edas competências necessárias à atividade requerida, ouvido ossetores interessados, inclusive trabalhadores e empregadores.”

Constatamos portanto, que no paradigma que ora se implanta na educação

brasileira, o currículo, tradicionalmente entendido como uma grade disciplinar

preestabelecida e, obrigatoriamente reproduzida pelas escolas, passa a ser um

conjunto de situações meio organizado de acordo com uma concepção criativa local

e particular, voltado para a geração de competências, estas sim estabelecidas para

cada área profissional. De acordo com esse paradigma e como resposta ao novo

perfil que a laborabilidade ou a trabalhabilidade vem assumindo, o foco central da

educação profissional transfere-se dos conteúdos para as competências.

Considerando a complexidade das transformações do mundo do trabalho, esta

dissertação tem como objetivo, portanto, apresentar um estudo sobre como uma

instituição educacional – o Centro Paula Souza – Ceeteps que é responsável por

viabilizar no Estado de São Paulo as políticas públicas relativas à educação

profissional de nível básico, tecnológico, mantém uma rede de 99 escolas técnicas

(com cursos técnicos nas áreas agrícola, industrial e de serviços) e 09 Faculdades

de Tecnologia, altera sua forma de gestão para atender as novas demandas de

capacitação profissional.

5

O grande desafio que o Ceeteps enfrenta é o de atender as novas demandas, que é

constituída também pelo aluno - trabalhador que tem experiência mas necessita de

reconhecimento e certificação de competências. Assim o Ceeteps não mais atenderá

somente o jovem estudante egresso do ensino médio, mas também o trabalhador,

pois é importante que as competências adquiridas, especialmente durante a vida

profissional, possam ser reconhecidas pelas empresas mas também pelo sistema

educativo formal Há projetos destes atualmente em estudo em diversas regiões do

mundo, a exemplo da comissão Européia2 que prevê a criação de “certificados

pessoais de competências” que façam com que cada indivíduo possa ver

reconhecidos os seus conhecimentos e aptidões à medida que os for adquirindo.

Essa mudança de postura representa uma alteração significativa nos procedimentos

habituais de preparação e planejamento de seus cursos. Empresa e escola precisam

estar lado a lado para definir o que deve ser ensinado aos alunos, o que torna esta

parceria muito importante.

A escolha por esta temática a ser desenvolvida neste trabalho é resultante do nosso

envolvimento com a formação profissional. Exercendo a função de professora de

cursos profissionalizante nas unidades do Ceeteps, pudemos vivenciar dia a dia as

grandes transformações decorrentes das exigências do mercado de trabalho, da

incorporação de novas tecnologias, novo modelo curricular, com importantes

implicações sociais econômicas, políticas e culturais, internas e externas à escola.

Percebemos a necessidade de uma revisão do modelo de gestão institucional, uma

vez que o modelo de formação profissional, com raras exceções estão todos

estruturados para atender aos padrões fordistas de produção. Nesse contexto

educacional, a organização curricular caracteriza-se pela divisão do conhecimento

em disciplinas (conteúdo determinado por especialistas, que costumam ver o mundo

a partir da ótica de sua disciplina) num processo de fragmentação da cultura escolar.

Assim optou-se como instrumental analítico relatar os depoimentos dos atores

sociais envolvidos na construção do “Primeiro Curso Técnico em Transporte

2 Comissão Européia, Enseigner et apprendre. Serviço de Publicações Oficiais das Comunidades Européias,Luxemburgo, 1995 – In –UNESCO-2001

6

Metropolitano sobre Trilhos no Estado de São Paulo”. Esse curso técnico na área de

transportes foi elaborado em parceria com empresas do Setor e com apoio na ANTP

– Associação Nacional de Transportes Públicos e foram desenvolvidos sob a

coordenação do Centro Estadual de Educação Tecnológica Paula Souza – Ceeteps.

Essa articulação entre empresa e escola demonstra a ruptura do modelo pedagógico

tradicional e do modelo convencional de treinamento oferecido pela área de recursos

humanos das empresas, como nos relata Marcos Monteiro3 :

“O curso técnico em transporte metropolitano sobre trilhos, é umprojeto piloto em São Paulo, representa um desafio para os atoresenvolvidos, pois a construção do itinerário de competência é umaexperiência nova no Brasil. A parceria entre escola e empresa só épossível concretizar-se a partir de um diálogo entre as partes”(2000).

Concordamos com Monteiro e acreditamos na importância de relatar essa

negociação, pontuando os depoimentos entre as partes envolvidas. De um lado a

instituição de ensino habituada a fazer seu planejamento de ensino, a partir de um

processo individual de aprendizagem de formas de fazer, definidas pelas

necessidades da ocupação a ser exercida, para então desenvolver cursos a partir da

necessidade da empresa. E de outro, as empresas alterando seu perfil de

treinamento, que era considerado como um meio para adequar cada pessoa ao seu

cargo, para modernamente considerá-lo como um meio de desenvolver

competências nas pessoas, objetivando maior produtividade.

Com base neste pensamento o Ceeteps está buscando uma adequação à nova

proposta de educação profissional e uma organização pró-ativa. A primeira privilegia

as demandas do mercado de trabalho e a segunda uma articulação com a

sociedade e o mundo do trabalho. Essa nova organização de gestão e de

organização compreende alterar a divisão do conhecimento em disciplinas para o

princípio da interdisciplinaridade, essencialmente sócio-humanista e parte da

reflexão sobre como se dá o conhecimento e para que serve este conhecimento,

levando-se em conta o ponto de vista social. Esse princípio resgata o método de

3 Monteiro, Marcos é Superintendente na gestão atual do Ceeteps.

7

projetos, os centros de interesse e outras propostas pedagógicas essencialmente

operatórias, críticas e democráticas.

Acreditamos ser oportuno um estudo à respeito na medida em que a parceria

representa um desafio para os atores sociais envolvidos com a qualificação

profissional, uma vez que é preciso superar a visão segmentada, setorizada que a

maioria das organizações tem delas mesmas. Torna-se necessário um grande

esforço para coletivizar idéias novas, o que implica uma ação de harmonização de

interesses, a fim de desenvolver formas de ensino que façam constantemente

conexões com a sociedade.

A partir de um mapeamento dos referenciais teóricos associados à dinâmica da

questão da qualificação em uma perspectiva da sociologia do trabalho e da

educação, poderemos confrontar a expressão dos princípios que organizam e

legitimam a passagem de um ensino centrado em saberes disciplinares a um ensino

definido pela produção das competências verificáveis em situações e tarefas

específicas. Tal estudo compreende uma relação interdisciplinar, quando recorre a

várias áreas do conhecimento para garantir sustentação nos referenciais teóricos. É

precisamente nesse contexto que esta dissertação pretende dar sua maior

contribuição, pois vale ressaltar que a literatura existente sobre as transformações

no trabalho e as reformas do ensino profissional reconhece a importância da

articulação entre os atores sociais. Entretanto, ainda parecem ser poucos os

trabalhos que relatam experiências concretas de cooperação técnica entre

empresários e agentes educacionais.

Para desenvolver nossa proposta organizamos este trabalho em seis capítulos

dispostos da seguinte forma:

O Capítulo 1 apresenta as transformações no mundo trabalho e, a partir das visões

de vários autores, discute um conjunto de idéias sobre os impactos das novas

tecnologias que justificam a necessidade de um novo modelo de formação

profissional.

8

O Capítulo 2 discute as estratégias empresariais, demonstrando como as empresas

reagem às transformações no mundo do trabalho. Especificamente no que se refere

à questão da aprendizagem e gestão do conhecimento, ressalta a importância de

diferenciar o aprendizado individual do organizacional, evidenciando a necessidade

do alinhamento entre as estratégias da organização e administração de recursos

humanos.

O capítulo 3 introduz um debate sobre a alteração do conceito de qualificação,

relacionando-o com o conceito de competência. Através deste capítulo será possível

compreender como o conceito de qualificação é polissêmico, podendo ser assumido

com várias acepções e analisado sob ângulos e enfoques distintos.

O capítulo 4 apresenta a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Profissional,

identifica as configurações atuais, bem como os rumos a serem seguidos ante a

proposta de reforma educacional contida na Lei nº 9.394/96 e no Decreto nº

2208/97. Discute o Parecer CEB/CNE nº 16/99, que é apresentado como Referencial

Curricular Nacional para a Educação Profissional.

O capítulo 5 caracteriza o que é uma instituição de ensino, objetivando

compreender a sua relação com o meio ambiente e identifica o modelo de gestão

de uma instituição de ensino – no caso específico o Centro Paula Souza (Ceeteps),

de maneira a entender como esta reage ao processo de mudança.

O Capítulo 6 apresenta um estudo de caso envolvendo o Ceeteps e as empresas de

transportes – ANTP, Metrô, CET/SP, CPTM e SPTrans. Apresenta também partes

de entrevistas realizadas com os sujeitos envolvidos no processo de cooperação

técnica educacional. Este capítulo mostra, portanto, formas renovadas de parceria

empresa/escola.

Nas Considerações Finais, alinharemos o conjunto de idéias expostas na

dissertação, levando em conta a questão do conhecimento como elemento central

de transformação social.

9

Esta estrutura deve nos permitir a visão articulada dos três grandes eixos de análise,

a mudança do trabalho, as novas demandas empresariais, e os esforços de

adequação que hoje se exige dos centros de formação profissional.

PARTE IO MUNDO DO TRABALHO

Há muitos outros sinais de continuidade, em

vez de ruptura (...) Mas considero igualmente

perigoso fingir que nada mudou (...)

10

David Harvey, Condição Pós-Moderna

Capítulo 1 Transformações no Trabalho

Esse capítulo aborda os grandes eixos de interpretação da realidade em

transformação, portanto representa a base para compreensão e justificativa do tema

objeto de estudo. A partir das visões de vários autores analisa um conjunto de

idéias sobre as transformações no mundo do trabalho e sobre os impactos

causados devido ao surgimento de novas tecnologias, de forma a elucidar os

argumentos teóricos que justificam a necessidade de um novo modelo de formação

profissional.

1.1. Concepções e dimensões do Trabalho e do Emprego

Etimologicamente o termo trabalho aparece com dois diferentes significados: o

primeiro, derivado de tripalium, como sinônimo de tortura e escravidão, mais tarde

passou a expressar a idéia de esforçar-se, exercer um ofício; o segundo significado

está relacionado com a idéia de orientada para um fim, construção, transformação.

Segundo Chnee4, uma análise da história da humanidade nos mostra que trabalho

e técnica sempre estiveram presentes em todas as formas de sociedade, por mais

rudimentares que fossem, desempenhando papel fundamental na formação e

organização das mesmas. Toda evolução baseia-se em conquistas que se deram a

partir do trabalho, ou foram desenvolvidas por meio de técnicas e, a partir de certo

momento, por meio da tecnologia. A evolução do trabalho esteve sempre

relacionada à estrutura sócio-econômica e cultural, desempenhando um papel

importante na construção do sentido do trabalho. A forma de concebê-lo e organizá-

CHNEE, Patricia C.Celani. O Significado do Trabalho na percepção de Profissionais que atuam em empresasglobaIizadas ou caracterizadas pela utilização de alta tecnologia. Dissertação de Mestrado em Administração -PUC-SP 1998.

11

lo passou a determinar o modo de vida das sociedades, sendo inclusive responsável

pela diferenciação das mesmas5.

No entanto, ameaças ao trabalho estiveram ligadas a importantes momentos de

crises sociais e econômicas ao longo da História, trazendo a tona questionamentos a

respeito de sua importância e de seu significado. Muitos trabalhadores lutaram e

ainda lutam por melhores condições de trabalho, alguns a partir de justas

reivindicações e outros por oportunismo. As máquinas desenvolvidas, para

aumentar a eficiência do processo de manufatura, originaram o sistema fabril de

produção – que levaria à Revolução Industrial, substituindo o homem em tarefas

repetitivas ou perigosas com mais rapidez. Se por um lado a máquina contribuiu com

o trabalho efetuado pelo homem, por outro ganhou parte de seu espaço e, em

certos casos, tirou seu lugar, determinando uma nova organização do trabalho.

Essas novas formas de organização refletem a introdução de novos procedimentos,

como por exemplo a Gestão do Conhecimento e Educação Corporativa, e o

afastamento daqueles até então dominantes.

Thomas Khun nos ensinou que a ciência avança pela vitória de novos paradigmas,

novas explicações e ou procedimentos para entender o mundo sobre verdades

estabelecidas. Podemos extrapolar essa proposição também para outras áreas.

Assim nos deparamos com vários eixos de interpretações, sendo designado várias

propostas de formato de trabalho, diferenciadas em função da ênfase de cada autor

em determinado aspecto. Algumas dessas propostas são: “produção de alta

performance”, “fabricação enxuta”, “automação flexível”, “just-in-time”, “kan-ban”,

“toyotismo”, “era da Informação”, “era do Conhecimento”, “Pós Industrial” ou ainda

“Terceira Onda” de Alvin Tofler, entre outros. Estes novos conceitos sinalizam

mudanças na organização do trabalho. Mudanças que favorecem a disseminação

do novo “modelo de gestão” e remetem à “crise”, de natureza estrutural e de

abrangência mundial, atravessada pela economia capitalista ao final da década de

60 e início dos anos 70. Sua complexidade explode nos anos 80 e com diferentes

nuanças vem se alastrando, até os dias de hoje, a “todos os campos mais

5 Privilegiamos aqui as relações de produção, cientes que as relações de distribuição formam também um papelde diferenciação das sociedades.

12

abrangentes da vida social - econômico, político, social e cultural”, caracterizando

uma ampla “crise societária” ou uma crise global (Wanderley, in Aprile 1996).

Diante da diversidade e da pluralidade de práticas emergentes de trabalho nas

sociedades contemporâneas, Leila Blass (1996) sugere que o conceito de trabalho

deve ser redefinido. Para Blass, a noção ampliada de trabalho romperia, assim, os

limites de um conhecimento sociológico fragmentado e compartimentado, herdeiro

da ciência moderna. Além disso, torna-se possível diferenciar os termos trabalho e

emprego, resolvendo a problemática surgida historicamente com a generalização

das práticas de assalariamento.

Mais do que uma questão de semântica e afora os modismos, a distinção dos

termos é um indicador da necessidade de mudança: o empregado (aquele que tem

um emprego) ou o funcionário (aquele que exerce uma função). Até mesmo o

recente e bastante difundido termo empregabilidade (capacitar-se para ser absorvido

pelo mercado de trabalho) começa a ser substituído por trabalhabilidade

(capacidade de auto motivar-se e criar oportunidades de trabalho onde não há

emprego). Isto nos remete a fala de Dowbor, que afirma:

“O problema do trabalho não pode ser reduzido à questão do“emprego” que garante uma vinculação formal da pessoa com umainstituição. A comunidade necessita de um grande volume deserviços antigamente prestados pela família “ampla“, pelos avós,tios, amigos da família que ajudavam a cuidar da casa, das criançase dos espaços comunitários” (1998, p.70).

Assim, segundo Helena Hirata (1996) pode-se afirmar que o trabalho, no sentido de

trabalho assalariado, perde sua centralidade na medida em que o volume do

emprego assalariado regride e ocorre um aumento dos empregos precários.

Portanto, repensar o sentido do trabalho, hoje ao nível da sociedade é de certa

forma, tentar dar respostas para essa questão da centralidade do trabalho.

Entretanto, pensar a respeito de trabalho, nos leva também a um raciocínio onde a

lógica corresponde ao modelo de trabalho caracterizado como emprego, atrelado às

relações contratuais, a carreira e ascensão profissional a partir do referencial capital

x trabalho e do modelo de administração a partir da era industrial. Acreditamos que

13

esse raciocínio reduz o universo de análise, quando o momento atual sugere outras

possibilidades de trabalho, (tais como: teletrabalho, terceirização, autônomo). Daí a

importância, para efeito desse estudo, de distinguirmos os conceitos de trabalho e

emprego, como veremos a diante.

Segundo o Dicionário Aurélio da Lingua Portuguesa o termo emprego significa: Ato

de empregar, aplicação, ou ainda de Cargo ou Ocupação em serviço particular,

público, etc. Para William Bridges (1995), os empregos não fazem parte da

natureza. São produtos históricos. Nada torna este fato mais claro do que o

significado mutante da própria palavra: emprego. As palavras que usamos são

coisas vivas com histórias próprias, e quando seus significados mudam com o

passar do tempo, podemos garantir que ocorreram mudanças nas realidades sociais

e psicológicas também.

A palavra emprego (Job) é antiga e remonta um período anterior ao ano de 1400,

mas até 1800 tinha significado diferente do seu significado atual. No começo, a

palavra emprego (job) pode ter sido uma variante de gob (bocado), porque

significava “uma pequena porção compacta de alguma substância, um pedaço, um

naco, um bocado”. Tanto job (emprego) como gob (bocado) podem, de fato, ter

surgido originalmente de uma palavra céltica, gob ou gop significando “boca”.

Iniciando-se com o sentido de “pedacinho” de alguma coisa, a palavra começou a

ampliar seu significado para incluir “grandes montes” de coisas, como montes de

feno ou estrume de curral (a idéia de que esse emprego original possa ter sido um

“monte de esterco” parece muito moderna para alguns trabalhadores). Por volta da

época em que os imigrantes, puritanos ingleses, chegaram a Plymouth, seu

significado sofreu mais uma transformação, mudando de “grande monte” em si para

o ato de transportar tal monte numa carroça. A partir daí, foi um passo para se usar

o termo emprego (job) para referir-se a “qualquer tarefa que fosse uma peça única

de trabalho” (Bridges,1995).

Para Bridges, várias linhas divergiam desse significado básico que utilizava o termo

emprego como tarefa. Uma nova linha considerou o emprego um pedaço do

negócio, como em “Decidimos dar o serviço (job) à gráfica da esquina”. Outra linha

considerou o emprego uma unidade de trabalho, como em “Sou pago para fazer o

14

serviço”. Em outras, ainda, como em “Tive um trabalho duro para encontrá-lo” ou

“Ela fez um negócio ruim ocultando seus sentimentos”, passou a utilizar o termo para

referir-se a quase que qualquer empreitada ou esforço.

Contudo, o emprego nos moldes atuais desenvolveu-se inicialmente nas

tecelagens, na metaloplastia e nas fábricas de calçados, atividades executadas além

daquelas de pastoreio e agricultura, que eram desempenhadas artesanalmente e

denominadas job-work (Bridges, 1995). A idéia moderna de emprego surgiu como

algo assustador, desagradável e socialmente ameaçador. Para os críticos, tratava-se

de uma forma de trabalho antinatural, desumana e insuportável. Mas com a

apropriação das terras onde havia plantio e pastoreio e com o oferecimento de

trabalho nas fábricas, cada vez mais pessoas deixaram o job-work ao estilo antigo e

dedicaram-se a arranjar um emprego.

O trabalho nas fábricas e organizações burocráticas dos países que se

industrializavam trouxe consigo o conceito de emprego. Até então as pessoas

trabalhavam, mas em geral em grupos que variavam segundo as tarefas.

Desempenhavam diversas atividades, que podiam ser breves e leves, ou árduas e

demoradas, para si próprio ou para outros por meio de contratos. Não existia

emprego no sentido fixo. A programação era determinada “pelo sol, pelo tempo e

pelas necessidades do dia” (Bridges 1995).

Contribuindo com esse pensamento, Phlippe Zarifian (1990) acredita que o

referencial do emprego não é outra coisa senão uma sequência lógica de tarefas, a

partir das quais infere-se as capacidades físicas, os conhecimentos técnicos e uma

disciplina social “qualidades” que todo indivíduo pretendendo ocupar aquele posto

de trabalho deve possuir.

Portanto, não podemos deixar de considerar que nossa vida em sociedade está

estruturada com base no emprego tradicional, o que consiste em um agravante da

situação. Desde crianças ouvimos falar na importância do trabalho e nos

preparamos para escolher o que seremos quando adultos, aprendendo a nos

autodefinir em função de um emprego. Sua importância transcende a questão

econômica e envolve a auto-estima, o que explica os inúmeros casos de depressão

15

em desempregados (Rifkin e Bridges, 1995). É fácil compreender o problema se

considerarmos que o trabalho faz parte dos projetos de vida das pessoas, o que

dificulta o fato de programá-lo em sua total ausência (Chnee, 1998).

Entretanto, Ladislau Dowbor (1998) adverte que o problema do emprego vai mais

longe, a visão conservadora do mundo está ruindo (Antony Guiddens) e estamos no

limiar de uma nova era, à qual as ciências sociais devem responder o que está nos

levando para além da modernidade. Basta dizer que estamos evoluindo para a era

dos serviços? É fácil dizer que nos Estados Unidos a agricultura ocupa 2,5% da

mão-de-obra. Tal avaliação segundo Dowbor, é possível porque reduzimos a

atividade agrícola à lavra da terra. Hoje o agricultor americano se apoia em serviços

de análise de solos, em serviços de inseminação artificial, serviços de calagem,

serviços de silagem, serviços meteorológicos e outros. Não há mais agricultura, ou

a agricultura passou a funcionar de outra forma?

Da mesma forma poderíamos dizer que a secretária ou engenheiro que trabalham

na fábrica não estão na indústria, estão na área de serviços. “Na realidade trata-se

em grande parte de uma transformação do conteúdo das atividades produtivas, e

não do desaparecimento destas atividades em proveito de uma nebulosa área de

serviços. De certa forma, é o conjunto das atividades humanas que está sendo

transformado ao incorporar mais tecnologias, mais conhecimento e mais trabalho

indireto” (Dowbor, 1999).

Sabemos então que o motor de transformações se dá pelo efeito causado pela

introdução de novas tecnologias, no âmbito do trabalho e do emprego. Portanto,

para efeito desse estudo, apontaremos seus efeitos no âmbito do emprego e das

novas formas de trabalho, as quais em boa parte pode resultar em uma exigência de

maior qualificação para o trabalhador.

1.2. Inovações Tecnológicas e Reestruturação Produtiva

As Inovações tecnológicas modificam o perfil do trabalho e do emprego, o ambiente

globalizado acarreta novos formatos de empresas e formas de gestão como

16

contratos temporários, terceirizações, organizações virtuais, projetos transnacionais,

teletrabalho, etc. Dessa forma, a atividade profissional passa então a ter uma

característica universal, expandindo a dimensão social do significado que lhe é

atribuído, uma vez que muitos profissionais já não fazem parte de um mercado de

trabalho local, mas sim mundial.

Em matéria de gestão e organização empresarial, Elenice Leite nos fala sobre as

definições que se difundem nesse quadro, uma série de princípios que configuram

uma “nova filosofia de produção”, ou como aventam alguns estudiosos, um “novo

paradigma”, sob vários aspectos distintos da arquitetura taylorista-fordista que teria

predominado no modelo anterior. Essa reestruturação, segundo Leite, chega a

configurar uma fase de crise e transição, de modo a incorporar um novo ideário nos

discursos de diferentes atores — empresários, trabalhadores, educadores,

administradores e associações de classe, assumindo de certa forma, a mesma

dimensão paradigmática que a organização científica atingiu ao longo dos anos do

pós-guerra.

Entretanto, esse ideário, inicialmente mais localizado no plano do discurso, acaba

incidindo na prática das empresas, definindo novas práticas produtivas, com

impactos diretos sobre o trabalho e na qualificação do trabalhador. A reestruturação

empresarial, assim conduzida, tem como componente básico a busca de:

• Integração, no sentido de racionalizar e otimizar recursos, ou

ainda, superar progressivamente “gargalos” ligados a estoques,

tempos mortos, desperdícios, e

• Flexibilidade, em particular na definição do mix de produtos e em

suas especificações segundo o perfil dos clientes.

Assim, as mudanças que acompanham as novas tecnologias da informação

alteraram profundamente a relação entre os trabalhadores e o trabalho. De acordo

com Rifkin (1995), as novas tecnologias de racionalização do trabalho geram duas

realidades: de um lado o aumento de produtividade, maior competitividade em nível

global e aumento dos lucros, e de outro o desemprego.

17

Manuel Castells (1999) em seu livro “A Sociedade em Rede” nos fala do surgimento

de uma nova estrutura social, associada à ascensão de um novo modo de

desenvolvimento: o informacionalismo. A economia informacional é caracterizada

por cultura e instituições específicas, mas não está relacionada a uma determinada e

única sociedade. Um de seus aspectos mais importantes é que ela não se restringe

a uma área geográfica ou a um país isolado; ao contrário, surge em contextos

culturais muito distintos, da América do Norte à China, passando pelos mais

variados pontos do planeta, exercendo influência em todos os países e gerando uma

estrutura de referências multiculturais.

Castells (1999) enfatiza que a revolução tecnológica não é caracterizada pela

centralidade de conhecimentos e informação, mas sim pela aplicação desses

conhecimentos e dessa informação para a geração de conhecimentos e de

dispositivos de processamento/comunicação da informação, em um ciclo de

realimentacão cumulativo entre a inovação e sua aplicação. Vejamos em suas

próprias palavras:

“Computadores, sistemas de comunicação, decodificação eprogramação genética são todos amplificadores e extensões damente humana. O que pensamos e como pensamos é expresso embens, serviços, produção material e intelectual, sejam alimentos,moradia, sistemas de transporte e comunicação, mísseis, saúde,educação ou imagens. A integração crescente entre mentes emáquina, inclusive a máquina de DNA, está anulando o que BruceMazlish chama de a “Quarta descontinuidade” (aquela entre sereshumanos e máquinas), alterando fundamentalmente o modo peloqual nascemos, vivemos, aprendemos, trabalhamos, produzimos,consumimos, sonhamos, lutamos ou morremos” (Castells, 51:1999).

Portanto, as tendências tecnológicas e organizacionais que vêm sendo introduzidas

no mundo do trabalho indicam que suas formas rígidas de organização começam a

ser flexibilizadas, dando passagem a um novo regime de acumulação, que alguns

autores denominam de “especialização flexível” ou “acumulação flexível”. O novo

“modelo produtivo”, conforme destaca Harvey (1992) :

(...) se apóia na flexibilidade dos processos de trabalho, dosprodutos e padrão de consumo. Caracteriza-se pelo surgimento desetores de produção inteiramente novos, novas maneiras defornecimento de serviços financeiros, novos mercados e sobretudo,

18

taxas altamente intensificadas de inovação comercial, tecnológica eorganizacional.

Ainda, segundo Harvey6, a “acumulação flexível”, envolve:

(...) rápidas mudanças dos padrões do desenvolvimento desigual,tanto entre setores como em regiões geográficas, criando, porexemplo, um vasto movimento no emprego no chamado setor deserviços, bem como conjuntos industriais completamente novos emregiões até então subdesenvolvidas (...)(140:1992).

Sob a égide da “acumulação flexível”, o velho “modelo taylorista/fordista” estaria

sendo substituido por um “novo” modelo de organização do trabalho, cujas

características principais seriam a produção em pequenos lotes, a reintegração das

atividades de execução, planejamento e ainda, o emprego de trabalhadores mais

qualificados para o desenvolvimento de um trabalho mais variado.

Nadia Araujo Castro, ao tratar de questões relativas ao trabalho e à organização

industrial num contexto de crise e de reestruturação produtiva, considera que:

[...] sinais emitidos do mundo da moderna atividade industrial,ou seja, indicadores conjunturais insistentemente veiculados aolongo de 1993 davam conta do crescimento da população, daprodutividade e da capacidade integração competitiva em algunssetores, como a automobilística, que se constituem em carros chefesda indústria no Brasil. Estes resultados pareciam decorrer não dasimples incorporação milagrosa de equipamentos sofisticados, massim de um intenso e simultâneo processo de reestruturaçãoorganizacional, que tem alterado tanto a estrutura interna dasempresas – suas formas de organizar e gerenciar a produção e otrabalho- quanto as relações entre empresas. (1994, p.116).

Tal processo, como afirma Oliveira Neto7, além de envolver mudanças na estrutura

produtiva, acarretou transformações micro e macroeconômicas, mudanças

institucionais no âmbito da sociedade civil e mudanças políticas e culturais,

presentes também no cenário mundial, as quais se fizeram sentir no País com o

processo de abertura iniciado na década de 90, o que colocou a indústria aqui

instalada – de capital nacional e estrangeiro diante de novos desafios. Foi o

momento de mudanças produzidas pelo processo de transição política, econômica e 6 Harvey David. Condição pós moderna. São Paulo: Loyola, 1992.

19

cultural decorrentes da implantação de um projeto político nacional iniciado no

Governo Collor, seguido pelo de Itamar Franco e intensificado pelo de Fernando

Henrique Cardoso.(1999).

Por outro lado, numa perspectiva macro social, Dowbor8 (1999) nos fala sobre o

conjunto das atividades humanas que está sendo transformado ao incorporar mais

tecnologias e mais conhecimentos. Adverte que nem a área produtiva, nem as redes

de infraestruturas, e nem os serviços de intermediação funcionarão de maneira

adequada se não houver investimento no ser humano, na sua formação, na sua

saúde, na sua cultura, no seu lazer, na sua informação. Em outros termos, a

dimensão social do desenvolvimento deixa de ser um “complemento”, uma dimensão

humanitária de certa forma externa aos processos econômicos centrais, para se

tornar um dos componentes essenciais da transformação social que vivemos.

Portanto, Dowbor nos lembra que o principal setor econômico nos Estados Unidos

não é mais a indústria automobilística, ou bélica, mas a saúde, que representa 14%

do seu PIB.

