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Universidade Estadual de Maringá 12 a 14 de Junho de 2013 1 O PRAGMATISMO E O UTILITARISMO NA EDUCAÇÃO ESTADOUNIDENSE NAS PRIMEIRAS DÉCADAS DO SÉCULO XIX GALIANI, Claudemir (UEM) MACHADO, Maria Cristina Gomes (Orientadora/UEM) Introdução Este artigo analisa a construção do sistema educacional estadounidense nas primeiras décadas do século XIX e a articulação das propostas educacionais com a formação de um novo “tipo de homem americano”: defensor de um Estado republicano e apto para o trabalho especializado, quer na condição de proprietário e empreendedor de investimentos pessoais, quer na condição de proletário e eficiente nas ocupações e tarefas designadas pelos proprietários de sua força de trabalho. Neste processo de construção, observa-se um debate intenso que envolve os defensores de um processo de escolarização, sem a intervenção pública, mas voltado para a instituição da República Federativa e, de outro lado, os defensores de um processo de escolarização, com investimentos públicos, voltado para a consolidação da Federação. Neste contexto de formação do Estado americano, a sociedade iniciava um rápido processo de transformação entre as relações de produção manufatureira para a produção industrial, e os interesses na forma de acumulação capitalista entre produtores do setor agrícola e do setor industrial eram divergentes. Essas divergências evidenciavam várias contradições, entre as quais, a parcialidade da representação democrática, que excluía os trabalhadores, tanto dos setores agrícolas, quanto dos setores industriais. E que, portanto, acirravam uma luta de classes intensa. Essa luta de classes é percebida em pelo menos três dimensões diferentes e opostas: a dos proprietários dos meios de produção no setor industrial em relação aos

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O PRAGMATISMO E O UTILITARISMO NA EDUCAÇÃO

ESTADOUNIDENSE NAS PRIMEIRAS DÉCADAS DO SÉCULO

XIX

GALIANI, Claudemir (UEM)

MACHADO, Maria Cristina Gomes (Orientadora/UEM)

Introdução

Este artigo analisa a construção do sistema educacional estadounidense nas

primeiras décadas do século XIX e a articulação das propostas educacionais com a

formação de um novo “tipo de homem americano”: defensor de um Estado republicano

e apto para o trabalho especializado, quer na condição de proprietário e empreendedor

de investimentos pessoais, quer na condição de proletário e eficiente nas ocupações e

tarefas designadas pelos proprietários de sua força de trabalho.

Neste processo de construção, observa-se um debate intenso que envolve os

defensores de um processo de escolarização, sem a intervenção pública, mas voltado

para a instituição da República Federativa e, de outro lado, os defensores de um

processo de escolarização, com investimentos públicos, voltado para a consolidação da

Federação.

Neste contexto de formação do Estado americano, a sociedade iniciava um

rápido processo de transformação entre as relações de produção manufatureira para a

produção industrial, e os interesses na forma de acumulação capitalista entre produtores

do setor agrícola e do setor industrial eram divergentes. Essas divergências

evidenciavam várias contradições, entre as quais, a parcialidade da representação

democrática, que excluía os trabalhadores, tanto dos setores agrícolas, quanto dos

setores industriais. E que, portanto, acirravam uma luta de classes intensa.

Essa luta de classes é percebida em pelo menos três dimensões diferentes e

opostas: a dos proprietários dos meios de produção no setor industrial em relação aos

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proletários; a dos proprietários dos meios de produção no setor agrícola (fazendeiros)

em relação aos escravos; a dos proprietários dos meios de produção do setor industrial

em relação aos proprietários dos meios de produção agrícola (fazendeiros).

Os proprietários dos meios de produção no setor industrial eram defensores de

um modelo econômico liberal nos moldes do “laissez faire e laissez passer”, e

defendiam a abolição do trabalho escravo e a extensão a todo território do trabalho

assalariado. Acreditavam que, desta forma, haveria uma maior circulação de dinheiro no

território e isso garantiria a expansão industrial e a mercantilização dos seus produtos.

Em relação ao trabalho assalariado não havia a defesa de uma regulamentação sobre

jornada de trabalho, condições de trabalho, valores definidos nas mais diversas

categorias de trabalhadores, enfim, defendiam a livre negociação desde que esta

beneficiasse os proprietários dos meios de produção (burguesia industrial).

Os proprietários dos meios de produção no setor agrícola eram defensores de um

modelo econômico que permitisse a liberdade de venda sem taxações alfandegárias, sem

restrições econômicas e sem fixação de valores, mas ao mesmo tempo exigia garantias

na legislação sobre as suas propriedades territoriais e humanas (escravos), exigia

garantias na legislação de que os preços de seus produtos não oscilassem na

concorrência nacional e internacional, e, exigia em legislação que a Federação liberasse

valores monetários de incentivo à produção. Há uma caracterização contraditória dos

pressupostos econômicos, ou seja, em relação a mercantilização dos produtos os

fazendeiros do sul eram liberais, mas em relação a produção eram protecionistas e

monopolistas. Em relação ao trabalho escravo, eram contrário a qualquer ideia

abolicionista. Consideravam o trabalho escravo como garantia no acúmulo de riquezas e

na perpetuação da propriedade.

