147
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE CAMPINAS Centro de Economia e Administração Faculdade de Ciências Econômicas ANÁLISE DA ESTRUTURA DE MERCADO DA CONCORRÊNCIA RELIGIOSA: O OLIGOPÓLIO DA FÉ Marcos Guilherme Cassolato de Oliveira Campinas, São Paulo 2005

O Oligopólio Da fé (PT_BR)

Embed Size (px)

DESCRIPTION

Análise da estrutura de mercado da concorrência - o oligopólio da fé. Monografia de conclusão de curso de Ciências Econômicas pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC)

Citation preview

Page 1: O Oligopólio Da fé (PT_BR)

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE CAMPINAS

Centro de Economia e Administração

Faculdade de Ciências Econômicas

ANÁLISE DA ESTRUTURA DE MERCADO DA CONCORRÊNCIA RELIGIOSA:

O OLIGOPÓLIO DA FÉ

Marcos Guilherme Cassolato de Oliveira

Campinas, São Paulo 2005

Page 2: O Oligopólio Da fé (PT_BR)

i

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE CAMPINAS

Centro de Economia e Administração

Faculdade de Ciências Econômicas

ANÁLISE DA ESTRUTURA DE MERCADO DA CONCORRÊNCIA RELIGIOSA:

O OLIGOPÓLIO DA FÉ

Marcos Guilherme Cassolato de Oliveira

Monografia apresentada à Faculdade de Ciências Econômicas do Centro de Economia e Administração da PUC Campinas, como requisito parcial para a obtenção do título de Bacharel em Ciências Econômicas, sob a orientação do Prof. Mestre Antonio Carlos de Azevedo Lobão

Campinas, São Paulo 2005

Page 3: O Oligopólio Da fé (PT_BR)

ii

Autorização do aluno

Autorizo a disponibilidade desta monografia na Biblioteca da PUC Campinas para

consultas públicas e referências bibliográficas, mas reproduções, total ou parcial,

somente poderão ser feitas mediante autorização expressa do autor, conforme o

que dispõe a legislação vigente sobre direitos autorais.

Nome legível do aluno Assinatura do aluno

_________________________________________________________________

Local e data

Campinas, 16 de dezembro de 2005.

Page 4: O Oligopólio Da fé (PT_BR)

iii

DEDICATÓRIA

À minha querida Li e nossos

familiares, pelo amor e

compreensão sem os quais

nada disso seria possível

Page 5: O Oligopólio Da fé (PT_BR)

iv

AGRADECIMENTOS

O presente trabalho acadêmico é o resultado de um longo período de

estudos na Pontifícia Universidade Católica de Campinas, que teve indispensável

contribuição de professores, colegas e várias outras pessoas. Com as desculpas

por alguma eventual omissão, apresento, em seguida, meus agradecimentos

sinceros a todas essas pessoas que, direta ou indiretamente, contribuíram para

que este estudo fosse concluído:

Ao Prof. Dr. Cândido Ferreira da Silva Filho, na condição de Diretor da Faculdade

de Ciências Econômicas do Centro de Economia e Administração da PUC

Campinas, pelo apoio institucional e atenção.

Ao Prof. Dr. Josmar Cappa, coordenador da atividade de monografia da

Faculdade de Ciências Econômicas do Centro de Economia e Administração da

PUC Campinas, pelo apoio institucional e atenção.

Ao Prof. Mestre Antonio Carlos de Azevedo Lobão, orientador e incentivador dos

meus trabalhos de graduação na Faculdade de Ciências Econômicas da PUC

Campinas, pelo apoio, atenção e amizade.

Ao Prof. Dr. Márcio Roberto Pereira Tangerino, co-orientador e incentivador dos

meus trabalhos de graduação na Faculdade de Ciências Econômicas da PUC

Campinas, pelo apoio, atenção e amizade.

À Profa. Mestre Ivana Pereira Goulart, pela atenção e apoio pedagógico na área

de marketing e orientação acerca dos métodos e técnicas para realização de

entrevistas acadêmicas.

Ao Prof. Dr. Carlos Alberto da Cunha Almendra, pela atenção e orientação acerca

dos métodos e técnicas para realização de entrevistas acadêmicas.

Page 6: O Oligopólio Da fé (PT_BR)

v

Ao Prof. Dimas Alcides Gonçalves, incentivador dos meus trabalhos de

graduação, pelo apoio, atenção e amizade.

Ao Prof. Mestre Arnaldo Lemos Filho, pela atenção e apoio bibliográfico.

Aos Profs. Dr. Lineu Carlos Maffezoli e Dra. Nelly Maria Sansigolo de Figueiredo,

pelas aulas indispensáveis para elaboração deste trabalho.

Ao Arcebispo Metropolitano de Campinas e Grão-Chanceler da PUC Campinas,

Sua Eminência Reverendíssima, Dom Bruno Gamberini, pela atenção, incentivo,

e concessão de entrevista acadêmica.

Ao Pastor Presbiteriano Abimael Etz Rodrigues, pela atenção, incentivo e

concessão de entrevista acadêmica.

Ao Prof. Mestre Antônio Miguel Kater Filho, idealizador e 2º vice-presidente do

Instituto Brasileiro de Marketing Católico (IBMC), pela atenção e concessão de

entrevista acadêmica.

Finalmente, a todos os familiares, amigos e colegas sem os quais este estudo não

seria possível, pela atenção, incentivo e compreensão, sempre presentes nas

inesgotáveis e proveitosas conversas.

Page 7: O Oligopólio Da fé (PT_BR)

vi

SUMÁRIO

Lista dos Anexos ........................................................................................... viii

Lista dos Apêndices ...................................................................................... ix

Relação das siglas usadas no texto .............................................................. x

RESUMO ....................................................................................................... xii

INTRODUÇÃO .............................................................................................. 1

CAPÍTULO 1 – Oligopólio: estrutura de mercado .................................... 8

1.1 – Retrospectiva: concentração de capital e a consolidação da etapa monopolista do capitalismo .............................................. 8

1.2 – O oligopólio segundo seus pressupostos ................................... 12

1.3 – Configurações da estrutura oligopolista ..................................... 16

1.3.1 – Oligopólio puro ou concentrado .................................... 18

1.3.2 – Oligopólio diferenciado ................................................. 19

1.3.3 – Oligopólio misto ............................................................ 20

1.4 – Barreiras à entrada ..................................................................... 21

1.4.1 – Economias de larga escala como barreiras à entrada .. 22

1.4.2 – Vantagens de custo absoluto das empresas estabelecidas como barreiras à entrada ....................... 23

1.4.3 – Vantagens por diferenciação de produtos das empresas estabelecidas como barreiras à entrada ...... 25

1.5 – Estratégias de mercado em oligopólio ....................................... 26

1.5.1 – Bases de competição extra-preço ................................ 28

1.5.2 – Alianças estratégicas .................................................... 30

1.6 – Exemplo de mercado oligopolizado: a indústria de bebidas no Brasil .......................................................................................... 33

CAPÍTULO 2 – O campo religioso .............................................................. 35

2.1 – O que são as igrejas e o que elas “vendem” .............................. 35

Page 8: O Oligopólio Da fé (PT_BR)

vii

2.2 – Noção de campo religioso .......................................................... 41

2.3 – A concorrência religiosa ............................................................. 44

2.4 – Panorama do campo religioso brasileiro – aspectos qualitativos das denominações cristãs e suas respectivas taxas de participação na sociedade .......................................................... 49

CAPÍTULO 3 – Aspectos concorrenciais da religião no Brasil ............... 58

3.1 – Grau de concentração do setor religioso e a recente evolução do cenário concorrencial ............................................................ 58

3.2 – O surgimento de novas competidoras e as barreiras envolvidas 62

3.3 – Estratégias de competição ......................................................... 67

3.3.1 – Serviços diferenciados .................................................. 69

3.3.2 – A importância do marketing .......................................... 78

3.3.3 – Práticas ecumênicas ..................................................... 89

CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................................... 93

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................. 103

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA .................................................................. 109

ANEXOS ....................................................................................................... 111

APÊNDICES ................................................................................................. 129

Page 9: O Oligopólio Da fé (PT_BR)

viii

LISTA DOS ANEXOS

ANEXO I – Base de competição dos setores oligopólicos segundo o grau de diferenciação dos produtos ...................................... 111

ANEXO II – Exemplo de cartão do Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas – CNPJ de instituição religiosa .............................. 112

ANEXO III – Sub-classes CNAE para enquadramento fiscal das instituições religiosas ............................................................ 113

ANEXO IV – Classificação de religião adotada pelo IBGE para o Censo Demográfico de 2000 ............................................................ 114

ANEXO V – População residente, por sexo, segundo a religião – Brasil – 2000 ................................................................................... 120

ANEXO VI – Distribuição percentual da população segundo a religião – Brasil – 1872-2000 ................................................................ 122

ANEXO VII – Média de anos de estudo por religião – Brasil – 1991-2000 123

ANEXO VIII – Evolução do percentual de urbanização e de pessoas sem religião – 1890-2000 ............................................................. 124

ANEXO IX – Quantidade de paróquias, presbíteros, diáconos, irmãos e irmãs católicos das circunscrições eclesiásticas da Regional Sul 1 da CNBB ....................................................... 125

ANEXO X – Exemplos de panfleto distribuído pela Igreja Universal do Reino de Deus com intuito de atrair fiéis .............................. 127

ANEXO XI – Screenshot de enquête da Igreja Universal do Reino de Deus para classificação dos fiéis segundo o motivo de filiação ................................................................................... 128

Page 10: O Oligopólio Da fé (PT_BR)

ix

LISTA DE APÊNDICES

APÊNDICE A – Gráfico da Curva de Lorenz e Coeficiente de Gini aplicado às denominações religiosas, segundo a distribuição de fiéis – Brasil – 2000 ................................. 129

APÊNDICE B – Gráfico do Índice Herfindahl-Hirschman (IHH) de concentração industrial do campo religioso, segundo a participação no total de fiéis – Brasil – 1960-2000 e Gráfico da redução percentual do Índice de Herfindahl-Hirschman (IHH) – Brasil – 1970-2000 ............................ 130

APÊNDICE C – Gráfico da evolução das participações católicas, evangélicas e sem-religião no total da população – Brasil – 1950-2000 .......................................................... 131

APÊNDICE D – Análise gráfica das vantagens estratégicas de segmentação dos fiéis pelas denominações religiosas ... 132

Page 11: O Oligopólio Da fé (PT_BR)

x

RELAÇÃO DAS SIGLAS USADAS NO TEXTO

ANEEL Agência Nacional de Energia Elétrica

CADE Conselho Administrativo de Defesa Econômica

CBA Companhia Brasileira de Alumínio

CERIS Centro de Estatística Religiosa e Investigações Sociais

CMI Conselho Mundial de Igrejas

CNAE Classificação Nacional de Atividades Econômicas

CNBB Conferência Nacional dos Bispos do Brasil

CNPJ Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas

CONCLA Comissão Nacional de Classificações

CONIC Conselho Nacional das Igrejas Cristãs

CPS Centro de Políticas Sociais

FGV Fundação Getúlio Vargas

GM General Motors

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

IBMC Instituto Brasileiro de Marketing Católico

IBRE Instituto Brasileiro de Economia

ICAR Igreja Católica Apostólica Romana

ICOS Igreja Católica Ortodoxa Siriana do Brasil

ICR Igreja Cristã Reformada

IEAB Igreja Episcopal Anglicana do Brasil

IECLB Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil

IHH Índice Herfindahl-Hirschman

(continua)

Page 12: O Oligopólio Da fé (PT_BR)

xi

(continuação)

IM Igreja Metodista

IPU Igreja Presbiteriana Unida

IURD Igreja Universal do Reino de Deus

OPEP Organização dos Países Exportadores de Petróleo

PMR Partido Municipalista Renovador

PUC Pontifícia Universidade Católica

RCC Renovação Carismática Católica

USP Universidade de São Paulo

Page 13: O Oligopólio Da fé (PT_BR)

xii

RESUMO

CASSOLATO OLIVEIRA, M. Guilherme. Análise da estrutura de mercado da

concorrência religiosa: o oligopólio da fé. Campinas, 2005. Monografia,

Graduação em Ciências Econômicas, Pontifícia Universidade Católica de

Campinas, 2005.

O presente estudo propõe-se a compreender, à luz das teorias microeconômicas

e da sociologia da religião, o fenômeno da concorrência religiosa, que, uma vez

reconhecido, conduz-nos à problemática centrada nos aspectos estruturais que

definem o presente mercado de bens simbólicos associados à religião. Assim, na

ausência de maiores pretensões, empenha-se no objetivo de analisar a estrutura

de mercado da concorrência religiosa, orientado, sobretudo, pelos esforços de

legitimação das hipóteses de que ela não só existe, como também, tem sua

estrutura de mercado imersa em características típicas de um oligopólio secular.

Referenciado pela associação de uma análise conjuntural do campo religioso

brasileiro à uma revisão bibliográfica que compreende algumas das principais

obras relacionadas à teoria do oligopólio e ao fenômeno sociológico da

mercantilização da religião, demonstra cientificamente o conjunto de elementos

que permitem caracterizar a estrutura do mercado religioso como uma dinâmica

de competição tipicamente oligopólica; passando necessariamente pela avaliação

do grau de concentração industrial e dos instrumentos de competição

empregados, que se estendem da segmentação dos fiéis por prestação de

serviços diferenciados ao uso calculista e deliberado das técnicas de marketing.

Termos de indexação: mercado, estrutura de mercado, competição, oligopólio,

concorrência, religião, mercado religioso, sociologia da religião.

Page 14: O Oligopólio Da fé (PT_BR)

1

INTRODUÇÃO

A percepção acerca do comportamento da sociedade e do mundo, seja ela,

orientada pela sua ótica filosófica, econômica, política, religiosa ou antropológica,

no tangente às particularidades que se evidenciam para cada um nós, em meio

ao emaranhado de relações sob e sobre as quais a história da humanidade é

escrita, deve ser sempre o suficiente para despertar o aspecto investigativo que

reside em todo ser humano. Parte deste espírito de descobrimento, organizado ou

intuitivo, o processo pelo qual a sociedade se constrói, destrói e reconstrói

novamente. Dele somos servidos desde a primeira tentativa de compreensão do

ambiente no qual nos inserimos, às inspirações para as maiores descobertas de

todos os tempos.

Imersos num pequeno arbusto da incomensurável árvore de idéias tão

somente resultante desta propriedade que, pelo que se sabe, nenhuma espécie

melhor do que a nossa desenvolveu, atentamo-nos, à luz da formação humana,

social e econômica, a um fenômeno de dimensões infinitesimais, mas que ainda

assim permite-se incorporar a todos nós, inevitavelmente, de uma forma ou de

outra. Como que centrados microscopicamente numa única folha do arvoredo

sem fim, deparamo-nos com o fenômeno sociológico e, ao mesmo tempo,

econômico, protagonizado pela instituição da religião; através do qual se

reconhece a noção conflituosa do campo que a compreende e sua respectiva

convergência para um padrão comportamental secular, caracterizado pela

metáfora do mercado.

Em outros termos, propusemo-nos a compreender o fenômeno da

concorrência religiosa, que, uma vez reconhecido, conduz-nos à problemática

centrada nos aspectos estruturais que definem o presente mercado de bens

simbólicos associados à religião. Ou seja, se de fato pode-se tratar o campo

religioso em termos de concorrência e mercado; do ponto de vista econômico, sob

qual estrutura de normas, valores e padrões comportamentais esta dinâmica se

define? Assim, na ausência de maiores pretensões, empenhamo-nos no objetivo

de analisar a estrutura de mercado da concorrência religiosa.

Page 15: O Oligopólio Da fé (PT_BR)

2

Norteados por este propósito, apropriar-nos-emos de parte dos arsenais

teóricos das ciências econômicas e sociais para testar formalmente a hipótese

que se apóia na autenticidade do tratamento das relações sociais do campo

religioso em termos de mercado e, mais do que isso, se define pela possibilidade

efetiva de atribuição do comportamento das instituições religiosas às

características gerais dos segmentos oligopólicos seculares. Dedicar-nos-emos,

portanto, aos esforços de legitimação da hipótese de que a concorrência religiosa

não só existe, como também, tem sua estrutura de mercado imersa em

características típicas de um oligopólio qualquer.

Entendemos que a presente proposta de análise científica encaixa-se

positivamente no conjunto de esforços que se somam na busca por explicações

satisfatórias dos sucessivos processos de transformação da sociedade. À medida

que a sociedade se transforma, redefine-se a estrutura social que compreende o

conjunto de normas, valores e padrões comportamentais regentes das próprias

interações entre os indivíduos, grupos e classes que se sucederam nesta mesma

sociedade.

O processo ao longo do qual a sociedade vem se transformando

intensamente nos últimos séculos teve suas origens na percepção aparentemente

racional das vantagens sociais de especialização do trabalho, que destituiria o ser

humano da auto-suficiência imediata, tornando-o satisfeito por vias indiretas,

através da dinâmica do mercado. Analogamente à natureza, que fora tratada por

terra e mercantilizada como que de controle exclusivo daqueles que a cercam e

bradam pela sua propriedade, as horas de vida humana transformaram-se em

mercadoria, chamadas de trabalho e negociadas de acordo com a lógica da livre

ação dos mercados de ofertantes e demandantes.

Esta transformação tão bem tratada por moinho satânico1 instituiria as

bases pelas quais a sociedade naturalizaria a lógica do mercado para tudo que se

pudesse agregar utilidade; transformando-nos em incontroláveis negociantes de

bens e serviços que se estenderiam dos mais primordiais para subsistência

humana à nossa própria personalidade. A legitimação deste novo regime pela

sociedade asseguraria o estabelecimento de uma nova estrutura social, capaz de

1 Karl Polanyi. A grande transformação – as origens da nossa época. 5ª ed. Rio de Janeiro: Campus, 2000, 349 p.

Page 16: O Oligopólio Da fé (PT_BR)

3

normalizar as relações de troca para quaisquer necessidades de cujas

suficiências houvesse alguém desprovido.

Neste contexto, a religião, não mais própria do homem e já

institucionalizada e disposta na forma de capital religioso (ou qualificação

religiosa) sob o domínio de um corpo seleto de especialistas, adaptar-se-ia

facilmente à nova dinâmica social; transformando-se também numa mercadoria

para o consumo. No mercado de bens simbólicos que se associam à religião,

legitimado e aceito pela sociedade, a disposição de sua estrutura, traduzida pelo

conjunto definido de normas e valores eticamente incorporados, definiria os

padrões comportamentais das relações sócio-econômicas ocorridas nesta esfera.

Em outras palavras, o reconhecimento da estrutura do mercado religioso

permite-nos compreender a lógica social, econômica e cultural que orienta suas

relações. Na prática, oferece-nos um meio de compreensão crítica do processo

de mercantilização da religião, de acirramento da concorrência religiosa e do

conjunto de interações deste campo com os segmentos mais seculares da

sociedade.

A partir desta análise busca-se sentido para as recentes mudanças nas

formas de interação das instituições religiosas com a sociedade. Atualmente, no

Brasil, estas interações conformam um cenário no qual se faz presente a atuação

das igrejas e seitas através da grande mídia, até mesmo como controladoras de

emissoras de rádio e televisão2; também na política, tendo seus interesses

representados em praticamente todas as instâncias de governo, o que inclui no

presente momento o Congresso Nacional e a vice-presidência da República3.

Presenciamos o nascer dos padres e pastores midiáticos que, à medida

que tocam seus trabalhos de evangelização, são responsáveis pelo comércio de

livros, CDs e afins, que movimentam milhões a cada ano. No Brasil, estima-se

que pelo menos meio bilhão de reais anuais seja girado somente em produtos

evangélicos; grupo ao qual se atribui também as grandezas de 1 milhão de

empregos gerados e cerca de 10 000 novos pontos de pregação abertos a cada

2 As Redes Record de rádio e televisão (terceira maior do país) e Mulher de televisão, por exemplo, são grupos de emissoras de propriedade da Igreja Universal do Reino de Deus; ao mesmo tempo, a Igreja Católica Apostólica Romana do Brasil desenvolve suas três emissoras de TV: Rede Vida, Canção Nova e Século XXI. 3 José de Alencar, vice-presidente da República durante o mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, filiou-se em 2005 ao Partido Municipalista Renovador (PMR), criado pela Igreja Universal do Reino de Deus, na figura de seu fundador, o bispo Edir Macedo.

Page 17: O Oligopólio Da fé (PT_BR)

4

ano4. Na sociedade americana, estes números se multiplicam exponencialmente

em venda de livros5, quantidade de emissoras de rádio e televisão

exclusivamente cristãs, e nas bilheterias de cinema e produtos associados a

filmes e seriados desta natureza6.

Diante desta realidade, procuramos compreender os aspectos estruturais

que definem a dinâmica de concorrência no mercado religioso, bem como sua

origem e similaridade com os segmentos econômicos mais seculares.

Entendemos que as características estruturais deste mercado, vistas pela ótica

das ciências econômicas em associação às teorias sociológicas da religião, têm

muito a nos oferecer em discernimento deste fenômeno singular, ainda que

intimamente relacionado a fatores que o precedem. Uma vez sociologicamente

compreendido, apropriamo-nos das teorias econômicas para analisar este

fenômeno acerca das especificidades que permitem caracteriza-lo quanto a sua

estrutura de mercado, distinguindo-o dentro dos conceitos de monopólio,

concorrência perfeita e seus intermediários, capazes de definir as relações de

poder e competição que se envolvem.

Com base nesta orientação, trabalharemos nas próximas páginas a teoria

do oligopólio, cujo objeto se associa hipoteticamente à problemática deste estudo,

procurando resgatar historicamente alguns dos elementos observáveis ao longo

do processo pelo qual esta estrutura de mercado tornou-se predominante na

economia mundial, distinguindo-se por suas especificidades de outras formas de

organização. Entenderemos a tipologia do oligopólio e algumas de suas

características genéricas mais relevantes, tais como as barreiras econômicas ao

acirramento da dinâmica de concorrência e os instrumentos estratégicos de

competição que lhe são típicos. Neste contexto, procuraremos compreender os

aspectos teóricos característicos da dinâmica que se subentende ao conceito de

mercado oligopolizado, procurando, dentro do possível, exemplifica-lo em termos

práticos.

Num outro pólo abordaremos o objeto ao qual se pretende relacionar as

teorias microeconômicas adotadas, formando um conceito sobre o campo

4 Luciana Farnesi. Um mercado movido pela fé. Revista Exame, 16 Fev. 2005, p. 60-61. 5 A venda de livros religiosos nos EUA representa cerca de 11% de uma indústria cujo faturamento se aproxima de US$ 14 bilhões, de acordo com Sérgio Dávila. Direita religiosa mostra rosto e lucra nos EUA de Bush. Folha de São Paulo, Califórnia, 27 Mar 2005, caderno A, p. 15. 6 Sérgio Dávila, op. cit.

Page 18: O Oligopólio Da fé (PT_BR)

5

religioso, a partir da compreensão dos agentes que o protagonizam.

Procuraremos desenvolver as principais características que permitem definir as

instituições religiosas e os serviços que elas prestam, num contexto de

convergência destes elementos para os aspectos de organização que permitem

associa-las ao conceito de firmas atuantes. À luz do pensamento sociológico,

desenvolveremos a noção clássica de campo religioso que pressupõe a natureza

de conflito das relações dadas nesta esfera social, passando pelo processo

através do qual se formariam as bases para a constituição de um mercado de

bens simbólicos associados à religião.

A noção de concorrência religiosa adentra sociologicamente nestas bases

para explicarmos o conjunto de transformações sociais que propulsaram o

processo de mercantilização da religião, definindo uma situação de pluralidade do

campo religioso, cuja interação se traduziria pela dinâmica da concorrência de

mercado e se arrastaria, intensificando-se nestes padrões, até os dias de hoje.

Neste contexto, trabalharemos o panorama atual do campo religioso brasileiro,

quanto à posição dos agentes que o compõem, suas respectivas taxas de

participação na sociedade e alguns dos aspectos qualitativos que permitem

distingui-los entre si, no tangente às parcelas da população que detêm.

Finalmente, desenvolveremos os elementos que permitem relacionar em

definitivo as teorias microeconômicas dos mercados estruturados em oligopólio à

dinâmica de concorrência do campo religioso. Analisaremos os principais

aspectos do mercado brasileiro de bens simbólicos associados à religião, quanto

ao grau de concentração do setor e a recente evolução do cenário concorrencial,

destacando o surgimento de novas competidoras e as barreiras que

eventualmente se fazem presentes. Dentro disso, procuraremos entender os

elementos estratégicos mais importantes pelos quais a dinâmica de competição

toma forma; demonstrando a importância de práticas que envolvem a

diferenciação dos serviços religiosos e a segmentação dos fiéis, a adoção dos

instrumentais de marketing e o papel das chamadas ações ecumênicas neste

processo.

Para tornar tudo isso possível, recorremos a uma revisão bibliográfica

mínima de títulos que se estenderam das teorias microeconômicas mais clássicas

no tratamento dos oligopólios a alguns dos principais pensadores da sociologia da

religião, notadamente, os que centraram a análise ao seu inter-relacionamento

Page 19: O Oligopólio Da fé (PT_BR)

6

com a esfera econômica. Neste grupo destacam-se célebres como Max Weber

(1967), Pierre Bourdieu (1974) e Peter Berger (1985); subsidiando os estudos que

se confrontariam com as idéias econômicas de Paolo Sylos-Labini (1986), Joe

Staten Bain (1956; 1963) e tantos outros. Somados a isso, contamos com

dezenas de textos oriundos das mais diversas fontes, dentre as quais se

destacam notícias, matérias e artigos de jornais e revistas da grande e pequena

imprensa; dissertações e um conjunto de dados e informações relevantes,

organizados por institutos de pesquisa como o Instituto Brasileiro de Geografia e

Estatística (IBGE) e o Centro de Políticas Sociais (CPS) do Instituto Brasileiro de

Economia da Fundação Getúlio Vargas (IBRE/FGV). Além terem contribuído

grandemente os resultados de entrevistas com representantes de instituições

religiosas ou relacionadas, e as muitas discussões informais com professores e

amigos propiciadas no ambiente acadêmico e pessoal.

O presente assunto que muitas vezes tem sua abordagem polemizada em

decorrência da natureza dos valores que são postos à prova em cada discussão,

centrou-se tão somente em sua proposta acadêmica mais simples, que relaciona

dois conceitos muito próprios através de um estudo imparcial e, portanto,

tecnicamente desprovido de preconceitos que pudessem eventualmente distorcer

tendencialmente seus resultados. Assim, limita-se às fronteiras do método

científico sem invadir o campo das opiniões pessoais.

Desta forma, ao presente trabalho não atribuímos nem tampouco o menor

resquício de pretensão de reduzir o campo da religião tão somente ao aspecto

econômico e de mercado pelo qual o abordamos. Pelo contrário, reconhecemos

seus vieses independentes em absoluto deste padrão de abordagem e o absurdo

que nos parece submeter a grandeza da religião exclusivamente à dinâmica de

concorrência entre os grupos que a compõem. Neste sentido, em hipótese

alguma este trabalho contempla a idéia de que os indivíduos direta e

indiretamente envolvidos nas relações sociais ligadas ao fenômeno religioso o

fazem por motivações de caráter estritamente econômico. A fé e crença das

pessoas são plenamente reconhecidas e respeitadas, independendo, portanto, da

dinâmica de mercado à qual acreditamos que o campo religioso esteja

inevitavelmente submetido; dada a sucessão de transformações sociais que nos

antecedem e permanecem.

Page 20: O Oligopólio Da fé (PT_BR)

7

Ainda que especificado este foco e não obstante ao conjunto de referências

sob as quais este estudo foi desenvolvido, reconhecemos suas limitações e

deficiências no tangente à profundidade de análise de cada elemento presente.

Admitimos, neste sentido, a superficialidade com a qual alguns dos pontos de

menor relevância foram tratados, ainda que extremamente férteis para uma

análise mais apurada. Contudo, o presente estudo traz consigo, dentro destes

limitantes, um empenho maximizado, orientado a uma análise modesta da

estrutura de mercado da concorrência religiosa, pautadas sobre os princípios de

moralidade e ética de uma iniciação científica séria e dedicada.

Page 21: O Oligopólio Da fé (PT_BR)

8

CAPÍTULO 1 – OLIGOPÓLIO: ESTRUTURA DE MERCADO

1.1 Retrospectiva: concentração de capital e a consolidação da etapa

monopolista do capitalismo

Para o entendimento da consolidação do oligopólio enquanto estrutura de

mercado predominante na economia moderna e cuja teoria é instrumento desta

monografia de conclusão de curso, recorremos a uma retrospectiva dos fatos ao

longo da história econômica que explicaram o surgimento do capitalismo

propriamente dito, bem como as substanciais modificações em sua estrutura.

Devido a suas características marcantes, usa-se conceituar a primeira

etapa do sistema capitalista como concorrencial, que teve como lócus a Grã-

Bretanha da 1ª Revolução Industrial. Nesta fase o processo de desdobramento do

capital de sua forma acumulativa primitiva para a forma industrial foi marcado pelo

aparecimento de muitas pequenas unidades fabris conduzidas por “homens

práticos”; em geral, seus próprios proprietários, operando em condições de

competição mais ou menos perfeitas, nas quais os preços eram determinados

pelas forças de oferta e procura (dos tempos de Adam Smith e David Ricardo).

A associação de um padrão tecnológico relativamente simples, de fácil

aprendizado, transmissão e absorção7, ao baixo volume de capital inicial

requerido para se instalar um novo empreendimento e, fundamentalmente, às

condições manufatureiras, mercantis e de distribuição8 pré-existentes na

Inglaterra, criou condições para que neste país o processo de expansão

capitalista tivesse sua gênese.

Com a facilidade para que novas empresas se instalassem no mercado e a

facilidade de mobilidade dos fatores de produção, em particular, do capital, a

7 Anotações de aula de Desenvolvimento sócio-econômico, ministrada pelo professor Lineu Carlos Mafezolli. 8 E. J. Hobsbawm (1978) apontou em Da Revolução Industrial Inglesa ao Imperialismo como fator de vantagem da Grã-Bretanha no campo dos transportes e das comunicações o fato de que nenhuma parte do país achava-se a mais de 112 Km do mar e menos ainda de algum curso de água navegável.

Page 22: O Oligopólio Da fé (PT_BR)

9

etapa concorrencial do capitalismo foi também caracterizada pela “tendência a

igualdade da taxa de lucro entre os vários capitais investidos na economia”9.

O professor Alonso em sua tese de doutoramento (OLIVEIRA, 1978)

afirmou sobre o capitalismo concorrencial, que esta fase “conforma uma estrutura

econômica cuja reprodução é regulada por mecanismos puramente econômicos”

e, portanto, sua expansão podia dispensar apoios externos, que, na fase da

acumulação primitiva, foram oferecidos pelo estado absolutista. O que garantia

novos investimentos às empresas eram os seus próprios lucros.

No entanto, a partir da segunda metade do século XIX, “nas principais

economias centrais, começa a se desenvolver a emergência da etapa

monopolista do capitalismo”10. Durante esta fase de re-configuração do sistema

pôde-se observar a intensificação do processo de concentração do capital,

“centrado, ao mesmo tempo, numa aceleração do ritmo de incorporação do

progresso técnico e numa nova tecnologia [...], baseada na aplicação direta da

ciência e da investigação científica”11.

Este processo de concentração, durante a 2ª Revolução Industrial, “vai

promovendo a monopolização dos principais mercados industriais por empresas

cada vez maiores”12, minimizando a importância da concorrência via preços como

forma de ocupar uma maior fatia do mercado, e transformando a concorrência

numa “rivalidade oligopolista"13.

Como explicação das razões da intensificação do processo de

concentração capitalista, várias óticas podem ser assumidas, tal como a da

revolução dos transportes, com o advento das ferrovias. Esta inovação elevou a

capacidade das empresas de atenderem regiões mais distantes, as quais

procuraram expandir suas plantas de modo a poderem produzir mais, com

menores custos, extraindo ganhos de escala que lhes colocassem em posição de

vantagem frente às concorrentes, incorporando fatias de mercado.

9 Anotações de aula de Desenvolvimento sócio-econômico, ministrada pelo professor Lineu Carlos Mafezolli.. 10 Material de apoio às aulas de Desenvolvimento sócio-econômico, ministradas pelo professor Lineu Carlos Mafezoli, 2º semestre de 2004. 11 Idem. 12 Idem. 13 Márcio Andreolli, A estrutura oligopolista de mercado: a indústria de cerveja como oligopólio diferenciado. São Paulo: PUC/SP, 1999. O emprego do termo “rivalidade”, em especial quando associado ao oligopólio, será explicado no próximo tópico (1.2).

Page 23: O Oligopólio Da fé (PT_BR)

10

Bain (1963 apud ANDREOLLI, 1999, p. 20) apontou a expansão da ferrovia

como responsável pela unificação dos mercados, que, associada aos avanços

tecnológicos, teria promovido o processo de concentração na economia

americana.

Para Hilferding (apud ANDREOLLI, 1999, p. 17), no entanto, o que leva à

passagem da fase concorrencial para a monopolista é genericamente a busca

incessante do maior lucro possível. O capitalista aumenta seu lucro expandindo

sua área de atuação, vendendo em outros mercados, que oferecessem margens

de lucro superiores à média; ou devido ao seu mercado estar oferecendo

margens de lucro inferiores à média. Para o autor, neste momento de migração

para outros mercados, o capitalista se defronta com outras empresas já instaladas

e, por conta disso, com necessidade de capital substancialmente maior,

explicando, nos ramos mais dinâmicos da economia, a substituição das pequenas

empresas, características do capitalismo concorrencial pelas grandes.

A ampliação da escala de produção pode conduzir à incorporação de

capitais já estabelecidos em um mercado, por outras empresas. Esta

incorporação é uma tendência paralela à natureza de acumulação e concentração

típica do capitalismo e caracteriza um fenômeno importante do sistema: a

centralização de capital; definida por Marx como a “expropriação de capitalista por

capitalistas, transformação de muitos capitalistas menores em poucos capitalistas

maiores”14.

Pode ser entendido como derivado do processo de concentração, com

centralização de capital, o fenômeno conhecido como verticalização ou integração

vertical, com a formação de grupos econômicos nos quais várias empresas de

diversos setores – industriais ou não – são de propriedade de um mesmo capital.

Estes grupos são comumente formados a partir do momento que uma empresa

identifica uma dependência sua em relação a uma fornecedora, de insumos

básicos como o algodão para a indústria têxtil, por exemplo; ou em relação um

intermediário do intervalo da cadeia produtiva que a une aos seus clientes, tais

como os fornecedores de crédito ao consumidor. Esta empresa pode resolver,

portanto, produzir para si mesma aquilo que lhe gera dependência, incorporando

a empresa fornecedora, e constituir com isso um grupo vertical.

14 Karl Marx, “A lei geral da acumulação capitalista”. O Capital. Livro I. 2ª ed., Coleção Os economistas. São Paulo, Ed. Nova Cultural. 1985 (1867), vol. I, Cap. XXIII: p. 196.

Page 24: O Oligopólio Da fé (PT_BR)

11

A título de exemplo, pode ser apontada a iniciativa realizada pelo Grupo

Votorantim, do empresário Antônio Ermírio de Moraes, que construiu usinas

produtoras de energia elétrica para atenderem a fabricação de alumínio de sua

companhia, a CBA – Companhia Brasileira de Alumínio15.

Chandler (1962 apud ANDREOLLI, 1999, p. 19) apontou em seus estudos

que o processo de concentração da economia americana seria decorrente de dois

fatores, dentre eles a incapacidade da rede atacadista de propiciar crédito ao

consumidor e assistência técnica aos bens duráveis, e, no que diz respeito aos

bens perecíveis, incapacidade de armazenamento. Com isso o caminho lógico

para o crescimento da empresa seria através das fusões e da contribuição das

Sociedades Anônimas (ANDREOLLI, 1999).

Teve, portanto, além do crédito voltado à produção, papel fundamental no

processo de centralização econômica, que marcou a etapa moderna do

capitalismo oligopolista, as grandes corporações de capital aberto, Sociedades

Anônimas (S/A’s), “dirigidas por executivos e não mais por seus proprietários;

empresas virtualmente ‘socializadas’ e atuando em mercados oligopolísticos, de

competição imperfeita, de preços e salários ‘administrados’, a salvo praticamente

das incertezas da oferta e da procura”16.

Todo este “crescimento das forças produtivas, do progresso tecnológico e

da produção por uma maior escala”, sejam eles decorrentes da acumulação com

concentração inerente ao próprio modo de produção capitalista ou da

centralização, “resultam num enorme incremento do capital”, como afirma

Andreolli (1999). Para o autor este crescimento acentuado de capital implica não

somente a sua dificuldade de transferência, uma vez imobilizado, mas

principalmente a exigência de maiores montantes de capital disponível nas mãos

de um indivíduo para aplicação em determinados setores.