Sendo assim, por mais paradoxal que possa parecer a tecnologia, quanto mais

sofisticada, torna-se também mais acessível a um número maior de pessoas e

mais é reconhecido o valor do capital humano como vantagem competitiva das

empresas. Isto enfatiza o caráter de ferramenta da tecnologia freqüentemente sub

utilizada e não como um concorrente ou substituto do trabalho humano. Assim como

o arado para o período agrícola e a máquina a vapor para o período industrial, hoje

dispomos da informática como ferramenta na substituição de atividades repetitivas e

automatizadas, que prescindem de características basicamente humanas na

criatividade, intuição e inteligência. O que conta não é o quanto de tecnologia que se

dispõe, mas se o uso que se faz dela implica em diferença no resultado final do

produto ou serviço apresentado ao cliente.

Entretanto, cabe ressaltar que não estamos diante de um padrão único, estamos

diante de um complexo processo de construção social, para o qual a história 7 Oliveira Neto, Paulo Rocha. Aspectos do Trabalho na Pós Modernidade. Dissertação de Mestrado. São Paulo.Núcleo de Estudos e Pesquisas em Educação e Qualificação Profissional. PUC/SP, 1999.8 DOWBOR, Ladislau. Gestão Social e Transformação da Sociedade. Artigo One-Line- www.ppbr/ld.com.br.1999.

20

pregressa e a cultura dos agentes sociais envolvidos na transformação

desempenham uma enorme importância na definição de suas características. Assim

vale considerar por exemplo que algumas empresas implantam programas de

qualidade total (TQC ou CQT), Just-In-Time, reengenharia conceitos de cliente

interno e do binômio-cliente fornecedor em paralelo com inúmeras formas de

trabalho informal e mal pago.

Nessa linha de reflexão Marcia Leite nos alerta sobre a performance da indústria

japonesa, especialmente no setor automobilístico, que tem levado a um duplo

movimento entre os estudiosos: por um lado, pode-se identificar uma tendência à

idealização das características do chamado “modelo japonês” que seria responsável

pela adoção de formas de organização do trabalho mais satisfatórias, baseadas no

trabalho qualificado, bem pago e estável, por outro lado, uma tendência à crença de

que tal modelo deverá se expandir pelo mundo repetindo as mesmas características

do “modelo japonês” no que se refere à organização do trabalho, relações entre

empresas e formas de gestão da mão-de-obra, o que tem se expressado inclusive

no novo termo criado para a discussão de tal fenômeno, qual seja, a japonisação

((japanization) (M.Leite, 2000:17).

Esse tipo de consideração como nos fala M.Leite9, nos alerta não só para a

necessidade de levar em conta a diversidade nas formas de adaptação ao novo

contexto internacional, mas mais que isso, de ter presente que uma nova divisão

internacional do trabalho pode estar em andamento, provocada especialmente pela

enorme expansão do capital japonês a nível internacional nos últimos anos, a qual

tenderia a concentrar as fases mais sofisticadas do processo de produção em

alguns países, ao lado de uma externalização das fases mais simples, que se

dirigiria às regiões com maior concentração de mão-de-obra barata. Tal tendência,

que levaria a uma difusão de empresas que se caracterizariam por uma utilização

mais predatória da mão-de-obra, seria encontrada não só em alguns países em

desenvolvimento, mas inclusive em algumas nações do mundo desenvolvido onde a

qualificação da mão-de-obra é relativamente baixa e o custo do trabalho é

igualmente baixo ou vem tendendo ao declínio nos últimos anos (2000:20). Isso

9 Importantes considerações a esse respeito são encontradas na tese de livre docência de M.Leite- Unicamp-2000–Ciência, Tecnologia e Sociedade.

21

significa que estamos passando por processos complexos e contraditórios e que

requer, portanto, a capacidade de balizar as macro idéias.

Enfim, vale destacar que face à essas constatações, compreendemos que as

transformações que caracterizam o atual mundo do trabalho e o novo modelo de

gestão é orientado por um conjunto de valores e idéias, cujas mudanças provocam

sobre os processos de trabalho e gerenciamento da mão-de-obra configuram uma

nova ofensiva do capital frente às novas exigências que lhe são impostas. Ao alterar

a maneira de trabalhar e de produzir, o “Novo modelo de gestão” atinge diretamente

a classe trabalhadora, colocando “em xeque” a qualificação profissional, nos moldes

em que vem sendo tradicionalmente obtida, e ao mesmo tempo, exige do trabalho

qualificado o preenchimento de novos requisitos.

Portanto, qualquer discussão acerca das perspectivas que se apontam para o futuro

da qualificação profissional, passa necessariamente por um processo de reflexão

sobre as contradições e diversidades do atual mundo do trabalho. Consideramos

importante que essas mudanças apontadas pelos autores, devem ser vistas com

realismo e de acordo com a capacidade individual de cada contexto social

econômico e político.

Assim, os debates sobre as transformações no trabalho, que resultam numa

exigência de maior qualificação, devem levar em conta a diversidade real (por

exemplo, a divisão sexual e a discriminação da força de trabalho por gênero) ou

ainda as diferenças entre países desenvolvidos e em desenvolvimento. Pois o

universo do trabalho, que está na base das discussões, é aquele das grandes

empresas, empregando mão-de-obra masculina com processos de inovação

tecnológica intensos nos países do Norte.

1.3. O Teletrabalho

Outra forma de trabalho que vem se firmando é o teletrabalho, chamado de

“telecommuting” pelos americanos e ingleses. Trata-se de exercer o trabalho em

22

casa, ou de casa, ou mesmo na rua, no caso dos vendedores. As telecomunicações,

aliadas à informática, vêm dando um grande suporte a essa forma de trabalho,

permitindo a comunicação entre empregados, colegas e empresa através de

recursos tais como: o fax, telefone, a viva-voz, o correio eletrônico e o vídeo-

conferência. Porém, não se trata de uma idéia nova. Handy 1994:cap.4, cita uma

empresa britânica, a F. International, que iníciou em 1962 um programa chamado

“Free-lance Programmers”. Na realidade, tratava-se de uma só pessoa que escrevia

em sua própria casa programas de computador para empresas. Em 1988, a F.

International empregava 1100 pessoas, 70% das quais trabalhando em casa e 90%

eram mulheres. Essas pessoas não trabalhavam isoladas, mas em grupos formados

em torno de projetos e tarefas. Uma rede de telefones e computadores permite a

comunicação entre esses grupos, possibilitando o cumprimento dos objetivos

propostos (Tose: 1997).

Para De Masi (2000) existem muitas formas de teletrabalho: empresas de trabalho à

distância, escritórios-satélites, centros comunitários, trabalho em domicílio, trabalho

em escritórios móveis, como por exemplo, aqueles instalados em ônibus da equipe

de políticos durante as campanhas eleitorais (205).

Assim segundo este autor nem todos os trabalhos são descentralizáveis. Eles o são

mais facilmente, sobretudo, quando consistem numa atividade simbólica (ler,

traduzir, processar dados, etc) e se têm como matéria-prima a informação que,

devido a sua natureza ubíqua10, é transmissível em tempo real. É um trabalho que

se realiza com procedimentos bem codificados no que diz respeito ao seu início e

fim: a ordem é do tipo “até depois de amanhã, na hora tal devo ter feito isso”. Porém,

apresenta procedimentos bastante decodificados no que diz respeito ao processo: o

trabalhador pode cumprir sua tarefa de manhã ou de noite, na cozinha, no terraço,

tanto faz, isso não interessa à empresa.

Este modelo de trabalho requer, portanto, uma boa autonomia técnico-instrumental

ou ao menos a possibilidade de obtenção por parte de alguém mais qualificado se

surgirem dificuldades. Requer também, a possibilidade de usufruto de todos os

10 Segundo o Dicionário Aurélio da Lingua Portuguesa a palavra úbiqua significa “que está ao mesmo tempoem toda parte”.

23

recursos indispensáveis ao trabalho: se este exige o uso do correio eletrônico, deve-

se poder consultá-lo através do computador ou da Web TV. Todavia, De Masi

adverte que é preciso avaliar bem suas vantagens e desvantagens para os

trabalhadores, para os empregadores, para os sindicatos e para a sociedade em seu

conjunto.

Para os trabalhadores, segundo De Masi, parece que as vantagens são sobretudo

as seguintes:

“Autonomia dos tempos e dos métodos, coincidência entre o lar e olocal de trabalho, redução dos custos e do cansaço provocado pelosdeslocamentos, melhoria da gestão da vida social e familiar,relações de trabalho mais personalizadas, além da possibilidade deredução das horas de trabalho propriamente dito” (2000:206).

Ainda, segundo o mesmo autor as desvantagens podem ser:

“Isolamento, marginalização do contexto e da dinâmica da empresa(logo o provérbio “o que os olhos não vêem, o coração não sente”,significando menores chances na carreira), o problema dareestruturação dos espaços dentro de casa, dos hábitos pessoais edas relações familiares (do tipo quem leva os filhos para escola?).Mas também sobre este ponto goza-se da vantagem oferecida pelaflexibilidade dos horários e do fato de se passar mais tempo emcasa” (2000:207).

Do ponto de vista das Relações de trabalho, poderão existir dificuldades

para:

“Ações coletivas com os colegas de trabalho até que se descubra aidéia de fazê-las de tipo informático: utilizando os mesmos veículoscom os quais a empresa passa a informação para passar contra-informação”.

E no que se refere a organização sindical, haverá dificuldades até o momento em

que os sindicatos aprendam a usar estas tecnologias e se transformem em teles-

sindicais.

Poderá diminuir ainda:

24

“O poder contratual, pois se o trabalho é substituível, o trabalhopoderá se tornar mais precário. O espaço da concorrência seestende a todo o planeta. E existe, por esse motivo mesmo, o riscoda má distribuição”.

Por outro lado, as empresas poderão aproveitar as vantagens de uma maior

flexibilidade econômica (podendo empregar, com o teletrabalho uma pessoa que

está na mesma cidade, ou outra do outro lado do mundo) e de uma maior

flexibilidade organizacional. Poderão reduzir os custos de locação (em Milão, a IBM

calcula que um único emprego implica um custo de 30 milhões de liras por ano,

contando aluguel e as outras despesas) e os custos com o transporte dos

funcionários, nos casos em que pagavam por ele. Poderão gozar de um incremento

da produtividade e, em certos casos, também da motivação e da criatividade dos

empregados (De Masi, 2000: 207).

Suas desvantagens, segundo o mesmo autor, em potencial derivam do fato de que,

como isso altera a hierarquia empresarial e os quadros oferecem resistência:

querem manter os subalternos sob controle, pois, de fato, com o teletrabalho este

controle é bem mais difícil de ser exercido, seja em termos de relação pessoal, seja

do ponto de vista do processo de trabalho. O controle só pode ser feito com o

produto acabado. Há o perigo de que diminua-se a identidade empresarial, isto é,

que os empregados se sintam mais distanciados e estranhos à empresa. Com efeito,

os chefes de pessoas em empresas que adotaram o teletrabalho organizam festas,

reuniões, mostras cinematográficas para reavivar nas pessoas o “espírito de

empresa”.

Como vimos, o teletrabalho é um modelo de organização de trabalho que apresenta

vantagens e desvantagens do ponto de vista dos atores sociais. Contudo, apresenta

alternativas viáveis para a sociedade, pois o trabalho poderá ser difundido até em

zonas isoladas, deprimidas ou periféricas, possibilitando mais trabalho disponível

para categorias que até o momento eram excluídas, como deficientes físicos ou

idosos. Será possível também descongestionar as áreas superpovoadas e

sobretudo reduzir o tráfego e a poluição, além da manutenção das ruas e estradas.

25

Nosso objetivo com esta discussão foi o de identificar os fatos que demonstram

como as novas tecnologias sugerem novas formas de organização de trabalho,

desenvolvem-se atividades de organização, pesquisa, gerenciamento, design e

outras que têm sido chamadas, segundo Dowbor de atividades “intangíveis”11,

porque não produzem um produto concreto, não trabalham com uma máquina

concreta. Muita gente tem denominado estas atividades como serviços, que é um

termo vago. Mas na realidade, trata-se de uma forma mais intensiva em

conhecimento de desenvolver atividades de transformação produtiva industrial

(2000:6)

Assim, o conhecimento se torna um elemento chave de transformação social e a

própria importância da educação muda qualitativamente, deixando de ser um

complemento e adquirindo uma nova centralidade no processo (Dowbor, 2000). Na

ausência desse e de outras políticas de articulação social, deparamos com o

desemprego, conforme analisaremos mais detalhadamente a seguir.

1.4 Desemprego

A literatura sobre o tema apresenta vasta polêmica sobre os impactos da

modernização em relação ao emprego, não raro sem respostas definitivas.

Entretanto, parece haver consenso de que a questão do emprego não pode ser

reduzida à criação ou destruição de postos nas unidades produtivas, nem

condicionadas aos ditames da tecnologia, uma vez que envolve antes de tudo

políticas e formas de gestão (SINGER, 1998).

Há apenas 25 anos, havia abundância de empregos industriais bem remunerados

em setores como siderurgia, automóveis e borracha. Hoje, constatamos um declínio

em massa de empregos fabris, pois uma grande parte desses empregos nos países

industrializados foram substituídos por equipamento automatizado e , reestruturado

em empregos que exigem habilidades técnicas de nível consideravelmente

complexas.

11 Segundo Dowbor, quando se compra um produto, um sapato por exemplo, muita gente ainda imagina que paga os custosde produção física mais o lucro do produtor. Na realidade, em média os produtos custam menos de 25% do que pagamos. Os75% restantes constituem os “intangíveis”, como pesquisa, criação de imagem positiva através de publicidade, gastos depromoção e outros.

26

Segundo Manuel Castells, ao discutirmos as características do desemprego

industrial, fazendo uma analogia com o que ocorreu com o rural, podemos afirmar

que não haverá empregos suficientes no setor de serviços para substituí-los porque

os próprios empregos desse setor estão sendo rapidamente automatizados e

eliminados, e este movimento se acelerou na década de 90 (1999: 276).

Todavia, segundo esse mesmo autor, a tecnologia da informação em si não causa

desemprego, mesmo que obviamente reduza o tempo de trabalho por unidade de

produção. Mas sob o paradigma informacional, os tipos de trabalho mudam em

quantidade, qualidade e na natureza do trabalho executado. Assim, um novo

sistema produtivo requer uma nova força de trabalho e os indivíduos e grupos

incapazes de adquirir conhecimentos informacionais poderiam ser excluídos ou

rebaixados.

Na visão de Rifkin o desemprego tecnológico é a maior ameaça que a sociedade

contemporânea irá enfrentar nos próximos anos, oferecendo evidências dessa

inquietante perspectiva e da necessidade de um engajamento de todos os setores

sociais na busca de alternativas para a resolução do problema. Para ele, as

evidências históricas negam o pressuposto de que a inovação tecnológica estimula

o crescimento econômico neoclássico. A tendência de automação se mostra

inexorável e atinge os três setores da economia: agrícola, industrial e de serviços. A

mecanização do setor agrícola começou há cem anos e não parou desde então: as

novas tecnologias podem viabilizar uma fazenda totalmente automatizada daqui a

vinte anos. No setor industrial, os modelos de flexibilização pós-fordistas

possibilitaram um avanço ainda maior da substituição da mão-de-obra humana pôr

máquinas, o que torna o operariado um mero personagem da história neste século.

A inevitabilidade do desemprego estrutural coloca a humanidade diante do dilema de

viver em uma era luminosa, na qual a utopia do ócio se tornará possível no paraíso

criado pela tecnologia, ou em uma era sombria pautada pela violência e convulsão

social. Rifkin acredita que o futuro depende exclusivamente de como os ganhos de

produtividade da era da Informação serão distribuídos.

27

Assim, Rifikin adverte que a não distribuição dos ganhos auferidos com a

automação está levando a uma grande concentração de renda. Esta é agravada

pela irresponsabilidade social da classe empresarial, uma vez que esta só age no

sentido de aumentar ainda mais os índices de desemprego e a informalização do

mercado de trabalho, o que gera inevitáveis tensões sociais.

Rifikin se dedica, então, a mostrar como a renda poderia ser redistribuída. Em

primeiro lugar ele aponta a necessidade de uma reestruturação da jornada de

trabalho e dos níveis salariais. A redução da jornada de trabalho poderia causar um

impacto positivo nos índices de emprego, especialmente se fosse generalizada para

todos os setores, evitando que a classe empresarial recusasse a proposta através

do argumento de perda de competitividade. Paralelamente, uma política de

desestímulo ao pagamento de horas extras minimizaria as tentativas de sabotar a

redução da jornada de trabalho. Para assegurar a demanda por produtos e serviços

seria preciso aumentar ou manter os níveis salariais, proposta que naturalmente

sofreria oposições por parte do empresariado, mas que poderia ser solucionada com

uma negociação por um salário menor e a contrapartida de participação nos lucros.

Por outro lado, Rifkin assinala a necessidade de se estabelecer um novo pacto

social, uma vez que nem o Estado e nem o mercado tem se mostrado capazes de

satisfazer as necessidades básicas da humanidade. Nesse pacto, vislumbra-se a

participação do Terceiro Setor, que poderia absorver o tempo ocioso da população

economicamente ativa e a força de trabalho dos desempregados por meio da

prestação voluntária de serviços sociais. Em sua opinião, o Estado poderia apoiar

esse novo pacto com um salário indireto para os empregados que doassem seu

tempo. Isto poderia ocorrer através de um mecanismo de dedução no imposto de

renda por hora de trabalho voluntário ou de um salário social para os

desempregados que se dispusessem a ajudar sua própria comunidade.

Quanto ao uso do tempo ocioso, Guy Aznar, em sua obra “Trabalhar Menos para

Trabalharem Todos” (1995), propõe um projeto alternativo de sociedade, que é

diminuir o tempo de trabalho, para aumentar o tempo de vida e os espaços de

liberdade e autonomia dos indivíduos. Em tese, parte da lógica de que a

automação e as mudanças no mundo do trabalho iriam suprir, nos próximos anos,

28

milhões de empregos nos países industrializados e na Europa Ocidental. Propõe

que se proceda uma revisão profunda da duração do trabalho, das suas

finalidades e da natureza de suas atividades. Assim, a alternativa estaria entre

duas formas de gerir a abolição do trabalho – a sociedade do desemprego ou a

sociedade do tempo liberado.

A sociedade do desemprego é a dualidade12, tem-se de um lado trabalhadores

protegidos, e de outro lado uma massa crescente de desempregados, e, entre

estes dois segmentos, um proletariado de trabalhos precários com tarefas menos

qualificadas. A sociedade do tempo liberado começa a se esboçar como

contraponto à sociedade existente e fundamenta-se no princípio de que, para que

todos trabalhem, é preciso trabalhar menos e ter mais atividades autônomas. O

trabalho socialmente útil seria distribuído entre aqueles que desejassem trabalhar,

deixando de ser a ocupação principal ou exclusiva de cada indivíduo, para dar

lugar a um conjunto de atividades autodeterminadas e executadas em função do

interesse ou do prazer.

Compartilhamos com o autor a idéia de que a única forma de crescimento

sustentável que tem sentido é a que repousa numa redistribuição do trabalho. Isto

é, num modelo de sociedade que não desenvolva de forma indefinida a produção

de mercadorias mas converta em parte os ganhos de produtividade em benefício

qualitativo: o tempo livre, Redistribuir o tempo liberado pelo trabalho para que todos

possam trabalhar cada vez menos, essa vertente é confirmada por Gorz :

“Ter duas vidas, uma pela qual se assume seu lugar na mega-sociedade e se influi nela; a outra pela qual o homem pertence a si-mesmo, a seus próximos, às redes micro-sociais auto organizadastendo em vista uma livre cooperação, tendo em vista trocasrecíprocas e a realização do bem comum. Tudo pelo meio tempo,afirmava Aznar há uns dez anos; “trabalhar a meio- tempo é viver

12 O conceito de sócio-economia dualista é segundo Aznar, o de uma sociedade dividida voluntariamente em dois grandessubconjuntos de atividades e de indivíduos, complementares e diferentes. De um lado, um sub-conjunto adaptado às novastecnologias, integrado ao espaço mundial, feito de homens modernos, aptos a manipular a informática e a tecnologia deponta, assim como as linguas estrangeiras, passando uma parte de sua vida no exterior. De outro, um subconjunto encarnadoa herança de nossas tradições culturais, constituído por organizações isoladas da concorrência internacional fazendo penetrarmais lentamente as tecnologias modernas, de instituições de redistribuição, de homens menos móveis, de uma renda mínima,mas com uma forma de vida mais participativa e mais clássica”.

29

em dobro”, escreve ele hoje em dia. É a possibilidade de todospertencerem a duas esferas de uma “sociedade bipolar”, a dotrabalho macro-social determinado pelas exigências funcionais dosistema e aquela das atividades autodeterminadas, privadas oupúblicas, individuais ou cooperativas, regidas por valores e critériosoutros que não os do dinheiro, ou do mercado. A sociedade bipolar éa alternativa e o antídoto à sociedade dualista” (GORZ, apud Aznar1995).

Sendo assim, para os autores aqui citados, Aznar, Bridges, Castells, Dowbor, M.

Leite, Rifkin e outros, a tecnologia em si não gera e nem elimina empregos, ela, na

verdade, transforma profundamente a natureza do trabalho e a organização da

produção. A reestruturação de empresas e organizações, possibilitada pela

tecnologia da informação e estimulada pela concorrência global, está introduzindo

uma transformação fundamental: a individualização no processo de trabalho. O sinal

mais evidente dessa mudança talvez seja o lema “Não há longo prazo”. No trabalho,

a carreira tradicional, que avança passo a passo pelos corredores de uma ou duas

instituições, está desaparecendo, e também a utilização de um único conjunto de

qualificações no decorrer de uma vida de trabalho.

De outro lado, é de senso comum, no debate sobre o desemprego, que profundas

transformações estão em curso na relação que os sujeitos sociais, e sobretudo os

jovens, mantêm com o trabalho. É possível que estejamos a ponto de sair da

“civilização do trabalho” que, desde o século XVIII, colocou a economia no posto de

comando e a produção na base do desenvolvimento social. Este pensamento

demonstra um apego fora de moda ao passado subestimando as inovações que se

fazem e as alternativas que se buscam para ultrapassar a concepção clássica de

trabalho. Tanto que o reconhecimento da dignidade social de um indivíduo não é

necessariamente o emprego assalariado e nem mesmo o trabalho, mas sua

utilidade social, isto é, sua participação na produção da sociedade. Tal posição é

sustentada, com variantes, por sociólogos como C.Offe ( 1985), G.Aznar (1995) e

Castells (1999) e por economistas como Dowbor, (1998) J. Rifkin (1990) e outros.

Vale ressaltar que há uma congruência de idéias entre estes autores sobre a

relação do mercado de trabalho com a produção. Claus Offe (1989), por exemplo,

já nos alertava quanto a problemática da dupla tarefa que todas as sociedades

enfrentam o desafio de ter que resolver institucionalmente, a capacidade individual

30

de trabalho que segundo a sua ótica deve ser distribuída em processos concretos de

produção, e por outro lado os frutos desse trabalho devem ser distribuídos entre

aqueles que trabalham e os que legitimamente não trabalham (através de

orçamentos privados e públicos). Os sistemas capitalistas de economia de mercado

devem solucionar esse duplo problema (1989, 87). No entanto, segundo os

sistemas capitalistas de economia de mercado, “solucionaram” esse duplo problema

erigindo um mercado para a “mercadoria” da força de trabalho e essa solução

implica na monetarização da capacidade de trabalho (trabalho assalariado). Sendo

assim, a força de trabalho distingue-se das mercadorias usuais por causa de sua

marcante variabilidade e determinabilidade. O que o empregador de força de

trabalho compra no mercado não é propriamente “trabalho”, mas sim uma

capacidade de trabalho, então o grande desafio é como transformar a capacidade de

trabalho em trabalho real.

1.5. Tempo Livre

Dedicamos o final desse capítulo para refletir sobre as propostas revolucionárias de

Domenico de Masi (2000), que expressa uma profunda insatisfação com o modelo

social elaborado pelo Ocidente, sobretudo pelos Estados Unidos, centrado na

idolatria do trabalho, do mercado e da competitividade. Ele propõe um novo modelo

baseado na simultaneidade entre trabalho, estudo e lazer, no qual os indivíduos são

educados a privilegiar a satisfação de necessidades radicais, como a introspecção, a

amizade, o amor, as atividades lúdicas e a convivência.

Segundo De Masi, “o ócio” pode transformar-se em violência, neurose, vício e

preguiça, mas pode também elevar-se para a arte, a criatividade e a liberdade. É no

tempo livre que passamos a maior parte de nossos dias e é nele que devemos

concentrar nossas potencialidades.

Assim para de De Masi:

“ Homem que trabalha perde tempo precioso” .

31

E ainda :

“O futuro pertence a quem souber libertar-se da idéia tradicional dotrabalho como obrigação e for capaz de apostar numa mistura deatividades, onde o trabalho se confundirá com o tempo livre e oestudo. Enfim, o futuro é de quem exercitará o “ócio criativo”.

As transformações no trabalho indicam que agora é possível produzir sempre mais

bens e serviços com sempre menos trabalho humano. Portanto, segundo De Masi, o

trabalho deverá descer do trono onde tinha sido posto pelos patrões, pelos filósofos

e pela igreja. Se há cem anos a idolatria do trabalho era indispensável para liberar-

nos da miséria, hoje, na maioria dos casos, é apenas uma inútil escravidão

psicológica(2000: 298).

Uma vez delegadas às máquinas as tarefas executivas, para a maioria das pessoas

sobra só o desempenho de atividades de tipo intelectual, flexível, criativo,

empreendedor: atividades que, pela sua própria natureza, desembocam no estudo e

no jogo. O publicitário que deve criar um slogan, o jornalista em busca de uma “dica”

para um artigo, o juiz às voltas com a pista de um crime, todos têm maior chance de

encontrar a solução justa, passeando ou nadando, ou indo ao cinema, do que se

ficarem trancafiados dentro das corriqueiras, tediosas e cinzentas paredes dos seus

respectivos escritórios.

Entretanto, De Masi reconhece a dificuldade de aceitação de sua proposta e

esclarece que esta dificuldade se dá, infelizmente, porque todas as instituições que

cuidaram das pessoas — a família, a escola e as instituições religiosas –

prepararam, de uma forma obsessiva, para trabalhar, negligenciando a educação

para o lazer, identificado só somente como consumo exibicionista, caro e perigoso.

Portanto para De Masi, tempo livre significa:

“viagem, cultura, erotismo, estética, repouso, esporte, ginástica,meditação e reflexão. Significa, antes de tudo, nos exercitarmos paradescobrir, desde hoje, o que podemos fazer no nosso tempodisponível, sem gastar um tostão: passear sozinhos ou com amigos,

32

ir á praia, fazer amor com a pessoa amada, adivinhar ospensamentos, os problemas e as paixões que estão por trás dospassageiros do metrô, admirar as fachadas dos prédios e as vitrinesdas lojas, assistir a um festival de televisão, ler um livro, levantaruma polêmica com um motorista de táxi, assistir ao pôr do sol ou aonascer da lua, admirar a sábia beleza de uma garrafa, de um ovo oudos carros que circulam pelas ruas. Balançar-se numa rede, que foisímbolo por excelência do ócio criativo, perfeita antítese da cadeiade montagem que o símbolo do trabalho alienado. Em suma darsentido às coisas de todo dia, em geral lindas, sempre iguais,diversas e que infelizmente ficam depreciadas pelo uso cotidiano(2000: 300).

Sendo assim, para efeito desse estudo julgamos as idéias de Masi importante para

a reflexão científica no que se refere ao conhecimento, pois conforme vimos, tudo

indica que não estamos enfrentando apenas uma revolução tecnológica. Na

realidade, conforme Dowbor, o conjunto de transformações parece estar levando a

uma sinergia da comunicação, informação e formação, criando uma realidade nova,

que está sendo designada como “sociedade do conhecimento13. De certo modo, o

processo reflete os primeiros passos do homo culturalis, em contraposição ao homo

economicus dos séculos XIX e XX.

Neste processo de transição, os desafios à educação estão lançados, na medida em

que é valorizado o conhecimento. Vejamos nas palavras de Dowbor:

“O universo cultural dos indivíduos ou de uma comunidade nãopossui uma gaveta estanque para “educação“ – os processoseducativos devem articular-se com os diversos espaços deconhecimento existentes, envolvendo a televisão, a formaçãoempresarial, as dinâmicas religiosas e assim por diante. A tarefa daeducação se complementa assim com a articulação de atoressociais, promoção de eventos que aproximam as pessoas”. (2000:29).

Isso significa que a educação para o trabalho não deve voltar-se unicamente para o

processo de reestruturação produtiva, especialmente para não operar uma relação

entre educação e emprego, educar para o ócio significa ensinar a escolher um filme,

13 Segundo Ladislau Dowbor, A Sociedade do Conhecimento é um conceito que já nos habituamos a utilizar paradefinir o conjunto de transformações que estão afetando o planeta, na empresa, na universidade, nas relaçõessociais. De certa maneira, passamos da antiga sociedade agrária, onde o eixo norteador era a agricultura, parauma sociedade industrial onde o eixo passou a ser a fábrica, e agora estamos evoluindo para uma sociedade ondea informação e o conhecimento se tornaram os elementos estruturadores mais significativos.