De acordo com Dewey, esta concepção revelava-se um tanto quanto estática e

antiga visto que se prendia às posses e propriedades. A nova concepção se constituía

mais dinâmica, a medida que,

Estava empenhada em liberar a produtividade e a troca do complexo emaranhado de restrições que tinham então força de lei. O inimigo já não era a atuação arbitrária dos governantes. Era todo o sistema de lei comum e de prática judiciária em sua oposição à liberdade de

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trabalho, de investimento e de troca ou comércio. (DEWEY, 1970, p.19-20).

Essas divergências permitem concluir que o capitalismo em meados do século

XIX apresentava contradições evidentes e que refletia diretamente na construção das

sociedades, em especial, na sociedade estadounidense. Essas contradições de ordem

econômica se refletiam na estrutura política e social e provocavam divergências de

grande intensidade, acirrando a oposição entre abolicionistas e escravocratas;

democratas e republicanos; produção agrícola e produção industrial; hábitos e modos de

vida rural e urbano. Essas divergências se refletiam no estabelecimento de sistemas de

educação pública nos vários Estados. De acordo com Cubberley (1920, p. 676), “[...]

Essa luta envolvia diretamente políticos liberais e os trabalhadores, e, contra, os

conservadores e eclesiásticos.” Em meio a essas divergências, era necessário instituir

um modo de vida com vistas a conciliação, para tanto era necessário formar um “novo

tipo de homem americano”.

Esse novo “tipo de homem americano” teria que ser atuante nas questões

políticas, ser participativo e tomar decisões, e ao mesmo tempo, manter-se produtivo

pelo trabalho, isto é, produzir riquezas para si mesmo e para a nação. É neste novo

contexto que se inserem as tentativas de construção de um sistema nacional de ensino

nos Estados Unidos.

A construção do sistema educacional vinculada a construção da nacionalidade

estadounidense, vincula-se a alguns princípios liberais comuns, tais como a defesa da

liberdade, da autonomia, da democracia, da igualdade, regidas por um sistema de

governo republicano que tenta assegurar a unidade nacional pela via da

descentralização, isto é, sem o controle rígido do Estado.

Uma das questões que se põe nesse processo é justamente o fato de que a

implantação de escolas comuns nos Estados Unidos nas primeiras décadas do século

XIX estavam destinadas aos menos favorecidos, aos desvalidos, aos pobres, enfim, aos

excluídos materialmente da sociedade. Portanto, a escola comum se identificava como

instituição de prática caritativa, semelhante a caridade de espírito cristão que se

desenvolvia nas escolas congregacionalistas ou religiosas. Com as novas exigências

impostas pelo processo de produção industrial, esta concepção é gradativamente

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alterada, e um dos mediadores neste processo de mudança de concepção, foi exatamente

Horace Mann, que vislumbrava um modelo educacional que atendesse às novas

demandas sociais e, sobretudo, despertasse um sentimento de nacionalidade que

incluísse privilegiados e não privilegiados. A defesa de uma escola comum para todos

significava neste momento da história americana, a reafirmação dos princípios de

igualdade e liberdade, contribuindo para o estabelecimento de uma ordem e um controle

social. Assim, as lutas de classes provocadas pelas diferenças econômicas e sociais, se

tornavam veladas em função da distribuição de direitos iguais e livres.

É neste contexto que a construção do sistema educacional norte-americano se

insere, assim é importante indagar, neste momento, qual é a função social da escola e,

em especial, a quais interesses ela defende ou ela preserva? Quais os mecanismos

conciliatórios ou divergentes se põem neste momento de implantação das escolas

comuns? E ainda, qual foi o papel do Estado americano neste processo? Essa questão é

de suma importância, tendo em vista que as escolas comunitárias e as iniciativas

privadas não foram desprezadas, ao contrário, foram mantidas e passaram a coexistir

com a iniciativa pública.

Na tentativa de responder essas indagações, esta pesquisa apresenta algumas

considerações sobre a atuação de alguns líderes políticos defensores da escola pública e

tem como documento norteador, o“Report of the Commissioner of Education for the

year 1896-97”, publicado em dois volumes, pela Imprensa Oficial do Governo dos

Estados Unidos em 18981. Nesta análise, será utilizado o relatório contido no primeiro

volume, de autoria de Mayo2.

