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878 O PENSAMENTO SOCIAL ECONÔMICO EM ALIOMAR BALEEIRO The social-economic thinking in Aliomar Baleeiro Homero Chiaraba Gouveia Universidade Federal da Bahia/CAPES 1 Programa de Pós Graduação em Direito [email protected] RESUMO A pesquisa tem por objetivo investigar as influências que contribuíram para a construção do pensamento desenvolvimentista de Aliomar Baleeiro. Resgatando alguns de seus escritos sobre as ciências das finanças, o estudo busca reconstruir o caminho traçado por este que é um dos mais importantes nomes da ciência das finanças brasileiras, a fim de compreender a importân- cia que a sociologia e a ciência das finanças do estado francesa teve na construção do nacional desenvolvimentismo nas ideias deste personagem. Considerando a influência que este viria a ter ao longo de sua vista, primeiramente como um quadro orgânico da União Democráti- ca Nacional - UDN, e posteriormente como ministro do Supremo Tribunal Federal – STF e conselheiro pessoal do primeiro governante chefe de executivo da Ditadura Militar - General Camilo Castelo Branco. Através da pesquisa bibliográfica e da leitura estrutural de sua obra a pesquisa encontra, com especial importância, na escola sociológica francesa dos pensadores Émile Durkheim, Leon Duguit e Gaston Jèze, as bases de um pensamento jurídico, social e econômico que acaba por compor na obra do Professor Aliomar Baleeiro as bases do que nesse estudo se define como “nacional desenvolvimentismo elitista”, cujas principais características constituem-se no corolário que ao longo das décadas de 1970 e 1980 marcou a desastrosa polí- tica econômica conhecida como “deixar o bolo crescer para depois dividir”. Palavras-Chave: Desenvolvimentismo, Finanças, Direito financeiro; INTRODUÇÃO Não há ainda uma biografia consistente sobre Aliomar Baleeiro (1905-1978). Os melho- res levantamentos existentes que, no entanto, nos permitem ter uma noção geral da importância desta figura para a reconstrução do pensamento social e do caminho que nos conduziu ao atual estado de coisas no Brasil estão a cargo do Congresso Nacional (site da Câmara dos Deputa- dos); uma breve, porém detalhada nota bibliográfica introdutória à sua “Memória jurispruden- cial”, organizada pelo Supremo Tribunal Federal (AMARAL JÚNIOR, 2006); e um verbete no “Dicionário histórico-biográfico brasileiro pós-1930” (PAULA E LATTMAN-WELTMAN, 2010). O Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC), da Fundação Getúlio Vargas dispõe ainda e mais de 1500 fontes documentais associadas a Ba- 1 Autor é pesquisador bolsista CAPES na modalidade bolsa doutorado no país.

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O PENSAMENTO SOCIAL ECONÔMICO EM ALIOMAR BALEEIROThe social-economic thinking in Aliomar Baleeiro

Homero Chiaraba Gouveia

Universidade Federal da Bahia/CAPES1

Programa de Pós Graduação em [email protected]

RESUMOA pesquisa tem por objetivo investigar as infl uências que contribuíram para a construção do pensamento desenvolvimentista de Aliomar Baleeiro. Resgatando alguns de seus escritos sobre as ciências das fi nanças, o estudo busca reconstruir o caminho traçado por este que é um dos mais importantes nomes da ciência das fi nanças brasileiras, a fi m de compreender a importân-cia que a sociologia e a ciência das fi nanças do estado francesa teve na construção do nacional desenvolvimentismo nas ideias deste personagem. Considerando a infl uência que este viria a ter ao longo de sua vista, primeiramente como um quadro orgânico da União Democráti-ca Nacional - UDN, e posteriormente como ministro do Supremo Tribunal Federal – STF e conselheiro pessoal do primeiro governante chefe de executivo da Ditadura Militar - General Camilo Castelo Branco. Através da pesquisa bibliográfi ca e da leitura estrutural de sua obra a pesquisa encontra, com especial importância, na escola sociológica francesa dos pensadores Émile Durkheim, Leon Duguit e Gaston Jèze, as bases de um pensamento jurídico, social e econômico que acaba por compor na obra do Professor Aliomar Baleeiro as bases do que nesse estudo se defi ne como “nacional desenvolvimentismo elitista”, cujas principais características constituem-se no corolário que ao longo das décadas de 1970 e 1980 marcou a desastrosa polí-tica econômica conhecida como “deixar o bolo crescer para depois dividir”.