33

uma peça de teatro, um livro. Ensinar como se pode estar bem sozinho, consigo

mesmo significa também habituar às atividades domésticas e à produção autônoma

de muitas coisas que até o momento comprávamos prontas. Ensinar o prazer do

convívio, da introspecção, do jogo e da beleza. Para De Masi, a pedagogia do ócio

também tem sua própria ética, sua estética, sua dinâmica e suas técnicas, e tudo

isso deve ser ensinado. Educar significa enriquecer as coisas de significado.

Convém considerar que as transformações no trabalho aqui indicadas partem de um

mapeamento teórico a partir de macro visões. Há algumas tendências audaciosas,

como por exemplo nos fala De Masi, sobre o tempo livre. São idéias revolucionárias

e podemos até dizer que é contraditória frente à realidade atual, uma vez que nós

Brasileiros estamos trabalhando cada vez mais e tendo menos tempo livre, assim

como em outros países como EUA e Japão. Cabe ressaltar que os japoneses

trabalham cinco semanas inteiras por ano a mais que os americanos, ou seja

competimos com pessoas que trabalham muito. Tanto é verdade que trabalhar

demais no Japão é um fenômeno social e econômico14.

O nosso objetivo nesse capítulo, foi o de expor um conjunto de idéias sobre as

transformações no mundo do trabalho, os impactos causados pelas novas

tecnologias, de forma a demonstrar os argumentos teóricos que justificam a

necessidade de um novo modelo de formação profissional. Há que se considerar

como esclarece M. Leite, como o fordismo não assumiu as mesmas características

em todos países, é possível pensar que o novo modo de acumulação e organização

do trabalho venha a apresentar características também distintas, tendo em vista que

são diferenciadas as formas de inserção das distintas economias nacionais no

processo de globalização. Isso significa que, longe de representar um processo

homogêneo, a globalização pode ter repercussões muito distintas nos diferentes

países. A maneira e as condições através da qual cada economia nacional se

relaciona com o mercado globalizado, é de fato, bastante, diferenciada, variando de

acordo com a sua capacidade produtiva, suas condições políticas, sua cultura, sua

14 No Japão ocorre um fenômeno chamado “Karoshi” morte por excesso de trabalho segundo documentário transmitido pelaTV SENAC em dezembro/2000, mais de dez mil pessoas morrem por ano desse fenômeno. Tanto que há uma campanhafeita pelo sindicato japonês para diminuição do trabalho.

34

história e a capacidade de organização de seus distintos segmentos sociais

(M.Leite,2000:34).

Assim, vislumbramos essas macro visões, desde a possibilidade de trabalhar

menos para trabalharem todos, articulação e parcerias com a sociedades e até

mesmo a audaciosa proposta de trabalhar a pedagogia do ócio. No entanto

consideramos importante relativisar estes conceitos considerando as diferenças

culturais, sociais e econômicas de cada sociedade.

Portanto, qualquer discussão acerca das perspectivas apontadas para o futuro da

qualificação profissional, passa necessariamente por uma reflexão sobre as

transformações que caracterizam o atual mundo do trabalho. Acreditamos que uma

análise mais pormenorizada desses processos de transformações nos mostram que

há sérios desafios a serem enfrentados pelos atores sociais envolvidos, em maior ou

menor grau todos os segmentos terão dificuldades em se adaptar.

35

36

Capítulo 2

Capítulo 2 Estratégias Empresariais de Organização de Aprendizagem

Esse capítulo tem como objetivo analisar como as empresas reagem às

transformações no mundo do trabalho, discutindo, portanto, as tendências

organizacionais e a gestão da aprendizagem e do conhecimento, alinhadas à

estratégia de administração de recursos humanos.

2.1. Tendências Organizacionais

No modelo de organização fundamentada sob a égide do taylorismo-fordismo está

presente a idéia de que as organizações podem ser administradas como máquinas.

Para tanto, é preciso existir uma sincronia, uma máxima eficiência. O trabalhador é

controlado para obter produtividade. Da mesma forma a organização do trabalho

baseada em métodos mecanicistas, tende a atrelar o homem às máquinas. Os seres

humanos devem se adequar as necessidades de uma organização mecanicista e

compreendem em sua qualificação profissional conhecer partes de um processo e

não conhecê-lo como um todo. Separa-se planejamento e organização na execução

do trabalho, constituindo assim os trabalhadores que pensam sobre o trabalho e

outros que o executam.

Segundo Morgan, há um conjunto de problemas relacionados com as organizações

estruturadas de forma mecanicista, pois esse enfoque de organização tende a

limitar, em lugar de ativar o desenvolvimento das capacidades humanas, modelando

os seres humanos para servirem aos requisitos dessa organização mecanicista em

lugar de construir a organização em torno dos seus pontos fortes e potenciais.

Ambos, empregados e organizações, sofrem perdas neste enfoque de organização.

Os empregados perdem oportunidades de crescimento pessoal, dedicando-se

muitas horas por dia a um trabalho que nem valorizam e nem apreciam, enquanto

37

as organizações perdem contribuições criativas e inteligentes que a maioria dos

empregados é capaz de fazer, dadas as corretas oportunidades (Morgan:1996:41).

Por outro lado, Morin, aponta para o crescimento da reflexividade social e nos fala

da ascensão do “homem psicológico” nas organizações, em contraponto ao “homem

máquina” da época taylorista e ao “homem biológico” das últimas décadas, nas quais

houve uma grande preocupação com as condições físicas do trabalho e sua

interferência na saúde do trabalhador. Atualmente, o funcionário já demonstra

claramente sua frustração frente a tarefas repetitivas, automáticas e parceladas,

compelindo as empresas a reestruturar e enriquecer as funções de seus

colaboradores, se quiserem mantê-los motivados (in Biral: 2000).

Morgan (1996) nos fala que as organizações estruturadas de forma mecanicista têm

maiores dificuldades de adaptação a situações de mudança porque assim como as

máquinas, são planejadas para atingir objetivos predeterminados, não são

planejadas para a inovação. Isso segundo Morgan, não deveria causar surpresa,

uma vez que as máquinas têm comumente um propósito único, assim como os

mecanismos planejados para transformar insumos específicos em produtos também

específicos, só podendo engajar-se em atividades diferentes, caso sejam

explicitamente modificadas ou replanejadas para tanto.

Contudo, esse mesmo autor nos diz que quando novos problemas surgem, estes

são frequentemente ignorados porque não existem respostas já prontas e

fabricadas, ou porque são focalizados a partir de uma forma fragmentada e não

holística. Todavia, procedimentos padronizados e canais de comunicação são

incapazes de lidar eficazmente com novas circunstâncias, necessitando de

numerosas reuniões e comitês nomeados para este fim e que, devido ao fato de

terem sido planejados mais para servir do que para romper com a maneira

costumeira de operação, são muito vagarosos e chegam muito tarde em seu

destino. Problemas de imobilismo e de falta de cooperação tornam-se, desta forma,

frequentes. Em tais circunstâncias, a organização fica muitas vezes obstruída por

acúmulos de trabalho, porque a rotina normal foi interrompida e assuntos complexos

fluem para cima na hierarquia organizacional, à medida que os membros dos

demais níveis descobrem que são incapazes de resolvê-los.

38

Este modelo de organização tem se mostrado popular, em parte devido à sua

eficiência no desempenho de certas tarefas, mas também devido à habilidade que

tem de reforçar e sustentar padrões particulares de poder e controle. Há pouca

sombra de dúvida de que o crescente índice de fluxo de socialização e mudança

acarreta muitos problemas para organizações que se baseiam em planejamento

mecanicista. Ao ser introduzido nas organizações uma base tecnologicamente nova,

facilitada pela microeletrônica, novos princípios organizacionais deverão assumir

importância crescente.

Márcio Pochmann adverte que o novo desenho empresarial se daria a partir do

pressuposto da empresa enxuta e competitiva, com ampla integração nas fábricas,

maior flexibilidade produtiva e inovadores processos produtivos (just in time, sistema

de informação, células de produção e minifábricas). A adoção de novas estratégias

de competitividade e de produtividade, representadas pela nova conduta

empresarial, seria um dos principais fatores explicativos das mudanças na

organização do trabalho. Portanto, segundo esse autor caberia à empresa moderna:

“Focalizar a produção, terceirizar atividades ligadas aos serviços deapoio (alimentação, segurança, transporte, etc) e a produção(componentes). Dessa maneira, a empresa moderna poderia estarem condições mais adequadas para conviver num cenário de forteconcorrência e crescente instabilidade econômica” (Pochmann, 1999pg.29).

Nesse cenário, Morin (1994) enfatiza o papel fundamental do processo educativo na

sociedade, alertando, porém, para o fato de que o modelo atual de aprendizado,

baseado na fragmentação do conhecimento, é ineficaz frente aos desafios de um

mundo cada vez mais complexo. Para o autor, educar em um mundo complexo

exige que o pensamento simples, “que acredita alcançar o verdadeiro, que pensa

que o conhecimento é reflexo, que não considera conhecer a si mesmo para

conhecer o objeto” seja substituído pelo pensamento complexo, “que necessita a

curva auto-observável e autocrítica do observador conceituador sobre si mesmo”

(p.281).

39

Todas essas considerações nos conduzem a pensar que o panorama é

extremamente complexo e heterogêneo quando se leva em consideração as

diferenças relacionadas com o gênero, a qualificação e a divisão internacional do

trabalho: as teses de alcance universal, tais como as dos novos paradigmas ou dos

novos conceitos de produção, são forçosamente questionadas à luz de pesquisas

empíricas introduzindo tais diferenciações.

Cabe ressaltar, no entanto, que essas mudanças assinalam a importância da

compreensão e da integração das diferentes lógicas de pensamento para o alcance

de uma visão mais completa e elevada dos problemas que afetam a organização.

Isso demonstra que as organizações necessitam de seres pensantes, que agreguem

valor ao seu ramo de negócio. O empregado, nesse contexto é um solucionador

de problemas que ajuda a planejar as atividades antes de executá-las. As equipes

trabalham juntas para melhorar continuamente sua performance, alcançando níveis

mais altos de produtividade. E as organizações deveriam ser estruturadas de forma

que as pessoas sentissem que são capazes de alcançar os resultados pretendidos,

que podem fazer o que precisa ser feito e que serão recompensadas por isso.

2.2 Organização Qualificante

Em Philiip Zarifian (1992), encontramos o conceito de Organização Qualificante.

Esse conceito refere-se à dinâmica da organização sob o ponto de vista de sua

capacidade de desenvolver as competências dos assalariados, competências estas

fundamentais para que se possa assumir e conduzir a evolução da organização

flexível.

Portanto, para Zarifian uma organização qualificante é aquela que atende quatro

princípios:

Primeiro princípio:

“A organização qualificante é uma organização em que as suas atividades são

tratadas como sequência de eventos”, ou seja”

40

“O evento é o indício lógico-temporal de uma situação que oindivíduo deverá analisar e dominar por si mesmo. O evento só fazratificar o caráter eminentemente variável de toda situação industrialreal (a pane, a falha de qualidade): ele significa que a resolução dosproblemas que originaram o evento obrigou a uma tomada deconsciência e à realização de uma escolha por parte dosassalariados que tiveram que “conduzir” este evento a um finalsatisfatório”.

Nessa lógica, o evento é o acontecimento em si, como fato (particularmente

importante dentro de uma produção flexível) e a maneira como seu tratamento é

organizado. A exemplo de uma pane15, que passa a ser um momento privilegiado

ao qual uma comunidade de indivíduos terá podido dar um sentido positivo e que

terá permitido, ao mesmo tempo, a evolução de conhecimentos técnicos e trocas

sociais entre categorias diferentes de assalariados.

Segundo Princípio:

“A organização qualificante pressupõe uma reorganização de suas atividades sobre

uma base comunicacional”, assim:

“O avanço da atividade comunicacional16 pressupõe que umalinguagem comum seja elaborada e transformada, voltando comoelemento de referência compreendido por todos. No exemplo dapane, a comunicação se cria quando termos idênticos e precisos sãoaceitos por formularem os diagnósticos e designarem osconstituintes diferentes do sistema técnico, o que, mais uma vez nãotem nada de natural”.

Desse modo, não basta a reunião de um conjunto de pessoas detentoras de

conhecimentos, habilidades ou competências distintas. Não basta, no projeto de um 15 O autor define a “pane” de duas formas:1) a negativa que é a interrupção do andamento rápido das operações das máquinas, é percebida como fatopuramente aleatório, que deve ser eliminado o mais rápido possível, seu caráter positivo de evento é sufocado;2) positiva, como ocasião de aprendizado do sistema técnico pelos operários diretamente envolvidos, e comoocasião de trocas com os especialistas em manutenção, transformando-se assim num evento. 16 Vale ressaltar que segundo Zarifian, a comunicação não se limita a transferências de informação. Para havercomunicação, e portanto compreensão recíproca, é preciso que se construa um acordo simultâneo quanto ànatureza dos conhecimentos requisitados e quanto à validade dos objetivos que se procuram juntos alcançar.

41

grupo de trabalho, apenas escolher seus integrantes com vistas a formar um leque

de repertórios que estariam à disposição do grupo. É preciso que cada pessoa

envolvida reconheça nos outros a posse de um saber fazer importante e

necessário para a atuação naquela determinada situação, saber fazer este que ela

mesma não domina. Para Zarifian o reconhecimento da competência de uma

pessoa não passa apenas pelo cabedal de conhecimento técnico, mas também pela

forma como esse conhecimento se engaja no curso dos eventos, mobilizando-se

para atuar (tomando iniciativas) e assumindo a responsabilidade pela ação.

Contudo, a legitimação do saber e da competência do outro diz respeito à dimensão

cognitiva da comunicação, ou seja, o reconhecimento e validação das competências

necessárias para o tratamento de uma determinada situação, particularmente os

imprevistos, variabilidades, etc.

Terceiro Princípio

“A organização qualificante é aquela que permite a seus membros reelaborar os

objetivos de sua atividade profissional”.

Esse princípio envolve diretamente o sistema de tomada de decisões da empresa.

Assim, a organização só se torna verdadeiramente qualificante a partir do momento

em que é necessário fazer escolhas, elaborar propostas e tomar um partido para

guiar a atividade profissional. Este princípio diz respeito à explicitação estratégica, o

que significa que os atos da gestão se interpenetram com os atos de produção, isso,

por sua vez, pressupõe um reposicionamento do papel da hierarquia e reconhecer

nos assalariados de base uma capacidade de engajamento estratégico que lhes era

negada pela organizacional tradicional. É pensar que é através dela que a

aprendizagem se desenvolve de maneira mais viva.

Quarto Princípio

“A organização qualificante é aquela que permite a cada indivíduo se projetar no

futuro envolvendo-se nos projetos, sejam eles pequenos ou grandes”.

42

Esse princípio está relacionado com as condições, oferecidas pelas organizações,

de engajamento de seus funcionários no que se refere aos planos organizacionais e

projetos de mudanças. Trata-se de criar espaços oportunos para que os trajetos

profissionais se diferenciem e se bifurquem, de acordo com a maneira pela qual as

aspirações individuais encontram terreno para concretização dentro de um ou outro

setor da empresa. Portanto, é uma condição básica para a inscrição em um

processo de aprendizagem e de formação que sempre requer envolvimento pessoal.

Acreditamos que os princípios de organização qualificante indicados por Zarifian,

permitem repensar sobre as estruturas organizações e os espaços de

aprendizagem, de modo que as organizações propiciem um ambiente de trabalho

onde seja possível que as pessoas articulem experiências para alcançar objetivos

comuns e se sintam recompensadas por aprender e desenvolver talentos. Muito

embora seja preciso levar em conta a divisão sexual e internacional do trabalho,

pois elas questionam fortemente esses modelos de organização, que partem, da

figura do homem, ou seja os novos paradigmas da especialização ou do novo

conceito de produção que são fundados sobre a figura arquetípica do operário

masculino17, essa análise segmentada nos permite verificar que as práticas e os

métodos tayloristas e a produção em grande série, muitas vezes sem grande

preocupação com qualidade e uso de conhecimento, vai coexistir com algumas

“ilhas” de modernidade e de sofisticação tecnológica e organizacional.

É interessante notar que os estudos sobre a divisão sexual dos processos de

formação para inovações tecnológicas mostram até que ponto esta generalização, a

partir de uma população masculina, pode induzir ao erro. As ações de requalificação

não têm a mesma extensão, nem o mesmo alcance, nem a mesma significação,

para as mulheres e para os homens. Entretanto, esse embate presente na sociologia

do trabalho e da educação não aparece nas teorias de administração, nem tão

pouco é ressaltado a importância de um estudo mais apurado. É comum

encontrarmos generalizações e conclusões universais a respeito do uso do

conhecimento nas organizações. Sendo assim é preciso considerar que um estudo

17 Para maiores detalhes sobre a divisão sexual e internacional do trabalho H.Hirata – In Novas Tecnologias,Trabalho e Educação. Organizadores Celso João Ferreti .et,al. Vozes, Petrópolis, 1994

43

mais apurado sobre essa temática mudaria o foco principal de nosso trabalho.

Manteremos então o foco sobre a gestão do conhecimento e organização de

aprendizagem de forma à alinhar com as novas propostas de formação profissional.

2.3. Gestão do Conhecimento

O começo da década de 1990 marca o surgimento da era da informação, graças ao

impacto provocado pelo desenvolvimento tecnológico e pela tecnologia da

informação. Na era da informação, o capital financeiro cede o trono para o capital

intelectual18. A nova riqueza passa a ser o conhecimento, o recurso mais valioso e

importante (Chiavenato, 2000: 655). O capital financeiro tem sua importância

relativa, mas ele depende totalmente do conhecimento sobre como aplicá-lo e

rentabilizá-lo adequadamente. O conhecimento é a informação estruturada que tem

valor para uma organização.

Contudo, o conhecimento é um recurso diferente. Ele não ocupa espaço físico. Eleé um ativo intangível. Nas palavras de Luckesi (in Munno:2000):

“O conhecimento é antes de tudo uma forma teórica-prática decompreensão do mundo. Isso nos permite avaliar a nossa práticaescolar que, com raras exceções, está muito mais preocupada coma repetição de conhecimentos já envelhecidos do que em orientar eestimular a criatividade construtiva dos educandos (in Munno:2000)".

Portanto, o conhecimento é criado e modificado pelas pessoas e é obtido através da

interação social, estudo, trabalho e lazer. Assim as organizações bem sucedidas são

aquelas que sabem conquistar e motivar as pessoas para que elas aprendam e

apliquem seus conhecimentos na solução de problemas e na busca da inovação

rumo à excelência. A organização baseada no conhecimento depende, portanto, da

gestão do conhecimento. Assim, a empresa criadora de conhecimento tem a ver

tanto com ideais quanto com idéias, e esse fato alimenta a inovação. A essência da

inovação é recriar o mundo segundo uma visão ou um ideal específico. Criar novos

18 Antes da década de 1990, as empresas ganhavam investindo no financeiro, através de várias formas deaplicações. O que após esse período tornou-se inviável, as empresas devem procurar obter ganhos a partir daeficiência operacional, que é possível a partir das valorização do conhecimento , daí a expressão difundida como“o financeiro cede o trono”.

44

conhecimentos significa literalmente recriar a empresa e todos os que se encontram

dentro dela num processo ininterrupto de auto-renovação pessoal e organizacional.

Por esta razão, o investimento maior está sendo feito, não em máquinas e

ferramentas, mas no conhecimento das pessoas. Muitas organizações estão

desenvolvendo esquemas de educação corporativa e de universidades corporativas

e virtuais para melhorar a gestão do seu capital intelectual.

2.3.1. Educação Corporativa

Segundo Munno, a educação corporativa é uma ampliação do conceito de

treinamento e desenvolvimento de recursos humanos. Extrapola o âmbito da própria

organização, estendendo-se para a sua cadeia de valor: clientes, fornecedores, e

instituições de ensino tradicionais, estas também fornecedoras de talentos para as

empresas.

A Educação Corporativa, segundo Chiavenato em seu livro Gestão de Pessoas está

sendo estimulada por um ambiente inquieto, curioso e revolucionário, provocado por

fatores externos, como a globalização, o desenvolvimento tecnológico, a

competitividade, as mudanças rápidas e descontínuas, e outros fatores que causam

impacto na administração das organizações. Portanto, a responsabilidade da

organização no gerenciamento do conhecimento não significa um paradoxo em

relação à iniciativa das pessoas para o seu autodesenvolvimento. As pessoas estão

preocupadas com o futuro e ele está na educação. Trata-se de incentivar a

aprendizagem contínua para desenvolver atitudes, competências e uma visão do

negócio. O gerenciamento do conhecimento procurar alinhar a educação das

pessoas com os objetivos estratégicos do negócio ( 2000: 310).

Demajorovic19 afirma que a reformulação dos programas educacionais nas

organizações, depois de décadas de ênfase no treinamento, não é uma tarefa

simples, e cita a visão de diversos autores:

19 DEMAJOROVIC, Jacques. Sociedade de Risco e Responsabilidade Socioambiental: Perspectiva para aEducação Corporativa. Tese apresentada à Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo para obtençãodo Título de Doutor em Educação. USP-SP- 2000.

45

Para Senge, um dos principais problemas está justamente no fato de que muitas

organizações continuam a pensar a educação a partir de uma perspectiva em que o

processo de aprendizado se restringe aos programas de treinamento:

“O aprendizado pode envolver algum treinamento, mas vai além.Poucos de nós aprendem as coisas que são realmente importantespara a nossa vida em programas de treinamento. O aprendizadoocorre no dia-a-dia, ao longo do tempo. O aprendizado sempreacontece quando as pessoas estão às voltas com questõesessenciais ou se vêem diante de desafios. Nesse sentido, oaprendizado não tem muito a ver com treinamento. Programas detreinamento podem ser úteis, por exemplo, para apresentação de umassunto novo” (Senge, in Demajorovic, 2000).

Já Morse identifica os objetivos de curto prazo das organizações como um dos

obstáculos ao desenvolvimento de programas de educação mais amplos:

“Educação Corporativa continua sendo um instrumento tático e nãoestratégico para as organizações lidarem com necessidadesimediatas. Educação e treinamento de curto prazo exigidos para umdeterminado tipo de produto, processo ou tecnologia são sempreprioritários em relação aos objetivos educacionais de longo prazo,sendo que a justificativa dada para esta escolha é sempre tempo edinheiro (...) impedindo uma compreensão mais abrangente daeducação e treinamento”.

Por sua vez, Kolb diz que a forma como a cultura organizacional entende o

aprendizado é outra importante barreira para reformular os atuais programas

educacionais corporativos:

“A manutenção do sucesso num mundo em constante mudançaexige a capacidade de explorar novas oportunidades e aprendercom sucessos e fracassos passados. Tais idéias não são novas nemtão pouco particularmente polêmicas. No entanto, é surpreendenteque o fato de que esta capacidade de aprender, tão amplamenteconsiderada importante, receba tão pouca atenção explícita porparte dos gerentes e de suas organizações. Existe uma espécie defatalismo com relação à aprendizagem. Ou a pessoa aprende ounão aprende. A capacidade de gerir e controlar o processo deaprendizagem de forma consciente em geral se limita às velhasmáximas ditas colegiais.” Estude bastante e faça sua lição de casa(Kolb: 1997, in Demajorovic)".

46

Segundo esta visão, a razão do fatalismo se encontra na falta de entendimento real

do processo de aprendizagem. É essencial o desenvolvimento de modelos que

expliquem a forma como os indivíduos e as organizações aprendem, o que

possibilitaria elevar a própria capacidade dos administradores de aprender e

multiplicar este conhecimento nas organizações.

Acreditamos que é preciso repensar os desenhos e as estruturas organizações, de

modo a transformá-las em espaços de aprendizagem. Isso significa que o ambiente

de trabalho deve propiciar constantes desafios, de maneira que seja possível as

pessoas articularem suas experiências e mobilizem energias e ações para alcançar

objetivos comuns. Sobretudo por que as pessoas se sentirão recompensadas

aprendendo e desenvolvendo suas habilidades e talentos. Quando as pessoas se

sentem recompensadas por seu trabalho tendem a se tornar excelentes e

comprometidas com os objetivos da organização, e este é um fator que contribui à

longo prazo para o desenvolvimento e o sucesso das organizações.

2.3.2. Organização de Aprendizagem

Entre os estudos que têm sido feitos no campo da educação corporativa, destaca-se

o modelo de “organizações que aprendem” (Learning Organization20) que, a partir de

década de 70, despertou o interesse de diversos teóricos e profissionais.

Demajorovic nos lembra que embora os estudos nesse campo venham sendo

desenvolvidos desde a década de 70, apenas a partir da década de 90 o

aprendizado organizacional passa a ser valorizado em diversas empresas,

estimulado em grande parte pelo fracasso dos programas de reengenharia e

downsizing implantados em diversas organizações.

Segundo Munno, Organização de Aprendizagem é uma nova forma de administrar.

Esta administração é ancorada em cinco disciplinas integradas pelo “pensamento

20 Organização de Aprendizagem ou “Learning Organization” é um conceito extraído do livro de Peter M.Senge, The FifhtDiscipline – A Quinta Disciplina, desenvolvido no Brasil por Humberto Mariotti, em seu livro Organizações deAprendizagem e por uma entidade internacional que se dedica ao estudo e a difusão das Learning Organizations.( Munno,2000).

47

sistêmico” – a compreensão dos perigos que ameaçam a sobrevivência da

organização e a reconhecer novas oportunidades. De acordo com esse conceito,

uma empresa não apenas evolui, mas aperfeiçoa-se constantemente. Esse é o

caminho que pode levar as empresas – e as pessoas com elas – ao perfeito

equilíbrio entre o corpo interno e as metas organizacionais (consideradas as

condições do ambiente externo).

Vale ressaltar que partindo da constatação de que todas as organizações são um

conjunto de indivíduos e que os indivíduos têm capacidade de aprender de forma

semelhante, poder-se-ia afirmar que toda organização aprende quando um ou

alguns de seus integrantes aprendem algo novo. No entanto, esta simplificação não

resiste a uma análise mais apurada da realidade organizacional. O aprendizado

individual se distingue do organizacional, como esclarece Demajorovic:

“ Para que os indivíduos de uma coletividade tomem decisões que setraduzam em uma ação organizacional, certas condições têm de serrespeitadas:• Acordo sobre os procedimentos para o processo de tomada de

decisão em nome da coletividade;• Delegação da autoridade para os indivíduos em nome da

coletividade;• Estabelecimento de fronteiras entre a coletividade e o resto do

mundo.Quando estas características estão presentes na ação de umacoletividade, ainda que os indivíduos sejam responsáveis peladecisão e ação, eles o fazem em nome da coletividade, assumindo opapel de agentes do processo. Se essa forma de atuação é validapara todos os indivíduos que tem autoridade para agir em nome dacoletividade, pode-se afirmar que o grupo tornou-se uma polis e,portanto, se encontra organizado. Ainda assim, para que a açãoorganizacional consiga se perpetuar, é necessário que a coletividadeapresente outras características como as descritas por Max Weberem sua análise da burocracia: clara distinção entre os indivíduos e opapel que ocupam, padronização das tarefas, hierarquia eimpessoalidade do administrador” (Id.ibidem:53:2000).

Assim, o aprendizado individual não implica necessariamente em um aprendizado

organizacional, ainda que este só possa se concretizar a partir das ações individuais.

O aprendizado organizacional só pode se concretizar se duas condições básicas

forem respeitadas. Primeiro, os membros devem atuar em nome da coletividade.

Segundo, sua ação deve resultar de uma interação social, transformando-a em ação

organizacional.

48

O primeiro passo da aprendizagem, válido para o aprendizado individual e

organizacional, é o processo de questionamento, entendido como um processo

social, individual ou coletivo, realizado pelos membros da comunidade que

questionam premissas consideradas verdades absolutas. Entretanto, o

questionamento só se torna organizacional quando há uma relação entre o

questionamento individual e o questionamento organizacional, ou seja, o

questionamento individual ajuda a moldar o questionamento organizacional que, por

sua vez, alimenta e molda o questionamento individual. Nesse caso, os indivíduos

questionam em nome da organização, sendo seu comportamento determinado,

formal ou informalmente, por seus papéis dentro da organização e pelas regras

desta (Demajorovic:2000).

Por isso, esse mesmo autor adverte que o estudo do aprendizado organizacional

não trata de entidades estáticas, denominadas “organizações”, mas sim de um

processo ativo de organização, no qual as imagens individuais da teoria em uso vão

se ajustando para produzir sua teoria em uso organizacional. A construção dessa

imagem coletiva é feita a partir do conhecimento de cada indivíduo e de outras

ferramentas organizacionais como mapas, memórias e programas organizacionais.

Assim, Neri ressalta que para que ocorra o aprendizado, é preciso haver um

alinhamento entre as estratégias da organização e a administração de recursos

humanos por competências, já que as competências essenciais para a estratégia da

empresa são as premissas para o estabelecimento dos quadros de competências

funcionais. Além do alinhamento externo aos recursos humanos, as atividades

devem ter um alinhamento interno, ou seja, devem fazer parte de um sistema que se

retroalimente e que continuamente procure o resultado empresarial, o que podemos

visualizar na figura a seguir :

49

50

Figura 2.1. A APRENDIZAGEM POR COMPETÊNCIAS

Fonte: Aguinaldo A . Neri

Como pudemos vislumbrar nesse fluxo, um sistema de aprendizagem das

competências tem na ação gerencial seu fator crítico de sucesso. São os gerentes e

os executivos que poderão treinar e desenvolver as pessoas da organização, desde

que a área de recursos humanos construa instrumentos que facilitem essa atividade

e capacite esses profissionais para tal (Neri:55:1999).