1 Editado e publicado oficialmente pelo Departamento Nacional de Educação no ano de 1898, esse documento nos seus dois volumes, contém um conjunto de relatórios minunciosos e abrangentes de todo o processo educacional no território norte-americano, incluindo, alunos matriculados, número de professores, localização e currículos. Investimentos e gastos das escolas, formas de administração, análises de material didático, relatórios de superintendentes e diretores no setor educacional, enfim, bastante abrangente e foram organizados anualmente e disponibilizados a toda a comunidade interessada. Cabe destaque e agradecimento a Jéssica Mendonça Dias e Gabriela Bruschini Grecca que traduziram o material usado nesse artigo e que foi, posteriormente, revisado por Claudemir Galiani (UEM). 2Amoy Dwight Mayo (1823-1907) nasceu em Warwick, Massachusetts. Liderou a defesa de uma Emenda, que defendia um dispositivo Constitucional o direito de ensinar a Bíblia na escola pública. Promoveu a educação nos Estados do Sul por meio de palestras e aconselhamentos junto a educadores e líderes religiosos. Atuou como editor associado do New England Journal of Education e como editorialista chefe do Jornal Nacional de Educação. Dedicou-se a escrever a história das escolas comuns

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O texto está dividido em duas partes. Na primeira destacamos alguns autores

americanos que contribuíram para difundir a escola pública.Na segunda parte

enfatizamos a atuação de Horace Mann.

1. Os primeiros precursores da educação pública nacional estadounidense.

Inseridos num contexto de transição na forma e na organização da produção

capitalista, os precursores da educação pública, acenavam constantemente para um

modelo educacional que eliminasse os resquícios da influência metropolitana do período

colonial. Isto porque, durante o período colonial, os empreendimentos educacionais

tinham sido predominantemente organizados pelas instituições religiosas, tanto de

orientação católica, quanto de orientação calvinista. Este sistema de ensino de cunho

descentralizado, comunitário e congregacional, foi estabelecido de acordo com as

necessidades, especificidades e características de cada território. Tanto a Coroa Inglesa,

em tempos de colônia, quanto o Estado Republicano, após a independência,

asseguravam a estas instituições liberdade organizacional e pedagógica.

Essa atuação, quase que inexpressiva do Estado, pode ser observada na

legislação, como é o caso da Declaração de Independência e a Constituição de 1786,

que, segundo Gutek, (1995, p. 175), “ [...] não continha nenhuma referência específica à

educação”. Para este autor, “[...] A tradição persistente de controle local e do medo do

poder político centralizado contribuiu para um sistema de ensino descentralizada nos

Estados Unidos. O apoio educativo sem o controle do Estado, preservaria os princípios

democráticos aferidos na Constituição.” (GUTEK, 1995, p.175).

A instituição de um processo de escolarização nacional no período pós-

independência, na concepção de alguns líderes políticos estava vinculada a manutenção

da ordem social e a preservação dos ideais republicanos, conforme afirma Gutek (1995,

da América, trabalho este que ficou incompleto por conta de sua morte. Seu nome é citado nos manuais e documentos como professor e defensor da escola pública. Nas suas palestras defendia reformas educacionais e a escolarização de negros e brancos pobres. Dentre as suas publicações se destacam: “Símbolos da Capital, ou, Civilização, em Nova York” (1859); “Religião nas Escolas Comuns” (1869); “A Bíblia nas escolas públicas”, com Thomas Vickers (1870); “As conversas com os professores” (1881); “Aprendizagem Industrial no Sul” (1888); “As mulheres do sul no recente movimento educacional no Sul” (1892). Extraído de: http://en.wikipedia.org/wiki/Amory_Dwight_Mayo, consulta realizada dia 11/02/2013, às 11 horas

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p. 176), “[...] As primeiras teorias educacionais estavam relacionadas diretamente com

os interesses de preservação de um governo republicano, considerado como primordial”.

As primeiras propostas de educação nacional são atribuídas a Benjamin Rush,

Robert Coram e Samuel Smith. A intenção contida nessas propostas era a de uma

educação apropriada e adequada para a política e a sociedade da nova república. Os

conteúdos deveriam estar voltados para reforçar o patriotismo e o nacionalismo e

equacionar o republicanismo com um pensamento científico. Para estes teóricos, a

educação teria um fim político.

Essa preocupação se evidenciava porque nos anos iniciais do período

republicano, prevalecia alguns resíduos educacionais do período colonial, e isto para a

construção de uma nova nação eram inadequadas, pois poderiam ameaçar as lealdades

nacionais. Neste sentido, o governo republicano passou a exigir um modo diferente de

educação, cuja as ideias e os valores transmitidos exaltassem o sentimento patriótico. É

neste intento que os líderes políticos Benjamin Franklin e Thomas Jefferson

direcionavam o pensamento educacional.

Benjamin Franklin (1706-1790) enfatizava a necessidade de uma educação

básica e utilitária. Sua produção intelectual, segundo Gutek (1995, p.177), “ [...] se

resumia em seus pobres almanaques, que apesar de ser uma literatura simples, era bem

aceito pela classe média americana, por conter alguns valores utilitários de diligência,

economia e trabalho duro, e acima de tudo, valores éticos liberais.” Nesses almanaques,

de acordo com Gutek, (1995, p.177), “[...] continham valores relacionados ao

sentimento religioso e pode ser caracterizado como expressão de um puritanismo

secularizado”.

As propostas educacionais de Franklin continham na análise de Gutek ( 1995, p.

