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MILHO PRODUZ HORMÔNIO DE CRESCIMENTO UMA MENIAL DA DE AMPARO À PEIQUIIA DO EITADO DE IÃO PAULO NOVOS CILINDROS AS SIDERURGICAS O presidencialismo de

O presidencialismo de hoje

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Pesquisa FAPESP - Ed. 49

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MILHO PRODUZ HORMÔNIO DE CRESCIMENTO

UMA PUBLICA~ÃO MENIAL DA fUNDA~ÃO DE AMPARO À PEIQUIIA DO EITADO DE IÃO PAULO

NOVOS CILINDROS DEAÇOP~ AS SIDERURGICAS

O presidencialismo de

11 A Internet 2, a mais avançada e rápida comunicação entre computadores, começa a operar em São Paulo para a comunidade científica. Chamada de Advanced ANSP, a nova rede foi inaugurada pelo governador Mário Covas

20 Pesquisadores da Unicamp desenvolvem processo que permite a produção de hormônio de crescimento em sementes de milho

Capa: Hélio de Almeida, sobre

foto de Ricardo Azoury/Pulsar

24 O comportamento e os hábitos alimel}tares

de um grupo de macacos-prego, vivendo em liberdade na mata Atlântica, foi objeto de estudo

da bióloga Patrícia Izar, da PUC-SP. Graciosos e inteligentes, esses macacos se mostraram também

excelentes dispersares de sementes

EDITORIAL 5 MEMORIAS 6

OPINIÃO 7

POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLOGICA 8 CIÊNCIA 20 TECNOLOGIA 34 HUMANIDADES 40 LIVROS 48 LANÇAMENTOS 49 ARTE FINAL 50

34 A parceria entre a USP, o IPT e a Villares resultou na confecção de cilindros de aço mais resistentes e eficazes para a indústria siderúrgica. Com eles, é possível fabricar chapas de aço com maior produtividade e qualidade

40 Projeto temático reúne pesquisadores da Unicamp, USP e Cebrap e faz uma análise do atual sistema presidencialista brasileiro. O estudo mostra que ele tem mais virtudes que defeitos

44 O Projeto Cinema nos anos 90 traça um panorama da produção cinematográfica brasileira dos últimos quatro anos

PESQUISA FAPESP · DEZEMBRO DE 1999 • 3

PESQUISA FAPESP É UMA PUBLICAÇÃO MENSAL

DA FUNDAÇÃO DE AMPARO À PESQUISA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR PROE DR. CARLOS HENRIQUE DE BRITO CRUZ

PRESIDENTE

PROE DR. PAULO EDUARDO DE ABREU MACHADO VICE-PRESIDENTE

PROE DR.ADILSON AVANSI DE ABREU PROE DR.ALAIN FLORENT STEMPFER

PROE DR. ANTÔNIO MANOEL DOS SANTOS SILVA PROE DR. CELSO DE BARROS GOMES

DR. FERNANDO VASCO LEÇA DO NASCIMENTO PROE DR. FLÃ VIO FAVA DE MORAES

PROE DR. JOSÉ JOBSON DE A. ARRUDA PROE DR. MAURÍCIO PRATES DE CAMPOS FILHO

DR. MOHAMED KHEDER ZEYN PROE DR. RUY LAURENTI

CONSELHO TÉCNICO-ADMINISTRATIVO PROE DR FRANCISCO ROMEU LANDI

DIRETOR PRESIDENTE

PROF. DR. JOAQUIM J. DE CAMARGO ENGLER DIRETOR ADMINISTRATIVO

PROE DR. JOSÉ FERNANDO PEREZ DIRETOR CIENTÍFICO

EQUIPE RESPONSÁVEL

CONSELHO EDITO RIAL PROE DR. FRANCISCO ROMEU LANDI

PROF. DR. JOAQUIM J. DE CAMARGO ENGLER PROF. DR. JOSÉ FERNANDO PEREZ

EDITORA CHEFE MARILUCE MOURA

EDITORA ADJUNTA MARIA DA GRAÇA MASCARENHAS

EDITO R DE A RTE HÉLIO DE ALMEIDA

EDITORES CARLOS FIORAVANTI (CIÊNCIA) CARLOS HAAG (HUMANIDADES)

MARCOS DE OLIVEIRA (TECNOLOGIA) MÁRIO LEITE FERNANDES (TEXTO)

DIAGRAMAÇÃO E PRODUÇÃO GRÁFICA T ÃNIA MARIA DOS SANTOS

COLABORADORES ANA MARIA FlORI

DÉBORA GUTERMAN HISATO TANAKA MAURO BELLESA

OTIO FILGUEIRAS RICARDO AGUIAR

ROBERTO MEDEIROS STELLA GALV ÃO

FOTOLITOS E IMPRESSÃO GRAPHBOX-CARAN

TIRAGEM, 22.000 EX EMPLARES

FAPESP RUA PIO XI , NO. 1500, CEP 05468-90 I

ALTO DA LAPA- SÃO PAULO - SP TEL. (O - li ) 838-4000 - FAX' (O- li ) 838-4117

ESTE INFORMATIVO EST Ã DISPONÍVEL NA HOME-PAGE DA FAPESP'

http://www.fapesp.br e·mail: [email protected]

SECRETARIA DA CIÊNCIA TECNOLOGIA E DESENVOLVIMENTO

ECONÔMICO

GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO

4 • DEZEMBRO DE 1999 • PESQUISA FAPESP

Jornalismo científico

Li com grande interesse os arti­gos ''A lenta conquista do espaço na imprensa" e "A formação de jornalis­tas científicos no Brasil", no especial Jornalismo Científico. As autoras conseguiram traçar um retrato fiel e completo dos esforços que vêm sen­do feitos para divulgar ciência no país. Mas gostaria de destacar que, entre as iniciativas para formar pro­fissionais na área, ficou faltando uma: desde 1998, o Projeto Ciência Hoje mantém um programa de está­gio em divulgação científica junto com a FAPERJ. No primeiro ano do convênio, foram selecionados dois es­tudantes de comunicação da UFRJ. Esse número foi ampliado para cin­co, em 1999. O objetivo do progra­ma de estágio é ampliar o número de profissionais habilitados a transmitir conceitos científicos de forma sim­ples e adequada para o público geral. Todos os estagiários passam durante um ano pelos diferentes meios do Projeto Ciência Hoje (revistas Ciên­cia Hoje e Ciência Hoje das Crianças e a página virtual CH on line) para se familiarizar com as diferentes lingua­gens e enriquecer ainda mais súa for­mação profissional.

ALíCIA ! VAN ISSEV ICH

Editora executiva da Revista Ciência Hoje

Rio de Janeiro, RJ

Qualidade da revista

Somente agora tomei conhecimen­to dessa importante revista. A quali­dade técnica está de alto nível, com excelente diagramação; a qualidade da impressão esta compatível com o que há de melhor no setor. O conteú­do foi muito bem explorado, princi­palmente o encarte do número 47 que, brilhantemente, discorreu sobre o Jor­nalismo Científico. Enfim, foi bom ter conhecido esse importante veícu­lo, mais uma fonte de informações com que este setor poderá contar pa-

ra repassá-las àqueles interessados que nos consultam de vez em quan­do sobre as áreas abordadas.

Colocamo-nos à disposição dos editores para quaisquer assuntos re­lacionados à nossa Universidade, pois aqui temos os Centros de Ciências Agrárias, Humanas, Letras e Artes, Exatas e Tecnológicas e o da Saúde. Parabéns a todos e continuem assim.

ED ILSON CAM ILO M ENDES

Coordenadoria de Comunicação Social da Universidade Federal de Viçosa

Vi çosa-MG

Cobertura abrangente

Tenho recebido mensalmente a revista Pesquisa FAPESP aqui no De­partamento de Fisiologia vegetal. Es­ta revista tem altíssimo nível e trata de todos os assuntos das áreas de ciên­cia de uma maneira ao mesmo tem­po profunda e didática.

SI MONE L. KIRSZENZAFT SH EPH ERD

Professora Assistente do Departamento de Fisiologia Vegetal

Instituto de Biologia - Unicamp

Pesquisa de rádio

Primeiramente, gostaria de para­benizá-los pela brilhante publica­ção da revista Notícias FAPESP. Estou matriculado no programa de Pós-Graduação da Faculdade de Ar­quitetura, Artes e Comunicação -FAAC/Unesp/Bauru, e estou pesqui­sando as rádios comunitárias. Gos­taria de obter informações sobre ou­tros pesquisadores dessa área. Em março estaremos estreando um pro­grama radiofônico na Rádio Uni­versitária Unesp FM 105,7 MHz chamado: "Ciências sem limites" e gostaríamos de receber e poder di­vulgar os assuntos em destaque.

) OÃO M ORETTI ) R

Assessoria de Imprensa - Faculdade de Ciências - Un esp/Bauru

Fone/Fax: (Oxx l4) 221 -60.02 www.bauru.unesp.br

[email protected]

EDITORIAL

Um campo abrangente para leitura e reflexão

Da ciência política à genética, da siderurgia ao cinema

knatéria de capa desta edição de Pesquisa FAPESP, a última de 1999, traz os primei­os resultados de uma pesquisa financiada

por esta Fundação sobre o sistema presidencialis­ta, tema que volta, neste momento, ao debate po­lítico nacional, confrontado com seu opositor di­reta, o sistema parlamentarista.

O estudo, de caráter científico, coordenado por pesquisadores de reconhecida competência em seu campo de conhecimento, com-para características do atual presi-dencialismo brasileiro com aquele vigente entre 1946 e 1964. Mostra,

nho para a fabricação, em larga escala e a custo re­duzido, de um composto químico de enorme in­teresse médico. O hormônio é fundamental, por exemplo, no tratamento de crianças com nanismo e outros problemas de crescimento. Trata-se, co­mo se pode perceber, de uma pesquisa de múlti­plos significados, e se novos testes confirmarem os resultados já obtidos, ela representa um reforço substancial para a posição brasileira numa área

recente da pesquisa internacional em biotecnologia que vem sendo denominada Molecular Farming.

Outra matéria de destaque nes­com rigor, problemas e virtudes do sistema de hoje. Examina criterio­samente o grau de governabilidade que o presidencialismo possibilita no Brasil contemporâneo. E ao for­necer essas e muitas outras infor­mações, oferece para reflexão e uso da sociedade, como é próprio das pesquisas científicas, abundante ma­terial novo retirado - ou decifrado -, com método, de uma realidade que antes se apresentava revestida

" Esse estudo ta edição de Pesquisa FAPESP refe­re-se à parceria estabelecida entre a Aços Villares- maior fabricante na­cional de cilindros de laminação -, a USP e o IPT, para o desenvolvi­mento de cilindros mais resistentes e eficazes para a indústria siderúr­gica. As peças envolvidas no proje­to, financiado parcialmente pela FAPESP no âmbito do Programa de Parceria para Inovação Tecnológica-

mostra

problemas e

virtudes do

presidencialismo

de hoje"

por certo grau de opacidade. Os resultados desse estudo são,

portanto, uma contribuição cientí-fica, acadêmica, ao debate político sobre sistema de governo na democracia brasileira, que interes­sa a toda a sociedade. Ao publicar matéria sobre o projeto, Pesquisa FAPESP continua a cumprir sua função essencial de apresentar à opinião pública resultados de pesquisas financiadas, por esta Fun­dação, com recursos do contribuinte. Permanece ao largo de tendências diversas que, no campo po­lítico, permeiam o debate sobre presidencialismo versus parlamentarismo.

Esta edição traz também os resultados prelimi­nares de uma importante pesquisa para produção do hormônio de crescimento humano a partir de sementes de milho geneticamente modificadas. O hGH (sigla do inglês human Groth Hormone) assim obtido por uma equipe de pesquisadores da Uni­camp, e até aqui idêntico em tudo àquele produzi­do pelo próprio corpo humano, poderá abrir cami-

PITE, são os chamados cilindros de • trabalho para laminadores de tiras a quente, que recebem chapas de aço em temperaturas superiores a

1.000° C. No mercado mundial, esse tipo específico de cilindros é responsável pela geração de 25% da receita resultante das vendas totais de cilindros de la­minação para a indústria siderúrgica. A Villares já fabricava a linha em questão, mas precisava aperfei­çoá-la para acompanhar os avanços tecnológicos que nos últimos lO anos vêm sendo agregados a esse tipo de produto no mercado internacional e en­frentar a competição feroz que se registra no setor.

Pesquisa FAPESP traz ainda, nesta edição, ma­téria sobre o começo da Internet 2 em São Paulo, com a inauguração da rede Advanced ANSP, traz os resultados do projeto Cinema nos anos 90, que dá conta da retomada da produção cinematográ­fica brasileira nos últimos quatro anos, e conta as aventuras e desventuras de uma pesquisa realiza­da para estudar o comportamento de macacos­prego em liberdade. Entre muitas outras coisas.

PESQUISA FAPESP • DEZEMBRO DE 1999 • 5

Damy (ao fundo), Jânio e Juscelino: inauguração do R I , ainda em funcionamento

O primeiro reator nuclear do Brasil Em instantes, o presidente Juscelino Kubitschek (sentado) moveria a alavanca para pôr em operação o reatar nuclear IEA-R1, o primeiro da América do Sul. A seu lado se encontram o governador do Estado de São Paulo, Jânio Quadros, e o físico Marcello Damy de Souza Santos, diretor do Instituto de Energia Atômica, hoje Instituto de Pesquisas Energéticas e Espaciais (Ipen). A data: 28 de janeiro de 1958. O R1 continua em operação: produz radioisótopos para uso médico e fundamenta pesquisas em Física Nuclear.

Da Bahia ao Rio, a epopéia do meteorito Bendengó O meteorito Bendengó, o maior do Brasil e durante séculos o maior do mundo (hoje na 15a posição), repousa desde 1888 no Museu Nacional do Rio de Janeiro- onde chegou depois de enfrentar uma série de peripécias. Foi encontrado em 1784 próximo ao rio Vaza-Barris, na cidade de Monte Santo, na Bahia, com 2,15 metros de comprimento por 1,5 metro de largura. Pesava 5.360 kg.

Real Sociedade de Londres descobriram que se tratava de um meteorito de ferro e níquel. Em 1886, o imperador D. Pedro II recebeu em Paris um grupo da Academia de Ciências, que lhe pediu para remover o meteorito para um museu. De volta ao Brasil, D. Pedro II pediu a um engenheiro da Marinha, José Carlos de Carvalho,

Levá-lo ao Rio foi .~ r-~----.----.-:;-7r~~~:;;;r::::-.:R~

uma aventura. Na L' :J o

primeira tentativa, ~ em 1785, o eixo do s carretão em que fora ~ colocado, com 12 o

"" juntas de bois, pegou ~ fogo ao descer ~

de uma colina. Pior: o § -o carretão não tinha freios e a rocha rolou para o leito do riacho Bendengó, afluente do Vaza-Barris. Em 1810, peritos da

~

6 • DEZEMBRO DE 1999 • PESQUISA FAPESP

que organizasse uma expedição para levar o meteori to ao Rio. Em 1887, a equipe de engenheiros retirou a rocha do rio e a pôs sobre um carretão de ferro, que se deslocava sobre dormentes. Tarefa árdua: em 126 dias, percorreram 118 km (900 metros por dia) de riachos e colinas. O Bendegó caiu seis vezes do carretão, cujo eixo partiu quatro

vezes até chegarem à estação ferroviária de Jacurici e, dois meses depois, ao Rio.

Bahia, setembro

de 1887: o meteorito com mais de cinco

toneladas é suspendido

no riacho Bendengó

OPINIÃO

JOÃO CARLOS DE SOU ZA MEIRELLES

O agronegócio e os homens da pesquisa Somente expandindo-o, o Brasil voltará a crescer com consistência

O melhor do fracasso da assembléia da Orga­nização Mundial do Comércio, que termi­nou inconclusiva, no último mês de 1999

- em meio a inesperadas e violentas manifestações de rua e à muito previsível nova demonstração de arrogância dos países mais ricos - foi ter colocado em pauta a importância do agronegócio para a imensa maioria dos países.

Quem, do ponto de vista do Brasil, analisa fria­mente o que ocorreu antes, duran-te e depois dessa reunião de repre-sentantes de 134 países percebe ter soado, afinal, o derradeiro sinal da

todos os setores da atividade económica, a partir da pesquisa, traduzida para o trabalhador mais simples de modo a resultar em ferramenta opera­cional, capaz de resultar em produtos de alta qua­lidade, e de qualidade certificada, destinada aos mercados mais exigentes, o interno e o externo.

Basta fazer algumas contas para entender ora­ciocínio: 40% das exportações brasileiras são de produtos do agronegócio, que em 1998 somaram

US$ 20,3 bilhões dos US$ 51 bilhões do total exportado pelo Brasil, garan­tindo uma balança comercial do se­tor superavitária em US$ 10,4 bilhões.

alerta para a necessária revisão da política de desenvolvimento econó­mico, que resolva, definitivamente, os problemas estruturais e conjun­turais do desemprego e de seu co­rolário, a fome.

Está aí, para quem quiser ver: só expandindo o agronegócio e a expor­tação de seus produtos o Brasil vol­tará a crescer com consistência. To­me-se o agro negócio no seu conceito mais justo, que é processo e produto

"A pesquisa

deve apoiar

a produção,

garantindo-lhe

a cert ificação

da qualidade"

De janeiro a outubro de 1999, o sal­do já é de US$ 9,8 bilhões.

Para ampliar sua faixa no mer­cado mundial, de US$ 5,4 trilhões por ano, o Brasil precisa aperfei­çoar seu comércio e, para isso, deve ser feito um grande chamamento aos homens das ciências. Mais que nunca o pesquisador deve pautar­se pela ótica mais moderna da pro­·dução, que é a visão do mercado.

da ação integrada dos agentes sociais e económicos incluídos nas cadeias produtivas de origem rural. Nesse sentido, é o agronegócio a única fronteira capaz de gerar trabalho e renda para todos- desde trabalha­dores analfabetos a pesquisadores científicos.

É bom repetir que São Paulo, o Estado mais in­dustrializado do país, tem no agronegócio 34% de seu Produto Interno Bruto. Sua produção agrope­cuária, em valores não agregados, somou R$ 11,3 bi­lhões em 1998 e, considerando o conjunto do agro­negócio, mais que decuplica, passando de R$ 121 bilhões. No Brasil, 17 milhões de pessoas (25% da População Economicamente Ativa) trabalham no campo e produzem 8% do Produto Interno Bru­to. Em São Paulo, estão no campo 1 milhão de pessoas; na cadeia do agronegócio, 3 milhões.

O agronegócio é, também, a grande fronteira tecnológica a exigir a participação integrada de

É hora de buscar novos nichos de mercado e aperfeiçoar produ­tos, conferindo-lhes qualidade certificada, para evitar uma outra

forma de barreira comercial, a das barreiras sani­tárias. Exatamente nesse quadro é que se faz ne­cessária atuação mais firme da pesquisa: ela deve apoiar a produção, que já prima pela quantidade, garantindo a certificação da qualidade.

A pesquisa e a inovação tecnológica nos capa­citaram a produzir bem e bastante, com qualida­de suficiente para vencer qualquer tentativa de barreira sanitária ou fitossanitária. O que o Brasil precisa, agora, é de profissionalismo de mercado, criatividade e percepção da relevância do comér­cio internacional.

]OÃO CA RLOS DE SOUZA M EIRELLES é secretário de Agri­

cultura e Abastecimento do Estado de São Paulo

PESQUISA FAPESP • DEZEMBRO DE 1999 • 7

POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

INSTITUIÇÃO

Das idéias à construção concreta FAPESP homenageia personalidades que definiram sua história

Num final de tarde chuvoso, dia 8 de dezembro passado,

mais de uma centena de pessoas reu­nidas no hall nobre da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo-FAPESP ouviram atentamen­te breves relatos e alusões a alguns dos mais combativos e significati­vos momentos da história desta ins­tituição. Natural: tratava-se ali de prestar uma homenagem póstuma a personalidades cujos nomes, indepen­dentemente de ações que os torna­ram reconhecidos também em outros campos e ambientes, estão profunda­mente ligados à trajetória da FAPESP. Evocados com certa carga de emo-

Adriano Marchini

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" ~

• Engenheiro, primeiro diretor­

superintendente do Instituto

de Pesquisas Tecnológicas

do Estado de São Paulo (IPT).