2.3.3. Do treinamento à educação

Nas organizações, o conceito de educação é usado como sinônimo de

desenvolvimento de recursos humanos, com objetivos a longo prazo e visando o

crescimento das pessoas nas respectivas carreiras e de aquisição de novos

conhecimentos e novas habilidades. Segundo Munno a palavra “educação” significa

a capacidade do indivíduo em assimilar, usar e gerar informações. Já o conceito de

treinamento apresentaria significado diferente. Antigamente, alguns especialistas

em Recursos Humanos consideravam o treinamento um meio para adequar cada

pessoa ao seu cargo e desenvolver a força de trabalho da organização a partir dos

cargos ocupados (Chiavenato:294:1999).

TREINAMENTO"ON THE JOB"

APRENDIZAGEMDIRIGIDA

CAPACITAÇÃOGERENCIAL

CAPACITAÇÃO PESSOAL(AUTODESENVOLVIMENTO)

CAPACITAÇÃOTÉCNICA

AÇÃO GERENCIAL(MONITORAMENTO,

ORIENTAÇÃO, COACHING)

EXPERIÊNCIASEMPÍRICAS

REUNIÕES DETRABALHO

RESULTADOSEFETIVOS

- NA PRÓPRIA ATIVIDADE- NA ATIVIDADE DOS OUTROS

- VIVÊNCIAS

RESULTADOS

51

Para Morse (1984) a prática do treinamento de trabalhadores para desempenhar

funções específicas nas organizações é quase tão antiga quanto a própria

Revolução Industrial. Empresas Como a Westinghouse ou a General Eletric, pouco

antes do início do século XX, já tinham implementado grandes programas de

treinamento para que seus empregados desempenhassem as tarefas com eficiência

nos novos arranjos organizacionais que se desenvolviam (in Demajorovic,2000).

Esta realidade começou a se modificar a partir da década de 50, quando os setores

empresariais reconheceram que os programas de educação e treinamento, além de

preparem melhor o trabalhador para desempenhar suas funções, contribuíam para

assegurar sua vantagem competitiva. Nessa época, elevaram-se significativamente

os gastos destinados à política de desenvolvimento de recursos humanos que

pregava o treinamento em todos os níveis, incluindo habilidades genéricas e

específicas e o conhecimento adquirido nos sistemas de educação tradicional. Nos

anos 50, as universidades começam a desempenhar um papel importante no

aperfeiçoamento dos programas de treinamento das organizações Ao mesmo

tempo, multiplicam-se as pesquisas na área de Economia da Educação, ressaltando

a importância do papel da formação na eficiência do trabalho (Carolli, 1998 in

Demajorovic 2000).

Nesse cenário surgem os primeiros estudos no campo sobre novas formas

organizacionais, sendo seu principal expoente a abordagem sociotécnica do

trabalho. Em contraposição ao modelo hegemônico mecanicista de organização

industrial, baseada na proposta Taylorista/Fordista, na qual o aspecto da realização

de tarefas é enfatizado em detrimento do aspecto social, a abordagem sociotécnica

defende uma integração dos aspectos técnicos e sociais para o alcance dos

objetivos organizacionais. Entre suas propostas é possível destacar a capacitação

de trabalhos com habilidades multifuncionais em substituição a operários altamente

especializados, a diminuição das barreiras à comunicação entre as unidades

funcionais e o incentivo à adaptabilidade e à criatividade dos trabalhadores para a

consecução das metas organizacionais (Fleury et al, 1997, in Demajorovic, op.cit).

52

De Masi, nos fala da importância de diferenciar treinamento e formação. Segundo

ele, durante nosso crescimento, acumulamos três tipos de bagagem cultural: as

técnicas, que constituem nosso ganha-pão, as normas, para nos regularmos em

relação aos outros membros da sociedade, e os comportamentos, com os quais

interagimos com o próximo. O aprendizado de técnicas e de normas requer um

“treinamento” que se realiza com a transmissão de noções por parte de quem as

conhece para quem ainda não as conhece. Já o aprendizado de comportamentos é

bem mais complexo e requer “formação”.

Ainda conforme De Masi, não existe um divisor de águas claro e rígido entre estes

dois tipos de aprendizado e entre as suas respectivas pedagogias. Com a mudança

de tecnologia, por exemplo, muda entre outras coisas, o modo de nos relacionarmos

com o mundo, simplesmente porque se alteram as categorias de tempo e de espaço.

Portanto, é necessária uma formação filosófica, ética, estética, lingüística,

psicológica e sociológica, além da que se dá na área técnica e econômica. A

globalização, por sua vez, exige que se estude mais (2000:74)".

Nessa perspectiva, esse mesmo autor adverte sobre a necessidade de educar para

“complexidade” e para a ”descontinuidade”, que em sua ótica são duas categorias

que não devem nos intimidar, porque estão em plena consonância com a nossa

natureza humana. Quanto mais e melhor uma pessoa é capaz de administrar a

complexidade e a descontinuidade, mais madura ela é. Essa nova forma de

aprendizado é por ele chamado de pedagogia pós-industrial, e esse pressuposto é

sustentado conforme suas palavras:

“Quando a sociedade industrial enfrentava um problema complexo,tentava simplificá-lo, buscando transformá-lo em vários pequenosproblemas simples. Já a sociedade pós-industrial é capaz deenfrentar problemas bastante complexos porque dispõe deinstrumentos igualmente complexos e potentes. E quando problemascomplexos são enfrentados com instrumentos encontram-se, semmaior problema, soluções complexas, mas nem por isso difíceis, esim adequadas a todo o saber acumulado ao longo dos séculos. Edesse modo toda a cadeia de necessidades, problemas, técnicas esoluções se torna mais coerente e mais rica e portanto, maishumana. Porque o ser humano é complexo e aspira a poderadministrar esta complexidade. Só os animais são simples”. (DeMasi:2000:276)

53

“Problemas Complexos” nos remete à fala de Demajorovic, quando diz que:

“Educar no contexto organizacional, é diferente de educar em outroscontextos, como o escolar ou familiar. As intricadas relaçõesburocráticas das organizações empresariais representadas por seusníveis hierárquicos, os procedimentos de controle e seus sistemasde compartilhamento das informações afetam o processo deaprendizagem dos indivíduos nas empresas. Por isso mesmo, oselementos do modelo do aprendizado organizacional permitem umaampla análise do processo de educação corporativa uma vez quecontemplam, além dos programas de treinamento e formação, outrasvariáveis da complexa realidade organizacional (2000:50)".

É importante diferenciar o aprendizado individual do organizacional, porque, em

muitos casos, as organizações podem saber menos que seus integrantes. Isso se

explica muitas vezes devido ao fato de que seus membros não atuam em nome da

coletividade e suas ações não resultam em uma interação social, o que as

transformaria em ação organizacional.

2.3.4. Treinar Competências – aprender à aprender

Os programas de treinamento num ambiente de competências devem oferecer às

pessoas oportunidades de reflexão sobre seus projetos de vida profissional e sobre

o significado da sua contribuição para a organização, no que diz respeito à

realização desses projetos de vida profissional. O processo de capacitação das

pessoas tem por missão ensiná-las a pensar, a reelaborar constantemente seus

significados e a aprender a ter autocrítica. Os indivíduos não só precisam saber

“como fazer”, mas também conhecer o “porquê” do como fazer. Nesse sentido, o

modelo de treinamento de competências deve basear-se nos gaps, tanto de cada

pessoa quanto dos grupos, que podem ser funcionais, processuais, hierárquicos, etc

(Neri: 49:1999).

54

FIGURA 2.2. - O MODELO DE TREINAMENTO POR COMPETÊNCIA

Fonte: Aguinaldo A . Neri

Através dessa figura, pode-se perceber que todas as atividades de recursos

humanos devem ser alinhadas com a estratégia da organização, o que é possível

com a adoção da administração de recursos humanos por competências, já que as

competências essenciais para a estratégia da empresa são as premissas para o

estabelecimento dos quadros de competências funcionais (Neri: 54:1999).

Neri afirma, ainda que treinar competências é, antes de mais nada, dar acesso às

pessoas para a reflexão sobre uma circunstância psicossocial (a empresa) e um

momento específico da vida de cada um. É mediar um contrato de trabalho mais

explícito por meio de uma linguagem que possa dar um significado ao “sangue, suor,

e lágrimas”, exigidos pelo atual estado de complexidade organizacional e pela

economia mundial. Treinar competências, é ainda utilizar e realçar a capacitação

pelas vivências e pelo feedback, com uma negociação clara e madura de resultados

SITUAÇÃO ATUAL(PESSOAS,GRUPOS)

PLANOS DETREINAMENTO

COMPETÊNCIASDESEJADAS(QUADROS)

ASSESSMENT

GAP(NECESSIDADES)

BANCO DEDADOS

INSTRUMENTOS DEAVALIAÇÃO E

ACOMPANHAMENTO

TREINAMENTOSINDIVIDUAISE GRUPAIS

CONDUÇÃODOS PLANOS DETREINAMENTO

RESULTADOS

55

esperados de ambas as partes e, mais do que tudo, com o acompanhamento de

líderes do terceiro milênio, aqueles executivos e chefes capazes de serem

projetistas, regentes e professores em todos os momentos de sua atuação.

Como vimos, as mudanças no mundo do trabalho revelam que a qualificação é

cada vez mais um valor estratégico de interesse do trabalhador e do empregador.

Assim, é importante compreender que a preocupação com a Educação Profissional

se faz presente no âmbito social e também no âmbito das organizações

empresariais. Torna-se evidente a necessidade de conjugação dos esforços, através

do estabelecimento de parcerias entre os atores sociais na busca de novas

soluções, uma vez que as instituições de ensino não possuem condições técnicas e

estruturais para atender sozinhas às novas exigências. Tornam-se necessárias,

também, estratégias de cooperação para elevar o nível de qualificação da

população, reconhecendo cada qual a sua verdadeira missão. De um lado a

instituição de ensino cumprindo seu papel de prestação de serviços à comunidade e

de outro os empregadores elevando o nível de qualificação de seus colaboradores.

Assim como nos diz o SEFOR21:

“Educação Profissional – Necessidade da Empresa, interesse dotrabalhador e da própria sociedade, a qualificação para o trabalhoexige uma estratégia integrada, construida mediante articulação eparceria entre os vários atores sociais- governo, empresas,trabalhadores, educadores- de modo a beneficiar não apenassetores modernos da economia, mas toda a sociedade” (2000).

A ação empresarial no campo educacional embora fragmentada, além de

familiarizar e sensibilizar o empresário para uma das mais importantes questões

nacionais, também complementa a ação do governo, cria formas alternativas de

solução, faz novas experiências e beneficia a sociedade em geral (Dowbor:1998).

Entretanto, um dos grandes problemas enfrentados quando se pensa em trabalhar

com a questão da qualificação é a dificuldade de conceituá-la. Na realidade, os

diferentes conceitos com que podemos nos deparar expressam não só diferentes

preocupações com o fenômeno, mas também distintos pontos de partida teóricos

21 SEFOR: Secretaria de Formação e Desenvolvimento Profissional- Educação Profissional e Empregabilidade– O Repensar da Educação. 14/04/00.

56

que devem ser levados em consideração para que se possa abarcar na sua

totalidade o universo que se pretende estudar (M.Leite e Posthuma, 1996). Daí a

importância de dedicarmos um capítulo para este debate.

57

Capítulo 3

58

Capítulo 3

Qualificação Profissional

Este capítulo tem como objetivo discutir os vários conceitos de qualificação, uma vez

que a noção de qualificação é polissêmica, podendo ser assumida com várias

acepções. Isso expressa a dificuldade de se chegar a um denominador comum. Para

alguns autores a qualificação é considerada na perspectiva da preparação para o

mercado, envolvendo, portanto, um processo de formação profissional adquirido por

meio de um percurso escolar e de uma experiência (ou carreira profissional) capaz

de preparar os trabalhadores para o ingresso e a manutenção no mercado formal de

trabalho. Um outro uso da noção de qualificação é entende-la como um processo de

qualificação/desqualificação inerente à organização capitalista do trabalho e sendo o

resultado da relação social entre capital e trabalho e da correlação de forças entre

ambos. Há ainda uma terceira visão (mais recente, da sociologia do trabalho

francesa) que aborda e define a qualificação a partir da investigação de situações

concretas de trabalho.

3.1. Qualificação Profissional – Discutindo os conceitos

A qualificação profissional, tema clássico da Sociologia do Trabalho e da Sociologia

da Educação, assume, hoje, ares de um debate multidisciplinar, na medida em que

se ampliam os estudos e as pesquisas sobre esta temática em outras áreas do

conhecimento. É importante ressaltar que a amplitude que caracteriza, o debate

sobre o tema da qualificação não é um fato isolado, mas decorre de uma discussão

mais ampla, nem sempre consensual, que segundo Neise Deluiz, privilegia questões

referentes à:

“crise do capitalismo, reestruturação produtiva, novas tecnologias,novas formas organizacionais e ainda aos seus possíveisdesdobramentos em relação ao conteúdo e à organização dotrabalho (1995:162).

59

As exigências e os contornos (perfis) que assumem as qualificações profissionais

de um determinado período dependem, portanto, de vários fatores interligados:

“Da forma como é organizada socialmente a produção de bens eserviços (entendendo-se aí não só o desenvolvimento das forçasprodutivas, mas também as relações de força entre o capital e otrabalho que se estabelecem no interior do processo produtivo), dodesenvolvimento da ciência e da tecnologia, da disponibilidade derecursos naturais e materiais aplicados à produção, do grau deexpansão do sistema educacional e do acesso à educação geral, doacúmulo de experiências concretas de trabalho e das possibilidadesde aquisição de novos conhecimentos e habilidades por vias formaise informais da configuração social em termos do aparato jurídico-institucional (papel do Estado, dos sindicatos dos empresários).(Deluiz, 1995).

Sendo a questão da qualificação bastante complexa e polêmica, o importante,

para efeito desse estudo, é levantar a questão de como pensar a qualificação

profissional diante de tais indefinições, qual é o olhar que a instituição de ensino

deve focar ao planejar seus cursos?

Baseado na experiência de nosso dia a dia, acreditamos que o importante é

qualificar os alunos de modo que possam exercer determinadas atividades nas

empresas. Muito embora seja subjetivo a definição de qualificação, o que importa é

que o aprendizado oferecido pelas escolas técnicas seja possível se comprovar na

prática. Hoje mais que no passado a aprendizagem, depende de empenho pessoal

para poder ser efetiva e poder aplicar-se concretamente. A qualificação real passou

a ser a condição básica para o trabalho, seja no mercado formal de empregos dos

setores tradicionais da economia, seja em atividades alternativas, uma vez que

estamos diante de um mundo do trabalho em transformação. Isso reforça o objetivo

pelo qual as escolas técnicas foram formadas, que é o de propiciar a possibilidade

do aluno entrar ou permanecer no mercado de trabalho. Portanto torna-se relevante

conhecer a realidade do mercado, ou seja, conhecer o que efetivamente as

empresas irão utilizar de conhecimento dos alunos egressos de curso

profissionalizante.

60

Esse conhecimento da realidade vai ao encontro das expectativas dos alunos em

relação aos cursos oferecidos pelas escolas técnicas, quando nos diz:

“Nós gostaríamos de aprender aquilo que as empresas estãoexigindo dos funcionários no processo de contratação”, ou seja agrande pergunta dos alunos é “para que serve isto?”22

Esse tem sido o grande desafio dos educadores. Uma vez que a obsolescência dos

conteúdos ocorre muito rápido, o grande desafio do professor está em despertar no

aluno o interesse pela descoberta e a predisposição de aprender à aprender. Daí a

importância de articular, além do conteúdo técnico, também elementos de caráter

cultural fundamentais para expressão das reais qualificações. Nessa linha de

pensamento o conceito de qualificação adquire legalidade sociológica específica,

enquanto parte do processo social mais amplo de construção identidades e de

subjetividades. Não pode, portanto, ser traduzido operacionalmente por uma

expressão numérica, por uma escala de atributos objetivos, já que a qualificação não

é um dado tangível da realidade. Ela é antes, um processo histórico determinado

socialmente, como veremos a seguir.

3.2. Qualificação como Construção Social

Pensar em qualificação como construção social nos remete a um debate sobre a

articulação da escola com o mundo, com a vida, o que nos leva então a questionar

os nossos alunos:

“Quais foram as lições de vida, mais significativas queaprendemos? Foram dentro ou fora da escola?”

De um modo geral os entrevistados respondem:

“Aprendi, mais fora da escola do que dentro dela “...

22 Entrevista realizada com nossos alunos do Curso de Administração- ETE Aprígio Gonzaga / 2000.

61

E quando analisávamos porque isso ocorrera, geralmente descobríamos que as

situações de vida eram as mais propícias e significativas para a aprendizagem (ex.

fazer continhas versus contar o troco que sobrou depois dos chicletes e balas). E

isso geralmente ocorre porque a vida é interdisciplinar por natureza. Tudo é

integrado, tudo se relaciona com tudo.

Uma visão crítica dos alunos, nos diz:

Já, infelizmente, na escola em que estudamos, tudo era (ainda é)

dividido, separado ....

Assim, entendemos que a qualificação, enquanto um conceito socialmente

construído, incorpora, além do “conteúdo técnico”, elementos de caráter cultural

fundamentais para elucidar outros aspectos que lhe são pertinentes, tais como,

questões de gênero e relações intraclasses e até mesmo os motivos que levam

alguns postos de trabalho a serem ocupados exclusivamente por determinados

grupos de trabalhadores. Ou seja, não é possível pensar em qualificação

profissional desarticulada da dimensão social a qual os alunos estão inseridos.

Portanto, partilhamos com as idéias de Dubar (1987), quando nos diz que a

qualificação não é um objeto preciso em si e nem uma totalidade, mas uma

“articulação”, uma relação social. Além disso, admite que esta relação pode se dar

entre diversos elementos, portanto não é transparente, imediata e harmoniosa.

Sendo assim, condições tecnológicas, organizacionais e gestoriais dos processos

de produção e de trabalho, estratégias de incorporação do saber dos trabalhadores,

monitoramento da participação dos sujeitos no processo produtivo, formas de

regulação de conflitos, formas de distribuição e utilização dos diferentes segmentos

de trabalhadores são algumas das dimensões cruciais à investigação voltadas para

o controle do feedback vindo do ”chão-de-fábrica”, ou seja, do saber-atuar e da

qualificação dos sujeitos do trabalho.

Cabe destacar que a qualificação incorpora outros elementos que não apenas os

técnicos. Por isso não é possível dizer que a qualificação é um conjunto de

62

atributos, sem levar em conta o país, a empresa, a cultura, para que se possa

delimitar o valor de uso dessa qualificação como futuro valor de troca. Portanto o

que o capital vai chamar de mão-de-obra qualificada é aquilo que lhe interessa em

determinado momento, como por exemplo políticas de contratação de pessoas com

a terceira idade, negros, deficientes, etc.

Contudo, no atual quadro de modificações dos processos produtivos, os sistemas

técnicos estariam se tornando mais fortemente dependentes da sensibilidade

humana e da sua capacidade de avaliação e predição, o que significa que a

dimensão da subjetividade, ou seja, a afirmação da potência transformadora e

criadora dos sujeitos tem se tornado ainda mais fundamental.

Claude Dubar define a qualificação como expressão das relações sociais e em sua

análise faz uma comparação entre França e Alemanha, apontando que a noção de

qualificação não tem o mesmo sentido e muito menos a mesma tradução “societal”

nesses dois países. No modelo “socio-administrativo” de tipo francês, a qualificação

é fortemente determinada pela formação escolar, e ao mesmo tempo, codificada

administrativamente e gerenciada pelas empresas no modo da “descontinuidade"

estatutária (forte oposição executivos/executores). Já no modelo alemão “técnico-

profissional”, o diploma profissional confere à qualificação um caráter geral para

além do local onde é exercida” e permite, sobretudo, instaurar uma continuidade

profissional, fonte de eficiência produtiva. Sintetizando, Dubar descreve as

diferenças dos dois modelos da seguinte forma:

“São as competências dos próprios assalariados que sãoclassificadas (na Alemanha) e não os postos de trabalho ou asposições hierarquicas (como na França)”.

A questão pertinente a ser esclarecida é a forma como diversos elementos, tais

como modo de organização do trabalho, saber e valor, se relacionam entre si e qual

a natureza desta relação, se de causalidade, determinação reciproca ou se antes

haveria que se indagar sobre a preexistência de um fator mais preponderante. Se

qualificação se refere a uma relação social não faria sentido dar-lhe uma definição

absoluta apoiada em parâmetros invariáveis. Trabalho qualificado não seria também

63

aquele do qual se exigiria maior esforço intelectual, já que reduzir o tempo de

reflexão para a tomada de decisões é o objetivo da formação .

Portanto, partilhamos com Nadya A. Castro em sua afirmação de que é amplo (e

antigo) o dissenso acadêmico em torno da questão da qualificação. Não se debatem

apenas a sua natureza ou as mudanças no tempo. Debatem-se diferenças de fundo

entre concepções nas quais está em jogo a própria noção de qualificação.

3.3. Qualificação como sinônimo de preparação de “Capital Humano”

A noção de qualificação nasceu associada à concepção de desenvolvimento

socioeconômico dos anos 50 e 60, com a necessidade de planejar e racionalizar os

investimentos do Estado com a educação escolar. Visava-se garantir, em um nível

macro uma maior adequação entre as demandas dos sistemas ocupacionais e dos

sistema educacional.

Fundamentado na teoria do Capital Humano o Banco Mundial defendia a

importância da instrução e do progresso do conhecimento como ingredientes

fundamentais para a formação do chamado capital humano, isto é, a solução para a

escassez de pessoas possuidoras de habilidades-chave para atuarem nos setores

em processo de modernização. Naquele contexto histórico, por modernização

entendia-se a eleição e a adoção do modelo industrial capitalista como modo de

produção, consumo, estilo de vida, e a integração a um padrão de desenvolvimento

industrial adotado nos países capitalistas do ocidente.

Quando se discute a relação entre educação e desenvolvimento econômico,

especialmente a partir da perspectiva da teoria do capital Humano, o que se

procurar afirmar logo de imediato é uma relação de causa e efeito entre nível

educacional e performance econômica. Ao mesmo tempo, postula-se que, à medida

que aumenta a complexidade da formação dos trabalhadores, maiores serão seus

rendimentos não só em função dos ganhos de produtividade das empresas, mas

também em decorrência das possibilidades de ascensão social que se abrem aos

64

trabalhadores mais bem qualificados. Estas formulações partem do pressuposto de

que o trabalhador não só é proprietário de sua capacidade de trabalho, entendendo-

a como capital (capital/conhecimento), como também estaria em igualdade de

condições para negociar com o capitalista a venda e a compra de sua força de

trabalho.

Assim nesta transação, Lucia Bruno (1994) nos diz que o trabalhador teria

autonomia suficiente para:

Definir os termos em que sua capacidade de trabalho seriautilizada/explorada por aquele que a comprou no mercado. Daí, seconcluir que numa sociedade mais escolarizada/qualificada para otrabalho é equitativa, pois isto contribuiria decisivamente para adistribuição dos rendimentos e da riqueza social produzida( Bruno, 1994).

No plano macrossocietário, esta concepção de qualificação gerou uma série de

políticas educacionais voltadas para a criação de sistemas de formação profissional

estreitamente vinculados às demandas e necessidades dos setores mais

organizados do capital. A história dos sistemas de formação profissional no Brasil

enquadra-se nesta lógica de qualificação, entendida como preparação de mão de

obra especializada (ou semi-especializada), para fazer frente às demandas técnico-

organizativas do mercado de trabalho formal.

Ainda no plano macro, isto é no plano das correlações (positivas ou não) entre a

criação e o desenvolvimento dos sistemas nacionais de educação (em seus

diferentes níveis), e as necessidades econômicas e sociais do sistema ocupacional,

gestou-se uma outra concepção de qualificação referendada na capacidade de cada

Estado Nacional expandir quantitativa e qualitativamente seus sistemas escolares.

Surge, pois uma nova conotação para o termo qualificação, designada por Paiva, de

”qualificação formal” (1995).

“Por muitas décadas a economia e o planejamento da educaçãotrabalharam com a qualificacão formal. Planejava-se a maneira deobter um número x de diplomas em determinadas áreas ou setoresprofissionais, de acordo com projeções de demanda. Calculava-se a

65

taxa de retorno através de diferenciais de rendimentos (salários) emfunção de anos de escolaridade ou da posse de um diploma, media-se a relação custo-benefício social dos investimentos em educação,fosse por meio de considerações globais sobre o atendimento demetas econômicas nos países socialistas, fosse por meio deindicadores indiretos nos países capitalistas. Nestes, o mercadorequeria força de trabalho diplomada, atestados de conclusão decurso” (p.76).

Portanto, as noções de qualificação, elaboradas a partir dos enfoques das teorias

do capital humano e do planejamento macrossocial, estão ancoradas em enfoques

macroeconômicos que privilegiam dimensões relativas ao desenvolvimento

econômico, crescimento e diversificação do mercado formal de trabalho. Há,

contudo, outras acepções que têm sido destacadas pela sociologia do trabalho, em

que se toma por base outros recortes analíticos, privilegiando os eixos de

organização da produção e do trabalho.

3.4. As noções de qualificação que tomam como parâmetros a produção e a organização do trabalho.

No modelo taylorista-fordista de organização do trabalho e de definição das

estratégias empresariais, o conceito de qualificação propicia o referencial necessário

para se trabalhar a relação profissional individuo-organização. Esta concepção de

qualificação tem como matriz o modelo definido a partir da posição a ser ocupada no

processo de trabalho e pelos requisitos associados à posição, ou ao cargo,

previamente estabelecida nas normas organizacionais da empresa. Neste modelo, a

qualificação é concebida como sendo “adstrita” ao posto de trabalho e não como um

conjunto de atributos inerentes ao trabalhador.

Tendo como parâmetros o posto/função estabelecidos a partir da inserção e posição

no mercado de trabalho, a qualificação é privatizada, isto é, entendida como um bem

conquistado de forma privada. Este bem seria constituído por um conjunto de

conhecimentos técnico-científicos, destrezas, habilidades e experiências adquiridas

ao longo de uma trajetória de vida escolar e de trabalho. A qualificação vista desta

forma seria, individualizada, personalizada, sem nenhuma conotação ou

66

condicionamento sociocultural. Nesse sentido, a formação para o trabalho é

definida como “treinamento” básico, conhecimento ou formação escolar necessários

para o exercício da função. Esse conhecimento ou formação podem ter sido

adquiridos por instrução formal, por treinamento preliminar em trabalhos de menor

grau, ou pela combinação desses meios (Manfredi, apud Kuenzer 1985:114).

Para um modelo de qualificação que tem como referencial a função e o posto de

trabalho, o que importa, do ponto de vista da formação para o trabalho, é garantir

que os trabalhadores sejam preparados exclusivamente para desempenhar

tarefas/funções específicas e operacionais. Esta concepção de formação foi

alicerçada numa concepção comportamental rígida, por meio da qual o

ensino/aprendizagem das tarefas/habilidades deve-se dar numa sequência lógica,

objetiva e operacional, enfatizando os aspectos técnico-operacionais em detrimento

de sua fundamentação mais teórica e abrangente, assim:

A noção de hierarquia de postos de trabalho é estabelecida a partirde uma escala de qualificações profissionais, associadas, por suavez, a níveis também hierárquicos de escolaridade, ou melhor, a umcredenciamento escolar oficial que legitima a representação de queaos que comandam e possuem uma posição mais elevada nahierarquia de especialização (e, por conseguinte, de mando edecisão) são os mais competentes, estabelecendo-se uma relaçãomecanicista entre teoria/prática e competência, independentementedo ponto de vista a partir do qual se faça a análise, seja o doexecutor, do prático, sempre incompetente, ou o do decisor, téorico,sempre competente (Kuenzer, Apud Manfredi 1985).

Portanto, concerne à construção de representações, reduzir a qualificação a um

percurso de responsabilidade individual e de natureza meritocrática, privatiza-se a

noção de competência, restrita (tanto no âmbito teórico como prático) ao

ofício/função que cada trabalhador desempenha no mercado de trabalho formal.

Além disso, Manfredi chama a atenção para o desenvolvimento da crença política-

ideológica do “poder da educação escolar”, como mecanismo de acesso às

posições qualificadas. Esta crença segundo a autora mascara os demais

mecanismos sociais (inerentes a processos societais mais abrangentes) e os

organizacionais (mecanismos de credenciamento estabelecidos internamente pelas

67

empresas). Estes condicionam o acesso e a manutenção dos trabalhadores no

mercado formal de trabalho.

Por outro lado, Helena Hirata (1998) nos fala sobre as classificações ou

categorizações que são utilizadas pelas organizações, para definir qualificações,

nem sempre estas classificações estão fundadas em características de tipo

aquisitivo (como o grau de escolarização, por exemplo). Ao contrário, com

frequência eles se baseiam em qualidades do tipo adscrito, em marcas de identidade

que acompanham os indivíduos (como o sexo, a cor ou a idade). Estas

fundamentam formas de classificação social (com efeitos de inclusão ou de

exclusão), seja das pessoas portadoras dessas qualidades, seja das tarefas por

elas desempenhadas(1998).