178), “[...] um currículo que priorizava para a juventude o ensinamento da gramática

inglesa, enfatizando uma variedade de assuntos voltados para o comércio e a oratória.”

Esse currículo apontava conteúdos diferenciados para as mais diversas profissões

ensejadas, por exemplo, o médico poderia optar pelo estudo da língua latina, grega e

francesa. A grande inovação metodológica era o currículo recomendado para as classes

comuns que deveriam conter atividades utilitárias como: carpintaria, construção naval,

gravura, impressão, pintura, escultura e jardinagem.

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As propostas de Franklin assumem uma característica classista, voluntarista e

utilitária, mas sem uma sistematização institucional e aparece como um segundo plano

político, sendo o primeiro plano a formação do cidadão livre e patriota via participação

política. Essa mesma característica aparece em Thomas Jefferson (1743-1826), mas há

vários pontos que diferenciam de seu antecessor. As suas propostas educacionais foram

descritas na "Declaração para a difusão geral do Conhecimento" ( 1779) e se destacam

nos seguintes pontos:

“[...] um governo republicano requer uma população educada e alfabetizada; a educação deve cumprir uma função cívica e política, ao invés de religiosa; o Estado tem responsabilidade de promover a adequação educacional; a sociedade democrática deve oferecer oportunidades educacionais para todos, pessoas comuns e líderes talentosos.” (GUTEK,1995, p. 181).

De acordo com o plano de Jefferson, os condados da Virgínia seriam subdividido

em alas, cada uma com uma escola de instrução elementar com o ensino de leitura,

escrita, aritmética e história. Todas as crianças brancas eram obrigadas a frequentar a

escola por três anos, essa escola era financiada pelo Estado com o dinheiro público.

Depois de três anos, os pais poderiam continuar a matricular seus filhos na escola,

entretanto deveriam assumir o pagamento de mensalidades. Nesta proposta, o Estado

mantinha a obrigatoriedade de oferta do ensino básico por apenas três anos e não se

estendia a toda a população, apenas a população branca, isso pelo fato de que os Estados

Unidos era um país escravista e que, portanto, a população negra estava excluída de

qualquer benefício ou projeto educacional.

Thomas Jefferson propôs a criação de vinte escolas de nível secundário na

Virgínia. A seleção para ingresso neste nível era feita por um supervisor do distrito, e

que, segundo Gutek ( 1995, p.183), “[...] Quem não tinha dinheiro para pagar

mensalidades requeria do Estado um auxílio na forma de bolsa.” Neste plano, os mais

capazes receberiam uma educação adicional e ao completar o ensino secundário esses

alunos já estavam aptos para assumir cargos como professores nas escolas de ensino

fundamental. Dentre esses que concluiam, os mais aptos podiam ingressar na Faculdade.

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Esta proposta não foi aprovada na legislação mas, para Gutek (1995, p. 181),

“[...] se constitui como um documento histórico interessante porque fornece alguns

esclarecimentos sobre o pensamento republicano educacional.” Comparado com seus

adversários políticos federalistas, Jefferson parece ser um defensor da educação pública,

mas mantendo as diferenças entre classes. Sua proposta educacional na "Declaração

para a difusão geral do Conhecimento", mostra que ele considerava que a educação

tinha um papel importante na manutenção de uma sociedade republicana. Era um

defensor da seletividade entre os mais aptos, considerados por ele como talentosos e os

menos aptos, o qual era destinada-lhe a educação básica. A educação nos primeiros anos

da República Americana, foram sintetizadas por Gutek da seguinte forma:

As propostas de Franklin, Jefferson, e de outros teóricos do início da era republicana eram tentativas de estabelecer agências de educar as pessoas capazes de realizar as funções necessárias para o governo republicano. Embora muitas das propostas eram vagas e mal definidas, deram provas de que a mudança política interferem diretamente na educação. Eles também indicaram uma mudança de ênfase para as funções sociais e políticas, em detrimento ao sectarismo religioso. As formulações teóricas de Franklin, Rush, Jefferson, Smith e Coram foram indicadores de um sentido republicano de valores. Embora estas propostas não foram implementadas diretamente na legislação, eles lançaram as bases para o desenvolvimento da teoria educacional americana nos anos seguintes. (GUTEK, 1995, p. 182).

Na obra O pensamento vivo de Jefferson (1942, p. 56), John Dewey afirma que

“[...] a continuidade do processo de emancipação foi favorecida por Thomas Jefferson,

que em sua defesa pela causa liberal incluía um sistema de formação e transmissão de

valores necessários para a construção do homem americano e cidadão.” Nessa defesa

incluía a formação de uma consciência nacional e uma concepção de cidadania voltada

para a qualificação para o trabalho e para participação ativa na vida política e

econômica do país.

As ideias exprimidas na Declaração da Independência, de acordo com Dewey,

expressava um novo espírito do homem americano, voltado para a liberdade e para a

prática dessa liberdade. Incluía-se neste desejo, a instrução ao povo, quando afirma que

“[...] a paz é melhor preservada dando-se energia ao governo, ou instrução ao povo. Este

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último é o mais certo e o mais legítimo instrumento e governo”. (DEWEY, 1942, p. 57).