Foi um dos principais autores do documento "Ciência e Pesquisa",

peça-chave para sensibilizar

os deputados da Constituinte

de 1947 sobre a necessidade

de uma fundação destinada a

impulsionar a ciência e tecnologia

no Estado de São Paulo.

8 • DEZEMBRO DE 1999 • PESQUISA FAPESP

Carlos Alberto Alves de Carvalho Pinto

Governador do Estado de São

Paulo ( 1959-1963), sancionou em

18 de outubro de 1960 a lei

número 5.918, que instituiu a

FAPESP. Disse: "Se me fosse dado

destacar alguma das realizações

da minha despretensiosa vida

pública, não hesitaria em eleger

a FAPESP como uma

das mais significativas para

o desenvolvimento econômico,

social e cu I tu ral do país".

Antonio Barros de Ulhoa Cintra

• Professor da Faculdade

de Medicina, foi reitor

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da Universidade de São Paulo

( 1960-1963) e secretário

da Educação e Cultura do Estado

no governo Abreu Sodré.Atuou

na elaboração do primeiro

projeto de lei com o objetivo

de tornar realidade o Artigo 123

da Constituição de 1947. Foi o

primeiro presidente do Conselho

Superior da FAPESP (1961-1973).

ção por diferentes oradores, os no­mes trouxeram fatos, experiências e episódios de resistência e luta dos quais os homenageados foram pro­tagonistas, e que ajudaram a moldar o caráter da fundação.

Os homenageados eram Carlos Alberto Alves de Carvalho Pinto, Adriano Marchini, Antonio Barros de Ulhoa Cintra, Jayme Arcoverde de Albuquerque Cavalcanti, Caio Prado Junior, Florestan Fernandes e André Franco Montoro.

Políticos, pesquisadores ou inte­lectuais, esses homens, em diferen­tes momentos e circunstâncias, tive­ram atuação decisiva para que a FAPESP, vencendo sempre resistên­cias retrógradas, fosse prevista na Constituição paulista de 1947, se tornasse realidade 13 anos depois, co­meçasse efetivamente a funcionar em 1962 e, mais tarde, visse aperfeiçoa­das e ampliadas as bases financeiras

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Jayme Arcoverde de Albuquerque Cavalcanti

• Professor da Faculdade de

Medicina da USP, participou dos

Fundos Universitários de Pesquisa

para a Defesa Nacional, criados

para "apoiar a contribuição da

universidade para a vitória das

forças democráticas" na Segunda

Guerra. Fez parte da elaboração

do documento "Ciência

e Pesquisa". Foi o primeiro

diretor-presidente da FAPESP,

no período de 1961 a 1969.

para seu funcionamento eficiente e autônomo, de modo a garantir su­porte e estímulo contínuos ao desen­volvimento científico e tecnológico do Estado de São Paulo.

A homenagem naquela tarde de dezembro tinha uma motivação di­reta: o lançamento, na mesma data, dos livros FAPESP - Uma História de Política Científica e Tecnológica e Para Uma História da FAPESP -Marcos Documentais, resultado de uma extensa pesquisa coordenada pelo professor Shozo Motoyama, di­retor do Centro Interunidade de História da Ciência, da USP (ver re­senha na edição 48 da revista Pesqui­sa FAPESP) . Os homenageados têm lugar de destaque entre os mais de cem personagens dessa obra.

Atos de estadistas - Em sua sauda­ção aos familiares dos homenagea­dos, o professor José Fernando Pe­rez, diretor científico da FAPESP, disse que nesta condição está "há seis anos entrando no prédio da Fundação e, nos quatro anos anteriores entrava como coordenador da área de física, experimentando, a cada dia, a mes­ma sensação de respeito e admira-

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Caio Prado Junior

• Historiador, foi deputado pelo Partido Comunista Brasileiro

na Constituinte de 1947. Em 2 de outubro de 1947, a bancada do PCB apresentou o projeto de lei número 248,

propondo a criação da "Fundação Paulista de Pesquisas Científicas".

Sempre se empenhou para evitar

que a legislação desse margem à ingerência política na fundação, que deveria ter autonomia plena.

ção por aqueles que plantaram a se­mente e construíram esta instituição".

Perez lembrou o papel funda­mental do governador Carvalho Pinto na implantação da FAPESP, destacando que "ele acreditou no modelo de fundação proposto e aprovado na lei votada pela Assem­bléia Legislativa- que previa recur­sos vinculados à receita tributária do Estado e apoio a pesquisas em to­das as áreas do conhecimento- e li­berou os recursos para formar o pa­trimônio inicial desta Fundação".

Reverenciou a memória do gover­nador Franco Montoro, observando que em seu governo (1983-1987) foi sancionada a lei que tornou mensais os repasses financeiros do Tesouro Estadual para a FAPESP, rigorosa­mente cumprida, desde então, como um compromisso por "todos os go­vernos paulistas".

A idéia do "compromisso políti­co sólido" do governo paulista com a ciência e a tecnologia foi retomada mais adiante pelo Secretário de Ciên­cia, Tecnologia e Desenvolvimento Econômico do Estado de São Paulo, José Aníbal Peres de Pontes, ressal­tando que a história da FAPESP é

Florestan Fernandes

• Sociólogo, professor da Universidade de São Paulo,

conselheiro da FAPESP de 1961 a 1963, foi deputado federal pelo

Partido dos Trabalhadores (PT). Na Assembléia Nacional Constituinte de 1988, destacou-se

como autor de emenda

que permite aos Estados destinar parcela da arrecadação de impostos ao fomento ao ensino e à

pesquisa científica e tecnológica.

um dos exemplos nesse sentido. O secretário observou que, das sete per­sonalidades homenageadas, duas go­vernaram o Estado de São Paulo -Carvalho Pinto e Franco Montoro -e tomaram decisões arrojadas que resultaram diretamente na existên­cia e na expansão da FAPESP. "Eles agiram com visão de estadista, assu­miram compromissos e os cumpri­ram", disse.

José Aníbal referiu-se ao aumen­to do percentual de 0,5% para 1% das receitas tributárias do Estado des­tinado à FAPESP, que foi definido na Constituição Estadual de 1989, co­mo uma prova de que "a Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo teve a sensibilidade de ampliar a ge­nerosa dotação do povo paulista pa­ra a pesquisa".

O secretário voltou a citar os dois governadores homenageados ao di ­zer que Carvalho Pinto, criando a Fundação, e Franco Montoro, am­pliando as condições para a FAPESP atender às necessidades de novos tempos- separados por um interva­lo de quase 30 anos -, "representam uma feliz convergência de iniciativas de homens públicos comprometidos

André Franco Montoro

• Governou o Estado

~

~ ~ o u >;' Q.

de São Paulo de 1983 a 1987.

Apoiou vivamente o projeto que aumentaria de 0,5% para I%

o percentual sobre a arrecadação do ICMS e outros impostos

estaduais destinado às atividades de pesquisa apoiadas pela FAPESP.

Em seu governo, a FAPESP passou a receber recursos na forma de duodécimos, calculados sobre

a arrecadação do mês anterior.

PESQUISA FAPESP · DEZEMBRO DE 1999 • 9

com as tendências dos seus tempos e não apenas com as respostas para questões imediatas".

Vontade política - A visão das perso­nalidades homenageadas, "que já nos anos 40 compreendiam o quanto é importante para uma nação a capaci­dade de gerar e aplicar conhecimen­to", foi destacada pelo presidente da FAPESP, Carlos Henrique de Brito Cruz. "Isso que agora nos parece mui­to evidente, talvez não fosse assim tão óbvio naquele tempo", disse. Enfa­tizou que o Estado de São Paulo tem apoiado as atividades de educação, ciência e tecnologia, mesmo em mo­mentos de dificuldades orçamentárias, "o que coloca a FAPESP diante de uma imensa responsabilidade, pois traba­lha com recursos do contribuinte e de­ve manter o compromisso de apoiar atividades que de alguma maneira gerem benefícios para a sociedade".

Carvalho Pinto

Adriano Marchini

O diretor presidente da FAPESP, Francisco Romeu Landi, definiu a Fundação como "uma das institui­ções paulistas surgidas da conver­gência de interesses legítimos da so­ciedade, que expressa uma cultura típica deste Estado, capaz de criar e bancar empreendimentos voltados para a ciência". Landi observou que muitas outras personalidades, além das que estavam sendo homenagea­das naquele momento, "merecem gra­tidão e reconhecimento por terem participado da saga de criação e de­senvolvimento da Fundação".

Mais adiante, o pró-reitor de pes­quisas da Universidade de São Paulo (USP), Hernan Chaimovich, deten­do-se na relação da FAPESP com a comunidade científica do Estado de

I O • DEZEMBRO DE 1999 • PESQUISA FAPESP

Placas para os familiares

Ulhoa C intra

O tributo póstumo a Carlos Alberto Alves de Carvalho Pin­to, Adriano Marchini, Antonio Barros de Ulhoa Cintra, Jayme Arcoverde de Albuquerque Ca­valcanti, Caio Prado Junior, Florestan Fernandes e André Franco Montoro reconhece o empenho que tiveram estes po­líticos, pesquisadores e intelec­tuais, nos seus respectivos cam­pos de atuação, para criar as condições que levaram o Esta­do de São Paulo a ter uma lide­rança forte no desenvolvimento científico e tecnológico nacio­nal, responsável por colocar o Brasil em posição de destaque no Hemisfério Sul.

Jayme Cavalcanti

Caio Prado Junior

São Paulo, lembrou sua própria expe­riência ao se mudar de seu país, o Chi­le, para o Brasil, há trinta anos. Ele contava com uma bolsa de pesquisa da FAPESP para trabalhar no labora­tório do professor Alberto Carvalho da Silva (ex-diretor presidente da Fun­dação), na Faculdade de Medicina. "Era um período complexo para este país, o doutor Alberto tinha perdido seus direitos políticos e já não era mais docente da USP. Mas a FAPESP manteve o compromisso, incluindo a liberação de recursos para montar o Laboratório de Enzimologia."

Segundo Chaimovich, este é ape­nas um exemplo numa história mui­to mais ampla de apoio à comunida­de científica em São Paulo. "Não por acaso a FAPESP é identificada com a

Estiveram presentes na ceri­mônia de 8 de dezembro fami­liares de cinco dos homenagea­dos: Maria Thereza Marchini, filha de Adriano Marchini; Re­gina de Ulhoa Cintra, filha de An­tonio Barros de Ulhoa Cintra; Jayme Arcoverde de Albuquer­que Cavalcanti Filho, filho de Jayme Arcoverde de Albuquer­que Cavalcanti; Miriam Fernan­des, viúva de Florestan Fernan­des; Fernando Montoro, filho de André Franco Montoro.

Placas simbolizando a home­nagem da FAPESP foram entre­gues aos familiares pelo diretor administrativo da Fundação, Joa­quim José de Camargo Engler.

Florestan Fernandes

Franco Montoro

construção social do conhecimento, do saber, da tecnologia, no Estado de São Paulo, pois foi fundada, como a USP, com base em vontade política que expressava o sentimento de uma sociedade que acredita na criação do conhecimento."

O reitor da USP, Jacques Marco­vich, que, preso em outro compromis­so, já fora representado pelo pró-rei­tor de pesquisa, conseguiu chegar à FAPESP antes que a cerimônia fosse encerrada e também dirigiu simpáti­cas palavras de saudação às persona­lidades homenageadas e à Fundação.

Um toque final: o clima emocio­nante da homenagem a personalida­des que marcaram a história da FAPESP foi acentuado pela música do Coral da USP. •

POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

INFORMÁTICA

A Internet 2 chega a São Paulo Entra em operação a Advanced ANSP, nova e rápida rede acadêmica

Ainternet 2, versão avançada de comunicação por computado­

res com muito mais recursos que a Internet atual, chega ao país menos de dois anos depois de sua criação nos Estados Unidos. O lançamento oficial no Estado de São Paulo, um marco para a comunidade científica nacional, aconteceu no último dia 16 de dezembro, com a interligação via rede de várias instituições paulistas, dando início à Advanced ANSP, uma nova rede acadêmica e científica, mais ágil, generosa e rica no quesito trans­missão de dados.

O governador Mário Covas abriu o evento, com uma videoconferência transmitida diretamente de sua sala no Palácio dos Bandeirantes e recebi­da on-line em múltiplos pontos,

dando, assim, uma pequena amostra do potencial da Internet 2.

Estavam, naquele momento, agre­gados à nova rede, além dos convida­dos que se encontravam na sala do governador, pesquisadores e outros convidados distribuídos pelos audi­tórios da FAPESP, da Pontifícia Uni­versidade Católica de São Paulo (PUC), da Escola Politécnica da Uni­versidade de São Paulo (USP), do Instituto do Coração (Incor-HC) e da Universidade Federal de São Pau­lo (Unifesp) - situados em diferentes pontos da cidade de São Paulo -, do Centro de Computação da Universi­dade Estadual de Campinas (Uni­camp) e da Prefeitura Municipal de Campinas. A partir de qualquer um desses sete locais conectados à FA­PESP, era possível acompanhar a so­lenidade e uma série de exemplos de uso da Internet 2, em forma de vídeos e conferências a longa distância. Tu­do isso tornou-se possível por conta de alta velocidade de transmissão de dados da nova rede, que exibe poten-

cial pelo menos cem vezes maior que o da Internet comum.

Covas inaugurou o sistema dizen­do que a Internet 2, "um serviço criado nos Estados Unidos, chega ao Brasil com enorme velocidade e ímpeto". O governador ressaltou o potencial do novo meio para o aprimoramento da tecnologia e elogiou a iniciativa dos que trabalharam para estruturar a nova rede: "Devemos isso à comuni­dade científica, à FAPESP, à Secreta­ria de Ciência, Tecnologia e Desen­volvimento Econômico e a todos os que estão envolvidos nessa tarefa."

Na apresentação das redes de alta velocidade, José Fernando Per~z, di­retor científico da FAPESP, destacou, a partir do auditório da instituição, o papel da Internet 2 como "instrumen­to poderoso de cooperação': Perez lem­brou que a Internet deve ser vista não só como ferramenta, mas também como objeto de pesquisa. "O poten­cial e o impacto social da Internet, em muitas dimensões de nossas vi­das, são incalculáveis", disse. Aprovei-

PESQUISA FAPESP • DEZEMBRO DE 1999 • li

tou para anunciar que a FAPESP de­verá lançar proximamente um pro­grama destinado a financiar projetos que se relacionem com a Internet em suas diversas facetas. "Seja no aspecto de criar aplicativos específicos, seja no entender das ciências humanas, por conta do impacto socioeconômico, e até mesmo nas questões que se refe­rem às políticas públicas", comple­mentou, exemplificando.

Numa segunda parte do evento, foram transmitidos simultaneamen­te, e em monitores distintos, três exemplos de uso para a Internet 2. A Politécnica da USP exibiu aplicativos de teleducação, gerenciamento e se­gurança. O Incor e a Escola Paulista de Medicina, da Unifesp, demonstra­ram a possibilidade de diagnóstico a distância, com acesso a exames com­plexos do paciente. Ao mesmo tempo, na Unicamp, ocorreu uma mesa-re­donda que destacou o impacto social da nova rede, com especial destaque para a transferência de tecnologia agropecuária, através da Embrapa.

Recursos inovadores- Essas apresen­tações específicas trouxeram apenas uma minúscula parte do que deverá ser a Internet 2. "Neste primeiro mo­mento, ela estará voltada principal­mente para os meios acadêmico e de pesquisas, com aplicações sem dúvi­da inovadoras e que, hoje, não po­dem ser exploradas satisfatoriamente pela Internet 1", explica Hartmut Ri­chard Glaser, Coordenador da Ad­vanced ANSP e professor da Escola Politécnica da USP.

Estima-se que seu im­pacto social positivo deverá ser mais bem notado daqui a alguns anos, quando a tecnologia estiver mais bem definida, desenvolvida e as­similada. O diretor do La­boratório de Arquitetura e

ç-RNP

l'irturvTel

Inauguração da Advanced ANSP: no auditório da FAPESP, chegam imagens geradas ...

Grupo de Educação voltado para a Internet 2, defende esse ponto de vis­ta: "Muito provavelmente, a maioria das aplicações ainda não foi concebi­da ou sequer imaginada':

A possibilidade de transporte de um grande volume de informações e com rapidez e grande quantidade en­tre os institutos deverá trazer, dentre outras facilidades, a socialização de tecnologias entre centros distantes e a disseminação de pesquisas e da edu­cação através de informações em áu­dio e vídeo de alta resolução, abrindo um novo patamar qualitativo para a comunicação de dados. Bibliotecas digitais de alta fidelidade documental, recursos multimídia antes impensá­veis, tais como projeções de telas em três dimensões e controle remoto de microscópios eletrônicos, estarão ao alcance das comunidades acadêmica,

Vias da Internet 2

São José 0 do Rio Preto

Ribeirão Preto o

Araraquara O São Carlos o

médica e científica, mesmo quando dis­tantes dos principais centros tecnoló­gicos. Tudo isso apresentado com qualidade, rapidez, sigilo no tráfego de dados e a um custo barato, várias vezes menor que qualquer outra for­ma de comunicação disponível e, sem dúvida, sem a mesma agilidade.

A Internet 2 opera nesses termos desde 1997 nos Estados Unidos e ape­nas em alguns outros países do Primei­ro Mundo. O Brasil vem se alimen­tando dessa vanguarda desde aquele mesmo ano, quando a idéia começou a germinar por iniciativa do Conse­lho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), cien­te da evolução constante por que pas­sam as telecomunicações, a informá­tica e, por conseqüência, a Internet. Através da publicação de edital espe­cial do Ministério da Ciência e Tec-

nologia foram iniciadas, há 8 (} dois anos, as pesquisas para z êí o desenvolvimento de redes o

·~ de alta velocidade nacionais, tendo como pontos de parti­da abrangências regionais.

Através de um investi­

Bauru O Rio O Cachoeira Claro Ó iracicaba Paulista

Campinas .C) o o

Redes de Computadores (LARC) da Politécnica da USP, Wilson Vicente Rug­giero, também coordena­dor da Rede Metropolitana de Alta Velocidade de São

SÃO PAULO sã3 aulo S.J.dosynpos

mento previsto deUS$ 32,6 milhões, estão sendo estru­turadas desde então 14 Re­des Metropolitanas de Alta Velocidade, as RMAVs, que,

Paulo (RMAV-SP) e do

12 • DEZEMBRO DE 1999 • PESQUISA FAPESP

além de São Paulo e Cam­pinas, incluem as áreas de Belo Horizonte, Brasília,

. .. a partir da sala do governador (de costas à esquerda), no Palácio dos Bandeirantes

Curitiba, Fortaleza, Florianópolis, Goiânia, João Pessoa, Natal, Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro e Salva­dor. Várias dessas redes já estão em pleno funcionamento com relação à atuação regional. Quando essas redes de abrangência metropolitana inicia­rem a interligação entre elas, como agora aconteceu entre a capital pau­lista e Campinas, estará sendo forma­da a Rede Nacional da Internet 2, a ser gerida pela futura RNP2 (Rede Nacional de Pesquisa 2). Um progra­ma comum entre o Ministério da Ciên­cia e Tecnologia (MCT) e o Minis­tério da Educação (MEC) prevê investimentos de R$ 215 milhões até 2004 para garantir essa segunda eta­pa de interligação de todas as redes metropolitanas.

Uma nova rede acadêmica paulista­O funcionamento da Internet 2 bra­sileira começou, na prática, a partir da inauguração da Advanced ANSP, com a interligação de duas das redes de alta velocidade já em fase operacio­nal. A rede em funcionamento prin­cipal, porque a mais ampla e abran­gente, é a Rede Metropolitana de Alta Velocidade de São Paulo (RMAV-SP), que interliga a Universidade de São Paulo (USP), a PUC de SP, o Hospi­tal das Clínicas, no qual se inclui o Instituto do Coração, a Unifesp, à qual pertence a Escola Paulista de Medici­na, e a FAPESP, mais as empresas pri-

vadas de telecomunicação Globoca­bo e Telefônica- que fornecem parte da infra-estrutura da rede, principal­mente quanto à implantação das fi­bras ópticas que carregam os dados em vias largas.