Diante desse empasse sobre o conceito de qualificação, Castro parte da lógica de

que é necessário diferenciar a “qualificação do posto de trabalho” da “qualificação

do trabalhador”. Esta última chama a atenção para a formação e a experiência

mobilizadas pelo indivíduo para executar uma tarefa. Ambas têm fontes distintas e,

dependendo do reconhecimento social que lhes seja conferido, podem (ou não)

credenciar quem as possui. Por isso mesmo, é importante investigar a qualificação

do trabalhador, não apenas pela ótica de quem o recruta, mas também como ele

próprio a representa e vivência. Isto é, como o indivíduo identifica e classifica os

saberes que mobiliza no exercício profissional, em termos de sua natureza, origem,

funcionalidade e significação para o seu desempenho.

Nos últimos dez anos, a concepção de qualificação tecnicista (cuja matriz é o

modelo job/skills), ancorada nas normas previamente estabelecidas pelas empresas,

está convivendo ou sendo substituída por uma outra concepção que vem sendo

designada modelo da competência.

68

3.5. A ressignificação do conceito de qualificação e suasubstituição pelo de competência

O processo de reorganização da economia mundial e as transformações técnico-

organizacionais não só tem afetado as condições, os meios e as relações de

trabalho, como também estão associados à construção de novas formas de

representação ou ressignificação das noções de trabalho, qualificação, competência

e formação profissional.

Segundo Manfredi, inúmeros são os estudos que têm sido feitos no mundo do

trabalho (no campo da sociologia, da economia, da educação, da ergonomia, etc) no

sentido de aprofundar o estudo entre os processos de modernização técnica e

organizacional, que têm acompanhado o atual processo de globalização da

economia capitalista (em escala mundial), e os impactos destas transformações

sobre o mercado de trabalho, a estrutura ocupacional e as qualificações

profissionais.

No Brasil, desde o início da década de 1990, vários estudos empíricos têm enfocado

as transformações que estão ocorrendo nos diferentes setores da economia. Estes

estudos têm realidades diferenciadas, heterogêneas, contraditórias. Mostram

também que não é possível concluir, de forma linear e universal, que o caráter

inovador das atuais transformações na base técnica e material do trabalho se

expressa, também e genericamente, por ganhos de qualificação por parte dos

trabalhadores (Machado:1994, in Manfredi:1998).

Todavia, ainda que os diferentes estudos constatem a combinação e a sobrevivência

de várias estratégias de qualificação e requalificação do trabalho, apontando para

diferenças regionais e inter e/ou infra-setores da economia revelam, também, a

emergência de um “novo perfil de qualificação da força de trabalho” que tende a

institucionalizar as seguintes exigências:

“Posse de escolaridade básica, de capacidade de adaptação anovas situações, de compreensão global de um conjunto de tarefase das funções conexas, o que demanda capacidade de abstração e

69

de seleção, trato e interpretação de informações. Como osequipamentos são frágeis e caros e como se advoga a chamadaadministração participativa, são requeridas também a atenção e aresponsabilidade. Haveria, também, um certo estímulo à atitude deabertura para novas aprendizagens e criatividade para oenfrentamento de imprevistos. As formas de trabalho em equipeexigiriam ainda a capacidade de comunicação grupal”.(Machado:1996 , Apud Manfredi: 1998).

Há, portanto, no nível das concepções e representações, um movimento no sentido

de substituir a noção de qualificação pelo chamado modelo de competência.

Segundo Helena Hirata, a noção de competência é oriunda do discurso empresarial

nos últimos dez anos na França, retomada em seguida por economistas e

sociólogos. É uma noção ainda bastante imprecisa e decorreu da necessidade de

avaliar e classificar novos conhecimentos e novas habilidades a partir das novas

exigências de situações concretas de trabalho, associada, portanto, aos novos

modelos de produção e gerenciamento, e substitutiva da noção de qualificação

ancorada nos postos de trabalho e das classificações profissionais que lhes era

correspondentes(1994 132-133).

Para Tanguy (1997), este movimento observado nas empresas francesas, de

introduzir novas práticas de codificação do trabalho em termos de competência,

está se verificando em outros países da Comunidade Européia (Inglaterra,

Alemanha, Itália, etc) no sentido de romper com os modos preexistentes de

designação, promoção e de remuneração do trabalho, tais como eram difundidos

com o nome de job skills e job evaluation. O uso e a difusão de um modelo centrado

em saberes e habilidades possuídos pelos trabalhadores foram iniciados nas

grandes empresas multinacionais ou transnacionais e vêm sendo acompanhados de

um conjunto de operações sociais que lhe dão forma, e objetividade. Esses

modelos, são justificados pela idéia de racionalização reinvidicada pelos diferentes

protagonistas que estão na sua origem e que vão desde os empresários, as

autoridades governamentais, os construtores de referenciais, passando pelos

cientistas convocados para dar legitimidade às práticas e representações que estão

sendo construídas.

70

No Brasil a noção de competência não é nova, no entanto só era utilizada no

âmbito das ciências humanas (notadamente no campo da ciências da cognição e da

lingüística) . Porém desde os anos 70, passa a ser incorporada nos discursos dos

empresários, dos técnicos dos órgãos públicos que lidam com o trabalho e por

alguns cientistas sociais, como se fosse uma decorrência natural e imanente ao

processo de transformação na base material do trabalho (Manfredi, 1998:27).

Este termo utilizado de forma generalizada, é empregado, indistintamente, nos

campos educacionais e do trabalho como se fosse portador de uma conotação

universal. No discurso dos empresários há uma tendência a defini-la menos como

“estoque de conhecimentos/habilidades” mas, sobretudo, como capacidade de agir,

intervir, decidir em situações nem sempre previstas ou previsíveis. O desempenho e

a própria produtividade global passam a depender em muito dessa capacidade e da

agilidade de julgamento e de resolução de problemas (E. Leite, 1996).

Segundo uma pesquisa realizada por E. Leite em empresas metalúrgicas de São

Paulo, parece haver um certo consenso quanto à seguinte noções de qualificação e

competência.

“A Capacidade de mobilizar saberes para dominar situaçõesconcretas de trabalho e transpor experiências adquiridas de umasituação concreta a outra. A qualificação de um indivíduo é suacapacidade de resolver rápido e bem os problemas concretos maisou menos complexos que surgem no exercício de sua atividadeprofissional”. O exercício dessa capacidade implicaria a mobilizaçãode competências adquiridas ou construídas mediante aprendizagem,no decurso da vida ativa, tanto em situações de trabalho como foradeste, reunindo:

• O “saber fazer”, que recobre dimensões práticas, técnicas e científicas,adquirido formalmente (cursos treinamento) e/ ou por meio daexperiência profissional;

• O “saber ser”, incluindo traços de personalidade e caráter, que ditam oscomportamentos nas relações sociais de trabalho, como capacidade deiniciativa, comunicação, disponibilidade para a inovação mudança,assimilação de novos valores de qualidade, produtividade ecompetitividade;

71

• O “saber agir”, subjacente à exigência de intervenção ou decisão diantede eventos – exemplos: saber trabalhar em equipe, ser capaz deresolver problemas e realizar trabalhos novos, diversificados23.

Pode se considerar que esta é a visão que permeia o desenho do perfil ideal de

qualificação nas empresas inovadoras. Há pelo visto, nítida convergência entre as

empresas de diferentes setores e características, quanto aos traços mais relevantes

desse perfil, em matéria de conhecimentos, habilidades, atitudes e características

pessoais (Leite 1996: 164-165, apud Manfredi:1998).

Concordamos com Manfredi, que independente da fluidez com que se trabalham as

noções de competência, habilidades, capacidades, etc. (como se não fossem

diferenciadas no campo das ciências cognitivas), as diferentes tipologias e os

esquemas classificatórios utilizados denotam a polissemia da noção de competência

e a fluidez do modelo que leva seu nome.

Contudo, se ficarmos restritos aos níveis da reconstrução de significados dos termos

qualificação e competência e da recuperação das possíveis identidades

paradigmáticas, temos a impressão de que permaneceremos no interior de um

círculo fechado que nos impede de entender o conceito à luz de movimentos mais

amplos, incluindo o de ruptura.

Para o propósito dessa dissertação, o que interessa ressaltar é que a noção de

competência tem sido considerada como alternativa à de qualificação, tendo sido

originalmente recriada e reatualizada pelas equipes de recursos humanos das

grandes empresas, em nível de gerência, para construir novos critérios de acesso e

permanência no emprego, seu reconhecimento e sua institucionalização.

Entretanto, Dubar adverte que :

O ‘’modelo da competência” não é portanto, novo nem mais racionalque os outros. Ele corresponde a uma concepção das relações detrabalho e da organização que valoriza a empresa, o contratoinidividual de trabalho, a troca de uma “mobilização” pessoal

23 O atual livro da UNESCO – Sobre a Educação para o Século XXI Um Tesouro a descobrir, reforça esse pressuposto,ressaltando que a educação ao longo de toda vida baseia-se em quatro pilares: aprender a conhecer, aprender a fazer, aprendera viver juntos e aprender a ser. Esta perspectiva deve orientar as reformas educativa, tanto no nível de programas como dadefinição de novas políticas pedagógicas, Cortez -São Paulo-2001.

72

(commitment) contra marcas de reconhecimento (inclusivesalariais), a integração forte numa organização hierárquica. Quem aele se refere racionaliza com freqüência sua escolha lançando mãodo “filtro” do diploma escolar e de referências “cognitivas”(resoluçãode problemas, tipos de saberes...) que mal conseguem esconderpreconceitos quanto à inteligência. Ao contrário do modelo dequalificação, que implica a negociação coletiva, o da competênciatende a apagar o fato de que o reconhecimento salarial é o resultadode uma relação social dinâmica e não de um face a face entreindivíduo provido de “competências” a priori e de uma empresa queas reconhece nele e as transforma em “desempenho” mais oumenos suscetível de ser medido. ( Dubar:1998: 100).

Por outro lado, no plano macro a noção de competência também pode ser

pesquisada numa perspectiva historicamente determinada da evolução da

sociedade civil e de suas diferentes instâncias de organização. Do ponto de vista

analítico-interpretativo é possível considerar a competência tanto a partir das

próprias trajetórias e experiências da vida, familiares e de trabalho, como também

incorporando-a historicamente aos estudos que procuram entendê-la como um

fenômeno de caráter histórico-estrutural. Desta forma é analisada sob os mais

diversos prismas de estudo: da história do trabalho e de suas organização, dos

modelos de desenvolvimento econômico, de trabalho e emprego, do trabalho,

gênero, grupos geracionais, grupos étnicos, do Estado e das políticas sociais, do

movimento sindical e das políticas sociais e dos sistemas educacionais.

É importante ressaltar que antes de gerir as competências, é preciso definir em que

medida a mobilização da competência é um modo de gestão da empresa. Gerir pela

competência, antes de gerir as competências. Zarifian, supõe uma revisão das

políticas de formação e sobretudo, sua articulação com as opções de organização

do trabalho.

Cabe observar que, uma vez que o conceito de qualificação é polissêmico, não é

possível esgotar sua definição a partir de uma característica, como por exemplo “um

construto histórico-social”, embora seja mais amplo e aceito por boa parte da

literatura especializada. Alguns autores começam a falar em “qualificações tácitas”

ou “sociais”, u ainda, “informal” para designar os “conhecimentos” que, essenciais à

aquisição de determinadas tarefas qualificadas, são apreendidos por meio “da

73

experiência subjetiva”. Por essa razão torna-se muito difícil quase impossível, a sua

transmissão por meio de uma linguagem explícita e formalizada. E, em decorrências

das dificuldades que os autores enfrentam para encontrar uma forma de lidar com

esse tipo de abordagem, ela passa a constituir um desafio para todos envolvidos

com a questão (M. Leite e Posthuma;1996 in Aprile).

74

PARTE IIA FORMACÃO PROFISSIONAL

A tarefa principal do homem é dar a luz asi mesmo, e se tornar o que

potencialmente já é.

E.Fromm

Pensador americano (1900-1980)

75

Capítulo 4

Histórico do Ensino Profissional

Este capítulo tem como objetivo delinear os caminhos traçados historicamente pela

educação profissional dentro dos marcos institucionais legais. A análise aqui

realizada será sucinta, pois metodologicamente, não estamos realizando uma

análise sctrito sensu. Estudos dessa natureza exigem que se compreendam os

projetos políticos, econômicos e culturais daqueles que as propõem e do momento

histórico no qual surgem, bem como se analisem a percepção e a valoração sobre

educação dos diferentes grupos sociais. Portanto, as reformas citadas neste

capítulo, são entendidas como o conjunto de inovações pretendidas para o ensino

profissional, a partir das mudanças no mundo do trabalho.

4.1. No Brasil

No Brasil, a formação profissional esteve sempre associada ao ensino profissional e

destinada aos grupos sociais marginalizados24. Essa concepção estava presente na

criação do Colégio das Fábricas por D.João VI, na vinda ao Brasil em 1808 que

tinha por finalidade educar os artistas e aprendizes vindo de Portugal. A Escola era

voltada para indústria e recebia os índios mais fortes e jovens, os escravos, os

órfãos, os mendigos e os renegados. Assim, as primeiras escolas

profissionalizantes do Império (1897) tinham por objetivo o adestramento da mão-de-

obra segundo princípios da moralidade e das caridades cristãs (ocupação de órfãos,

de jovens carentes e de pequenos delinquentes (Cattani, 1997:p.97: in Fundap25).

24 Somente nas duas últimas décadas, o ensino profissional atraiu estudantes oriundos das camadas médias, nãoem consequência de projetos de profissionalização anterior ao ensino superior, mas decorrentes da qualidade doensino oferecido por algumas destas escolas.25 FUNDAP-Fundação do Desenvolvimento Administrativo- Projeto de Assessoria à Formulação do Projeto deInversão do Ensino profissionalizante do Ceeteps/SCTE: Estudos para Definição do Modelo de EducaçãoProfissional- Volume II – Agosto, 1998.

76

Como nos lembra Carmen Sylvia V. Moraes26, o processo de industrialização no

Brasil não se deu nos mesmos moldes que aqueles seguidos pelos países centrais

do capitalismo, principalmente porque aqui o “novo” e o “arcaico” estabeleceram

uma convivência estrutural e dinâmica. A sociedade urbano-industrial formou-se nos

quadros de uma sociedade agrário-exportadora, baseada na grande propriedade

territorial e no trabalho escravo.

A implantação da república, no Brasil, não foi acompanhada, de imediato, por um

movimento de criação de uma estrutura educacional de caráter nacional e

republicano. Durante a Primeira República, não havia uma estrutura de ensino

organizada com base em um sistema nacional de educação, não havia nenhuma

política nacional que articulasse os sistemas estaduais ou municipais. De maneira

geral, as reformas educacionais circunscreviam-se ao Distrito Federal e às escolas

federais, e o ensino profissional continuou marginalizado como o fora durante o

império27.

Assim, vale ressaltar que a formação profissional, desde as suas origens, sempre

foi reservada às classes menos favorecidas, estabelecendo-se uma nítida distinção

entre aqueles que detinham o saber (ensino secundário, normal e superior) e os que

executavam tarefas manuais (ensino profissional). O desenvolvimento intelectual,

proporcionado pela educação escolar acadêmica, era visto como desnecessário

para a maior parcela da população e para a formação de “mão-de-obra”. Não se

reconhecia vínculo entre educação escolar e trabalho pois a atividade econômica

predominante não requeria educação formal ou profissional.

Kuenzer28 (1999) nos lembra que a formação profissional como responsabilidade do

Estado inicia-se no Brasil em 1909, com a criação de 19 escolas de artes e ofícios

nas diferentes unidades da federação, precursoras das escolas técnicas federais e

estaduais. Estas escolas, antes de pretenderem atender às demandas de um

desenvolvimento industrial praticamente inexistente, obedeciam a uma finalidade

26 Professora da Faculdade de Educação -USP27 O ensino profissional era destinado a cegos, surdos-mudos e menores abandonados do sexo masculino (Decreto nº 16.782-A, reforma João Luís Alves (1925).28 Acácia Zeneida Kuenzer é professora titular do Setor de Educação da Universidade Federal do Paraná.Doutora em Educação.

77

moral de repressão: educar pelo trabalho, os órfãos, pobres e desvalidos da sorte,

retirando-os da rua. Assim, a primeira vez que aparece a formação profissional como

política pública, ela o faz na perspectiva mobilizadora da formação do caráter pelo

trabalho.

A partir daí foram se desenvolvendo outras alternativas destinadas à formação de

trabalhadores, de modo que até 1932, ao curso primário havia as alternativas do

curso rural e curso profissional com quatro anos de duração, aos quais poderiam

suceder outras alternativas ao nível ginasial de formação exclusiva para o mundo do

trabalho, como eram os cursos normal, técnico comercial e técnico agrícola. Estas

modalidades eram voltadas para as demandas de um processo produtivo, no qual

as atividades voltadas para os setores secundário e terciário eram incipientes e não

davam acesso ao ensino superior. Para as elites, havia outra trajetória: o ensino

primário seguido pelo secundário propedêutico, completado pelo ensino superior,

este sim dividido em ramos profissionais, como nos relata Kuenzer:

“A formação de trabalhadores e cidadãos no Brasil constituiu-sehistoricamente a partir da categoria dualidade estrutural, uma vezque havia uma nítida demarcação da trajetória educacional dos queiriam desempenhar as funções intelectuais ou instrumentais, emuma sociedade cujo desenvolvimento das forças produtivasdelimitava claramente a divisão entre capital e trabalho traduzida notaylorismo-fordismo – a ruptura entre as atividades de planejamentoe supervisão por um lado, e de execução por outro” (122:1999).

A estas duas funções do sistema produtivo correspondiam trajetórias educacionais e

escolas diferenciadas. Para os primeiros, a formação acadêmica, intelectualizada,

descolada de ações instrumentais, para os trabalhadores, formação profissional em

instituições especializadas ou no próprio trabalho com ênfase no aprendizado quase

que exclusivo.

O diagnóstico do ensino profissionalizante elaborado pela FUNDAP (1998) nos

mostra que neste século houve nove reformas educacionais29 que atingiram a

estrutura e a organização do ensino secundário. Todas elas evidenciavam uma

29 1901 (Epitácio Pessoa), 1911 (Rivadávia Correia), 1915 (Carlos Maximiliano), 1925 (João Luis Alves), 1931 (FranciscoCampos), 1942 (Leis Orgânicas), 1961 (LDB, Lei nº 4.024), 1971 (Reformulação LDB, Lei nº 5.692) e 1996 (LDB, Lei nº9.394).

78

concepção de ensino secundário como aquele que precede o ensino primário e é

completado pelo ensino superior, “este sim dividido em ramos profissionais”. Para

atingi-lo, o estudante teve que vencer inúmeras barreiras, entre exames de

admissão, vestibulares e aprovações sucessivas, para que, ao final de no mínimo

15 anos, tivesse acesso à certificação formal superior que pretensamente lhe abriria

as portas do mercado de trabalho (Kuenzer, 1997: p.11).

Assim Mascellani30 nos fala que a Educação no Brasil caracteriza-se por:

“Uma transposição de padrões culturais e modelos estrangeirosestranhos à realidade do país, como nossa cultura, quase sempreimportada e desprovida de uma elaboração nacional. Baseado nohomem estrangeiro, o ponto de partida de qualquer processo culturalou educacional foi abstrato e ideal, totalmente desencarnado dasnecessidades de nossa realidade. Consequentemente, veio umadeterminação de padrões de comportamento e atitudes- como oconformismo, a disciplina, o apego à ordem vigente, como marcasde uma religião e de um Deus que tudo providencia, que, retratandoos primórdios de nossa colonização, vigoram até o momento atual,bloqueando a criatividade do Homem brasileiro( 56:1999).

A educação no Brasil sempre esteve dentro dos moldes da cultura européia, o que

significa que recebemos, com atraso e sem crítica, todas as elaborações dos

movimentos intelectuais do Velho Mundo. Portanto, a educação não teve como

principal preocupação a explicitação das exigências do Homem Brasileiro e de sua

realidade. Ela foi sempre o instrumento de manutenção do status quo e de ascensão

social. Por exemplo, “ensino jurídico, que tratava de formar líderes nos grupos

dominantes (do acúcar e do café), e que assim eram capacitados a encontrar

justificativa jurídica de uma dada estrutura econômica” (Mascellani, 56:1999).

A iniciativa de uma experiência brasileira de Educação do Homem Brasileiro surge

na década de 50 a 60 quando enfoca que “não há Educação fora das sociedades

humanas e não há homem no vazio” (Paulo Freire), esboça-se um esforço de

elaboração de uma resposta aos desafios cotidianos por que passa o Homem

Brasileiro. Busca-se, então, a libertação pela conscientização .

30 Mascellani, Maria Nilde. Uma Pedagogia para o Trabalhador: O ensino vocacional como base para umaproposta pedagógica de capacitação profissional de trabalhadores desempregados (Programa Integrar). Tese deDoutorado na área de História e Filosofia da Educação. USP- SP. 1999.

79

4.2. Em São Paulo

A formação profissional, em São Paulo, também associava ensino profissional aos

grupos sociais marginalizados. Mas diferentemente do país, as primeiras

experiências não foram organizadas pelo Estado, mas pela iniciativa privada. O

Liceu de Artes e Ofícios, criado em 1873, constituiu uma das primeiras experiências

de ensino profissional desenvolvido pela iniciativa privada – Sociedade propagadora

de Instrução Popular. Inicialmente voltado para o ensino primário da população

adulta, passou em 1894 a oferecer cursos de Artes e Profissionais para a formação

de mestres para a indústria de construção civil, mobiliário, artes decorativas e

correlatos31. Somente em 1911 começaram a funcionar, na capital, as duas

primeiras escolas profissionais oficiais32.

Os estados de São Paulo, Ceará, Bahia, Minas Gerais e o Distrito federal antecipam-

se às reformas que o país implementará na década dos anos 30, sob inspiração do

ideário liberal dos educadores que organizaram o movimento dos Pioneiros da

Escola Nova. Na década dos anos 20, os governos dos estados citados realizaram

reformas no ensino primário, tentando criar um sistema estadual de educação

público e laico, articulado com o desenvolvimento socioeconômico do país.

A organização do ensino profissional, desde a instalação das duas primeiras escolas

(1911) até as Leis Orgânicas (1942), também carecia de estruturas de ensino

organizadas com base num sistema estadual de educação. O ensino profissional

estava subordinado à Diretoria Geral de Instrução Pública, da Secretaria do Interior

do Estado de São Paulo até 1931, quando foi criada a Secretaria Estadual de

Educação e Saúde Pública. A Diretoria, aqui referida, era responsável pelos ensinos

primário, secundário e superior, pela politécnica, medicina e pelo ensino profissional.

31 GITAHY, Maria Lúcia Caira. Qualificação e urbanização em São Paulo: a experiência do Liceu de Artes e Ofícios ( 1873-1934). In: RIBEIRO, Maria Alice (coord.) Trabalhos urbanos e ensino profissional. 2º ed. Campinas: Editora da Unicamp,1986.32 RIBEIRO, Maria Alice Rosa. Qualificação da força de trabalho – a experiência das escolas profissionais do estado de SãoPaulo (1911-1942). In: RIBEIRO, Maria Alice (coord.) Trabalhadores urbanos e ensino profissional 2º ed. Campinas: Editorada Unicamp, 1986.

80

Na década de 20 e 30, o ensino profissional se diversifica e amplia com a criação de

cursos para ferroviários naquelas escolas localizadas em cidades onde houvesse

oficinas mecânicas das ferrovias. O objetivo era estabelecer proximidade entre o

ensino profissional e o mercado de trabalho regional. Essa preocupação também

estava presente na criação da escola profissional de Santos para preparar operários

especializados em serviços portuários. A ampliação do ensino profissional resulta da

criação da Superintendência da Educação Profissional e Doméstica, diretamente

vinculada ao Secretário da Educação e Saúde Pública (FUNDAP: 21:1998).

A reforma educacional paulista, gestão Abreu Sodré – 1967/1971, tinha dentre suas

cinco diretrizes a expansão do ensino técnico e profissional e o estabelecimento de

uma ação governamental definida no setor de treinamento empresarial (Perez,

1994). Essa reforma, concebida em 1967 e implementada nos anos subseqüentes,

tinha como objetivo redefinir o ensino médio e definir as diretrizes para implementar

uma escola básica de oito anos.

Em 1968 foi elaborado pelo Poder Legislativo um novo Código de Educação para o

Estado de São Paulo (Lei nº 10.125), com ênfase na formação profissional, na

preparação para o trabalho e na necessidade de explorar tendências vocacionais

(art. 35 a 39). O Código de Educação, ao expressar a ideologia nacional

desenvolvimentista, priorizou o ensino técnico e os cursos de aprendizagem como

sustentáculos do desenvolvimento tecnológico e como preparo de recursos humanos

para suprir as demandas do mercado de trabalho.

Durante a gestão de Abreu Sodré foram implementados os ginásios pluricurriculares,

com oficinas de “artes industriais” e “educação para o lar”, e instalado o Centro de

Treinamento de Professores para os Ginásios Pluricurriculares. Eram unidades

escolares que desenvolviam um currículo acadêmico e profissional e tinham por

objetivo desenvolver experiências e pesquisas, constituindo-se em centro de

formação e treinamento de pessoal técnico e docentes. Essa experiência não

encontrou sustentação institucional legal nas normas que regiam o ensino médio em

São Paulo (Perez, 1994). Na realidade, coexistiam dois tipos de classes na mesma

escola e havia falta de professores para as áreas técnicas e práticas.

81

A política educacional paulista era marcada pelo experimentalismo em busca de

novas pedagogias, de novas formas de gestão e da expansão do sistema

educacional. Coexistiam vários tipos e modalidades de escolas de educação

profissional: (a) técnica estadual com mais de um dos três ramos dos cursos

técnicos industrial, agrícola e comercial; (b) colégio industria, colégio agrícola ou

colégio comercial, estadual; (c) escola de aprendizagem estadual; (d) escola de

aprendizagem industrial estadual; (e) escola de aprendizagem agrícola.

O movimento de promover inovações educacionais que se evidenciavam em São

Paulo, parece ter ido na contramão do reforma educacional da década de setenta,

sob a direção do governo militar. A tentativa de São Paulo em construir um nova

proposta de educação escolar a partir do experimentalismo foi interrompida pela

5.692/71. A maior parte das inovações educacionais paulistas foram interrompidas

sem avaliação e muitas delas foram desativadas sem que se conhecessem seus

resultados.

4.2.1. As Reformas Educacionais nos Anos Setenta em São Paulo

O Governo do Estado de São Paulo, num esforço imediato de implementar a

reformulação (Lei nº 5.692/71) da lei de diretrizes e bases (4.024/61), criou um

“Grupo Tarefa” para elaborar o “Planejamento Prévio” e o “Plano Estadual de

Implementação da Reforma de primeiro e segundo graus”. Após exaustivos estudos

e propostas, o Plano não foi implantado.

Este plano já apontava dificuldades de implementação da reforma em relação ao

ensino de segundo grau, devido à profissionalização compulsória. A rede de

estabelecimentos de ensino técnico atendia somente a 2,9% dos alunos de ensino

de segundo grau e a maioria dos prédios da rede pública de ensino básico não

possuía infra-estrutura para implementar a parte profissionalizante, além de

considerarem impossível atender ao leque de habilitações propostas. Optou-se

então pela criação de centros interescolares. Alguns estabelecimentos trabalhariam

com grupos de disciplinas profissionalizantes e outros com disciplinas de formação

geral. Apesar da intensidade e quantidade de estudos, somente algumas medidas

82

isoladas foram implantadas. Após quatro anos de estudos e propostas, em 1975 a

rede física foi reorganizada integrando o primário e o ginásio em escolas de primeiro

grau; também foram criadas escolas que ofereciam tanto o primeiro como o segundo

grau num mesmo prédio.

A implementação da Lei nº 5.692/71, em São Paulo, permitiu que fossem instaladas

93 escolas de ensino técnico agrícola de segundo grau, em convênio com as

prefeituras municipais.

Em decorrência da nova legislação foram extintas as Coordenadorias de Ensino

Superior e Ensino Técnico; foram realizadas mudanças na estrutura administrativa

da Secretaria (Decreto nº 7.510/76); e foi criada a UNESP, integrada pelos institutos

isolados anteriormente vinculados à Secretaria de Educação. No novo

organograma, ainda em vigência, há duas coordenadorias de Ensino: uma para a

região metropolitana da Grande São Paulo (COGSP) e outra para o interior (CEI).

Somente a partir de 1985 a gestão das escolas técnicas passou a contar com uma

estrutura específica com a criação da Divisão de Supervisão e Apoio às Escolas

Técnicas Estaduais (Disaete).