A grande preocupação com a educação de Thomas Jefferson, embora de caráter

seletivo, foi descrita da seguinte forma:

[...] Na primeira sessão de nossa legislatura, promulgamos uma lei abolindo o fideicomisso, que foi seguida por outra abolindo o privilégio da primogenitura e tornando obrigatória a divisão de terras dos intestados de modo igual entre todos os seus filhos ou outros herdeiros. Estas leis, apresentadas por mim, colocaram o machado aos pés da pseudo-aristocracia. E se outra lei que eu preparava tivesse sido aprovada pela legislatura, o nosso trabalho teria sido completo. Tratava-se de um projeto para a divisão mais geral do ensino. Propunha ali, que se dividisse cada distrito em termos de cinco ou seis milhas quadradas, como as vossas vilas e que se estabelecesse, em cada, uma escola livre para ensinar a ler, a escrever, e a aritmética elementar; e que se providenciasse sobre a seleção anual dos melhores alunos dessas escolas, os quais receberiam, as expensas pública, um grau mais elevado de educação, numa escola distrital, e destas escolas distritais seria selecionado um certo número de alunos mais prometedores para completar os seus estudos, numa universidade, onde todas as ciências úteis são ensinadas. O valor e o gênio seriam buscado de todas as condições de vida e completamente preparados, pela educação, para vencer a concorrência da riqueza e da linhagem em relação aos cargos públicos.” (JEFFERSON, apud, DEWEY, 1942, p. 75 a 76).

Neste sentido, a educação deveria estar voltada para fins práticos e de utilidade à

sociedade, sobretudo a sociedade agrária que era no seu tempo predominante, conforme

veremos a seguir:

Jovens que fecharam sua educação acadêmica com o estudo da agricultura, como a coroa de todas as outras ciências, fascinados com os seus sólidos ensinamentos e no período de escolher uma ocupação, em lugar de ir encher as outras classes, deveriam voltar as fazendas de seus pais, sua própria ou de outros, e ocupar e revigorar uma profissão que está se consumindo, sob o peso do desprezo e da opressão. As escolas de caridade, em lugar de fornecer seus alunos uma instrução que o presente estado da sociedade não necessita, uma vez convertidas em escolas de agricultura, poderiam restituí-los a este ramo qualificado para enriquecê-los e honrá-los e para aumentar a produção da nação, ao invés de consumi-la. (DEWEY, 1942, p. 86 a 87).

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As propostas educacionais de Thomas Jefferson foram implantadas parcialmente

e de forma lenta e gradual, isso porque em muitos Estados, a organização escolar era

mantida pelas instituições religiosas que já possuía uma estrutura de atendimento e era

aceita pelas comunidades no qual estavam inseridas. A expansão de suas ideias e a de

seus antecessores começaram a se materializar a partir da experiência do Estado de

Massachusetts por meio de Horace Mann.

2. Horace Mann e o avivamento da Escola Americana Comum (1830-1850)

Entre os anos de 1830 a 1850, ocorreu nos Estados Unidos um grande

movimento em defesa da Escola Pública Primária. Esse movimento é denominado de

restauração ou avivamento, termos que assumem a mesma conotação neste contexto. O

principal responsável por este movimento foi Horace Mann. O movimento em prol da

escola pública, começou no primeiro Estado que instituiu a escola primária para a

população, no início do período colonial, e que mais cuidadosamente a sustentou nos

primeiros cinquenta anos após a Independência: o Estado de Nova Iorque. Este Estado

antecipou este grande movimento ao estabelecer, em 1820, uma superintendência

estadual para as escolas primárias, com alguns traços de uma organização local

melhorada, assim como subsídios fornecidos pelas academias para instruir os

professores e formação das bibliotecas escolares. Entretanto, o estabelecimento do

Conselho de Educação de Massachusetts e a nomeação de Horace Mann como seu

secretário, colocou o Estado de Massachusetts como referência das reformas, isso

porque neste estado houve a elevação da escola distrital dos tempos antigos para a

condição de uma escola moderna.

Neste Estado foram implantados os dois primeiros colégios regulares do Estado,

houve uma melhoria geral das instituições escolares, foram introduzidos métodos

avançados de instrução e o aumento da escola primária. Durante doze anos, Horace

Mann se colocou diante do país como um estadista educacional e a sua atuação deixou

uma marca original na luta e defesa da escola pública primária americana em todos os

Estados da União. Esta originalidade situa-se pelo fato de que assegurava a autonomia

comunitária sob o regime de autogoverno, isto é, centrado na autonomia da

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administração política, econômica e jurídica comunitária. Incluíam-se nesta forma

descentralizada de poder, as questões sobre moralidade e formação intelectual dos

cidadãos.

Em relação ao método de organização da educação, segundo Mayo (1898, p.