Palavras-Chave: Desenvolvimentismo, Finanças, Direito fi nanceiro;

INTRODUÇÃONão há ainda uma biografi a consistente sobre Aliomar Baleeiro (1905-1978). Os melho-

res levantamentos existentes que, no entanto, nos permitem ter uma noção geral da importância desta fi gura para a reconstrução do pensamento social e do caminho que nos conduziu ao atual estado de coisas no Brasil estão a cargo do Congresso Nacional (site da Câmara dos Deputa-dos); uma breve, porém detalhada nota bibliográfi ca introdutória à sua “Memória jurispruden-cial”, organizada pelo Supremo Tribunal Federal (AMARAL JÚNIOR, 2006); e um verbete no “Dicionário histórico-biográfi co brasileiro pós-1930” (PAULA E LATTMAN-WELTMAN, 2010). O Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC), da Fundação Getúlio Vargas dispõe ainda e mais de 1500 fontes documentais associadas a Ba-

1 Autor é pesquisador bolsista CAPES na modalidade bolsa doutorado no país.

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leeiro em seu acervo, aguardando para serem exploradas.Enquanto teórico e acadêmico não é raso em sua complexidade – refl ete as contradi-

ções próprias do pensamento brasileiro da primeira metade do século XX. Tendo frequentado o curso de direito entre os anos de 1921-1925, sofre grande infl uência da escola sociológica francesa. Ao lado de Nestor Duarte, Nelson Sampaio, Josaphat Marinho e Machado Neto - an-tes do Egologismo, compõe uma geração de juristas baianos que fazem da teoria do fato social de Émile Durkheim e do publicismo de Leon Duguit a base para um pensamento jurídico que não se alinha nem à exegese positivista do Largo de São Francisco, tampouco ao germanismo antropofágico recifense.

Quadro do partido social democrata nos anos 1930 (PAULA E LATTMAN-WELT-MAN, 2010), este período de sua vida emerge discretamente em sua obra, sob ocasionais re-ferências eptídicas à Max Weber (BALEEIRO,1967; 1976); seja pela discreta utilização de conceitos lassaleanos para “temperar” – em seu próprio dizer - a tese defendida em plenário da OAB por Josaphat Marinho “Compatibilidade do orçamento cíclico e da planifi cação com a Constituição de 1946” (MARINHO, 1953).

Torna-se udenista ainda durante o primeiro governo Vargas. Vai além de um simples quadro, funda a seccional baiana do partido em seu próprio escritório de advocacia. Faz oposi-ção a todos os governos que se seguem, engajando-se no Congresso Nacional a partir da cons-tituinte que elabora a Constituição de 1946. Durante o governo Jango, torna-se protagonista de eventos associados ao Golpe Militar de 1964. Em 1966 assume um lugar junto ao Supremo Tribunal Federal, onde permanece até 1975, quando se aposenta.

Neste estudo duas obras são utilizadas como porta de entrada ao pensamento de Aliomar Baleeiro: “Cinco aulas de fi nanças e política fi scal” (BALEEIRO, 1959) e “Uma introdução à ciência as fi nanças” (1958, 1976). A partir daí são resgatados alguns outros estudos de Baleeiro que permitem reconstruir um panorama do quadro ideológico e teórico deste que é um dos mais infl uentes autores do direito tributário brasileiro.

DAS CIÊNCIAS DAS FINANÇAS AO DIREITO TRIBUTÁRIO: UMA BREVE REVI-SÃO DA OBRA DE ALIOMAR BALEEIRO

A construção de uma ciência das fi nanças é ponto central no pensamento de Baleeiro. E não por acaso. Sua carreira acadêmica se inicia na Universidade Federal da Bahia através da Faculdade de Ciências Econômicas (AMARAL JÚNIOR, 2006).

Seus trabalhos iniciais não têm relação com o direito fi nanceiro ou com o que chama de ciência das fi nanças. Sua tese de habilitação tem como tema a liberdade provisória (BALEEI-RO, 1926); e seu trabalho seguinte envereda pelo direito comercial (BALEEIRO, 1932).