Em decorrência desta exigência de maiores montantes de capital, fruto da

etapa monopolista, ou, a partir de agora, melhor diríamos, etapa oligopolista do

capitalismo, vieram novas barreiras à mobilidade, as quais, para Hilferding (apud

15 Atualmente a CBA é apontada como proprietária de pelo menos quinze usinas geradoras de energia elétrica – duas delas ainda em construção –, responsáveis em conjunto por aproximadamente 2,1469% do potencial energético brasileiro, de acordo com dados do Banco de Informações de Geração da Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL. Disponível em <http://www.aneel.gov.br>. Acessado em 19 Abr. 2005. 16 Material de apoio às aulas de Desenvolvimento sócio-econômico, ministradas pelo professor Lineu Carlos Mafezoli, 2º semestre de 2004.

Page 25: O Oligopólio Da fé (PT_BR)

12

ANDREOLLI, 1999, p. 18), substituíam as “velhas e antigas barreiras jurídicas”,

na forma de novas “barreiras econômicas, que limitavam a liberdade do capital”17.

Em resumo, fatores econômicos, intrinsecamente associados ao sistema

capitalista, sustentaram a superação da etapa concorrencial, em direção ao

capitalismo oligopolista. A acumulação, a concentração em relação ao número de

trabalhadores e, fundamentalmente a centralização de capitais conformaram um

cenário novo às economias mundiais, no qual um número restrito de grandes

corporações, geridas por executivos, que disputam e ao mesmo tempo protegem

seus mercados, sobre os quais têm poder, visando, sobretudo, ganhos aos seus

acionistas.

1.2 O oligopólio segundo seus pressupostos

O objetivo central deste tópico do capítulo primeiro desta dissertação

consiste na definição do conceito de oligopólio à medida que este é comparado

ao conceito de concorrência perfeita, evidenciando as distinções entre essas duas

estruturas de mercado. O entendimento destes conceitos é de fundamental

importância não só para este estudo, mas, de modo geral, para todo o estudo da

realidade econômica, como pôde ser observado no tópico anterior que

demonstrou o processo histórico de superação da estrutura concorrencial no

capitalismo.

A palavra oligopólio é fruto da união do prefixo grego olígos – elemento

presente na composição de várias palavras com significação de pouco18 – com a

palavra pólio, derivada de poléo, cujo significado é negociar; exercer poder ou

influência19. Portanto, etimologicamente oligopólio significa “poder de negociação

de poucos”.

A origem etimológica da palavra denuncia sua distinção econômico-

conceitual mais importante: oligopólio é um tipo de estrutura de mercado, no

sentido de padrão de organização, caracterizado principalmente pelo número

limitado de empresas ofertantes presentes em um determinado setor da 17 Estas barreiras serão tratadas no item 1.4, de acordo com os estudos de Bain. 18 Oligo também pode significar pequeno ou deficiente, de acordo com o Grande Dicionário da Língua Portuguesa (NOVO BRASIL, 1987), verbete “oligo”. 19 Dicionário Priberam, disponível em <http://www.priberam.pt>. Consultar verbete “monopólio”.

Page 26: O Oligopólio Da fé (PT_BR)

13

economia, bem como pela participação deste mercado detida por cada um dos

ofertantes.

O oligopólio pode também ser entendido com uma “tendência que reflete a

concentração da propriedade em poucas empresas de grande porte, pela fusão

entre elas, incorporação ou mesmo eliminação (por compra, dupping e outras

práticas restritivas) das pequenas empresas”, como definiu Sandroni (2001)20.

Naturalmente, este número limitado de ofertantes que concentra

significativos montantes de capital nas mãos de poucas empresas, o que lhes

permite conquistar um poder de mercado diferenciado em relação ao existente em

situação de concorrência entre muitos ofertantes (concorrência perfeita ou,

simplesmente, concorrência), exige dos dirigentes das empresas oligopolistas

atenção redobrada às decisões tomadas por suas rivais.

O emprego do termo rival é, em geral, mais apropriado para definir a

relação existente entre as empresas oligopolistas de um setor, como sugere

Ferguson (2003, p. 369) ao afirmar que “no oligopólio, tecnicamente, falta a

concorrência, porém muitas vezes há intensa rivalidade ou concorrência no

sentido popular”.

O mesmo Ferguson (2003, p. 369) afirma “existir oligopólio quando mais de

um vendedor estiver no mercado, porém quando o número não [grifo nosso] for

tão grande a ponto de se poder negligenciar a contribuição de cada um”,

encerrando, portanto, a definição clássica de oligopólio; trata-se de uma estrutura

de mercado caracterizada pela de existência de poucos ofertantes – pelo menos

dois – de modo que as decisões tomadas individualmente por cada firma não só

podem mas, em geral, de fato afetam o comportamento do setor como um todo.

Doravante conceituado, retornamos então à abordagem do oligopólio do

ponto de vista do problema econômico envolvido, o qual transcende o viés

quantitativo da definição do conceito21, diferenciando qualitativamente esta

estrutura de mercado das demais contempladas pela teoria microeconômica.

De acordo com Ferguson (2003, p. 370), “quando existem poucos

vendedores, cada um deve estar consciente das ações de seus rivais e de suas

reações às mudanças em sua política”; por esta mesma razão, Pindyck e 20 Paulo Sandroni, Novíssimo dicionário de economia. 7ª ed. São Paulo: Best Seller, 2001. Ver verbete Oligopólio. 21 O número de participantes num mercado é o ponto de partida para definir sua estrutura. Ferguson apontou como “conveniente” a classificação dos mercados segundo essa diferença. Ver FERGUSON, 2003. p. 269.

Page 27: O Oligopólio Da fé (PT_BR)

14

Rubinfeld (2002, p. 427) associaram complexidade à administração da empresa

oligopolista uma vez que “as decisões relativas ao preço, nível de produção,

propaganda e investimentos envolvem importantes considerações estratégicas”.

Completam, “pelo fato de haver poucas empresas concorrendo, cada uma deve

cautelosamente considerar como suas ações afetarão as rivais, bem como as

possíveis reações que suas concorrentes terão” (PINDYCK; RUBINFELD, 2002,

p. 427).

Pindyck e Rubinfeld (2002, p. 427) exemplificam esta discussão, ensaiando

a situação hipotética da Ford – uma empresa oligopolista no mercado

automobilístico norte-americano – considerar a possibilidade de conceder um

desconto de 10% sobre as vendas, no intuito de estimular sua demanda. Por

outro lado, a Chrysler e a GM, “sensibilizadas” pela iniciativa unilateral da rival,

poderiam resolver oferecer o mesmo desconto e reduzir a massa de lucro total do

setor; ou iniciar uma guerra de preços com conseqüentes reduções drásticas nos

lucros das companhias, ao concederem descontos de, digamos, 15%, no mínimo.

Por conta desta complexidade administrativa, os rivais podem tentar

adivinhar os planos de cada participante; podem tacitamente concordar em

competir através da propaganda, diferenciação de produtos, reputação, serviços

aos clientes, etc; ou formar expressamente um acordo e cooperar, reconhecendo

seu o potencial de monopólio (FERGUSON, 2003, p. 370). Segundo Ferguson

(2003, p. 370), “há tantos resultados diferentes quanto há oligopólios”, o que

inviabilizaria o exame de cada um deles.

Ao evidenciarmos a restrição do número de empresas participantes, que

são de grande porte e concentram um significativo montante de capital, e, por

conta disso, a existência de um inter-relacionamento entre as ações dos

competidores, chegamos, portanto, ao terceiro pressuposto básico para

caracterização de uma estrutura de mercado oligopolizada: a existência de

barreiras à entrada.

É predominante numa estrutura oligopolizada a existência de barreiras ao

ingresso de novos rivais. Em geral essas barreiras são naturalmente constituídas,

na forma de exigências mercadológicas quanto à escala de produção, padrão

tecnológico, exclusividades no fornecimento de insumos e manipulação das

fontes de matérias-primas, concentração de capital inicial necessário, entre outros

exemplos que serão abordados no item 1.4 deste mesmo capítulo.

Page 28: O Oligopólio Da fé (PT_BR)

15

Em associação a estas características apresentamos a observação

presente na análise do oligopólio de Labini (1986), a qual atribui à preocupação

motriz da empresa oligopólica a manutenção de sua participação no mercado e,

fundamentalmente, sua ampliação. É evidente que, enquanto entidades

capitalistas, não só objetivam, mas inclusive dependem da obtenção de lucros,

contudo a preocupação preponderante seria, de acordo com Labini (1986), focada

na parcela do mercado que detêm.

Outra característica importante para a definição do oligopólio é a base de

competição, a qual, em geral, é menos presente na forma de concorrência de

preços do que na forma de diferenciação de produtos, como atesta Ferguson

(2003, p. 402) ao afirmar que, “em termos práticos, a concorrrência-preço ativa é

raramente observada nos mercados oligopolísticos [e...] a concorrência extra-

preço envolve a diferenciação do produto”. Para Dorfman (1972 apud

ANDREOLLI, 1999, p. 16) também, “os oligopólios se enfrentam recorrendo a

publicidade, variação de produtos, espionagem industrial, mas não via preço”.

Com a diferenciação, as empresas do mercado oligopólico visam assegurar

aos seus produtos um caráter de exclusividade, retirando-os da concorrência.

Assim, as empresas podem conseguir, de acordo com Andreolli (1999),

“vantagens com relação aos seus concorrentes como, por exemplo, a fidelidade

dos consumidores a uma determinada marca em comparação a outra”. Para o

autor, “os meios mais importantes e mais utilizados para acentuar a diferenciação

de um produto a outro são: reputação, embalagem, formato, qualidade, cor, sabor

e investimento publicitário, principalmente através da propaganda” (ANDREOLLI,

1999). No item 1.5, estas bases de diferenciação serão abordadas na forma de

instrumentos estratégicos de competição.

Finalmente, ao tratarmos do oligopólio, pressupomos (i) um mercado

caracterizado por um número pequeno de grandes ofertantes, os quais

concentram um elevado montante de capital e detêm parcelas significativas deste

mercado, sobre o qual têm poder de imposição de preços22. Por conta disso (ii)

estão inter-relacionados, no sentido de que as ações de uma empresa

individualmente afeta as demais, assim como as possíveis reações das demais

também a afetarão. Estas poucas grandes empresas (iii) agem principalmente em

22 Adam Smith já afirmava em A riqueza das nações que “quando o número de empresários é ou tornou-se reduzido, fica fácil, para eles, estabelecerem um acordo de controle de preços”, apud Labini (1986).

Page 29: O Oligopólio Da fé (PT_BR)

16

defesa de suas parcelas do mercado e contam com a imposição natural de (iv)

barreiras à entrada de novos competidores. Competidores que, uma vez

integrantes de um mercado oligopolizado, disputam espaço fundamentalmente

por meio políticas extra-preço, com destaque à (v) diferenciação de produtos,

propaganda e serviços aos clientes.

O conjunto dessas pressuposições evidencia a diferença da estrutura de

mercado oligopolista da abstração teórica da concorrência propriamente dita

(concorrência perfeita), na qual há um (i) elevado número de vendedores e

compradores, de modo que estes são tão pequenos em relação ao mercado, a

ponto de não possuírem influência no preço daquilo que compram e vendem.

Mesmo que vendedores ou compradores individualmente deixem ou ingressem

no mercado, este não sofreria influência. Na concorrência, (ii) o produto é

homogêneo e, portanto, as alternativas de consumo são perfeitamente

substituíveis; (iii) há livre entrada e saída de empresas23; (iv) as informações

detidas por todas as unidades econômicas são plenamente simétricas; e, (v) não

existem restrições de oferta e de demanda dos produtos, já que o mercado seria

naturalmente equilibrado (Lei de Say).

1.3 Configurações da estrutura oligopolista

Este tópico visa caracterizar os tipos de oligopólio segundo as clássicas

configurações possíveis nesta estrutura de mercado propostas fundamentalmente

por Labini (1986); contudo, para seu entendimento, julga-se importante uma

explanação preliminar da origem desta discussão, ainda com a crítica de Piero

Sraffa (apud LABINI, 1986) à teoria marshalliana.

Os economistas neoclássicos usavam classificar as formas de mercado por

meio da observação do número de empresas operando em um setor produtivo. À

medida que o número de empresas fosse relativamente pequeno ou relativamente

grande, o mercado poderia ser classificado como monopólico ou em concorrência,

respectivamente. Segundo esse princípio, quando a produção de um determinado

setor estivesse dividida entre grande número de empresas as conclusões

23 Inexistência de barreiras.

Page 30: O Oligopólio Da fé (PT_BR)

17

específicas da teoria de concorrência poderiam ser aplicadas, mesmo no caso de

poderem ser observadas imperfeições na relação de troca de mercadorias. Essas

trocas seriam consideradas atritos que simplesmente retardariam ou modificariam

ligeiramente os efeitos das forças da concorrência, os quais, em tese,

prevaleceriam.

Para Sraffa (apud LABINI, 1986) essa opinião parecia ser

“fundamentalmente inaceitável”, já que essas imperfeições à condição essencial

da concorrência jamais poderiam ser qualificadas como “atritos” simplesmente;

elas representariam “forças ativas que produzem efeito permanentemente

cumulativos”, ao ponto de serem “objeto de uma análise baseada em condições

estáticas”. Portanto aquilo que assumia caráter insignificante para os economistas

neoclássicos na qualificação de uma estrutura de mercado era, para Sraffa (apud

LABINI, 1986), fator culminante neste processo de determinação da estrutura de

mercado. Concluiu, então, que o número de empresas em um dado ramo não

prova que há ou não concorrência.

A partir desta crítica de Sraffa (apud LABINI, 1986), economistas puderam

questionar a noção comum segundo a qual as grandes empresas, pelo fato de

serem grandes, possuem poder de monopólio. O fizeram aplicando a observação

de Sraffa (apud LABINI, 1986):

Se é verdade que o grande número de empresas em dado setor

de atividade não constitui em si prova e evidência de que naquela

atividade prevaleça a concorrência, é também verdade o

contrário: um número limitado de empresas não significa que

essas empresas tenham poder monopolístico. (LABINI, 1986)

A estrutura de mercado não é determinada, portanto, simplesmente pelo

grau de concentração numa empresa. É fato que em geral essa concentração

acrescenta poder de mercado às empresas, já que se reconhece que a produção

de cada uma das empresas influencia nos preços, mesmo que sensivelmente,

pois exclui a concorrência pura (LABINI, 1986); contudo, via de regra, não se

pode relacionar irrestritamente o poder de mercado com o grau de concentração

deste mercado.

Page 31: O Oligopólio Da fé (PT_BR)

18

Labini (1986) considerou, a título de exemplificação desta observação, a

situação existente na produção de produtos manufaturados de consumo e nas

atividades comerciais, nas quais predominam a existência de muitas pequenas

empresas, aparentemente em concorrência entre si, mas na realidade dotadas de

poderes de mercado bem definidos24. Neste caso, os produtos são diferenciados

entre os vários produtores e cada ofertante é monopolista do seu próprio produto.

A amplitude do “mercado em geral”25 só pode então ser medida a partir do grau

de substitutibilidade, ou mais exatamente, do grau de “elasticidade indireta” da

demanda.

Diante destas considerações, Labini (1986) procurou analisar o oligopólio

considerando-o, em relação à teoria da concorrência imperfeita, “uma posterior

aproximação com a realidade”, e re-classificou esta estrutura de mercado em sub-

estruturas: oligopólio puro ou concentrado, oligopólio diferenciado e oligopólio

misto.

Também foi proposta por Leftwich (1974 apud ANDREOLLI, 1999), em O

sistema e preços e alocação de recursos, uma classificação dos tipos de

oligopólio, segundo o grau de organização corrente entre os participantes do

mercado. O oligopólio conivente e organizado, que corresponde aos cartéis; o

oligopólio conivente e não organizado, caracterizado pelos acordos informais ou

tácitos; e, por último, o oligopólio não conivente e não organizado, no qual as

empresas agem independentemente umas das outras.

Nesta obra trabalharemos com as configurações de oligopólio propostas

por Labini.

1.3.1 Oligopólio puro ou concentrado

Oligopólio concentrado, também chamado de oligopólio puro, foi a

classificação atribuída por Labini (1986) às estruturas de mercado oligopolistas

nas quais existem um elevado grau de concentração técnica e econômica, o que

significa que um número restrito de empresas detém uma parcela significativa do 24 A análise destas formas de mercado foi aprofundada por teóricos da concorrência imperfeita e/ou monopolística, tais como o próprio Piero Sraffa e Joan Violet Robinson (apud LABINI, 1986). 25 Para Labini (1986), na competição entre produtos não homogêneos o conceito de indústria perde seu significado e para o conceito de mercado deve-se distinguir o mercado “particular” dos produtos de cada empresa do mercado “geral”, no qual competem todos os produtos relativamente diferenciados, substitutos mais próximos uns dos outros.

Page 32: O Oligopólio Da fé (PT_BR)

19

mercado. J. Galbraith (1948, p. 107 apud LABINI, 1986) afirma que o “oligopólio é

a maneira mais apropriada para se analisar os mercados industriais dos Estados

Unidos”, baseando-se nas conclusões de vários estudos empíricos da estrutura

da indústria americana26.

Andreolli (1999) atribui a esse alto grau de concentração a ocorrência de

economias técnicas de escala, do elevado montante de capital inicial mínimo, do

controle de tecnologia ou dos insumos e do privilégio dessas unidades produtivas

em relação às condições de financiamento e crédito.

Além do elevado grau de concentração técnica e econômica (i), são

também características do oligopólio concentrado segundo Andreolli (ii) a

existência de barreiras criadas pela técnica em relação aos rivais27; (iii)

homogeneidade de produtos, em que a diferenciação, quando existe, se dá ao

nível da qualidade ou de especificações dos produtos; (iv) liderança de preço de

uma empresa; (v) técnicas importantes de produção, que permitem a coexistência

de empresas de vários tamanhos numa indústria, gerando, por conseqüência,

diferentes níveis de custos de produção.

Os principais setores onde podem ser observadas situações características

de oligopólio concentrado são as indústrias produtoras de insumos básicos como,

por exemplo, ferro, aço, matérias-primas químicas farmacêuticas, eletricidade,

petróleo, cimento, papel e celulose (ANDREOLLI, 1999, p. 27).

1.3.2 Oligopólio diferenciado

Para caracterizar as situações de estruturas de mercado nas quais tem

relevância certa diferenciação de produtos, Labini empregou o termo “oligopólio

diferenciado” ou “oligopólio imperfeito”, expressão esta última por ele considerada

mais apropriada (LABINI, 1986, p. 35).

Para Andreolli (1999) o oligopólio diferenciado é predominante dentre as

indústrias produtoras de bens de consumo não duráveis e suas particularidades

consistem, basicamente, em (i) elevados custos de comercialização, vendas e

propaganda, explicado pela alta diferenciação de produtos; (ii) concorrência entre

26 J. Galbraith, Monopoly and the concentration of economic power. In: Survey of Contemporary Economics. Coordenado por H. S. Ellis. Philadelphia: Blakiston, 1948, p. 107. (apud LABINI, 1986). 27 Andreolli (1999) não se refere às barreiras ligadas ao produto final, mas ligadas à técnica de produção.

Page 33: O Oligopólio Da fé (PT_BR)

20

as empresas via publicidade, principalmente, lançando novos produtos; (iii) pouca

diversidade de técnicas utilizadas pelas empresas; (iv) inexistência de liderança

de preços; (v) minimização dos custos de distribuição, de comercialização e de

transporte; (vi) existência de barreiras à entrada de novas firmas, tanto internas

(ligadas ao produto, tal como marca) quanto externas (gastos e investimentos

necessários para instalação de fábricas com capacidade de produção igual ou

superior à capacidade de produção das fábricas já existentes)28.

O capital requerido das firmas ingressantes nos mercados em oligopólio

diferenciado exige destas firmas a superação das dificuldades de obtenção de

recursos, melhores condições de financiamentos. Terão de captar clientes em

número suficiente para ressarcir o capital investido, ao passo que enfrenta a

reputação de mercado conquistada pelas empresas já instaladas dos clientes

que, no decorrer do tempo, criaram “lealdade” aos produtos que consomem. São

também barreiras à entrada destas empresas no setor caracterizado por esta sub-

estrutura os gastos com publicidade e tecnologia29.

Andreolli (1999, p. 28) também fez questão de destacar como barreira à

entrada, no oligopólio diferenciado, relacionada com a extensão do mercado, a

imposição de dimensões amplas de mercado, impostas pelas empresas situadas,

exigindo que as novas rivais contem com um volume de vendas relativamente

grandes desde o início.

Podem predominantemente ser qualificados como oligopolistas

diferenciados os setores produtores de cigarros, de produtos farmacêuticos,

perfumes, conservas, licores e bebidas30.

1.3.3 Oligopólio misto

Típico de indústrias produtoras de bens de consumo duráveis, tais como

automóveis, pneus, eletroeletrônicos e eletrodomésticos em geral, o oligopólio

misto consiste na forma intermediária entre os dois primeiros conceitos.

Apresenta as características de concentração de capital e de diferenciação de

produtos.

28 Márcio Andreolli, op.cit. 29 Idem, ibidem. 30 Idem, ibidem.

Page 34: O Oligopólio Da fé (PT_BR)

21

1.4 Barreiras à entrada

À medida que os mercados vão se concentrando em um número limitado

de grandes empresas oligopólicas, as características individuais de uma firma têm

forte participação na determinação das características do setor como um todo. Se

num mercado oligopolizado houver uma firma estabelecida que possua uma

determinada capacidade produtiva instalada, de modo que determine seu raio de

atuação, empresas que almejem ingressar neste mercado devem incluir em sua

análise de viabilidade do empreendimento um pré-requisito no que tange ao

tamanho da planta, condizente com o da empresa já estabelecida.

Nos oligopólios, as empresas contam com poder de mercado e, portanto,

discriminam preços de acordo com suas estruturas de custo. Conseqüentemente,

capitais entrantes em potencial somente se sentirão atraídos a ingressarem de

fato no mercado se, ao preço praticado pelas estabelecidas, tiverem expectativas

de lucros compensatórios do investimento.

Implicações como estas são tratadas como barreiras à entrada de novas

empresas competidoras em um mercado. Caracterizam uma condição estrutural

que, em geral, são medidas e analisadas constantemente por firmas

estabelecidas, que visam pelo menos a manutenção, por meio da proteção, de

suas condições de lucratividade, e por firmas entrantes, que apuram suas

possibilidades de extrair retornos. Para Bain (1963, p. 262), estas “condições de

entrada como características estruturais de uma indústria se referem às

vantagens que gozam os vendedores já estabelecidos na indústria sobre os

vendedores potenciais que desejam entrar nela”31.

As barreiras à entrada estruturalmente constituídas (econômicas) se

associam às barreiras legais ou jurídicas e podem também ser entendidas como o

resultado de ações deliberadas dos grandes oligopólios, no sentido de

protegerem seus mercados da contestabilidade por capitais entrantes em

potencial. A teoria dos mercados contestáveis de Baumol (1947) assume que um

31 “Las condiciones de entrada como característica estructural de una industria se refieren a las ventajas que gozam los vendedores ya estabelecidos en la industria sobre los vendedores potenciales que deseen entrar en ella” (BAIN, 1963. p. 262).

Page 35: O Oligopólio Da fé (PT_BR)

22

mercado é considerado contestável quando, dentre outros fatores, inexistem as

barreiras à entrada e à saída (ausência de custos irreversíveis) de capitais. Neste

caso, uma firma pode entrar no mercado contestando a estrutura de custos das

empresas já estabelecidas e competindo com elas, extraindo lucros até que uma

reação do mercado a convença a deixar a competição32.

Com base nos estudos de Bain (1956), seguiremos classificando e

definindo estas barreiras à entrada que fazem parte da caracterização da

estrutura de mercado oligopolística, dividindo-as em três tipos: barreiras

constituídas por economias de escala, barreiras constituídas pelo custo absoluto e

barreiras constituídas por diferenciação de produtos.

1.4.1 Economias de larga escala como barreiras à entrada

Empresas que operam com grandes escalas de produção naturalmente

apresentam custos médios reduzidos, já que a parcela fixa dos custos e despesas

totais é rateada entre uma quantidade maior de produtos fabricados e, portanto,

pode-se dizer que quanto maior a escala de produção; menores os custos

unitários. Baseando-se nesta observação, Bain (1956) apontou como uma

barreira à entrada de novas empresas competidoras a escala mínima de

produção que lhes são requeridas para que operem com custos médios similares

aos apresentados pelas empresas estabelecidas no mercado. Caso uma empresa

entrante não seja capaz de operar em grande escala, ela encontrará

desvantagens quanto aos seus custos, que podem, inclusive ser superiores aos

preços praticados.

Presume-se que empresas com capacidade de investimento publicitário

que resulte em significativos incrementos na quantidade vendida, tal como

informe comercial em rede de televisão aberta durante o horário considerado

nobre, tendam a pagar menos por unidade acrescida nas vendas do que

empresas que anunciem num jornal de distribuição regional restrita, às quartas-

feiras, por exemplo33. Neste caso específico, a empresa com poder de opção pela

32 Baumol (1947) acreditava que, no intuito de prevenirem-se da contestação, as empresas estabelecidas tenderiam à máxima eficiência. Assim, manter-se-iam num nível de custos que lhes permitissem transacionar a preços baixos, de modo que os rivais em potencial não se sentiriam motivados a ingressar no mercado. 33 O exemplo do anúncio de jornal distribuído em quarta-feira deve à presunção de que, em geral, às quartas-feiras vendem-se menos jornais do que aos domingos.

Page 36: O Oligopólio Da fé (PT_BR)

23

publicidade de TV, obteria ganhos de escala superiores aos da rival menos

poderosa.

Podem ser apontadas como principais economias de escala as obtidas de

acordo com o nível de produção, pesquisa, marketing e serviços. Andreolli (1999)

associa também às barreiras à entrada por economias de escala o acesso aos

canais de distribuição, para os quais geralmente são privilegiados os fabricantes

de produtos com maior aceitação junto aos consumidores.

1.4.2 Vantagens de custo absoluto das empresas estabelecidas como

barreiras à entrada

As barreiras à entrada constituídas pela vantagem de custo absoluto das

empresas estabelecidas em relação às entrantes consistem no pressuposto de

Bain (1956) de que “os custos unitários de produção das firmas potencialmente

entrantes são geralmente, e mais ou menos a quaisquer escalas comuns de

operações, superiores aos das firmas estabelecidas”34. Em terminologia da teoria

de preços, significa afirmar que a curva de custo médio a longo prazo em função

da quantidade produzida encontrar-se-ia em um nível mais elevado para a

empresa entrante do que para a empresa já estabelecida.

Para Bain (1956), essa vantagem da empresa estabelecida existiria no

caso de a empresa entrante apropriar-se de técnicas de produção inferiores às

utilizadas, ou sujeitar-se ao pagamento de preços mais elevados dos fatores de

produção, tais como trabalho, materiais, plantas e capital monetário. Bain (1956)

categorizou as principais fontes de vantagens por custo absoluto em quatro tipos:

(1) As empresas estabelecidas podem apresentar um controle

superior das técnicas de produção, o que lhes permitiria

inclusive, caso as empresas entrantes sejam coniventes, cobrar

taxas de royalty pela utilização das técnicas que detêm. O

controle dessas técnicas pode ser exercido através de patentes,

procedimentos secretos, ou ambos.

(2) Pode haver imperfeições de mercado que assegurem às

empresas estabelecidas o fornecimento de fatores produtivos a

34 “[...] unit costs of production of potential entrant firms are generally and more or less at any common scale of operations, higher than those of established firms” (BAIN, 1956. p. 144).

Page 37: O Oligopólio Da fé (PT_BR)

24

preços mais baixos do que àqueles que seriam oferecidos às

empresas entrantes.

(3) As reservas de fatores estratégicos, especialmente fontes de

recursos naturais, utilizados como insumos e matérias-primas da

produção, podem ser de propriedade ou controladas pelas

empresas estabelecidas, de modo que estas disporiam da

prerrogativa de fornecer a preços muito altos ou mesmo negar o

acesso às empresas entrantes, obrigando-as a adquirir de outros

fornecedores a preços elevados ou com qualidade inferior.

(4) Finalmente, o quarto tipo de vantagem por custo absoluto

indicado por Bain (1956) refere-se ao crédito para fornecimento

de recursos financeiros com finalidade de investimentos. O

mercado de fundos para investimento poderia impor condições

de custo mais elevado para tomar recursos emprestados às

empresas novas do que às já estabelecidas. Com dificuldades de

obtenção de grandes capitais para investimentos, as empresas

entrantes em potencial encontrar-se-iam em situação de

desvantagem em relação às empresas já estabelecidas, mais

aptas a viabilizarem suas expansões, uma vez que, ao contrário

das primeiras, disporiam de estrutura instalada suficiente para

avalizar o empréstimo.

Em derivação do quarto tipo de vantagem por custo absoluto proposto por

Bain (1956), a exigência de grande volume de capital para investimento é

lembrada, de modo geral, como uma barreira à entrada de novas empresas rivais;

contudo, Andreolli (1999) observa que o requisito de um volume de capital

expressivamente grande apenas pode ser considerado como barreira, caso

consideremos que “os prováveis ingressantes sejam indivíduos de patrimônio

relativamente pequeno perto do montante necessário para montar uma indústria”.

No entanto a realidade nos mostra que, para o caso das grandes indústrias, esta

barreira não teria peso importante, já que estas “poderiam ingressar em qualquer

setor de atividade industrial” com o capital que dispõem.

Andreolli (1999) prossegue sua observação destacando que “não é o

volume de capital em si que se torna uma barreira. Mais importante e significativo

é o fato de que em diversas indústrias, além da massa de capital necessária, o

Page 38: O Oligopólio Da fé (PT_BR)

25

retorno de capital relativamente baixo e o longo prazo de maturação do

investimento afasta os grandes investidores”.

1.4.3 Vantagens por diferenciação de produtos das empresas

estabelecidas como barreiras à entrada

“Compradores podem ter uma preferência, temporária ou permanente, por

alguns ou por todos os produtos estabelecidos [no mercado] quando comparados

aos produtos recém-chegados, e isso pode essencialmente levantar barreiras à

entrada”35. Esta é a afirmação de Bain (1956) que sustenta a indicação da

diferenciação de produtos enquanto barreira à entrada.

Para Andreolli (1999), “a diferenciação de produtos é a forma de barreira à

entrada que reflete, entre outras coisas, a lealdade dos consumidores aos

produtos das empresas estabelecidas há mais tempo”. Em geral, os

consumidores tendem a ser leais a uma marca já conhecida. Por lealdade, hábito

ou mesmo pela inércia de consumo “preferem um ou alguns de uma variedade de

produtos substitutos muito similares” (CHARBERLIN, 1933 apud BAIN, 1956, p.

114). A dificuldade envolvida na transposição desta lealdade e conseqüente

afirmação da nova marca no mercado é a verdadeira barreira à entrada às novas

empresas competidoras.

Para Bain (1956), a diferenciação entre produtos pode se dar através do

desenho ou da qualidade física de cada um, pela embalagem, pela marca mais ou

menos difundida no mercado, pelos serviços auxiliares prestados aos clientes e

por esforços promocionais de venda voltados às especificidades dos

consumidores. Atualmente, podem ser apontadas inúmeras tentativas das

empresas de diferenciarem seus produtos dos de suas rivais, que se estendem

desde a diferença física propriamente dita aos sistemas de financiamentos

oferecidos para aquisição do produto.

Bain (1956) afirma que, em conseqüência da diferenciação dos produtos

pelas empresas estabelecidas, estas asseguram para si próprias a prerrogativa

de elevarem ligeiramente seus preços em relação às rivais, no equivalente ao

excedente que os consumidores se dispõem a perder para não terem que optar

35 “Buyers may have a preference, transitory or permanent, for some or all established products as compared to new-entrant products, and this may in essence erect some barrier to entry” (BAIN, 1956. p. 114).

Page 39: O Oligopólio Da fé (PT_BR)

26

por uma marca desconhecida. Mesmo com a perda de uma pequena parcela dos

consumidores de seus produtos, às empresas são compensatórias as elevações

de preços. Não obstante, é prática comum, embora não absoluta, a diferenciação

entre produtos de uma mesma empresa, formando linhas de um mesmo produto,

com níveis de preços diversos, visando atender várias classes de consumidores.

A fidelidade dos clientes pelos produtos das empresas estabelecidas

implica esforços de superação desta barreira pela empresa entrante em potencial,

sujeitando-se à prática de preços mais baixos; com incorporação de tecnologia

superior evidente; e, sobretudo, com muito investimento publicitário e promocional

de vendas para demonstrar a superioridade (física ou abstrata) de seu (ou seus,

eventualmente) produto em relação àqueles que os clientes estão habituados a

consumir.

A diferenciação de produtos é, certamente, o mecanismo de autodefesa

mais importante da estrutura oligopolista. Permite às empresas estabelecidas

vantagens de manutenção do preço praticado, concentrando os esforços de

disputa das participações de mercado nas diferenças de qualidade, embalagem,

durabilidade, desenho, reputação, distribuição, serviços aos clientes e,

fundamentalmente, associado a essas, no emprego da propaganda para

fortalecer sua marca.

A escala de produção em geral reduzida da empresa entrante, quando

comparada às das já estabelecidas, em associação aos esforços de superação da

barreira de diferenciação de produtos, pode resultar em dupla desvantagem à

nova empresa. A combinação de custos médios mais elevados, decorrentes da

baixa escala, com preços reduzidos, com intuito de superar as preferências dos

consumidores, compacta a margem de lucro da empresa entrante, a qual, muitas

vezes, é obrigada a operar com prejuízos por tempo indeterminado, até que seu

produto conquiste adesão e, consequentemente, afirme sua participação no

mercado.

1.5 Estratégias de mercado em oligopólio

Como pôde ser observado no segundo item deste capítulo, compõe o

escopo de pressuposições da estrutura oligopolista de mercado um modelo de

Page 40: O Oligopólio Da fé (PT_BR)

27

competição pouco (ou nada) centrado na disputa de preços. Mesmo nos modelos

mais pragmáticos de abordagem do oligopólio, tal como o de Cournot36 –

excetuando-se o de Edgeworth (FERGUSON, 2003) – o preço era tratado como

estável, “sendo a concorrência para vendas no mercado estabelecida em bases

outras que não a concorrência-preço ativa”, como afirmou Ferguson (2003, p.

402).

Ferguson (2003) fez questão de lembrar que no oligopólio “as guerras de

preços ocasionalmente acontecem”, porém isso não seria indicação de

concorrência-preço, propriamente dita. Segundo o autor, uma guerra de preços

indicaria que “os canais de comunicação (provavelmente implícitos) entre as

firmas no mercado estão temporariamente obstruídos”, e, portanto, é temporária

até que se re-estabeleçam as vias prioritárias de competição.

De acordo com Ferguson (2003) os mecanismos de concorrência extra-

preço são os mais diversos, contudo, dentre eles, destacam-se no oligopólio os

meios que envolvem a diferenciação do produto mais ou menos homogêneo, cuja

importância enquanto meio de imposição de barreiras à entrada de novas rivais

foi tratada anteriormente.

Os graus de diferenciação dos produtos das indústrias, em geral, podem

ser classificados por faixa de intensidade, as quais se associam às técnicas de

concorrência extra-preço comumente utilizadas, que incluem a propaganda, a

qualidade do produto, o desenho, os serviços complementares prestados aos

clientes, etc. Estrategicamente, as empresas compõem um mix destas técnicas,

que neste tópico procuraremos exemplificar.

Este item, de modo geral, visa analisar modestamente os instrumentos

estratégicos adotados pelas empresas oligopolistas diante do mercado, com o fim

de atenderem aos seus objetivos de expansão de suas participações (“atrair

fregueses”37) e obtenção de lucro. Sendo assim, além dos meios de concorrência

extra-preço, estão presentes também nesta discussão as estratégias de redução

da concorrência, alianças na forma de cartéis e lideranças colusivas, que

aumentam a rigidez da indústria e, de acordo com as teorias clássicas, roubam o

excedente dos consumidores. 36 Sobre o modelo de Cournot podem ser consultados PINDYCK & RUBINFELD (2002) e FERGUSON (2003). O assunto não foi abordado nesta pesquisa devido à inviabilidade de tratamento das variáveis preço e quantidade para o objeto deste estudo: a concorrência entre as religiões. 37 Expressão utilizado por Ferguson (2003, p. 402).

Page 41: O Oligopólio Da fé (PT_BR)

28

1.5.1 Bases de competição extra-preço

Ferguson (2003) evidencia dentre as técnicas de competição extra-preço,

que visam romper a barreira da diferenciação de produtos e conquistar para a

firma participação no mercado, a propaganda, os diferenciais de qualidade e as

diferenças de desenho.