716), “[...] O novos Estados do Sudoeste, desmembrados dos Estados de Virgínia e das

Carolinas, herdaram o velho método britânico de organização da educação, adotado

pelas colônias do Atlântico Sul, o colégio e a academia, em particular, denominacional,

para as crianças de classe abastada”. Isso implica dizer que uma grande parte da

população branca foi deixada à mercê de um analfabetismo generalizado.

Os dados contidos nos relatórios de Mann apontam para um tímida expansão do

sistema, nos períodos de 1830 a 1845. A escola americana comum foi estabelecida em

12 estados do Norte da União e que, nos 14 estados então considerados como sulistas,

um crescente interesse tinha sido despertado em várias cidades. Embora houvesse um

aumento considerável, não se estendeu a toda a população e ocorreu de forma lenta.

Esta lentidão resulta de vários fatores, em especial, o desinteresse popular e a

indiferença em relação a necessidade de escolarização predominante em alguns estados

do norte, conforme observa Mayo,

As razões para este progresso lento da ideia da escola comum nos 12 estados do Norte antes de 1830, sem imputar aos seus povos, uma extraordinária indiferença à educação universal, isso porque os imigrantes do velho mundo (Europa), para cada uma dessas colônias, britânica e continental, trouxe ao cruzar as águas, o sistema europeu de educação de dois séculos atrás. Nesse sistema, uma igreja estatal praticamente dominou e supervisionou a escolaridade inteira de todas as classes dos sujeitos desses reinos e impérios. Mesmo os mais progressivos desses países, Holanda e Escócia, não tinham vindo para a ideia da Nova Inglaterra de um sistema de educação universal, estabelecido, apoiado e supervisionado por todo o povo. (MAYO, 1898, p. 719).

Nos relatórios de Horace Mann apresentam de uma forma minunciosa e

detalhada as tentativas de implantação de um sistema público. E os empecilhos giram

em torno de questões relacionadas a falta de diplomacia política, entre as quais as

permanentes mobilizações de guerras, as iniciativas sectárias e particulares e, sobretudo,

as questões de indefinições territoriais que impedia a composição definitiva da União.

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Conforme observa Huberman (1978, p.154), “[...] o país que se chamava Estados

Unidos, era só no nome, não na realidade. Os estados do sul e os do norte trabalhavam

de maneira diferente, pensavam diferente e viviam diferente”. Essas diferenças são

observadas da seguinte forma, por Galeano (1989, p. 220), “[...] o norte e o sul

enfrentavam dois mundos opostos, dois tempos diferentes historicamente, duas

antagônicas concepções de destino nacional”.

Entretanto, nada era empecilho maior, segundo Mann, do que o hábito de pensar

como colônia, conforme observou Mayo (1898, p.725), “[...] A grande concorrência na

implantação da escola comum, era o velho hábito social britânico de distinções

hierárquicas na sociedade, e as classes abastadas e instruídas pareciam mais e mais

inclinadas a retirar seus filhos do rebanho comum para seminários privados e

denominacionais”.

Em relação aos investimentos públicos, observa-se uma grande desigualdade na

distribuição de recursos e na sua aplicação. De acordo com Mayo (1898, p.728),

O Estado pagava $ 2,63 dólares per capita, para a educação dos cinco sextos das crianças nas escolas públicas, uma soma não superior que a dos estados do Sul. A única supervisão das escolas públicas era por comitês escolares, eleitos pelo povo de 350 cidades e algumas poucas metrópoles do estado. Não mais do que 50 e 60 cidades ainda obedeciam às leis para a orientação desta classe de funcionários. Os relatórios de escolas públicas revelaram esta negligência de controle oficial, uma grande deficiência no corpo docente, uma condição vergonhosa de prédios escolares, e até mesmo em muitas das maiores cidades do estado, uma indiferença perigosa na condução dos assuntos educacionais.

Apesar de todas essas dificuldades relatadas, em 1837, havia mais escolas

mantidas pelo Estado do que nos últimos 50 anos. Entre os anos de 1830 a 1850, o

método de trabalho de Horace Mann foi marcado por várias dificuldades e

peculiaridades. De um lado, marcado pela aversão constitucional da concentração de

poder, e por outro lado, pela insistente campanha de envio de mensagens aos municípios

e distritos escolares. Essas mensagens tinham o propósito de convencimento aos

dirigentes. Além do uso de mensagens, palestras e debates sobre assuntos relacionados a

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escola, o secretário criou um Jornal de informações, denominado “Jornal da Escola

Comum”.

Mas o progresso real da reforma não aconteceu na velocidade esperada, isso

porque as condições educacionais apresentavam um conjunto de contradições e

desigualdade, como podemos observar a seguir:

A condição vergonhosa dos prédios escolares em muitos dos distritos que pareciam uma precariedade comum; falta de professores preparados e a consequente pobreza da instrução; um terço das crianças entre 5 e 15 anos estavam constantemente fora da escola; o uso freqüente de métodos semibárbaros de disciplina, incluindo o castigo corporal. Todas essas coisas revelaram um hábito confirmado na escola comum, pela indiferença de um e a negligencia e oposição de outra seção de pessoas, que deveriam trabalhar juntas pelo bem comum das crianças e do Estado. O fundo de escola pública criado em 1834, era insuficiente e mal distribuído entre as cidades e os distritos. A criação do “fundo literário” para o suporte do sistema de treinamento de professores e a melhoria geral das escolas comuns não funcionava. Sendo que somente em 1845 com a intervenção de Horace Mann e a organização da convenção de professores é que foi instituído um subsídio anual de $ 300 dólares em favor dos professores. (MAYO, 1898, p.736).