É a partir de 1938 que o direito público e as fi nanças públicas passam a compor seu repertório acadêmico, com “O imposto sobre a renda: prática, doutrina e legislação” (BALE-EIRO, 1938). Em 1939 defende a tese “A tributação e a imunidade da dívida pública”, para concorrer à cátedra de Ciências das Finanças na Faculdade de Direito da Bahia, quando então passa a integrar o quadro daquela faculdade. Desta forma, em 1950 Aliomar Baleeiro é respon-sável por avaliar a tese intitulada “Compatibilidade do orçamento cíclico e da planifi cação com

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a Constituição de 1946” (MARINHO E BALEEIRO, 1953), apresentada por Josaphat Marinho na Ordem dos Advogados do Brasil. A sua análise, que fora publicada junto com a tese em uma separata. Neste escrito, destacam-se dois pontos que serão recorrentes em seu pensamento: a infl uência de John Keynes e o papel das fi nanças públicas no desenvolvimento econômico e social.

Esta primeira aproximação com o direito público ainda rede um de seus livros mais famosos – “Limitações constitucionais ao poder de tributar” (BALEEIRO, 1952), um estudo sobre a atuação de Rui Barbosa no Ministério da (idem, 1954) e dois pequenos textos que são esclarecedores sobre sua concepção de sociedade e sobre o papel das elites (idem,1953; 1954b).

A partir dos anos 1950 Baleeiro começa a construir uma concepção de ciência das fi nan-ças, que não vê o direito tributário como algo apartado. Assim, sua primeira edição de “Uma introdução à ciência das fi nanças” (BALEEIRO, 1958), publicada em dois volumes, traz em seu conteúdo os pontos que, posteriormente serão considerados os fundamentos do direito tri-butário – como a fato tributário, a formação do tributo e a regulação constitucional e legal do tributo.

Em 1959 Baleeiro é convidado por Pinto de Aguiar a participar de um curso de extensão organizado na Faculdade de Ciências Econômicas da UFBA, sob o título Curso de Desenvolvi-mento Econômico. Participaram deste curso nomes como Celso Furtado, Milton Santos, Oscar Caetano, Nelson Sampaio entre outros. O resultado deste curso é publicado em 1959 em uma coleção, sob o título “Cinco aulas de fi nanças e políticas fi scal”, cujo o conteúdo corresponde bastante aos primeiros capítulos da “Introdução à ciência das fi nanças”.

A partir de 1966 passa a ocupar uma cadeira no Supremo Tribunal Federal. Sua nomea-ção se dá como recompensa por sua participação no movimento militar de 1964. Entusiasta de primeira hora, passa a adotar postura crítica ao regime após o AI-5, segundo a interpretação de Amaral Júnior (2006). Contudo, não é de deixar de se notar em “O Supremo Tribunal Federal, êsse outro desconhecido” (BALEEIRO, 1968) sua ode às elites políticas deste país, que no exercício de seu ideal civilizatório comandaram a “revolução de 1964”, para garantir o desen-volvimento do Brasil.

A promulgação do Código Tributário Nacional refl ete também em sua produção, que começa a partir de então a dar mais ênfase ao Direito Tributário. Em 1970 é lançado a primeira edição de “Direito Tributário Brasileiro”; em 1974 uma terceira edição revisada de “Limitações constitucionais”. Em 1977 por fi m vem o “Tratado de direito tributário”, sendo sua última obra de peso publicada.

O LUGAR DO ECONÔMICO E DO SOCIAL EM BALEEIRO: UM NACIONAL-DE-SENVOLVIMENTISMO ELITISTA?

A ciência das fi nanças de Baleeiro é dividida em quatro partes: uma teoria das despesas públicas; receitas públicas; orçamento estatal e crédito público. Uma introdução epistemológi-ca (que ele não considera exatamente uma parte do campo) fornece as bases epistemológicas

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para a coesão do seu sistema de pensamento. Três elementos podem ser destacados em sua construção epistemológica. O primeiro, mais evidente é a transdisciplinaridade, a todo o tempo valorizada pelo autor. O segundo é o nacional-desenvolvimentismo que dá o tom de seu dis-curso, tanto nas “Cinco aulas de fi nanças e política fi scal” quanto na “Introdução à ciência das fi nanças”. O terceiro, mais sutil, porém não menos determinante – e que emerge nos poucos momentos em que Baleeiro se permite afastar da neutralidade axiológica, é o papel das elites para o progresso da sociedade.

A transdisciplinaridade exprime a busca de uma conciliação entre o político, o social, o econômico e o jurídico na busca da compreensão do fenômeno fi nanceiro. Estes corresponde-riam ao emprego técnicas de obtenção e emprego dos meios materiais e serviços para a reali-zação dos fi ns do Estado (BALEEIRO, 1976). Assim busca em Seligman (1926), o que chama de teoria social das fi nanças. Também em Jèze (1928), a complexidade política da política fi scal. A infl uência da escola sociológica francesa em Baleeiro defi nitivamente se faz notar pela construção dos conceitos de necessidades públicas e serviço público a partir das ideias de Leon Duguit (1928).