A interligação da RMAV-SP com a Rede Metropolitana de Alta Veloci­dade de Campinas (ReMet) permite agora a comunicação com os institu­tos ligados à Unicamp, mais a Embra­pa, a Prefeitura Municipal de Campinas, apoiadas no consórcio pela operado­ra de tevê por assinatura NET-Cam­pinas, que oferece a estrutura de cabea­mento óptico já instalada na região. Essa é apenas uma primeira etapá e que começa a moldar uma nova Acade­mic Network at São Paulo (rede aca­dêmica paulista), a Advanced ANSP, rede de comunicação de alta veloci­dade que, em princípio, interligará instituições de ensino e pesquisa de 11 municípios de São Paulo. A atual Rede ANSP, também mantida e ge­renciada pela FAPESP desde o lon­gínquo ano de 1989, une por meio dos atuais recursos da Internet todas as instituições do Sistema de Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo.

Como próximo passo, a Advan­ced ANSP deverá estender essa inter­ligação São Paulo-Campinas para a in­clusão de Piracicaba (USP), Rio Claro (Universidade Estadual Paulista -UNESP), São Carlos (Universidade Federal de São Carlos - UFSCAR),

Araraquara (UNESP), Ribeirão Preto (USP), São José do Rio Preto (UNESP), Bauru (UNESP), São José dos Campos (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais - INPE) e Ca­choeira Paulista (INPE). Essas 11 ci­dades poderão trocar informações a velocidades que variam de 34 a 155 Megabits por segundo, dependendo do equipamento instalado e ou dis­ponível. "Um salto fantástico, levan­do-se em conta que hoje têm-se, com a Internet 1, velocidades disponíveis de, no máximo, 2 Megabits por se­gundo", anuncia Glaser, o coordena­dor da Advanced ANSP.

Essas próximas conexões já estão sendo viabilizadas por meio de um acordo de cooperação conjunta ne­gociado pela FAPESP com a Telefôni­ca e Nortel Networks, empresa de in­formática especializada em produtos para redes digitais. "Os links entre essas cidades paulistas, por sua vez, ainda receberão equipamentos com capaci­dade de transmissão de 2,5 Gigabits por segundo, de forma que a Advan­ced ANSP possa ser ampliada con­forme as necessidades de demanda", adianta Glaser.

Outro pilar da implantação da RMAV-SP é o LARC, laboratório da Escola Politécnica da USP. Especiali­zado nas áreas de arquitetura e redes de computadores, o LARC ficou res­ponsável pela escolha da metodolo­gia de trabalho das instituições par­ticipantes, além do desenvolvimento dos aplicativos nas áreas de teleduca­ção, gerência e segurança da rede.

Um salto maior poderá ocorrer a partir do ano 2000, com a implantação de cabos ópticos submarinos que têm potencial para conectar as comunida­des acadêmicas do Brasil e dos Esta­dos Unidos. Este país, por sua vez, deverá fornecer o caminho de comu­nicação por alta velocidade para o restante do mundo. Estima-se que, pa­ra o internauta comum, o uso comer­cial da Internet 2 passará a ocorrer no Brasil a partir do ano de 2002. Da mesma forma que a atual Internet, a Internet 2 poderá, num futuro breve, ser uma ferramenta de serviços e la­zer para milhões de usuários. •

PESQUISA FAPESP · DEZEMBRO DE 1999 13

Discriminação de mulheres na Europa

A posição altamente desvantajosa das mulheres no quadro geral da pesquisa científica "não tem nada a ver com cuidar de filhos". O que acontece é que "os cientistas - como os militares - têm um talento todo especial para deixar as mulheres de fora". A fina ironia é da lavra de Agnes Wold, da Universidade de Gotemburgo, Suécia, autora de um estudo sobre as tendências na concessão de auxílios à pesquisa, publicado pela Nature número 387, de 1997, e participante da European Technology Assessment Network (Etan). Seu comentário veio a propósito de um relatório recente da Etan sobre discriminação na ciência contra mulheres, que ela definiu como "um marco". Preparado para a Comissão Européia, em Bruxelas, e entregue em 23 de novembro, o relatório afirma que práticas de emprego discriminatórias e a participação restrita de mulheres em cargos elevados estão minando os

14 · DEZEMBRO DE 1999 • PESQUISA FAPESP

POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

esforços dos países europeus na busca de excelência na pesquisa científica.

professores universitários de tempo integral, apesar dos diferentes sistemas

O documento, noticiado pela Nature de 25

de pesquisa e culturas

de novembro, mostra que as mulheres representam menos de 15% dos

na Europa. E apresenta dados sobre os associados de academias de ciência espalhadas pelo mundo

Participação feminina nas Academias de Ciência

País

Turquia Islândia Noruega Finlândia Nova Zelândia Irlanda Croácia Estados Unidos Suécia Canadá China Escócia Áustria Alemanha Terceiro Mundo* França Reino Unido Dinamarca t1ungria lndia Espanha Itália Ucrânia Polônia Rússia Japão Holanda

%

14,6 12,3 11 , I 8,0 7,3 6,4 6,3 6,2 5,5 5,3 5,1 4,5 4,2 4,0 3,9 3,6 3,6 3,5 3,3 3, I 2,7 2,6 2,6 2,5 1,7 0,8 0,4

N° de Mulheres

(total)

16 (110) 19 (155) 82 (736) 36 (445) 19 (259) 18 (280) 9 (142)

118 (1904) 19 (347) 48 (899) 27 (533) 54 (1148) 13 (311) 56 (1378) 20 (512)

5 ( 139) 43 (1185)

5 (143) 6 (183)

21 (679) 9 (336)

13 (496) 5 (192) 5 (199)

10 (600) I ( 133) I (237)

*Academia de Ciências do Terceiro Mundo

Fome: Nawre

que, segundo o relatório, compõem um quadro "espantoso" e antidemocrático das instituições vinculadas à política científica. O estudo deve agora ser avaliado pelos representantes dos governos da União Européia envolvidos na promoção de mulheres na pesquisa científica. Entre as recomendações da Etan estão a adoção de medidas legais para garantir o equilíbrio de gênero em instituições públicas e a permissão de acesso aos registros públicos de avaliação por pares na concessão de auxílios, bolsas e cargos. Isso depois de ressaltar que práticas "antiquadas"

persistem em algumas instituições acadêmicas, onde "a dependência de apadrinhamento, a 'rede velho-amigo' e os convites pessoais para preencher cargos se contrapõem a procedimentos limpos e efetivos de emprego".

Menos mal, no Brasil

Para as cientistas brasileiras, uma boa notícia: se o Brasil figurasse na lista da Nature de participação feminina nas Academias de Ciências, apareceria em quarto lugar, com um percentual de participação de quase 9% (mais exatamente, 8,85%), bem acima, portanto, de países como Estados Unidos, Suécia, Alemanha, França e Reino Unido, para citar apenas alguns onde a luta pela ampliação da presença das mulheres nas instituições de pesquisa já é organizada há um bom tempo. Segundo dados da própria Academia Brasileira de Ciências, ela conta hoje com 542 membros, dos quais 48 são mulheres.

Presidente da FAPESP na Academia

Ainda na Academia Brasileira de Ciências: no finalzinho do ano, dia 29 de dezembro, foram eleitos 45 novos integrantes da instituição, entre eles 11 estrangeiros. Um dos novos membros da Academia é o presidente da FAPESP e diretor do Instituto de Física da Unicamp, professor Carlos Henrique de Brito Cruz.

Bolsas para o Jornalismo Científico

Segue até o dia 31 de março o prazo de solicitação de bolsas para o Programa José Reis de Incentivo ao Jornalismo Científico­Mídia/Ciência, que apóia a execução de propostas de pesquisa jornalística que resultem na produção e na divulgação de reportagens em jornais, revistas, rádio, televisão ou mídia eletrônica. Podem se candidatar às bolsas alunos

de graduação ou de pós-graduação, de qualquer área, sem vínculo empregatício, já aceitos como alunos por um Curso de Introdução ao Jornalismo Científico, oferecido por uma instituição acadêmica ou não, com duração mínima de um semestre, e como estagiários por empresa de comunicação ou departamento de comunicação de uma instituição de pesquisa. Os interessados devem encaminhar uma proposta de pesquisa jornalística, com no máximo 20 páginas datilografadas, avalizada por seu supervisor (pesquisador experiente na área da proposta ou um jornalista com experiência em Ciência

e Tecnologia) . Detalhes sobre a elaboração da proposta de pesquisa, o formulário de inscrição, a relação de documentos necessários à inscrição e mais informações sobre o Mídia/Ciência podem ser obtidos no endereço www.fapesp.br, seção programas espeCiais.

FAPESP reelege diretor científico

O físico e engenheiro eletrônico José Fernando Perez, diretor científico da FAPESP, foi reconduzido

pela segunda vez ao cargo para um mandato de três anos. O decreto de nomeação, de 20 de dezembro, foi publicado na edição do dia seguinte do Diário Oficial

do Estado de São Paulo e também registra

a nomeação do médico e diretor da Faculdade

de Medicina da Universidade Estadual Paulista (UNESP) de Botucatu, Paulo Eduardo de Abreu Machado, membro do Conselho Superior da FAPESP, para a função de vice-presidente da Fundação.

Novos nomes no Ministério

O ministro de Ciência e Tecnologia, Ronaldo Sardenberg, empossou, no dia 22 de novembro passado, os três novos secretários do Ministério. São eles: o médico Esper Abrão Cavalheiro, da Universidade Federal de São Paulo, na Secretaria de Desenvolvimento Científico, Antônio Pizarro Fragomeni, na Secretaria

de Desenvolvimento Tecnológico, e o astrónomo João Steiner, na Secretaria de Acompanhamento e Avaliação.

Um Plano das FAPs

Está em fase de discussão o Plano Nacional de Fortalecimento das FAPS (fundações estaduais de amparo à pesquisa), lançado durante a última reunião dessas instituições em 1999, nos dias 2 e 3 de dezembro em Beberibe, Ceará. O documento analisa o papel das FAPs, o sistema nacional de inovação e os mecamsmos de entrosamento entre os centros de pesquisa. Propõe, como objetivo geral, "o desenvolvimento harmónico de uma Política Nacional de Ciência e Tecnologia que contemple as três esferas de governo (União, Estados e Municípios)", de modo a garantir que o conhecimento científico e tecnológico assegure a implantação de políticas sustentáveis de desenvolvimento económico e social do país. O documento pode ser acessado no endereço www.facepe.pe.gov.br/forpesq e comentários e sugestões devem ser enviados até o dia 15 de janeiro. O presidente da Fundação de Amparo à Ciência e Tecnologia de Pernambuco, José Carlos Silva Cavalcanti, que preside também o Fórum Nacional das Fundações, Fundos e Entidades de Amparo à Pesquisa (Forpesq), pretende concluir a redação final do plano até o final de janeiro para, no mês seguinte, entregar

o documento ao ministro da Ciência e Tecnologia, Ronaldo Sardenberg.

Homenagem a Crodowaldo Pavan

A Universidade de São Paulo homenageou, no dia 10 deste mês, o cientista Crodowaldo Pavan, professor emérito da USP e da Universidade Estadual de Campinas, ex-presidente do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e da FAPESP, por ocasião dos seus 80 anos. Para homenageá-lo, foi organizado um simpósio, com o tema "Universidade, Pesquisa e Globalização-o Caso Brasil numa Perspectiva Histórica", realizado na Sala do Conselho Universitário. O evento foi aberto pelo reitor da USP, Jacques Marcovitch, seguido de conferências do professor Paulo Nogueira Neto, sobre "O Brasil e o Meio Ambiente", do pesquisador e diretor do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, Warwick Kerr, sobre "Universidade e Bem-Estar da Sociedade Globalizada", e do diretor científico da FAPESP, José Fernando Perez, sobre "Financiamento de Pesquisa na Era da Globalização". À tarde, foi realizada uma mesa-redonda sobre o tema "Vale a Pena Falar em Desenvolvimento no Brasil? O papel da Universidade e da Pesquisa", seguida da palestra "Pavan, o Homem e o Cientista", proferida por Oswaldo Frota-Pessoa, do Instituto de Biociências da USP.

PESQUISA FAPESP · DEZEMBRO DE 1999 • I 5

POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

Com suas flores amarelas, a cássia é uma das mais belas representantes da flora paulista, destacando-se no conjunto da Mata Atlântica

BIODIVERSIDADE

Comitê externo aprova programa

Biota-FAPESP passa pela primeira reunião de avaliação das pesquisas

D epois de ganhar o Quarto Prê­mio Ford de Conservação Am­

biental, na categoria Iniciativa do Ano em Conservação, em novembro, o pro­grama Biota-FAPESP, o Instituto Vir­tual da Biodiversidade, recebeu, no início de dezembro, mais um aval im­portante: o dos pesquisadores estran­geiros que compõem seu Comitê Cien­tífico Consultivo. "É um programa empolgante, talvez único no mundo", disse um deles, o professor Arthur Chapman, coordenador científico do

16 • DEZEMBRO DE 1999 • PESQUISA FAPESP

Environmental Resources Informa­tion Network (ERIN), do governo australiano.

Chapman participou da primeira reunião de avaliação do programa, entre os dias 6 e 9 de dezembro, na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp ), juntamente com o pro­fessor James Staley, do Departamen­to de Microbiologia da Universidade de Washington, em Seattle, e o pro­fessor Donald Potts, do Departamen­to de Ciências Terrestres e Marinhas da Universidade da Califórnia, em Santa Cruz. O quarto integrante do Comitê, o professor Barry Chernoff, não pôde vir ao Brasil para o encon­tro. Além dos cientistas estrangeiros, participaram da reunião os coorde­nadores dos 15 projetas temáticos do

programa já em curso naquele mo­mento (hoje são 18) e 11 pesquisado­res com projetas em fase de avaliação na FAPESP (há agora um total de 21 projetas nesse estágio).

O ambicioso objetivo do Biota­FAPESP, lançado em 25 de março de 1999, é mapear e analisar o conjunto da fauna e da flora do Estado de São Paulo, desde os microorganismos até as formas de vida mais complexas encontradas nesse território de 250 mil quilômetros quadrados. E entre alguns resultados iniciais do progra­ma, apresentados em Campinas, es­tão a identificação de compostos bio­lógicos importantes para a indústria farmacêutica e a descoberta de novas espécies de peixes de água doce, além do término da estrutura básica do

banco de dados do programa (ver mais detalhes na Pesquisa FAPESP47).

Integração - "A avaliação mostrou que o programa é também muito saudável porque congrega projetos com enfoques diferentes", diz o coor­denador-geral do Biota-FAPESP, o professor Carlos Alfredo Joly, do De­partamento de Botânica do Instituto de Biologia da Unicamp. Mas justa­mente essa variedade de enfoques le­vantou entre os consultores estrangei­ros uma certa preocupação quanto ao risco de dispersão do programa, caso seus vários projetos não sejam ligados de forma eficiente. Joly con­corda. "Precisamos alinhavar todos os estudos para não perder o foco do programa': diz.

De qualquer sorte, isso não pare­ce difícil, dada a própria estrutura do programa, em rede virtual, seguindo o bem-sucedido modelo da rede Onsa, do Programa Genoma-FAPESP. Tal estrutura facilita o contato constante entre os pesquisadores por meio da Internet e desfavorece situações em que cada um volta-se apenas para suas preocupações. "O Biota proporciona a integração de informações e o uso de ferramentas comuns", diz Joly.

Entre essas ferramentas estão o sensoreamento remoto, ou seja, o uso de fotografias tiradas por satéli­tes, e o amplo uso do GPS (Global Position System), sistema que permite a determinação exata da latitude e longitude de um local por meio de comunicações com uma rede de saté­lites. Esses novos métodos chegam em boa hora. "A escala das mudanças é tão rápida e atinge áreas tão enormes que, usando apenas os métodos tra­dicionais, jamais conseguiríamos do­cumentar o que está ocorrendo", diz, por exemplo, o professor Potts.

Documentar é exatamente uma das metas do Biota-FAPESP- e tor­nar disponíveis para governos e socie­dade informações que possam ser usa­das para proteger o que ainda resta da biodiversidade em São Paulo. Por isso as informações colhidas passam para um banco de dados, no qual ma­pas e modelagens mostram o que es-

A fonte de todos os remédios O professor Arthur Chapman

é coordenador científico do En­vironmental Resources Infor­mation Network (ERIN), orga­nismo do governo australiano encarregado da coleta e distri­buição de informa­ções sobre o meio ambiente. O objeti­vo do ERIN, que funciona em Can­berra, a capital do país, é dar subsí­dios ao governo pa­ra a formulação de políticas ambientais, fundamentadas em fatos e informações reais. "Aos políti­

dar temas diversos e compartilhar informações de muitas discipli­nas, da química, biologia e in­formática à lógica.

As experiências podem ser troca­das internacional-mente?

cos, cabe usar os fa- Chapman: empolgante

Acho que há enormes possibili­dades. É importan­te que a política am­biental se baseie em informações cientí­ficas e um programa bem feito fornece-as em muito maior vo­lume. É importante, então, ter uma po­lítica científica capaz de produzir infor­tos para a tomada

de decisões políticas': diz Chap­man. Como pesquisador, seu principal interesse é o mapea­mento de espécies em perigo.

Como funciona o ERIN? O programa é antigo e irre­

gular. Seus recursos vêm das ver­bas públicas para desenvolvi­mento da ciência. O programa ajudou muito a organizar o Go­nhecimento sobre a biodiversi­dade no país, mas depende das verbas que recebe do governo, e elas dependem da prioridade que o governo quiser dar ao assunto.

Há semelhanças entre o ERIN e o Biota?

O Biota é um programa em­polgante, talvez único no mundo. A segurança do financiamento permite o desenvolvimento de projetos em prazo muito curto. Impressiona como ele se desen­volveu em apenas dois anos, des­de que começou a ser discutido, em Serra Negra. E é revigorante ver dezenas de pessoas se r eu­nindo com seriedade, para estu-

mações sobre o meio ambiente.

E se ela não existir? Nesse caso, simplesmente não

saberemos o que está acontecen­do. O grande problema, do pon­to de vista mundial, é que a bio­diversidade está desaparecendo de forma mais rápida que nossa possibilidade de conhecê-la. Nos últimos 300 anos, houve um gran­de esforço científico para tentar descrever a amplidão do mundo. Mas só conseguimos chegar a uma pequena fração do que existe. Agora corremos o risco de per­der a biodiversidade.

O que aconteceria? A biodiversidade é um recur­

so importante para todo o mun­do. Por vários motivos. Mantém a temperatura média estável. For­nece recursos para a sobrevivên­cia do homem. Afinal, tudo vem da biodiversidade. Todos os re­médios vêm da biodiversidade. É importante entendê-la da ma­neira mais rápida possível, antes que ela desapareça.

PESQUISA FAPESP · DEZEMBRO DE 1999 • 17

tá acontecendo em cada parte do Es­tado de São Paulo com relação à bio­diversidade. "Isso permitirá que seja determinada a localização numa área de uma espécie animal ou vegetal e que sejam traçados planos para protegê­la, se, por exemplo, houver a necessi­dade da construção de uma rodovia nesse local", lembra o professor Joly.

Essa integração com a sociedade é um fator muito importante para os contatos entre os coordenadores, pre­vistos para os próximos meses. "Vamos rediscutir continuamente o progra­ma, no sentido da colaboração que podemos oferecer com relação ao avanço do conhecimento, ao aperfei­çoamento da legislação de conserva­ção e à melhoria do ensino nesse cam­po, nos três níveis escolares", afirma o professor da Unicamp. "Estaremos permanentemente definindo as me­tas e os impactos dos estudos do pro­grama para a sociedade", acrescenta.

Finda a reunião em Campinas, nenhum dos três consultores estran­geiros voltou imediatamente para seus países. Potts visitou o Centro de Biologia Marinha, em São Sebastião,

Sinais de perigo no gelo marinho A principal área de interesse do

pesquisador norte-americano James Staley, professor do Departamento de Microbiologia da Universidade de Washington, em Seattle, é a diversida­de e a taxonomia dos micróbios. Nos últi­mos anos, ele vem dedicando atenção especial às chama­das comunidades do gelo, grupos de mi­croorgamsmos que vivem no gelo mari­nho dos oceanos po­lares. Outras áreas de

Qual a importância dos microrga­nismos do gelo marinho?