Em relação aos professores, predominava a desigualdade salarial, isto porque,

muitos eram eleitos pelos comitês de distritos e muitas vezes sem formação nenhuma,

os salários variavam de acordo com cada comunidade. Em relação ao material didático,

a situação era mais agravante, conforme descreve,

Em 1837, embora por lei os comitês escolares fossem autorizados a selecionar os livros-texto e organizar os cursos de estudo em todas as escolas públicas, o estatuto "foi mais honrado na violação do que na observância". O secretário encontrou 300 diferentes conjuntos de livros escolares em uso no Estado. Ele trabalhou com todo o seu poder para introduzir ordem neste reino de confusão medonha e teve sucesso além das expectativas. Ele trouxe não apenas o presente arranjo de uma uniformidade razoável de livros-texto, mas incentivou a introdução de uma melhor qualidade. Essa intervenção resultou na compra de livros pelas autoridades escolares e emprestado para as crianças, garantindo ao aluno a oportunidade de usar um livro para estudos. (MAYO, 1898, p.737).

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Os métodos de ensino contemplavam a instrução via punição com castigos

rigorosos. Pais e autoridades da escola pareciam ter uma concordância com o professor

e a professora de manter a severidade disciplinar sob os terrores da palmatória e da vara

como expresso:

Havia muitos professores que aparentemente exauriam seu pequeno equipamento mental, no desenvolvimento de métodos originais e dolorosos de tortura para os ociosos, lentos e desobedientes. Engatar um grande livro e mantê-lo no comprimento dos braços; “conter um nó” no chão com um dedo; ficar de pé com uma perna; “sentar-se com as garotas”; ser espancado “junto e solidariamente”; como se isso satisfizesse o déspota responsável; isolar ou amontoar as vítimas – todos esses horrores se assemelhavam aos romances fantasmas. A ironização destes métodos é que continham um teor mais pugilista do que pedagógico. (MAYO, 1898, p.739).

Contra esse estilo rígido e bárbaro de disciplina como sistema, Horace Mann

apresentou em seus relatórios, propostas de um ensino fundado na preservação da

liberdade, do cultivo à afetividade, entre outros valores que se opunham ao castigo e a

punição. A escola seria concebida por ele como um meio civilizador à medida que

exalta ações racionais e livres, sem o uso da força física. A sua compreensão é assim

expressa, “[...] sem pretender depreciar qualquer outra força humana, pode-se afirmar

com segurança que as Escolas Comuns melhoradas e ativadas, se tornarão a mais eficaz

e a mais benigna de todas as forças da civilização.” ( MANN, 1963, p.98). Esse autor

expressa sua compreensão da seguinte forma: A educação, portanto, mais do que qualquer outra instituição de origem humana, constitui-se no grande nivelador das condições dos homens – o volante da máquina social. Quero, porém, dizer que proporciona a cada homem a independência e os meios pelos quais fica em condições de resistir ao egoísmo dos outros homens. Faz mais do que desarmar o pobre da hostilidade contra os ricos; impede que sejam pobres. A generalização de educação, ampliando a classe ou casta culta, patenteia área mais vasta sobre a qual vem expandir-se os sentimentos sociais; e, se essa educação se tornar completa e universal, contribuirá mais do que qualquer outra instituição para apagar as distinções artificiais da sociedade.” (MANN, 1963, p. 107).

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No Décimo Segundo Relatório Anual, há uma preocupação pontual sobre o

ensino profissional pois, segundo este autor, “[...] o homem é o tronco, as ocupações e

profissões são tão só diferentes qualidades do fruto que a árvore tem de produzir.”

(MANN, 1963, p. 15). Isso implica em dizer que este autor defende uma educação

comum a todos, universal e centrada em valores que elevem a condição de ser humano e

não apenas habilidades técnicas adquiridas para o exercício profissional.

A construção do sistema de ensino público dos Estados Unidos não se restringe a

atuação e aos empreendimentos ora heróicos, ora vinculados a um projeto político de

Horace Mann. Entretanto, deve se destacar que ele teve um papel fundamental no início

desse processo. Por essa razão é referenciado como defensor da escola pública ou da

escola comum destinada às classes populares e menos privilegiadas de sua sociedade.

Não se traduz e nem se inspira neste educador um papel revolucionário na educação,

mas é possível a partir desse educador, compreender as contradições que o capitalismo

emergente do século XIX evidenciava.