A atenção que Baleeiro dá à consolidação das ciências das fi nanças na América Latina também é de destaque, mapeando o debate a seu tempo no Chile, México, Argentina, Equador, Uruguai, Bolívia. Além de um importante resgate da construção no Brasil desde 1841, recupe-rando inclusive o momento em que a disciplina passa a integrar o currículo dos cursos de direito no país (BALEEIRO, 1976).

A mais importante marca da interdisciplinaridade da ciência das fi nanças de Baleeiro está, no entanto, em sua construção metodológica. Buscando contemplar a complexidade do fenômeno fi nanceiro. Destaca a importância da empiria e do método estatístico para a ciência das fi nanças, sem deixar de dar espaço ao que chama de ontologia das fi nanças públicas, que proporciona também uma dimensão qualitativa para o estudo. Mas é na relação dialética entre estrutura e conjuntura que reside o coração de sua metodologia.

O autor não é muito preciso na defi nição de estrutura, defi nindo-a mais pelos efeitos do que pela essência, como em “um modo de conceber a estrutura possivelmente será o de integrar nela tudo quanto há de permanente na morfologia e fi siologia econômicas” (BALEEIRO, 1959, p.66). E em oposição à estrutura, conceito a conjuntura como a situação econômica, que varia de forma mais rápida e imprevisível que a estrutura (BALEEIRO, 1976). Concebendo assim, em uma leitura livre da obra, a estrutural como um princípio da permanência, e a conjuntura como um princípio da mutabilidade, a realidade socioeconômica seria o fruto da permanente tensão entre estas duas forças: uma resistindo à, e outra provocando a mudança. A estrutura seria o perene enquanto a conjuntura, o impermanente.

A dimensão ontológica das ciências das fi nanças – que possibilita uma refl exão qua-litativa da realidade socioeconômica – tem por objetivo defi nir através das políticas fi scais objetivos estruturais a serem atingidos pelo Estado. Eventualmente, nos países de economia não desenvolvido (lembrando que o Brasil estava no início do processo de industrialização) a política fi scal “pode concorrer ao lado de outras medidas econômicas e institucionais, para solução racional dos problemas típicos desses países atrasados, do mesmo modo que também concorre para intervenções do Estado com o objetivo de controlar as tendências cíclicas em prol

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de relativa estabilidade” (BALEEIRO, 1976, p.63).Os quatro campos que compõem a ciência das fi nanças – receitas, despesas, orçamento

e crédito público – constituem instrumentos através dos quais o Estado interviria na conjuntura econômica a fi m de garantir a estabilidade nos países desenvolvidos, ou alterar as estruturas socioeconômicas nos países não desenvolvidos.

Com efeito, a noção de desenvolvimento ganha importância dentro do quatro teórico-metodológico apresentado. Quando apresenta sua noção de desenvolvimento, busca elementos da economia para fazê-lo. Assim, apresenta como indicadores do desenvolvimento a renda per capta, média de consumo por habitante, nível de industrialização, a distribuição da mão de obra pelos setores econômicos, entre outros (BALEEIRO, 1976).

Baleeiro estabelece ainda uma relação entre o desenvolvimento e a estrutura. Sendo a estrutura “aquilo que permanece”, naturalmente em um país desenvolvido, esta condição seria perceptível em suas estruturas. Da mesma forma, a ausência ou a não correspondência destas estruturas à padrões vistos como “desenvolvidos”, seriam indícios do subdesenvolvimento.

Nesse sentido, e só nele, a conjuntura poder-se-á opor à estrutura. Infl acionária ou em depressão, o Brasil é um país de vasta área tropical e subtropical, cuja população, em cerca de 50% analfabeta, trabalha na maior parte em atividades rurais, usando técnicas rudimentares e auferindo delas magros resultados que se exteriorizam na baixa produ-tividade, na ínfi ma renda per capta, no escasso teor de bem-estar fora de certas classes das grandes cidades. Por isso mesmo, os índices de saúde, duração média da vida humana, cultura científi ca, literária, artística, política e tecnológica não se apresentam brilhantes, doendo à nossa hiperestesia de povos novos palavras de dura sinceridade proferidas por estrangeiros, como as de Lord Bryce, depois de nos visitar há 40 anos.Se desaparecêssemos do mundo com os nossos 60 e pouco milhões de habitantes pouca memória restaria de nossa contribuição ao progresso das ciências, das artes, da técnica, enfi m das conquistas positivas da civilização.Tudo isso caracteriza nossa condição de povo subdesenvolvido e dá cunho emocional ao contemporâneo impulso das elites brasileiras em busca da suspirada maturidade econômica e política (BALEEIRO, 1959 p. 66-67).