Eles têm uma importância mui­to grande. Um terço da produção

primária das partes meridionais dos ocea­nos vem das comuni­dades do gelo, grupos de microorganismos que vivem no gelo ma­rinho das regiões po­lares. Essas comunida­des estão em perigo. Elas sentem os efeitos do aquecimento global sobre os pólos.

estudo do professor Staley: aquecimento global A situação é muito gra­ve, então? Staley são as diversi­

dades de bactérias que compõem poluentes, especialmente os carbô­nicos do meio ambiente marinho, além da evolução e extinção de microorganismos em geral.

Sim. O acelerado crescimento da população humana e as práticas industriais e agrícolas estão levan­do a biodiversidade ao colapso. E acordos internacionais sobre o

Impacto sobre a população de corais todos os ecossistemas onde vivem os corais estão mudando devido a transformações globais.

Donald Potts é professor de Bio­logia, diretor do programa Educati­on Aboard e responsável pela Inicia­tiva Internacional da Biodiversidade Marinha do Departamento de Ciên­cias Terrestres e Marinhas da Univer­sidade da Califórnia, em Santa Cruz. Sua principal área de trabalho é a ecologia e evolução das barreiras de coral e dos ecossistemas associados a essas estruturas. Também estuda o desenvolvimento de novas técnicas de sensibilidade de alta resolução para o mapeamento em escala dos organismos de ambientes biológi­cos. "Junto um trabalho de pesquisa em áreas pequenas, bem localizadas, com outro em áreas amplas, com centenas de metros quadrados", co­menta. "Procuro juntar técnicas no­vas a teorias tradicionais."

18 · DEZEMBRO DE 1999 • PESQUISA FAPESP

Qual a importância de programas como o Biota?

A escala das mudanças na biodi­versidade é tão rápida e atinge áreas tão grandes que, usando apenas os métodos tradicionais, jamais conse­guiremos documentar o que está ocorrendo. Estou falando só do que está mudando, não do conhecimen­to global da biodiversidade. Mu­danças excepcionalmente rápidas estão acontecendo, por exemplo, nas áreas onde ocorre a maior parte da população de corais do mundo. Nos países em desenvolvimento, onde muitas pessoas vivem da economia costeira, esses ecossistemas estão mudando rapidamente devido ao impacto humano, crônico e local. Mas as transformações não se limi­tam a essas áreas. Já se acredita que

Como assim? Veja, o aumento do dióxido de

carbono na atmosfera faz com que a água dos oceanos se torne mais ácida. Pode ser que estejamos che­gando a um ponto no qual se torna fisiologicamente difícil a produção de argonita, um mineral de carbo­nato de cálcio presente nos esquele­tos dos corais. É possível que esteja­mos chegando a um ponto no qual não será mais possível produzir essa substância em quantidade suficien­te. Os biólogos estão cada vez mais insistindo nisso. Comunidades cos­teiras que não deveriam mudar es­tão mudando. Sistemas inteiros es­tão sendo dominados por outros tipos de carbonato de cálcio, mais estáveis em águas ácidas, mas que

meio ambiente são importantíssi­mos para que isso não continue acontecendo.

Qual o papel do Brasil nesse contexto? O Brasil é uma fonte excepcio­

nal de recursos da biodiversidade do planeta. O programa Biota vai ajudar a aumentar a compreensão da vasta e fascinante diversidade deste país.

O programa, então, é importante? Sim. O programa não é um mo­

delo apenas para o Brasil, mas para o mundo inteiro. Nos Estados Uni­dos, não temos um quadro tão cla­ro sobre como abordar os proble­mas da biodiversidade.

E por que o Biota é um modelo? Uma das vantagens do progra­

ma Biota-FAPESP é que ele se con­centra num Estado de um país. Nos Estados Unidos, a maior parte das pesquisas é feita olhando-se os as­pectos de toda a nação. Aqui no

não entram na compo­sição dos esqueletos de corms.

O que isso significa? É possível que a

composição do con­junto da biodiversi­dade da natureza esteja passando por uma completa transforma­ção. Achamos que já existem sinais disso.

Brasil, há um grupo de cientistas, representando todas as disciplinas, que pode se encontrar numa sala e conversar. Não conseguiríamos fa­zer isso nos Estados Unidos. Real­mente não conseguiríamos. E fico empolgado ao ver todo esse poten­cial do Biota, que é simplesmente maravilhoso. Podemos dizer que todos os aspectos da biodiversidade estão representados aqui.

Como é possível coordenar este pro­grama de São Paulo com outros pro­gramas internacionais?

Eu acredito que o interesse de cientistas de vários outros países no Biota-FAPESP é muito grande. E existe um desejo natural de que pro­gramas desse tipo sejam realizados em conjunto. O intercâmbio de in­formações em bases mundiais é um assunto empolgante e, na minha opinião, deve ser livre e aberto. Na minha avaliação, o papel do Brasil é importantíssimo para que isso se tor­ne realidade.

Qual o potencial do programa Biota?

Em termos ge­rals, o programa Biota tem o poten- • cial, embora local, em São Paulo, de transformar-se nu­ma fonte responsá­vel e objetiva de opiniões, informa-ções, juízos e acon­selhamento sobre

Isso é um problema. Existem os efeitos lo­

Potts: mudanças rápidas assuntos ligados à biodiversidade e às

cais da atividade humana, as con­seqüências daquilo que as pessoas fazem diretamente com o meio am­biente. Mas também há coisas além do controle da sociedade. Os efeitos da emissão de dióxido de carbono para a atmosfera estão nesse caso. As conseqüências da poluição em geral, também.

conseqüências das mudanças no meio ambiente. Isso para toda a sociedade. Por isso, acho impor­tante que o Biota seja visto sempre como independente. Não deve to­mar partido em questões ambien­tais, mas apresentar resultados con­fiáveis, que sejam aceitos pela comunidade.

onde conversou com uma equipe que aguarda a aprovação de um projeto sobre biodiversidade marinha para ingressar no programa Biota. Staley esteve na Fundação André Tosello, conversando com um grupo que tra­balha em um projeto sobre ecologia mo­lecular e taxonomia de bactérias com importância para o meio ambiente e a agroindústria. Quanto a Chapman, continuou em Campinas, conversan­do com o grupo que elabora o proje­to do sistema de informação ambien­tal do programa. "No bom sentido, nós sugamos dele o máximo de infor­mações'; comenta Joly. "E ele, certa­mente, aprendeu muito com a gente."

No balanço sobre a reunião de ava­liação, o coordenador do Biota-FAPESP pôde ainda comemorar "a forte im­pressão causada nos especialistas es­trangeiros pelo grau de maturidade atingido na execução dos estudos feitos em tão curto espaço de tempo", o re­conhecimento explícito de todos três à importância do programa e sua admi­ração manifesta pela possibilidade de integração dos objetivos do programa com demandas da sociedade. •

Há algo mais que o senhor gostaria de acrescentar sobre o programa?

Abordei um lado da questão. Há outro. Pelo que pude observar aqui em Campinas nesses últimos dias, o programa Biota me parece único. Há outros programas semelhantes, ao redor do mundo, mas nenhum tem potencial e características tão abrangentes.

Isso significa que o programa pode se tornar referência para iniciativas si­milares, inclusive internacionais?

Sim, acho que ele pode ser um modelo para outros programas não só no Brasil, mas no mundo. Se seu desenvolvimento prosseguir da for­ma como se apresenta hoje, creio que criará muitas oportunidades para que o Brasil desempenhe um papel importante no futuro da pes­quisa da biodiversidade, em escala mundial.

PESQUISA FAPESP · DEZEMBRO DE 1999 • 19

CIÊNCIA

ENGENHARIA GENÉTICA

Milhos produtores de hormônio

Substância de origem vegetal abre perspectivas ao tratamento do nanismo

Todas as células de um determi­nado organismo contêm os mes­

mos genes. Mesmo assim, não há con­fusão entre as funções que as células desempenham. O fígado não vai deixar de produzir enzimas para fazer cabe­lo nem a pele vai liberar adrenalina. A harmonia se deve aos chamados promotores, regiões regulatórias dos genes que determinam em que mo­mento, quantidade e local as substân­cias devem ser produzidas. A partir do controle desses maestros do orga­nismo, o pesquisador Adilson Leite, da Universidade Estadual de Campi­nas (Unicamp ), desenvolveu com sua equipe um processo de produção de proteínas em plantas e fez com que se­mentes de milho produzissem o hor­mônio de crescimento humano.

Os resultados obtidos no final de setembro ainda são preliminares, mas promissores. As sementes de mi-lho modificadas geneticamente elaboraram um hormônio de crescimento ou hGH (do inglês human Growth Hormone) que até o momento tem se mostrado idêntico ao pro­duzido pelo organismo hu­mano. Pode estar se abrin- ~

do um caminho para a fabricação, em larga esca­

z g < z z < u

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la e a custos reduzidos, de um composto químico de grande interesse médico. Indispensável no trata­mento de crianças com pro­blemas de crescimento, o hGH é atualmente obtido por meio de bactérias. Segun­do Leite, com o rendimento

20 • DEZEMBRO DE 1999 • PESQUISA FAPESP

Leite: as plantas podem viabilizar a produção de medicamentos a baixo custo

já obtido, bastaria uma área equiva­lente a um campo de futebol para produzir uma tonelada de milho, o suficiente para o tratamento de apro­ximadamente mil crianças por ano.

Paranaense, graduado em Farmá­cia, Leite resolveu há três anos

aplicar os conhecimentos das pesquisas básicas sobre a r.e­gulação de genes em semen­tes, que estudava desde 1988, quando ingressou no Cen­tro de Biologia Molecular e Engenharia Genética (CBMEG) da Unicamp. O trabalho com o hormô-nio de crescimento faz parte do projeto temático Sementes: Regulação Cê­nica da Síntese de Proteí­nas de Reserva e Metabo­lismo de Lisina; e Estudos da Expressão de Proteí­nas, sob sua coordenação, com um financiamento

de R$ 98 mil da FAPESP.

O milho transgênico: primeira geração

Enfoque diferenciado - Há anos os centros de pesquisa do mundo inteiro procuram induzir os vegetais a produ­zir substâncias que lhes são estranhas, utilizando toda a planta, as folhas ou a raiz. Na trilha de poucos especialis­tas dos Estados Unidos e do Canadá, Leite elaborou um mecanismo de ex­pressão genética específico em semen­te, o órgão da planta mais apropriado para armazenar proteínas. As semen­tes- sobretudo a de cereais, como o milho, o sorgo e o arroz - têm um te­cido especializado, o endosperma, um reservatório natural de proteínas, utilizadas quando o embrião germina.

Leite iniciou seu projeto separan­do as duas regiões básicas de todo gene: a estrutural, que indica o que o gene deve produzir (glicose, enzimas ou hormônios, por exemplo), e a re­gulatória, que controla em que partes do organismo, quando e com que in­tensidade ele deve atuar.

Seu plano: tomar o promotor que controla a produção de proteínas de reserva em sementes de sorgo (Sor­ghum sp.), uma planta próxima do mi­lho (Zea mays), e a ela anexar a região

estrutural do gene que controla a sín­tese de hGH. Assim, o gene estaria preparado para produzir hGH, como se fosse uma proteína a ser armaze­nada nas sementes, de acordo com as ordens transmitidas pelo trecho regu­lador. Os músicos seriam trocados, mas o maestro não perceberia. Detalhe: Leite assegura que mesmo produzin­do menos proteína ou amido a semen­te germinará do mesmo modo, por­que as variedades atuais resultam de melhoramento genético e há bastante material de reserva para o embrião.

No início, Leite trabalhou em co­laboração com Hamza El-Dorry, do Instituto de Química da Universida­de de São Paulo (USP), que isolou o gene do crescimento humano, usado em estudos de produção de hGH em bactérias. Com uma cópia desse ge­ne, moldou uma estrutura, o chama­do cassete para a expressão de proteí­nas heterólogas (não produzidas pelo organismo em condições normais) em plantas transgênicas.

O plasmídeo (DNA circular) que os pesquisadores fizeram, para funcio­nar direito, precisa de dois genes: um que levará à produção de hGH e ou­tro que promove a resistência a um herbicida, cuja função é selecionar as plantas modificadas, aptas a produzir hGH. Esse material genético tem ori­gens variadas. Há material genético proveniente do de Coix ( Coix lacryma­jobi, também conhecida como lágri­mas-de-nossa-senhora), uma gramí­nea aparentada do milho, e do vírus do mosaico-da-couve-flor (ver esque­ma ao lado).

O plasmídeo integrou-se ao geno­ma de uma agrobactéria, a Agrobacte­rium tumefaciens, hábil em infectar plantas (são elas que causam os tumo­res ou protuberâncias facilmente per­ceptíveis em caules de árvores). Defi­nido como um veto r de transformação, o plasmídeo encaixa o gene estranho em regiões ativas do cromossoma do milho.

Leite fez com que as bactérias in­fectassem inicialmente folhas de ta­baco (Nicotiana tabacum), que per­mitem a transferência de genes sem grandes dificuldades. Após seleção

O plasmídeo

Estes são os elementos básicos do plasmídeo com o gene do hormônio de crescimento humano

que a agrobactéria poderá implantar no genoma do milho

• Onde, quando e quanto fazer? PGK ou promotor de gama-kafirina é a região regulatória do gene que codifi­ca a proteína de reserva gama-kafirina no sorgo. Informa a molécula de RNA polimerase, no núcleo da célula do milho, sobre quanto, quando e onde do trecho seguinte do gene deve ser copia­do na forma de RNA mensageiro e en­viado para o citoplasma, onde servirá de molde para a produção do hGH.

• Para onde levar? PS ou peptídeo-sinal, retirado da re­gião estrutural de um gene de Coix, di­reciona a produção de hGH para o retículo endoplasmático, um dos com­partimentos da célula, onde o hGH é enovelado corretamente. Uma enzima retira o PS enquanto a molécula de hGH entra no retículo, na etapa final do processo. Depois desse corte, a proteína processada está pronta para ser liberada pela célula.

• O que fazer? O hGH representa a região do gene re­tirado da hipófise que contém as infor­mações necessárias para a produção do hGH.

• Quando parar? O 3'355 é um sinal de terminação do processo de transcrição (cópia) do ge-

Fonte:Adilson Leite, CBMEG, Unicamp

As bordas direita e esquerda limitam o trecho de DNA a ser transferido da agrobactéria para o genoma do milho

As setas indicam o sentido de leitura dos genes

ne para RNA mensageiro. É um trecho de RNA do vírus que causa o mosaico­da-couve-flor.

• Onde, quando e quanto fazer? O P35S é um promotor, que controla a expressão do gene seguinte, o bar. Também se origina do vírus que causa o mosaico-da-couve-flor.

• O que fazer? O gene bar promove a resistência a um herbicida, que vai ajudar na seleção das plantas transformadas geneticamente. Contém as informações para a produ­ção da enzima fosfinotricina acetil-trans­ferase, que confere resistência ao her­bicida fosfinotricina.

• Quando parar? O 3'NOS é um trecho de um gene da própria agrobactéria que atua como si­nal de terminação e assinala o ponto fi­nal do processo de produção do RNA mensageiro a partir do gene bar.

• Como selecionar? Spc• é um gene que promove a resis­tência ao antibiótico espectinomicina. Funciona como uma marca para selecio­nar e reconhecer as agrobactérias: as que receberem o plasmídeo serão re­sistentes ao antibiótico e poderão ser implantadas no genoma do milho.

PESQUISA FAPESP · DEZEMBRO DE 1999 • 21

com um antibiótico, 67 plantas cres­ceram normalmente e produziram hGH. Mas nem tudo estava resolvi­do. "Para produzir proteína, a semen­te de tabaco é amadora, com um es­paço restrito de armazenamento de proteínas", diz ele.

A passagem para o milho exigiu al­guns ajustes. Um deles, a substituição do antibiótico por um herbicida, fi­cou a cargo de Paulo Cézar De Lucca, que faz doutorado, e de Edson Luís Kemper, em pós-doutoramento, e Márcio José da Silva, pesquisador do CBMEG. As sementes de milho, estas sim, são profissionais, bem maiores -um galpão de uma fábrica, enquanto a outra seria equivalente a um carri­nho de supermercado. Com o tabaco, diz Leite, o rendimento era de 0,2%. Em milho, os resultados preliminares indicam uma produção próxima a 0,5% de proteína solúvel, de modo que de uma tonelada possam ser ex­traídas 250 gramas de hGH.

Germinaram 4.000 sementes de milho, cujas linhagens incorporaram o gene de hGH (ver ilustração do pro­cesso). Das 300 já analisadas, quatro incorporaram o gene estrangeiro ao genoma e uma, pelo menos, produz a proteína desejada na semente. "Foi uma surpresa que tenha funcionado", reconhece Leite. Tabaco e milho, lem­bra ele, são plantas bem distintas. A primeira, uma dicotiledônea, tal qual o feijão e soja, é mais conhecida e, principalmente, sensível às agrobac­térias disponíveis quando o trabalho começou. O milho, uma monocotile­dônea, como o arroz, era indiferente às agrobactérias de três anos atrás. Só pôde ser atingido por um novo plas­mídeo, chamado superbinário, que fez as bactérias mais virulentas.

Mas o gene continuará se expres­sando? Leite não arrisca um palpite, mas conta que no tabaco a técnica per­mitiu que o gene se mantivesse ativo durante sete gerações seguidas- um resultado considerado ótimo, que in­dica que o material foi incorporado pelo genoma da planta.

Moléculas idênticas - Leite ainda não estimou os custos da purifica-

22 • DEZEMBRO DE 1999 • PESQUISA FAPESP

Agrobactéria

As mudanças na semente de milho

O matérial genético com as informações para a prara a produção de hormônio de crescimento humano chega ao genoma

do milho por meio de agrobactérias

• Hipófise

O Os pes­quisadores

isolam o trecho do DNA do núcleo

das células da hipófise que contém o gene que induz à produção

de hormônio de crescimento (hGH).

/

A Da semente de V sorgo, retiram a região regulatória, um trecho do gene que controla a produção de uma proteína de reserva.

e O trecho do gene com a mensagem

gue codifica o hGH é fundido com a região egulatória do sorgo

O DNA está preparado para produzir hGH,

Plasmideo o :...:::.::==---em vez de proteínas da semente.

Cultura de embriões

Célula vegetal

Fonte: Adilson Leite. CBMEG. Unicamp

O O DNA recombinante é adicionado a um veto r de transformação, um plasmídeo (DNA circular),

que será implantado em agrobactéria.

A Células de embriões imaturos de mílho são V colocadas em contato com uma solução com as agro bactérias, que vão infectar as plantas e transferir-lhes o gene de hGH. As agrobactérias recebem também um gene que promove resistência a um herbicida, que servirá para as selecionar as células transformadas, eliminando as sensíveis ao herbicida, que não incorporaram o plasmídeo

O Os embriões são transferidos para um meio de cultura semi-sólido com o herbicida,

que só permite o crescimento das células que receberam o conjunto de genes de hGH e de resistência a esse herbicida.

O O genoma das células selecionadas obrigatoriamente incorpora

o DNA recombinante.

A As células de embrião, crescendo, podem V regenerar a planta inteira, que vai produzir hGH apenas na semente.

O Por meio de métodos físico-químicos, o hGH é extraído das sementes,

que podem também ser armazenadas

Fusão genética: o embrião de milho transgênico (esquerda, em início de regeneração) contém material de sorgo (centro) e de Coix

ção do hormônio de crescimento, mas se certificou de que pode ter aberto um caminho inovador. O hGH é produzido atualmente em bactérias em condições muito me­lhores do que no início do século, quando era retirado da hipófise de cadáveres, sob risco de contamina­ção. "Em plantas, esse risco é muito menor", assegura.

Além disso, o hGH extraído de sementes está pronto para ser usado. Segundo o pesquisador, o hGH pro-

duzido em bactéria tem um amino­ácido a mais, a metionina, que pode ser vista como antígeno pelo orga­nismo e originar uma reação alér­gica. No sintetizado em plantas, diz ele, o primeiro aminoácido é a fe­nil-alanina, tal qual ao produzido normalmente em humanos.