4.3. A educação Profissional pós-constituição de 1988

Embora a proposta de profissionalização universal e ampliação da oferta de ensino

de segundo grau, contida na Lei nº 5.692/71, tenha fracassado, ela possui um

mérito, que foi o alavancamento do debate sobre o papel do sistema educacional,

suas funções na formação dos cidadãos e dos indivíduos, a concepção de ensino

médio e as relações entre educação e desenvolvimento socioeconômico. Esse

debate foi intenso no processo constituinte e na elaboração da nova lei de diretrizes

e bases da educação nacional, tendo como um dos principais interlocutores o Fórum

Nacional em Defesa da Escola Pública, formado pelo Conselho de Secretários

Estaduais de Educação, pelas associações de secretários municipais de educação e

de educadores e pesquisadores da área de educação, pelos sindicatos de

professores e trabalhadores, dentre outros.

83

Neste debate, o Fórum Nacional em Defesa da Escola Pública buscava definir uma

concepção de educação que respondesse às demandas sociais dentro dos

contextos de desenvolvimento nos quais o país se insere. Discutia-se as novas

formas de relação entre ciência e trabalho na sociedade contemporânea que

deveriam fundamentar o marco constitucional e a lei de diretrizes e bases da

educação nacional. O resultado desse trabalho foi uma proposta do Fórum Nacional

em Defesa da Escola Pública que tratava o sistema educacional, em sua dimensão

de totalidade, a partir da concepção de educação básica unitária comum a todos os

brasileiros.

A educação era compreendida, pelo Fórum, em seu conceito mais amplo, como

aquela que ocorre no interior das relações sociais e não só na escola, reconhecendo

que os processos que se desenvolvem na vida social e produtiva são educativos.

Assim, reconhece a dimensão educativa do trabalho e a necessidade da vinculação

entre o mundo do trabalho e as práticas sociais. Educar passa a ser portanto

preparar o cidadão para constituir-se como humanidade, participando da vida

política e produtiva.

O sistema educacional, da perspectiva do Fórum Nacional em Defesa da Escola

Pública, incorporava todas as possibilidades educacionais até então existentes –

educação infantil (creches e pré-escolas), escolarização e alfabetização de jovens e

adultos, formação técnico-profissional, educação para portadores de deficiências,

educação indígena etc. Nenhuma forma de educação, escolarizada ou não, deveria

ser organizada fora dos marcos do sistema nacional de educação. O pressuposto

era de que toda a população brasileira deveria ter acesso a uma educação básica e

comum, a ser completada pela educação profissional – seja em cursos integrados ao

sistema educacional seja no próprio trabalho.

Esta concepção de educação desenvolvida pelo Fórum Nacional de Educação em

Defesa da Escola Pública foi contemplada na lei de diretrizes e bases da educação

nacional (Lei nº 9.394/96).

“A educação abrange os processos formativos que se desenvolvemna vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nasinstituições de ensino e pesquisa, nos movimento sociais e

84

organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais” (Leinº 9.394/96, art. 1o).

Entretanto, a LDB acaba por restringir a concepção de educação quando traça

diretrizes apenas para a educação que ocorre em espaços escolares. A educação é

aquela que “se desenvolve, predominantemente, por meio de ensino, em instituições

próprias” e “deverá vincular-se ao mundo do trabalho e à prática social” (Lei nº

9.394/96, art. 1o).

Também a proposta de criação de um sistema nacional de educação não foi

contemplada na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 394/96),

embora estivesse presente no projeto aprovado pela Câmara dos Deputados em

junho de 1990; prevaleceu a concepção de diferentes sistemas de ensino, sob o

argumento de que um sistema nacional era inconstitucional e feria o princípio

federativo que permitia a organização de sistemas de educação municipal e/ ou

estadual. De fato, a Constituição Federal de 1988 contém a expressão “sistemas de

ensino” da União, dos Estados e dos Municípios, e não sistema nacional de

educação. Portanto, prevaleceu a concepção de sistemas de ensino privilegiando a

educação escolarizada em detrimento da concepção mais abrangente de educação.

Estas questões também contaminaram, de forma contraditória, a discussão sobre

ensino médio e educação técnico-profissional. Há duas posições nas propostas

governamentais: de um lado, a organização de um sistema nacional de educação

permite a criação de cursos profissionalizantes, stricto sensu, em paralelo à

educação básica; de outro, haveria vários sistemas, dentre eles o sistema nacional

de educação tecnológica.

A concepção de sistema nacional de educação tecnológica, formulada em 1991, em

conjuntura pós-constitucional, tem sido reiterada nas propostas de reforma em

curso. Esse sistema é concebido como aquele capaz de articular as iniciativas de

educação profissional e definir políticas e normas para a área, respondendo aos

desafios da era tecnológica. Embora alicerçado na concepção de educação que

articula todas as modalidades de educação básica, como direito indispensável à

cidadania e sem a qual não é possível a formação profissional, acaba por repor a

85

histórica dualidade estrutural, a que nos referimos diversas vezes neste texto, que

supõe necessária uma educação tecnológica diferenciada e paralela à educação

básica. Esta proposta apresenta a separação entre ciência e tecnologia, entre

atividade teórica e atividade prática, entre fazer e pensar.

4.4. A Educação Profissional na LDB – Lei de Diretrizes e Bases daEducação Nacional

Para a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional há somente dois níveis

de educação: básica e superior. A educação básica é constituída por educação

infantil, ensino fundamental, ensino médio e educação de jovens e adultos

(escolarização e alfabetização), comum a todos os cidadãos jovens para que

consolidem e aprofundem os conhecimentos anteriormente adquiridos e para melhor

compreensão do significado da ciência e da tecnologia, das artes, das letras e das

manifestações culturais.

A educação profissional não integra a educação básica, como estava originalmente

no projeto aprovado pela Câmara dos Deputados, em junho de 1990; e, inclusive,

pode ser desenvolvida independentemente do nível de escolarização. No projeto da

Câmara dos Deputados, a formação profissional articulava-se à formação geral e

humanística e era parte do ensino médio, compreendendo a escola deste nível de

ensino como disseminadora de conhecimentos científicos e humanísticos que

poderiam criar condições tanto para a aquisição de uma profissão quanto para a

continuação dos estudos.

O capítulo III da LDB (Lei nº 9.394/96), que trata especificamente da educação

profissional, é apenas uma carta de intenções, já que não define instâncias,

competências ou responsabilidades, como pode ser verificado na transcrição do

capítulo abaixo33.

Art. 39. A educação profissional, integrada às diferentes formas deeducação, ao trabalho, à ciência e à tecnologia, conduz aopermanente desenvolvimento de aptidões para vida produtiva.

33 Este capítulo da LDB sobre educação profissional foi um dos mais polêmicos, durante a tramitação do projetode lei, daí a fragilidade das formulações que permitem diferentes e contraditórias interpretações.

86

Parágrafo único. O aluno matriculado ou egresso do ensinofundamental, médio e superior, bem como o trabalhador em geral,jovem ou adulto, contará com a possibilidade de acesso à educaçãoprofissional.Art. 40. A educação profissional será desenvolvida em articulaçãocom o ensino regular ou por diferentes estratégias de educaçãocontinuada, em instituições especializadas ou no ambiente detrabalho.Art. 41. O conhecimento adquirido na educação profissional,inclusive no trabalho, poderá ser objeto de avaliação,reconhecimento e certificação para prosseguimento ou conclusão deestudos.Parágrafo único. Os diplomas de cursos de educação profissional denível médio, quando registrados, terão validade nacional.Art. 42. As escolas técnicas e profissionais, além de seus cursosregulares, oferecerão cursos especiais, abertos à comunidade,condicionada a matrícula à capacidade de aproveitamento e nãonecessariamente ao nível de escolaridade.” (Lei nº 9.394/96,capítulo da Educação Profissional).

A nova LDB, ao considerar as limitações de uma sociedade em que a divisão social

e técnica do trabalho impõe uma dualidade estrutural, trata a educação profissional

apenas na sua relação com o mercado de trabalho e como requisito para acesso ao

emprego. A desvinculação do ensino médio, oferecendo o ensino técnico seqüencial

ou paralelo, dissocia a educação técnica da formação geral. Uma das intenções da

LDB foi romper com a concepção, até então preponderante, de ensino médio

constituído na mediação entre a educação fundamental e a formação profissional

stricto sensu.

4.5. A Educação Profissional no Decreto nº 2.208/97

Após a promulgação da LDB, os artigos referentes ao ensino profissional foram

regulamentados pelo Decreto nº 2.208/9734 e a Portaria MEC 646/97 (para a rede

federal de educação tecnológica). Apresentamos a seguir o detalhamento do decreto

que estabelece as diretrizes para a implementação da reforma do ensino

profissional.

Os proponentes da reforma da educação profissional, sob o argumento de que as

escolas técnicas de boa qualidade eram cursadas apenas pelos jovens das

34 O Decreto nº 2.208/97 substituiu o Projeto de lei nº 1.603/96, que estava em tramitação na Câmara dosDeputados.

87

camadas médias, propuseram a transformação dessas escolas em instituições que

oferecem apenas módulos ou cursos destinados exclusivamente à profissionalização

de jovens e adultos trabalhadores.

4.5.1. Os Objetivos da Educação Profissional

A educação profissional, segundo o Decreto nº 2.208/97, deverá promover a

transição entre a escola e o mundo do trabalho; formar profissionais com

escolaridade de nível médio, superior e pós-graduação; promover conhecimentos

tecnológicos do trabalhador em nível de especialização, aperfeiçoamento e

atualização; e qualificar, reprofissionalizar e atualizar os trabalhadores independente

de sua escolaridade.

4.5.2. Formas de Realização da Educação Profissional

A reforma da educação profissional prevê, segundo o Decreto nº 2.208/97, dois tipos

de formação: a formal em instituições especializadas e a não-formal, adquiridas por

diversos meios, e até no trabalho. “Educação profissional articulada com o ensino

regular ou por diferentes estratégias de educação continuada, em instituições

especializadas ou no ambiente de trabalho”. (Art. 40, Lei nº 9.394/96; Art. 2, Decreto

nº 2.208/97).

4.5.3. Níveis da Educação Profissional

O Decreto nº 2.208/97 define três modalidades de educação profissional: básico,

técnico e tecnológico, que corresponde aos níveis de ensino fundamental, médio e

superior.

O primeiro nível – básico – Trata-se de qualificação ocupacional dirigida aos

jovens e adultos que não tiveram oportunidade de freqüentar a escola regular e,

para aqueles que estejam cursando o ensino fundamental e queiram ter uma

formação específica para o exercício de uma ocupação. A educação profissional de

nível básico de modalidade não-formal e de duração variável poderá ser realizada

em instituições de educação profissional públicas ou apoiadas pelo poder público

88

através de cursos básicos para alunos de educação fundamental e trabalhadores

(independente da escolarização). Esses cursos terão certificação profissional.

Os cursos de curta duração ou de módulos independentes serão oferecidos segundo

a lógica do mercado, através da identificação de perfis, estudos de demanda e

acompanhamento de egressos. São cursos que atingirão a maioria da população,

pois cerca de dois terços da população brasileira economicamente ativa (PEA) entre

25 e quarenta anos de idade não possui escolaridade de nível fundamental e precisa

de alternativas de qualificação profissional.

O segundo nível – técnico – é destinado aos matriculados ou egressos do ensino

médio; oferta profissionalização em áreas definidas mediante habilitações

profissionais, formação que pressupõe conhecimentos técnicos e científicos

embasados na educação geral. O nível técnico será organizado independentemente

do ensino médio, oferecido de forma seqüencial ou concomitante, ministrado por

instituições públicas e privadas, de âmbito federal, estadual ou municipal e

estruturado por áreas ou setores da economia. Pode ser organizado de duas formas:

estruturada ou modulada. Os sistemas federal e estaduais, através de exames,

poderão certificar as competências objetivando a dispensa de disciplinas ou módulos

de cursos técnicos.

O ensino modular possibilita que a qualificação e habilitação profissional sejam

obtidas através da soma de certificados de comprovação de competências e

habilidades, de aproveitamento de créditos das disciplinas profissionalizantes da

parte diversificada do currículo. A forma modular facilita a fragmentação e a

desarticulação da formação técnica e acadêmica.

Os currículos35 dos cursos de ensino técnico, segundo o Decreto nº 2.208/97, serão

definidos a partir de parâmetros nacionais, mantendo a concepção de currículo

básico por habilitação profissional. Às instâncias subnacionais – estados – caberá a

definição de apenas 30% do conjunto do currículo proposto. A definição de um

núcleo de conhecimentos e habilidades comuns por área ou setor da economia,

35 Currículo é aqui definido como conteúdos e práticas relevantes em determinado momento histórico,transmutados para a escola (WILLIAMS, R. 1984. Culture. London: Falmer Press).

89

acessível a todos os estudantes de cursos técnicos no país e que seria

complementada por conhecimentos de base estadual ou regional, é o eixo central da

concepção de parâmetros curriculares propostos pelo Ministério da Educação.

A questão da formulação dos currículos, base para a elaboração de uma concepção

de formação profissional, contém muitas controvérsias. Os documentos formulados

pelo Ministério da Educação contribuem para diferentes interpretações.

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional apresenta uma concepção de

currículo do ensino médio como aquele que combina a formação geral com a

preparação para o trabalho, sugerindo que é possível organizar o ensino médio com

uma parte de formação profissional:

“O ensino médio, atendida a formação geral do educando, poderáprepará-lo para o exercício de profissões técnicas” (art. 36, Lei nº9.394/96).

Também o Decreto nº 2.208/97 permite que o currículo seja organizado com uma

parte (25%) diversificada de conteúdo e práticas profissionalizantes. A novidade é

que as disciplinas (e práticas) profissionalizantes poderão ser aproveitadas nos

cursos de formação profissional de nível técnico, repondo o problema da

fragmentação entre a educação técnica e a acadêmica.

O documento do MEC que orienta o debate e formulação do Plano Nacional de

Educação afirma que “essa preparação para o trabalho pode incluir disciplinas que

capacitem os alunos para exercitarem atividades profissionais no setor terciário da

economia” (p. 26 e 27). Esta orientação apresenta uma possibilidade de

profissionalização no interior do próprio ensino médio. Sugere também que a

formação de técnicos para área de serviços seja realizada com menor requerimento

educacional.

“A reforma do ensino médio é dupla. De um lado, permite uma partediversificada no currículo, na qual podem ser oferecidas disciplinasque preparem para o trabalho e possam ser aproveitadas nocurrículo de habilitação profissional e que eventualmente venham aser cursadas, independente de exames específicos. Essas

90

disciplinas podem também propiciar o ingresso imediato do aluno nomercado de trabalho em ocupações no setor terciário da economia.De outro, permite a oferta de cursos técnicos concomitantementecom o ensino médio, podendo o aluno cursá-lo no mesmoestabelecimento ou em instituições especializadas” (MEC : p. 30).

Quanto às relações entre ensino médio e formação profissional, os documentos

governamentais possibilitam diferentes arranjos curriculares.

O terceiro nível – tecnológico – é destinado aos egressos do ensino médio ou

técnico. Corresponde ao curso superior e é dirigido à preparação de tecnólogos

busca-se o domínio de processos de trabalho adquiridos mediante conhecimentos

teóricos e práticos. Este nível se organiza através de cursos superiores estruturados

de acordo com os setores da economia, e responde a uma concepção já

consolidada de que os cursos de nível superior são dirigidos a formar profissionais.

4.6. PARECER 16/99

Neste parecer, duas indicações do Aviso Ministerial nº 382/98 são consideradas

premissas básicas: as diretrizes devem possibilitar a definição de metodologias de

elaboração de currículos a partir de competências profissionais gerais do técnico por

área; e cada instituição deve poder construir seu currículo pleno, de modo a

considerar as peculiaridades do desenvolvimento tecnológico com flexibilidade e a

atender as demandas do cidadão, do mercado e da sociedade.

Nesta construção, a escola deve conciliar as demandas identificadas, sua vocação

institucional e sua capacidade de atendimento. Além disso, as diretrizes não devem

se esgotar em si mesmas, mas conduzir ao contínuo aprimoramento do processo de

formação de técnicos de nível médio, assegurando sempre a construção de

currículos que atendam aos princípios de flexibilidade e de laborabilidade,

indispensáveis à inserção e reinserção profissional desses técnicos no mercado de

trabalho atual e futuro.

Considerando, portanto, essa concepção de educação profissional consagrada pela

LDB e, em sintonia com as diretrizes curriculares nacionais já definidas, as

91

presentes diretrizes caracterizam-se como um conjunto articulado de princípios,

critérios, definição de competências profissionais gerais do técnico por área

profissional e procedimentos a serem observados pelos sistemas de ensino e pelas

escolas na organização e no planejamento da educação profissional de nível

técnico.

Nesse sentido, as matrizes, revisadas e atualizadas a partir do Parecer CEB/CNE nº

16/99 e da resolução CEB/CNE nº 04/99, são apresentadas como Referenciais

Curriculares Nacionais para a Educação Profissional. O foco central deste parecer

está em responder ao novo perfil que laborabilidade ou a trabalhabilidade vem

assumindo. Assim a nova educação profissional desloca o foco do trabalho

educacional do ensinar para o aprender, do que vai ser ensinado para o que é

preciso aprender no mundo contemporâneo e futuro.

Em síntese, a realização competente de uma educação profissional tem nela

agregados saberes cognitivos, psicomotores e socioafetivos. A competência

caracteriza-se, essencialmente pela condição de alocar esses saberes, como

recursos ou insumos, através de análises, sínteses, inferências, generalizações,

analogias, associações, transferências, ou seja, de esquemas mentais, adaptados e

flexíveis, em ações própria de um contexto profissional específico, gerando

desempenhos eficientes e eficazes.

A tabela 1 identifica os pontos essenciais da mudança de paradigma que está no

núcleo da reforma da educação, particularmente da educação profissional.

92

Tabela 4.1. – Mudança de Paradigma da Educação Profissional

Paradigma em Superação Paradigma em Implantação

Foco nos CONTEÚDOS a serem

ensinados

Foco nas COMPETÊNCIAS a serem

desenvolvidas / nos SABERES ( saber,

saber fazer e saber ser) a serem

construídos.

Currículo como fim, como conjunto

regulamentado de disciplinas.

Currículo como conjunto integrado earticulado de situações-meio,

pedagogicamente concebidas e

organizadas para promover aprendizagens

profissionais significativas

Alvo do controle oficial:

Cumprimento do Currículo.

Alvo do controle oficial: geração dasCompetências profissionais gerais.

Fonte: Mec/2000

É importante ressaltar, que essa renovação não se fará sem a ruptura com o modelo

pedagógico tradicional, ao qual estamos histórica e fortemente vinculados, e sem

uma corajosa e responsável vontade de, efetivamente, revolucionar (MEC, 2000).

Vimos nesse capítulo o processo histórico do surgimento da educação profissional

no Brasil e em São Paulo. Compreendemos através desse resgate histórico como

desenvolveu-se os modelos pedagógicos de educação, a partir das mudanças que

ocorreram no mundo do trabalho e das relações sociais. As reformas aqui citadas

demonstram claramente a tentativa de responder as mudanças caracterizadas pelo

momento. Entretanto, constatamos que o modelo pedagógico foi sendo ajustado ao

longo da história para atender às demandas da divisão social e técnica do trabalho,

marcada pela clara definição de fronteiras entre as ações intelectuais e

instrumentais, ou seja a pedagogia taylorista-fordista. As instituições de ensino, por

93

sua vez, também foram ajustadas ao longo da história para atender às demandas

da divisão social e técnica do trabalho.

Em decorrência das transformações atuais no mundo do trabalho, o universo das

organizações passa a ser invadido pelos novos procedimentos de gerenciamento. O

novo discurso refere-se a um novo tipo de trabalhador. Portanto, o objetivo

educacional a ser atingido é preparar os alunos para lidar com a incerteza,

substituindo a rigidez pela flexibilidade, de modo a atender a demandas dinâmicas,

que se diversificam em qualidade e quantidade. Portanto, analisaremos no próximo

capítulo como uma instituição de ensino se prepara para atuar nesse novo contexto.

94

Capítulo 5

95

Capítulo 5

A Instituição de Ensino Frente as Novas Demandas

Nesse capítulo será apresentado as características do Ceeteps, diagnóstico de sua

gestão atual, assim como também as propostas de mudanças quanto à sua gestão

institucional. Essas mudanças privilegiam o atendimento às novas demandas do

mercado de trabalho conforme vimos no capítulo I. Antes de desenvolver a análise

da gestão do Ceeteps, é importante concentrar o foco de atenção na compreensão

da instituição de ensino como um todo e na sua inter-relação com os demais

agentes do ramo de atividade – setor educacional – ao qual pertence, na análise das

finalidades e missão, bem como na indentificação de produtos, mercados,

fornecedores, concorrentes e órgãos normativos oficiais. Tal compreensão não só

permitirá estabelecer traços comuns a uma instituição de ensino, mas também

delinear as estratégias inerentes a uma instituição de ensino típica.

5.1. Caracterização de uma Instituição de Ensino

Adotando um enfoque sistêmico, poder-se-ia representar uma instituição de ensino

como um macrosistema, em permanente interação com o meio ambiente.

Insumos, produtos e clientes

FORNECEDORES == Insumos=== IE === Produtos === CLIENTES

Tachizawa e Andrade36, nos falam que:

“Por fornecedores entendem-se as entidades/agentes que fornecemrecursos à instituição de ensino, na forma de bens, serviços, capital,materiais, equipamentos e demais recursos, que por sua vezconstituem os insumos necessários às atividades internas dasinstituições de ensino. Nesse contexto, a figura do professor surgecomo o principal (colaborador ou parceiro) da instituição de ensino”(40:1999).

E por sua vez clientes internos são representados:

36 Takeshy Tachizawa e Rui Otávio Bernardes de Andrade: Gestão de Instituições de Ensino- 1999

96

“Pelos funcionários da instituição de ensino e, principalmente, pelosalunos/estudantes. Estes últimos podem ser considerados, ainda,clientes intermediários, enquanto alunos, convivendo com ainstituição e recebendo conhecimentos ao longo do processo ensino-aprendizagem. As organizações, empregadoras dos alunosformados pelas instituições de ensino são consideradas, para efeitodesse estudo, os clientes finais (ou mercado)”(40:1999).

Por produto, em sentido amplo entende-se que:

É o resultado e uma série de atividades realizadas internamente nainstituição de ensino, entende-se o profissional formado de acordocom as especificações sinalizadas pelo mercado. Em sentido estrito,poderiam ser considerados produtos os serviços educacionais, comoos resultados de pesquisa, serviços de consulta e outros serviçosdemandados pela comunidade.

Mercado é subentendido como:

“O conjunto de clientes externos, constituído das organizações quepotencialmente irão absorver os profissionais formados e colocadosdisponíveis pelas instituições de ensino. Dessa forma, empresaspúblicas e privadas, indústrias manufatureiras, organizaçõesgovernamentais e demais entidades, que constituem os diferentessetores da economia, são os clientes finais do produto (profissionalformado) colocado à disposição da comunidade”( 40:1999).

Assim, para esses autores, um dos grandes problemas com que se defrontam as

organizações, inclusive as instituições de ensino, é a visão extremamente

segmentada, setorizada que a maioria tem delas mesmas. Isto leva a conflitos e

divergências operacionais que minimizam o resultados dos esforços. Com relação a

uma instituição de ensino, deve-se adotar uma visão sistêmica, global, abrangente e

holística, que possibilitaria perceber as relações de causa e efeito, o início, o meio e

o fim, ou seja, as inter-relações entre recursos captados e valores obtidos pela

instituição.

A adoção do enfoque sistêmico permite que a instituição de ensino analise o meio

ambiente e defina o cenário provável, à longo prazo, a partir do qual se delineiam

objetivos institucionais e respectivas estratégias para atingi-los. Posteriormente, são

identificados processos sistêmicos-chave indispensáveis para dar suporte a tal

97

delineamento estratégico. A instituição de ensino deve ser visualizada como um

conjunto de partes em constante interação, constituindo-se um todo orientado para

determinados fins e, em permanente relação de interdependência com o ambiente

externo. A adoção do enfoque sistêmico, que considera a instituição um

macrosistema – aberto interagindo com o meio ambiente, pode ser entendida como

um processo que procura converter recursos em produtos – serviços educacionais –

em consonância com seu modelo de gestão, missão, crenças e valores corporativos

(Tachizawa, Andrade: 1999).

A abordagem sistêmica, presente em todos os elementos do modelo de gestão,

visualiza a instituição de ensino de fora para dentro, de cima para baixo e do geral

para o particular. Esses são os maiores desafios para as instituições de ensino

profissional. Tendo esse raciocínio como escopo de nosso trabalho, optamos por

fazer um diagnóstico da estrutura organizacional de uma instituição de ensino

profissionalizante, que está nesse momento redefinindo suas formas de gestão

interna, o Centro Paula Souza.

5.2. Centro Estadual de Educação Tecnológica Paula Souza – CEETEPS

O Ceeteps é uma autarquia de regime especial, mantida pelo governo do Estado de

São Paulo, “vinculada e associada à Universidade Estadual Paulista“ Julio de

Mesquita Filho – UNESP. Foi criada pelo governo do estado de São Paulo, por

Decreto-Lei de 06/10/69, e instalada em 1970. Na sua criação foram explicitadas as

seguintes diretrizes:

“Incentivar ou ministrar cursos de especialidades correspondentesàs necessidades e características dos mercados de trabalhonacional e regional, promovendo experiências e novas modalidadeseducacionais, pedagógicas e didáticas e o seu entrosamento com otrabalho; e formar pessoal docente destinado ao ensino técnico, emseus vários ramos e graus, em cooperação com universidades degraduação de professores; desenvolver outras atividades quepossam contribuir para a consecução de seusobjetivos”(Motoyama:468:1995).

98

Em 1976, com a criação da Unesp, o Ceeteps transformou-se em uma “entidade

associada à Unesp, vinculada para fins administrativos e associada para fins de

ensino e pesquisa”. A partir de então, o reitor da Unesp passou a designar o

conselho deliberativo e o diretor-superintendente passou a ser designado pelo

governador com base em uma lista tríplice enviada pelo reitor. No entanto, o

CEETEPS, na sua origem, não era responsável por cursos técnicos de 2º grau,

estando sob sua jurisdição apenas as Faculdades de Tecnologia. Essa

responsabilidade foi assumida gradativamente pela instituição face a dificuldade

encontrada pela Secretaria da Educação para continuar administrando a rede de

ensino técnico existente no estado após os sucessivos percalços desencadeados

pela vigência da Lei nº 5692/71. Assim, o CEETEPS assumiu, inicialmente, um

grupo restrito de 18 escolas técnicas. Nos anos 90, a Secretaria da Educação abre

mão da gestão das restantes escolas da rede estadual de ensino técnico, que

passam a fazer parte do quadro da Secretaria Estadual de Ciência e Tecnologia.

Desde essa época a supervisão e gerenciamento das 99 escolas técnicas

estaduais, então existentes, passou a ser realizada pelo CEETEPS, todas elas

funcionando de acordo com as determinações da LDB então vigente, assim para

Motoyama:

“O Centro foi criado em 1969 para formar técnicos e tecnológos,sendo esta sua primeira atribuição; formar professores para o ensinotécnico, a segunda e a terceira, dar as formações possíveis eimaginárias na área do trabalho. Ele já nasceu com essa idéia erealmente mostrou que era competente para isso, quando em 1981recebeu seis escolas, e mais seis em 1982. Nessa ocasião, estavatudo pronto para receber as outras- com a mudança de governo istonão se concretizou. Depois, o Centro gerou duas escolas,mostrando, enfim, uma vocação pública também para o ensino 2ºgrau. As 82 escolas estavam em situação indefinida, saíram da rededa Secretaria da Educação e foram para uma secretaria que nãotinha afinidade com ensino, ficando sem a devidaatenção”(Motoyama:434:1995).

Atualmente o CEETEPS está presente em 90 munícipios paulistas, com 8 mil

funcionários e atende cerca de 90 mil alunos em cursos regulares e

aproximadamente 40 mil por ano em cursos de qualificação profissional, atualização

e reprofissionalização, assim :

99

“As FATECs oferecem 17 habilitações diferentes, enquanto as ETEsoferecem 41 habilitações. Semestralmente são abertas 1610 vagaspara as FATECS e aproximadamente 27 mil vagas anuais para asETEs, atendendo desta forma, cerca de 84 mil alunos, tornando-se omaior núcleo de desenvolvimento técnico- tecnológico da AmericaLatina ( SINTEPS, 1996).

A tabela a seguir demonstra os cursos, vagas e número de inscritos dos cursos

técnicos mais procurados nas escolas técnicas estaduais:

Tabela 5.1. - Alunos inscritos nos cursos técnicos mais procurados

CURSO VAGAS INSCRITOS DEMANDA

Auxiliar de Enfermagem 1.188 7.876 6,63

Telecomunicações 325 2.024 6,23

Mecatrônica 430 2.643 6,15

Informática 2.902 14.812 5,10

Nutrição e Dietética 940 4.337 4,61

Administração 2.315 10.028 4,33

Eletrônica 1.473 5.572 3,78

Turismo 735 2.584 3,52

Fonte: Vestibular 2000 – Ceeteps

O Ceeteps oferece atualmente 52 habilitacões, e neste último vestibular ofereceu

21.817 vagas, tendo um total de 78.340 inscritos, o que corresponde a uma

demanda de mais ou menos 4 candidatos por vaga. Esses dados nos mostram que

o Ceeteps é uma instituição expressiva no Estado de São Paulo, daí a importância

de reforçar práticas de ensino à necessidade da demanda.