A propaganda, para o autor, é talvez a técnica mais importante e tem sido o

mais “aceito e aceitável” método de “atrair fregueses”, dentre os homens de

negócios, nos Estados Unidos e nos países europeus. O autor aponta a

propaganda como uma “prática estabelecida e presumivelmente válida porque, de

outra forma, os empresários não continuariam gastando bilhões de dólares

anualmente nesse tipo de concorrência extra-preço” (FERGUSON, 2003), mesmo

diante da “obscuridade” da discussão dos prós e contras dos gastos com a

propaganda.

A criação de diferenciais de qualidade entre os produtos é também uma

forma importante de concorrência extra-preço. Em geral, a empresa oligopolista

procura segmentar, de acordo com o potencial de consumo, os mercados em sub-

mercados, para os quais desenvolve produtos com diferentes qualidades e,

conseqüentemente, possam atender ao poder de compra de cada classe. A

segmentação do mercado em sub-mercados permite ao oligopólio discriminar

preços diversos, em função da qualidade dos produtos ofertados, de acordo com

o ponto da curva de demanda que se encontram os consumidores, protegendo-se

da exclusão das fatias de mercado sem correspondência com o preço único

praticado.

Ferguson (2003) cita a indústria de automóvel como exemplo da

concorrência extra-preço por criação de diferenciais de qualidade. No Brasil,

igualmente, o exemplo pode ser utilizado; a General Motors (marca Chevrolet, no

Brasil) produz veículos com diferenciais de qualidade de acordo com o público-

alvo ao qual se destina. A empresa fabrica os modelos Corsa e Celta (populares);

Astra (médio); e Vectra ou Ômega (executivos).

Contudo, bem como a GM, as outras empresas rivais também adotam a

estratégia. A Volkswagem, de capital alemão, oferece ao mercado os modelos

Gol e Fox (populares); Pólo e Golf (médios); e Passat (executivo). A italiana Fiat,

Page 42: O Oligopólio Da fé (PT_BR)

29

por sua vez, possui os modelos Uno e Palio (populares); Brava e Stilo (médios); e

Marea (executivo). À medida que todas as empresas tendem a adotar a estratégia

de diversificar suas linhas de produção com produtos de diferentes qualidades e

preços, os modelos de uma companhia passam a disputar mercado com os

modelos das demais companhias. Assim os modelos Gol, Corsa e Palio disputam

entre si a liderança na categoria popular; tanto quanto os modelos Ômega, Passat

e Marea. Dessa forma, “no mercado amplo existe não só a concorrência para criar

novas classes de qualidade e obter a superioridade competitiva de ser o primeiro

no mercado, como também a concorrência dentro das classes” (FERGUSON,

2003, p. 403).

É importante lembrar que os diferenciais de qualidade não implicam

necessariamente um avanço tecnológico que promova aumento do bem-estar do

consumidor; podem limitar-se a diferenças estéticas, por exemplo, que não

apresentem a rigor variações de qualidade de uso. Isso nos leva a um terceiro

tipo de concorrência extra-preço: as diferenças de desenho.

Regularmente as fabricantes buscam dar novos designs aos seus

produtos. As gerações do modelo Gol, da Volkswagem, apresentaram evoluções

efetivas na qualidade das peças e do motor, no entanto o que distingue uma

geração de outra é, fundamentalmente o design. Outro exemplo pode ser

encontrado na indústria de eletroeletrônicos, com destaque ao aparelho de

telefonia celular; boa parte dos modelos de uma mesma fabricante possui

basicamente as mesmas funcionalidades, sem diferencial de qualidade,

entretanto são vários os desenhos, que podem custar R$ 300,00 ou R$ 1.500,00.

Ferguson (2003) cita como exemplo o mercado dos clubes de golfe. Os

produtores “mudam os modelos” anualmente para manter a assiduidade dos

freqüentadores. Campos de golfe, mais do que automóveis ou celulares, limitam a

concorrência praticamente somente ao desenho, como afirmou Ferguson (2003,

p. 403).

É certo que propaganda, diferenciais de qualidade e desenho são apenas

três das inúmeras formas de concorrência extra-preço. A estas se associam ainda

a reputação, os serviços prestados aos clientes e, entre outras, os canais de

distribuição.

Baseando-se nos estudos de Bain (1956), Andreolli (1999, p. 37) procurou

classificar algumas indústrias segundo o grau de diferenciação de produtos e

Page 43: O Oligopólio Da fé (PT_BR)

30

associá-las à base de competição – ou mix de técnicas de concorrência extra-

preço – predominante. O quadro conclusivo do estudo de Andreolli, disponível no

Anexo I desta monografia, indica que indústrias com elevado grau de

diferenciação de produtos, tais como de bebidas, cigarros e automobilística,

baseiam suas estratégias de competição principalmente na propaganda. A

indústria de automóvel agrega ainda ao mix as diferenciações de desenho e a

reputação de mercado.

A propaganda é também a base de competição predominante na indústria

com moderada diferenciação de produto. Pneus, calçados e refino de petróleo

associam ainda os diferenciais de desenho, distribuição e serviços aos clientes,

respectivamente. Já o terceiro grupo, com pouca diferenciação de produto

montam seus mixes estratégicos preferindo os serviços aos clientes (indústria de

aço) e a propaganda e o desenho (indústria esferográfica).

No pólo oposto, encontram-se as empresas com diferenciação de produtos

pouco significativa, tais como as ofertantes de cobre, cimento, papel e celulose e

matérias-primas em geral, que não possuem base de competição por

diferenciação de produtos.

Andreolli (1999) conclui neste estudo que “a diferenciação de produtos é,

notadamente, mais importante nas indústrias de bens de consumo do que nas de

bens de capital”. E, portanto, instrumentos como a propaganda são mais

utilizados pelos setores que atendem o mercado consumidor final (massa

assalariada, por exemplo) do que pelos setores que atendem empresas.

1.5.2 Alianças estratégicas

As alianças entre empresas oligopolistas rivais são ações de mercado

estratégicas para as empresas que visam limitar a atuação das forças

competitivas. A forma mais objetiva das alianças é o cartel. Trata-se do acordo

explícito (formal) entre produtores para firmarem entre si preços e níveis de

produção a serem praticados no mercado. Muito embora os cartéis eventualmente

tomem a forma de coalizão aberta, geralmente são compostos em reuniões

secretas, pois as empresas encontram-se sob a fiscalização constante das

autoridades que zelam pelo exercício da livre concorrência, a qual supostamente,

Page 44: O Oligopólio Da fé (PT_BR)

31

traria eficiência aos mercados e, por conseguinte, qualidade de vida dos seus

integrantes.

No Brasil, o órgão federal responsável pelo acompanhamento dessas

condições de mercado é o Conselho Administrativo de Defesa Econômica

(CADE). É uma agência judicante transformada em autarquia vinculada ao

Ministério da Justiça que, entre outras atribuições, “zela pela livre concorrência,

difunde a cultura da concorrência por meio de esclarecimentos ao público sobre

as formas de infração à ordem econômica e decide questões relativas às mesmas

infrações. As atribuições da agência estendem-se a todo território nacional”38.

“Os cartéis de conspiração aberta e secreta oferecem os melhores

exemplos de cartéis”. Contudo, de acordo com Ferguson (2003, p. 393),

associações comerciais e órgãos de classe, latu sensu, “realizam muitas funções

normalmente associadas a um cartel”.

Os cartéis são freqüentemente acusados de promoverem acordos que

viabilizem a prática de preços superiores àqueles resultantes da competição entre

os participantes, de modo a maximizarem seus lucros. Podem também acordarem

cláusulas de quotas de mercado que correspondam aos interesses de todos os

integrantes do cartel, dada as estruturas de custo e capacidade produtiva de cada

um.

Um famoso exemplo de cartel é a OPEP. Uma organização dos maiores

países em produção de petróleo, inicialmente fundada por Arábia Saudita, Iraque,

Irã, Kuweit e Venezuela e, posteriormente, integrada por Argélia, Equador,

Gabão, Indonésia, Líbano, Nigéria, Qatar e a União dos Emirados Árabes, que

surgiu com o objetivo de estabelecer uma política comum em relação ao petróleo

e que há vários anos vem “obtendo sucesso na elevação dos preços mundiais do

petróleo bem acima dos níveis competitivos”, como afirmaram Pindyck e

Rubinfeld (2002, p. 450).

Segundo Pindyck e Rubinfeld (2002) há duas condições principais para que

um cartel tenha sucesso. A primeira é que os membros respeitem as cláusulas

negociadas, formando uma organização estável, o que pode se apresentar uma

tarefa mais difícil do que se imagina. Embora a coalizão seja coletivamente

racional, membros do acordo podem se sentir tentados a quebrar o pacto, pois se

38 Conselho Administrativo de Defesa Econômica. O que o é CADE. Disponível em <http://www.cade.gov.br/apresentacao/cade.asp>. Acessado em 03 Mai. 2005.

Page 45: O Oligopólio Da fé (PT_BR)

32

apropriar da vantagem relativa com preços inferiores aos praticados por todos os

outros membros, mesmo que por um tempo limitado, pode ser individualmente

mais racional. Inicialmente a OPEP, por exemplo, habituou-se a praticar preços

acordados por todos os membros, no entanto, a partir de 1976, um sistema dual

de preços foi introduzido devido à decisão da Arábia Saudita e dos Emirados

Árabes de manutenção de preços mais baixos do que os demais praticados pelos

membros do cartel39.

A segunda condição apontada por Pindyck e Rubinfeld (2002) é a

existência de condições de exercício de poder de monopólio; ou seja, a

elasticidade da demanda é um fator importante para determinação das forças de

imposição de preços por um cartel.

A existência de um cartel não está condicionada à participação de todas as

empresas atuantes em um mercado. Basta que as integrantes do acordo,

conjuntamente, possuam poder de mercado suficiente para impor suas cláusulas

às demais através do próprio mercado. Os cartéis podem ser constituídos

também por um grupo seleto de integrantes que objetivem “aniquilar” um

concorrente comum dentro da indústria.

Além desta conivência organizada entre as empresas oligopólicas na

determinação das variáveis de mercado – preço e quantidade, por exemplo –, são

também uma espécie de aliança as lideranças não organizadas, nas quais

tacitamente algumas empresas decidem seguir as diretrizes escolhidas por uma

empresa líder.

Em geral este tipo de acordo não organizado, principalmente no que se

refere à determinação do preço, pode se dar pelo (i) domínio do mercado por uma

empresa líder, ou seja, quando uma firma detém pelo menos metade do total das

indústrias e as outras não são grandes o bastante para contrapor sua liderança;

(ii) quando, simplesmente, as empresas reconhecem o interesse comum tendo

um comportamento cooperativo, ou seja, sobrepõem os interesses coletivos aos

individuais (liderança colusiva); e, finalmente, (iii) quando uma empresa assume a

liderança por desempenhar bem o papel de “barômetro” das condições de

mercado, medindo suas pressões (liderança barométrica).

39 Paulo Sandroni, Novíssimo dicionário de economia. 7ª ed. São Paulo: Best Seller, 2001. Ver verbete OPEP – Organização dos Países Exportadores de Petróleo.

Page 46: O Oligopólio Da fé (PT_BR)

33

1.6 Exemplo de mercado oligopolizado: a indústria de bebidas no Brasil

Márcio Andreolli (1999), para obtenção do título de Mestre em Economia

pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, apresentou em dissertação de

1999, A estrutura oligopolista de mercado: a indústria de cerveja como oligopólio

diferenciado, como o próprio título sugere, um estudo que procurou classificar a

indústria de cerveja brasileira como um oligopólio diferenciado; ou seja, composta

por poucas grandes empresas atuantes num mesmo mercado, centradas na

diferenciação de produtos enquanto característica marcante.

Andreolli (1999) concluiu que a compatibilidade era justificável, em sua

maior parte, pelos aspectos diferenciáveis do produto, pela dificuldade envolvida

na entrada de novas firmas competidoras no setor, pela quantidade de empresas

atuantes no mercado e, “fundamentalmente”, pela “identificação de um processo

de concorrência priorizando o investimento publicitário” (ANDREOLLI, 1999, p.

93).

Dentre os aspectos diferenciáveis do produto, apontou que todos que

tangem à qualidade, formato e sabor “têm sua parcela de importância”. O aspecto

qualidade é tratado pelas cervejarias com investimentos em profissionais e em

laboratórios que sustentem um alto nível de qualidade para o produto. Nos

quesitos formato e tipo de embalagem, as empresas constantemente procuram

desenvolver novas embalagens. Bem como estudam novas fórmulas de

fabricação e as fórmulas de suas concorrentes no intuito de providenciarem

aprimoramentos no sabor (gosto).

Em associação aos aspectos diferenciáveis do produto, as empresas

recorrem ao “que há de melhor em termos de marketing” para conquistar a

simpatia do consumidor e defender sua reputação de mercado. Juntos

“constituem elementos de grande importância para a performance mercadológica

e financeira da indústria de cerveja”.

Andreolli (1999) indicou como barreira à entrada de novas firmas

competidoras na indústria de bebidas a (i) necessidade de grandes investimentos

em vendas, ou seja, a alta escala de produção exige da empresa entrante

investimentos em pontos de venda e distribuição e mão-de-obra qualificada; (ii)

altos investimentos na compra de equipamentos e na aplicação de tecnologia,

Page 47: O Oligopólio Da fé (PT_BR)

34

que requer cuidados especiais dada a irreversibilidade e inadaptabilidade para

outras atividades, configurando não só barreira de capital, mas também uma

barreira à saída; e (iii) investimentos elevados em publicidade, especialmente

para TV, rádio e jornal, de modo a romper a barreira de diferenciação de produtos

que atribui a preferência dos consumidores aos produtos já estabelecidos.

Poucas empresas dominam o mercado. No ano da pesquisa, Antarctica,

Brahma, Kaiser e Skol destacavam-se no mercado. Logo em seguida, a indústria

concentrou-se ainda mais com a formação da AmBev. A reputação destas

empresas estabelecidas gera grande dificuldade de conquista de espaço no

mercado pela empresa entrante.

Ações ou reações isoladas de qualquer das maiores empresas presentes

na indústria interferem no comportamento do mercado, no entanto, Andreolli

(1999) afirmou que dentre as empresas líderes até então, “acordos” ou “parcerias”

preveniam grandes impactos no mercado e procuravam manter o sucesso dos

produtos de cada empresa.

O instrumento de concorrência predominante na indústria analisada por

Andreolli (1999, p. 96) é o investimento publicitário, o qual permitiria modificar a

posição de demanda de um produto no mercado, “através das informações

levadas ao consumidor por um veículo de comunicação, sobre a marca, a

qualidade, a beleza, o formato e o sabor de um produto”. “Através da divulgação

eficiente da propaganda, as cervejarias pretendem alcançar seus objetivos de

manter e ampliar suas vendas e conseqüentemente obter o maior lucro possível”

(ANDREOLLI, 1999, p. 95).

O conjunto destas características foi suficiente para Andreolli (1999)

configurar a indústria de cerveja no Brasil como um oligopólio diferenciado, cujas

características foram tratadas no item 1.3.2 desta monografia.

Page 48: O Oligopólio Da fé (PT_BR)

35

CAPÍTULO 2 – O CAMPO RELIGIOSO

2.1 O que são as igrejas e o que elas “vendem”

Ao longo deste segundo capítulo procuraremos definir o objeto de estudo

chave deste trabalho e apontar algumas de suas características comportamentais

mais importantes para o contexto em que se insere. Em específico neste primeiro

tópico, trabalharemos as instituições religiosas enquanto indivíduos que compõem

um setor de atividade e, portanto, analisaremos, em termos de mercado, suas

características mais genéricas. Em outras palavras, desenvolveremos o conceito

de instituição religiosa pela ótica da troca, na qual estas prestam um serviço à

sociedade a qual, de alguma forma, lhes retribui; transação esta que objetiva,

sobretudo, a máxima satisfação das partes envolvidas.

As observações reunidas a partir de agora se fazem válidas para todas as

instituições religiosas, independentemente de suas participações; contudo,

centrar-nos-emos com saliência na figura específica de uma delas: a igreja.

Reconhecemos algumas das particularidades que distinguem a igreja, por

definição, de outros conceitos de instituição religiosa, tal como a seita. Enquanto

as primeiras teoricamente são pluriclassistas (não discriminam seus adeptos de

acordo com perfis), defendem a salvação universal e aceitam o mundo; as outras

se definem antagonicamente por serem, em geral, monoclassistas, pela prédica

de uma salvação exclusiva para os iniciados na religião e pela recusa do mundo,

ou seja, pela crença na proximidade do fim dos dias.

Ainda que observadas essas particularidades e, principalmente,

considerada suas importâncias para algumas conclusões ex-post às

considerações finais desta pesquisa, em termos de abrangência da aplicabilidade,

trabalharemos com uma simplificação num primeiro momento. O termo igreja será

usado em referência a todas as instituições representantes da religião cristã,

notadamente, pela predominância deste tipo específico de instituição religiosa na

sociedade brasileira – lócus desta análise – e pela possibilidade de associação

das principais idéias a seguir também às demais instituições representantes de

Page 49: O Oligopólio Da fé (PT_BR)

36

outras religiões como as mesquitas islâmicas, as sinagogas judaicas, ou mesmo o

conjunto que reúne os chamados “sem religião”.

De acordo com enciclopédia eletrônica Wikipédia, o termo religião nasceu

com a língua latina, podendo ter três interpretações diferentes: (i) “re-legio" (re-

ler), um significado atribuído por Cícero40 para descrever a repetição de

escrituras; (ii) "re-ligio" (re-ligar), o que poderia significar a tentativa humana de

"religar-se" às suas origens, ao seu criador ou ao seu passado; e (iii) "re-ligio" (re-

atar), no sentido de "prender", não de "conectar", significando uma restrição de

possibilidades. “Independente da origem, o termo é adotado para designar

qualquer conjunto de crenças e valores que compõem a fé de determinada

pessoa ou conjunto de pessoas. Cada religião inspira certas normas e motiva

certas práticas”41.

Embora consideremos também passível de associação, dispensaremos

neste estudo a extensão do conceito de religião às organizações isentas da idéia

de divindade, tais como grupos simpatizantes de determinadas ideologias sociais

ou econômicas. No intuito de manter uma similaridade42 mínima entre agentes

analisados, trabalharemos com a noção restrita de religião ao institucionalismo

dos serviços ou cultos a uma divindade qualquer, “expresso por meio de ritos,

preces e observância do que se considera mandamento divino“43.

Neste contexto a igreja é uma instituição de natureza religiosa, portanto

centrada nos serviços ou cultos a uma divindade – neste caso, um Deus

onisciente, onipresente e onipotente, criador do universo – e pautada em uma

doutrina, num sistema dogmático e moral que envolve tudo que é sagrado,

devoção e fé.

Etimologicamente, o termo igreja tem origem na palavra grega ekklesia,

cujo emprego era dado para designar uma assembléia ou congregação de

pessoas. No versículo 39 do 19º capítulo do livro de Atos dos Apóstolos, da Bíblia

Sagrada do cristianismo, ekklesia é utilizada no sentido de “assembléia legal” (ou

40 Filósofo, orador, escritor, advogado e político romano (106 a.C.- 43 a.C.), juntamente com Demóstenes é considerado o melhor expoente da oratória clássica. 41 Enciclopédia eletrônica Wikipédia – A enciclopédia livre, verbete “religião”, disponível em <http://pt.wikipedia.org/wiki/Religi%C3%A3o> 42 Esta similaridade traduzir-se-á, em termos econômicos, no grau de substitutibilidade dos serviços prestados pelas instituições religiosas. 43 Michaelis – Moderno Dicionário da Língua Portuguesa, disponível em <http://www2.uol.com.br/michaelis/>, verbete “religião”.

Page 50: O Oligopólio Da fé (PT_BR)

37

câmara municipal)44. A partir desta origem, o conceito de igreja evoluiu do ponto

de vista religioso para seu significado mais aceito, pelo qual ela representa para o

cristianismo o conjunto de todas as pessoas que crêem em Jesus como o Filho de

Deus, o Messias. Em Colossenses, no 18º versículo do primeiro capítulo, Jesus

Cristo é tido como “a Cabeça do corpo, que é a Igreja”45 e, portanto, para a fé

cristã, a igreja pode ser definida como a totalidade dos seguidores dos princípios

de Jesus Cristo. Esta idéia pôde ser unanimemente observada numa etapa de

entrevistas com representantes de três instituições religiosas, contemplada por

esta pesquisa. De acordo com Sua Eminência Reverendíssima, o Arcebispo

Metropolitano de Campinas e Grão-Chanceler da Pontifícia Universidade Católica

de Campinas, Dom Bruno Gamberini, o elemento básico para existência e

funcionamento de uma igreja é o próprio povo. Em suas próprias palavras, “sem

povo não existe igreja”.

Em extensão ao conceito de totalidade, a palavra igreja também é

empregada para designar denominações específicas do cristianismo,

segmentando-as de acordo com suas particularidades. Desta forma, pode-se

pensar em várias igrejas dentro de uma igreja; ou, em termos práticos, a Igreja

cristã é composta por diversas denominações: Igreja Luterana, Igreja

Presbiteriana, Igreja Metodista, etc. Neste trabalho, empregaremos o termo

“igreja” para referenciar toda instituição religiosa cristã; o termo “denominação

religiosa”, por sua vez, será empregado no intuito de evidenciar as

particularidades entre as igrejas (ex: Igreja Católica Apostólica Romana, Igreja

Universal do Reino de Deus, Igreja Batista e Igreja Assembléia de Deus enquanto

denominações religiosas do cristianismo).

As igrejas – assembléias de pessoas que crêem em Jesus Cristo como

Filho de Deus – compartilham de um objetivo comum principal que gira em torno

da evangelização. A percepção própria de cada denominação cristã acerca dos

27 livros do Novo Testamento da Bíblia Sagrada do cristianismo (o Evangelho) é

dirigida aos leigos, de modo a prover-lhes conhecimento da vida e obra de Jesus

Cristo. Este objetivo foi apontado pelos representantes da Igreja Católica

Apostólica Romana de Campinas e da Igreja Presbiteriana Unida de Jundiaí e

44 BÍBLIA, Português. Bíblia Sagrada. Tradução: Ivo Storniolo & Euclides Martins Balancin. Edição Pastoral. São Paulo: Paulus, 1990. 45 Idem.

Page 51: O Oligopólio Da fé (PT_BR)

38

está presente formalmente na missão da Igreja Católica de Campinas afixada na

sala de espera para audiências com o arcebispo, na Cúria Metropolitana:

“Diante dos desafios do novo milênio, atentos à realidade urbana

de nossa igreja e na vivência da mística trinitária, eucarística e

pascal, evangelizar [grifo nosso]: na força do Espírito, anunciando

Jesus Cristo e o projeto do Pai, à luz da opção preferencial pelos

pobres e excluídos, com o testemunho profético de uma igreja de

comunhão e missão, misericordiosa e solidária com os que

sofrem, acolhedora e aberta ao diálogo, para construção de um

mundo de justiça e liberdade, de irmão e irmã, sinal do Reino

definitivo”46.

No entanto, a evangelização para os religiosos pode também ser entendida

como um meio para a realização de um objetivo ainda maior: a construção do

próprio Reino dos Céus. De acordo com um pastor da Igreja Universal do Reino

de Deus, vice-responsável pelo trabalho da Catedral da Fé em Jundiaí, foi

apontado como objetivo de sua denominação, em entrevista concedida, o

“salvamento de almas para o Reino dos Céus”.

Podemos perceber, desta forma, que, ainda que apontada inicialmente

como um objetivo das igrejas, a evangelização se estende facilmente, em última

análise, à posição de meio de realização do real objetivo de todas as igrejas: a

construção do Reino dos Céus; constituído de boas ações e respectivos

resultados em vida, ou então, pela salvação e vida eterna após a morte no

paraíso. Esta idéia pode ser observada na própria missão da Igreja Católica

Apostólica Romana de Campinas, que incluiu a construção de um mundo

coerente com o “Reino definitivo”.

Neste contexto de construção de um mundo melhor, as igrejas são

procuradas por seus fiéis demandantes de bem-estar espiritual, paz, saúde,

prosperidade ou realização financeira, inclusão social, oportunidade de

participação numa uma boa ação, dentre outras carências. Com base em suas

crenças e fé, as instituições religiosas prestam seus serviços no sentido de suprir

essas necessidades, ofertando conhecimento acerca da “Divina Verdade” ou 46 Missão da Igreja Católica Apostólica Romana de Campinas, publicada na 6º PPO – 2002 / 2005 e afixada na sala de espera para audiências com o Arcebispo, na Cúria Metropolitana.

Page 52: O Oligopólio Da fé (PT_BR)

39

habilidades milagrosas (ou sobrenaturais) de solução. Segundo Kater Filho47, do

Instituto Brasileiro de Marketing Católico – IBMC, “o produto que a igreja vende –

que na verdade é um serviço – é a salvação”48.

Pierre Bourdieu enriquece o conceito do produto afirmando que:

“os leigos não esperam da religião apenas justificações de existir

capazes de livra-los da angústia existencial da contingência e da

solidão, da miséria biológica, da doença, do sofrimento ou da

morte. Contam com ela para que lhes forneça justificações de

existir em uma posição determinada, em suma, de existir como

de fato existem, ou seja, com todas as propriedades que lhes são

socialmente inerentes”49.

A relação de troca se completa à medida que as igrejas ofertam a salvação

– em vida ou após a morte – dos males vivenciados pela sociedade, com prédica

do evangelho ou milagres e, por outro lado, recebem a fidelidade de sua demanda

e, com isso, a garantia de construção de um “Verdadeiro Reino dos Céus”; ou, em

outros termos, a legitimidade do monopólio na prestação de serviços religiosos

para um determinado grupo de leigos (BOURDIEU, 1974).

A manutenção dessa dinâmica depende de um caráter organizacional que

as igrejas assumem. Uma estrutura hierarquizada procurar assegurar o bom

funcionamento das denominações religiosas. A Igreja Universal do Reino de Deus

segue parâmetros hierárquicos, tanto para os membros quanto para as próprias

sedes da denominação, como declarou o pastor de Jundiaí em entrevista

concedida. Assim, uma unidade está diretamente submetida às diretrizes de outra

superior; à matriz, por exemplo. Segundo Sua Eminência Reverendíssima, o

Arcebispo Metropolitano de Campinas, essa estrutura é uma exigência para o

“funcionamento humano da igreja”.

47 O Mestre Antonio Miguel Kater Filho é idealizador e 2º vice-presidente do Instituto Brasileiro de Marketing Católico – IBMC, consultor em marketing, escritor e professor universitário com mestrado pela USP. 48 Entrevista concedida aos 27 de setembro de 2005, das 17h às 18h, na sede do IBMC, na Av. João Erbolato, 50 – sala 20 – Castelo – Campinas (SP). 49 Pierre Bourdieu. A economia das trocas simbólicas. Cap. 2 – Gênese e estrutura do campo religioso.. São Paulo: Perspectiva, 1974. p. 48.

Page 53: O Oligopólio Da fé (PT_BR)

40

A Igreja Presbiteriana Unida, por exemplo, segundo o Pastor Abimael Etz

Rodrigues50 de Jundiaí, dispõe de um conjunto de instrumentos de estrutura

organizacional que se inicia pela manutenção de uma hierarquia de apoio – que

embora não contemple em sua totalidade o exercício de autoridade strictu sensu,

socializa um suporte de natureza intelectual e, excepcionalmente, financeiro. Essa

organização se inicia pela subordinação do Presbitério – conjunto de igrejas de

uma determinada região – à Assembléia Geral. Ao Presbitério subordinam-se as

igrejas presbiterianas e, a estas, a Assembléia interna da própria igreja, que

aprova um estatuto civil e religioso e elege sua administração na figura de um

Conselho de Presbíteros. Ao Conselho subordinam-se os diáconos, zeladores

pelos aspectos físicos da igreja (manutenção predial, por exemplo).

A organização hierárquica assume, portanto, aspecto fundamental no

funcionamento das igrejas, analogamente à dependência do nosso corpo de sua

estrutura óssea, para viabilizar sua sustentação e locomoção51. A estruturação

formal viabiliza a busca pela otimização dos processos desempenhados pelas

igrejas no cumprimento de seus objetivos de atendimento às necessidades

religiosas da população.

Com base nestas definições básicas das instituições religiosas,

observamos uma característica implícita típica de uma firma, que oferta um

serviço em troca de uma compensação; neste caso, um serviço de salvação pela

satisfação de salvar pessoas e de cumprir a doutrina na construção do Reino dos

Céus. Esta dinâmica procura ser otimizada com base no suporte de uma

organização estrutural, em geral, hierarquizada.

Legalmente, pelo Novo Código Civil de 2002, notadamente a partir da Lei

10.406/2002 que instituiu prazo de 1 ano após sua vigência para adaptação, nos

padrões impostos pelo novo Código, de todas as associações, sociedades e

fundações – dentre as quais se incluem as instituições religiosas – constituídas na

forma de leis anteriores, as atividades religiosas institucionalizadas são

minimamente regulamentadas pelo instrumento principal da sua organização: o

Estatuto Social (GARCIA, 2003). Este documento, aprovado em assembléia, deve 50 Abimael Etz Rodrigues é pastor da Igreja Presbiteriana já há 45 anos, formado em teologia pelo Seminário Presbiteriano de Campinas, em 1959. Concedeu entrevista para este trabalho aos 29 de agosto de 2005. 51 A analogia da necessidade da estrutura óssea para o corpo humano com a organização estrutural da igreja para o funcionamento de suas atividades foi utilizada por Sua Eminência Reverendíssima, o Arcebispo Metropolitano de Campinas, Dom Bruno Gamberini, em entrevista concedida aos 25 de agosto de 2005, na Cúria Metropolitana de Campinas.

Page 54: O Oligopólio Da fé (PT_BR)

41

incorporar as especificidades de cada denominação, podendo ter caráter

centralizado na sede nacional ou específico de cada unidade. Contém elementos

que discorrem sobre seguintes assuntos: denominação; fins; sede; governo;

membros e ministros, quanto à admissão e desligamento, direitos, deveres e

suspensões; atribuições e competências das administrações nacional, regional,

distrital, e de cada igreja local; demonstrações contábeis, patrimônio e recursos

econômico-financeiros; e aspectos gerais dos conselhos fiscais52.

Do ponto de vista fiscal, as instituições religiosas são registradas como

empresas sem fins lucrativos. A Comissão Nacional de Classificação – CONCLA,

ligada ao Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, estabeleceu

classes fiscais para o Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas (CNPJ) das

igrejas. As classes pertencem ao grupo “Outras atividades associativas” (código

919) da divisão “Atividades associativas” (código 91), na seção “Outros serviços

coletivos, sociais e pessoais” (código O). “Atividades de organizações religiosas”

é a nomenclatura de classe mais comum (código 9191-0)53, no entanto, há

possibilidade de maior especificação por subclasses, descritas na tabela do

Anexo III.

A CNAE atribui à classe “Atividades de organizações religiosas” as

seguintes atividades: (i) atividades de organizações religiosas ou filosóficas; (ii)

atividades de igrejas, mosteiros, conventos ou organizações similares; e (iii) a

catequese, a celebração ou organização de cultos. Distingue-as, observando a

não compreensão das seguintes atividades na classe: (i) educativas (80), de

atenção à saúde (85.1) ou de cunho social (85.3) realizadas por estas

organizações; (ii) a edição e impressão de jornais, revistas, etc., por estas

organizações (22.1); e (iii) as atividades de astrólogos, videntes e similares (9309-

2/99).

2.2 Noção de campo religioso

52 Estatuto Social da Igreja de Deus no Brasil. Goiânia: Igreja de Deus no Brasil – IDB. Disponível em <http://www.idbcampinas.com.br/estatutosocial.htm>. Acesso em 20 Set 2005. 53 Disponível em <www.cnae.ibge.gov.br>.

Page 55: O Oligopólio Da fé (PT_BR)

42

O sociólogo francês Pierre Bourdieu, em A economia das trocas

simbólicas54, analisou, a partir da fusão de alguns fundamentos clássicos da

sociologia da religião – notadamente os de Durkheim, Marx e Weber –, a gênese

e a estrutura do campo religioso, no qual, o surgimento de denominações

religiosas propriamente ditas implica uma relação de conflito no campo que as

comporta, diante dos leigos.

Bourdieu observou um relacionamento entre o nascimento e o

desenvolvimento das cidades e, em particular, os progressos da divisão do

trabalho e a aparição da separação do trabalho intelectual do trabalho material, às

tendências de constituição de um campo religioso relativamente autônomo e ao

desenvolvimento de uma necessidade de “moralização” e de “sistematização” das

crenças e práticas religiosas. Para ele, “a aparição e o desenvolvimento das

grandes religiões estão associadas à aparição e ao desenvolvimento da cidade”.

Em citação a Weber, Bourdieu ressalta o fato de que a urbanização, com

as transformações que provoca (tecnológicas, econômicas e sociais), “contribui

para a ‘racionalização’ e para a ‘moralização’ da religião”, cujo peso aumentaria

ao passo que o campo ampliasse sua autonomia, mas “apenas na medida em

que a religião favorece o desenvolvimento de um corpo de especialistas

incumbidos da gestão dos bens da salvação”. O desenvolvimento do sentimento

de “pecado” e o desejo de “redenção” são alguns dos traços que se

desenvolveram paralelamente à urbanização e substituíram a religião camponesa,

centrada, basicamente, na subordinação ao mundo natural, na “idolatria da

natureza” e na “não racionalização” dos fenômenos, intrinsecamente associada à

sazonalidade do trabalho agrícola. Como conseqüência, dentre outros, “uma

transferência da noção de pureza da ordem mágica para a ordem moral” – ou

seja, a transformação do erro em pecado –; e a própria legitimidade da existência

de um grupo de especialistas nestes assuntos.

Com a morfose da religião, imediatamente correlata ao processo de

urbanização, e a “monopolização da gestão dos bens de salvação por um corpo

de especialistas religiosos, socialmente reconhecidos como detentores exclusivos

da competência específica necessária à produção ou à reprodução de um ‘corpus’

deliberadamente organizado de conhecimentos secretos (e portanto raros)”, a

54 São Paulo, Editora Perspectiva, 1974.

Page 56: O Oligopólio Da fé (PT_BR)

43

constituição de um campo religioso foi acompanhada da “desapropriação objetiva

daqueles que dele são excluídos e que se transformam por esta razão em leigos

(ou profanos, no duplo sentido do termo55), destituídos do capital religioso

(enquanto trabalho simbólico acumulado) e reconhecendo a legitimidade desta

desapropriação pelo simples fato de que a desconhecem enquanto tal”.

Em outros termos, Bourdieu explica o surgimento do campo religioso a

partir da separação entre o corpo técnico, dotado de capital religioso –

“qualificação” religiosa para Weber –, além de hierárquica e racionalmente

estruturado, e os leigos, tecnicamente “destituídos” do saber religioso. O que não

significa, para o autor, em primeira análise, uma necessária “pauperização”

religiosa, mas um processo de concentração e acumulação nas mãos de um

grupo particular, de um capital religioso até então distribuído igualmente entre

todos os membros da sociedade. Este capital tradicional, que passa da condição

de dominante para a condição de dominado, pela sua simples desvalorização

diante da nova forma de capital, tende a deteriorar-se; implicando finalmente a

“pauperização” religiosa da sociedade pela “separação entre o saber sagrado e a

ignorância profana que o segredo exprime e reforça”.

Bourdieu reforça o argumento com a análise da transformação dos

resquícios de capital tradicional (original), uma vez “pauperizada” a população do

saber religioso, depois de desapropriada, em magia (prática profana), diante do

novo capital religioso dominante. Os aspectos formais, estruturados e racionais da

religião dominante suprimiram facilmente as práticas profanas à condição de

submissão, dado o seu estágio de desenvolvimento relativamente superior

quando confrontada com as culturas tradicionais. Para tanto, em cada espaço

geográfico conquistado, a “nova religião” pôde inclusive apropriar-se de

características tradicionalmente estabelecidas, como alguns elementos tribais;

uma vez reconhecida sua capacidade de elevada adaptação, sustentada por uma

estrutura racionalmente organizada e administrada por um grupo de sacerdotes,

responsáveis com exclusividade pelos novos padrões sociais de moral e ética.

Este caráter dinâmico da religião, que acompanha o processo de

urbanização, permite, sobretudo sob uma organização hierarquizada, que se

55 Em referência aos sentidos de “ignorantes da religião” e “estranhos ao sagrado e ao corpo de administradores do sagrado”. Pierre Bourdieu. A economia das trocas simbólicas. Cap. 2 – Gênese e estrutura do campo religioso.. São Paulo: Perspectiva, 1974.