Leite conta que é importante veri­ficar com o máximo rigor se o hor­mônio produzido pela planta é idên­tico ao elaborado pelo organismo humano. Segundo ele, todas as análi-

A nova frente da biotecnologia Pesquisas como a realizada

pela equipe de Adilson Leite, na Unicamp, reforçam a posição do Brasil em uma nova área de pes­quisa biotecnológica que avança rapidamente no exterior. É acha­mada Molecular Farming ou Agro­pecuária Molecular, que consis­te no uso de plantas e de animais como biorreatores ou minifá­bricas de proteínas de interesse farmacêutico ou industrial, como enzimas, anticorpos e vacinas, a baixo custo e em grande quan­tidade.

Já há empresas nos Estados Unidos que produzem anticor­pos monoclonais em plantas, em

lotes milhares de vezes maiores que os hibridomas (cultura de células de camundongos), a pon­to de permitir seu uso intensivo, até mesmo em pomadas. Mesmo os desvios das pesquisas estão se mostrando úteis. Pesquisadores norte-americanos anunciaram há quatro anos que foram capa­zes de produzir um anticorpo do tipo IgA, a partir de tabaco. Esse anticorpo reconhece a ade­sina, uma proteína da parede da bactéria responsável pela fixa­ção da bactéria na dentina. Foi o bastante para ganhar uma apli­cação mais trivial, como aditivo em dentifrício.

ses realizadas até o momento indi­cam que são indistinguíveis. Quanto maior a semelhança, menor a necessi­dade de testes a serem feitos e mais concreta a possibilidade de licencia­menta da tecnologia para início de comercialização. ''A ação depende da estrutura", diz ele. Por garantia, estão previstos experimentos em animais sem hipófise, que vão se somar aos já realizados com o hormônio proveni­ente de semente de tabaco, que, como se verificou, reconhece os receptores das células-alvo de fígado de coelho, usadas nas experiências, tal qual o hormônio produzido pelo próprio organismo. •

PERFIL:

• ADILSON LEITE, 42 anos, graduou­se em Farmácia na Universidade Estadual de Ponta Grossa, no Para­ná, e obteve o doutoramento em Bioquímica pela Universidade de São Paulo. Trabalhou na Fundação de Tecnologia Industrial (FTI), de Lorena, e na Agroceres. Ingressou em 1988 no Centro de Biologia Molecular e Engenharia Genética (CBMEG) da Universidade Esta­dual de Campinas (Unicamp ). Projeto: Sementes: (1) Regulação Cê­nica da Síntese de Proteínas de Reser­va e Metabolismo de Lisina; (2) Estu­dos da Expressão de Proteínas Investimento: R$ 98.010,00

PESQUISA FAPESP · DEZEMBRO DE 1999 • 23

CIÊNCIA

Macacos-prego: no Brasil, vivem em florestas, cerrado, caatinga e em áreas degradadas, mas são pouco estudados fora da Amazônia

COMPORTAMENTO ANIMAL

O mais inteligente das Américas Macacos-prego são estudados em liberdade na Mata Atlântica paulista

Curiosos, inquietos e relativ~­mente pequenos, com no ma­

ximo meio metro de altura quando em pé e um tufo de pêlos no alto da cabeça que lembra um topete, eles im­pressionam. Não há matuto ou espe­cialista em primatologia que fique indiferente ao ver um macaco-prego ( Cebus apella) usar ferramentas- wna pedra, por exemplo, para quebrar co­cos. Os estudos científicos têm de­monstrado que tão intrigante quanto a habilidade manual é a organização social e o comportamento dessa es­pécie, considerada por especialistas como a mais inteligente das Améri-

24 • DEZEMBRO OE 1999 • PESQUISA FAPESP

cas. Pesquisadores brasileiros, norte­americanos e italianos, entre outros, interessam-se de modo crescente ppr esse campo, até como uma opção para estudos comparativos com o chim­panzé (Pan troglodytes), que na natu­reza vive longe do Brasil, na África.

Os macacos-prego espalham-se pela América do Sul, da Colômbia à Argentina. No Brasil, ocupam am­bientes tão variados quanto a Flores­ta Amazônica, o cerrado, a caatinga e a Mata Atlântica. Mas pouco se co­nhece sobre seus mecanismos de adaptação a cada um desses ambien­tes, porque a maior parte dos estudos a respeito dos hábitos alimentares e sociais dessa espécie foi realizada na Amazônia, sujeita a um regime anual de chuvas e de seca, que determina a abundância ou a escassez de alimen­tos, com implicações sobre a estrutu­ra social dos animais. A bióloga Pa-

trícia Izar quis saber como o Cebus apella se comportaria em outro espa­ço, não sujeito a tamanhas variações de clima e oferta de alimento.

Professora de etologia humana na Faculdade de Comunicação da Pon­tifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo, Patrícia partiu de um estudo feito nos anos 80 pelo biólogo norte­americano Charles Janson. Trabalhando na Amazônia peruana, Janson identi­ficou uma hierarquia de dominância perfeitamente linear na estrutura social dos macacos-prego. Na prática: o che­fe do grupo bate em todos os outros e ninguém bate nele, o subordinado imediato só apanha dele e bate nos outros, e assim por diante. Havia tam­bém muitas relações agressivas.

Para descobrir se haveria uma es­trutura social diferente nwn ambiente com outras características ecológicas e de oferta de alimento, Patrícia esco-

lheu uma área de Mata Atlântica, a Base Saibadela, no Parque Estadual Intervales, no município de Sete Bar­ras, no sul do Estado de São Paulo, a cerca de 300 km da capital. E, de 1995 a 1997, desenvolveu o estudo que resul­tou em sua tese de doutoramento na área de psicologia experimental, apre­sentada em junho de 1999 no Insti­tuto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP) sob o título Aspectos de Ecologia e Comportamento de um Grupo de Macacos-Prego ( Cebus apella) em Área de Mata Atlântica, São Paulo.

Durante o mestrado, Patrícia ha­via estudado a análise da estrutura

Em fuga- Com bússola, binóculo, ca­derneta de campo, um lanche para atravessar o dia e sacos plásticos para embalar as fezes dos macacos, indica­doras de seus hábitos alimentares, a bióloga dedicava de 8 a 13 horas diá­rias para observar os animais. Perma­necia em sua área de estudos durante 19 dias seguidos (entre dias 1 o e 20 de cada mês), desde abril de 1995 a de­zembro de 1997. Não foi fácil: de modo inesperado, o grupo de 14 a 16 macacos que escolheu para acompa­nhar não se habituou à presença de observadores humanos durante os 33 meses da pesquisa. "Foi um com-

próxima a Campinas, por exemplo, agricultores espantam com cachorros e tiros de sal os macacos que invadem plantações de milho, mas os animais não estranham os seres humanos.

O comportamento de fuga desa­pareceu durante a c~va, um recurso comum utilizado por primatologistas. Pondo alimento, normalmente bana­nas, os macacos se aproxm1am e come­çam a ver os humanos talvez como amigos. Depois de tanto se aproxi­mar dos animais e eles fugirem gri­tando, Patrícia refez os planos de tra­balho com seu assistente de campo, Valmir Jorge, ex-palmiteiro e planta­

dor de arroz e banana de 32 anos que morou no próprio parque. Monta­ram um tablado de madei­ra a dois metros de altura em que, diariamente, dei­xavam 60 bananas. Os ma­cacos aprmamavam-se, pe­gavam as bananas, talvez encarando a situação como inofensiva, habituavam-se com a presença humana durante alguns minutos e em seguida fugiam.

social de um grupo de ma­cacos-prego em condições de semicativeiro, no Parque Ecológico do Tietê, na re­gião metropolitana de São Paulo. Para fazer o doutora­do, foi diferente. Orientada pelo especialista em psicolo­gia experimental Takechi Sato, coordenador da pes­quisa Estrutura Social de Macacos-Prego (Cebus apel­la) em Mata Atlântica, que contou com recursos de R$ 10 mil da FAPESP, pas­sou um total de 5 mil ho­ras na floresta. Escolhida

Patrícia e Sato: constatação de reações atípicas nos macacos

Num último recurso, Patrícia e Valmir construí-

por causa da elevada pluviosidade, que mantém a oferta de alimentos mais ou menos constante ao longo do ano, a Base Saibadela é uma mata praticamente homogênea, com árvo­res de 20 a 30 metros, abundância de trepadeiras e epífitas, o grupo das or­quídeas e bromélias.

Como Patrícia verificaria, as fo­lhas das bromélias constituem a dieta alimentar mais procurada pelos ma­cacos-prego quando a variedade dos alimentos preferenciais torna-se me­nor, em épocas de chuvas mais raras. Sabe-se desde os anos 80 que esses macacos se alimentam principal­mente com frutos maduros, mas não dispensam insetos, brotos, flores e se­mentes como complementos à dieta. A pesquisadora conta que a utilização do recurso mais abundante é uma característica de Cebus apella, que se adapta inclusive a áreas degradadas.

portamento atípico para a espécie", diz ela. Não houve a chamada habi­tuação, como é chamada a tolerân<;ia à presença de seres humanos.

O imprevisto gerou um fato novo para análise. "O mais provável é que o comportamento desse grupo se deva a contatos anteriores com caçadores", justifica a pesquisadora. Intervales fo­ra uma área particular onde havia caça até 1987, quando se tornou re­serva florestal. Como um macaco­prego pode viver até 18 anos na natu­reza, Patrícia acredita que os animais adultos do grupo estudado tenham sido submetidos a episódios de caça e aprenderam a fugir - esse é o chama­do condicionamento operante, nas­cido de um estímulo hostil e repetido em situações semelliantes. Mas ela sabe que o suposto trauma pode coexistir com outras razões, pois há grupos que vivem em áreas de caça. Numa região

ram uma gaiola e - era 13 de fevereiro de 1997 - capturaram uma fêmea adulta. Prenderam-llie um radiocolar, sob anestesia. O cuidado era extremo: durante essa operação, a equipe - da qual participavam tam­bém o veterinário Alexandre Lima e a bióloga Valesca Zipparro - usava um capuz preto cobrindo o rosto, para que os animais não os estranhassem ainda mais. Do alto das árvores, os outros animais observavam. A fêmea reintegrou-se ao grupo, mas um mês depois o colar foi perdido, provavel­mente arrancado. "Deve haver uma conjunção de fatores, inclusive carac­terísticas de temperamento do grupo, que explique esse comportamento': diz a pesquisadora. Para Sato, seu ori­entador, o conceito de habituação ainda é mal definido: "Esses fatos ajudam a refletir melhor sobre os processos de habituação e suas con­seqüências para uma pesquisa".

PESQUISA FAPESP · DEZEMBRO DE 1999 • 25

Dispersar de sementes - O trabalho não se perdeu. Patrícia, que recolheu restos de alimentos e amostras de fezes, levantou informações importantes pa­ra o estudo da espécie em liberdade e seu papel ecológico. Constatou que o macaco-prego atua intensamente na dispersão de sementes, uma idéia já delineada em estudos anteriores e comprovada quando ela encontrou sementes de 88 espécies de plantas, a maioria de árvores, em 93 amostras fe­cais de Cebus apella. Em suas andan­ças, recolheu também o material deixado pelos mono-carvoeiros (Brachyteles arachnoides), a maior espécie de macaco das Américas, exclusivo da Mata Atlântica, com um resultado semelhante: em 27 amostras fecais ela encontrou 30 espécies de sementes. Obviamen­te, quanto mais sementes espalha­das, maiores as chances de sobre­vivência das plantas.

Um teste feito em laboratório com sementes da Virola bicuhyba, uma árvore que pode chegar a 30 metros de altura, mostrou esse poder de dispersão. Germinam So/o das se­mentes contidas nas fezes dos maca­cos. Segundo Patrícia, é um resulta­do superior ao encontrado por sua colega Valesca, que estudou essa planta durante seu mestrado em eco­logia na Universidade Estadual Pau­lista (Unesp) de Rio Claro. Valesca distribuiu 2 mil plântulas de virola embaixo de uma árvore - e só uma sobreviveu, isto é, 0,005%.

Outro ganho de sua pesquisa diz respeito à movimentação dos animais. O grupo estudado muda de área de anos em anos e assim amplia a área total de que se utiliza. Segundo a pes­quisadora, esse fato não era tão conhe­cido. Charles Janson, o mesmo cuja obra forneceu a teoria inicial para o trabalho de Patrícia, desenvolve em Iguaçu, na Argentina, um estudo so­bre a estratégia de forrageamento do macaco-prego, com a utilização de plataformas com alimentos. Verificou que os animais seguem trajetórias re­tas entre uma plataforma e outra e le­vam em consideração a relação entre o custo e o benefício para se desloca-

26 • DEZEMBRO DE 1999 • PESQUISA FAPESP

rem de uma plataforma a outra. "Pa­ra efetuarem grandes deslocamentos, a fonte de alimento deve ser realmen­te compensadora, de modo que o ga­nho seja maior do que o esforço", diz Patrícia. Suas observações, realizadas numa área diferente, confirmam as análises de Janson a respeito da se­qüência de deslocamentos dos ani­mais. "Essa idéia explica por que os macacos-prego ficam por um tempo demorado numa subárea antes de se deslocar para outra", diz ela.

Comparações - Para Sato, o mérito essencial do trabalho da bióloga é ter estudado o macaco-prego em liberdade, fato destacado por outro especialista, Eduardo Ottoni, também do Depar­tamento de Psicologia Experimental do Instituto de Psicologia da USP. Três orientandos de Ottoni, além de­le próprio, estudam o comportamen­to dessa espécie no Parque Ecológico do Tietê. Analisam o uso de ferramen­tas e a dinâmica do aprendizado, veri­ficando como os filhotes aprendem com a observação dos adultos.

Segundo Ottoni, o macaco-prego representa um modelo comparativo exemplar para contraste dos estudos

A dieta: de preferência, frutos como a banana ou o bocuva, da vi rola (ao lado)

de comportamento e cognição com pri­matas mais próximos do homem, co­mo o chimpanzé. "Mesmo que esteja distante em termos filogenéticos, o ma­caco-prego possibilita um contrapon­to para o estudo do comportamento e da capacidade cognitiva do chim­panzé", diz ele. Segundo Patrícia, um renomado especialista em comporta­mento social de chimpanzés, o prima­tólogo holandês Frans de Waal, que trabalha nos Estados Unidos, tem se in­teressado pelo estudo da estrutura so­cial do macaco-prego, que ele conside­ra o Chimpanzé das Américas. •

PERFIS:

• TAKECHI SATO, 52 anos, especialista em Psicologia Experimental, fez a graduação, o mestrado e o doutora­do no Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP), onde leciona desde 1975. • PATRíCIA IZAR, 31 anos, é bióloga graduada pelo Instituto de Biociên­cias da USP, com mestrado e douto­ramento em Psicologia Experimen­tal pelo Instituto de Psicologia da USP, e professora de Etologia Huma­na na Faculdade de Comunicação da Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo desde 1999. Projeto: Estrutura Social de Maca­cos-Prego (Cebus apella) em Mata Atlântica Investimento: R$ 10.020,00

' J.

CIÊNCIA

García, da Unicamp: valorização das amêndoas de Theobroma

Chocolate de cupuaçu

Estão avançadas as pesquisas para a produção do cupulate, um produto análogo ao cho­colate, feito com amêndoas de cupuaçu. Pouco conheci­do no Sudeste, o fruto do cu­puaçuzeiro ( Theobroma gran­dijlorum), uma árvore da Amazônia, é ovalado, com peso médio de 1,2 kg. Forne­ce a polpa, usada em doces, sorvetes e licores, e as amên­doas, ainda mal utilizadas -normalmente, como adubo. A situação pode mudar. Os pesquisadores Jaime Aguiar e Giorgini Venturieri, do Insti­tuto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), de Manaus, comprovaram que as semen­tes podem ser fermentadas e secas em uma caixa de ma­deira e em seguida torradas, moídas e moldadas. Tornam­se assim uma fonte de ener­gia: de cada quilograma de amêndoas se obtém 350 gra­mas de chocolate bruto em bastão. O teor de gordura e o poder calórico são equivalen­tes aos do chocolate comum,

feito com as amêndoas de uma planta do mesmo gênero, oca­caueiro ( Theobroma cacao) . Na Unicamp, um grupo conduzido por Marisa Jackix, Nelson Pe­zoa García e Lireny Gonçalves, em colaboração com Georgin­ni Venturieri, da Universidade Federal do Pará, trabalham na otimização dos processos de fermentação, torração, tem­peragem e na caracterização físico-química e organolépti­ca da manteiga e pós de várias espécies de Theobroma. •

Plantas que sobrevivem à seca

Num congresso realizado em novembro em Londres, Julian Schroeder, da Universidade da Califórnia, nos Estados Uni­dos, comunicou um progres­so na busca de plantas resis­tentes à seca, cada vez mais estudadas em vista da cres­cente escassez de água no mundo. Sua equipe conse­guiu identificar os genes que controlam um hormônio res­ponsável pela abertura e pelo fechamento dos estômatos (poros da superfície das fo-

lhas), por mew dos quais ocorrem a troca gasosa e a evaporação de água. Na seca, esse hormônio, o ácido abscí­sico, dispara uma série de re­ações químicas, que fecha os poros e reduz a perda de água. Um dos genes controlados pelo ácido abscísico, o Era1, age como um freio de mão no fechamento dos estôma­tos. Plantas sem esse gene são hipersensíveis ao hormônio e fecham os poros muito rapi­damente. Resistiram a 12 dias sem água e se mantiveram verdes, enquanto as do grupo controle morreram. •

Os insetos e a qualidade da água

Pesquisadores da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) testaram com sucesso um método de avaliação ambiental, em uso nos Estados Unidos e na Eu­ropa, que aponta o grau de contaminação dos rios. Cha­mada Conceito pe Rio Con­tínuo, essa técnica faz uma previsão de como as comuni­dades biológicas se organi­zam da cabeceira à foz de um rio, de acordo com a largura, profundidade, vazão, vege­tação e poluição. A equipe coordenada por Darcílio Fer­nandes Baptista estudou as

comunidades de invertebrados, sobretudo insetos, do rio Ma­caé, no sudeste do Rio. A va­riação nas populações, deter­minada pela concentração de substâncias químicas e dejetos orgânicos, indicou as áreas dos rios mais afetadas e as mu­danças na biodiversidade. O plano agora é analisar outros rios, de modo a contribuir pa­ra a implantação de uma nova metodologia de avaliação de água no Brasil, hoje realizada por análises químicas, físicas e bacteriológicas, e facilitar os procedimentos de redução do impacto ambiental. •

Centro de pesquisas em citricultura

Começou a funcionar em no­vembro em Araraquara o Cen­tro de Diagnósticos de Pragas e Doenças de Citros, criado pelo Fundo Paulista de Defesa da Citricultura (Fundecitrus), a pedido dos produtores, a um custo estimado de R$ 1,5 milhão, com apoio financeiro da FAPESP. Na inauguração, o ministro da Agricultura, Mar­cos Vinícius Pratini de Moraes, ressaltou: "Este centro de pes­quisas representa o momento em que a ciência brasileira en­tende a contribuição que pode dar para o desenvolvimento econômico". Com um labo­ratório de 470 metros qua­drados, três estufas climatiza­das e oito pesquisadores e um gerente científico, o centro de pesquisas vai ampliar o estudo e o combate de doenças que atacam os citros, como a CVC (Clorose Variegada dos Citros), o cancro cítrico, a pinta preta, o bicho-furão e outras que ain­da não chegaram aos pomares brasileiros, mas já se manifes­tam em outros países. •

PESQUISA FAPESP · DEZEMBRO DE 1999 27

CIÊNCIA

Alvarez: software desenvolvido no Instituto de Zootecnia substitui as fichas em papel e dá autonomia a veterinários e pecuaristas

PECUÁRIA

Bois criados pelo computador Programa simplifica o acompanhamento da produtividade do rebanho

A ntes limitados à prevenção e ao tratamento de doenças em ani­

mais, os veterinários estão ganhando mais espaços e responsabilidades, co­mo resultado das necessidades espe­cíficas de seus clientes, os criadores. No mundo todo, adquirem uma par­ticipação crescente no acompanhamen­to e no planejamento das técnicas de criação, sobretudo de bovinos leitei­ros e de corte. Os novos tempos exigem decisões rápidas, apoiadas em infor­mações precisas da saúde e da produ­tividade dos rebanhos. No entanto, as fichas zootécnicas, tradicionalmente utilizadas para compilar manualmen-

28 • DEZEMBRO DE 1999 • PESQUISA FAPESP

te essas informações, embora eficien­tes para controlar um número reduzi­do de animais, são de valor limitado para acompanhar e avaliar o desem­penho de rebanhos relativamente gran­des, maiores que 100 animais.