O interessante desta relação entre desenvolvimento e estrutura evidencia uma determi-nada concepção herdeira do positivismo, em que o progresso e o próprio “grau de civilização” é medido pelos monumentos de um determinado povo – sobretudo quando ele ressalta que se os brasileiros desaparecessem nada de memorável restaria de contribuição (interessante que ele faz esta afi rmação em um momento em que Gilberto Freyre, Sérgio Buarque, Tales de Azevedo, Anísio Teixeira e Oswaldo Cruz já haviam conquistado reconhecimento internacional em suas respectivas áreas). Essa ideia de progresso enquanto capacidade de produzir monumentos (ou como ele chama, conquistas positivas da civilização, e que poderiam ser chamados de monu-mentos da modernidade), faz todo sentido dentro daquela ideia de “deixar o bolo crescer para depois dividir”, que rege a política econômica nacional-desenvolvimentista durante a Ditadura Militar.

Uma consequência desta ideia de desenvolvimento – não explícita, porém latente – é a permanência da velha ideia integralista, tão cara às nossas elites, de que cada classe tem seu

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papel na sociedade. Para que o progresso seja possível, portanto é necessário que a ordem entre as classes seja mantida, garantido que cada órgão do corpo político faça seu papal – o proletá-rio produza, o burocrata gerencie, e a elite dirija. As estruturas socioeconômicas, nesta visão, poderiam ser compreendidas como as próprias ordens de vida que possibilitam a execução da função e a reprodução da classe; por outro lado as conjunturas poderiam ser vistas como as in-tempéries naturais ou sociais que perturbam e ameaçam esta ordem. Poderia ser uma seca, uma guerra, ou uma disfuncionalidade das próprias classes, como um ataque especulativo do capital, relações patrimonialistas e clientelistas entre os tecnocratas, ou um movimento reivindicatório do operariado. E aí está, enfi m, a governamentalidade característica do Estado brasileiro, que Santos (1998) identifi ca como cidadania regulada.

CONCLUSÃO

Estudar o pensamento de Baleeiro é um bom desafi o metodológico. Isto porque uma característica marcante de sua escrita é a fi delidade à neutralidade axiológica. Buscando passar na maior parte do tempo uma linguagem técnica, impessoal e equidistante da realidade social para seu leitor, opiniões e manifestações políticas não são tão evidentes em seus escritos. Uma forma, portanto, de analisar seu pensamento consiste na análise de seu olhar – ou seja, daquilo que o autor comenta e daquilo que opta por ignorar.

Não há na obra de Baleeiro uma concepção fácil do social e do econômico. A riqueza de sua obra consiste na abordagem transdisciplinar que busca construir ao estabelecer as bases de sua ciência das fi nanças. Não concebe o autor uma ciência das fi nanças que não congregue o direito, a economia e a sociologia para o entendimento das fi nanças do Estado.

Sua obra representa o pensamento de uma elite brasileira e nordestina que muita infl u-ência exerceu no direito, na política e na economia brasileiras entre as décadas de 1940 e 1980. Este pensamento é bem presentado pelo famoso brocardo “deixar o bolo crescer primeiro para depois dividir”.

Pensar os intelectuais desta elite como um conjunto de oligarcas mesquinhos que ti-veram por único objetivo a obtenção de seus interesses patrimoniais é reduzir por demais a complexidade dessas pessoas, impondo uma interpretação eurocêntrica e vilanesca à história do Brasil. É também subestimar a força de uma elite muito consciente do seu papel e do seu projeto de nação, e muito preparada intelectual e culturalmente para exercê-lo. Tanto o PSDB quanto o PT quanto estiveram no poder cometeram este erro.

As estruturas criadas pela elite intelectual brasileira do século XX ainda estão presentes em nossa sociedade. Muito da crise política pela qual passamos pode ser creditado à inca-pacidade dos governos democráticos de avaliar integralmente as consequências ideológicas e culturais do projeto de nação gestado entre as duas ditaduras brasileiras do século XX. Estudar e compreender o pensamento de personalidades como Aliomar Baleeiro é um caminho sem dúvida interessante para começar a desatar este Nó Górdio no qual se tornou o futuro da demo-cracia brasileira.

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