Page 57: O Oligopólio Da fé (PT_BR)

44

assegure da contestação da legitimidade do monopólio eclesiástico dos

instrumentos de salvação sobre os leigos; e, por outro lado, abre espaço para o

surgimento de ideologias religiosas capazes de fazer com que o “campo religioso

recubra o campo das relações de concorrência que se estabelecem no próprio

interior da Igreja” na luta entre a ortodoxia e a heresia, potencializada quando da

solidariedade de parte do clero com interesses anti-clericais de uma fração dos

leigos.

Em resumo, a noção de campo religioso está associada à relação de

conflito entre os capitais religiosos que surgem e se estabelecem na sociedade,

tendo como origem principalmente identificada a partir da desapropriação do

saber religioso coletivo, com superposição de um capital organizado e

estruturado, próprio de um corpo de especialistas. E “as relações de transação

que se estabelecem, com base em interesses diferentes, entre os especialistas e

os leigos, e as relações de concorrência que opõem os diferentes especialistas no

interior do campo religioso, constituem o princípio da dinâmica do campo religioso

e também das transformações da ideologia religiosa”. (BOURDIEU, 1974, p. 50)

Externamente, mesmo em condições de monopólio eclesiástico absoluto

dos instrumentos de salvação sobre os leigos, o campo religioso foi submetido à

relação de concorrência com os opositores dos padrões dominantes; ora com o

foco nas críticas sobre o sistema de indulgências que fora estabelecido pela Igreja

Medieval, ora pelo pela simples prédica das possibilidades de salvação

alternativas. Os feiticeiros na forma de “empresários independentes” prestavam

clandestinamente seus serviços de cura notadamente às classes inferiores (em

particular, os camponeses) e, defensivamente, impunham “à Igreja a ‘ritualização’

da prática religiosa e a canonização das crenças populares”. Os profetas e as

seitas, conjugados com as críticas intelectualistas de certas categorias de leigos,

por outro lado, também concorriam perifericamente com a Igreja, a qual, diante da

ameaça, tendia a acelerar o ritmo de produção de escritos canônicos.

(BOURDIEU, 1974, p. 67-68)

2.3 A concorrência religiosa

Page 58: O Oligopólio Da fé (PT_BR)

45

Centrado originalmente na esfera econômica, o mundo vivenciou, de modo

quase geral, a partir da era que marca oficialmente o início do capitalismo e da

sociedade industrial, um processo de secularização; ou seja, uma transferência

dos padrões ético-religiosos de regimento para uma tendência à racionalização

(padrões leigos, do ponto de vista da religião), neste caso, das atividades

econômicas. Neste sentido, Peter Berger, em O dossel sagrado56, procurou

apontar a natureza correlata entre o processo de secularização (introduzido por

Weber) e a conformação de uma “pluralidade” do campo religioso, que se

traduziria numa relação de concorrência aberta entre as denominações religiosas

e, consequentemente, na superação do conceito de “campo religioso” pelo de

“mercado religioso”, propriamente.

Com base na teoria sociológica da religião de Berger57, que incorpora

elementos weberianos e durkheiminianos e, mais implicitamente, faz uso da

lógica dialética marxista, e em parte dos escritos de Lemuel Guerra58, procuramos

apresentar o processo pelo qual a natureza estritamente conflitiva do campo

religioso passou a ser analisada pela ótica do mercado, da concorrência.

Nas proximidades do processo de industrialização, estratos altamente

secularizados foram surgindo e, com isso, a religião foi sendo isolada do núcleo

econômico da sociedade, tornando conseqüente, assim, uma “crise de

credibilidade” das instituições religiosas. Em outras palavras, a secularização, que

se centrou na área econômica e, mais tarde, expandiu-se para outros pólos da

sociedade, consubstanciou uma ameaça à legitimação do monopólio dos

instrumentos de ordem da sociedade pela Igreja; ou, nos termos de Berger,

“acarretou um amplo colapso da plausibilidade das definições religiosas

tradicionais da realidade”. (BERGER, 1985, p. 139)

As raízes deste processo, segundo Berger, estão nos “processos de

racionalização desencadeados pela modernização (isto é, pelo estabelecimento

de uma ordem sócio-econômica capitalista e industrial)” na sociedade, de tal

modo que passou a fazer sentido o apontamento de um “território livre” da

religião, localizado no centro da sociedade. Território esse que “tem uma posição

56 Peter Berger. O dossel sagrado – elementos para uma teoria sociológica da religião. São Paulo: Paulinas, 1985. 194 p. 57 Idem. 58 Lemuel Dourado Guerra Sobrinho. Mercado religioso no Brasil: competição, demanda e a dinâmica da esfera da religião. João Pessoa: Idéia, 2003. 198 p.

Page 59: O Oligopólio Da fé (PT_BR)

46

tão central na economia capitalista industrial, que qualquer tentativa para

‘reconquistá-lo’ em nome do tradicionalismo político-religioso ameaça a

continuação do funcionamento desta economia”59. Desta forma, justifica-se,

portanto, inclusive, a permanência de um corpo técnico e científico na sociedade,

dotado de características que pressupõem um alto grau de racionalização e isento

de ameaças de uma possível “tentativa de reconquista” do segmento econômico

da sociedade pela ética religiosa tradicional, sob o risco de desmantelamento da

nova ordem, que vinha garantindo o progresso.

Neste momento a religião “polarizou” sua presença mais ativa nos

extremos mais públicos e mais privados da ordem institucional; respectivamente,

o Estado e as famílias, e mesmo diante da “ampla secularização da vida cotidiana

no trabalho e nas relações que o circundam, ainda se encontram símbolos

religiosos ligados a [estas] instituições”. Berger exemplificou afirmando que “na

medida em que se admite que ‘a religião pára no portão da fábrica’, deve-se

admitir também que não se começa uma guerra ou um casamento sem os

símbolos religiosos tradicionais”60.

Contudo, Berger escreveu em explicação do processo de secularização, a

partir do momento que atinge também o Estado:

Como o Estado moderno ocupa-se cada vez mais com os

requisitos políticos e legais do gigantesco mecanismo de

produção industrial, ele deve dirigir sua própria estrutura e

ideologia para esse fim. A nível de estrutura, isso significa acima

de tudo o estabelecimento de burocracias altamente racionais; a

nível de ideologia, significa a manutenção de legitimações que

sejam adequadas para essas burocracias. Assim,

inevitavelmente, desenvolvem-se afinidades, tanto em estrutura

quanto em “espírito”, entre as esferas econômica e política61.

Com isso, a secularização passou então da esfera econômica para a

esfera política e conformou um movimento – tipicamente associável de alguma

forma a todas as economias industrializadas (independentemente do regime 59 Peter Berger. O dossel sagrado – elementos para uma teoria sociológica da religião. São Paulo: Paulinas, 1985. p. 143. 60 Idem, p. 141. 61 Idem, p. 144.

Page 60: O Oligopólio Da fé (PT_BR)

47

econômico adotado) – de “divórcio” entre o Estado e a instituição da Igreja, em

nome da manutenção dos interesses propriamente econômicos, de racionalização

da produção e da vida social, de modo geral.

Na sua relação para com a família, no entanto, a religião, segundo Berger,

mantém um potencial de “realidade” considerável e, portanto, sua relevância “em

termos de motivos e auto-interpretações das pessoas nessa esfera da atividade

social cotidiana”. Para tanto, fez-se necessárias adaptações às novas realidades,

de modo a assegurar a legitimação da religião inclusive diante das classes

familiares mais secularizadas (sócio-economicamente melhor dispostas), como a

aceitação da “individualização”.

Neste contexto, Berger define a “religião privatizada” (não mais

intimamente associada ao Estado) como uma questão de “escolha” ou

“preferência” do indivíduo ou do núcleo familiar e menciona a suspensão da

capacidade de desempenhar a sua tarefa clássica de “construção de um mundo

comum, no âmbito do qual toda a vida social recebe um significado último que

obriga a todos. Ao contrário, essa religiosidade limita-se a domínios específicos

da vida social que podem ser efetivamente segregados dos setores secularizados

da sociedade moderna” 62. Completa exemplificando essa realidade com a

ilustração de “um homem de negócios ou um político que podem aderir fielmente

às normas da vida familiar legitimadas pela religião, ao mesmo tempo em que

conduzem suas atividades na esfera pública sem qualquer referência a valores

religiosos de qualquer tipo”.

O processo de secularização, desta forma, pode ser entendido como

beneficiário e, ao mesmo tempo, condutor da situação de pluralidade religiosa, e,

portanto, do fim dos monopólios das tradições religiosas sobre a ordem social.

Assim sendo, os ex-monopólios63 religiosos deixam de contar com a submissão

de suas populações. E, uma vez que a submissão passa a ser voluntária, é

também incerta e, portanto, insegura. Para Peter Berger:

62 Idem, p. 145. 63 Peter Berger discute a existência de monopólios de tradições religiosas em várias partes do mundo ocidental e oriental, que, cedo ou tarde, em maior ou menor intensidade, foram submetidos à perda de legitimação do poder de determinação da ordem social como um todo com o advento da secularização associada à industrialização.

Page 61: O Oligopólio Da fé (PT_BR)

48

Resulta daí que a tradição religiosa, que antigamente podia ser

imposta pela autoridade, agora tem que ser colocada no

mercado. Ela tem que ser “vendida” para uma clientela que não

está mais obrigada a “comprar”. A situação pluralista é, acima de

tudo, uma situação de mercado. Nela as instituições religiosas

tornam-se agências de mercado e as tradições religiosas tornam-

se comodidades de consumo64. E, de qualquer forma, grande

parte da atividade religiosa nessa situação vem a ser dominada

pela lógica da economia de mercado.

A situação de pluralidade religiosa define, portanto, uma condição a qual as

denominações religiosas diversas põem seus serviços religiosos no mercado para

que sejam “escolhidos” pelos indivíduos, com base em suas “preferências”, com

intuito, notadamente, de legitimação de suas condições de existência, pelos

princípios religiosos da salvação, da cura, etc. É conseqüência (Marx) e, ao

mesmo tempo, causa (Weber), do processo de secularização da sociedade que

se iniciou na esfera estritamente econômica e estendeu-se para a relação de

intimidade entre o Estado e o clero. Mais do que isso, representa a conformação

de uma condição de concorrência entre as denominações religiosas que se

assemelham, pela adesão dos fiéis, carentes, dentre outras coisas, de normas

para a vida familiar legitimadas pela religião.

Nestas condições são válidas ao campo religioso as regras de competição

do mercado secularizado, caracterizando um “mercado religioso”, de bens

simbólicos. Essa idéia é reforçada por Rodney Stark e George Finke que

compartilham da proposição de uma análise mercadológica do fenômeno

religioso, definindo as instituições que o compõem como “fornecedoras de

produtos para consumo religioso, atuando sob regras especificas de concorrência

pela preferência dos indivíduos”. (apud GUERRA, 2003)

O resultado da colocação das diferentes ideologias religiosas, que formam

muitas vezes doutrinas divergentes, sob uma dinâmica de “livre mercado da

64 Campos (1997, p. 213) manifesta sua insatisfação quanto à expressão “comodidades de consumo”, empregada pelo tradutor de The sacred canopy (O dossel sagrado), de Peter Berger, para língua portuguesa (1985). Segundo ele a sentença original “[...] the religious institutions become marketing agencies and the religious traditions become consumer commodities […]” fora melhor traduzida em sua versão espanhola: “[…] las instituciones religiosas se convierten en agencias comerciales y las tradiciones religiosas en mercanderias para el consumidor […]”.

Page 62: O Oligopólio Da fé (PT_BR)

49

religião” – constituído a partir da destituição deste capital da sociedade comum e

do suprimento desta demanda social não mais imposto pela autoridade65 – é a

potencialização das diferenças e a transformação inevitável dos agentes

religiosos em concorrentes.

2.4 Panorama do campo religioso brasileiro – aspectos qualitativos das

denominações cristãs e suas respectivas taxas de participação na sociedade

Na trajetória de séculos de mudanças, ao ritmo das próprias

transformações da sociedade como um todo, o campo religioso se desenvolveu.

Desapropriou e, em seguida, pauperizou a população comum do saber religioso;

constitui-se tecnicamente e fortaleceu-se na legitimação do monopólio sobre a

orientação da ética social.

Adiante, tendo sua legitimação contestada quanto à capacidade de

acompanhamento do ritmo secular de desenvolvimento econômico, o campo

religioso foi isolado da esfera da economia e, posteriormente, do próprio Estado.

Reservado apenas na sua influência social sobre as famílias, viu-se privatizado, e,

consequentemente, obrigado a ofertar suas tradições no mercado; agora não

mais em caráter monopólico, mas de pluralidade.

As denominações religiosas ganharam o mundo por seus missionários;

conquistaram preferências e segmentaram os fiéis livres para optarem, pelas leis

do mercado, sobre as tradições religiosas que melhor atendiam suas

necessidades.

No Brasil, o Estado laico anunciado com a Proclamação da República no

final do século XIX tornou coerente no país o princípio do livre mercado religioso.

Ainda que muito distante da possibilidade de fazer sombra ao predomínio

absoluto da Igreja Católica Apostólica Romana, imigraram representantes do

cristianismo protestante e de inúmeras outras tendências religiosas, instalando-se

65 Ivone Lima Ferreira Botelho, diretora acadêmica do seminário evangélico Faculdade Latino-Americana de Teologia Integral, lembra que, na “Idade Média, por exemplo, o fiel não tinha alternativa senão adaptar-se à religião. [...] Hoje o que vale é a flexibilidade, tudo é relativo, Você escolhe a igreja que quiser”. Ricardo Westin. Evangélicos criam igrejas sob medida. O Estado de São Paulo, São Paulo, 26 Jun. 2005, Caderno A, p. 24.

Page 63: O Oligopólio Da fé (PT_BR)

50

por todo o território nacional. Hoje, religiões oriundas das mais diversas partes do

globo possuem adeptos no país.

De acordo com o estudo Retratos das Religiões no Brasil66, realizado com

base nos microdados do Censo Demográfico de 2000 (IBGE), pelo Centro de

Políticas Sociais (CPS) vinculado ao Instituto Brasileiro de Economia da

Fundação Getúlio Vargas (IBRE/FGV) no Rio de Janeiro, as 10 denominações

religiosas mais representativas na população nacional num grupo de 140 eram,

no período analisado: a Católica Apostólica Romana (73,55%), o grupo dos

chamados Sem religião (7,35%), a Igreja Evangélica Assembléia de Deus

(4,89%), Igreja Evangélica Batista (1,73%), Igreja Congregacional Cristã do Brasil

(1,46%), Espírita Kardecista (1,32%), Igreja Universal do Reino de Deus (1,24%),

Outras Evangélicas Pentecostais (0,89%), Igreja Evangelho Quadrangular

(0,77%) e Igreja Evangélica Adventista do Sétimo Dia (0,67%). Dentre as cinco

classificações menos representativas apareceram a Neoxamânica, Declaração

Múltipla de Católico/Candomblé, Outras Islamismo, Outras de Missão Episcopal

Anglicana, Outras de Origem Pentecostal Universal do Reino de Deus; todas com

população inferior a 100 adeptos.

No ranking agregado das religiões, o estudo apresentou liderança católica

com 73,89% na soma das 8 denominações que constituem o grupo67, mantendo-

nos na posição de maior nação católica do mundo (cerca de 126 milhões de

adeptos), sucedida pelo conjunto das denominações evangélicas (16,22% da

população nacional)68, dos Sem religião (7,35%), Outras religiões (1,99%) e

Espiritualistas (1,35%).

No país, o estado do Piauí apareceu como o mais católico (90,03% da

população total). Ceará, Paraíba, Rio Grande do Norte e Maranhão sucederam a

lista das 5 maiores participações católicas na população total, com,

respectivamente, 86,70%, 84,94%, 83,77% e 82,60%. Os 5 estados menos

católicos são: Rio de Janeiro (56,19%), Rondônia (57,61%), Espírito Santo

(63,23%), Distrito Federal (66,62%) e Roraima (66,78%).

66 Disponível em <http://www.fgv.br/cps/religioes/inicio.htm>. Acesso em: 21 Abr. 2005. 67 Católica Apostólica Romana; Católica Carismática, Católica Pentecostal; Católica Armênia; Católica Ucraniana; Católica Apostólica Brasileira; Católica Ortodoxa; Ortodoxa Cristã; Outras Ortodoxas Cristãs; e Outras Católicas. 68 Dentre o conjunto dos evangélicos estão presentes os subconjuntos das protestantes tradicionais ou de origem de missão (4,09%) e as protestantes pentecostais ou de origem pentecostal (12,1%).

Page 64: O Oligopólio Da fé (PT_BR)

51

No ranking dos estados mais evangélicos, Rondônia lidera a lista com

27,19% da população. Espírito Santo (24,96%), Roraima (22,49%), Rio de Janeiro

(21,98%) e Amazonas (21,07%) sucedem a lista. Já o estado menos evangélico

pelo Censo de 2000 era o Piauí (6,01%). Sergipe, Ceará, Paraíba e Rio Grande

do Norte parecem em seguida com percentuais na faixa de 7% a 9% da

população estadual do total.

No grupo dos Sem religião a participação predominante era do estado do

Rio de Janeiro, com 15,76% da população integrando esta classificação.

Rondônia, com 12,70%; Bahia, 11,39%; Alagoas, 9,80%; e Acre, 9,70%. Dentre

os estados que apresentaram menor taxa de participação desta classificação,

Santa Catarina liderou o ranking, com apenas 1,97% da população estadual.

Piauí, Ceará, Paraná, e Tocantins sucederam a lista com taxas variando entre

3,05% e 4,55%.

Dentre os 10 municípios mais católicos do país, 9 pertencem ao Rio

Grande do Sul, sendo que 4 deles com participação de 100% da população nesta

classificação (Nova Roma do Sul, Nova Alvorada, União da Serra e Vespasiano

Correia). Apesar disto, 5 dentre os 10 municípios mais evangélicos do Brasil no

ano 2000 também pertenciam ao estado do Rio Grande do Sul, incluindo o líder

do ranking, o município de Quinze de Novembro, com 80,37% da população se

declarando evangélica.

Nova Ibitá, na Bahia, foi o único município com mais da metade da

população declarada Sem religião (59,85%). No estado de Goiás, os municípios

de Palmelo e Professor Jamil foram os que apresentaram maior participação de

espiritualistas na população, com 42,10% e 24,98%, respectivamente.

O estudo do CPS do IBRE/FGV também analisou as taxas das religiões de

acordo com a situação do setor para as classificações religiosas Católica,

Evangélica, Sem religião e Outras declaradas em Quartéis, Aglomerados

subnormais69, Penitenciárias, Asilos e Aldeias indígenas. Dentre a população do

grupo Quartel, apenas as taxas de participação das religiões Católica e Outras se

apresentaram acima das taxas nacionais. Ao passo que nos aglomerados

subnormais a predominância em variação da distribuição nacional foi da religião

69 O termo aglomerado subnormal é geralmente empregado para designar assentamentos informais, como por exemplo, favela, mocambo, alagado, barranco de rio, etc.

Page 65: O Oligopólio Da fé (PT_BR)

52

evangélica, onde 20,61% da população deste setor se declararam evangélicos,

contra 15,41% no total nacional.

Muito acima da média brasileira de declaração no grupo Sem religião

estiveram as populações dos aglomerados subnormais (13,14% do total),

penitenciárias (16,28%), asilos (19,13%) e aldeias indígenas (25,68%); contra

uma taxa de 7,35% da população nacional.

O grupo Outras religiões, cuja participação nacional neste nível de

agregação das classificações religiosas era de 3,34% da população, teve

participação abaixo desta taxa registrada pelo país apenas nos aglomerados

subnormais (2,78%) e muito superior nas penitenciárias (19,23% dos internos) e

asilos (14,22%).

Quanto ao tamanho da cidade, o estudo pôde afirmar que os evangélicos

estão mais presentes em regiões metropolitanas (capital e periferia) e outros

grandes centros urbanos. Ao contrário da religião católica, mais presente em

centros urbanos de médio e pequeno porte e zonas rurais. Nas periferias das

regiões metropolitanas brasileiras 20,72% desta população se declarou

evangélica e 10,15% como Sem religião, contra 15,41% e 7,35% de participação

destas classificações na população total do país.

A análise da classificação etária das populações das religiões, agregadas

em quatro grupos – Católicos, Evangélicos, Sem religião e Outros –, apontou

coeficiente de variação na distribuição dos fiéis, acerca das quatorze faixas de

idade propostas pelo IBGE, substancialmente menor para o conjunto de Outras

religiões; em média 22,85% é o grau de relacionamento do desvio padrão para

com a média de adeptos por faixa etária nesta classificação, a qual inclui

mórmons, Testemunhas de Jeová, espíritas, judeus, muçulmanos, budistas,

tradições indígenas e esotéricas, etc. Este coeficiente de variação médio oculta,

no entanto, as grandes diferenças de perfis etários das denominações que

compuseram o grupo de agregação. Enquanto que os espiritualistas e seguidores

de religiões orientais possuem uma distribuição mais diversificada, os mórmons

se concentram mais em algumas faixas (54,24% dos fiéis possuem entre 10 e 34

anos de idade).

Entre católicos e evangélicos o coeficiente de variação na distribuição

etária dos fiéis diferem muito pouco, tanto na população total quanto entre as

mulheres. Na comparação entre as distribuições da população masculina, essas

Page 66: O Oligopólio Da fé (PT_BR)

53

agregações ampliam um pouco a diferença existente entre elas. No total de

homens e mulheres, as denominações católicas apresentaram diversificação

etária muito pouco superior a de evangélicos (coeficiente de variação de 35,14%,

contra 38,02% dos evangélicos). Dentre os homens, os evangélicos se

concentram pouco mais em algumas faixas do que os católicos; em geral, sua

taxa da população masculina com idade inferior a 15 anos é superior à média

nacional.

Incluindo homens e mulheres, quando comparados com as taxas

nacionais, os evangélicos são mais representados por pessoas com idade de 5 a

14 anos e de 25 a 44 (51,63% do total distribuído nas 6 faixas que incluem essas

idades). Já os católicos superam as taxas nacionais na população com idade

igual ou superior a 50 anos; ¼ de todos os seus fiéis se encontram nesta faixa,

contra apenas 15% dos evangélicos. No grupo dos Sem religião, o menos

diversificado em termos de distribuição etária, 75% dos fiéis têm menos de 35

anos de idade, com maior concentração entre as crianças com menos de 5 anos

e jovens e adultos de 15 a 34 anos.

Quando cruzados os dados de idade com tempo de estudo, a pesquisa do

CPS demonstrou que, dentre a população brasileira do ano 2000 com pelo menos

12 anos de estudo, os católicos mantinham a mesma participação em torno de

74%. Já os evangélicos perdiam representatividade significantemente, contando

com apenas 10,3% dos brasileiros com esse nível de escolaridade, contra 16,2%

de participação na população total (independente do tempo de estudo). Os

espiritualistas, ao contrário, que representavam 1,35% da população nacional em

2000, dentre as pessoas com pelo menos 12 anos de estudo, eram 6,4% do total.

As religiões orientais, afro-brasileiras e outras religiões também eram mais

representadas na faixa da população com pelo menos 12 anos de estudo,

saltando de 1,21% do total (independente desta variável) para 2,8% da população

nacional na análise controlada pelos anos de estudo. Excetuando-se católicos

(73,96%), evangélicos (10,27%) e sem religião (6,54%), as demais religiões

representavam 9,23% da população com 12 ou mais anos de estudo no ano

2000.

Page 67: O Oligopólio Da fé (PT_BR)

54

Uma publicação do IBGE baseada no Censo de 200070 demonstrou que

espiritismo, umbanda e candomblé são as religiões com os maiores graus de

escolaridade do Brasil. De acordo com o estudo, os católicos apostólicos romanos

tinham em média 5,78 anos de estudo e o total de evangélicos 5,83, sendo que,

dentre estes, os evangélicos de missão tinham 6,94; os pentecostais, 5,34; e as

demais evangélicas, 6,41. Os espíritas apresentaram em média 9,58 anos de

estudo, primeiro lugar no ranking, sucedidos pela classificação umbanda e

candomblé, com média de 7,19 anos de estudo. A média total do país era de 5,86

anos de estudo por pessoa, pelos resultados do Censo Demográfico de 2000.

Em termos de ocupação profissional o estudo Retratos das Religiões no

Brasil demonstrou participação católica abaixo da média apenas entre os

brasileiros desempregados no ano 2000; os inativos, os empregados com carteira

de trabalho assinada, empregados sem carteira e pessoas que trabalhavam por

conta-própria eram católicos em torno de 74% (mesma participação de católicos

no total da população nacional). Os católicos superavam a média entre os

brasileiros classificados como empregadores (76,4%) e “próprio consumo”

(87,4%). Os evangélicos eram mais representados nos grupos dos

desempregados e dos inativos, mantendo-se abaixo da média para os demais

grupos de ocupação profissional. Os Sem religião superavam a média nas

classificações “desempregado” ou “empregado em carteira”. Para as demais

religiões, a pesquisa apontou destaque proeminente para a classificação

“empregador”. Em média, 6,48% dos empregadores brasileiros não eram em

2000 nem católicos, nem evangélicos e nem sem religião; no total geral da

população nacional (independente da ocupação) as outras religiões

representavam neste ano apenas 3,34%.

A pesquisa também mostrou que em geral, evangélicos, adeptos de

religiosidades afro-brasileiras e sem religião possuíam no ano 2000 renda

domiciliar per capita pouco inferior a dos católicos; enquanto que espiritualistas e

orientais tinham renda bem superior, de maneira coerente com os diferencias de

escolaridade já citados. O exercício de comparação do rendimento de pessoas de

diferentes religiões, mas iguais atributos socioeconômicos, revelou que “a renda

70 Última etapa de divulgação do Censo 2000 traz os resultados definitivos, com informações sobre os 5.507 municípios brasileiros. Censo Demográfico 2000. IBGE. Disponível em <http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/20122002censo.shtm>. Acesso em 2 Nov. 2005.

Page 68: O Oligopólio Da fé (PT_BR)

55

familiar per capita de evangélicos e sem religião são 6,9% e 6%, respectivamente,

inferiores aos dos católicos. Similarmente os diferenciais da renda do trabalho

principal são 2,6% e 1% menores”71.

Para o IBGE, nos resultados do Censo Demográfico de 2000, os espíritas

foram os adeptos que apresentaram os melhores indicadores entre as religiões

mais numerosas, tanto em termos de escolaridade (98,1% são pessoas de 15

anos ou mais de idade alfabetizadas), como em termos de rendimento: “8,4%

deles ganhavam mais de 20 salários mínimos, enquanto para o total da

população, apenas 2,7% tinham esse rendimento. Entre aqueles que ganhavam

até 1 salário mínimo, os espíritas tinham a menor proporção (7,9%) e os católicos

apostólicos romanos e os evangélicos, as maiores (26,3% e 23,5%,

respectivamente)”72.

O rendimento mediano mensal dos espíritas, segundo o IBGE73, era quase

três vezes mais do que o dos evangélicos pentecostais (R$ 700,00 contra R$

260,00), enquanto que os católicos e os sem religião tinham o mesmo rendimento

(R$ 300,00).

Na comparação entre algumas características de católicos e evangélicos

das metrópoles brasileiras, o estudo do CPS nos permitiu observar que, no

período analisado, os católicos eram, em geral, mais sindicalizados e pertenciam

mais a órgãos de classe profissional; percebiam mais a incorporação regular de

novos equipamentos no trabalho; eram mais bem pagos74; estavam mais

satisfeitos quanto à ocupação assumida; atribuíam mais importância do trabalho

como perspectiva de ascensão social75; no entanto, participavam menos de

associações comunitárias. 17,26% dos evangélicos em média participavam de

pelo menos uma reunião por ano de associações comunitárias; apesar disso, os

71 Marcelo Neri. A ética pentecostal e o declínio católico. Conjuntura econômica. Maio de 2005. Disponível em <http://www.fgv.br/cps/religioes/Apresenta%E7%E3o/CPS.FGV-A%20%E9tica%20pentecostal-Conjuntura%20Economica-maio%202005.pdf>. Acesso em 21 Abr. 2005. 72 Notas sobre o Censo Demográfico de 2000. IBGE. Disponível em <http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/27062003censo.shtm>. Acesso em 02 Nov. 2005. 73 Idem. 74 Apesar disso, católicos e evangélicos num nível de agregação das religiões em 7 grupos, possuíam os dois menores percentuais de fiéis classificados em situação de mais bem pagos da ocupação. Contrariamente, os judeus lideravam a participação de adeptos classificados como bem pagos (55% deles), além de também serem os mais sindicalizados. 75 81,55% dos judeus atribuíam importância do trabalho como perspectiva de ascensão social, superando os espíritas kardecistas, segundo lugar da pesquisa, em praticamente 25 pontos percentuais. A participação de católicos e evangélicos que responderam positivamente era de 53,84% e 50,43%, respectivamente.

Page 69: O Oligopólio Da fé (PT_BR)

56

católicos estavam mais presentes em associações de bairro/moradores, ao passo

que os evangélicos em associações de cunho religioso.

No que diz respeito à posição na família, os filhos são os que mais

superam a média no grupo dos sem religião, que é composto mais por homens do

que por mulheres (60%). Ao contrário dos evangélicos, dentre os quais a

população do sexo feminino é mais presente (56%).

Quanto ao setor de atividade de trabalho, 84,51% dos trabalhadores

agrícolas do Brasil eram católicos no ano 2000, enquanto que o grupo dos

evangélicos apresentava distribuição mais diversificada e com menor participação

justamente deste setor. Sem religião era a classificação de 11,22% dos

trabalhadores da construção civil, superando a média de 7,35% da população

nacional declarada nesta opção de religiosidade.

Os católicos também apresentaram participação muito acima da média

dentre o percentual de brasileiros cuja situação conjugal era de casamento civil e

religioso ou apenas de casamento religioso. Os evangélicos, contrariamente,

tinham participação elevada do percentual de brasileiros casados apenas no civil.

Dentre os sem religião, observou-se destaque à participação acima da média de

pessoas com união consensual e pessoas solteiras. As demais religiões tinham

participação maior de desquitados e divorciados.

A análise da participação religiosa com base na cor ou raça dos brasileiros

apresentou pouca divergência da distribuição do total da população para as

classificações “banca” e “parda”. Os negros são pouco menos católicos e mais

sem religião; assim como os amarelos são menos católicos e evangélicos e mais

sem religião ou adeptos de outras religiões, particularmente, orientais. A

população de raça indígena foi a que se apresentou mais diversificada em relação

à média nacional; são bem menos católicos (apenas 59,48%) e bem mais

evangélicos (20%), sem religião (14,38%) e outras religiões (6,14%), incluindo,

obviamente, as próprias tradições indígenas.

Finalmente, observamos o tratamento da questão da imigração

interestadual pela pesquisa do CPS do IBRE/FGV. O maior destaque foi da

população de evangélicos, com participação acima da média dentre os brasileiros

que haviam imigrado de outras Unidades Federativas. Enquanto que o total de

evangélicos na população nacional representava 15,41% da população em 2000,

todas as classificações de brasileiros que migraram de estados (há menos de 1

Page 70: O Oligopólio Da fé (PT_BR)

57

ano no momento da pesquisa, de 1 a 5 anos, de 6 a 10 anos ou há mais de 10

anos) tinham percentuais da população neste grupo de religião superior a 18,4%,

chegando a 19,2% dos haviam imigrado a menos de 1 ano.

Page 71: O Oligopólio Da fé (PT_BR)

58

CAPÍTULO 3 – ASPECTOS CONCORRENCIAIS DA RELIGIÃO NO BRASIL

3.1 Grau de concentração do setor religioso e a recente evolução do

cenário concorrencial

Para o real propósito deste estudo, mais do que uma noção do panorama

do campo religioso brasileiro, se faz necessária uma análise da concorrência

religiosa em termos de concentração do mercado e tendências de acirramento da

competitividade. Para tanto, recorremos à aplicação do método de mensuração

do grau de concentração industrial de Herfindahl-Hirschman, popularmente

conhecido como Índice HH ou, simplesmente, IHH, controlado pela variável

quantidade de fiéis por denominação religiosa; analisado em termos históricos

com base nas publicações de tendências demográficas do IBGE. Além deste, a

concentração industrial e a desigualdade entre os agentes do campo religioso

brasileiro também foram analisadas pela aplicação do método de Gini (Coeficiente

de Gini).

A relação de concentração (C) e o IHH – este último representado pela

soma dos quadrados das participações de mercado (market shares) das

empresas atuantes em uma determinada indústria e podendo variam entre 0 e

10000 pontos - foram aplicados ao caso das denominações religiosas, tendo sido

as participações destas no mercado calculadas com base no total de fiéis que

possuíam de acordo com o Censo Demográfico de 2000.

A primeira análise foi aplicada para o total da população brasileira no

conjunto das denominações religiosas desagregado em 138 classificações; sendo

135 religiosidades propriamente ditas, mais 3 classificações (SEM RELIGIÃO,

SEM DECLARAÇÃO e NÃO DETERMINADA / MAL DEFINIDA). Tomando como

base a classificação adotada pelo IBGE no Censo de 2000 (vide tabela no Anexo

IV), apenas 5 denominações religiosas foram excluídas do estudo76; dada a nula

representatividade delas nos números publicados. Estiveram presentes também

as classificações de declaração de múltipla religiosidade.

76 Outras DE ORIGEM PENTECOSTAL CADEIA DA PRECE, Outras IGREJA DE JESUS CRISTO DOS SANTOS DOS ÚLTIMOS DIAS, Budismo Theravada, Discipulos Oshoo e A Barquinha.

Page 72: O Oligopólio Da fé (PT_BR)

59

A relação de concentração (C) com corte nas sete primeiras denominações

mais representativas foi de 91,54%. O grupo selecionado, cuja população total

envolvida era próxima de 155,5 milhões de brasileiros no ano da pesquisa, foi

composto pelas seguintes declarações religiosas: Católica Apostólica Romana

(73,55% da população nacional), Sem religião (7,55%), Igreja Evangélica

Assembléia de Deus (4,89%), Igreja Evangélica Batista (1,73%), Igreja

Congregacional Cristã do Brasil (1,46%), Espírita Kardecista (1,32%) e Igreja

Universal do Reino de Deus (1,24%).

O Índice Herfindahl-Hirschman (IHH) para o conjunto das 138

classificações foi de 0,550 (ou 5500 pontos). O aspecto qualitativo deste resultado

pode ser obtido pela sua correspondência com faixas de uma escala de

concentração. O Departamento de Justiça dos Estados Unidos da América, por

exemplo, considera resultados inferiores a 1000 pontos como sendo próprios de

mercados competitivos; aqueles cuja pontuação oscila entre 1000 (inclusive) e

1800 pontos (exclusive) como nível moderado de competição; e IHH igual ou

superior a 1800 pontos como próprio de mercados altamente concentrados77.

Na análise aplicada com exclusividade sobre a população de idade igual ou

superior a 60 anos, apesar da relação de concentração cortada para as sete

primeiras classificações mais representativas ter se apresentado praticamente a

mesma (91,50%), o IHH permitiu concluir uma concentração das denominações

religiosas ainda superior em relação àquela válida para toda população

(independente da variável idade), apontando 5986 pontos.

Fechando-se o estudo para a população com idade igual ou superior a 60

anos, as classificações Sem religião e Igreja Evangélica Assembléia de Deus

trocam de lugar no ranking das sete principais em participação de mercado; assim

como o fazem as classificações Espírita Kardecista e Igreja Evangélica Batista.

O Coeficiente de Gini – “medida de concentração, mais frequentemente

aplicada à renda, à propriedade fundiária e à oligopolização da indústria”78 – foi

calculado também no intuito de evidenciar o grau de concentração e desigualdade

entre os agentes atuantes no campo religioso. Com base nos dados do Censo

77 THE HERFINDAHL-HIRSCHMAN INDEX. United States Department of Justice. Disponível em <http://www.usdoj.gov/atr/public/testimony/hhi.htm>. Acesso em 28 Nov. 2005. 78 Paulo Sandroni, Novíssimo dicionário de economia. 7ª ed. São Paulo: Best Seller, 2001. Ver verbete Coeficiente de Gini.

Page 73: O Oligopólio Da fé (PT_BR)

60

Demográfico de 2000, para um conjunto de 97 classificações de religiosidade79, o

coeficiente com resultado apresentado de 0,957 (ou 95,7%) pôde ser evidenciado

graficamente no Apêndice A. É representado pela proporção da área

compreendida entre a Curva de Lorenz e a linha da perfeita distribuição (45º),

relativa ao triângulo formado pela própria linha da perfeita distribuição

(hipotenusa) e os eixos crescente de acumulação percentual da quantidade de

denominações religiosas (horizontal) e respectivas fatias de mercado (vertical).

Neste sentido, quanto mais próximo de zero for o coeficiente, mais iguais serão os

agentes; quanto mais próximo de 1 (100%), mais desiguais serão os agentes.