Por padecer desse problema, um pesquisador do Instituto de Zootec­nia de Nova Odessa resolveu se valer da informática para agilizar esse pro­cesso. Especialista em reprodução ani­mal, o veterinário Rafael Herrera Al­varez, que trabalha com pesquisas em inseminação artificial, transferência de embriões e outras técnicas de re­produção, precisava de diagnósticos precisos e instantâneos para fazer o manejo adequado dos rebanhos bo­vinos envolvidos nas suas pesquisas­algo bastante difícil com as fichas de papel. Três anos depois de apresentar à FAPESP o projeto de pesquisa De­senvolvimento de um Sistema Compu-

tacwnal para o Controle Zootécnico e Reprodutivo de Bovinos, para o qual re­cebeu um financiamento de R$ 11,2 mil, Alvarez está concluindo um progra­ma de computador que permite ave­terinários, pesquisadores e pecuaris­tas um gerenciamento mais eficiente da produção, da saúde e da reprodu­ção de rebanhos bovinos.

Como quase tudo em Ciência, o Sistema de Gerenciamento de Reba­nhos, SGR, é uma obra coletiva. Foi desenvolvido em parceria com Carlos Renato Vilela, técnico em informáti­ca e diretor da empresa Prisma Infor­mática, de Nova Odessa. Alvarez, um mexicano que mora e trabalha no Bra­sil desde 1985, contou também com a colaboração de outro especialista em estatística e.computação, Antônio Ál­varo Duarte de Oliveira, também pes­quisador do Instituto de Zootecnia. Já na etapa de ajustes finais, o soft-

ware deve ser oferecido às institui­ções públicas de pesquisa no Estado de São Paulo a partir de meados do ano 2000, segundo o coordenador do projeto.

Embora possa atender ao ensino, à pesquisa e à extensão rural, o SGR tomou forma sob a inspiração das ne­cessidades do veterinário, o profissio­nal mais capacitado para exercer a fun­ção de guardião da saúde integral do rebanho e conselheiro dos pecuaris­tas na tomada de decisões a respeito do manejo dos animais. No caso bra­sileiro, lembra Alvarez, o veterinário é fundamental para os pecuaristas que encaram a exploração animal como um negócio que depende da rentabi­lidade econômica. Esses pecuaristas, que detêm aproximadamente 10% dos rebanhos no Brasil, atualmente res­pondem por cerca de 40% da produ­ção nacional de carne e leite.

Autonomia - O Catálogo de Software Rural, distribuído pela Empresa Bra­sileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) lista uma dezena de pro­gramas para o setor leiteiro e de cor­te, mas nenhum, na avaliação de Al­varez, cobria satisfatoriamente as necessidades do veterinário, particu­larmente na área de reprodução. Há, segundo ele, bons sistemas de contro­le zootécnico centralizados pelas as­sociações, que enviam relatórios men­sais aos produtores de leite. Alvarez examinou também os sistemas de in­formática para controle de bovinos em uso desde os anos 70 nos Estados Uni­dos, Canadá, Austrália, Grã-Bretanha, Holanda, França e Bélgica até chegar ao modelo teórico que levou ao SGR.

Quando instalados na própria fa­zenda, os sistemas de computação po­dem permitir o acesso imediato aos re­gistras, a adequação às necessidades de rebanho e a independência em re­lação a um computador central. E o veterinário pode atualizar os dados a cada visita: basta colocar o disquete do computador da fazenda no do ve­terinário. Ficará mais fácil, enfim, ana­lisar o comportamento do rebanho. Segundo Alvarez, no caso de um re­banho de porte médio, de até 200 va-

cas, com parições durante todo o ano, uma visita mensal é o suficiente para o veterinário realizar o exame do reba­nho e discutir com o produtor mudan­ças na rotina de manejo para alcançar os objetivos previamente estabelecidos.

"Desenvolvemos um programa que registra, processa e recupera infor­mações sobre as atividades zootécni­cas envolvidas na criação de bovinos e fornece relatórios que permitem

O sistema considera os critérios zootécnicos básicos, organizados na forma de menus. Um deles, o cadastro, apresenta a identificação de cada ani­mal, com seu nome, um código, o re­gistro da associação de criadores, data de nascimento, raça, origem e identi­ficação completa dos pais e dos avós. Outro, o eventos, leva em conta os even­tos reprodutivos, sanitários e de ma­nejo. Inclui a profilaxia, manejo, indu-

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Um dos men us do SGR: em detalhes, a identificação e o desem penho de cada animal

avaliar, a qualquer momento, o de­sempenho produtivo, reprodutivo, incluindo transferência de embriões, e sanitário do rebanho", diz o pesqui­sador. Segundo ele, o software pode elaborar também um banco de dados das atividades de transferência de embriões para análise dos fatores que influenciam os resultados de produ­ção de embriões e índices de prenhez.

A estrutura - Segundo seu criador, o SGR controla a maioria dos eventos referentes à rotina de manejo dos re­banhos de gado de corte e de leite. O banco de dados contém informações detalhadas sobre o desempenho repro­dutivo, a identificação de novilhas em idade de reprodução mas que ainda não estão no cio, de vacas em dife­rentes fases de reposição que estão em lactação e ainda não entraram num novo ciclo para serem cobertas.

ção de cios, cios, serviços, diagnóstico de prenhez, transferência de embriões, secagem, parição, exames reproduti­vos e clínicos, aborto, descartes de ani­mais e controles produtivos.

Mais adiante, o menu produção registra a produção individual ou do rebanho e o ações cataloga as ativida­des diárias do animal ou do rebanho, como as observações de cio, parições, exames reprodutivos e clínicos, inse­minações, profilaxia, tratamentos ve­terinários e manejo. Além disso, no inventário, o programa permite o con­trole do estoque de embriões, de sêmen e de medicamentos e a verificação glo­bal dos índices reprodutivos, produ­tivos e de transferência de embriões. Acompanhado de um manual de ori­entação do usuário, o programa po­de emitir relatórios com informações provenientes de qualquer um desses menus.

PESQUISA FAPESP · DEZEMBRO DE 1999 • 29

Cada usuário pode armazenar as informações de acordo com o crité­rio ou padrão que achar melhor. No Centro de Genética e Reprodução do Instituto de Zootecnia, o padrão uti­lizado para acompanhar o rebanho experimental de cerca de 500 ani­mais determina, por exemplo, que as vacas devem entrar no cio 40 dias após o primeiro parto- as que ultra­passarem esse período serão identifi-

O SGR avalia o desempenho dos inseminadores, cadastrados com no­me e código, da mesma forma que controla a eficiência do sêmen de ca­da touro, o valor da dose, a quantidade disponível, o número de doses utiliza­das na inseminação. Com essas infor­mações, pode elaborar um histórico da fêmea inseminada. O controle de coleta de embriões funciona de modo semelhante: o sistema registra o códi-

A composição do rebanho: gráficos permitem a visualização e a tomada de decisões

cadas pelo computador. Nos padrões estabelecidos para os bezerros, o programa estabelece que o desmame deve ocorrer aos 21 O dias, as bezerras devem apresentar cio aos 14 meses e devem estar aptas para a reprodução (monta natural, inseminação ou transferência de embriões) aos 15 meses, quando devem ter um peso mínimo de 340 quilos, dependendo da raça.

A reprodução - Alvarez conta que, com a mesma precisão, pode ser acompanhada a superovulação das vacas. O programa define o tipo de hormônio que será utilizado, quanti­dade de doses que serão aplicadas e o intervalo entre horas e entre as doses. Pode também determinar os melho­res momentos e condições para a transferência, congelamento e descon­gelamento de embriões.

30 • DEZEMBRO OE 1999 • PESQUISA FAPESP

go e o nome da doadora, a data da co­leta, o operador, as dificuldades e so­luções encontradas, os meios de coletjls e a qualidade e o total de embriões.

Num plano secundário, em uma subpasta, o SGR apresenta os dados de reprodução, com número de parição, histórico de produção de leite, desem­penho ponderai (peso, altura e ganho de peso), histórico reprodutivo, pro­filaxia de vacinas e medicamentos uti­lizados. Permite também selecionar os animais por grupo- vacas adultas, no­vilhas, bezerros e bezerras, touros e garrotes, por exemplo. A produção de leite é controlada a partir do código e do nome do animal, com o registro da da­ta, o número e a quantidade de leite de cada ordenha, incluindo a percentagem de proteína e de gorduras no leite.

O sistema emite uma planilha com os dados de cada acontecimento e os procedimentos adotados, na qual são

anotadas as informações e reintrodu­zidas no sistema, que elabora um grá­fico com a evolução reprodutiva, pro­dutiva e sanitária do rebanho durante o ano, mês a mês. "O SGR faz uma ava­liação global da criação, da eficiência dos procedimentos adotados e iden­tifica os animais-problema", resume Alvarez. Conhecedor da realidade, ele sabe que o veterinário trabalha nor­malmente com vários rebanhos.

Se todos os animais estiverem ca­dastrados no computador, ele imagi­na, será possível fazer comparações entre os plantéis e analisar o desem­penho global e individual, com a fina­lidade de alertar os produtores sobre novos procedimentos a serem toma­dos. Contudo, o computador é apenas uma ferramenta para agilizar a análi­se de dados. "Se for deficiente a co­leta de informações que alimenta o sistema, os problemas na criação per­sistirão e não serão resolvidos mesmo se o controle for informatizado", diz o pesquisador, empenhado em incor­porar novas variáveis propostas pelos primeiros usuários, ainda no Institu­to de Zootecnia. Seu plano é, num prazo de um a dois anos, poder ofe­recer o programa aos veterinários e pecuaristas interessados em cuidar dos rebanhos por computador. •

PERFIL:

• RAFAEL HERRERA ALVAREZ, 42 anos, formou-se em Medicina Veteriná­ria e Zootecnia na Universidade de Durango, no México, onde nasceu. Fez o mestrado na Escola Nacional Veterinária de Alfort, na França, e o doutorado na Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias da Universi­dade Estadual Paulista (Unesp) de Jaboticabal. É pesquisador científi­co do Centro de Genética e Repro­dução Animal do Instituto de Zoo­temia de Nova Odessa e professor do curso de pós-graduação de Me­dicina Veterinária da Unesp de Ja­boticabal. Projeto: Desenvolvimento de um Sis­tema Computacional para o Controle Zootécnico e Reprodutivo de Bovinos Investimento: R$ 11.245

CIÊNCIA

GENÔMICA

Passo adiante na análise de genes

Laboratório de biochips facilita a pesquisa e o diagnóstico de câncer

A comunidade científica brasilei­ra terá mais facilidade para in­

corporar os benefícios proporciona­dos pelas sucessivas descobertas no campo da genética. No dia l3 de de­zembro, o Instituto Ludwig de Pes­quisas sobre o Câncer inau-gurou o Laboratório de Genoma Funcional, que vai se dedicar à análise dos genes identificados pelos pesquisa­dores do Projeto Genoma Humano do Câncer, desen­volvido pelo Ludwig em par­ceria com a FAPESP, com um orçamento aproximado de US$ lO milhões. Trata-se do primeiro laboratório de bio­chips, também chamados de microarray (microarranjos) ou de chips de DNA no país.

"O interesse pelo biochip está li­gado ao grande potencial desta meto­dologia em gerar informações impor­tantes para o diagnóstico e prognóstico do câncer, além de identificar poten­ciais alvos para novas drogas", diz o bioquímico Luís Fernando Lima Reis, coordenador de RNA do Proje­to Genoma Humano do Câncer e responsável pelo novo laboratório, construído pelo Instituto Ludwig a um custo estimado de US$ l milhão.

A identificação de seqüências ge­néticas, na etapa preliminar do estudo do genoma, apóia-se na metodologia conhecida pela sigla Orestes ( Open Reading Frames EST Sequences). Essa técnica aumenta a chance de obter informação funcional, por analisar o gene do meio para as extremidades.

Regina e Reis (ao /ado): de 1.000 a I 0.000 genes aval iados ao mesmo tempo

Desde a implan­tação do Projeto Genoma Huma-no do Câncer, l1á

seis meses, os pesquisadores realizavam a análise dos perfis de expressão dos genes descobertos por meio da técnica differential display, de alcance limita­do. Mesmo assim, permitiu a identi­ficação dos genes ligados a processos inflamatórios em tecidos de camun­dongos e das seqüências derivadas do câncer de estômago em humanos.

''Até recentemente, utilizávamos arrays de baixa complexidade e den­sidade que chegaram a impulsionar projetas de identificação de novos marcadores genéticos para o câncer de estômago, tireóide e mama", co­menta Reis. Segundo ele, as análises de expressão gênica tomam outra di­mensão com a técnica de microarray. De 1.000 a 10.000 genes poderão ser analisados simultaneamente, depen-

dendo da complexidade e densidade das combinações.

A nova metodologia consiste na fixação de moléculas de DNA com­plementar ( cDNAs, geradas a partir do RNA), que contêm os genes se­qüenciados, sobre um suporte sóli­do, geralmente de vidro. Por meio de raios ultravioleta, uma reação química fixa as seqüências de genes ao suporte de vidro e permite com­parações que indicam quando um gene é expresso: se no tecido nor­mal, na alteração pré-maligna ou na fase maligna.

Sob os cuidados da biomédica Regina Nomizo, um robô chamado Fle:xys distribui os cDNAs sobre o vi­dro. Em duas horas, processa cerca de 10.000 fragmentos de DNA ou ESTs (Expression Sequence Tags, eti­quetas de seqüências expressas), a matéria-prima da metodologia Ores­tes. Desse modo, será possível am­pliar o leque de pesquisas e incluir o estudo dos perfis moleculares de tu ­mores de cabeça, pescoço e estôma­go, os tipos mais comuns no Brasil e pouco estudados no exterior. •

PESQUISA FAPESP • DEZEMBRO DE 1999 31

CIÊNCIA

MAPA PEDOLÓGICO DO ESTADO DE SA- 0

PAULO

• •

Oliveira: mapa para prefeituras, empresas de engenharia e fazendeiros, em escala adequada para análises regionais

CARTOGRAFIA

Terra bem examinada

Mapa de solos ajuda a rever expansão agrícola e urbana de São Paulo

N o final do século passado, os fazendeiros do Vale do Paraíba

teriam evitado problemas se tivessem à mão um mapa de solos. Descobri­riam, por exemplo, que o solo daque­la área, entre as serras do Mar e da Mantiqueira, exigiriam cuidados es­peciais para manter a produtividade do café. A natureza mostrou-se lógica: o solo se esgotou, as lavouras se des­fizeram e as cidades do Vale viveram um período de estagnação até encon­trarem a vocação industrial. Embora não tenham cessado os exemplos de uso inadequado do solo- as planta­ções e as cidades ainda se espalham

32 • DEZEMBRO DE 1999 • PESQUISA FAPESP

sem respeitar as limitações e as poten­cialidades do terreno -, os agriculto­res de hoje não precisariam viver tlS

mesmas emoções. O novo mapa de solos do Estado

de São Paulo informa sobre a variação de profundidade, a suscetibilidade à erosão, a composição granulométri­ca (ou textura), a fertilidade e as clas­ses de relevo. Permite, enfim, avaliar o potencial de uso agrícola e urbano do território paulista e evitar erros. Ela­borado ao longo de três anos e publica­do com apoio financeiro da FAPESP, é o resultado do trabalho de quatro pes­quisadores: João Bertoldo de Oliveira e Márcio Rossi, do Instituto Agronô­mico de Campinas (IAC), Marcelo Nunes de Camargo, já falecido, e Braz Calderano Filho, do Centro Nacional de Pesquisas de Solos da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), do Rio de Janeiro.

Segundo Oliveira, sua escala, de 1:500.000 (um centímetro representa cinco quilômetros), é apropriada pa­ra análises regionais. O mapa poderá ser usado, por exemplo, por prefeitu­ras, secretarias de Estado e empresas de engenharia e de planejamento, além de fazendeiros; para ampliar a mar­gem de acerto na escolha de espaços reservados para áreas industriais ou agrícolas, conjuntos residenciais, estra­das, aterros sanitários ou cemitérios, que se tornam inevitáveis à medida que as cidades crescem, ou no plane­jamento da propriedade rural.

"O mapa será um documento bá­sico também no ensino, especial­mente em escolas de engenharia, de agronomia, ecologia, geologia e geo­grafia", exemplifica o pesquisador. A utilização pode ser ainda mais ampla, incluindo o planejamento militar, por indicar a capacidade de suporte do terreno, uma informação fundamen­tal para o transporte de veículos pe­sados e a construção de estradas ou de campos de aviação.

Essa obra cobre a lacuna deixada pelo mapa anterior, de 1960, elabora­do pela antiga Comissão de Solos do

Ministério da Agricultura, atual Em­brapa-Solos. O detalhamento, eviden­temente, é maior: há 387 unidades de mapeamento identificando trechos do território com tipos de solos diferen­ciados, no lugar das 39 estabelecidas no anterior.

Solos predominantes - O mapa de solos apresenta dez categorias de so­los, diferenciadas com base em variá­veis como características químicas, cor, textura, espessura, presença de cascalhos e tipos de horizontes su­perficiais. Como para cada classe de solo é indicada a classe de relevo pre­dominante, torna-se possível concluir, associando com as informações a res­peito do solo, sobre a maior ou me­nor facilidade de erosão do terreno e sobre as práticas de conservação am­biental mais indicadas.

No Estado, de acordo com esse ma­pa, predominam duas categorias de solos, os latossolos e os argissolos. Oli­veira conta que os primeiros apresen­tam uma discreta capacidade de reter bases, como cálcio, magnésio e potás­sio. A profundidade pode variar alguns metros, mas, quanto mais profundos, apresentam apenas ligeiro aumento de argila. "Os latossolos situam-se ge­ralmente em relevos aplainados ou suave ondulado e apresentam boa per­meabilidade interna, o que lhes con­fere uma grande resistência à erosão': comenta o pesquisador. São também fáceis de serem preparados para o plantio e apresentam variado grau de fertilidade. "Mesmo os pouco férteis, uma vez adequadamente manejados, podem se tornar bastante produti­vos': lembra Oliveira.

Os argissolos, o outro tipo de solo predominante no Estado de São Pau­lo, apresentam uma característica que os distingue: um apreciável acréscimo de argila abaixo da camada superficial. Comuns em terrenos de declive mais acentuado que os latossolos, são mais sujeitos à erosão. Requerem, pois, cui­dadosas práticas de conservação, res­salta o pesquisador, que lembra que há uma grande variação de argissolos, desde os ácidos e pouco férteis até os ricos em bases.

Matérias orgânicas - As terras roxas do interior paulista, famosas pela fer­tilidade, embora com teores reduzi­dos de materiais orgânicos, encon­tram-se entre os latossolos. Mas nem sempre a cor vermelha está associada à fertilidade do solo, notam os auto­res do mapa, que deixam evidente: existem solos vermelhos pobres e amarelos ricos, também valendo a si­tuação inversa. De todo modo, esse trabalho mostra que os teores de ma-

também variam, de 1:250.000 a 1:50.000. Sem problemas: os pesqui­sadores desenvolveram uma meto­dologia de ajustes e redefiniram as le­gendas até chegar à obra final.

Apresentado em julho no Congres­so Brasileiro de Solos, em Brasília, o novo mapa pedológico do Estado de São Paulo é um dos primeiros a aplicar o novo Sistema Brasileiro de Classifi­cação de Solos, elaborado por cerca de 70 pesquisadores, sob a coordena-

Amostras de latossolos (à esq. e ao centro) e de argissolo: os tipos predominantes

téria orgânica no solo não são muito elevados no Estado. Mesmo assim, há solos que, bem manejados, suportam o cultivo das principais culturas, co­mo cana-de-açúcar, laranja e café.