Considerações Finais

A opção neste artigo de apresentar uma trajetória sobre a construção do sistema

de ensino público nos Estados Unidos, a partir do final do século XVIII e meados do

século XIX, teve por finalidade enfatizar dois aspectos básicos: o fenômeno educativo

não se desvincula do processo político e em muitas circunstâncias é determinado pelos

interesses políticos vigentes e a construção de um sistema escolar reflete as contradições

sociais geradas pela estrutura vigente na sociedade, neste caso, o capitalismo em fase de

transição entre a produção manufatureira de cunho mais agrícola às novas relações de

produção industrial.

Ao referenciar alguns líderes políticos dos Estados Unidos e o empreendimento

quase que heróico de Horace Mann, pretendeu-se buscar uma percepção de que a

atuação de alguns personagens revela um momento histórico importante no qual a

sociedade está vivendo. Este autor revela que sua preocupação com a escola comum e

com a educação pública, não é uma preocupação apenas sua, mas sim de uma grande

parte da sociedade, que percebia que o desenvolvimento econômico e social só se

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sustentaria a partir de um sistema educacional amplo e que se estendesse a toda a

sociedade. A expansão e ampliação garantia a difusão de valores necessários para a

manutenção do sistema capitalista. Aliás é esta a mensagem que se apresenta em quase

todos os relatórios deste autor, a educação como um meio civilizador.

Observou-se que a educação, no final do século XVIII e meados do século XIX,

nos Estados Unidos, tinha uma função muito mais política do que pedagógica: a de

estabelecer uma consciência republicana, preservando a livre iniciativa de cada sujeito e

assegurando os princípios básicos da democracia – descentralização, autonomia

federativa – liberdade, e, com isso, acreditava-se que era possível manter a ordem

social. O Estado Republicano ao investir intensamente na construção de um sistema

educacional, manteve o princípio de autonomia e descentralização dos Estados

Confederados, sem uma imposição autoritária, reafirmando os princípios constitucionais

da crença democrática.

Na prática a construção de um sistema educacional nestes moldes citados, indica

a construção de um sentimento de nacionalidade e pertencimento. Afinal, como pode ser

considerado cidadão de uma determinada nação se não se pode usufruir daquilo que cria

o sentimento de nacionalidade?

Neste sentido, a construção da cidadania requer a inclusão de todos os sujeitos

pertencentes a um território e ao mesmo tempo pertencente a uma única nação. A

função social atribuída à educação neste período – a de construir a nacionalidade em

meio a tantas divergências e especificidades territoriais – não obteve o sucesso desejado

pelos seus proponentes. A unidade nacional mantida institucionalmente e com apelos

políticos foi rompida pelos interesses econômicos e as contradições sociais emergentes

em vários territórios, em especial os localizados no norte e sul do país. Entretanto, a

preservação de valores como liberdade e democracia passara a incorporar os conteúdos

e métodos escolares, ora por meio dos apelos discursivos dos defensores da educação

pública, ora por meio do estabelecimento de leis normatizadoras para o ensino público.

A função delegada a educação obteve êxito parcial, tendo em vista que dentre os

valores incorporados ao sistema educacional, acrescentou-se o princípio, um tanto

quanto complexo, da boa convivência social. Por este princípio, intencionava-se garantir

nos Estados Unidos, a ordem social e a preservação da instituição política ou o Estado

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republicano simultâneamente. Entretanto, esse fator não é tão simples, como a escola

poderia cumprir uma função social sem colocar em risco os pressupostos defendidos

pelos republicanos, identificado no seu conjunto, como liberais, pela sua defesa à livre-

iniciativa, a descentralização, a autonomia federalista e, acima de tudo, a democracia?

Como a escola obteria um êxito de apaziguamento nas divergências entre setores

agrários e industriais? Como a escola conseguiria o estabelecimento de uma igualdade

em meio a divergências entre proletários, escravistas e liberais? Como a escola

assumiria uma função que ultrapassasse o sentimento de servilidade e passividade, sem

ocasionar desordens?

REFERÊNCIAS

CUBBERLEY, Ellwood Patterson. The History of Education vol. 2: educational practice and progress considered as a phase of the development and spread of western civilization. Houghton Mifflin Company, 1920. Reimpressão Bibliobazaar, 2013. DEWEY, John. Liberalismo, Liberdade e Cultura. São Paulo: Editora Nacional, 1970. DEWEY, John. O Pensamento Vivo de Jefferson. São Paulo: Livraria Martins, 1942. GALEANO, Eduardo. As veias abertas da América Latina. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1989. GUTEK, Gerald L. A History of the western educational experience. Chicago. Loyola University, 1995. HUBERMAN, Leo. História da Riqueza dos Estados Unidos. São Paulo: Brasiliense,1978.

MANN, Horace. A Educação dos homens livres. São Paulo, Ibrasa, 1963. MAYO, A.D. Horace Mann and the great revival of the american common school, 1830-1850. In: REPORT OF THE COMMISSIONER OF EDUCATION FOR THE YEAR 1896-1897, vol. 1. Washington: Government Printing Office, 1898. Tradução: Claudemir Galiani, Jéssica Mendonça Dias e Gabriela Bruschini Grecca (UEM).