O Índice Herfindahl-Hirschman (IHH) calculado para um nível de agregação

de 138 classificações de religiosidade adotadas pelo IBGE, cujo resultado para o

ano 2000 foi de 5500 pontos, foi também analisado em termos históricos, de

acordo com as tendências demográficas. Porém, neste caso, a não conformidade

nas terminologias empregadas pelo instituto de pesquisa ao longo dos anos

analisados, requereu a agregação das classificações de religiosidade em apenas

6 grupos: Católicos apostólicos romanos, Evangélicos, Espíritas, Outras religiões

e Sem declaração – este último sem impactos significativos sobre os cálculos.

Esta agregação altera para o ano 2000 o IHH, subindo de 5500 (com 138

classificações de religiosidade) para 5711 (com 6 classificações de religiosidade).

Na liderança do ranking se manteve, evidentemente, a Igreja Católica Apostólica

Romana, concentrando sozinha 73,57% da população brasileira; sucedida pelo

conjunto dos evangélicos (15,41%), os sem-religião (7,35%), outras religiões

(1,79%), espíritas (1,64%) e, finalmente, os sem-declaração (0,23%).

Aplicado aos períodos que compõem o relatório de Tendências

demográficas do IBGE, o método Herfindahl-Hirschman demonstrou uma queda

substancial no grau de concentração do campo religioso brasileiro desde a

década de 1960, quando o IHH era de 8690 pontos; passando para 8452 em

1970, 7962 em 1980, 6992 em 1991 e 5711 em 2000. Durante os anos 1960 a

redução do índice foi de 2,73%, registrada em 1970; já na década seguinte a

variação duplica, tendo reduzido o índice em mais 5,8%; e duplica novamente nos 79 A limitação do número de classificações de religiosidade a um total de 97 deve-se a exclusão de todas as agregações do tipo “outras religiosidades”, adotadas pelo IBGE para cada grupo de denominações. Pelo método de cálculo do Coeficiente de Gini, a não exclusão dessas classificações implicaria na distorção do índice, reduzindo artificialmente o grau de concentração e desigualdade entre os agentes do campo religioso, podendo ser aceita somente no caso de a agregação significar algum impacto real para o mercado; ou seja, se a agregação representasse uma coalizão de interesses sobre o campo.

Page 74: O Oligopólio Da fé (PT_BR)

61

anos 1980, com variação de 12,19% medida em 1991. Desde então até o último

Censo, a taxa de variação do IHH medida anteriormente é multiplicada por 1,5,

reduzindo o índice nos anos 1990 em 18,32%, suavizando desta forma, neste

último período, a tendência abrupta de redução geométrica da taxa de

concentração80.

Em termos de relação de concentração (coeficiente C), este

comportamento também pôde ser observado, contudo, de modo mais suave. O

corte na participação dos três principais grupos religiosos na década de 1960

(Católicos apostólicos romanos, Evangélicos e Espíritas) atribuía 98,49% da

população declarada associada a uma dessas três classificações. Em 1970, esta

participação decresce para 98,21%. Em 1980, os espíritas tiveram sua

participação aumentada levemente de 1,27% para 1,29%, mas ainda assim foram

superados no ranking das 6 agregações pelo grupo dos Sem religião e o corte

dos três maiores passaria a representar 97,22% da população brasileira. Com

esta mesma composição de liderança, a participação de católicos, evangélicos e

sem-religião se reduziria para 96,68% e 96,34%, respectivamente, nos resultados

apresentados pelos censos de 1991 e 2000.

No período todo, de 1960 a 2000, a queda acumulada em pontos do IHH

foi de 2979 (34,28%) e de 2,18 a variação em pontos percentuais na participação

dos três maiores grupos religiosos do país, sofrendo uma mudança na

composição somente nos anos 1970. Esta observação nos permite antecipar a

conclusão de que, ao longo dos últimos 40 anos que antecederam o Censo

Demográfico de 2000, a grande desconcentração do campo religioso brasileiro,

de trajetória sempre crescente mesmo que levemente suavizada a partir dos anos

1990), se deu principalmente dentre os principais grupos (católicos, evangélicos e

sem-religião). Marcelo Néri, chefe do Centro de Políticas Sociais do IBRE/FGV,

afirmou em maio de 2005 que “se fôssemos traçar um retrato atual, ou filmar a

história recente das religiões brasileiras, os personagens principais seriam os

católicos, os sem-religião e os evangélicos, com especial destaque às seitas

pentecostais”81.

80 Tanto a linha de tendência do IHH quanto a sua taxa de redução a cada década no período 1960-2000 estão representadas graficamente no Apêndice B. 81 Marcelo Neri. A ética pentecostal e o declínio católico. Conjuntura econômica. Maio de 2005. Disponível em <http://www.fgv.br/cps/religioes/Apresenta%E7%E3o/CPS.FGV-A%20%E9tica%20pentecostal-Conjuntura%20Economica-maio%202005.pdf>. Acesso em 21 Abr. 2005.

Page 75: O Oligopólio Da fé (PT_BR)

62

É certo o fato de que a desconcentração do campo religioso no Brasil e,

consequentemente, a ampliação da sua condição de pluralidade religiosa e o

acirramento da concorrência ao nível das igrejas e destas para com propostas

alternativas de religiosidade, incluindo as céticas e secularizadas, se deu à custa

da perda de participação da Igreja Católica na população brasileira. De 1960 a

1980 o catolicismo apostólico romano teve seu market share reduzido em 4,17

pontos percentuais (p.p.); nos 20 anos seguintes, esta perda seria agregada de

mais 15,38 p.p., totalizando no período de 1960 a 2000 uma redução de 19,54

p.p. A fatia de mercado religioso de 93,12%, que lhe era atribuída em 1960,

passaria a 91,77% em 1970, 88,95% em 1980, 82,97% em 1991 e 73,57% em

2000. Em média, registrou-se uma variação negativa anual de praticamente meio

ponto percentual durante os 40 anos analisados, por conta principalmente do

movimento de “descatólicalização” associados ao crescimento populacional

proporcionalmente superior na esfera das denominações rivais.

Por outro lado, o conjunto das denominações evangélicas saltou de pouco

menos de 4% da população brasileira em 1960 para 15,41% em 2000 –

crescimento de 11,44 p.p., sendo 8,8 a partir da década de 1980. Paralelamente,

as declarações de sem-religião que se limitavam a 0,5% da população em 1960,

chegaram em 2000 a 7,35%, multiplicando por 14,7 a percentagem dessa fatia da

população. Em 40 anos, enquanto a taxa de católicos caía cerca de 20 p.p.,

evangélicos e sem-religião protagonizavam o surgimento de um panorama mais

diversificado e competitivo do campo religioso brasileiro, com aumentos de 11,4

p.p. e 6,9 p.p., respectivamente (vide Apêndice C com gráfico de evolução destes

grupos).

3.2 O surgimento de novas competidoras e as barreiras envolvidas

Grandes alterações se deram, portanto, no campo religioso brasileiro no

sentido de expansão do seu grau de pluralidade, desde o começo do século XX,

intensificado a partir dos anos 1950 quando os evangélicos representavam ainda

apenas 3% da população. O movimento do neopentecostalismo82, por exemplo,

82 “Naquele país [EUA], atribui-se o termo ‘neopentecostalismo’ a pessoas com mentalidade pentecostal, mas que se consideram adeptas de uma ‘renovação espiritual’ dentro dos próprios quadros denominacionais a que

Page 76: O Oligopólio Da fé (PT_BR)

63

cuja força foi ganha no mundo religioso norte-americano nos anos 1970, invadiu

também a América Latina nesta época, provocando o surgimento de novas

igrejas, seitas e denominações. Em acompanhamento, registraram-se inúmeras

cisões nas principais denominações protestantes brasileiras, entre elas,

Metodista, Batista, Presbiteriana, Congregacional e outras. (CAMPOS, 1997, p.

50)

De simplesmente evangélicos, passaram a “evangélicos de origem de

missão” e “evangélicos de origem pentecostal”. No sub-campo religioso

pentecostal, a segmentação em várias denominações permitiu, inclusive, a

criação de várias propostas de tipologias, das mais objetivas às mais extensas e

abstratas83. Ao “pentecostalismo clássico” são relacionadas a Igreja Assembléia

de Deus e a Congregação Cristã do Brasil; Paul Freston (1993 apud CAMPOS,

1997, p. 51) – que separa o surgimento dos neopentecostais em “ondas”

associadas ao ciclo de início, expansão e reversão dos movimentos religiosos no

decorrer do tempo –, fala em uma “segunda onda” que incluiria as Igrejas “O

Brasil para Cristo”, “Deus é Amor” e “Evangelho Quadrangular”84. A “terceira

onda” ou “pentecostalismo autônomo” ou, simplesmente, “neopentecostalismo”

(MENDONÇA, 1994 e MARIANO, 1995 apud CAMPOS, 1997, p. 51) inclui as

denominações como a Igreja Universal do Reino de Deus, Igreja Internacional da

Graça de Deus, Comunidade Sara Nossa Terra, Igreja Renascer em Cristo e

Igreja Nacional Palavra da Fé. (CAMPOS, 1997, p. 51)

Para o Professor Mário Sérgio Cortella, do Departamento de Teologia e

Ciências da Religião da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP),

o crescimento das denominações evangélicas é explicado por três motivos: a

urbanização do Brasil (“nas cidades há garantia de anonimato e liberdade de

culto, menor controle social”), a democratização do país (“antes, para abrir uma

pertencem. De uma maneira geral, esse ‘neopentecostalismo’ enfatiza o exorcismo, cura divina, dons espirituais, continuidade da revelação divina através de líderes carismáticos, e uma parte dele aceita a ‘teologia da prosperidade’”. Leonildo Silveira Campos. Teatro, templo e mercado – Organização e marketing de um empreendimento neopentecostal. Petrópolis: Vozes, 1997. 83 Apesar das tipologias propostas, devido à dificuldade de distinção entre as características assumidas pelas denominações da segunda e terceira onda que dividiriam o sub-campo pentecostal no Brasil, adotaremos a terminologia mais simples, empregando pentecostais em referência às denominações mais clássicas, e neopentecostais para as demais. 84 Este grupo de denominações pentecostais também é tratado por pentecostais “de cura divina”. (MENDONÇA, 1989 apud CAMPOS, 1997, p. 51)

Page 77: O Oligopólio Da fé (PT_BR)

64

igreja cristã não-tradicional, era preciso ter autorização policial”) e a globalização

(“agora aceita-se muito mais a pluralidade”)85.

Atualmente, segundo a Revista Exame86, cerca de 10.000 novos pontos de

pregação evangélicos são abertos a cada ano em várias regiões do país. Dentro

disso, o fato que nos chama atenção neste segundo tópico do terceiro capítulo é a

questão da susceptibilidade destes projetos de novas denominações religiosas às

barreiras à entrada presentes no mercado.

Se por um lado, não se fazem mais presentes os impedimentos legais para

o surgimento de denominações alternativas ao monopólio católico típico de

séculos passados; por outro, em tempos atuais, a criação de denominações

inteiramente novas, as cisões decorrentes das divergências em termos

ideológicos ou meramente organizacionais e administrativos87, ou mesmo a

simples expansão da abrangência territorial de uma determinada denominação

estabelecida pela abertura de um novo ponto de pregação, passam pela análise

dos requisitos mínimos necessários para a realização do projeto.

Segundo o Mestre Antonio Miguel Kater Filho88, “os pontos de venda do

produto [salvação] são milhares, dependendo da magnitude”. Para ele, não

somente os templos, mas “cada batizado em uma igreja é um portador da

salvação. É alguém que chega, sentado, ao lado de uma pessoa num avião, num

ônibus ou num ponto de ônibus, dentro de um prostíbulo, num botequim. Eu

posso chegar para uma pessoa num buraco e falar de salvação e traze-lo a

salvação”. Apesar disso, as igrejas, no seu sentido de congregação e para que

possam realizar os rituais que eventualmente integrem a sua cultura teológica,

carecem de uma estrutura física e, portanto, de recursos passíveis de

transformação em capital fixo imobilizado.

Em geral, o ativo fixo mínimo das igrejas inclui, senão o próprio edifício,

que pode eventualmente ser alugado, pelo menos os móveis (bancos, mesas,

cadeiras, etc.), equipamentos de áudio e instrumentos musicais. De acordo com a

85 Ricardo Westin. Evangélicos eram 3% do País em 1950. Hoje são 15%. Folha de São Paulo, São Paulo, 26 Jun. 2005, Caderno A, p. 24. 86 Luciana Farnesi. Um mercado movido pela fé. Revista Exame, 16 Fev. 2005, p. 60-61. 87 A respeito das cisões em denominações religiosas, Campos (1997, p. 50) afirmou que ocorrem em sua maioria “mais por questões administrativas e organizacionais do que teológicas”. 88 Em entrevista concedida aos 27 de setembro de 2005, das 17h às 18h, na sede do Instituto Brasileiro de Marketing Católico – IBMC, na Av. João Erbolato, 50 – sala 20 – Castelo – Campinas (SP).

Page 78: O Oligopólio Da fé (PT_BR)

65

Revista Exame89, “cada um dos 150.000 templos [evangélicos] espalhados pelo

Brasil tem uma banda musical, ou, como os evangélicos preferem chamar, um

grupo de louvor”. Tanto que, segundo a mesma matéria, metade das vendas da

fábrica Weril90 de trombones, flautas, trompetes e outros instrumentos sopro, são

destinadas ao público evangélico. A aquisição destes bens requer uma soma de

capital mínimo, oriunda, geralmente, de doações dos próprios fiéis e líderes que

se prontificam a iniciar o novo trabalho.

Essa noção subjetiva de requisito mínimo de capital pode se transformar

em barreira ao surgimento de uma nova denominação à medida se compara com

o conjunto das denominações já estabelecidas, no que tange aos seus objetivos

de oferecer condições estruturais coerentes com aquelas que o mercado já

oferece. Nesse sentido, passa a ser relevante a questão do número mínimo de

fiéis – em termos econômicos, diríamos escala mínima eficiente – para

manutenção da estrutura física ao menor custo por fiel possível.

A determinação arbitrária em fase de projeto, ou a percepção ao longo do

processo prático de atuação, do volume em número de fiéis almejado pela

denominação religiosa, sejam quais forem seus interesses e motivações, se

associa aos meios reais dos quais ela fará uso para atingir esse objetivo. Ou seja,

é provável que as igrejas escolham os veículos que as levem ao mercado alvo em

função da escala almejada. Um número muito alto de fiéis implica a necessidade

de se produzir mais material gráfico, talvez o controle de estações rádio ou até

mesmo de televisão. E, é claro, a propriedade destes meios acumulados expande

a quantidade mínima de fiéis necessários para sua manutenção ao menor custo

unitário possível. A escala de prestação de serviços religiosos (quantidade de

fiéis) deve, obviamente, caber na realidade do mercado; caso contrário, significa

para a nova igreja a necessidade de predisposição à superação das

denominações já estabelecidas, atraindo para si parte dos fiéis destas. Em

resumo, ou um grupo mais concentrado se prontifica a bancar a estrutura física da

igreja ou a escala necessária de fiéis deve ser compatível com o mercado.

É possível também pensarmos no conceito de barreira quanto aos

empenhos necessários, por parte da nova igreja, no sentido de superar as 89 Luciana Farnesi. Um mercado movido pela fé. Revista Exame, 16 Fev. 2005, p. 60-61. 90 De acordo com o próprio site da empresa (www.weril.com.br), presente em mais de 40 países além do Brasil, é uma das cinco maiores empresas de instrumentos musicais de sopro do mundo, e líder do segmento de instrumentos de sopro no país.

Page 79: O Oligopólio Da fé (PT_BR)

66

denominações já estabelecidas na formação de contratos e parcerias com

empresas e órgãos públicos e privados diversos para a realização de atividades

almejadas. Como, por exemplo, negociações de aquisição ou concessão de um

terreno para a construção do templo; possivelmente mais facilitado às igrejas já

existentes.

Todos estes possíveis inibidores ao surgimento de novas denominações

estão, entretanto, muito condicionados ao tamanho do empreendimento que se

planeja. Contudo, um outro fator muito relevante para o caso das igrejas enquanto

barreira ao estabelecimento, tanto de novas denominações, quanto de novos

pontos de denominações já existentes, são os esforços necessários de serem

empenhados pela igreja entrante no campo religioso, no sentido de quebrar a

reputação das igrejas já estabelecidas.

Em geral, é possível afirmar que a população, em sua maioria pelo menos,

já tem sua opção religiosa determinada. Por isso, uma igreja que pretenda se

estabelecer em determinada região está fortemente exposta a um estímulo de

bloqueio pela exigência de se conseguir convencer parte daquela população da

sua superioridade como instituição prestadora de serviços religiosos. Esses

esforços de demonstrar a diferenciação dos seus serviços em relação àqueles

que já estão sendo prestados e, naturalmente, a superioridade ou, em muitos

casos, até mesmo a inofensividade deles, passam pela questão da imagem e da

publicidade necessária, contra o preconceito e discriminação que podem estar

presentes nas comunidades onde as igrejas entrantes focam seu

estabelecimento.

Tomemos como exemplo a relação entre católicos e espíritas kardecistas.

As divergências quanto a alguns pontos específicos de cada doutrina, associadas

à crença na verdade absoluta das prédicas de cada religião, inspiram, em algum

momento, a inviabilidade na declaração de múltipla religiosidade. Neste momento,

ambas defendem suas doutrinas perante os leigos, potencializando com isso a

competição. Os resultados da preocupação acerca da perda eminente no total de

adeptos de cada uma podem ser, apesar das críticas mútuas, a adoção de certo

grau de tolerância quanto às divergências sobre o assunto da reencarnação.

Embora as religiões não tenham propriamente rompido com a sua doutrina, o

discurso pode incorporar elementos de diferenciação em função do nível de

acirramento da competição; ora mais ortodoxos e críticos, ora mais tolerantes.

Page 80: O Oligopólio Da fé (PT_BR)

67

Essa diferenciação, atribuída no exemplo ao grau de tolerância para com

as divergências doutrinárias, dada por antecipação se consubstancia em barreira

à entrada de nova doutrina. A tolerância de católicos, por exemplo, quanto a

elementos da doutrina espírita incorporados por alguns de seu corpo de leigos,

mesmo que isso contradiga a sua própria doutrina, seria somada às duras críticas

pelos sacerdotes ao espiritismo enquanto religião, rompendo com as razões que

motivariam a substituição de uma religião pela outra. Afinal, apesar desses

elementos contraditórios não serem aceitos pela doutrina, a crença neles não

transforma o leigo em pecador e, portanto, não haveria motivação à migração

para uma outra religião.

O exemplo anterior toma forma ainda mais realista quando aplicado à

relação entre católicos e pentecostais. Por mais que um conjunto relevante de

sacerdotes católicos se manifestasse (e parte dele ainda se manifesta) contrário à

incorporação de alguns elementos associados ao pentecostalismo que, a partir da

década de 1960 seria tratado por “movimento de renovação carismática” na Igreja

Católica, percebeu-se o emprego (deliberado ou não) da “diferenciação de

produtos” aos serviços religiosos91. Essa pluralidade interna de uma própria igreja

ampliaria a partir dos anos 1970 a demanda por esforços de quebra da reputação

católica por parte das denominações neopentecostais incipientes.

3.3 Estratégias de competição

O acirramento da concorrência religiosa, decorrente do surgimento de

novas denominações competidoras, viabilizado primeiramente pela consolidação

da perspectiva de privatização da religião na sociedade – isolamento das relações

econômicas e dissociação do Estado como bases para a situação pluralística – e

intensificado pela sucessão urbanização, democratização e globalização,

submeteu o campo religioso à lógica mundana capitalista; pela qual o caráter

individualista assume posição de protagonista do sistema, focado no

91 Para o Professor Antônio Miguel Kater Filho, do IBMC, a Renovação Católica Carismática (RCC) foi um “despertar” de parte da Igreja Católica às práticas adotadas pelos pentecostais, de comunicação através do “Espírito Santo” e, apesar de reconhecer a existência de opiniões contrárias, ele atribui ao movimento o mérito de ter realizado para a Igreja Católica um “trabalho fantástico”.

Page 81: O Oligopólio Da fé (PT_BR)

68

desenvolvimento de aptidões próprias contra o aspecto selvagem da dinâmica de

concorrência.

Neste sentido, os agentes envolvidos no mercado de bens simbólicos

associados à fé como prestadores de serviços religiosos – e nesta classificação

cabem as igrejas, seitas, centros, terreiros, e quaisquer outras terminologias

empregadas em referência a instituições burocratizadas detentoras e ofertantes

de capital religioso; inclusive, os pregadores dos movimentos céticos ou de não-

religião – viram-se expostos à face dura do sistema de mercado. Uma vez

inseridas na dinâmica de livre concorrência, as denominações religiosas, na luta

pela sobrevivência, são obrigadas a lançar mão de verdadeiras estratégias de

competição.

Este aspecto secular da lógica conflituosa do campo religioso, uma vez

reconhecido no sistema, expande-se analogamente à dinâmica econômica da

concorrência capitalista; envolve, portanto, indiscriminadamente todos os agentes

atuantes, atingindo inevitavelmente cada instituição. Estas, em nome da própria

sobrevivência no mercado, adaptam-se às regras do jogo e agregam

obrigatoriamente empenhos estratégicos orientados à defesa de seus interesses,

traduzidos, fundamentalmente, nas tentativas de aumentar o número de

praticantes e, naturalmente, de preservar a instituição. Em citação à Igreja

Católica, Mariano (1999 apud CORREIA, 2003) ajuda-nos a observar a maneira

como se dá a percepção desta realidade:

João Paulo II, quando esteve no Brasil em 1991, atento à

diminuição de seu rebanho e ao crescimento dos concorrentes,

cobrou dos cerca de 300 bispos reunidos em Natal durante o

congresso Eucarístico Nacional uma ação mais eficaz contra a

ignorância religiosa e a carência de doutrina que deixam o povo

vulnerável à sedução das seitas (MARIANO, 1999, p. 13 apud

CORREIA, 2003, p. 36).

Assim, hoje, no campo religioso, visto pela sua ótica de mercado, podem

ser observadas iniciativas, com maior ou menor intensidade de planejamento

deliberado, no sentido de criar condições de proteção contra o surgimento de

novas competidoras; levantando barreiras à entrada, que se estendem do capital

Page 82: O Oligopólio Da fé (PT_BR)

69

mínimo relacionado à escala (quantidade de fiéis) ao fortalecimento da reputação

pela diversificação dos serviços em função dos perfis atendidos. Paralelamente,

empenhos são dedicados à disputa pela adesão dos fiéis entre as próprias

inúmeras opções de religiosidade já estabelecidas, e, desta forma, o mercado

religioso segue, cada vez mais, podendo ser caracterizado por um conjunto de

medidas estratégicas de competição: inovações e as barreiras à entrada versus a

contestabilidade (interna e externa ao mercado) da legitimação da prestação dos

serviços religiosos por opções já estabelecidas, por parte de outros capitais

religiosos ainda incipientes (ou mesmo dentre os bem constituídos); geralmente

através de mais inovações.

Analisaremos, portanto, neste tópico que encerra o terceiro capítulo de

nossa dissertação, algumas destas estratégias de competição adotadas pelas

denominações religiosas, observadas a partir de uma bibliografia mínima (livros,

notícias de jornais e revistas e entrevistas realizadas com representantes de

instituições religiosas), subdividindo-o em três itens de grande relevância.

Trataremos da questão da diferenciação dos serviços religiosos prestados, da

importância do marketing e da utilização dos meios de comunicação em massa e,

finalmente, das práticas ecumênicas enquanto mecanismos fortalecedores do

poder de mercado das instituições religiosas.

3.3.1 Serviços diferenciados

A compreensão do relacionamento entre as bases para a constituição de

um mercado religioso e os fenômenos seculares de urbanização, democratização

e, posteriormente, de globalização permite-nos subentender que as alterações

dadas no campo religioso ocorreram não somente pela simples diversificação das

doutrinas religiosas estrategicamente comandadas por lideranças ofertantes, mas,

principalmente, pelas alterações no perfil dos consumidores de bens simbólicos

ligados à religião; portanto, da demanda. Em outras palavras, as transformações

sociais atingiram todas as esferas da sociedade, da economia à religião, e

constituíram uma classe de leigos mais carente de alternativas para a explicação

da realidade social e instrumentos de salvação; ou seja, exigência de maior

diversificação nos serviços religiosos, até então prestados por legitimados

monopólios da fé.

Page 83: O Oligopólio Da fé (PT_BR)

70

Para Weber (1967), em A ética protestante e o espírito do capitalismo, o

asceticismo secular do protestantismo, que explicaria a percepção de uma “ética

protestante” em contraposição aos princípios católicos hegemônicos e

monopólicos do campo religioso ocidental até a Reforma Calvinista, oferecia

maior correspondência ao “espírito capitalista” em desenvolvimento e, portanto,

teria influenciado positivamente no surgimento do capitalismo. A partir da

valorização de uma “ética do trabalho” pelo protestantismo – isto é, a valorização

do próprio trabalho, mais que seus resultados – e da libertação psicológica da

“aquisição de bens das inibições da ética tradicional, rompendo os grilhões da

ânsia de lucro, com o que [o protestantismo ascético] não apenas a legalizou,

como também a considerou (no sentido aqui exposto) como diretamente desejada

por Deus”92, os países de tradições protestantes teriam se desenvolvido mais do

que os católicos. Contrariamente a estes princípios, pela tradição católica, “uma

pessoa só deveria obter riqueza suficiente para viver bem” (FUKUYAMA, 2005),

culpando a acumulação de capital e inibindo a lógica da divisão do trabalho,

caracterizando, com isso, uma ética “que jogava para outra vida a conquista da

felicidade” (NERI, 2005).

O argumento de Weber em relação à importância do Puritanismo para o

capitalismo, tanto quanto Sombart (1951 apud CORREIA 2003, p. 10) o faria em

relação ao Judaísmo, bem nos serve para demonstrar a maneira como o

surgimento de doutrinas alternativas ou serviços religiosos diferenciados sempre

encontraram espaço na sociedade ao longo da história; notadamente em

momentos nos quais que ela passou por grandes transformações, como o

surgimento do capitalismo. Naturalmente, durante a fase incipiente da

industrialização ou do crescimento das tendências reformistas do campo religioso,

aqueles que almejavam obter sucesso nos negócios capitalistas encontrar-se-iam

mais bem respaldados pelas doutrinas protestantes (ou mesmo judaica) do que

pela católica.

Para o cristianismo, portanto, a Reforma Protestante representou, em

termos de mercado religioso, a quebra do monopólio católico através da inovação

nos serviços prestados; diversificando, desta forma, o campo religioso ocidental

92 Max Weber. A ética protestante e o espírito do capitalismo. São Paulo: Pioneira, 1967, p. 122.

Page 84: O Oligopólio Da fé (PT_BR)

71

em duas grandes qualidades de religiosidade cristã tão bem distinguidas por

Weber: catolicismo e protestantismo.

Assim, podemos de alguma forma associar o surgimento de novas

denominações às propostas alternativas de prestação de serviços religiosos e,

consequentemente, ao aumento da heterogeneidade dos produtos ofertados no

mercado de bens simbólicos associados à religião; ou ainda, em outras palavras,

à maior diversificação dos serviços prestados. Concluímos desta forma que, à

medida que se permite associar a existência de uma demanda potencial por tipos

específicos de serviços religiosos aos interesses de oferta, capitais religiosos

inteiramente novos podem ser introduzidos ao mercado. Com o surgimento da

oferta especializada, o campo religioso torna-se mais segmentado e os serviços,

em termos gerais, mais diversificados. Essa diversificação, neste caso analisada

como instrumento estratégico de competição, se objetiva na prática pelas

variações de linguagem e elementos incorporados aos discursos e ritos.

Atualmente, sob condições de intensificação do cenário concorrencial entre

as diversas denominações presentes no campo religioso, especialmente a partir

do surgimento das igrejas evangélicas pentecostais no começo do século XX e,

principalmente, neopentecostais, a partir dos anos 1970, a prestação de serviços

diferenciados – como já sugerido – avança o aspecto de coesão com as

transformações sociais; consubstanciando-se, mais do isso, em instrumento

fundamental da disputa pela legitimação dos serviços religiosos no mercado. A

diversidade cultural da sociedade, o agravamento dos problemas correlatos à

urbanização, a liberdade de expressão e a maior propensão em se aceitar a

pluralidade reforçam os aspectos de estímulo à segmentação dos fiéis em grupos

de identidades e perfis próprios, que, uma vez identificados, têm para si

pregações e ritos adaptados.

Recentemente, em publicação do diário O Estado de São Paulo, sob o

título “Evangélicos criam igrejas sob medida”93, o movimento de segmentação dos

fiéis em grupos para os quais serviços diferenciados são prestados foi apontado

como uma tendência que tem ajudado a manutenção do elevado ritmo de

crescimento das igrejas evangélicas. De acordo com a matéria94, o sociólogo Dr.

93 Ricardo Westin. Evangélicos criam igrejas sob medida. O Estado de São Paulo, São Paulo, 26 Jun. 2005, Caderno A, p. 24. 94 Idem.

Page 85: O Oligopólio Da fé (PT_BR)

72

Ricardo Mariano95 associa a segmentação do mercado religioso à aplicação da

lógica mundana capitalista à espiritualidade da religião, fazendo “muito sentido na

situação atual do País, de grande concorrência entre os grupos religiosos”. Para

ele, “é uma questão de sobrevivência no mercado”96.

A diferenciação dos serviços com intuito de segmentação dos fiéis e

especialização da oferta de bens simbólicos associados à religião resulta no

agrupamento dos mais diversos perfis, incluindo “grupos [específicos] de ricos,

surfistas, gays e até pessoas que querem aprender a falar com Deus em inglês”97.

Voltada especialmente ao público formado por empresários, a Comissão Cristã de

Homens de Negócios, por exemplo, declara como missão “apresentar Jesus

Cristo como Senhor Salvador a homens de negócios e profissionais liberais e

treina-los para que cumpram a Grande Comissão dada por Jesus”98.

A Igreja Sara Nossa Terra, apelidada de “igreja dos ricos”, sediada em

Brasília e especializada nos fiéis da classe A, salienta a importância de se

abordar problemas com filhos de famílias nobres, “que costumam não dar muito

valor ao que possuem e se envolvem com briga, bebida e drogas”99. Segundo o

bispo da igreja, “é mais fácil transmitir a mensagem de Deus quando os fiéis são

homogêneos”100. Analogamente, igrejas como a Acalanto e a Igreja Para Todos,

voltam-se com especificidade ao público gay, em defesa de que o

“homossexualismo não é pecado”101; com direito à utilização do arco-íris como

símbolo, presente na decoração do templo ou estampado sobre a Bíblia, além de

celebrações matrimoniais com “assinatura em livro de relacionamentos estáveis

homossexuais, devidamente registrada em cartório”102.

Dentre estes exemplos, inúmeras outras denominações se somam na

prática de especialização da prestação dos serviços religiosos e ajudam a

segmentar o campo religioso em grupos específicos de fiéis. O Pastor Robson 95 Ricardo Mariano. Neopentecostais: sociologia do novo pentecostalismo no Brasil. São Paulo: Loyola, 1999. 96 Ricardo Mariano citado por Ricardo Westin. Evangélicos criam igrejas sob medida. O Estado de São Paulo, São Paulo, 26 Jun. 2005, Caderno A, p. 24. 97 Ricardo Westin. Evangélicos criam igrejas sob medida. O Estado de São Paulo, São Paulo, 26 Jun. 2005, Caderno A, p. 24. 98 Idem. 99 Bispo Rodovalho, fundador da Igreja Sara Nossa Terra, citado por Ricardo Westin. Evangélicos criam igrejas sob medida. O Estado de São Paulo, São Paulo, 26 Jun. 2005, Caderno A, p. 24. 100 Idem. 101 Ricardo Westin. Evangélicos criam igrejas sob medida. O Estado de São Paulo, São Paulo, 26 Jun. 2005, Caderno A, p. 24. 102 Idem.

Page 86: O Oligopólio Da fé (PT_BR)

73

Pereira, por exemplo, reuniu seus conhecimentos como ex-professor de inglês e

adaptou os cultos da Igreja Cristã Evangélica do Brasil de modo a compatibilizar

os ensinamentos bíblicos com o aprendizado de um segundo idioma. Os

estudantes que se dirigem regularmente à igreja para aprender a falar com Deus

em inglês têm sido os responsáveis pela maneira “surpreendente como o

movimento [da igreja] tem aumentado a cada mês”103. O Pastor Rina, por sua vez,

no comando da Igreja Bola de Neve, expande a denominação com a abertura de

novos templos, usando calça jeans e tênis nas pregações diante de um púlpito em

forma de prancha de surfe, voltadas a centenas de jovens, dentre os quais,

muitos de chinelo, gel e tatuagens à mostra104.

Estas especificidades que se fazem presentes para parcelas da classe

leiga da sociedade, e se intensificam à medida que as transformações sociais

tendem à maior liberdade de expressão cultural, podem, naturalmente, se auto

excluírem do campo religioso tradicional. Por exemplo, a sociedade brasileira até

poucas décadas recobria-se de preconceitos à respeito da dissolução de

casamentos por separações, desquites ou divórcios. Neste contexto, as pessoas

separadas de seus cônjuges, principalmente as mulheres, podiam ser vítimas de

discriminação até mesmo dentro das congregações religiosas que freqüentavam.

Desta forma, o surgimento de denominações mais tolerantes com esta questão –

considerando-se insignificantes todas as demais implicações à entrada no campo

religioso – asseguraria o oferecimento de melhor assistência a esse perfil

específico da sociedade e, com isso, essas novas igrejas tomariam para si esta

fatia do mercado de religião.

Atualmente, o exemplo acima se faz ainda mais presente devido a maior

heterogeneidade social. Nas igrejas cujos discursos voltam-se à classe pobre, por

exemplo, os muito ricos podem sentir-se desprovidos da salvação ou das

explicações legitimantes da sua condição social; o mesmo vale para o caso dos

homossexuais e das incontáveis tribos jovens que se formam a cada geração.

Assim, o surgimento de novas denominações especializadas com adaptações do

discurso para um público específico encontra espaço no campo religioso e

ameaça as fatias de mercado das denominações já estabelecidas. Observamos 103 Pastor Robson Pereira, da Igreja Cristã Evangélica do Brasil, citado por Ricardo Westin. Evangélicos criam igrejas sob medida. O Estado de São Paulo, São Paulo, 26 Jun. 2005, Caderno A, p. 24. 104 Ricardo Westin. Evangélicos criam igrejas sob medida. O Estado de São Paulo, São Paulo, 26 Jun. 2005, Caderno A, p. 24.

Page 87: O Oligopólio Da fé (PT_BR)

74

ao longo da pesquisa, no entanto, que estas últimas, no intuito de protegerem-se

da contestabilidade de suas condições de atender o campo como um todo por

capitais religiosos ainda incipientes (entrantes), tendem a internalizar a

diferenciação de produtos, assegurando para si a escala de fiéis já atendida.

Até mesmo as denominações especializadas em segmentos específicos de

leigos, para poderem crescer, não resistem à especialização e se submetem, num

segundo momento, à internalização da diferenciação de produtos, como o

Professor Antônio Flávio Pierucci da Universidade de São Paulo procurou explicar

em matéria do jornal O Estado de São Paulo:

Para o professor da Universidade de São Paulo (USP) Antônio

Flávio Pierucci, especialista em Sociologia da Religião, “não há a

possibilidade sociológica de um grupo se manter especializado

por muito tempo”. Esta seria apenas uma estratégia para se

viabilizar e depois conquistar novos fiéis. “Ninguém quer ser

minoria para sempre”105.

Apesar da orientação principal de se instalar geralmente em regiões que se

encontram sob condições sócio-economicamente agravadas – o que poderia ser

entendida como uma forma geral de especialização –, comprovada em entrevista

concedida por um pastor de Jundiaí (SP) ao afirmar que sua denominação

procura abrir novos templos sempre em locais “onde tem muitas pessoas

sofrendo (prostituição, roubo, etc.)”, a Igreja Universal do Reino de Deus se

apresentou como um exemplo típico de diferenciação internalizada dos serviços

religiosos prestados. Ao longo da semana tipos específicos de reuniões são

celebrados e voltam-se claramente a parcelas particulares da membresia. As

descrições abaixo foram extraídas de um dos sites oficiais da Igreja Universal do

Reino de Deus e explicam algumas das principais reuniões realizadas106.

Segunda-feira, Nação dos 318 – Conhecida também como o

maior congresso empresarial do Brasil, a nação dos 318 tem por

105 Professor Antônio Flávio Pierucci (USP) citado por Ricardo Westin. Evangélicos criam igrejas sob medida. O Estado de São Paulo, São Paulo, 26 Jun. 2005, Caderno A, p. 24. 106 As reuniões in: Templo Maior – Igreja Universal do Reino de Deus. Disponível em <http://www.catedralmundial.com.br/reuniao.php>. Acesso em 03 Dez. 2005.