O mapa é complementado pelo Bo­letim Científico 45 do IAC, com in­formações a respeito da constituição química e física e do comportamento agrícola dos solos pertencentes a cada uma das dez categorias básicas de solo. A publicação apresenta des­crições morfológicas e análises de perfis representativos dessas classes de solos, além de estabelecer a relação entre os solos identificados no atual mapa com os dos mapas anteriores.

O mapa pedológico resulta da com­pilação e adequação de uma série de oito mapas, provenientes do Projeto RadamBrasil, que nos anos 70 ma­peou o território nacional, e de ou­tros 15 do próprio IAC. As escalas

ção da Embrapa-Solos. Entre as mu­danças, os especialistas desdobraram uma ampla categoria de solos, os pod­zólicos, em três classes diferentes, os argissolos, luvissolos e alissolos (o ter­mo podzólico não existe mais). O mapa pode ser adquirido na seção de publi­cações do IAC por R$ 50,00, e o Bole­tim Científico 45, por R$ 20,00. •

PERFIL:

• }OÃO BERTOLDO DE OLIVEIRA, 65 anos, agrônomo, é pesquisador aposentado do Instituto Agronô­mico de Campinas (IAC) e profes­sor do Departamento de Água e Solos da Faculdade de Engenharia Agrícola da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) . Projeto: Mapa Pedológico do Estado de São Paulo Investimento: R$ 84.750

PESQUISA FAPESP · DEZEMBRO DE 1999 • 33

TECNOLOGIA

ENGENHARIA SIDERÚRGICA

Nova geração de cilindros de aço USP, IPT e Villares constroem peças mais resistentes e eficazes

I mperceptíveis, embora presentes no cotidiano da maioria das pes­

soas, as chapas de aço estão em toda parte, nas carrocerias de automóveis e até dentro de casa, nas portas de ge­ladeira, entre outros produtos. Insu­mo essencial nas montadoras de veí­culos e de eletrodomésticos, elas são produzidas pela indústria siderúrgi­ca, um setor que vive severa competi­tividade no mercado nacional como conseqüência do período de privati­zações e necessita se modernizar para enfrentar o mercado externo.

A vantagem do Brasil é ser um dos poucos países que fabricam, para consumo próprio e para exportação, cilindros de laminação, que são as ferramentas de conformação das cha­pas. Porém, nos últimos dez anos, a concorrência em países como Japão, Estados Unidos, Canadá e na Europa tem conduzido a produção desses ci­lindros para uma transformação tec­nológica que torna essas peças mais resistentes e eficazes.

Para acompanhar esse avanço, a Aços Villares, maior fabricante nacio­nal de cilindros de laminação, uniu­se à Escola Politécnica (Poli) da Uni­versidade de São Paulo (USP) e ao Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) para desenvolver uma nova sé­rie desses produtos. A empresa, que produziu 23 mil toneladas de cilin­dros em 1998, exporta 50% de sua produção para Argentina, Chile, Vene­zuela, México, Estados Unidos, Ca­nadá, África do Sul, Alemanha, Ho­landa, Hungria, Taiwan, Singapura e Malásia, por exemplo. A união tem o apoio da FAPESP, dentro do progra-

34 • DEZEMBRO DE 1999 • PESQUISA FAPESP

Boccalini e Sinato ra: soma de capacidades e aproveitamento de infra-estrutura

ma Parceria para Inovação Tecnoló­gica (PITE), que financia projetas de pesquisa entre uma empresa e uma instituição acadêmica. O projeto in­titulado Desenvolvimento da Produ­ção de Cilindros de Aço Rápido para Laminação de Tiras a Quente conta com recursos de R$ 145 mil e US$ 30 mil da Fundação, enquanto a Aços Villares disponibilizou R$ 467 mil.

Teste na produção - Iniciado em de­zembro de 1997, o projeto está com o término previsto para o final de 2000. Até lá, os pesquisadores têm a inten­ção de obter indicativos seguros em testes de campo. "Esses testes são de­morados, porque são realizados com a utilização dos cilindros nos lamina­dores das indústrias siderúrgicas, ou seja, é um teste real, na produção", explica o engenheiro metalurgista Mário Boccalini Júnior, pesquisador do Laboratório de Fundição do IPT.

De acordo com o coordenador-ge­ral do projeto, o engenheiro metalur­gista Amilton Sinatora, da Poli, está havendo uma soma de capacidades, tanto do IPT quanto da USP, num aproveitamento da infra-estrutura existente no Laboratório de Fundi­ção do IPT e no Laboratório de Fe­nômenos de Superfície da Poli-USP. "Trabalhamos em pé de igualdade e a interação entre nossos laboratórios per­mite que o projeto saia a um custo muito menor do que teria caso fosse realizado inteiramente na USP ou no IPT", afirma Sinatora.

O gerente de engenharia e desen­volvimento de cilindros da Aços Vil­lares, de Pindamonhangaba, Miguel Angelo de Carvalho, explica que esses cilindros recebem as chapas em tem­peraturas superiores a 1000°C, defor­mando-as de acordo com a necessi­dade de espessura. São vários tipos de cilindros de laminação, sendo que os

envolvidos nesse projeto são os cha­mados cilindros de trabalho para la­minadores de tiras (de aço) a quente. Eles representam mais de 25% dare­ceita com a venda de todo tipo de ci­lindro fabricado para a indústria si­derúrgica, em nível mundial. "Além desses cilindros, existem aqueles para laminação de tiras a frio, para a fabri­cação de barras e também de encosto, nos quais os de trabalho ficam apoia­dos", explica Carvalho.

Como macarrão - Para se ter uma idéia de como estão montados os ci­lindros de trabalho no laminador de tiras a quente, Boccalini sugere a ima­gem daquelas máquinas caseiras de fazer macarrão. "A massa que passa entre os dois rolinhos de metal, insta­lados na posição igual à dos cilindros da siderúrgica, sai do outro lado em forma de macarrão e pode ser com­parada às chapas de aço. O lamina­dor é formado por vários conjuntos - chamados de gaiolas - desses dois cilindros de trabalho, que são apoia­dos nos cilindros de apoio e vão di­minuindo a espessura da chapa, pro­gressivamente."

Esse sistema é uma forma de transferir a carga de laminação, im­pedindo a flexão e evitando a produ­ção de chapas deformadas. A perma­nência da qualidade da chapa, em níveis adequados, por um maior es­paço de tempo é um dos trunfos da nova série de cilindros de trabalho produzidos com aço do tipo rápido, uma categoria mais resistente, por exemplo, que o aço carbono e o aço inoxidável.

Todos os aços têm como base o ferro e o carbono, ao qual são adicio­nados elementos químicos como cro­mo e manganês, conforme a necessi­dade do produto final. O aço rápido possui carbonetos- compostos de car­bano com outros elementos quími­cos- finamente dispersos na liga, o que determina mais resistência ao des­gaste abrasivo que ocorre durante a laminação. Os cilindros da geração anterior, produzidos com ferro fun­dido branco de alto-cromo, têm car­bonetos menos duros, maiores e mais

No laboratório de fundição do I PT: testes com ligas metálicas em minicilindros

concentrados em determinadas re­giões do material.

Durabilidade - A oxidação da super­fície dos cilindros de aço rápido tam­bém é menor do que a sofrida pelos cilindros de ferro fundido e, no con­junto, as propriedades da nova gera­ção permitem que eles permaneçam em atividade por até três vezes mais do que seus antecessores, explica Miguel Carvalho. Esse diferencial é muito importante para a indústria siderúr­gica, uma vez que qualquer parada para a substituição dos cilindros -feita periodicamente, para retífica da superfície- representa perdas na pro­dução de toneladas de aço.

Há laminadores de tiras a quente que chegam a produzir 400 mil tone­ladas de aço por mês, o que represen­ta cerca de 500 toneladas por hora. "A indústria siderúrgica ganha no volu­me e qualquer acidente com o lamina­dor representa uma falha gravíssima", ele diz. Por isso, os pesquisadores tra­balham buscando o melhor processo de fabricação do cilindro, que depen­de tanto do projeto e dos componen­tes da liga metálica quanto do modo de construção - se com temperatura maior ou menor, resfriamento mais ou menos rápido. Tudo vai influir na microestrutura do material, que é o ponto que comanda todo o processo de desgaste.

Em 2000, a Vil lares pretende exportar 60% da produção de cilindros de aço

PESQUISA FAPESP · DEZEMBRO DE 1999 • 35

Na produção do aço rápido, os metais utilizados recebem a adição de substâncias químicas e são derre­tidos. Todo esse material é colocado num molde centrífugo que gira a ro­tações muito altas. Com isso, o aço rápido adere ao molde, formando um cilindro oco como um tubo. In­ternamente, ele recebe um núcleo de material menos nobre, cuja caracte­rística principal é resistir aos esfor­ços sem quebrar.

Todo o desenvolvimento do novo cilindro trouxe resultados positivos, tanto em acúmulo de conhecimento para os engenheiros da USP e do IPT quanto para a empresa, que investe na formação de seus funcionários . Em 2000, a Villares pretende exportar 60% da produção de cilindros de aço e, em 2002, espera produzir um total de 30 mil toneladas de cilindros por ano. Um aumento de 30% na produção, em quatro anos, que mostra a dispo­sição da empresa em continuar com­petitiva e ganhar novos mercados pro­dutores de chapas de aço. •

PERFIS:

o AMILTON SINATORA é professor do Departamento de Engenharia Mecâ­nica da Poli-USP desde 1986, onde coordena o Laboratório de Fenôme­nos de Superfície. Graduou-se na Poli, em 1975, fez mestrado, em 1986, e doutorado, em 1990, na Unicamp. o MARIO BOCCALINI JúNIOR é pesqui­sador do Laboratório de Fundição do IPT desde 1989. Graduou-se pe­la Poli, em 1981, onde concluiu o mestrado, em 1990, e o doutorado, em 1996. o MIGUEL ANGELO DE CARVALHO é ge­rente de engenharia e desenvolvi­mento de cilindros da Aços Villares SI A, há dois anos. Está na empresa desde 1987, ano de sua graduação pe­la Universidade Federal de São Car­los. Em 1995, concluiu o mestrado na Poli. Projeto: Desenvolvimento da Produ­ção de Cilindros de Aço Rápido para Laminação de Tiras a Quente Investimento: R$ 145 mil e US$ 30 mil, da FAPESP, e R$ 467 mil, da Villares.

36 • DEZEMBRO DE 1999 • PESQUISA FAPESP

TECNOLOGIA

AGROINDÚSTRIA

Doce filtro da garapa Technopulp desenvolve equipamento para a indústria canavieira

Oconsumidor que conhece o açúcar apenas pela sua forma

final, branco e refinado, não imagi­na as diferentes e complexas fases pa­ra a obtenção desse adoçante. Antes de se tornar tão alvo ao ponto de ser

nopulp Consultaria e Comércio de Equipamentos Industriais. Compos­ta por 13 funcionários e situada em Ribeirão Preto, um dos maiores cen­tros produtores de açúcar e álcool do país, a empresa desenvolveu um filtro com alto poder de retenção de impu­rezas e baixo teor de perda de sacaro­se, capaz de substituir com vantagens o sistema convencional, chamado ro­tativo, utilizado há quase um século pela indústria canavieira.

Na solução oferecida pela Tech-

Pedro Córdoba e Pedro Júnior: Vacuum Press diminu i a perda de sacarose

sinônimo de brancura, o açúcar é um caldo escuro que exige um sofis­ticado processo de purificação em várias etapas.

Essa complexidade de depuração aliada à competitividade atual da in­dústria canavieira, no Brasil e no ex­terior, estão exigindo uma mudança de perfil tecnológico em busca de inovação, eficiência e produtividade. Um desafio que está sendo enfrenta­do por uma pequena empresa de en­genharia de equipamentos, a Tech-

nopulp, a capacidade de retenção de sólidos em suspensão do líquido ex­traído da cana-de-açúcar sobe de 52 a 62%, no sistema tradicional, para 92 a 94%. O aperfeiçoamento desse novo sistema, chamado de Vacuum Press (VP) ou Filtro Contínuo deDu­pla Tela, recebeu o apoio da FAPESP, a partir de 1997, por meio do pro­grama Inovação Tecnológica em Pe­quenas Empresas (PIPE) . A Fundação disponibilizou R$ 248 mil para o de­senvolvimento do novo equipamento

Fluxograma da produção de açúcar

MOAGEM

EVAPORAÇÃO

com a instalação de um laboratório e planta piloto, enquanto a empresa in­vestiu R$ 104 mil.

A equipe da Technopulp está se­gura dos avanços que a nova tecnolo­gia vai possibilitar ao setor açucarei­ro. "É o filtro do futuro", comemora Pedro Gustavo Córdoba, engenheiro químico, diretor e fundador da em­presa, que foi criada em 1978, inicial­mente voltada para o segmento de papel e celulose. Atuando no desen­volvimento e fabricação de equipa­mentos, a Technopulp percebeu o nicho de mercado representado pe­las usinas de açúcar. Desenvolveu o filtro VP e partiu para instalar o pri­meiro protótipo, ainda em 1995, na destilaria Virálcool, na cidade de Vi­radouro, SP, onde se perceberam as boas perspectivas técnicas e comer­ciais do produto.

O processo - Pelo novo conceito do Vacuum Press, a ftltração da garapa se dá por meio de um sistema gradual, que consiste na drenagem por gravi­dade seguida da separação do líquido

SUFITAÇÃO CALAGEM AQUECIMENTO DECANTAÇÃO FILTROVACUUM PRESS

COZIMENTO CENTRIFUGAÇÃO SECAGEM

por pressão física e baixo vácuo- com pressão atmosférica menor que o am­biente, facilitando a sucção de maté­ria orgânica indesejada. O VP utiliza telas de poliéster com elevado poder de retenção. Ele recebe o lodo do de­cantador, onde é separada parte das sujeiras da cana, como terra e pallía, do restante das impurezas que con­têm sacarose. O novo ftltro também pode ser usado como auxiliar dos ro­tativos, efetuando a ftltragem sem implicar a parada da máquina para limpeza, como acontece no processo antigo.

A operação do VP é efetuada por meio de um sistema intermitente que lava o lodo com água quente, prensa e seca a torta resultante, ob­tendo um caldo mais limpo, que será utilizado na indústria açucarei­ra. "Isso diminui as perdas de açúca­res", afirma Pedro Córdoba Júnior, engenheiro químico e filho do pro­prietário da empresa, que atua como coordenador do projeto.

A primeira unidade piloto do VP aperfeiçoado começou a funcionar

li] Cristalizadores !

! AÇÚCAR

na Usina da Pedra, no município de Serrana, SP, no primeiro semestre de 1998. "Essa fase serviu para consoli­dar as nossas hipóteses técnicas em re­lação às melhorias tecnológicas pre­tendidas, além de servir para ensaios e medições visando à escala indus­trial", afirma Pedro Córdoba.

A segunda fase, em andamento, consiste no funcionamento do pro­tótipo industrial na Usina Diamante, no município de Jaú, no Estado de São Paulo. A máquina foi montada no final da safra, em novembro, e está pronta para os testes definitivos, em maio, no início da próxima. "O novo equipamento deve superar com am­pla margem de vantagem as demais opções, inclusive o equivalente de ori­gem americana, mais caro e defasado em tecnologia", diz Pedro Córdoba. Ele lembra ainda que o mercado in­ternacional está ávido por produtos de qualidade.

Mais barato - O plano da empresa é ativar o protótipo na próxima safra e concluir o relatório científico em se-

PESQUISA FAPESP · DEZEMBRO DE 1999 • 37

a 1 O filtros por ano, ao preço de R$ 160 mil a unidade na versão maior, que atende a 7 mil tone­ladas de cana por dia.

O valor do novo filtro é altamente competitivo em relação ao rotativo, estimado em R$ 3 70 mil. O Vacuum Press também leva vantagem na eco­nomia de ocupação da área útil na usina, me­nor em até cinco vezes, além de pesar 8 tonela­das contra 40 do antigo. O consumo de energia elétrica com o novo pro­duto é outro item vanta­joso, cai entre 5% e 8%.

Lavagem do lodo com água quente antes da prensagem e da separação do caldo filtrado e da torta

Pedro Córdoba des­taca os benefícios sociais do projeto, já que os

principais componentes do filtro, tais como rolos, caixas de sucção e todas as peças e os serviços de usinagem e calderaria, são encomendados a um grupo de quase uma dezena de micro e pequenas empresas da cidade, por meio de terceirização. Essa estratégia certamente vai reforçar e ampliar o modelo de economia baseada nesse tipo de empreendimento. Outras uti­lizações do filtro VP também devem colaborar para esse cenário. Segundo Pedro Córdoba, a indústria de sucos, especialmente a de laranja, tem inte­resse na utilização desse produto. Bom para a Technopulp, bom para a agroindústria. •

tembro do ano 2000, o que permitirá à empresa ingressar na terceira fase do projeto - a produção em série do equipamento para os mercados in­terno e externo. Somente na fabrica­ção de açúcar, a Technopulp estima a

existência de 400 filtros rotativas em funcionamento, dos quais 5% são subs­tituídos a cada ano, por se tornarem obsoletos. A empresa calcula que terá condições de atender a, pelo menos, metade dessa demanda, equivalente

Impurezas do xarope

A Technopulp também in­veste num novo método de fil­tração do xarope, que é o caldo açucarado concentrado, uma fa­se posterior à garapa que sai do Vacuum Press. "O objetivo é eli­minar impurezas insolúveis exis­tentes na fase de concentração do caldo que depreciam, de for­ma considerável, o valor final do nosso açúcar no mercado exter­no", afirma Pedro Córdoba. O açúcar demerara, produto que precede a fase de refinação, pro­duzido nas usinas brasileiras é vendido no mercado internacio­nal por US$ 160 a US$ 180 a to­nelada, mas acaba sendo purifica­do no exterior, onde ganha valor agregado de cerca deUS$ 200.

Também baseado nos con-

38 • DEZEMBRO DE 1999 • PESQUISA FAPESP

ceitas do VP, a Technopulp estu­da um sistema de tratamento das impurezas da garapa que sai das moendas e é destinada à pro­dução de álcool. É o tratamento de caldo misto a frio, com um filtro que terá utilidade na elimi­nação das etapas de pré-aqueci­mento e decantação, as quais são supridas por um processo de fil­tração direta com membranas de alta porosidade. "Com isso, a indústria economizaria o vapor do aquecimento e o resfriamen­to do líquido, hoje etapas muito caras", afirma Pedro Córdoba. O novo sistema é muito bem-vin­do neste momento em que as metas desse setor industrial são de ampliar a produção do álcool nos próximos anos.

PERFIS:

• PEDRO GusTAVO CóRDOBA, enge­nheiro químico formado na Escola Superior Técnica de Santiago Del Estero, Argentina. • PEDRO GUSTAVO CóRDOBA JúNIOR, engenheiro químico formado pela Universidade de Ribeirão Preto (Unaerp ). Projeto: Aperfeiçoamento do Filtro Vacuum Press para a Indústria de Açúcar e Álcool Investimento: R$ 248 mil da FAPESP e R$ 104 mil da Technopulp.

Casanova apresenta projeto na Unesco

Na Reunião Anual da Orga­nização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco) realizada em Paris, em outubro, mais de 1.400 pessoas aplaudiram de pé o professor Francisco Casanova, da Coordenação dos Programas de Pós-Gra­duação de Engenharia (Cop­pe) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Ele apresentou o projeto Auto-Construção para Popu­lação de Baixa Renda, que aperfeiçoou uma técnica mi­lenar de fabricação de tijo­los, chamada cimento-solo. Essa mistura utiliza a pró­pria terra do local da casa a ser construída e um pouco de cimento, em proporção que varia de 5 a 10% do to­tal, dependendo da consis­tência do solo. A massa é co­locada em prensas manuais ou hidráulicas para compac­tação. Depois os tijolos de­vem ficar em um ambien­te úmido, sem vento e sem sol, durante uma semana. As peças são produzidas para se­rem simplesmente encaixa­das uma nas outras, dispen­sando o uso de argamassa. Por esse método, uma casa de 70m2 é construída com apenas R$ 2,5 mil (dois mil e quinhentos reais) gastos em material de construção, di­minuindo em até 50% o pre­ço das casas populares. De­pois da apresentação na sede da Unesco, membros da di­retoria da entidade se inte­ressaram em fazer um con­vênio com a Coppe para possibilitar a utilização desse método em outros países como acontece, atualmente,

TECNOLOGIA

Casanova: t ijolo aperfeiçoado para a população de baixa renda

na periferia e favelas da cida­de do Rio de Janeiro.