5.3. Diagnóstico da Gestão atual do Ceeteps

O Ceeteps mantém uma rede pública de ensino técnico considerada, por diferentes

análises e documentos, como de boa qualidade e bem próxima à concepção

100

politecnica. Os princípios e padrões aceitos e mantidos pelos indivíduos que

compõem a organização estão referidos à missão tal como definida no regimento de

1981, que caracteriza o Ceeteps como uma organização de ensino regular. Outro

valor é a cultura da excelência desse ensino, que merece ser estimulado

continuamente.

O Ceeteps hoje é uma organização tradicional, piramidal e segmentada por

especialização. Esse desenho respondia à história da instituição, à forma pela qual

ela foi incorporando o ensino técnico de 2º grau e o ensino técnico de 3º grau e,

marginalmente, cursos de educação profissional básica. Nesse modelo esses três

conjuntos são independentes, e dificuldades de articulação são estimuladas pela

departamentalização vigente. Outro aspecto importante a ser considerado, é o curto

período em que o Ceeteps recebeu a maior parte das escolas (1994). Isso ocorreu

no momento em que as escolas recebidas em 1981 haviam formado um grupo, para

ser interlocutor junto à administração central. Com a ampliação da rede e do corpo

funcional do Ceeteps, houve a inserção de elementos culturais e de práticas de

trabalhos externos, que foram sendo absorvidos ao longo do tempo, mas que, por

outro lado, romperam a unidade que havia na rede anteriormente.

Esse diagnóstico confirma que o modelo de gestão do Ceeteps estava voltado para

dentro, ou seja para os processos de funcionamento das unidades escolares e da

instituição em si. Assim, o Ceeteps mantém uma postura reativa e não pró-ativa na

sua relação com o mercado empregador. Essa postura é resultado em grande parte

pela lentidão de resposta ocasionada por dificuldades burocráticas e jurídicas. Isso

ocorre tanto no estabelecimento de parcerias com empregadores quanto na criação

de novos cursos. Parte dessas dificuldades podem ser atribuídas ao fato de que

toda instituição pública está submetida às normas de direito público, o que impõe

grande complexidade à gestão, uma vez que impõe ritos e procedimentos morosos,

rígidos e onerosos. Para Aguiar o problema é explicado ainda pela postura reativa e

não pró-ativa da Instituição, na sua relação com o mercado empregador (Aguiar,

1998:41 in Fundap).

Explica, também essa postura reativa, ou a pouca interação da Instituição com o

mercado empregador, o fato de nem toda unidades escolar estar suficientemente

101

equipada (equipamentos, laboratórios, bibliotecas) ou seja, haver um desequilíbrio

na capacidade tecnológica das escolas. Isso contribui para o distanciamento uma

vez que, por um lado, o mercado não reconhece a possibilidade de contribuição da

escola, e por outro, a escola se inibe ante uma possível capacidade tecnológica

maior dos empregadores, além de não fazer parte da cultura empresarial uma

interação com o setor educacional público que resulte em uma demanda definida e

estruturada.

Quanto à criação de novos cursos, contribui para maior dificuldade a vinculação com

a Universidade na medida em que o Ceeteps é para ela um satélite afastado das

suas prioridades, mas submetido aos seus procedimentos e agenda. O professor

Marcos Monteiro37 nos fala da fragilidade do vínculo entre a Unesp e o Ceeteps,

evidenciando que é um dos maiores obstáculos para o cumprimento da proposta de

reforma do ensino.

Comprovadamente, essas diferenças, de certa forma previstas, tornaram-se mais

acentuadas conforme os objetivos das duas instituições foram se delineando.

Assim, vale destacar que o Centro Paula Souza, como instituição profissionalizante,

caracteriza-se por políticas diferenciadas de atendimento, tendo em vista as várias

regiões do Estado de São Paulo em que se faz presente. Portanto a fragilidade do

vínculo torna-se evidente, quando se pensa que:

• Embora o Conselho Universitário da UNESP se manifeste sobrealgumas questões administrativas com implicações econômico-financeiras, o Centro Paula Souza tem orçamento próprio;

• O vínculo não representou condição essencial nas ações isoladasdos trabalhos conjuntos não sistemáticos;

• O Centro Paula Souza, como autarquia de regime especialmantém orçamento sob a responsabilidade das Secretarias daFazenda, Planejamento, Ciência e Tecnologia bem como doTribunal de Contas do Estado, não representando relevânciaorçamentária qualquer outro vínculo (Jornal –Ceeteps-jun/2000).

Dessa forma, o projeto que tramita na Assembléia Legislativa do Estado de São

Paulo, que solicita a desvinculação do Centro da UNESP para vinculação direta à

Secretaria de Ciência, Tecnologia e Desenvolvimento Econômico do Estado de São

Paulo, atende à necessidade da nova condição da instituição no século XXI, com

102

maior autonomia e mobilidade para criar novos cursos, reciclar os já existentes,

capacitar professores e sintonizar com o que de mais moderno se produz no

mundo(Monteiro:2000).

Assim, Monteiro ressalta que é importante esclarecer:

• A desvinculação do Centro Paula Souza da Unesp não altera ostatus dos cursos ministrados pelas Fatecs, que continuarãosendo de nível superior;

• Não haverá modificação na dotação orçamentária ou na políticade remuneração de servidores e professores, considerando queserá mantida a mesma política adotada há cinco anos, totalmenteindependente das demais entidades vinculadas à Secretaria deCiências e Tecnologia;

• As novas diretrizes e políticas da instituição requerem a estreitaintegração com o setor produtivo, prevêem a ampliação deparcerias entre as escolas e as empresas, privadas ou públicas,não significando, com essa orientação, que o Centro PaulaSouza caminhe para a privatização.

Essa questão, no entanto, é considerada pela direção um dos maiores obstáculos

para implantação das mudanças preconizadas na nova legislação.

Diante dos problemas levantados, a instituição se viu obrigada a desenvolver um

plano de ação que signifique não somente a separação entre ensino médio e ensino

profissional, reequacionando-os, mas sobretudo a transformação do seu modelo de

gestão, criando e desenvolvendo os instrumentos (sistemas) necessários ao novo

modelo, criando condições para a mudança da cultura organizacional, a revisão dos

sistemas existentes e o melhor equacionamento do financiamento da rede de ensino

profissional.

Quanto ao padrão que caracteriza o Ceeteps como organização de ensino regular,

pode-se afirmar que seja um obstáculo à mudança ocorrida na missão institucional.

Ainda que permaneçam os cursos de ensino regular, a educação técnica foi

separada do ensino médio, o que exigiria uma mudança importante nas escolas. A

educação profissional modular passou a receber nova ênfase, desvinculada da

37 Marcos Antonio Monteiro é Diretor Superintendente do Centro Paula Souza.

103

escolaridade, e que exige um movimento contínuo de antecipação e de adequação

às necessidades e demandas do mundo do trabalho.

Um outro padrão que faz parte da cultura organizacional do Ceeteps, mas que é um

obstáculo à inovação, é o deslocamento do processo decisório do nível local, que

permanece concentrado no nível central da organização. O nível local parece

identificar as decisões como “decisões do Paula Souza” ou lá de cima”. E o nível

central gesta solitariamente normas e práticas que passam a ser regras a serem

cumpridas pelo nível local e são objeto de uma supervisão que é formal mas não de

conteúdo. Essa questão também tem, é claro, relação com o perfil dos dirigentes e

profissionais do nível local, muito referidos ao próprio espaço da escola. Esse

padrão, de qualquer modo, leva à desresponsabilização do nível local pelos

resultados e dificulta a introdução de novas posturas e posições proativas

necessárias para que o Ceeteps construa sua nova inserção.

Todas essas situações foram vivenciadas e percebidas no dia a dia, por ocasião do

exercício de nossa função como professora. Ao manter vínculo empregatício em

duas unidades do Ceeteps, convivemos e partilhamos com os colegas de trabalho,

as dificuldades de desempenhar um trabalho com qualidade, ora por deficiências

quanto à disponibilidade de recursos financeiros, humanos, estruturais e

tecnológicos, ora pela estrutura burocrática presente na gestão escolar. A exemplo

de uma situação burocrática, podemos citar a interrupção de um trabalho

desenvolvido em uma das escolas, por obedecer o critério de contratação por prazo

determinado (Conforme CLT). O problema não é contratar o professor por prazo

determinado, o problema se dá quando o prazo encerra e o profissional deve ser

afastado da instituição, podendo retornar apenas depois de seis de afastamento.

Esse procedimento frequentemente causa transtornos de ambos os lados, pois a

instituição se vê obrigada a substituir esse profissional, dificultando assim o seu

retorno, o trabalho é interrompido e consequentemente a qualidade do produto final

e a satisfação ficam comprometidas.

104

5.4. A nova organização do Ceeteps

A partir das mudanças no cenário, identificadas e detalhadas nos estudos

realizados, reforçaram a necessidade de reestruturar o Ceeteps, qualificando-o

como uma organização pró-ativa na articulação com a sociedade e o mundo do

trabalho, não só no tocante à escolha de conteúdos e formatos dos módulos, mas

também com relação às próprias possibilidades de integração.

A nova organização deve privilegiar sua atuação extramuros, no processo de

tomada de decisão, perfil e instrumentos gerenciais, de modo a preparar o Ceeteps

para gerenciar uma nova situação em um novo cenário. Dessa forma, uma proposta

básica de reorganização do Ceeteps teve origem no desencadeamento do processo

de planejamento, nas perspectiva do planejamento estratégico, com a redefinição da

missão e o estabelecimento de um elenco de objetivos estratégicos, ou seja,

objetivos que orientam o comportamento da organização como um todo para

direcionar o seu processo decisório.

Nessa dimensão a proposta do novo modelo de gestão privilegia a descentralização

e a concepção de atuação em rede. A concepção de rede considera não apenas a

rede de escolas, mas sim articulação de uma rede de parcerias, visando alcançar

efeitos sinérgicos de inserção da clientela no mercado de trabalho regional.

Desse modo, as questões básicas que nortearam a proposta de um modelo básico

para a reorganização do Ceeteps foram:

• a necessidade de voltar a organização para o mundo do trabalhoe para integração com a comunidade;

• a oportunidade de promover a articulação do Ceeteps com outrasinstituições científicas e tecnológicas;

• a necessidade de superar a dicotomia interna na gestão dosdiferentes níveis de ensino;

• a promoção de uma nova articulação da rede, cuja ampliaçãonão foi planejada;

• a reorientação do modelo de gestão, com ênfase em resultados;• a introdução planejada de um conjunto de inovações, buscando

sua inserção na cultura organizacional.

105

Em linhas gerais as mudanças vem sendo implementadas gradativamente em cada

unidade da rede. Refere-se a uma abordagem responsiva às necessidades de

preparação da área técnico-pedagógica, de articulação com o setor produtivo e a

sociedade e de reordenamento jurídico institucional para viabilizar a nova educação

profissional em São Paulo. Isso significa tornar o Ceeteps capaz de realizar a

educação profissional em nova perspectiva pedagogica, de articular-se ativamente

com o setor produtivo e outros segmentos da sociedade civil.

Para ilustrar tais propostas levantamos dados sobre algumas ações que estão se

concretizando norteadas por essa proposta de reorganização:

“Curso de Mecatrônica e Logística Industrial oferecido exclusivamente aosfuncionários da Scania e Kolynos ETE- Lauro Gomes”

Nessa articulação entre o Ceeteps e a empresa, a Kolynos assumiu 70% dos

custos do curso, cobrando os 30% dos seus funcionários. O curso é oferecido nos

espaços da escola, com obrigatoriedade de estágio na empresa.

O grande desafio para a escola nesse convênio é atender a expectativa da empresa,

proporcionando formação em nível médio aos colaboradores da empresa, no prazo

de um ano meio, por meio do curso Supletivo do Ensino Médio Profissionalizante.

Em entrevista com o Professor38 coordenador desse projeto, o mesmo nos disse:

“A grande dificuldade encontrada em ministrar essas aulas é quemuito embora os alunos tenham a escolaridade mínima exigida parao curso, muitas vezes torna-se necessário rever os conhecimentosbásicos, como por exemplo matemática e português. Esse fato temocorrido com frequência, uma vez que os alunos – trabalhadoresencontram-se afastados dos bancos escolares, alguns até com maisde 10 anos”.

Este tipo de dificuldade leva a escola a oferecer um módulo de aulas básicas de

forma a resgatar os conhecimentos básicos.

38 Antonio Garcia de Morais, responsável pela coordenação de cursos na área técnica (mecânica, indústria, etc)na ETE Lauro Gomes, nos cedeu entrevista em 10/01/2001

106

Outro grande obstáculo que merece destaque está relacionado ao perfil do

professor que irá ministrar essas aulas. É preciso que esse profissional esteja

engajado com as mudanças tecnológicas, tenha experiência prática e esteja

atualizado frente a realidade prática. Nos últimos anos, a desqualificação profissional

sofrida pela categoria dos professores tem sido grande e se verifica principalmente

na progressiva deterioração dos salários, o que representa, do ponto de vista do

professor, uma desatualização constante. Sem contar que há uma enorme distância

entre o perfil de professor que a realidade atual exige e o perfil de professor que a

realidade até agora criou.

Por outro lado Myrtes Alonso39, enfatiza que é importante levar em consideração que

os professores muitas vezes se vêem diante de uma situação totalmente nova,

embora reconheçam a necessidade de redimensionar o seu trabalho e buscar novas

bases para o ensino, via de regra encontram-se despreparados, mal informados e

sem condições de, sozinhos, enfrentarem tantos desafios (1999, 11).

“Os desafios são muito grandes e os professores diante deles maisparecem pigmeus. A seu favor tem muito pouco, sua frágil eultrapassada formação, suas crenças – especialmente no queconcerne à capacidade humana de aperfeiçoamento – e quem sabe,seu ideal em termos de educação”(1999, p 10).

Assim como esta autora, acreditamos que as propostas de mudanças de uma

instituição precisam ser analisadas não somente considerando-se seus objetivos

bem intencionados, mas também aqueles que operacionalizarão essa proposta, que

são os professores. No entanto, uma análise mais profunda sobre o papel do

professor ampliaria o foco de nosso trabalho que é a parceria entre empresa e

escola.

39 Alonso, Myrtes (org), Queluz, Ana Gracinda (orient) . O Trabalho Docente – Teoria & Prática- Pioneira, SãoPaulo, 1999.

107

Curso de Logística – ETE Horácio Augusto

A experiência na introdução do curso de Logística nesta escola, também merece

destaque, uma vez que houve dificuldade também na preparação dos conteúdos a

serem ministrados. Dificuldade também associada a falta de profissional com

conhecimento prático na área.

Cabe ressaltar que não podemos manter nossa análise restrita aos cursos

oferecidos na grande São Paulo, o Ceeteps é uma rede que mantém mais de100

escolas técnicas presente em vários Municípios do Estado de São Paulo, assim

algumas iniciativas, portanto já acontecem conforme abaixo relatamos:

Atendimento domiciliar: “O enfermeiro bate a porta” a vanguarda daenfermagem

As ETES de Araraquara, Oswaldo Cruz e Mocóca desenvolveram em convênio com

as prefeituras locais, um programa de assistência domiciliar de enfermagem. O

projeto tem pequenas variações entre as cidades, mas em todas o retorno da

população atendida é extremamente gratificante e o envolvimento dos alunos vai

além do cumprimento de horas-estágio, como diz uma aluna:

“No tratamento domiciliar você vê o paciente no meio em que elevive, orienta a família e dá apoio emocional (Jornal do Ceeteps -nº82- fev-2000)".

A ETE de Marília formou uma cooperativa-escola e desenvolve uma nova técnica no

plantio de mudas de maracujá. Essa técnica substitui os saquinhos de plástico, por

tubos de plástico, chamados de tubetes. O resultado é que as mudas ficam prontas

em 60 dias, ocupam menos espaços e são fáceis de transportar. A receita da

cooperativa vem garantindo o pagamento de diversas despesas da escola, como,

por exemplo, conserto de máquinas, compra de insumos e manutenção dos

equipamentos do setor produtivo.

108

São inúmeras as experiências que demonstram o esforço da instituição em manter

um nível de excelência em seus cursos profissionalizante. Entretanto, não cabe aqui

uma análise mais profunda sobre essas experiências. Vale, no entanto, demonstrar

que a instituição estabelece um canal de comunicação com a sociedade e privilegia

sua atuação extra-muros.

Cada Centro Regional de Educação Profissional será o articulador da rede das

atuais FATEC, ETE e ETAE sediadas nos vários municípios que compuserem a

respectiva região e através do seu potencial representado pelas escolas e seu

capital humano, fará uma ativa interlocução com a sociedade local e regional e

particularmente, com o setor produtivo. Já o nível central, deixando de ser normativo

e preocupado com processos, passará a ocupar-se essencialmente com a qualidade

e a avaliação de resultados, além de enfatizar, também, as articulações

interinstitucionais e com organizações científicas nacionais e internacionais. Assim,

passará a ter cinco áreas de apoio técnico e administrativo à produção de serviços e

bens:

1. Coordenação Pedagógica2. Articulação Interinstitucional3. Inovação Tecnologica4. Informação e Marketing5. Administração Geral

Junto ao Secretário de Ciência, Tecnologia e Desenvolvimento Econômico do

Governo do Estado de São Paulo e sob sua presidência, deverá ser instalado um

conselho como órgão de apoio à definição de políticas públicas de educação

profissional. Esse conselho deverá ter representação dos setores produtivos e de

inovações tecnológicas, de modo a orientar políticas de educação profissional em

São Paulo.

Assim, Laganá ressalta que um colegiado dessa natureza adquire grande

importância, pois pela primeira vez na história do país, a educação profissional teve

sua singularidade e o papel reconhecidos, explicitamente, na LDB e, portanto requer

a definição de suas políticas e diretrizes específicas harmônicas à educação regular.

109

Tais medidas tornam-se relevante quando o próprio senso apresenta através do

Jornal Folha de São Paulo de 25/10/2000:

“Sudeste concentra formação profissional”

“O Censo do Ensino Profissional – primeiro desse tipo e que foiapresentado ontem pelo MEC mostra que 55% das vagas no setorestão no Sudeste. A diferença entre a região e o restante do paíscresce de acordo com o nível do curso profissionalizante. No nívelmédio, em que o estudante precisa estar cursando o ensino médio, oSudeste concentra 57,7% das vagas. No tecnológico, que equivale aum curso de graduação de dois ou três anos, a concentração émaior - 65,6%. Nos cursos de nível básico, 86,6% dos alunos estãoem escolas particulares, que incluem o chamado sistema S (Senai,Senac, Sesi, Sesc, Senar e Senat). Os cursos tecnológicos tambémsão oferecidos pelo sistema privado, com 61% das vagas. Apenasas escolas de nível médio são, na maioria dos casos, públicas. Asfederais, estaduais e municipais juntas têm 56,4% dos alunos. Aintenção do MEC é usando o Programa de Expansão do EnsinoProfissional, aumentar o número de vagas gratuitas. O programafinancia a reforma e a construção de escolas profissionalizantes apartir de planos apresentados pelos Estados. O financiamento édado para escolas estaduais, municipais e comunitárias, que sãofinanciadas pelo governo e administradas por sindicatos ou outrasentidades” (FSP- Caderno Educação-out/2000).

Como vimos apenas as escolas de nível médio são na maioria públicas, e nessa

estatística inclui-se o Ceeteps, conforme podemos constatar através dos dados da

tabela a seguir

:

110

Tabela 5.2. - Número de Alunos e Turmas – 2º Semestre/2000

MODALIDADE DE ENSINOTOTAL DEALUNOS

TOTAL DETURMAS

MÉDIA DEALUNOSPOR TURMA

Supletivo Fundamental 79 2 40

Supletivo Médio 112 4 29

Médio – 1º Série 7.996 211 38

Médio – 2º Série 8.333 220 38

Médio - 3º Série 7.299 208 35

Técnico 1º Ciclo 16.405 418 39

Técnico 2º Ciclo 17.363 526 33

Técnico 3º Ciclo 8.057 285 28

Técnico 4º Ciclo 1.585 52 30

Qualificação Básica – 1º Ciclo 705 28 25

Qualificação Profissional – 1º e 2º Ciclo 2.638 78 33

Integrado (em extinção) 4º séries 7.717 256 30

Totais 78.289 2.288 34

Fonte: Banco de dados – Mapeamento das Escolas Técnicas - CEETEC – Setembro/2000

A tabela acima demonstra a concentração de alunos nos nível médio e técnico que

se constituem no maior público alvo da instituição, tendendo a crescer na

qualificação básica e profissional, sendo extinto o integrado40.

40 Para atender a reforma do decreto lei nº 2208/97, o (a) aluno (a) jovem ou adulto (a), que deseja se formar ehabilitar-se como técnico (a), deverá ingressar em escolas ou centros de Educação Profissional e estar cursandoou ter concluído o Ensino Médio em escolas voltadas, essencialmente, para o ensino básico. Na legislaçãoanterior o aluno ao matricular-se nas escolas do Ceeteps, poderia fazer o integrado, ou seja parte do ensinomédio(regular) e parte do ensino profissionalizante.

111

5.5. Perspectivas de Mudanças

Quando as organizações deparam-se com a necessidade de mudança muitas vezes

não sabem por onde começar e isto se transforma em um dilema. Não sabem se

iniciam por uma reforma administrativa ou por uma revolução de seus produtos. É

claro que essa duas questões estão intimamente imbricadas. Entretanto, uma

reforma administrativa, mesmo com foco na descentralização, tem o risco de

esgotar-se em si mesma, sem promover uma real mudança nos produtos e

resultados( Laganá:2000).

A mudança de valores e padrões é uma mudança de cultura que demanda

propósitos bem definidos. É também um processo que não se dá mediante normas,

mas pela implantação de práticas construídas em conjunto, ao longo do tempo. Um

processo decisório participativo, a ampliação da autonomia do nível local e a prática

de avaliação por resultados contribuem para introduzir novos valores e padrões.

Assim, Paulo Roberto Motta (1999) nos fala que na prática a mudança prescinde do

exame da realidade. O conhecimento da realidade se adquire pela adequação das

idéias e das teorias, e não pelo exame do fenômeno estudado. É a predominância

do pensamento sobre a observação. Preparar-se para a mudança é aprender

princípios e modelos ideais sobre gestão. Assim para Motta a mudança

organizacional ocorre quando:

“Altera-se a maneira das pessoas pensarem. Portanto, a únicamaneira de mudar é inculcar novos valores ou rearticular antigospara instituir um novo sistema de crenças. Conceber o mundo e avida de forma diversa redireciona o comportamento humano.Portanto, a mudança só tem sentido tomando-se o individuo comofoco e objeto exclusivo de análise”(Motta: 43:1999).

O movimento de mudança do Ceeteps se insere no processo de reforma

educacional em curso no país, e em especial, em São Paulo, orientado pela

112

proposta da lei de Diretrizes e Bases da educação Nacional – Lei 9.394/96 e o

Decreto 2.208/97.

“O novo marco legal pretende transformar a Educação Profissionaloferecida pelo Brasil para que responda, com maior eficiência eeficácia, às demandas do mercado de trabalho e aos requerimentosespecíficos do desenvolvimento econômico e social do país, compropósito de criar condições de empregabilidade para jovensingressos na População Economicamente Ativa – PEA, qualificar erequalificar mão de obra e contribuir para a elevação daprodutividade das empresas nacionais e melhoria da qualidade devida da população”(MEC/SEMTEC/PROEP, 1997 p.5).

Sucessivos movimentos de mudança quase sempre levam ao surgimento de

alguma resistência de todas as partes da organização. Dentre outras razões, isto

ocorre porque sentem dificuldade para estabilizar-se e passam a ser constantemente

pressionadas para dar novas respostas. As mudanças ameaçam valores,

concepções e formas de agir dos indivíduos. Vejamos nas palavras de Motta:

“A resistência se dá, em grande parte pelas limitações básicas queos seres humanos possuem para tratar assuntos não rotineiros, poisa dificuldade em enfrentar a complexidade das condições ambientaisde mudança faz com que as pessoas se adaptem e se conformemàs normas grupais, optando inconscientemente pelas atividadesrepetitivas” (1991: p 233).

É preciso, portanto, um grande esforço para coletivizar idéias novas, o que implica

uma ação de harmonização de interesses, percepções e tarefas diversas. Assim, o

Ceeteps efetivamente necessita de uma programação articulada de sensibilização

positiva para a mudança e para a aquisição de ferramentas modernas de

planejamento, avaliação e gerenciamento, além de ser indispensável a

transferência de informações sobre os sistemas e práticas existentes. Importante

também aproveitar o valor da excelência para municiar os dirigentes com o

instrumental do gerenciamento da qualidade, apostando no potencial que o Ceeteps

tem para tornar-se referência nacional na sua área de atuação.

Assim, a partir dessas informações, compreendemos que o Ceeteps está diante do

desafio de reorganizar a ação governamental na prestação de serviços de educação

113

profissional. Deve reorganizar-se para responder de maneira efetiva a nova

realidade e elaborar mecanismos para avaliar seu desempenho e de seus egressos

no mercado de trabalho. Ainda que permaneçam os cursos de ensino regular, a

educação profissional técnica foi separada do ensino médio, o que impõe uma

mudança importante nas escolas. Foi também introduzida uma nova ênfase na

educação profissional modular, desvinculada da escolaridade, que exige um

movimento contínuo de antecipação e de adequação às necessidades e demandas

do mundo do trabalho. Essas perspetivas certamente exigem um centro de formação

com um perfil de organização e de recursos humanos diferente de uma escola de

ensino regular. O dirigente desse centro precisará ser então um gerenciador de

projetos. É preciso ainda introduzir uma cultura de inovação e comportamento e, ou

seja construir novos valores.

Introduzir cultura de inovação, nos remete à metáfora41 da cultura indicada por

Morgan (1996), uma vez que essa metáfora ajuda a reinterpretar a natureza e o

significado das relações da organização com o ambiente. Morgan sugere que é

possível entender conceitos organizacionais corriqueiros, regras e procedimentos

como esquemas interpretativos através dos quais se constrói e é dado sentido à

realidade organizacional. Igualmente é possível compreender a maneira pela qual

uma organização dá sentido ao seu ambiente como um processo de reinterpretação

social. Assim o conhecimento que têm e as relações com o ambiente são extensões

da sua cultura, desde que se chegue a saber e a compreender o ambiente a partir

dos sistemas de crenças que guiam as interpretações e as ações.

Para efeito dessa dissertação interessa destacar que a construção de novas formas

de gestão devem privilegiar uma maior integração entre a instituição de ensino,

clientela e comunidade em geral. A participação das comunidades, dos segmentos

organizados da sociedade, e em particular o envolvimento de empresários e

sindicatos de trabalhadores, poderia garantir maior eficácia e eficiência no

planejamento, execução e gestão da educação profissional. Pode-se dizer que são

estratégias que enfatizam o eixo externo de avaliação, sempre em complementação 41Morgan utiliza a metáfora da agricultura para chamar a atenção sobre aspectos muito específicos dodesenvolvimento social. Isso para Morgan é uma metáfora que tem considerável relevância para o entendimentodas organizações. Explora a idéia de que a organização é em si mesma um fenômeno cultural que varia deacordo com o estágio de desenvolvimento da sociedade.

114

aos procedimentos de avaliação interna. Indica-se, em linhas gerais, um sistema de

avaliação que permita avaliar a eficiência e eficácia das ações desenvolvidas pelo

Ceeteps, considerando as demandas dos setores produtivos e dos mercados de

trabalho, as necessidades dos alunos e os requerimentos específicos do

desenvolvimento econômico e social .

O caminho escolhido pelo Ceeteps foi o de privilegiar uma revolução pedagógica e

uma nova inserção da educação profissional em São Paulo. A mudança

administrativa pela descentralização, é consequência dessa opção e deve ser

empreendida para viabilizá-la. Por isso, a ênfase no esclarecimento sobre qual é a

mudança pedagógica e de relações sociais que o Ceeteps busca conseguir nesse

momento, que se da através da inflexão de sua história e da história da educação

profissional em São Paulo.

As escolas também passarão a estabelecer uma relação mais dinâmica com a

sociedade local, na medida em que são interlocutores privilegiados dos educandos e

egressos, não apenas para gerar respostas às demandas locais, mas também para

perceber novas oportunidades e necessidades. O novo modelo supõe uma escola

que transborda seus muros e parte para a sociedade, acolhendo e buscando,

ocupando seus espaços tradicionais e novos espaços na comunidade, com classes

descentralizadas e, também, participando de atividades educacionais promovidas

por outros segmentos da sociedade local.

Os planos específicos de unidade da rede – FATECs, ETEs e ETAEs, deverão

contemplar uma perspectiva comum a todas as unidades, independentemente do

nível de ensino profissional oferecido. Sendo assim, Laganá nos fala que:

“O objetivo é que as unidades da rede se desenvolvam comoorganizações pró-ativas na articulação com a sociedade e com omundo do trabalho, não só no tocante à escolha de conteúdos eformatos dos módulos, mas também com relação à integração comesse ambiente” (ofício circular nº 024/00-Ceeteps/ 2000).

Dessa forma, para exemplificar a articulação da escola em atender a reforma –

decreto 2208/97 diz:

115

“Para a elaboração das diretrizes curriculares para o ensino técnico,deverão ser realizados estudos de identificação do perfil e dascompetências necessárias à atividade requerida, ouvido os setoresinteressados, inclusive trabalhadores e empregadores”.