Page 88: O Oligopólio Da fé (PT_BR)

75

objetivo mostrar à pessoa a importância de ter uma vida

próspera. A cada reunião, o congressista ministra palestras

sempre enfocando o aspecto financeiro e empresarial aliado a fé

em deus. Quem já participa da nação dos 318 tem conquistado o

sucesso financeiro e a realização profissional.

Terça-feira, Sessão de Descarrego – A sessão do descarrego é

um tratamento espiritual para aquelas pessoas que sofrem com

problemas causados por encostos. As atuações mais comuns

acontecem na área familiar, como separações, vícios, e traições;

na área espiritual, visões, depressão, desejo de morrer, medo e

nervosismo; na saúde, doenças que os médicos não

diagnosticam; na área financeira, dívidas

Quinta-feira, Reunião das Mulheres de Deus – A Reunião das

Mulheres de Deus tem a finalidade de orientar a base espiritual

da família que tem a mulher como responsável da edificação.

Nesta reunião 70 esposas de pastores e bispos atendem antes e

após a reunião.

Estas consagram um bálsamo por uma semana para consagrar

todas as mulheres nesta concentração. A reunião acontece todas

as quintas-feiras às 15 horas.

Quinta-feira, Reunião de Oração pela Família – A reunião de

oração pela família é uma reunião onde as pessoas clamam a

Deus para que suas famílias sejam abençoadas e que hajam (sic)

transformações em suas vidas.

Sábado, Terapia do Amor – Tratar das feridas na área

sentimental. Esse é o objetivo da terapia do amor, uma reunião

para quem sofre as dores do amor, que deseja encontrar a outra

metade, restaurar o casamento, vencer a ansiedade e curar as

desilusões, decepções e mágoas. O palestrante aborda esses

assuntos e explica a luz da bíblia (sic) como é possível ser feliz e

amado, ter uma família que viva em harmonia e deixar sempre

acesa a chama do amor.

Page 89: O Oligopólio Da fé (PT_BR)

76

Domingo, Concentração de Fé e Milagres – Nesta reunião,

acontecem momentos de louvor e adoração a Deus, clamor pela

cura e libertação, oração para os casais e a benção da

prosperidade. Uma reunião completa, que já se tornou a maior

concentração de fé que acontece aos domingos no Rio de

Janeiro.

Campos (1997) apropriou-se das categorias de classificação de produtos

criadas por Levitt (1988 apud CAMPOS, 1997, p. 224), segundo o qual os

produtos podem ser genéricos (benefício principal esperado pelo consumidor;

“Bênçãos de Deus”, no caso da religião), específicos ou esperados

(desdobramento dos produtos genéricos em “curas”, “prosperidade”, “sucesso”,

etc.) e ampliados (formas de agregação de vantagens aos produtos genéricos;

cuidados com a estética e suspensão de vícios, por exemplo, associados à cura

do corpo e emprego melhor associado à prosperidade), para explicar a estratégia

de diferenciação de produtos adotada pela Igreja Universal. O autor permite

explicar como, no caso particular desta denominação, a criação de serviços

específicos, agrupados em “famílias de produtos” – identificadas inclusive com

logotipos próprios –, atende a um objetivo estratégico desenvolvido a partir de um

grupo de idéias centradas ao redor da expressão “Cristo salva, cura e faz

prosperar os que aceitam a Igreja Universal do Reino de Deus”107.

Esta segmentação estratégica dos fiéis de uma denominação pela

prestação de serviços religioso diferenciados, que permite, por um lado, precaver-

se da contestabilidade de sua legitimidade enquanto instituição provedora de

religiosidade por novos capitais religiosos ou mesmo por rearticulação das

próprias rivais estabelecidas; por outro, se muito previamente planejada como no

caso da IURD, demanda o emprego de instrumentos capazes de fundir de fato as

características desenhadas dos produtos às necessidades interiores dos fiéis.

Neste sentido, o templo é apontado não somente como o local onde se celebram

ritos isolados, mas, mais do que isso, como o “lócus do ‘acabamento’ dado ao

produto, isto é, de sua adaptação [pelos pregadores] e distribuição aos

107 Leonildo Silveira Campos. Teatro, templo e mercado – Organização e marketing de um empreendimento neopentecostal. Petrópolis: Vozes, 1997, p. 224.

Page 90: O Oligopólio Da fé (PT_BR)

77

‘consumidores’ devidamente segmentados”, para o “despertar da fé”. (CAMPOS,

1997, p. 224-225)

Na Igreja Católica também, de alguma forma, a diversificação dos serviços

religiosos prestados pode ser observada. Independente do aspecto estratégico

que possa ou não ter assumido quando da sua criação, o Movimento de

Renovação Carismática (RCC) surgiu e se desenvolveu mais fortemente

justamente ao passo que a sociedade acolheu mais intensamente as

denominações pentecostais e neopentecostais, a partir da segunda metade do

século passado. Com a incorporação de elementos menos tradicionais, como os

cânticos populares comandados por bandas compostas de instrumentos nada

eruditos (guitarras, baterias, etc.), os grupos de oração e as práticas de cura e

fala em línguas, a Igreja Católica no Brasil conseguiu segmentar os fiéis de

acordo com a preferência por missas mais tradicionais ou mais carismáticas.

Imaginando-se, por exemplo, que nós pudéssemos relacionar o

crescimento de denominações evangélicas mais carismáticas às regiões nas

quais os problemas sócio-econômicos se agravam, tais como nas zonas

periféricas dos grandes centros urbanos, a adaptação das missas católicas nestas

áreas seria, antes de tudo, visto o campo religioso pela sua ótica de mercado,

uma questão de sobrevivência. A proliferação do movimento de RCC nas

instâncias católicas poderia significar uma motivação à reaproximação de um fiel

inativo em substituição à sua adesão por uma nova doutrina evangélica

pentecostal108. Esta é uma idéia que muitos têm tentado comprovar. Para

Marques (2001, p. 4) é inegável o fato de que a RCC “tem minimizado o

esvaziamento da Igreja Católica”. Acredita-se que a segmentação dos serviços

religiosos, internalizada pelo catolicismo romano no Brasil, de modo a assemelhar

em algumas paróquias os discursos e práticas aos dos pentecostais, tem atendido

seus objetivos estratégicos. Segundo a revista Veja:

ao contrário do catolicismo tradicional, em que se reza pela vida

eterna, aqui o que se pede, entre transes e apelos ao Espírito

Santo, é qualidade de vida na terra mesmo. Ao mesmo tempo em

que pregam a necessidade do perdão e do testemunho, os 108 No Apêndice D procuramos desenvolver graficamente as vantagens estratégicas de diferenciação dos serviços no que tange à possibilidade de se assegurar a escala de fiéis, tomando o caso da religião católica como exemplo.

Page 91: O Oligopólio Da fé (PT_BR)

78

padres da Renovação falam em “prosperidade” e “bem-estar”.

(OYAMA apud MARQUES, 2001, p. 4)

Lemos Filho (1996) procura demonstrar em seu estudo, por meio de uma

análise do catolicismo na cidade de Itapita (SP), a existência de vários

catolicismos brasileiros conflitantes entre si, apesar da aparente homogeneidade

ideológica; decorrentes da passagem do monopólio absoluto da religião católica

para uma situação de concorrência com outros grupos religiosos ou mesmo entre

os diversos grupos internos da própria igreja. Para efeito de análise, o autor

construiu uma classificação a partir de depoimentos no intuito de evidenciar as

divergentes atuações da igreja católica da cidade, quanto aos princípios básicos,

a ênfase pastoral, as relações da igreja com a sociedade e com os fiéis

propriamente e a relação dos padres entre si, observados em cada uma das

quatro paróquias.

A coexistência de características específicas de cada paróquia quanto aos

indicadores citados assegurou, no caso de Itapira, uma maior identificação de

cada grupo social da cidade com as estas particularidades. Desta forma, os

setores mais conservadores da sociedade local mantiveram-se associados à

paróquia que reservou maior grau de tradicionalismo; enquanto que os grupos

ligados às classes subalternas se identificavam mais com a paróquia que

incorporou maiores alterações popularizantes nos discursos e ritos, nos moldes

propostos pela Teologia da Libertação (LEMOS FILHO, 1996, p. 128-133).

Embora, houvesse forte relação de conflito entre as quatro paróquias de Itapira,

enquanto a estrutura organizacional fosse capaz de sustentar a unidade

denominacional, estaria assegurada a fatia de mercado da Igreja Católica e, neste

contexto, comprovada a eficácia estratégica da internalização da diferenciação de

serviços religioso por uma denominação.

3.3.2 A importância do marketing

Em geral, o emprego do termo marketing é constantemente associado às

relações econômicas de natureza capitalista, isto é, nas relações de troca

centradas no objetivo de gerar excedentes às partes envolvidas. Desta forma,

com o relacionamento imediato pela maioria das pessoas deste termo a conceitos

Page 92: O Oligopólio Da fé (PT_BR)

79

como “venda” e “propaganda”, implicam-se dificuldades de se considerar a

importância da aplicação de seus instrumentais às atividades desempenhadas

pelas igrejas. No entanto, para Kater Filho109, a área de “vendas nem está

relacionada a marketing”; são estas, na verdade, áreas distintas, apesar da

função estratégica do emprego dos recursos de marketing para facilitar as vendas

das empresas; mas, ainda assim, cada qual com suas características particulares,

não se subordinando uma a outra. A atividade de propaganda, por sua vez, não

pode ser considerada suficiente para explicar o conceito de marketing; como uma

de suas áreas ela trata tão somente da visibilidade do trabalho de marketing110.

Mais do que isso, a área de marketing esta associada ao estudo e à

facilitação dos processos de troca, diante do aspecto humano que os envolve.

Neste sentido, Philip Kotler define marketing como “a atividade humana dirigida

para a satisfação das necessidades e desejos, através dos processos de troca” e,

portanto, associa-se ao conjunto de conhecimentos e ferramentas que tem por

tarefa coordenar, planejar e controlar os processos de concretização desses

objetivos. (KOTLER, 1980 apud CAMPOS, 1997, p. 207)

A compreensão das relações de trocas, nas quais são centradas as

análises da área de marketing, uma vez pautadas na suposição de um

envolvimento mínimo do fator racionalidade, permite-nos afirmar que os agentes

orientados ao mercado, via de regra, não empreendem relações aleatórias de

oferecimento de seus produtos e serviços a qualquer pessoa. Como vimos

anteriormente, mais do que isso, os agentes de mercado desenvolvem suas

estratégias planejando-as cuidadosamente; adaptando, possivelmente, suas

orientações aos interesses assimétricos dos consumidores, inclusive

segmentando-os, quando necessário. Este é o espírito do marketing e “o

resultado é a elaboração de uma teoria e técnicas, que incluem a mentalidade

racional e calculista, para interferir nos processos de troca e explica-los”,

ressalvando-se, contudo, o envolvimento do aspecto humano que sujeita a

relação de troca também às possibilidades de ausência da racionalidade

econômica. (CAMPOS, 1997, p. 209)

109 Idealizador e 2º vice-presidente do Instituto Brasileiro de Marketing Católico – IBMC, consultor em marketing, escritor e professor universitário com mestrado pela USP, em entrevista concedida aos 27 de setembro de 2005, das 17h às 18h, na sede do IBMC, na Av. João Erbolato, 50 – sala 20 – Castelo – Campinas (SP). 110 Idem.

Page 93: O Oligopólio Da fé (PT_BR)

80

Essa pressuposição da área de marketing acerca da possibilidade de se

pesquisar, descobrir, alterar e atender as necessidades e preferências das

pessoas, quanto ao consumo de produtos e serviços diversos, vai de encontro

com os objetivos das instituições religiosas, quando entendidos os benefícios

ofertados por estas como necessidades humanas ainda fortemente presentes,

mesmo após grandes transformações seculares da sociedade. Assim, a partir de

uma primeira análise, estritamente conceitual, que parte da premissa que o

marketing se define pelo empenho, através de instrumentais próprios, orientado à

satisfação das necessidades das pessoas e que 70% destas necessidades são

consideradas de natureza espiritual, percebemos a intimidade existente entre a

religião e o marketing (KATER FILHO, 2005, entrevista concedida).

Philip Kotler (1988 apud CAMPOS, 1997, p. 211) foi um dos pioneiros da

ligação entre as práticas de marketing à religião. A partir das idéias principais

cunhadas em seu livro Marketing para organizações não lucrativas (1988 apud

CAMPOS, 1997), e desdobradas por ele e outros companheiros com

especificidade ao caso das organizações religiosas, principalmente as igrejas e

sinagogas norte-americanas, no texto Marketing for congregations - choosing to

serve people more effectively (SHAWCHUCK et al, 1992 apud CAMPOS, 1997),

Kotler propôs a adoção de técnicas formais de marketing às denominações

religiosas. Compreendeu-as como organizações sem fins lucrativos que reúnem

pessoas, materiais e instalações, e que procuram atingir alguns propósitos em

relação à sociedade e, portanto, necessitam da formalidade das técnicas

mercadológicas para melhor entender e atender seus consumidores. Como objeto

de estudo, Kotler e Shawchuck (et al, 1992 apud CAMPOS, 1997) tomaram a

religião institucionalizada dos Estados Unidos, sob o pressuposto de crise em

algumas denominações, correlata à perda de “membresia” e a queda na demanda

por serviços tradicionalmente prestados por elas. Discutiram como primeiro

problema as resistências comumente observadas ao emprego das técnicas de

marketing às instituições religiosas, as quais se estendem do argumento de

desperdício do “dinheiro de Deus” à caracterização “dessacralizada” desta

mentalidade que liga religião à venda e a conceitos como “produto”, “troca”,

“mercado”, “demanda”, “clico de vida de produtos”, e outros.

George Barna (Marketing the church, 1994 apud CAMPOS, 1997, p. 212)

também apontou o “espírito de aversão e de objeções” (ao marketing) de alguns

Page 94: O Oligopólio Da fé (PT_BR)

81

religiosos como um empecilho à utilização de suas técnicas como importantes

instrumentos das estratégias de crescimento das igrejas. Segundo o autor, o

principal problema que afeta as igrejas protestantes dos Estados Unidos é o “fato

de não adotar um apoio de marketing – num meio que se tornou apoiado por ele”.

Para Barna (1994 apud CAMPOS, 1997, p. 212), por conta dessa má-vontade

com relação ao marketing, o pastor protestante – o que igualmente valeria para os

sacerdotes católicos, segundo Kater Filho111 – passa pelo seminário teológico

sem perceber que “ao assumir a direção de uma igreja, esta sendo chamado para

dirigir um negócio [...] e o negócio ao qual a igreja se dedica é o ministério”.

Peter Berger (1985) já ligava a tendência à racionalização das estruturas e

procedimentos das instituições religiosas, resultantes da pluralidade, às

necessidades de as denominações apresentarem resultados concretos de suas

atuações no campo religioso. Contrariamente à situação de monopólio, que

implicava a não cobrança de resultados das organizações religiosas, a

concorrência, dada numa dinâmica de mercado religioso, transforma o marketing

num conjunto indispensável de instrumentos de competição. Kater Filho (2005)

compartilha do argumento entendendo que “a concorrência é a grande arma do

marketing; sem concorrência não existe marketing”.

Diante desta “imposição de mercado” que se traduz de uma mentalidade

calculista e pragmática das relações de competição entre as denominações

religiosas, alguns líderes foram levados a buscar, “no universo do marketing,

princípios, técnicas e estratégias, que os ajudassem a melhorar a performance de

suas organizações, no ranking do mercado religioso” (CAMPOS, 1997, p. 213).

Campos (1997, p. 213) ressalva, no entanto, que esta descoberta se deu

“tanto por meio de uma opção consciente e calculista de uma assessoria como

também através de processos [meramente] intuitivos” e cita a Igreja Renascer em

Cristo como exemplo de estratégia calculista no uso do marketing. Segundo ele, o

fundador desta denominação, Estevan Hernandes Filhos, havia sido gerente de

marketing de grandes empresas, além de palestrante e autor de textos sobre o

“marketing na igreja”; as gravações de suas palestras em fitas de vídeo

percorriam igrejas para subsidiar pastores e lideranças interessadas em

estratégias de crescimento de suas denominações. O autor também citou a Igreja

111 Em entrevista citada.

Page 95: O Oligopólio Da fé (PT_BR)

82

Universal do Reino de Deus e a Igreja Pentecostal “Deus é amor” como

denominações que possivelmente chegaram “a técnicas mais ou menos

elaboradas de marketing, através de uma prática baseada muito mais na intuição

de uma liderança obcecada pelo crescimento a qualquer preço e do ‘ensaio e

erro’ do que em uma teoria, calculadamente implantada”.

O administrador e publicitário Mestre Antônio Miguel Kater Filho,

idealizador e fundador (1998) do Instituto Brasileiro de Marketing Católico – IBMC,

sediado em Campinas (SP) e hoje oficialmente presidido por Sua Eminência

Reverendíssima, o Arcebispo de Florianópolis Dom Murilo Sebastião Krieger,

defende uma associação irrestrita (calculista) das estratégias de marketing adotas

pelas empresas às atividades desempenhas das pelas igrejas. Afirma que, na

verdade, “não há diferença nenhuma” entre as estratégias de marketing pensadas

para as empresas e aquelas orientadas para as igrejas, desde que definido

claramente o conceito de marketing como meio de se “ir ao encontro das

necessidades das pessoas” (KATER FILHO, 2005, em entrevista concedida).

Afirmou ainda em um trabalho próprio, reforçando o aspecto estratégico do

marketing na competição entre as igrejas, que:

o marketing, adequadamente aplicado à Igreja Católica, resolverá

satisfatoriamente o problema da evasão dos católicos e a falta de

motivação entre seus fiéis, levando-os a um renovado interesse e

amor pela Igreja. (KATER FILHO, 1996 apud MARQUES, 2001)

Autor de uma dissertação pela Universidade de São Paulo (USP),

Marketing aplicado à Igreja Católica (1994), cujo intuito foi a elaboração de

instrumentais de marketing formal voltados à manutenção e ao crescimento do

quadro de fiéis católicos, diante da recente evasão experimentada por esta

instituição religiosa, notadamente a favor dos evangélicos112, Kater Filho procurou

justificar suas idéias em matéria da revista Veja:

Atualmente a Igreja Católica se recolhe dentro do casulo, como

uma tartaruga. Leva vida vegetativa, porém protegida pelo seu

112 KATER FILHO, Antônio Miguel. Marketing Aplicado a Igreja Católica. São Paulo: USP, 1994. Resumo disponível em <http://www6.ufrgs.br/infotec/teses92-96/html/usp94.htm>. Acesso em 07 Set 2005.

Page 96: O Oligopólio Da fé (PT_BR)

83

casco. Vive sob a lógica do comerciante que fecha o restaurante

na hora do almoço. O padre abre a igreja às 7 horas da manhã,

celebra a missa para umas doze velhinhas. Aí fecha a igreja e só

abre às 7 noite da noite, quando essas mesmas doze velhinhas

voltam para rezar o terço. Aí fecha outra vez.113

O IBMC, na figura central do professor e consultor Kater Filho, apesar de

não ser um órgão da CNBB, com base nestas colocações, tem contado com a

simpatia de vários bispos influentes no país. Segundo seu idealizador, "aos

poucos, cresce entre os bispos a consciência de que o marketing não é uma arma

diabólica do capitalismo. Nos dias de hoje, é uma ferramenta indispensável para a

reaproximação com os fiéis"114 Um dos bispos com os quais o instituto tem

contado com o entusiasmo é o cardeal-arcebispo de São Paulo, Sua Eminência

Reverendíssima, Dom Cláudio Hummes. Segundo Kater Filho, “ele [o cardeal]

aposta no marketing como alternativa para fazer com que o sacramento chegue

ao coração do público”115. Tarefa esta que o IBMC tem procurado cumprir através

de cursos e consultorias ministrados às dioceses católicas, publicação de uma

revista especializada chamada Marketing Católico e a realização anual um

encontro de marketing, que reúne membros da Igreja Católica e publicitários

simpatizantes.

Philip Kotler (1980) definiu o composto básico dos instrumentos de

marketing a partir do planejamento estratégico dado em quatro instâncias

fundamentais, conhecidas como os famosos quatro Ps ou marketing mix: produto,

preço, praça (ou ponto de venda) e promoção. Questionado sobre a aplicabilidade

deste conceito às denominações religiosas, Kater Filho simplificou, associando,

de maneira objetiva, o produto – que na verdade é um serviço – à salvação; o

preço a um custo fantástico igual a zero116; a praça aos infinitos pontos nos quais

113 Citado pelo site Católica Net, disponível em <http://www.catolicanet.com.br/interatividade/enquetes/enquetes.asp?cod=4>. Acesso em 07 Set 2005. 114 Antonio Miguel Kater Filho, citado por Marcelo Marthe e Ricardo Valladares. Os católicos contra-atacam. Mater Ecclesiae. Disponível em <http://www.mrp.com.br/mater/contra-ataque.htm>. Acesso em 07 Set 2005. 115 Luiza Villaméa. Nas mãos do Espírito Santo. Isto é – Especial João Paulo II, 13 Abr 2005. Disponível em <http://www.terra.com.br/istoe/1852/especial_joao_paulo/1852_nas_maos_do_espirito_santo.htm>. Acesso em 07 Set 2005. 116 Neste trabalho nos abstivemos de qualquer análise à respeito do preço dos produtos religiosos por pressupormos sua irrelevância nos processos decisórios de compra e venda de bens simbólicos no mercado religioso. Apesar das possibilidades teóricas de associação deste componente ao dízimo ou a outros

Page 97: O Oligopólio Da fé (PT_BR)

84

a salvação pode ser oferecida, independente dos templos; e, finalmente, a

promoção ao “P” no qual as instituições vão de fato trabalhar, no sentido de

compor estratégias de publicidade, propaganda e “promoção de vendas”, tal como

a “venda pessoal”; incluindo, neste último componente da aliteração, também as

estratégias de escolha dos canais de comunicação. (KATER FILHO, 2005)

Em termos mais objetivos, o componente do mix de marketing que

corresponde à análise do produto contempla o estudo e as decisões estratégicas

em torno da escolha dos serviços que as denominações religiosas pretendem

prestar, bem como a compatibilização de suas respectivas características aos

interesses particulares de cada grupo de fiéis. Segue, portanto, diretrizes muito

em torno dos assuntos analisados no primeiro tópico do capítulo anterior e no

item 3.3.2, respectivamente, sobre a definição do produto da religião e as

abordagens estratégicas da diferenciação e segmentação do share de mercado;

passando ainda, necessariamente, no caso do marketing, pela questão da

qualidade dos serviços que se prestam, traduzida no caso da religião, dentre

outras coisas relativas aos interesses dos consumidores, para o grau de

capacitação teológica incorporada aos discursos religiosos.

Pudemos compreender que, mais que a salvação propriamente dita, o

produto da religião se compõe de todas as suas formas de desdobramentos em

serviços demandados, independendo do nível de objetividade prática. Desta

forma, a estratégia de marketing das igrejas voltada aos serviços que presta está

relacionada, antes de tudo, aos pontos enfatizados por cada denominação

religiosa (paz espiritual, saúde, tranqüilidade financeira, respostas sobre a

condição social, conteúdo teológico, etc.) através dos elementos que incorpora

aos discursos e ritos e que vão ajudar a compor, de fato, a doutrina e os dogmas

da religião.

Ao marketing estratégico de produtos das igrejas podemos também

relacionar os serviços prestados aos fiéis paralelamente àqueles estritamente

religiosos. Estes serviços são observados, em geral, nas mais diversas áreas de

apoio à comunidade, desde a promoção gratuita das atividades profissionais

desempenhadas por alguns fiéis junto à congregação, às parcerias firmadas com

elementos mais subjetivos como o tempo do fiel, compreendemos que a escolha da religiosidade menos se determina pelo fator preço do que pelos demais componentes aqui tratados em termos de composto de marketing.

Page 98: O Oligopólio Da fé (PT_BR)

85

segmentos seculares da sociedade como, por exemplo, bancos. Os grupos

religiosos Renascer, Assembléia de Deus, Adventista do Sétimo Dia e

Congregação Batista Brasileira, por exemplo, mantêm, em parceria com o banco

Bradesco, cartões de crédito – inclusive de bandeira Visa – destinados com

exclusividade a seus públicos evangélicos117.

A determinação da praça ou ponto de oferta dos serviços religiosos

também é um importante componente estratégico do composto de marketing.

Embora a salvação ultrapasse a questão espacial pelo ponto de vista das igrejas

e do professor Kater Filho, é no templo que os ritos são celebrados e a prestação

dos serviços religiosos é legitimada, em especial, sob condições de elevada

racionalização (ou marketing calculista) no prévio planejamento destes serviços

(CAMPOS, 1997, p. 224-225). Neste sentido de indispensabilidade da figura da

sede, o marketing estratégico pode incluir a análise em termos logísticos da

disposição geográfica das igrejas, de modo a melhor atender as necessidades

dos fiéis.

Os componentes produto e praça oferecem, portanto, férteis ambientes

para exploração estratégica do composto de marketing das igrejas. Contudo, é

somente na área da promoção que estas ganham maior visibilidade, e, neste

sentido, a presença dos canais de comunicação tem se tornado cada vez mais

indispensável para o mercado religioso. Kater Filho, em entrevista à revista Veja,

lembrou que "o primeiro veículo de comunicação de massa da História foi o sino

[...] três badaladas rápidas significavam que o padre estava chamando para a

missa, badaladas lentas avisavam as mortes "118. Hoje, mais do que os próprios

meios embutidos nas instituições tradicionais, as igrejas tornaram-se dependentes

da mídia para acompanhar o ritmo de desenvolvimento da sociedade, como

afirma Campos (1997):

[...] as pessoas deixaram de orientar suas ações pelos programas

embutidos nas instituições tradicionais e se tornaram

dependentes da mídia, como fonte de modelos para regular seu

comportamento. Por isso, é impossível visualizarmos o drama

social, as relações humanas ao redor do sagrado e as trocas dos 117 Luciana Farnesi. Um mercado movido pela fé. Revista Exame, 16 Fev. 2005, p. 60-61. 118 Citado por Daniel Liidtke. Católicos versus evangélicos: ao vencedor, as ovelhas. Canal da Imprensa. Disponível em <http://www.canaldaimprensa.com.br/debate/vint2/debate1.htm>. Acesso em 07 Set 2005.

Page 99: O Oligopólio Da fé (PT_BR)

86

bens simbólicos, sem uma análise do papel desempenhado pela

propaganda e publicidade na montagem de um sistema religioso

orientado pelo marketing.119

Leonildo Silveira Campos (apud MARQUES, 2001, p. 3) acrescenta que a

“propaganda é a espinha dorsal do sucesso das igrejas como a Universal do

Reino de Deus”. Desta forma, num primeiro momento, a mídia impressa, figurada

pelos livros, jornais e revistas, e, a seguir, a mídia eletrônica (rádio, televisão,

internet) associaram-se aos veículos tradicionais de se oferecer visibilidade do

trabalho desempenhado, consubstanciando, cada vez mais, em instrumentos de

grande importância para as igrejas sob as atuais condições de acirramento da

concorrência religiosa. No que tange à mídia impressa, pode dizer que, em

termos absolutos, católicos e evangélicos praticamente equiparam-se; tendo sido

potencializados estes últimos por edições de revistas como a Eclésia e jornais

como a Folha Universal120. No mercado de livros, 91 milhões de reais foi o

faturamento das editoras católicas em 2002, contra 87 milhões das editoras

evangélicas121.

No campo da mídia eletrônica, na principal disputa do mercado religioso

brasileiro, católicos versus evangélicos, destacando os pentecostais e

neopentecostais, a Igreja Católica admite a dianteira evangélica. Somados os

empreendimentos destas últimas (pentecostais e tradicionais) o Brasil já é o

“segundo produtor mundial de programas evangélicos na televisão” (ORO, 1991

apud MARQUES, 2001, p. 3). Os evangélicos já contam com 30 gravadoras

musicais, enquanto que os católicos com apenas 4; no rádio são 470 as

emissoras evangélicas e 200 as católicas122. E na televisão as estatísticas são

ainda mais conturbadas pela posse da Rede Record de televisão pela Igreja

Universal do Reino de Deus123. Por isso mesmo, em ocasião da 35ª Assembléia

119 Leonildo Silveira Campos. Teatro, templo e mercado – Organização e marketing de um empreendimento neopentecostal. Petrópolis: Vozes, 1997, p. 239. 120 Daniel Liidtke. Católicos versus evangélicos: ao vencedor, as ovelhas. Canal da Imprensa. Disponível em <http://www.canaldaimprensa.com.br/debate/vint2/debate1.htm>. Acesso em 07 Set 2005. 121 Marcelo Marthe e Ricardo Valladares. Os católicos contra-atacam. Mater Ecclesiae. Disponível em <http://www.mrp.com.br/mater/contra-ataque.htm>. Acesso em 07 Set 2005. 122 Daniel Liidtke. Católicos versus evangélicos: ao vencedor, as ovelhas. Canal da Imprensa. Disponível em <http://www.canaldaimprensa.com.br/debate/vint2/debate1.htm>. Acesso em 07 Set 2005. 123 Nos Estados Unidos, registra-se cerca de 250 emissoras de TV exclusivamente cristãs e 1600 estações de rádio nas mesmas condições. Sérgio Dávila. Direita religiosa mostra rosto e lucra nos EUA de Bush. Folha de São Paulo, Califórnia, 27 Mar 2005, caderno A, p. 15.

Page 100: O Oligopólio Da fé (PT_BR)

87

Geral da Comissão Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB, realizada em 1997

sob o tema "Igreja e Comunidade Rumo ao Novo Milênio", os católicos se

intensificaram nos empenhos voltados à reversão do domínio evangélico na

televisão, trabalhando para modernizar as programações de suas emissoras:

Rede Vida, TV Canção Nova e TV Século XXI124. Dom Fernando Antônio

Figueiredo, superior do Padre Marcelo Rossi e grande apoiador do marketing

católico entende que a igreja não pode negligenciar os meios de comunicação

como a TV e a imprensa escrita para divulgar a mensagem de Deus; segundo ele,

estes meios fazem parte de uma das estratégias escolhidas pela igreja católica

para “aumentar seu rebanho”125

No cinema, a promoção dos propósitos da igreja também ganha espaço,

entretanto, neste caso, a liderança absoluta é da Igreja Católica. Mundialmente,

dentre muitos outros, o filme A paixão de Cristo (2004), de Mel Gibson126, teve

gigantesca repercussão. No Brasil as iniciativas neste campo, apesar de ainda

menos desenvolvidas do que as experiências norte-americanas, também se

fizeram presentes em produções respeitadas quanto ao volume de recursos

empreendidos. É o caso de Maria, Mãe do Filho de Deus, produção católica no

cinema brasileiro cujo objetivo orientado à atração de “ovelhas para o rebanho

católico” foi apontado pelo padre midiático Marcelo Rossi127.

Outro veículo de transmissão do Evangelho de Jesus Cristo pelas igrejas

cuja utilização tem crescido nos últimos anos é justamente a promoção de padres

e pastores; no caso da Igreja Católica, tratados por “padres midiáticos”, em geral

associados à RCC. Talvez neste segmento o maior nome seja o do padre Marcelo

Rossi, que, com mais de 6 milhões de discos vendidos, seis livros editados, e

acirrada disputa de sua participação em programas de rádio e televisão para

entrevistas e programas de auditório128, “começou a chamar a atenção por volta

124 Idem. 125 Citado por Daniel Liidtke, op. cit. 126 Ator e produtor de cinema conhecido também pelo seu fervor católico-tradicionalista; rejeita muitas das diretrizes expedidas pelo Concílio Vaticano II, nos anos 60, por considerá-las excessivamente liberalizantes. Seu filme, A Paixão de Cristo, rendeu cerca de 370 milhões de dólares, uma das maiores bilheterias domésticas de todos os tempos, de acordo com o jornal Folha de São Paulo. Sérgio Dávila. Direita religiosa mostra rosto e lucra nos EUA de Bush. Folha de São Paulo, Califórnia, 27 Mar 2005, caderno A, p. 15. 127 Marcelo Marthe e Ricardo Valladares. Os católicos contra-atacam. Mater Ecclesiae. Disponível em <http://www.mrp.com.br/mater/contra-ataque.htm>. Acesso em 07 Set 2005. 128 Sílvia Regina Alves Fernandes. "Ver para crer" as novas investidas do catolicismo no Brasil através do Padre Marcelo Rossi. In: CESNUR 2000 – INTERNATION CONFERENCE, 29-31 Aug 2000, Riga, Latvia: CESNUR – Center for Studies on New Religions, 2000.

Page 101: O Oligopólio Da fé (PT_BR)

88

de 1998, celebrando missas que tinham sessões de aeróbica, muita dança e

cantoria”129. Padre Rossi esteve entre os primeiros a participar dos cursos

ministrados pelo consultor de marketing Antonio Miguel Kater Filho, através do

IBMC, que considera que:

o padre Marcelo Rossi é um excelente produto. Seus pontos

fortes são a simplicidade e o grande apelo emocional. Além

disso, as mulheres se sentem atraídas pelo jeito de garotão dele.

Com um produto desse, o lucro é sempre certo130

André Ricardo Souza (2005 apud FERNANDES, 2005) permite-nos

argumentar sobre impacto estratégico da atuação dos padres midiáticos, a partir

dos resultados de sua enquête realizada no Santuário Bizantino, templo onde são

celebradas as missas do padre Marcelo Rossi. Segundo o autor, “76% dos

entrevistados eram católicos tradicionais e foram atraídos para as missas do

Santuário graças à mídia eletrônica; 16% passaram a freqüentar a missa depois

do sucesso do padre e 8% freqüentavam outra religião e passaram a ir às missas

católicas”131, dentre os quais 6% eram evangélicos.

O conjunto de todos estes elementos citados e tantos outros cuja menção

se inviabilizaria neste trabalho, dada a infinidade de possibilidades, compõe o mix

de marketing das denominações religiosas e determinam a importância deste viés

de abordagem às estratégias de competição no mercado de bens simbólicos

ligados à religião. Dentro disso, o IBMC promove cursos às dioceses católicas

para ensinar aos padres técnicas de oratória, noções de como se portar diante

das câmeras se necessário, entre outras dezenas de sugestões. Segundo Kater

Filho (2005, em entrevista concedida), atualmente, todos os segmentos seculares

da sociedade valorizam o consumidor e, por isso mesmo, a igreja num contexto

de mercado religioso também deve fazê-lo. Portanto, assuntos como a

disponibilidade de estacionamento, a qualidade dos assentos, o sistema de som,

129 Marcelo Marthe e Ricardo Valladares. Os católicos contra-atacam. Mater Ecclesiae. Disponível em <http://www.mrp.com.br/mater/contra-ataque.htm>. Acesso em 07 Set 2005. 130 Antonio Miguel Kater Filho em comentário à revista Veja, citado pelo site Católica Net, disponível em <http://www.catolicanet.com.br/interatividade/enquetes/enquetes.asp?cod=4>. Acesso em 07 Set 2005. 131 Sílvia Regina Alves Fernandes, Padres cantores e o catolicismo – as interfaces do espetáculo e da fé. CERIS, 2005. Disponível em <http://www.ceris.org.br/textos/_busca.asp?codDoc=152>. Acesso em 25 Out 2005.

Page 102: O Oligopólio Da fé (PT_BR)

89

o horário das missas e cultos e até a instalação de sistemas de ar condicionado

devem ser discutidos pelas igrejas em termos de marketing.

Kater Filho entende que os pastores evangélicos pentecostais têm

ganhado fatias do mercado católico por conta da habilidade de comunicação do

proselitismo evangélico associados a técnicas mais amplas de marketing.

Enquanto um padre católico leva de oito a doze anos para se formar e só então

assumir o comando de uma paróquia, os pastores (neo)pentecostais, apesar da

insuficiência de conteúdo teológico da maioria dos casos, de seis meses a um

ano são técnicos em comunicação e recebem uma igreja. “Ele tem menos

conteúdo dogmático, menos conteúdo teológico, e tem mais capacidade de falar”;

Para Kater Filho os pastores pentecostais são, por estas características,

verdadeiros “vendedores” (KATER FILHO, 2005, em entrevista concedida).

3.3.3 Práticas ecumênicas

Certamente, é paradoxal a atribuição do termo ecumenismo às estratégias

de competição adotadas pelas igrejas no mercado religioso; afinal, por definição,

o ecumenismo, geralmente mais associado com exclusividade às igrejas cristãs,

pressupõe a unidade de todos os povos contidos na mensagem do Evangelho de

Jesus Cristo numa única fé e, portanto, a superação das divisões do cristianismo

em várias denominações, muito à frente, sobretudo, da autoridade eclesial.