Para demonstrar na prática a realidade de um procedimento de mudança, focamos

nossa atenção na área de articulação Interinstitucional, que é a área responsável

por promover e negociar parcerias com instituições nacionais e internacionais.

Nesse processo, o mundo empresarial e o mundo acadêmico se cruzam e

passam a discutir lado a lado as suas linhas de ação. Isso reforça a idéia de Dowbor

(1998) quando diz que os espaços do conhecimento não podem se dar apenas

dentro dos espaços da educação. Exige ampla participação e envolvimento de

segmentos empresariais, dos sindicatos, dos meios de comunicação, das áreas

acessíveis da política, dos movimentos comunitários, dos segmentos abertos, das

igrejas, etc. na gradual definição dos nossos caminhos para a sociedade do

conhecimento.

116

Capítulo 6

117

Capítulo 6

A Articulação – Formação da Parceria

Este estudo partiu da hipótese de que é necessário a conjugação de esforços no

estabelecimento de estratégias de cooperação para elevar o nível de qualificação

profissional da população, rompendo com a perspectiva tradicional fragmentada de

treinamento das empresas e de elaboração de currículo das instituições de ensino.

Portanto este capítulo tem como objetivo relatar a sinergia possível entre empresa e

instituição de ensino na elaboração de novas propostas pedagógicas. Não se trata

de buscar a construção de um modelo ideal de programa de qualificação profissional

e sim de demonstrar que há iniciativas que propõem um repensar integral nos

modelos dominantes.

Com base nessa observação, a Associação Nacional de Transportes42 e sua rede

de associados (Cia Metropolitano de São Paulo, Companhia de Engenharia de

Tráfego (CET), Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM) e São Paulo

Transportes (SPTrans) reúnem-se com o Ceeteps para elaboração de cursos

modulares para o nível técnico.

Ao justificar a importância da parceria o cunsultor da ANTP nos disse que com o

passar do tempo, com a evolução da sua própria história, a ANTP percebeu que

não adiantava somente atacar o problema do transporte público. A questão da

cidade esta relacionada ao transporte, que esta relacionado com o trânsito que por

sua vez relaciona-se com o uso do solo. Portanto, os grandes desafios se traduzem

em torno de três grandes eixos de ação:

“Desenvolvimento urbano, transporte e trânsito – que devem sertrabalhados de forma coordenada, dada a sua interação. Porexemplo: alterações no uso do solo geram novas demandas detransporte e trânsito, a criação de novos sistemas de transportesgera por sua vez alterações no uso do solo; a mudança nas

42 A Associação Nacional de Transportes Públicos é uma entidade civil criada em 1977 e voltada exclusivamenteao desenvolvimento do setor de transporte público urbano do Brasil, seu objetivo é desenvolver e difundirconhecimentos sobre o transporte público e urbano de passageiros. Possui mais de 270 associados, entre órgãospúblicos, empresas públicas e privadas, sindicatos e universidades (ANTP:1999).

118

condições de trânsito também pode gerar mudanças no uso do soloe nas condições do transporte público. Apenas uma açãocoordenada nas três áreas pode reduzir os problemas e desenharum espaço de circulação com mais qualidade e eficiência”.(ANTP:200043).

A urbanização acelerada e o aumento do número de veículos em circulação

provocam o agravamento dos problemas de trânsito e de transportes nas cidades.

Os custos deste modelo inadequado são social e economicamente altos e

inaceitáveis – acidentes, desconforto, redução das oportunidades de realização de

atividades, atrasos impostos à circulação de pessoas e mercadorias, degradação

das condições ambientais. Sendo assim, emerge a necessidade de preparar uma

mão de obra qualificada, que permita uma nova organização do desenvolvimento

urbano, do transporte coletivo e do trabalho.

Torna-se importante, então promover um novo comportamento individual e coletivo

(especialmente quanto ao respeito às normas legais vigentes) e criar um novo

ambiente de circulação nas cidades. Portanto, a melhoría das condições dos

serviços de transporte exige investimentos em infra-estrutura e na operação

(monitoramento, controle e otimização das condições) de transporte e trânsito.

Quando se planeja promover um novo comportamento individual e coletivo, associa-

se a essa estratégia a participação da mão-de-obra em todos os seus níveis. Daí a

necessidade de qualificação profissional de todos aqueles que integram o corpo de

recursos humanos dessas entidades. O sucesso do trabalho da equipe é que

definirá a segurança, o desenvolvimento e o reconhecimento perante a opinião

pública, sobre a qualidade dos serviços prestados.

Não há no Brasil cursos de nível técnico na área de transportes, embora o cenário

descrito indique a demanda. Segundo a ANTP, estima-se que deve haver um

técnico para cada mil veículos em circulação. Por outro lado, o mercado de trabalho

está sendo ampliado pela vigência do novo Código Brasileiro de Trânsito que atribui

ao Município a capacidade legal de planejar, controlar e fiscalizar o trânsito. Os

municípios devem, portanto, criar departamentos de trânsito, que requerem

recursos humanos capacitados. Isto exige capacitação adequada para os

43 Informações obtidas em entrevista na ANTP- Julho -2000

119

responsáveis por toda a operação. Hoje, poucas cidades brasileiras dispõem de

pessoal qualificado, encontrando dificuldades permanentes em seu recrutamento.

Assim, em 16/08/1999, foi realizada a primeira reunião envolvendo – Centro Paula

Souza, ANTP, Metrô, CPTM, CET/SP, CET/Santos, EMDEC e SPTrans44,

concretizando então a integração dessas empresas.

Essa integração representa avanço significativo no próprio conceito de parceria,

pois embora as atividades operacionais entre transportes sobre pneus, transportes

sobre trilhos e as empresas de apoio operacional como a CET e a Sptrans sejam

diferenciadas, foram encontradas competências semelhantes nas atividades

exercidas por seus funcionários, o que fez com que os cursos fossem planejados

tendo módulos básicos e o módulo de planejamento e gestão de transportes

comuns à empresas, como por exemplo:

1. Compreender a função de transporte e o papel da circulação debens e pessoas, nos âmbitos internacional, nacional, regional,municipal e urbano.2. Executar a logística do transporte e do tráfego, aplicandoestratégias que compatibilizem os recursos às demandas.3. Desenhar os processos operacionais para atendimento aosclientes.

São inúmeros os exemplos que podemos citar sobre as competências comuns às

atividades destas 4 empresas. O que vale ressaltar é que esta integração converge

para uma formação ampla e não particular. Por se tratar de uma situação inédita

para todos envolvidos, é de senso comum que a parceria representa a solução de

um dos grandes problemas atuais. No entanto no momento em que se iniciam as

negociações surgem conflitos, como divergências de opiniões, que demandam

habilidade e perseverança por parte dos participantes desta parceria, o resultado

destas negociações foi a formação do curso modular, com as seguintes qualificações

profissionais:

1. Técnico em Transporte Metropolitano sobre Trilhos:Módulo básico de Transporte e Trânsito Urbano Módulo Operacional de Transporte Metropolitano sobre TrilhosMódulo de Planejamento e Gestão de Transporte e Trânsito Urbano

44 Ao longo das negociações permaneceram apenas 4 empresas – Metrô, CPTM, CET/SP e SPTrans.

120

2. Técnico em Transporte sobre Pneus e Trânsito UrbanoMódulo Básico de Transporte e Trânsito UrbanoMódulo Operacional de Transporte sobre Pneus e Trânsito urbanoMódulo de Planejamento e Gestão de Transporte e Trânsito Urbano

Através destes cursos, os alunos poderão seguir diferentes itinerários profissionais.

As áreas modulares constituem um importante instrumento de flexibilização e

abertura do currículo para o itinerário profissional a fim de adaptar-se às distintas

realidades regionais, permitirão também a inovação permanente, mantendo a

unidade e a equivalência dos processos formativos. Os módulos são organizações

de conhecimentos e saberes provenientes de distintos campos disciplinares, através

de atividades formativas que integram a formação teórica e a formação prática das

capacidades profissionais que se propõe desenvolver.

Assim, para cada módulo se propõe os seguintes critérios de organização curricular:

• Um conjunto de competências que servirão de base para seleção de conteúdos

por parte da equipe docente;

• Um conjunto de atividades e estratégias formativas que os docentes propõem

para a organização dos processos de ensino-aprendizagem;

• Uma estimativa de carga horária de conteúdo

A prática profissional será desenvolvida nas empresas conveniadas e nos

laboratórios das unidades escolares, não estando desvinculada da teoria. Na

verdade ela constitui e organiza o currículo.

Como vimos, essa mudança representa um grande desafio para os sujeitos

envolvidos, pois a dimensão da implicação subjetiva passa a ser o fundamento da

competência, operacionalmente traduzida em comportamentos e valores. Os

ingredientes do modo de ser, como não são formalizáveis, transparentes e

compiláveis, são antes, difíceis de objetivação, classificação e hierarquização. Não

são, portanto, simples de tradução curricular, fazem parte, na verdade, do chamado

“currículo não escrito”.

121

Assim, houve grande esforço, na formação dos módulos. Estar lado a lado com a

empresa e discutir competências a partir dos cargos e funções, não é uma tarefa

fácil para as escolas. A pedagogia sendo introduzidas no âmbito das organizações,

também constitui um grande desafio. Estabelecer um módulo significa reunir um

conjunto de cargos e nesses cargos detectar as competências requeridas. Ao fechar

o módulo, ele é uma resposta direta ao perfil das funções profissionais apresentadas

pelas empresas. Tais agrupamentos foram feitos através da detecção das

competências de cada uma das funções, a fim de que pudessem ser agrupadas,

formados os módulos e depois sub-divididos em componentes curriculares.

Do ponto de vista do Ceeteps, a parceria obedece os pressupostos da lei de

Educação Profissional, conforme vimos no capítulo 4, contempla também as

perspectivas de mudanças debatidas no capítulo 5, conforme nos diz Marcos

Monteiro – atual superintendente do Ceeteps:

“Esse ato tem importância significativa, obedece as mudanças daalteração da lei de Educação Profissional, que busca a aproximaçãoda escola com as demandas do setor produtivo”.

Monteiro ressalta que este tipo de parceria para construir um programa que

oferecesse a formação profissional, é um programa novo, projeto piloto em São

Paulo. A construção de itinerário de competência é uma experiência nova no Brasil.

Assim esta construção só pode ser feita a partir de um diálogo entre a escola e as

empresas.

Monteiro ainda nos diz: O objetivo é aumentar o nº de turmas a serem oferecidas

de forma a ampliar a qualificação dos Recursos Humanos. O projeto mostra o

empenho das empresas em oferecer qualificação aos seus funcionários.

Reforçando o ponto de vista do Ceeteps, Almério Melquíades – Coordenador de

Ensino Técnico e responsável por conduzir as negociações com as empresas nos

disse:

“É surpreendente como demoramos a perceber a necessidadedesses cursos na área de Transportes. Devemos estar com 30 anos

122

de atraso. Antes o treinamento era dado na empresa e os currículuselaborados dentro da escola, a partir de seus próprios referenciais,muitas vezes a partir do seu corpo docente, desassociados dademanda. O currículo que agora apresentamos resulta denegociações entre partes interessadas. A partir do rol decompetência formuladas pelo MEC para área de transporte”.

Questionado sobre as dificuldades, Almério nos fala:

“Articular a linguagem da empresa e a linguagem da escola, não éuma tarefa muito fácil. Partimos a princípio de algumas perguntas,entre elas: Quais as ocupações de nível médio? Quais eram ascompetências identificadas pelo RH para sua empresa?”

Nessa trajetória a dificuldade se deu por várias razões, entre elas podemos citar o

reconhecimento que cada empresa tem sobre as atividades que os funcionários

exercem. Cada empresa tem um olhar diferenciado quanto a complexidade das

tarefas e amplitude de controles. O desafio está então em assinalar as semelhanças

e eliminar as divergências.

Outro detalhe importante na construção desse itinerário é que as negociações

conduzidas pela Cia. Do Metrô e SPTrans traduziu-se em referencial e modelo para

as demais empresas, ou seja, para a CET e CPTM. Tal fato se comprovou no

evento ocorrido dia 16/11/2000, quando a Cia do Metro concretizou oficialmente a

formação da parceria com o Ceeteps. Esse foi um momento em que a empresa pode

disseminar suas políticas de valorização de recursos humanos, ao mesmo tempo

elevando sua imagem perante a comunidade, como podemos confirmar nas palavras

Sr. Caetano Jannini Neto45:

“O Metrô tem 26 anos de experiência e compõe um acervo deconhecimento, experiência e um volume de informação considerávele através do Ceeteps coloca à disposição da comunidade do pontode vista formal e de certificação esses conhecimentos, de forma amelhorar o perfil dos colaboradores. Já existe no Metrô políticas decapacitação com níveis mais elevados (de gerência), porém, agoracom essa parceria, abre espaço para área operativa, ou seja o níveltécnico. Pretendendo na próxima etapa elaborar curso técnico para opessoal da manutenção.

45 “Caetano Jannini Neto é o Atual presidente da Companhia Metropolitano de São Paulo – fala oficial em16/112000.

123

O presidente da Cia Metro fez questão de ressaltar ainda, que as negociações

demandaram esforço da área de Recursos Humanos. Isto demonstra visibilidade e

disseminação das propostas de gestão de pessoas, uma vez que esse programa faz

parte de um projeto mais amplo de capacitação de pessoal.

Por outro lado, conversamos informalmente com um funcionário que trabalha no

Metrô há 23 anos, e o mesmo disse:

“Após esses anos de trabalho nesta empresa, tenho umaexperiência relativamente grande na área, porém sempre tive receiode ser mandado embora a qualquer momento, e sair sem condiçõesde comprovar técnicamente a minha experiência. Agora com essecurso, que valoriza a experiência para certificar competência, eu eoutros colaboradores teremos o diploma de técnico em transportessobre trilhos, assim seremos melhor reconhecidos lá fora”.

Esse comentário demonstra a preocupação constante que os funcionários tem de

serem demitidos e não terem reconhecimento no mercado de suas experiências. O

curso vêm de fato propiciar um reconhecimento formal de sua experiência

profissional.

Do ponto de vista da CPTM a expectativa é grande, muito embora a empresa conte

com parceria, através de Termo de Cooperação, também com o SENAI. A

articulação com o Ceeteps vem a preencher uma lacuna problemática que é a

formação do técnico no ramo de transporte.

A CET não participou efetivamente das negociações dessa parceria e ao ser

questionado sobre as razões de tal comportamento, a resposta obtida é que “A

gestão Municipal anterior não priorizou a formação dos trabalhadores” houve

momentos até que quase desistiram, exigindo então grande esforço da área de

recursos humanos para se manterem no processo.

Por outro lado, a SPTrans considera positivo e excelente a parceria, ressaltando

que embora tenha sido moroso o diálogo durante as negociações, resultou em uma

124

expectativa positiva para a empresa. Isto se confirma pelo número de 309

funcionários inscritos, quando a oferta é de apenas 20 vagas.

A efetiva participação dos segmentos sociais na articulação de parcerias, nos remete

à questionar o porquê da ausência do sindicatos dos trabalhadores na mesa de

negociação. Na verdade esta ausência se explica, ainda que de maneira não

explicitamente declarada, pelo fato de que para o empresariado o sindicato é uma

organização que dificulta a liberdade de empresariar e de conduzir a cooperação.

Sendo assim, manifesta-se uma posição de insegurança ou dificuldade de diálogo,

como percebemos na fala dos entrevistados da empresas e da escola: “Já foi lento

e conflituoso o diálogo entre empresas e escola, imagine se está presente também o

sindicato”.

Esse depoimento comprova que está estabelecido a cultura de que a relação com

sindicato é sempre divergente e antagônica. Entretanto, são conceitos culturalmente

reconhecidos, porém longe de ser entendida como verdade absoluta. Assim, ao

questionarmos diretamente o sindicato dos metroviários sobre a formação da

parceria, nos disseram:

“Somos favoráveis a parceria e estamos apoiando a iniciativa.Porém, lamentamos não participar. Acreditamos que poderíamoscontribuir em muito com as negociações, afinal lutamos porobjetivos comuns”.

Tal posicionamento, como dito, reforça a idéia de que há uma inabilidade negocial

frente aos sindicatos, ignora-se portanto a possibilidade de uma contribuição efetiva

por parte dos mesmos. A presença dos sindicatos neste processo seria como ter

também os trabalhadores, representados durante toda a negociação. Como as

tecnologias evoluem e o processo de qualificacão e requalificação será permanente,

a prazo, a ausência dos trabalhadores nas políticas de qualificação podem fragilizar

todo o processo.

Entre a nossa participação efetiva nos processos de negociação e os relatos dos

entrevistados, percebe-se que essa articulação representa um avanço conceitual

na forma de elaboração do currículo. Isso é uma novidade porque rompe com a

125

tradição brasileira de os cursos serem programados a partir do que a instituição tem

nas prateleiras, muitas vezes empoeiradas. Portanto, o referencial desse curso de

transportes que será iniciado em março/20001 permitirá avançar em outras áreas,

como por exemplo na preparação de técnicos nas áreas de turismo e civil.

Enfim, é importante ressaltar que o processo de interação entre as atividades de

qualificação e as atividades profissionais exige flexibilidade da empresa que precisa

ter políticas de qualificação; exige atitude do trabalhador na busca de maiores

conhecimentos, e exige das instituições de ensino possibilidades de manter

sistemas abertos e flexíveis de entrada e saída, bem como abertura e flexibilidades

nos conteúdos. Não se trata de substituir um modelo por outro, mas de criar

condições institucionais para auto-transformação das unidades de formação.

126

Considerações Finais

127

Considerações Finais

Iniciamos este estudo tendo como objetivo analisar a forma de gestão de uma

instituição de ensino, Centro Paula Souza, e as transformações ocorridas nessa

instituição para atender às novas demandas de capacitação profissionais frente ao

mercado de trabalho atual. Para atender tal objetivo foi necessário primeiro

compreender as transformações do mundo do trabalho. Portanto, podemos dizer que

esta dissertação foi articulada em duas fases.

A primeira, que compreende os três primeiros capítulos, trata das mudanças

advindas com a introdução de novas tecnologias, que originaram novos conceitos

sobre trabalho, organização do trabalho e qualificação. Trata ainda, do

comportamento das empresas frente a todas essas transformações.

A segunda fase, que compreende os capítulos 4,5 e 6, inclui um histórico sobre a

educação profissional, caracterização de uma instituição de ensino, análise da

gestão do Centro Paula Souza e finalmente considerações sobre a articulação

empresa-escola.

Com base no estudo realizado e a partir do consenso de que o conhecimento é o

elemento chave, para transformação social, vimos como as empresas lidam com o

potencial de conhecimento existente e com a construção de novos. Constatamos,

também, que um novo conceito de gestão é introduzido nas organizações – a

“Gestão do Conhecimento”. Nesse modelo de gestão as empresas reformulam

seus programas educacionais, enfatizando o processo de aprendizagem. Ao

enfatizar a aprendizagem as organizações vão ao encontro dos interesses de seus

funcionários, quanto ao seu futuro e desenvolvimento profissional. Isto significa

que os atos de gestão se interpenetram com as aspirações individuais. Trata-se,

portanto, de criar espaços oportunos para que os trajetos profissionais se cruzem,

de modo que as pessoas articulem experiências para alcançar objetivos comuns.

128

Entendemos que está ai o grande desafio a ser superado pela organizações, pois

podemos afirmar que operacionalizar mudanças não é uma tarefa simples.

Por outro lado, discutindo um pouco as interferências das inovações tecnológicas no

mundo do trabalho, pode parecer, em algum momento, uma visão reducionista do

universo de análise, levar a crer que é possível elaborar programas de

qualificação/capacitação profissional, como solução ao problema do desemprego.

No entanto, uma análise mais ampliada nos mostra que há na verdade processos

contraditórios que precisam de um estudo mais profundo.

É comum as empresas mudarem a sua retórica e pouco alterarem as suas práticas

concretas. Em conversas com sindicatos46, fomos alertados por exemplo sobre a

tendência dos bancos em contratar pessoas com terceiro grau, o que dá uma

conotação de uso intensivo de conhecimento, portanto de valorização de capital

intelectual. Porém, na verdade o que ocorre muitas vezes é que os programas de

aprendizagem estão vinculados ao cumprimento de metas e resultados, definidos de

forma estreita, não permitindo o aproveitamento do potencial.

Algumas empresas, portanto, convivem tanto com necessidade de uma gestão

moderna voltada para um trabalho flexível, em equipe, com desenvolvimento de

competências, quanto com a necessidade de um modelo taylorista/fordista centrado

na divisão e especialização do trabalho. Isso nos mostra que não é possível afirmar

que o mundo do trabalho mudou. Apesar das empresas estarem convivendo com as

transformações advindas da era da tecnologia e do conhecimento, parece que esta

era convive ainda, de forma complementar, com os antigos paradigmas.

Acreditamos, então, que seria melhor dizer que estamos vivendo um momento de

transição em que devemos estar atentos para refletirmos sobre a complexidade

desse momento e também sobre o conceito de qualificação e sua relação com a

formação profissional.

46 Em entrevista com sindicatos dos bancários-SP e Metalúrgicos do ABC- encontramos vários exemplos desituações adversas e contraditórias sobre a valorização dos recursos humanos nas empresas. Uma analise maisprofunda nos mostra que há mecanismos de controle perversas sendo introduzidas nas organizações, porémapresentado aos trabalhadores em forma de discurso encantador.

129

No desenvolvimento de nosso estudo encontramos vários conceitos de qualificação,

porém parece difícil definir este termo tão amplo e subjetivo. Vimos que não é

possível dizer que a qualificação é um conjunto de atributos, sem levar em conta o

país, a empresa, a cultura. Vimos também que a qualificação está atrelada à teoria

do capital humano, ancorada em enfoques macroeconômicos que privilegiam

dimensões relativas ao desenvolvimento econômico. Há ainda um movimento no

sentido de substituir a noção de qualificação pelo chamado modelo de competência.

Este último modelo está centrado em saberes e habilidades, que se definem como

capacidade de agir, intervir, decidir e mobilizar saberes para dominar situações

concretas de trabalho.

A nosso ver a dificuldade de se definir o conceito de qualificação está associada às

próprias contradições e divergências que apontamos anteriormente. Não é possível

definir o que é qualificação, quando o próprio mundo do trabalho e do emprego

também está sendo revisto.

É muito comum também associar a qualificação profissional com a empregabilidade.

A tese da empregabilidade diz que a possibilidade de inserção de um indivíduo no

mercado de trabalho depende (potencialmente) da posse de um conjunto de

saberes, competências e credenciais que o habilitem para a competição pelos

empregos disponíveis. Atribui ao indivíduo ainda, a responsabilidade pelo seu

sucesso ou fracasso na obtenção de emprego. Havendo, portanto, um deslocamento

da responsabilidade dos atores sociais em viabilizar políticas de emprego para os

indivíduos.

Acreditamos que é preciso reforçar a idéia da necessidade do aprendizado contínuo,

rompendo o itinerário convencional de idade para brincar, estudar, trabalhar e

aposentar. Entretanto, atribuir a culpabilização restrita ao indivíduo pela sua não

inserção no mercado de trabalho, como nos faz crer a esfera dominante, é reduzir o

universo de analise diante de um conjunto de contradições que estão ocorrendo no

mundo do trabalho, como já dito anteriormente. Trata-se de articular a qualificação

profissional com outras políticas de criação de emprego.

130

Porém, apesar de complexo, é necessário discutir a questão da qualificação uma

vez que estudamos a parceria empresa-escola. Uma instituição educacional que

objetiva a formação técnica precisa entender o que é qualificação e que qualificação

é esta exigida pelas empresas. Só assim poderá reformular seu currículo e formar

profissionais que atendam a demanda do mercado, ao mesmo tempo que buscam

espaço para a transformação criativa das atividades.

Assim o foco passa a ser competências a serem desenvolvidas, busca-se uma

relação sinérgica entre teoria e prática. Trata-se de reformular projetos educativos

que possam dar respostas aos múltiplos desafios das sociedades da informação, na

perspectiva de um enriquecimento contínuo de saberes.

Acreditamos ser importante também atentar não só para a formação do profissional,

mas também para a formação do indivíduo de forma holística. É o que diz Morin

(1994) quando enfatiza o papel fundamental do processo educativo na sociedade,

alertando para o fato de que o modelo atual de aprendizado, baseado na

fragmentação do conhecimento, é ineficaz frente aos desafios de um mundo cada

vez mais complexo. Educar em um mundo complexo exige que o pensamento

simples, “que acredita alcançar o verdadeiro, que pensa que o conhecimento é

reflexo, que não considera conhecer a si mesmo para conhecer o objeto” seja

substituído pelo pensamento complexo, “que necessita a curva auto-observável e

autocrítica do observador conceituador sobre si mesmo”. Portanto ao mudar práticas

pedagógicas passa-se pelo desafio de mudar os valores e conceitos enraizados, e

mais uma vez estamos diante de uma tarefa nada fácil.

Com o resgate histórico do ensino profissionalizante, buscamos compreender como

se desenvolveram os modelos pedagógicos de educação profissional. Vimos que

esses modelos foram sendo ajustados ao longo da história para atender às

demandas da divisão social e técnica do trabalho. Em um modelo, as práticas de

ensino eram centradas no conteúdo a partir do paradigma taylorista, ou seja,

atreladas ao cargo ou posto de trabalho. À luz dos dias atuais esse modelo é

considerado “relativamente” ultrapassado, no entanto não podemos deixar de

reconhecer que as boas escolas técnicas foram excelência a partir desse referencial.

Hoje, o paradigma em implantação tem o foco nas competências a serem

131

desenvolvidas. Nesse sentido é preciso superar a visão fragmentada do currículo e

entendê-lo como um conjunto integrado e articulado de situações concretas

profissionais. Nessa nova retórica surgem elementos desafiadores para as

instituições de formação profissional, como por exemplo alterar as práticas

pedagógicas. Para tanto é preciso mudar a cultura, valores e padrões dominantes.

Um olhar mais direcionado a uma instituição de ensino como por exemplo o Centro

Paula Souza – que é uma rede pública de ensino técnico considerada por diferentes

análises como de boa qualidade – demonstram que ela é uma organização

tradicional, piramidal e segmentada por especialização, o que a faz agir de forma

reativa em relação ao mercado empregador. Essa postura é resultado, em parte, de

ser submetida às normas de direito público, o que impõe ritos e procedimentos

morosos, rígidos e onerosos. Somado ao fato de que a gestão pedagógica e a

gestão administrativa muitas vezes evoluem e sistematizam suas políticas de

maneira a convergir com o objetivo global. Esse é um dos fatores relevantes que

dificulta a implantação de mudanças.

É ainda presente entre o corpo funcional de algumas unidades, cultura e valores

retrógrados que favorecem comportamentos inadequados ao processo de

transformação vigente, característicos da administração pública. Em nossas

conversas com colegas de trabalho percebemos bem o sentimento de resistência

em relação às mudanças propostas. Percebemos claramente os dois lados da

mudança, os que a apoiam e portanto articulam suas propostas, e os que chamamos

de resistentes à mudanças.

O Centro Paula Souza, preparando-se para atuar de forma a reagir às novas

demandas do mercado de trabalho, passa a articular-se com a clientela e com a

comunidade em geral. A participação da comunidade, e em particular dos

empresários, poderá garantir a eficácia e eficiência no planejamento, execução e

gestão da educação profissional. Essas estratégias enfatizam o eixo externo,

estabelecendo uma relação mais dinâmica com a sociedade local.

A articulação com as empresas de transportes, por exemplo, representa um

significativo avanço nas propostas de inovação do Ceeteps. Houve grande esforço

132

na formação dos módulos, uma vez que há divergências de opiniões e interesses

entre as partes. As empresas ainda mantém a cultura de “dar treinamento” e a

escola mantém a cultura de “preparar seu currículo” a partir de seus próprios

referenciais. Portanto esta parceria vem romper com esses modelos tradicionais e

os atores sociais passam a compatibilizar interesses comuns. O referencial do curso

de transportes, citado no capítulo 6, permitirá avançar em outras áreas, o que

concretiza a tentativa de adaptação às mudanças do contexto atual.

No entanto, tais dificuldades não invalidam o movimento de parceria aqui estudada,

uma vez que toda proposta inovadora traz consigo problemas como – falta de

conhecimento prático, que acreditamos com o decorrer do processo irão se

ajustando.

Acreditamos que os valores e questões discutidos nesta dissertação nos apontam

para a importância de um dos principais personagens desta parceria, que é o

professor. Apesar de não ter sido o trabalho do professor objeto de estudo nesta

dissertação, durante o desenvolvimento de nossa pesquisa percebemos a relevância

de seu papel neste processo, pois é ele que estará em sala de aula com seus alunos

pondo em prática o currículo traçado pela parceria empresa-escola. É importante,

portanto o envolvimento dos professores neste processo de reformulação do

currículo. No entanto, é preciso deixar claro que não se pode atribuir esta

responsabilidade aos professores se não se pensar em oferecer também a ele a

possibilidade de reflexão e transformação de sua prática.

Enfim, a gradual flexibilidade do ensino e a opção por parceria, como esta

apresentada neste trabalho, se configuram como tendências promissoras à mão de

obra que as novas tecnologias exigem. Portanto, torna-se necessário não somente

políticas de mudanças na formação profissional, mas também políticas mais amplas

de emprego.

133

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