Nomeado a partir do termo grego oikoumene, cujo significado é “mundo habitado”

ou "aquilo que pertence a este mundo", o movimento ecumênico entende que é

da natureza da igreja de Cristo a unidade dos povos na profissão de um

Evangelho comum. O Pastor Abimael Etz Rodrigues, da Igreja Presbiteriana

Unida do Brasil, atestou este ponto de vista afirmando em entrevista concedida

que a “natureza da igreja é ecumênica”.

O Conselho Mundial de Igrejas – CMI, que existe desde 1948, pode,

provavelmente, ser apontado como o maior nome ao nível internacional na

prédica dos princípios do ecumenismo. Em 1991, reuniu mais de 300 igrejas

cristãs de todo mundo numa assembléia realizada em Camberra, Austrália.

Apesar disso, até hoje a Igreja Católica Apostólica Romana não é filiada ao

Page 103: O Oligopólio Da fé (PT_BR)

90

organismo; apenas algumas denominações católicas mais ortodoxas132. No Brasil,

talvez o maior representante do pensamento ecumênico seja o Conselho Nacional

das Igrejas Cristãs – CONIC, fundado em 1982 na forma de uma fraternidade de

igrejas confessas desta natureza ecumênica do cristianismo. Atualmente, apenas

sete denominações são oficialmente filiadas ao CONIC: Igreja Católica Apostólica

Romana – ICAR, Igreja Católica Ortodoxa Siriana do Brasil – ICOS, Igreja Cristã

Reformada – ICR, Igreja Episcopal Anglicana do Brasil – IEAB, Igreja Evangélica

de Confissão Luterana no Brasil – IECLB, Igreja Metodista – IM e Igreja

Presbiteriana Unida – IPU133.

A própria Igreja Católica opta pelo ecumenismo em seu discurso oficial,

atestado por documentos recentes da instituição que “preconizam o diálogo com

outras religiões e expressam a não reivindicação do monopólio religioso católico”

(ORO apud MARQUES, 2001). Na própria Campanha da Fraternidade de 1989, a

Igreja Católica recorda seu compromisso de promover uma comunicação

ecumênica:

Outra realidade no campo da comunicação na Igreja é o exercício

do Ecumenismo e do Diálogo Religioso. Pela comunicação é

possível eliminar o que divide. O Ecumenismo requer diálogo

com os cristãos, ‘abertura crescente para o diálogo com as

religiões não-cristãs e com pessoas, movimentos e grupos de

não-crentes. E até com grupos fechados ao Transcendente, em

vista do conhecimento mútuo, enriquecimento recíproco e ação

conjunta em favor das grandes causas da humanidade. (CNBB,

1989 apud MARQUES, 2001)

Não se pode contestar, portanto, os empenhos de reaproximação entre

cristãos de igrejas diferentes que se fazem presentes – mesmo que numa escala

não muito grande –, em plena situação de acirramento da concorrência entre as

denominações religiosas. Talvez justamente devido a esta contradição que o

padre argentino Enrique Cambón, especialista em ecumenismo, entenda o

movimento ecumênico como “uma exigência evangélica e uma urgência histórica” 132 World Concil of Churches. Member churches, associate member churches and national council bodies. Disponível em <http://www.wcc-coe.org/wcc/who/mch-e.html >. Acesso em 06 Dez 2005. 133 Conselho Nacional de Igrejas Cristãs. Igrejas-Membros. Disponível em < http://www.conic.org.br/>. Acesso em 06 Dez 2005.

Page 104: O Oligopólio Da fé (PT_BR)

91

(CAMBÓN, 1994 apud MARQUES, 2001). Entretanto, à medida que a

concorrência entre os grupos religiosos se intensifica, é possível pensarmos no

distanciamento da possibilidade real de as denominações abdicarem das

particularidades de suas doutrinas e dogmas em função de uma unidade. Ou seja,

a concorrência religiosa, ainda que admitida a existência de pensamento

ecumênico puro, amplia as diferenças – no sentido aqui empregado de rivalidade

– entre as igrejas, inviabilizando como isso, cada vez mais, a adoção absoluta de

elementos unificantes (credo único).

O pastor luterano e professor da Universidade Metodista de São Paulo Dr.

Milton Schwantes afirmou durante um seminário de orientação da estratégia da

Campanha da Fraternidade 2005 para religiosos e professores de colégios

católicos, em São Paulo, que a grande dificuldade para se realizar práticas

efetivamente ecumênicas é que “às vezes a igreja não promove o ecumenismo

[aqui expresso no sentido literal]; cada uma quer as ovelhas para o seu

aprisco”134.

Neste contexto, as práticas que comumente são tratadas por ecumênicas

limitam-se, na verdade, ao diálogo inter-religiões ou ao que poderíamos chamar

de ecumenismo limitado à cúpula das denominações religiosas. Isto porque as

igrejas eventualmente celebram suas crenças ecumenicamente sem, no entanto,

abrirem mão de suas identidades próprias. Nestas condições, o ecumenismo,

apesar da impropriedade do termo, refere-se a ações não necessariamente

excludentes da concorrência religiosa.

Este item trata, portanto, de algumas possibilidades de diálogo inter-

religiões no tocante ao compartilhamento de ações limitadas, basicamente, ao

nível de cúpulas; ou seja, a coalizão de denominações religiosas voltadas para

um objetivo comum sem, no entanto, perderem suas particularidades e,

consequentemente, a divisão que as distingue umas das outras. Estas ações

conjuntas são possíveis muitas vezes, em primeiro lugar, pela coincidência de

objetivos e, segundo, pelas possibilidades de as denominações auferirem

vantagens na realização da ação em parceria, superiores às que o fariam

individualmente. Estas vantagens podem, por exemplo, ser traduzidas em termos

134 Milton Schwantes. Solidariedade e paz à luz da teologia. In: SEMINÁRIO DE ORIENTAÇÃO DA ESTRATÉGIA DA CAMPANHA DA FRATERNIDADE 2005 – ECUMÊNICA, 20 Nov 2004. São Paulo: CONIC, 2004.

Page 105: O Oligopólio Da fé (PT_BR)

92

de custo e estarem inseridas num elaborado de diretrizes estratégicas, inclusive

de competição.

A Campanha da Fraternidade, cuja bandeira é geralmente comandada

somente pela Igreja Católica, tem sido um dos maiores exemplos de

empreendimento ecumênico de cúpula. Em 2000 e 2005 foi declarada

participação ecumênica na promoção da campanha, ficando, neste último ano,

toda a coordenação à critério do CONIC. Com a promoção conjunta, as

denominações envolvidas visam cumprir objetivos comuns de evangelização e,

possivelmente, de atração de fiéis para os princípios que consideram corretos e

verdadeiros e, ao mesmo tempo, gozam da vantagem de pulverização dos

investimentos necessários.

O professor Kater Filho (2005, em entrevista concedida) citou também

como exemplo de ação conjunta inter-denominações religiosas a existência da

Sociedade Bíblica do Brasil; uma entidade resultado de um acordo entre

denominações evangélicas para a fabricação e adoção de uma Bíblia única. A

edição gráfica em grande quantidade permitiu naturalmente, a redução do custo

por unidade impressa e, desta forma, a produção da Bíblia mais barata do Brasil,

recomendada aos fiéis pelas igrejas fraternas do acordo.

No tangente ao aspecto estratégico na competição religiosa, as práticas

ecumênicas de cúpula assumem forma de instrumento ainda mais coerente com a

relação pluralística concorrencial ao passo que se compreende a inviabilidade de

extensão de sua abrangência a todas as denominações, bem com a ocorrência

de recusas aos convites de participação por igrejas não simpatizantes dos

propósitos. A preocupação por católicos e protestantes tradicionais com o avanço

das denominações neopentecostais, por exemplo, podem incentivar estes grupos

à intensificação do diálogo sobre as mudanças ocorridas do campo religioso que

as teriam feito perder fiéis. Em alguns casos, a coalizão de um grupo seleto de

denominações pode resultar, inclusive, em celebrações religiosas conjuntas

(cultos e missas ecumênicas), mais comuns por ocasiões comemorativas.

Page 106: O Oligopólio Da fé (PT_BR)

93

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Empenhamo-nos no sentido de analisar alguns aspectos do fenômeno

social secular de transformação dos serviços religiosos em mercadoria

comercializável, a partir da destituição do capital religioso da sociedade comum e,

posteriormente, da dissociação da igreja de suas instituições legitimantes

enquanto monopólio religioso sobre ética social como um todo e, portanto, da

constituição de um verdadeiro mercado de religião; dentro do qual se faz

justificado o emprego da terminologia econômica, como concorrência, oferta e

demanda; orientados pela hipótese de caracterização da disposição estrutural

desta dinâmica de maneira coerente com as teorias microeconômicas do

oligopólio, em superação ao senso comum que eventualmente metaforiza o

processo pelas definições da concorrência pura, strictu sensu.

Ainda que reconhecidas as limitações técnicas que nos foram impostas

para a análise do objeto em sua totalidade, pudemos comprovar a autenticidade

dos empenhos de tratamento do campo religioso pela sua ótica de mercado e,

consequentemente, de concorrência religiosa; servindo-nos como base sólida de

sustentação para o propósito maior de caracterização desta dinâmica pelas

definições econômicas da uma estrutura industrial oligopólica secular.

Confirmando, desta forma, a aplicabilidade dos conceitos de oligopólio

diferenciado ao mercado de bens simbólicos ligados à religião.

Reconhecemos a noção de conflito compreendida nas transformações do

campo religioso, desde a destituição social, na sua esfera mais coletiva, de todo

seu trabalho simbólico acumulado – que define o conceito de capital religioso (ou

qualificação religiosa) –; sucedida pela efetiva pauperização da sociedade,

através da substituição definitiva dos padrões religiosos tradicionais de

organização da vida humana por uma constituição classista de separação do

corpo social em leigos de um lado – destituídos do saber e, por conseguinte, não

mais autônomos do ponto de vista religioso, ainda que dependente deste

conhecimento até os dias de hoje –; e, por outro lado, técnicos institucionalmente

organizados, dotado das qualificações necessárias para legitimar em monopólio

todo o comportamento social. Assim, observamos a formação de uma religião

Page 107: O Oligopólio Da fé (PT_BR)

94

institucionalizada cuja dominância dos princípios atingia todas as esferas da

sociedade, orientando a vida econômica, política e social.

Todavia, uma vez perdida a correspondência entre a capacidade de

organização dos monopólios religiosos em todo mundo sobre as atividades

econômicas e os interesses seculares que sobre elas são exercidos, devido ao

crescimento da demanda por maior emprego das explicações racionalizantes das

relações ocorridas neste viés da sociedade, correlata ao processo de

intensificação da industrialização e, principalmente, dos princípios de livre

mercado, o poder de legitimação da religião não mais pôde ser exercido sobre as

atividades econômicas, mantendo-se concentrado nas esferas mais públicas e

privadas da sociedade; respectivamente, sobre o Estado e as famílias. Esta

situação seria mantida até que fosse reconhecida a intimidade imprescindível

entre os interesses econômicos e políticos que implicaria a racionalização dos

governos e, consequentemente, a sua dissociação dos princípios religiosos.

Desta forma, a religião monopolizada que por milhares de anos esteve

diretamente associada ao poder em todas as esferas sociais – com destaque ao

mundo ocidental, embora não se limitando a –, não mais seria imposta à

sociedade e, portanto, passou a considerar a incerteza acerca da garantia de sua

legitimação única sobre as famílias, sobre as quais sua influência assumia

teologicamente maior importância e relevância; ou seja, o risco eminente de ter

que administrar as “heresias” não mais isoladas e apoiadas pela autoridade legal,

mas na forma de competição pela preferência dos fiéis. Assim, ao ritmo do

surgimento de ideologias alternativas de legitimação da vida social (centradas na

esfera familiar) – o que define a situação de pluralidade religiosa –, o campo da

religião foi se transformando em direção à dinâmica de concorrência entre capitais

religiosos divergentes em doutrinas e práticas e, cada vez mais, permitindo a

substituição de sua nomenclatura pelo conceito de mercado religioso.

Tendo incorporado elementos seculares à sua dinâmica de conflito, o

campo religioso moldado pelo padrão de mercado compôs-se de agentes

institucionalizados cujas preocupações incluíram inevitavelmente o aspecto

selvagem da concorrência. Situação esta que se intensificaria com o tripé

urbanização, democratização e globalização; o qual, pelo oferecimento à

sociedade de garantias de anonimato e menor controle social que

potencializariam a liberdade de culto nas cidades, sob condições de ausência da

Page 108: O Oligopólio Da fé (PT_BR)

95

imposição legal da religião e maior aceitação da pluralidade e heterogeneidade

cultural, ajudaria a desmontar a estrutura religiosa monopolista de legitimação da

vida social. Portanto, o campo religioso seria marcado pela sua trajetória de

acirramento da concorrência e, consequentemente, pela caracterização dos

agentes envolvidos na prestação dos seus serviços como firmas organizadas na

disposição de um produto de consumo para o mercado, independente do aspecto

sagrado que prioritariamente as orientassem em suas ações e objetivos.

No mundo ocidental, primeiro pela separação do cristianismo em duas

grandes correntes religiosas hegemônicas e, posteriormente, pelas infindáveis

cisões, imigrações e inaugurações de capitais religiosos, o desmonte do

monopólio católico trazido da Idade Média melhor observar-se-ia na atual

coexistência de incontáveis denominações de cunho religioso. Se distintas em

doutrina, dogmas e ritos incorporados, similares, no entanto, quanto à posição de

ofertantes de “bênçãos de Deus”, salvação, paz, amor, bem-estar espiritual, entre

outras tantas traduções possíveis para nebulosa simbólica da religião.

Assim, em primeira análise, como que num verdadeiro mercado, inúmeras

agências prestadoras de serviços religiosos colocaram-se à disposição da

sociedade para a livre escolha pelos leigos, daquelas que julgassem melhor

atender-lhes; em troca, seriam recompensadas pela oportunidade de orientação

teológica destes leigos, de maneira correspondente aos seus propósitos de

evangelização (idéia extensível em outros termos também às instituições

religiosas não cristãs) e, consequentemente, de construção dos princípios

coerentes àquilo que consideram divino e sagrado – aqui possivelmente

entendidos por termos mais objetivos como o “Reino dos Céus”, a sintonia com a

natureza, etc.

Embora orientadas em torno de um propósito religioso comum, as

adversidades administrativas e organizacionais, muitas vezes superiores às

teológicas, ainda que transparentadas por elas, na forma de divergências acerca

dos elementos que compõem o produto geral do mercado religioso – subjetivo em

determinação, contudo objetivo quanto às doutrinas e práticas incorporadas –,

inviabilizaram a conduta de unidade entre as denominações religiosas. Em outras

palavras, cada denominação religiosa como dona da sua própria Verdade, se

orientadas ao objetivo de anunciar esta verdade ao maior número de pessoas

possíveis, “libertando-os da ignorância”, o intuito de manutenção no campo

Page 109: O Oligopólio Da fé (PT_BR)

96

transcende a capacidade econômica de explicação e consubstancia-se, mais do

que isso, pelo viés espiritual, numa questão de bem-estar da humanidade. Uma

vez inseridas na dinâmica de mercado, no entanto, esta luta pela sobrevivência

assume forma ainda mais intensificada em racionalização, impreterivelmente. As

instituições não mais limitar-se-iam à simples organização da estrutura

corporativa, em geral, hierarquizada, conduzindo-se cada vez mais à justificada

adoção de verdadeiras práticas estratégicas de competição, absolutamente

reconhecíveis pela dinâmica secular de concorrência, dada a forma conflituosa na

qual se inserem.

Analisando o mercado religioso brasileiro, pudemos concluir alguns dos

aspectos sob os quais tem ocorrido o processo de desconcentração do número

de fiéis por denominação religiosa – isto é, o acirramento da concorrência

religiosa, viabilizada pela instituição oficial de um Estado laico, com a

Proclamação da República –, bem como do conjunto de estratégias competitivas

das quais as igrejas se apropriam na disputa pela sobrevivência. Apesar das

evidências empíricas que poderiam subsidiar a falácia de uma tendência à

consolidação gradual de condições de concorrência plenamente simétrica entre

as denominações religiosas presentes no mercado, a situação pluralística no

Brasil demonstrou-se intensificada na manutenção de uma concorrência

imperfeita tipicamente oligopolista.

A análise dos dados levou-nos a concluir que, atualmente, embora nas

últimas décadas tenha havido um substancial crescimento das denominações

evangélicas, sendo as mais tradicionais num primeiro momento, seguida pelas

pentecostais e, mais recentemente, pelas neopentecostais notadamente, a

percepção da dinâmica concorrencial pelas igrejas e afins tem sido responsável

pela resistência de uma distribuição altamente concentrada dos fiéis. Apesar da

coexistência de centenas de denominações religiosas genealogicamente

derivadas das mais diversas religiões do mundo, a quase totalidade da população

brasileira se mantém declarada em cerca de apenas seis ou sete classificações;

confirmando a natureza imperfeita da dinâmica de competição que tem se feito

presente no mercado religioso brasileiro.

Acreditamos, portanto, que a resistência da concentração do mercado

religioso, ainda que reconhecida a forte quebra do monopólio absoluto da Igreja

Católica, está diretamente relacionada com a adoção de estratégias competitivas

Page 110: O Oligopólio Da fé (PT_BR)

97

resultantes da viabilidade de acompanhamento do funcionamento do mercado;

que se associa justamente ao número limitado de denominações dominantes,

cujas ações individualmente realizadas exercem influência no campo como um

todo e, por conta disso, são consideradas no comportamento de cada uma das

prestadoras de serviços religiosos. Em outros termos, entendemos que as

denominações religiosas, ora pelo emprego calculista de estratégias de

competição, ora, simplesmente, pela percepção intuitiva da dinâmica de

concorrência imperfeita sob as quais defendem seus interesses, organizam-se de

modo a proteger suas fatias de mercado – representada pelo percentual de fiéis

sobre a população total –; buscando precaverem-se da contestabilidade da

legitimação da prestação de seus serviços religiosos sobre a parcela de leigos

que detêm, por capitais religiosos incipientes, ou mesmo pelas denominações já

bem estabelecidas no mercado.

Este aspecto de imperfeição da concorrência religiosa – ou seja, de

desigualdade de forças competitivas entres os agentes atuantes – que permite o

emprego de estratégias de mercado, focadas no market share das denominações

e respectivos empenhos de proteção contra a contestabilidade das legitimações

sobre a orientação religiosa na vida das famílias, permite a observação de

barreiras à mobilidade dos capitais religiosos; a serem consideradas nas

investidas de entrada no mercado. O impacto destes estímulos de bloqueio à

atuação de novos capitais no mercado se demonstrou em parte intimamente

associado à escala almejada pelas denominações (quantidade de fiéis), no

tangente às barreiras por larga escala ou custos absolutos envolvidos. Contudo,

com relação aos empenhos de superação das reputações dos capitais já

estabelecidos, demonstraram-se influentes enquanto barreiras à entrada,

independentemente da escala de atendimento religioso.

A ausência de pretensões quanto a elevada escala de atendimento

religioso pode eximir as denominações religiosas incipientes de algumas ameaças

ao seu estabelecimento definitivo no campo, pelo menos no que tange à

capacidade de absorção da escala pelo mercado e aos investimentos mínimos

necessários. No entanto, àqueles capitais cujas metas compreendem uma

elevada escala de atendimento, mantêm-se válidos fortemente os estímulos de

bloqueio à entrada. A construção por uma denominação religiosa de uma

estrutura coerente com as presentemente dispostas no mercado, em geral,

Page 111: O Oligopólio Da fé (PT_BR)

98

associada ao domínio dos grandes canais de comunicação e de outros

empreendimentos beneficiadores da atividade principal – tradução material do

objetivo implícito de tomada abrupta de uma parcela muito significativa da

população para a condição de adeptos –; se, por um lado, permitiria considerar

estímulos de incentivo pela possibilidade de redução dos custos fixos unitários de

manutenção das atividades, dado pelo rateio dos custos totais em uma base mais

extensa de fiéis; por outro, implica a aceitação da capacidade de absorção pelo

mercado desta escala considerada.

Em termos econômicos, pudemos concluir, portanto, que no mercado

religioso fazem-se presentes para os grandes capitais as barreiras à entrada por

economias de larga escala; isto é, incapacidade de absorção pelo mercado da

escala mínima eficiente (que garante o custo médio mínimo). Como, em geral, a

população, pelo menos em sua maioria, já possui opção religiosa determinada, a

entrada de capitais capazes de atender uma escala elevada de fiéis deve,

necessariamente, pressupor (i) a capacidade de financiamento dos custos de

manutenção das atividades por uma parcela mais reduzida dos adeptos da

denominação, naturalmente, mais propensa à concentração do investimento em

suas mãos; ou (ii) a predisposição à superação das denominações já

estabelecidas, atraindo para si parte dos fiéis destas. Em resumo, ou um grupo

mais concentrado se prontifica a bancar a estrutura física da igreja ou a escala

necessária de fiéis deve ser compatível com o mercado.

A partir da percepção desta possível predisposição à superação das

denominações já estabelecidas, pelos capitais religiosos entrantes, é que se

evidencia o exercício da barreira à entrada por diferenciação de produtos;

aplicável independentemente da escala de atendimento. Como citado, a

declaração da maioria absoluta da população em alguma classificação de

religiosidade implica às novas denominações a predisposição de superação das

já estabelecidas, através do convencimento de sua superioridade ou, até mesmo,

de sua inofensividade para alguns casos mais críticos. Desta forma, a maior

barreira à entrada de novos capitais religiosos no mercado demonstrou-se

associada à quebra das reputações estabelecidas pelo convencimento da

população da superioridade dos serviços diferenciados entrantes na legitimação

da sociedade, frente ao preconceito e discriminação do novo.

Page 112: O Oligopólio Da fé (PT_BR)

99

Compreendidas por antecipação, as barreiras à entrada de novos capitais

religiosos tornam-se instrumentos fundamentais para as denominações já

estabelecidas, que buscam eleva-las através de suas estratégias competitivas,

protegendo-se, desta forma, da contestabilidade de sua legitimação na prestação

de serviços religiosos, por capitais religiosos auto-considerados mais aptos para o

atendimento da população. Os meios estratégicos dos quais as denominações

religiosas de fato se apropriam na dinâmica de concorrência oligopolista do

mercado de bens simbólicos associados à religião centram-se, notadamente nos

empenhos de diferenciação dos serviços, especialização e segmentação dos fiéis

em classes, propaganda e marketing, e, eventualmente, alianças estratégicas.

A dificuldade de análise destes instrumentos estratégicos de competição

em termos de preço, para o caso da concorrência religiosa, não impede o

tratamento do fenômeno pela ótica das teorias microeconômicas; pelo contrário,

demonstra-se coerente com a realidade apresentada pelos segmentos

econômicos oligopolizados, que pautam o conjunto de estratégias competitivas

nos instrumentos extra-preço. Somamos a isso a compreensão do fato de que

quaisquer elementos teoricamente associáveis aos preços dos bens simbólicos

ligados à religião, tais como o dízimo ou o tempo dedicado pelo fiel à atividade,

são irrelevantes para o processo de mercantilização da religião; conformando-se,

para fins de análise, tão somente em instrumento democraticamente incorporado

e necessário para manutenção das atividades.

Dentre os instrumentos estratégicos de competição extra-preço

empregados pelo mercado religioso destacou-se a diferenciação de serviços. Ao

nível do mercado, instituições religiosas incipientes apropriam-se da vantagem de

especialização dos serviços religiosos prestados num segmento particular da

sociedade. É o caso das denominações religiosas que adaptam seus discursos,

ritos e práticas a grupos específicos, tais como os constituídos por fiéis

homossexuais, jovens, roqueiros, surfistas, entre outras diversas especificidades

de segmentação, como, por exemplo, quanto à classe sócio-econômica. A

especialização, em geral, facilita, portanto, o rompimento de barreiras à entrada,

ao passo que viabiliza o atendimento de uma parcela específica da população

possivelmente não tão bem atendida pelas instituições religiosas mais ecléticas,

atribuindo às denominações especialistas o benefício da legitimação do

monopólio sobre a prestação de serviços religiosos ao segmento particular que se

Page 113: O Oligopólio Da fé (PT_BR)

100

destinam. Em outros termos, cada instituição torna-se monopolista do seu próprio

produto.

Ao nível da denominação, por outro lado, a segmentação dos fiéis se

demonstrou um importante instrumento estratégico na dinâmica de competição

oligopolista. Nos intuitos de protegerem-se da contestabilidade pelas instituições

especializadas e de expandirem suas fatias de mercado pela maior

disponibilidade de serviços diferenciados, as denominações religiosas mais

organizadas internalizam a prática de segmentação dos fiéis em classes de

necessidades específicas, para as quais voltam seus serviços, adaptados para

cada caso. Neste sentido, tendo em vista que as decisões das denominações

oligopólicas possuem efeito sobre o mercado como um todo, a proliferação do

movimento de Renovação Carismática nas instâncias católicas, por exemplo,

poderia ter significado, dentre outras coisas, uma motivação à reaproximação de

um fiel inativo em substituição à sua adesão em uma doutrina evangélica

pentecostal. De acordo com esta lógica, pudemos observar denominações dentro

das quais eram mantidas, dependendo das condições sócio-econômico-culturais

do público ao qual se destinavam em cada ponto de pregação, celebrações mais

tradicionais ou mais carismáticas; analogamente, outras segmentam seus fiéis em

função dos produto específicos no quais traduzem o produto genérico da religião:

saúde, realização financeira, reconhecimento, entre outros.

Nesta busca pelo melhor atendimento dos fiéis as denominações

submetem-se, mais do que isso, inclusive à incorporação de instrumentos

seculares de marketing estratégico, de acordo com os quais procuram avaliar o

melhor composto de serviços; analisando o público-consumidor e moldando

estratégias relacionadas ao produto, propriamente dito, à disposição geográfica

dos pontos de pregação e, principalmente, à promoção dos serviços prestados.

Nesta última apresentaram-se sob forte relevância a propaganda e os meios de

comunicação impressos e eletrônicos, notadamente, os voltados para a grande

massa (rádio, televisão, internet). O acirramento da concorrência tem levado

algumas denominações até mesmo à substituição deliberada dos meios intuitivos

de atendimento otimizado à demanda, pelos métodos calculistas que se somam,

a partir da colaboração de consultores das técnicas marketing.

Além destes, cujo número de combinações estratégicas possíveis já se

demonstrou à frente da capacidade de exemplificação deste estudo, outras

Page 114: O Oligopólio Da fé (PT_BR)

101

estratégias de competição têm se somado às práticas paralelas das

denominações religiosas na luta pela sobrevivência no mercado de bens

simbólicos, tal como as alianças estrategicamente constituídas; capazes de

convergir paradoxalmente os princípios ecumênicos ao fortalecimento da

competição religiosa. A reconhecida inviabilidade de fusão definitiva dos

princípios comuns de cada denominação, num contexto de unidade coerente com

o pensamento ecumênico – em geral associado às igrejas cristãs –, transforma o

discurso inter-religioso em alianças momentâneas, nas quais não se abstêm da

identidade própria em benefício do coletivo. Estas alianças ecumênicas,

centradas somente ao nível da cúpula das igrejas e não a suas bases, podem

eventualmente oferecer vantagens estratégicas em termos de custo nos projetos

levados em conjunto (e.g., Campanha da Fraternidade e Sociedade Bíblica do

Brasil), além de benefícios relacionados ao objetivo de atração de fiéis para os

princípios que as participantes do acordo consideram mais próprios.

Paralelamente, a não participação de algumas igrejas e seitas nestes encontros

tende a fortalecer as diferenças que potencializam a competição.

Assim, ao ritmo das próprias transformações da sociedade, o campo

religioso toma forma de mercado e vai constituindo uma estrutura competitiva

imperfeita e assimétrica, marcada pelo domínio de poucas denominações sobre

uma parcela muito significativa da população. Por conta disso, suas ações

tomadas individualmente são reconhecidas pelo mercado e estrategicamente

consideradas pelas principais rivais, de maneira intuitiva ou calculista; orientando-

se pelo foco primordial da participação em fiéis que detêm no total da população.

Nesta disputa, em nome do bem-estar da humanidade, alcançado através da

aceitação generalizada dos princípios que cada denominação considera correto e

sagrado, as estratégias seculares de mercado são os meios impostos pela

sociedade. As religiões buscam, a cada dia, maior adaptação às necessidade de

uma sociedade heterogênea, pluralista; criando serviços religiosos diferenciados

para as necessidades específicas, fazendo uso da propaganda, do rádio, da

televisão, do cinema, da mídia em geral. Tudo isso à medida que procuram

“proteger a sociedade” do surgimento de novas doutrinas concorrentes, elevando

barreiras, menos legais – como as já extintas em praticamente todo mundo –, do

que propriamente econômicas.

Page 115: O Oligopólio Da fé (PT_BR)

102

Esta configuração do mercado de bens simbólicos ligados à religião, típica

de um oligopólio diferenciado secular, é resultado da exigência de mais do que

compreensão das instituições religiosas acerca dos problemas sociais; muito

além, resulta da incorporação dos novos padrões competitivos que regem a

sociedade contemporânea como único meio de combate às tendências

dessacralizadas que substituem a fé na legitimação da vida social e ajudam a

fazer dos homens indivíduos solitários, problemáticos e infelizes na dinâmica

artificial do mercado. Assim, padres, pastores e afins se obrigam a agregar à

posição de orientadores religiosos a de executivos no comando de um verdadeiro

oligopólio da fé.

Page 116: O Oligopólio Da fé (PT_BR)

103

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ANDREOLLI, Márcio. A estrutura oligopolista de mercado – a indústria de

cerveja como oligopólio diferenciado. São Paulo: PUC/SP, 1999

(Dissertação, Mestrado em Economia).

BAIN, Joe Staten. Barriers to new competition: their character and

consequences in manufacturing industries. Cambridge, Mass.:

Harvard University Press, 1956, 329 p.

________. Organizacion industrial. Barcelona: Omega, 1963, 684 p.

BAUMOL, William J et al. Contestable markets and the theory of industry

structure. San Diego: Harcourt Brace Jovanovich, 1988.

BERGER, Peter. O dossel sagrado – elementos para uma teoria

sociológica da religião. São Paulo: Paulinas, 1985, 194 p.

BÍBLIA SAGRADA. Edição Pastoral. São Paulo: Paulus, 1990. ISBN 85-

349-0228-3.

BOURDIEU, Pierre. “A gênese do campo religioso”. In: A economia das

trocas simbólicas. 2ª ed. São Paulo: Pespectiva, 1982, 365 p.

CADE – Conselho Administrativo de Defesa Econômica. O que é o CADE.

Disponível em <http://www.cade.gov.br/apresentacao/cade.asp>.

Acessado em 03 Mai. 2005.

CAMPOS, Leonildo Silveira. Teatro, templo e mercado – organização e

marketing de um empreendimento neopentecostal. Petrópolis:

Vozes, 1997, 502 p. ISBN 85-326-1882-0.

Page 117: O Oligopólio Da fé (PT_BR)

104

CATÓLICA NET. Disponível em

<http://www.catolicanet.com.br/interatividade/enquetes/enquetes.asp

?cod=4>. Acesso em 07 set. 2005.

CENSO DEMOGRÁFICO 2000. Características gerais da população:

Resultados da amostra – Religião. IBGE. Disponível em

<http://www.ibge.gov.br/>. Acesso em 3 jan. 2005.

CERIS – Departamento de Estatística e Pesquisas Sociológicas. Quadros

estatísticos. In: ANUÁRIO 2000, 2000, CERIS. Disponível em

<http://www2.ceris.org.br/estatistica/caicbr/quadros_estatisticos.asp

>. Acesso em 25 out. 2005.

CONCLA – Comissão Nacional de Classificação. Disponível em

<http://www.cnae.ibge.gov.br>. Acesso em 20 set. 2005.

CORREIA, Ricardo Zandoná. Reflexões sobre economia e religião: seus

principais pensadores e a Igreja Católica Brasileira. Piracicaba:

ESALQ/USP, 2003 (Dissertação, Mestrado em Economia Aplicada).

DÁVILA, Sérgio. Direita religiosa mostra rosto e lucra nos EUA de Bush.

Folha de São Paulo, Califórnia, 27 mar. 2005, Caderno A, p. 15.

DICIONÁRIO HOUAISS da Língua Portuguesa. Disponível em

<http://houaiss.uol.com.br/busca.jhtm>.

DICIONÁRIO PRIBERAM. Disponível em <http://www.priberam.pt>.

FARNESI, Luciana. Um mercado movido pela fé. Revista Exame, 16 fev.

2005.

FERGUSON, C. E., Microeconomia. 20ª ed. Rio de Janeiro: Forense

Universitária, 2003. 610 p.

Page 118: O Oligopólio Da fé (PT_BR)

105

FERNANDES, Sílvia Regina Alves, Padres cantores e o catolicismo – as

interfaces do espetáculo e da fé. CERIS, 2005. Disponível em

<http://www.ceris.org.br/textos/_busca.asp?codDoc=152>. Acesso

em 25 out. 2005.

________. "Ver para crer" as novas investidas do catolicismo no Brasil

através do Padre Marcelo Rossi. In: CESNUR 2000 –

INTERNATION CONFERENCE, 29-31 Aug 2000, Riga, Latvia:

CESNUR – Center for Studies on New Religions, 2000.

FUKUYAMA, Francis. Max contra Marx. Folha de São Paulo, 27 mar. 2005,

Caderno mais!, p. 10.

GARCIA, Gilberto. As Igrejas Evangélicas e o Novo Código Civil.

Intelligentia Jurídica, Ano III, nº 27, jan. 2003. Disponível em

<http://www.intelligentiajuridica.com.br/artigos/artigo2-

oldjan2003.html>. Acesso em 20 set. 2005.

GUERRA SOBRINHO, Lemuel Dourado. A lógica do mercado na esfera da

religião: competição, demanda e a dinâmica dos discursos e práticas

religiosas no Brasil. Cadernos do RELIGARE. João Pessoa, 2003b,

GRUPO INTERDISCIPLINAR DE PESQUISA EM RELIGIOSIDADE

(RELIGARE) – CCSA/UFPB. ISSN 1518-2770. Disponível em

<http://yesod.sites.uol.com.br/cadernos/edicao1/logica.htm>. Acesso

em 01 nov. 2005.

________. Mercado religioso no Brasil: competição, demanda e a dinâmica

da esfera da religião. João Pessoa: Idea, 2003a.

HOBSBAWM, Eric John. Da revolução industrial inglesa ao imperialismo.

Rio de Janeiro: Forense-Universitaria, 1978, 325 p.

IGREJA DE DEUS NO BRASIL (IDB). Estatuto social. Goiânia: IDB, 2003.

Disponível em <http://www.idbcampinas.com.br/estatutosocial.htm>.

Acesso em 20 set. 2005.

Page 119: O Oligopólio Da fé (PT_BR)

106

KATER FILHO, Antônio Miguel. Marketing Aplicado a Igreja Católica. São

Paulo: USP, 1994 (Dissertação de Mestrado).

LABINI, Paolo Sylos. Oligopólio e progresso técnico. São Paulo: Abril

Cultural, 1984, 199 p.

LEMOS FILHO, Arnaldo. Os catolicismos brasileiros. Campinas: Alínea,

1996, 160 p.

LIIDTKE, Daniel. Católicos versus evangélicos: ao vencedor, as ovelhas.

Canal da Imprensa. Disponível em

<http://www.canaldaimprensa.com.br/debate/vint2/debate1.htm>.

Acesso em 07 set. 2005.

MARQUES, Luís Henrique. Marketing católico: resposta da Igreja à

concorrência pentecostal gera impasse ecumênico. In: XXIV

CONGRESSO BRASILEIRO DA COMUNICAÇÃO, Campo Grande,

MS: INTERCOM – Sociedade Brasileira de Estudos

Interdisciplinares da Comunicação, 2001. Disponível em

<http://intercom.org.br/papers/xxiv-ci/np12/NP12MARQUES.pdf>.

Acesso em 07 set. 2001.

MARTHE, Marcelo; VALLADARES, Ricardo. Os católicos contra-atacam.

Mater Ecclesiae. Disponível em

<http://www.mrp.com.br/mater/contra-ataque.htm>. Acesso em 07

set. 2005.

MARX, Karl. “A lei geral da acumulação capitalista”. In: O Capital: crítica da

economia política. Coleção Os economistas. São Paulo: Nova

Cultural, 1985, p. 196.

MICHAELIS Moderno Dicionário da Língua Portuguesa. Disponível em

<http://www2.uol.com.br/michaelis/>.

Page 120: O Oligopólio Da fé (PT_BR)

107

NOVO BRASIL, Grande dicionário da língua portuguesa. 30ª ed. São

Paulo: Novo Brasil, 1987.

OLIVEIRA, Carlos Alonso Barbosa de. O Processo de Insustrialização: do

capitalismo originário ao atrasado. Campinas: UNICAMP, 1978

(Tese, Doutorado em Economia).

PINDYCK, Robert S.; RUBINFELD, Daniel L. Microeconomia. 5ª ed. São

Paulo: Prentice Hall, 2002, 711 p. ISBN 85-87918-11-7.

POLANYI, Karl. A grande transformação – as origens da nossa época. 5ª

ed. Rio de Janeiro: Campus, 2000, 349 p. ISBN 85-352-0598.

RECEITA FEDERAL DO BRASIL. Situação cadastral - Cadastro Nacional

da Pessoa Jurídica. Disponível em

<http://www.receita.fazenda.gov.br>. Acesso em 20 set. 2005.

RELIGIÃO. Censo Demográfico 2000, IBGE / Cominação social, 27 jun.

2003. Disponível em

<http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/27062003censo.s

htm>. Acesso em 02 nov. 2005.

RETRATOS das religiões no Brasil. Centro de Políticas Sociais (CPS) –

IBRE/FGV, 2005. Disponível em

<http://www.fgv.br/cps/religioes/inicio.htm>. Acesso em: 21 Abr.

2005.

SANDRONI, Paulo. Novíssimo dicionário de economia. 7ª ed. São Paulo:

Best Seller, 2001, 649 p. ISBN 85-7123-654-2.

SCHWANTES, Milton. Solidariedade e paz à luz da teologia. In:

SEMINÁRIO DE ORIENTAÇÃO DA ESTRATÉGIA DA CAMPANHA

DA FRATERNIDADE 2005 – ECUMÊNICA, 20 nov 2004. São Paulo:

CONIC, 2004.

Page 121: O Oligopólio Da fé (PT_BR)

108

TABULAÇÃO AVANÇADA – Resultados Preliminares da Amostra. Censo

Demográfico 2000, IBGE / Cominação social, 08 mai. 2002.

Disponível em

<http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/08052002tabulac

ao.shtm>. Acesso em 02 nov. 2005.

TENDÊNCIAS DEMOGRÁFICAS. IBGE, 2000. Disponível em

<http://www.ibge.gov.br/>. Acesso em 3 jan. 2005.

ÚLTIMA ETAPA DE DIVULGAÇÃO do Censo 2000 traz os resultados

definitivos, com informações sobre municípios brasileiros. Censo

Demográfico 2000, IBGE / Cominação social, 20 dez. 2002.

Disponível em

<http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/20122002censo.s

htm>. Acesso em 02 nov. 2005.

VILLAMÉA, Luiza. Nas mãos do Espírito Santo. Isto é, Especial João Paulo

II, 13 abr. 2005. Disponível em

<http://www.terra.com.br/istoe/1852/especial_joao_paulo/1852_nas_

maos_do_espirito_santo.htm>. Acesso em 07 set. 2005.

WEBER, Max. A ética protestante e o espírito do capitalismo. São Paulo:

Pioneira, 1997, 233 p.

WESTIN, Ricardo. Bandido, era Lê. Convertido, é irmão Luís. O Estado de

São Paulo, 26 jun. 2005, Caderno A, p. 24.

________. Evangélicos criam igrejas sob medida. O Estado de São Paulo,

26 jun. 2005, Caderno A, p. 24.

________. Evangélicos eram 3% do País em 150. Hoje são 15%. O Estado

de São Paulo, 26 jun. 2005, Caderno A, p. 24.

WIKIPEDIA, The Free Encyclopedia. Disponível em

<http://www.wikipedia.org/>.

Page 122: O Oligopólio Da fé (PT_BR)

109

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA

BARBER, Tony. Ascensão da Opus Dei sobre o papado preocupa liberais.

Folha de São Paulo, Financial Times, 13 mar. 2005, Caderno A, p.

25.

BURITY, Joanildo A. Novos paradigmas e estudo da religião: uma reflexão

anti-essencialista. Recife: Instituto de Pesquisas Sociais (INPSO) /

Fundação Joaquim Nabuco (FUNDAJ), 2000.

FAVARO, Tatiana. A gente dá porque quer. Semana 3, Almanaque, ed. 27,

dez. 2004. Disponível em

<http://www.semana3.com.br/materia.php?id_mat=135&id=10>.

Acesso em 09 out. 2005.

FOLHA DE SÃO PAULO. Entrevista com Jerry Jenkins. Folha de São

Paulo, Califórnia, 27 mar. 2005, Caderno A, p. 17.

GARCIA, Gilberto. O Estado laico é fundamento da República.

Observatório da Imprensa, Caderno da Cidadania, 10 mai. 2005.

Disponível em

<http://observatorio.ultimosegundo.ig.com.br/artigos.asp?cod=328CI

D002>. Acesso em 20 set. 2005.

GUERRIERO, Silas. A Diversidade Religiosa no Brasil: A Nebulosa do

Esoterismo e da Nova Era. Revista Eletrônica Correlatio, nº 3, mai.

2003. ISSN 1677-2644. Disponível em

<http://www.metodista.br/Noticias/correlatio>. Acesso em 22 out.

2005.

Page 123: O Oligopólio Da fé (PT_BR)

110

JUSTINO, Mário. Nos bastidores do reino – a vida secreta da Igreja

Universal do Reino de Deus. São Paulo: Geração Editorial, 2002,

150 p. ISBN 85-86028-06-1.

KATER FILHO, Antonio Miguel. As ovelhas e o pastor. Disponível em

<http://www.npdbrasil.com.br/religiao/rel_meditar_023.htm>. Acesso

em 07 set. 2005.

LINDENBERG, Adolpho. Os católicos e a economia de mercado –

oposição ou colaboração? São Paulo: LTr, 2002, 230 p. ISBN 85-

361-0316-7.

NICHOLS, Robert Hastings. História da Igreja Cristã. 6ª ed. São Paulo:

Casa Editora Presbiteriana, 1985, 289 p.

POSSAS, Mario Luiz. Estruturas de mercado em oligopólio. São Paulo:

HUCITEC, 1990, 191 p.

REIPERT, Fabíola. Zapping: Padre Marcelo Rossi cria saia justa na

Record. Folha Online, 29 set. 2005, Ilustrada. Disponível em

<http://www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u53853.shtml>.

Acesso em 29 set. 2005.

SAIBA COMO é a hierarquia da Igreja Católica Apostólica Romana. Folha

Online, 02 abr. 2005. Disponível em

<http://www1.folha.uol.com.br/folha/especial/2005/papa/0075.shtml>

. Acesso em 20 set. 2005.

SHAULL, Richard. A Reforma Protestante e a Teologia da Libertação. São

Paulo: Pendão Real, 1993, 149 p.

SUNG, Jung Mo. Teologia e economia – repensando a teologia da

libertação e utopias. Petrópolis: Vozes, 1994, 271 p. ISBN 85-326-

1168-0.

Page 124: O Oligopólio Da fé (PT_BR)

111

ANEXO I – Base de competição dos setores oligopólicos segundo o grau de diferenciação dos produtos

1 – INDÚSTRIA COM GRANDE DIFERENCIAÇÃO DE PRODUTO

INDÚSTRIA BASE DE DIFERENCIAÇÃO

Bebidas

Cigarros

Automobilística

Propaganda

Propaganda

Propaganda, desenho, reputação

2 – INDÚSTRIA COM MODERADA DIFERENCIAÇÃO DE PRODUTO

INDÚSTRIA BASE DE DIFERENCIAÇÃO

Pneu

Calçados

Refino de petróleo

Propaganda, desenho

Propaganda, distribuição

Propaganda, serviços aos cliente

3 – INDÚSTRIA COM POUCA DIFERENCIAÇÃO DE PRODUTO

INDÚSTRIA BASE DE DIFERENCIAÇÃO

Aço

Esferográfica

Serviços aos clientes

Propaganda, desenho

4 – INDÚSTRIA COM DIFERENCIAÇÃO DE PRODUTO POUCO SIGNIFICATIVA (INDÚSTRIA SEM BASE DE DIFERENCIAÇÃO)

Cobre, cimento, papel e celulose, matérias-primas em geral

Fonte: ANDREOLLI, 1999, p. 37

Page 125: O Oligopólio Da fé (PT_BR)

112

ANEXO II – Exemplo de cartão do Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas (CNPJ) de instituição religiosa

Fonte: SECRETARIA DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL

Page 126: O Oligopólio Da fé (PT_BR)

113

ANEXO III – Sub-classes CNAE para enquadramento fiscal das instituições religiosas

CÓDIGO DESCRIÇÃO CNAE

9191-0/00 ARQUIDIOCESE 9191-0/00 CASA DE BENÇÃO 9191-0/00 CASA DE ORAÇÃO 9191-0/00 CASA MAÇÔNICA 9191-0/00 CENTRO DE UMBANDA 9191-0/00 CENTRO ESPÍRITA 9191-0/00 CONGREGAÇÃO RELIGIOSA 9191-0/00 CONVENTO 9191-0/00 CULTO RELIGIOSO; CELEBRAÇÃO E ORGANIZAÇÃO 9191-0/00 EXÉRCITO DA SALVAÇÃO; ASSOCIAÇÃO DO 9191-0/00 IGREJA 9191-0/00 INSTITUIÇÃO RELIGIOSA 9191-0/00 IRMANDADE RELIGIOSA 9191-0/00 MESQUITA 9191-0/00 MISSÃO RELIGIOSA 9191-0/00 MOSTEIRO 9191-0/00 ORGANIZAÇÃO FILOSÓFICA 9191-0/00 ORGANIZAÇÃO RELIGIOSA 9191-0/00 SINAGOGA 9191-0/00 TEMPLO 9191-0/00 TEMPLO RELIGIOSO 9191-0/00 TENDA ESPÍRITA 9191-0/00 TERREIRO DE CANDOMBLÉ 9191-0/00 TERREIRO DE MACUMBA 9191-0/00 TERREIRO DE UMBANDA

Fonte: CONCLA – Comissão Nacional de Classificação

Page 127: O Oligopólio Da fé (PT_BR)

114

ANEXO IV – Classificação de religião adotada pelo IBGE para o Censo Demográfico de 2000

000 SEM RELIGIÃO

11 CATÓLICA APOSTÓLICA ROMANA 110 Católica Apostólica Romana 111 Católica Carismática, Católica Pentecostal 112 Católica Armenia; Católica Ucraniana

12 CATÓLICA APOSTÓLICA BRASILEIRA

120 Católica Apostólica Brasileira

13 CATÓLICA ORTODOXA 130 Católica Ortodoxa

14 ORTODOXA CRISTÃ

140 Ortodoxa Cristão 149 Outras

19 OUTRAS CATÓLICAS

199 Outras Católicas

21 EVANGÉLICA DE MISSÃO LUTERANA 210 Igrejas Luteranas 219 Outras

22 EVANGÉLICA DE MISSÃO PRESBITERIANA

220 Igreja Evangélica Presbiteriana 221 Igreja Presbiteriana Independente 222 Igreja Presbiteriana do Brasil 223 Igreja Presbiteriana Unida 224 Presbiteriana Fundamentalista 225 Presbiteriana Renovada 229 Outras

23 EVANGÉLICA DE MISSÃO METODISTA

230 Igreja Evangélica Metodista 231 Evangélica Metodista Wesleyana 232 Evangélica Metodista Ortodoxa 239 Outras

(continua)

Page 128: O Oligopólio Da fé (PT_BR)

115

(continuação)

24 EVANGÉLICA DE MISSÃO BATISTA 240 Igreja Evangélica Batista 241 Convenção Batista Brasileira 242 Convenção Batista Nacional 243 Batista Pentecostal 244 Batista Bíblica 245 Batista Renovada 249 Outras

25 EVANGÉLICA DE MISSÃO CONGREGACIONAL

250 Igreja Evangélica Congregacional 251 Igreja Congregacional Independente 259 Outras

26 EVANGÉLICA DE MISSÃO ADVENTISTA

260 Igreja Evangélica Adventista do Sétimo Dia 261 Igreja Evangélica Adventista Movimento de Reforma 262 Igreja Evangélica Adventista da Promessa 269 Outras

27 EVANGÉLICA DE MISSÃO EPISCOPAL ANGLICANA

270 Igreja Evangélica Episcopal Anglicana 279 Outras

28 EVANGÉLICA DE MISSÃO MENONITA

280 Igreja Evangélica Menonita 289 Outras

30 EXÉRCITO DA SALVAÇÃO

300 Exército da Salvação 31 EVANGÉLICA DE ORIGEM PENTECOSTAL ASSEMBLÉIA DE DEUS

310 Igreja Evangélica Assembléia de Deus 311 Igreja Assembléia de Deus Madureira 312 Igreja Assembléia de Deus Todos os Santos 319 Outras

32 EVANGÉLICA DE ORIGEM PENTECOSTAL CONGREGACIONAL CRISTÃ DO BRASIL

320 Igreja Congregacional Cristã do Brasil 329 Outras

(continua)

Page 129: O Oligopólio Da fé (PT_BR)

116

(continuação) 33 EVANGÉLICA DE ORIGEM PENTECOSTAL O BRASIL PARA CRISTO

330 Igreja Evangélica Pentecostal O Brasil Para Cristo 339 Outras

34 EVANGÉLICA DE ORIGEM PENTECOSTAL EVANGELHO QUADRANGULAR

340 Igreja Evangelho Quadrangular 349 Outras

35 EVANGÉLICA DE ORIGEM PENTECOSTAL UNIVERSAL DO REINO DE DEUS

350 Igreja Universal do Reino de Deus 359 Outras

‘36 EVANGÉLICA DE ORIGEM PENTECOSTAL CASA DA BÊNÇÃO

360 Igreja Evangélica Casa da Bênção 369 Outras

37 EVANGÉLICA DE ORIGEM PENTECOSTAL CASA DE ORAÇÃO

370 Igreja Evangélica Casa de Oração 379 Outras

38 EVANGÉLICA DE ORIGEM PENTECOSTAL DEUS É AMOR

380 Igreja Evangélica Pentecostal Deus é Amor 389 Outras

39 EVANGÉLICA DE ORIGEM PENTECOSTAL MARANATA

390 Igreja Evangélica Pentecostal Maranata 399 Outras

40 EVANGÉLICA RENOVADA Sem Vínculo Institucional

400 Evangélica Renovada,Restaurada,Reformada Sem Vínculo Institucional

401 Pentecostal Renovada,Restaurada e Reformada Sem Vínculo Institucional

409 Outras

41 EVANGÉLICA PENTECOSTAL Sem Vínculo Institucional 410 Evangélica Pentecostal Sem Vínculo Institucional 419 Outras

42 EVANGÉLICA DE ORIGEM PENTECOSTAL COMUNIDADE CRISTÃ

420 Igreja Evangélica Comunidade Cristã 429 Outras

(continua)

Page 130: O Oligopólio Da fé (PT_BR)

117

(continuação)

43 EVANGÉLICA DE ORIGEM PENTECOSTAL NOVA VIDA 430 Igreja de Origem Pentecostal Nova Vida 439 Outras

44 EVANGÉLICA DE ORIGEM PENTECOSTAL COMUNIDADE EVANGÉLICA440 Igreja Evangélica Comunidade Evangélica 449 Outras

45 OUTRAS IGREJAS EVANGÉLICAS DE ORIGEM PENTECOSTAL

450 Outras Igrejas Evangélicas Pentecostais 46 EVANGÉLICA DE ORIGEM PENTECOSTAL AVIVAMENTO BÍBLICO

460 Igreja Pentecostal Avivamento Bíblico 469 Outras

47 EVANGÉLICA DE ORIGEM PENTECOSTAL CADEIA DA PRECE

470 Igreja Evangélica Cadeia da Prece 479 Outras

48 EVANGÉLICA DE ORIGEM PENTECOSTAL IGREJA DO NAZARENO

480 Igreja do Nazareno 489 Outras

49 EVANGÉLICA NÃO DETERMINADA

490 Evangélica Não Determinada 491 Evangélica Sem Vínculo Institucional 492 Declaração Múltipla de Religião Evangélica 499 Outros Evangélicos

51 IGREJA DE JESUS CRISTO DOS SANTOS DOS ÚLTIMOS DIAS

510 Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias / Mormons 519 Outras

52 EVANGELICOS TESTEMUNHA DE JEOVÁ

520 Testemunha de Jeová 529 Outras

53 LBV / RELIGIÃO DE DEUS

530 Legião da Boa Vontade / Religião de Deus

59 ESPIRITUALISTA 590 Espiritualista 599 Outras

(continua)

Page 131: O Oligopólio Da fé (PT_BR)

118

(continuação)

61 ESPÍRITA 610 Espírita, Kardecista 619 Outras

62 UMBANDA

620 Umbanda 629 Outras

63 CANDOMBLÉ

630 Candomblé 639 Outras

64 OUTRAS DECLARAÇÕES DE RELIGIOSIDADE AFRO BRASILEIRA

640 Religiosidades Afro Brasileiras 641 Declaração Múltipla de Religiosidade Afro com Outras Religiosidades 649 Outras

71 JUDAÍSMO

710 Judaísmo 719 Outras

74 HINDUÍSMO

740 Hinduísmo 741 Ioga 749 Outras

75 BUDISMO

750 Budismo 751 Nitiren 752 Budismo Theravada 753 Zen Budismo 754 Budismo Tibetano 755 Soka Gakkai 759 Outras

76 NOVAS RELIGIÕES ORIENTAIS

760 Igreja Messiânica Mundial 761 Seicho No-Ie 762 Perfect Liberty 763 Hare Krishna 764 Discipulos Oshoo 765 Tenrykyo 766 Mahicari

(continua)

Page 132: O Oligopólio Da fé (PT_BR)

119

(continuação)

79 OUTRAS RELIGIÕES ORIENTAIS 790 Religiões Orientais 791 Bahai 792 Shintoismo 793 Taoismo 799 Outras

81 ISLAMISMO

810 Islamismo 819 Outras

82 TRADIÇÕES ESOTÉRICAS

820 Esotérica 821 Racionalismo Cristão 829 Outras

83 TRADIÇÕES INDÍGENAS

830 Tradições Indígenas 831 Santo Daime 832 União do Vegetal 833 A Barquinha 834 Neoxamânica 839 Outras

85 RELIGIOSIDADE CRISTÃ SEM VÍNCULO INSTITUCIONAL

850 Religiosidade Cristã Sem Vínculo Institucional 89 NÃO DETERMINADA

890 Religiosidade Não Determinada /Mal Definida 891 Declaração Múltipla de Religiosidade Católica / Outras Religiosidades892 Declaração Múltipla de Religiosidade Evangélica / Outras

Religiosidades 893 Declaração Múltipla de Religiosidade Católica/ Espírita 894 Declaração Múltipla de Religiosidade Católica/Umbanda 895 Declaração Múltipla de Religiosidade Católica/Candomblé 896 Declaração Múltipla de Religiosidade Católica/Kardecista

990 SEM DECLARAÇAO

Fonte: IBGE

Page 133: O Oligopólio Da fé (PT_BR)

120

ANEXO V – População residente, por sexo, segundo a religião – Brasil – 2000

RELIGIÃO TOTAL HOMENS MULHERES

Católica apostólica romana 124 980 132 61 901 888 63 078 244

Católica apostólica brasileira 500 582 250 201 250 380

Católica ortodoxa 38 060 19 495 18 565

Evangélicas 26 184 941 11 444 063 14 740 878

Evangélicas de missão 6 939 765 3 062 194 3 877 571

Igreja evangélica luterana 1 062 145 523 994 538 152

Igreja evangélica presbiteriana 981 064 427 458 553 606

Igreja evangélica metodista 340 963 146 236 194 727

Igreja evangélica batista 3 162 691 1 344 946 1 817 745

Igreja evangélica congregacional 148 836 64 937 83 899

Igreja evangélica adventista 1 209 842 538 981 670 860

Outras igrejas evangélicas de missão 34 224 15 642 18 582

Evangélicas de origem pentecostal 17 617 307 7 677 125 9 940 182

Igreja assembléia de Deus 8 418 140 3 804 658 4 613 482

Igreja congregacional cristã do Brasil 2 489 113 1 130 329 1 358 785

Igreja Brasil para Cristo 175 618 76 132 99 485

Igreja evangelho quadrangular 1 318 805 545 016 773 789

Igreja universal do reino de Deus 2 101 887 800 227 1 301 660

Igreja casa da benção 128 676 51 557 77 119

Igreja Deus é amor 774 830 331 707 443 123

Igreja maranata 277 342 117 789 159 553

Igreja nova vida 92 315 35 352 56 964

Sem vínculo institucional 1 046 487 454 087 592 400

Evangélicos 710 227 309 380 400 847

Evangélicos de origem pentecostal 336 259 144 707 191 552

(continua)

Page 134: O Oligopólio Da fé (PT_BR)

121

(continuação)

RELIGIÃO TOTAL HOMENS MULHERES

Outros evangélicos 581 383 250 657 330 725

Outras cristãs 235 532 103 483 132 049

Cristãs 230 325 101 090 129 235

Outras religiosidades cristãs 5 208 2 394 2 814

Igreja de Jesus Cristo dos santos dos últimos dias 199 645 92 197 107 448

Testemunhas de Jeová 1 104 886 450 583 654 303

Espírita 2 262 401 928 967 1 333 434

Espiritualista 25 889 10 901 14 987

Umbanda 397 431 172 393 225 038

Candomblé 127 582 57 200 70 382

Judaísmo 86 825 43 597 43 228

Hinduísmo 2 905 1 521 1 383

Islamismo 27 239 16 232 11 007

Budismo 214 873 96 722 118 152

Outras religiões orientais 7 832 3 764 4 068

Novas religiões orientais 151 080 58 784 92 295

Igreja messiânica mundial 109 310 41 478 67 831

Outras novas religiões orientais 41 770 17 306 24 464

Tradições esotéricas 58 445 27 637 30 808

Tradições indígenas 17 088 9 175 7 913

Outras religiosidades 15 484 7 393 8 091

Sem religião 12 492 403 7 540 682 4 951 721

Não determinadas 357 648 159 191 198 458

Sem declaração 383 953 206 245 177 708

TOTAL 169 872 856 83 602 317 86 270 539

Fonte: IBGE, Censo Demográfico 2000.

Page 135: O Oligopólio Da fé (PT_BR)

122

ANEXO VI – Distribuição percentual da população segundo a religião – Brasil – 1872-2000

ANO CATÓLICOS EVANGÉLICOS ESPÍRITAS OUTRAS SEM RELIGIÃO

1872 99,7 - - 0,3 -

1890 98,9 1,0 - 0,0 0,1

1940 95,0 2,6 1,1 0,8 0,5

1950 93,5 3,4 1,6 0,8 0,8

1960 93,1 4,0 1,4 0,8 0,6

1970 91,8 5,2 1,3 1,0 0,8

1980 89,0 6,6 1,3 1,0 1,9

1991 83,3 9,0 1,6 1,2 5,1

2000 73,6 15,4 1,4 2,1 7,5

Fonte: Censo Demográfico (1872, 1890, 1940, 1950, 1960, 1970, 1980, 1991,

2000) apud CORREIA, 2003

Page 136: O Oligopólio Da fé (PT_BR)

123

ANEXO VII – Média de anos de estudo por religião – Brasil – 1991-2000

RELIGIÃO 1991 2000

Católica apostólica romana 4,63 5,78

Total de evangélicos 4,68 5,83

Evangélica de missão 5,79 6,94

Evangélica pentecostal 4,00 5,34

Outras evangélicas 5,28 6,41

Testemunha de Jeová 5,36 6,49

Espírita 8,34 9,58

Umbanda e Candomblé 6,25 7,19

Outras religiosidades 6,41 7,01

Sem religião 5,06 5,65

TOTAL 4,72 5,86

Fonte: IBGE, Censo Demográfico 1991-2000

Page 137: O Oligopólio Da fé (PT_BR)

124

ANEXO VIII – Evolução do percentual de urbanização e de pessoas sem religião – 1890-2000

ANO PORCENTAGEM

DE URBANIZAÇÃO

PORCENTAGEM DE PESSOAS

SEM RELIGIÃO

1890 -135 0,1%

1940 31,2% 0,5%

1950 36,2% 0,8%

1960 44,7% 0,6%

1970 55,9% 0,8%

1980 67,6% 1,9%

1991 75,6% 5,1%

2000 81,3% 7,5%

Fonte: Censo Demográfico (1872, 1890, 1940, 1950, 1960, 1970, 1980, 1991,

2000) apud CORREIA, 2003

135 Dado não localizado pelo autor.

Page 138: O Oligopólio Da fé (PT_BR)

125

ANEXO IX – Quantidade de paróquias, presbíteros, diáconos, irmãos e irmãs católicos das circunscrições eclesiásticas da Regional Sul 1 da CNBB

ÁREA POPULAÇÃO136 PAROQUIAS137 PRESBITEROS CIRCUNSCRIÇÕES ECLESIÁSTICAS

Km² total hab/km² total hab/par total hab/presb DP138 IRMÃOS IRMÃS

AMPARO 2355,6 341655 145,0 22 15529,8 32 10676,7 1 1 133

APARECIDA 1303,0 165989 127,4 15 11065,9 94 1765,8 2 51 179

ARAÇATUBA 9620,6 454829 47,3 30 15161,0 42 10829,3 1 2 45

ASSIS 9165,2 279699 30,5 25 11188,0 37 7559,4 0 0 52

BARRETOS 8771,5 307597 35,1 19 16189,3 28 10985,6 0 8 53

BAURU 5892,1 443578 75,3 37 11988,6 65 6824,3 0 14 82

BOTUCATU 10348,6 435581 42,1 42 10371,0 51 8540,8 5 6 112

BRAGANÇA PAULISTA 4492,5 784856 174,7 44 17837,6 70 11212,2 1 2 84

CAMPINAS 2133,2 1625893 762,2 72 22581,8 162 10036,4 2 40 386

CAMPO LIMPO 1463,4 1464925 1001,0 60 24415,4 101 14504,2 4 12 320

CARAGUATATUBA 1943,4 196973 101,4 10 19697,3 15 13131,5 4 4 54

CATANDUVA 4587,6 261387 57,0 27 9681,0 32 8168,3 0 1 25

FRANCA 6795,9 535900 78,9 28 19139,3 49 10936,7 1 6 48

GUARULHOS 317,1 1095874 3455,9 31 35350,8 41 26728,6 1 18 81

ITAPETININGA 8144,1 361669 44,4 23 15724,7 24 15069,5 17 0 36

ITAPEVA 14150,7 377977 26,7 19 19893,5 35 10799,3 1 18 26

JABOTICABAL 5175,6 433766 83,8 36 12049,1 47 9229,1 1 3 81

JALES 13086,8 354225 27,1 28 12650,9 22 16101,1 0 0 21

JUNDIAÍ 2256,9 860144 381,1 47 18300,9 82 10489,6 66 8 199

LIMEIRA 4915,2 937443 190,7 53 17687,6 81 11573,4 0 2 136

LINS 8654,5 269815 31,2 31 8703,7 41 6580,9 1 8 59

LORENA 5123,0 254277 49,6 23 11055,5 41 6201,9 18 15 52

MARÍLIA 11958,6 623743 52,2 57 10942,9 72 8663,1 1 22 164

MOGI DAS CRUZES 2519,5 1188971 471,9 42 28308,8 65 18291,9 1 3 76

N.SA. DO LÍBANO EM SÃO PAULO - - - 6 - 5 - 0 0 0

N.SA. DO PARAÍSO EM SÃO PAULO - - - 5 - 7 - 4 0 0

(continua)

136 IBGE, Estimativa da população 137 Incluídas as Quase-Paróquias 138 Diáconos Permanentes

Page 139: O Oligopólio Da fé (PT_BR)

126

(continuação)

ÁREA POPULAÇÃO139 PAROQUIAS140 PRESBITEROS CIRCUNSCRIÇÕES ECLESIÁSTICAS

Km² total hab/km² total hab/par total hab/presb

DP141 IRMÃOS IRMÃS

OSASCO 2495,5 2072703 830,6 44 47106,9 88 23553,4 0 29 269

OURINHOS 7104,3 292602 41,2 29 10089,7 38 7700,1 0 2 59

PIRACICABA 4663,2 805654 172,8 50 16113,1 90 8951,7 16 15 134

PRESIDENTE PRUDENTE 15512,3 500664 32,3 34 14725,4 43 11643,3 0 4 48

REGISTRO 13291,1 254021 19,1 14 18144,4 28 9072,2 0 2 12

RIBERÃO PRETO 8782,4 879371 100,1 52 16911,0 89 9880,6 15 25 106

RIO PRETO 14634,0 788815 53,9 73 10805,7 96 8216,8 0 3 43

SANTO AMARO 328,9 1455399 4425,1 68 21402,9 115 12655,6 0 9 226

SANTO ANDRÉ 825,3 2343280 2839,3 87 26934,3 124 18897,4 6 33 141

SANTOS 2402,5 1362722 567,2 39 34941,6 76 17930,6 2 3 135

SÃO CARLOS 13056,5 932114 71,4 71 13128,4 120 7767,6 1 11 127

SÃO JOÃO DA BOA VISTA 7085,1 577869 81,6 46 12562,4 99 5837,1 3 16 143

SÃO JOSÉ DOS CAMPOS 3270,5 731003 223,5 34 21500,1 68 10750,0 33 0 250

SÃO MIGUEL PAULISTA 200,2 2013634 10058,1 72 27967,1 99 20339,7 0 27 267

SÃO PAULO 580,1 5402918 9313,8 277 19505,1 914 5911,3 0 318 1986

SOROCABA 4236,1 815389 192,5 36 22649,7 71 11484,4 26 5 133

TAUBATÉ 4533,7 531816 117,3 34 15641,6 92 5780,6 23 64 304

REGIONAL 248176,3 35816740 144,3 1892 18930,6 3591 9974,0 257 810 6887

Fonte: CERIS – Departamento de Estatística e Pesquisas Sociológicas

139 IBGE, Estimativa da população 140 Incluídas as Quase-Paróquias 141 Diáconos Permanentes

Page 140: O Oligopólio Da fé (PT_BR)

127

ANEXO X – Exemplos de panfleto distribuído pela Igreja Universal do Reino de Deus com intuito de atrair fiéis

Fonte: do próprio autor

Fonte: CAMPOS, 1997, p.145

Page 141: O Oligopólio Da fé (PT_BR)

128

ANEXO XI – Screenshot de enquête da Igreja Universal do Reino de Deus para classificação dos fiéis segundo o motivo de filiação

Fonte: Site oficial da Igreja Universal do Reino de Deus (http://www.iurd.org.br/)

Page 142: O Oligopólio Da fé (PT_BR)

129

APÊNCIDE A – Gráfico da Curva de Lorenz e Coeficiente de Gini aplicado às denominações religiosas, segundo a distribuição de fiéis – Brasil – 2000

Fonte: RETRATOS, 2005.

Baseado em 97 classificações de religiosidade, adotadas pelo Censo

Demográfico 2000. Exclui agregações do tipo “outras denominações”.

Page 143: O Oligopólio Da fé (PT_BR)

130

APÊNCIDE B – Gráfico do Índice Herfindahl-Hirschman (IHH) de concentração industrial do campo religioso, segundo a participação no total de fiéis – Brasil – 1960-2000 e Gráfico da redução percentual do Índice de Herfindahl-Hirschman (IHH) – Brasil – 1970-2000

Fonte: IBGE, Tendências Demográficas.

Page 144: O Oligopólio Da fé (PT_BR)

131

APÊNCIDE C – Gráfico da evolução das participações católicas, evangélicas e sem-religião no total da população – Brasil – 1940-2000

Fonte: Censo Demográfico (1872, 1890, 1940, 1950, 1960, 1970, 1980, 1991,

2000) apud CORREIA, 2003

Page 145: O Oligopólio Da fé (PT_BR)

132

APÊNCIDE D – Análise gráfica das vantagens estratégicas de segmentação dos fiéis pelas denominações religiosas

O diagrama acima procura ilustrar graficamente a vantagem estratégica de

uma denominação religiosa diferenciar internamente os serviços que presta,

segmentando seus fiéis de acordo com as especificidades que determinam cada

perfil. Este apêndice reporta-se, portanto, à discussão realizada no item 3.3.1, no

qual abordamos as estratégias de competição por serviços diferenciados.

Imaginemos a situação hipotética de uma denominação qualquer, como,

por exemplo, a Igreja Católica, na qual o conjunto total dos fiéis pudesse ser

segmentado em dois grandes grupos142: um com perfil mais tradicional e outro

com perfil mais carismático, cujos graus de satisfação são representados no

gráfico, respectivamente, pelas curvas tS e cS .

142 Evidentemente, a segmentação dos fiéis em dois grupos atende caráter meramente hipotético, servindo exclusivamente para fins de análise teórica. Na prática, reconhecemos a existência de n perfis passíveis de uma construção tipológica e, portanto, a maior complexidade em se tratar a estratégia de segmentação nos termos aqui propostos, ainda que viável.

Page 146: O Oligopólio Da fé (PT_BR)

133

No diagrama, o eixo horizontal representa o grau de tradicionalismo ou

carisma que se associa com o composto de serviços secundários derivados do

produto principal da religião. Em termos práticos, consideremos, por exemplo, na

extremidade esquerda deste eixo, a presença de elementos muito tradicionais,

tais como – mantendo-se a Igreja Católica como exemplo – “missa em latim” e

“padre de costas para a congregação”. Analogamente, na extremidade direita do

eixo horizontal, podemos considerar elementos ditos mais carismáticos, tais como

“falar em língua desconhecidas” e “rituais de cura”. Desta forma, consideremos o

eixo horizontal como um conjunto gradiente de composições eclesiásticas finitas,

que variam do tradicional extremo ao carismático extremo, sem que, no entanto, a

identidade da denominação religiosa seja prejudicada a qualquer dos níveis

possíveis. Isto é, sejam os serviços religiosos prestados pela Igreja Católica

considerados mais carismáticos ou mais tradicionais, a igreja mantém sua

identidade católica.

Assim, as curvas tS e cS correspondem, portanto, ao percentual de

satisfação dos fiéis de cada um dos dois perfis aqui teoricamente analisados

(mais tradicionais ou mais carismáticos, respectivamente), indicado no eixo

vertical ( S ), em função do grau de tradicionalismo ou carisma da composição de

serviços eclesiais adotada pela denominação. Consideraremos ainda que, à

esquerda da origem, a denominação é dita tradicional; assim como à direita, é

considerada carismática. Desta forma, o elemento θ corresponde ao grau de

tolerância máximo de cada um dos grupos à adoção de serviços religiosos cujo

gênero (tradicional ou carismático) difere da opção prioritária. Ou seja, cθ é o grau

de tradicionalismo máximo tolerado pelo grupo de perfil carismático; à esquerda

deste ponto, não existe possibilidade de satisfação deste grupo de fiéis. A mesma

lógica se aplica ao grupo mais tradicional.

O ponto A , traduzido num composto particular de elementos eclesiais –

neste caso mais carismáticos do que tradicionais –, expressa as condições de

satisfação de cada grupo de fiéis, assumindo-se que a denominação limita a

prestação de seus serviços somente aos elementos correspondentes a este

ponto; ou seja, é especializada num produto cujos elementos de composição

possuem grau de carisma igual a A . Neste ponto, evidentemente, o grupo de fiéis

Page 147: O Oligopólio Da fé (PT_BR)

134

predominantemente demandantes de serviços mais carismáticos se encontra

mais satisfeito do que os fiéis mais tradicionais ( At

Ac SS > ).

Alternativamente, os pontos B e 'B sugerem a condição de segmentação

dos fiéis de acordo com os perfis (mais tradicionais e mais carismáticos),

prestando-lhes serviços diferenciados e, portanto, especializados nos segmentos

aos quais se destinam. Na prática, esta situação pode ser representada, por

exemplo, pela manutenção de dois templos pela mesma denominação; um no

qual os elementos eclesiais mais tradicionais são predominantes ( B ), e outro,

mais carismático ( 'B ). Segmenta-se, portanto, os fiéis de acordo com os perfis,

prestando-lhes serviços diferenciados e, consequentemente, oferecendo-lhes

maior grau de satisfação.

Finalmente, se pensarmos no número de fiéis como função do grau de

satisfação que se oferece ao nível determinado de qualificação dos serviços

prestados, a diferenciação dos serviços ao nível da denominação, e conseqüente

segmentação dos fiéis de acordo com os perfis correspondentes, permite que as

instituições religiosas protejam ou mesmo aumentem suas fatias de mercado.

Neste contexto, são válidos os esforços de tolerância entre tendências

antagônicas, como a Teologia da Libertação e a Tradição Família Propriedade

para a Igreja Católica; tanto quanto as estratégias mais calculistas, pela prestação

de atendimento religioso com foco em demandas específicas, a saber, solução de

problemas de saúde, financeiros, no amor, com os filhos, etc.