Serviços do INPE atraem empresas

O Laboratório de Integração e Testes (LIT) do Instituto Nacional de Pesquisas Espa­ciais (INPE) tem a função primordial de preparar saté­lites científicos e de comuni­cações para serem lançados ao espaço. No entanto, uma outra atividade tem ocupado 32% do tempo do LIT. É a prestação de serviços para indústrias de vários segmen­tos. São testes de qualificação de produtos ou o desenvolvi­mento de softwares para a otimização da produção de uma fábrica, por exemplo.

A análise inclui áreas de in­terferência eletromagnética, aferição, calibração, testes climáticos e de vibrações acústicas. O leque de benefi­ciados é grande, abrange as indústrias automobilística e de telecomunicações, os fa­bricantes de equipamentos eletrônicos e cirúrgicos. "O LIT tem 480 clientes catalo­gados e, em 1999, a arreca­dação com essa prestação de serviço foi de US$ 1,5 mi­lhão", informa· Benjamim · Gaivão, gerente do LIT. O la­boratório espera, agora, uma ampliação em suas depen­dências, que depende de ver­ba do governo federal, no to­tal de US$ 8 milhões, para abrigar uma nova câmara de testes de interferência eletro-

Carro passa por testes eletromagnéticos em câmara do INPE

magnética e de vibração acústica. A ampliação tam­bém prevê a parceria finan­ceira de indú ;trias usuárias do LIT como a Volkswagen e a Mercedes-Benz.

Plástico, no rumo do biodegradável

Uma ampla discussão sobre os rumos da produção de plástico biodegradável no país vai acontecer entre os dias 9 e 11 de fevereiro de 2000, no Instituto de Pesqui­sas Tecnológicas (IPT), du­rante o seminário Produção e Uso de Plásticos Biodegra­dáveis. O evento vai reunir pesquisadores e representan­tes da cadeia produtiva de plásticos e faz parte das co­memorações dos 100 anos do IPT. Entre os objetivos do seminário estão a discussão do potencial de uso desse produto, que se decompõe no solo e não deixa resíduos por centenas de anos, como os plásticos comuns produ­zidos com substratos de pe­tróleo. Outro ponto impor­tante será a discussão sobre a legislação desse produto. Hoje, inexistem normas téc­nicas no Brasil e em outros países que determinem as suas características e em quanto tempo ele deve se de­gradar no solo. No seminá­rio também serão discutidos modelos de incentivos fiscais para fabricantes de plástico biodegradável como forma de incentivar a produção. O IPT pesquisa esse tipo de po­límero desde 1992 e, no mo­mento, os pesquisadores do agrupamento de biotecnolo­gia aperfeiçoam um tipo de plástico produzido com ca­na-de-açúcar.

PESQUISA FAPESP • DEZEMBRO DE 1999 • 39

HUMANIDADES

CIÊNCIA POLÍTICA

Presidencialismo torna fácil governar

Estudo revela que o sistema tem mais virtudes que defeitos

RI C ARDO AGUIAR

P olíticos de expressão, co­mo o governador Tasso Jereissati (PSDB),jorna­listas e cientistas políti­cos acreditam que há uma

origem comum nas graves crises po­líticas enfrentadas pelo país. O suicí­dio de Vargas, em 1954, a renúncia de Jânio Quadros, em 1961, a queda seguinte de João Goulart, e até mes­mo as dificuldades atuais do presiden­te Fernando Henrique Cardoso teriam como causa básica o sistema presi­dencialista brasileiro. Tal sistema provocaria um insolúvel conflito en­tre os Poderes Executivo e Legislati­vo, emperraria a administração, mas não o fisiologismo. O sistema teria de ser reformado urgentemente ou subs­tituído pelo parlamentarismo.

Mas um estudo, financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo-FAPESP e coor­denado pelos cientistas políticos Ar­gelina Cheibub Figueiredo, da Uni­versidade Estadual de Campinas (Unicamp ), e Fernando Limongi, da Universidade de São Paulo (USP), com pesquisadores do Centro Brasileiro de

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Análise e Planejamento ( Cebrap ), põe em xeque essas análises. Não só have­ria diferenças fundamentais entre o presidencialismo do período de 1946 a 1964 e o atual, formado a partir da Constituição de 1988, como o sistema em vigor, do ponto de vista da gover­nabilidade, teria mais virtudes do que defeitos, ao garantir ao Executivo li­berdade de traçar e dar andamento a seus planos e de compor com o Con­gresso uma relação sobre bases parti­dárias, que dispensa o fisiologismo.

Algumas descobertas e conclusões importantes já são reveladas pelas fa­ses iniciais do projeto temático Insti­tuições Políticas, Padrões de Interação Executivo-Legislativo e Capacidade Go­vernativa: 1) O Congresso não cons­titui uma instância institucional de veto à agenda do Executivo; 2) o Exe­cutivo, sob o presidencialismo, pode dispor de recursos institucionais que induzam os parlamentares a coope­rar com o governo e a sustentá-lo; 3) o governo organiza o apoio à sua agenda legislativa (a pauta dos proje­tas e das reformas de seu interesse) em bases partidárias no Congresso e, desta forma, repete moldes muito si­milares àqueles encontrados em re­gimes parlamentaristas ao compro-

/ Argelina: livre para governar

meter partidos, que recebem pastas na administração federal e não par­lamentares individualmente, com os planos do governo; 4) os governan­tes recentes, ao contrário do que se propala, têm tido considerável su­cesso na Câmara e no Senado, ainda que não tenham conseguido aprovar tudo o que quisessem; 5) a concen­tração de poderes no Executivo bra­sileiro é institucional, caracterizan­do, portanto, um sistema distinto do "presidencialismo imperial" de base personalista, tido como peculiar dos sistemas políticos da América Latina.

A pesquisa teve início em abril de 1997, com financiamento de R$ 110 mil da FAPESP, e será concluída em março de 2001. O trabalho envolve cerca de dez profissionais, dos coor­denadores a bolsistas nos níveis de doutorado, mestrado e graduação, contando também com a colabora­ção de pesquisadores de outras insti­tuições nacionais e estrangeiras. A pesquisa buscou como fonte básica de informações, no lugar de entrevis­tas e arquivos dos jornais, o extenso e altamente organizado banco de da­dos do Congresso.

Os primeiros estudos já produzi­ram o livro Executivo e Legislativo na

Congresso Nacional, em Brasília: Executivo e Legislativo nacionais não

teriam conflitos infindáveis

Nova Ordem Constitucio­nal, publicado pela FGV, de autoria de Argelina e Limongi. Esse trabalho, que analisa a relação entre os dois Poderes no perío­do de 1989 a 1999, é pon­to de partida para as etapas em andamento, que vi­sam a comparar esta "no­va ordem" com o sistema presidencialista multipar­tidário do período de 1946 a 1964 e com o regime de­mocrático de outros paí­ses da América Latina. O tema, como destacam os coordenadores do projeto, não é algo periférico no in­teresse da sociedade e dos cidadãos, já que "o padrão de inter-relação destes Po­deres define a própria ca­pacidade do governo em governar':

Algumas das revelações da pesquisa já provocam polêmica entre especialis­tas no país e no exterior. De acordo com Argelina, predomina a visão de que "o presidencialismo multi­partidário é um sistema caótico que torna qualquer país ingovernável, e nosso trabalho mostrou que tal generalização não se sus­tenta, pois há diferentes ti­pos de presidencialismo':

Na introdução do li­vro publicado, essa tese é reforçada: "Vale notar que a literatura especializada tende a descartar a possi­bilidade de que coalizões partidárias em apoio ao Executivo se formem e funcionem a contento sob o presidencialismo". Por­tanto, não haveria, no atual sistema, conflito in­findável entre Executivo e Legislativo, que acarretas­se crises institucionais de tempos em tempos.

PESQUISA FAPESP · DEZEMBRO DE 1999 • 41

Engrenagem - São destacados dois importantes fatores na dissecação da engrenagem que sustenta a vida po­lítica nacional desde a última Cons­tituição. O primeiro é a concentração de poderes do presidente, a partir dos chamados poderes de agenda, reuni­dos aí o direito do chefe do Executi­vo de editar Medidas Provisórias, de pedir urgência para a votação de projetos e de ter poder, exclusivo, para a iniciativa legal em áreas fun­damentais, como a tributária e a do

Orçamento. O segundo ponto é a re­velação de que, no interior do Con­gresso, os grandes jogadores são os partidos políticos, que da esquerda à direita, contam normalmente com uma bancada fiel. Trata-se da disci­plina, que vai do PT ao PPB.

Dessa forma, o comportamento dos parlamentares não seria determinado unicamente pela forma de governo e pelas leis eleitorais e partidárias, como destacam os coordenadores. As bases para a estruturação das bancadas, que garantem a disciplina nas vota­ções, vêm do controle exercido pelos líderes dos partidos sobre a agenda dos trabalhos, afirmam eles. As regras

42 · DEZEMBRO DE 1999 • PESQUISA FAPESP

internas da Câmara e do Senado per­mitem esse controle. Estatísticas ela­boradas, com dados de 1989 a 1999, revelam que tanto nos governos de José Sarney, de Fernando Collor, de Itamar Franco e de Fernando Henri­que Cardoso a média, por partido, de fidelidade dos parlamentares em re­lação aos líderes é constante. A disci­plina média do plenário da Câmara dos Deputados é de 89,9%. Dos sete maiores partidos, o PMDB é o me­nos disciplinado, mas ainda assim

do investigado, os presidentes conta­ram, em média, com os votos de nove entre dez parlamentares dos parti­dos-membros da coalizão presiden­cial", ilustra o texto.

"No Congresso, há blocos ideoló­gicos e os partidos funcionam como partidos", observa a coordenadora. Essa realidade reduziria o poder indi­vidual do parlamentar e inibiria sua capacidade de atuar em favor de sua "clientela eleitoral': A cooptação de aliados do governo não se daria, por-

Congresso: governantes de hoje têm mais sucesso no trato com o Legislativo do que seus antecessores

PT: deputados são I 00% fiéis ao partido nas votações

apresenta disciplina média em torno de 85%. No PT as médias de votação dos deputados em conformidade com os líderes é próxima a 100%.

Líderes - "A literatura assume que a lei eleitoral não confere aos líderes o controle sobre os mecanismos usuais de sanção por meio dos quais a disci­plina costuma ser obtida", critica o texto do livro. As regras que fortalecem o papel dos líderes são fundamentais nessa engrenagem de poder. Verifi­cou-se que os presidentes organizam ministérios em bases partidárias e as coalizões tendem a funcionar dessa for­ma no Congresso. "Durante o perío-

FHC: presidente pode controlar o processo legislativo

tanto, na negociação com cada um dos 513 deputados ou dos 81 senadores, o que significa um duro golpe no fisio­logismo tradicional. Mas não se pode dizer que o Congresso está alijado das decisões políticas nacionais ou que o Executivo possa impor sua vontade sobre a maioria dos parlamentares.

Parlamentarismo - Esses dois fatores descritos permitem resultados polí­ticos surpreendentes. "O poder de agenda do presidente e o controle do processo interno no Legislativo, por meio da disciplina partidária, produ­zem efeitos semelhantes ao do siste­ma parlamentarista", afirma Argelina,

ao lembrar que o controle pelo Exe­cutivo da pauta do Legislativo, assim como o processo de centralização das decisões, são pontos considerados como peculiaridades do parlamentarismo.

Os dados da pesquisa apontam para uma performance legislativa dos governos recentes comparável à dos países parlamentaristas. O suces­so pode ser medido pela proporção de projetos de leis de iniciativa do Executivo aprovados no mesmo ano em que foram apresentados. No Bra-

sil, de 1989 a 1998, este índice foi de 68%. Na Alemanha, parlamentarista, no período de 1971 a 1976, este índi­ce de sucesso foi de 69,2%, na Ingla­terra, berço deste sistema, de 93,2%, e no Canadá, de 71 o/o. No Brasil, a do­minância do Executivo- a proporção de leis do Executivo sobre o total de leis sancionadas (excluídas as de ini­ciativa do Judiciário) também se as­semelha aos países parlamentaristas. Assim como na Inglaterra na década de 70, cerca de 84% das leis sanciona­das desde 1989 foram projetos pro­postos pelo Executivo. Os coordena­dores defendem que essa situação já produziria os efeitos buscados pelos

que, em nome de maior governabili­dade, propõem mudanças na legisla­ção eleitoral e partidária para reduzir o número de partidos e o acesso ao Legislativo.

1946 - O grau do sucesso recente do Executivo é distinto do medido no período de 1951 a 1964, quando o ín­dice de leis apresentadas pelo presi­dente e aprovadas no mesmo ano foi de apenas 16,7%. Os primeiros le­vantamentos mostram que há distin­

ção inequívoca entre os mo­delos de governo de 1946 a 1964 e o atual. "Por serem sistemas presidencialistas multipartidários, as pessoas tendem a tratar como se fossem a mesma coisa, mas não são", ressalta a coorde­nadora. Os principais argu­mentos estão, como diz, nas mudanças feitas pela Cons­tituição de 1988 na distri­buição de poderes entre o Legislativo e o Executivo. "O período atual é de prepon­derância do Executivo", acrescenta Argelina.

Outra diferença está na ausência, no passado, do di­reito hoje exclusivo do pre­sidente de ter a iniciativa em matéria orçamentária, por exemplo. Quem prepara .o Orçamento e pede verbas suplementares para esta ou aquela área é o governo. "No

sistema que teve início em 1946, os deputados podiam fazer pedidos de recursos suplementares ao Orçamen­to e tinham estes pedidos aprovados", conta a professora da Unicamp.

O poder do presidente de editar as Medidas Provisórias é também uma novidade do sistema. Todos os presidentes lançaram mão desse pode­roso ínstrurnento legislativo. Fernando Henrique Cardoso usou-o de forma mais sistemática e regular, editando a média de 2,8 novas MPs por mês, e foi o campeão das reedições. Igualmen­te aqui o estudo procura destacar as contrapartidas que o Legislativo pode obter desta ação. "A edição de MPs

não significa necessariamente con­fr-onto entre Executivo e Legislativo. Em governos de coalizão, poderes insti­tucionais de agenda podem facilitar e preservar acordos entre o governo e sua maioria parlamentar ", observa a pesquisadora. "Em alguns casos, há, por exemplo, o interesse de sua base parlamentar de proteger-se da impo­pularidade de terminada decisão."

Países- O projeto vai comparar a di­nâmica da democracia brasileira com o sistema presidencialista de cinco países latino-americanos (Chile, Ve­nezuela, Costa Rica, Argentina e Co­lômbia) e de dois países europeus, França e Portugal, onde vigora o re­gime conhecido como semipresi­dencialista (para outros trata -se do parlamentarismo, mas com chefe de Estado eleito por votação direta). A base desses trabalhos é esta convic­ção de que o padrão de relações entre o Executivo e o Legislativo depende dos poderes legislativos outorgados ao Executivo e da organização inter­na do Congresso.

O trabalho vai terminar nas vés­peras da largada da campanha pela sucessão do presidente Fernando Henrique Cardoso, cujo primeiro tur­no de votação está marcado para ou­tubro de 2002. Os tucanos acalentam o sonho de ver instalado no país em 2006 o sistema parlamentarista. O debate sobre sistemas de governo tende a crescer menos de dez anos depois do plebiscito que deu vitória ao presidencialismo por 37 milhões de votos contra 16,5 milhões de votos a favor do parlamentarismo. •

PERFIL:

• ARGELINA MARIA CHEIBUB FIGUEI­

REDO é graduada em Ciências So­ciais pela Universidade Federal Fluminense, mestre em Sociologia pela Universidade de São Paulo e PhD em Ciência Política pela Uni­versidade de Chicago Projeto: Instituições Políticas, Pa­drões de Interação Executivo-Legis­lativo e Capacidade Governativa Investimento: R$ 110 mil

PESQUISA FAPESP · DEZEMBRO DE 1999 • 43

HUMANIDADES

Cena de Terra Estrangeira, de Walter Salles Jr.: cineastas dos anos 90 criam no presente sem negar o nosso cinema do passado

CULTURA

Mostrando a nova cara do cinema

Lúcia Nagib está traçando o panorama do cinema nacional dos anos 90

Longa é a tradição do cinema no Brasil, que descobriu o fil­

me sete meses depois da primeira exibição pública em Paris, realizada pelos irmãos Lumiere, em 1895. Não por outro motivo, a história cinema­tográfica nacional não pode ser con­tada apenas por periódicos de vida efêmera, como vem ocorrendo.

Há três anos, a professora Lúcia Nagib, presidente do Centro de Estu­dos de Cinema (CEC) do Programa de Estudos Pós-Graduados em Co-

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O~ filmes dessa década es­- tão estritamente vin­~ culados à tradição do E cinema novo e do ci-

nema marginal e, de forma mais sutil , às chanchadas canocas da Atlântida, à concor­rente paulista, Compa­nhia Cinematográfica Vera Cruz, ao cinema

municação e Semiótica da Pontifícia Universi­dade Católica (PUC), de São Paulo, tem co­ordenado uma equipe de 13 pessoas, para a realização do projeto Cinema nos Anos 90. Trata-se de um mapea­mento da produção ci­nematográfica brasilei­ra dos últimos quatro anos, tendo como mar­co a entrada em vigor

da Boca e à belle épo­Lúcia Nagib: estudo de 3 anos que da Embrafilme.

da Lei 8.685, de 20 de julho de 1993, conhecida por Lei do Audiovisual.

Para construir um panorama da produção cinematográfica brasileira recente, Lúcia teve de recorrer a mo-vimentos anteriores, uma vez que os

Como se vê, nada impede que, de um período curto, extraia-se a historiografia do cinema nacional. É só dar uma passada de olhos em alguns nomes da lista de en­trevistados: Nelson Pereira dos Santos, Carlos Diegues, Walter Hugo Khouri,

Paulo César Saraceni ao lado de Wal­ter Salles Jr., Tata Amaral, Guilherme de Almeida Prado. Anos 90 ou 60?

A equipe coordenada por Lúcia Nagib já entrevistou 80 do total de 99 cineastas que produziram nesse tem­po, segundo dados da pesquisa rea­lizada pelo CEC. Todos cara a cara. As viagens, assim como o material per­manente e de consumo e a reserva técnica, foram financiados pela Fun­dação de Amparo à Pesqui-sa do Estado de São Paulo (FAPESP), que calculou em R$ 12,6 mil o investi­mento para um ano de apuração e pesquisa.

O ritmo acelerado de produção, aliado à alta qualidade, tem apagado o estigma de outrora, em que o cine­ma nacional era visto como cinema de alegorias, como cinema de Tercei­ro Mundo. Nada além disso.

O reconhecimento pode ser sen­tido nas constantes indicações e prê­mios de filmes brasileiros nos Festi­vais Internacionais. Central do Brasil, de Walter Salles, levou o Urso de Ou­ro de melhor filme e o Urso de Pra-

lação à cultura. Lúcia comenta que há um consenso entre cineastas sobre al­guns pontos da Lei do Audiovisual. "A produção está sendo relativamen­te fácil, mas a distribuição e a exibição ainda são mal-organizadas", dizem. "Discutem-se mudanças na lei, com duração até 2003, como a cota de tela, que não é cumprida, e o aumento na taxação dos filmes estrangeiros, a fim de ser superior ao de brasileiros." Uma prática protecionista e vital.

A princípio, o projeto vai constituir um livro, dividido em dois volu­mes, com fôlego enciclo­pédico. A edição está a cargo da Paz e Terra, ten­do lançamento previsto para o segundo semestre deste ano. Além de textos dos pesquisadores, orga­nizados a partir de uma síntese dos depoimentos, a obra trará uma seleção de artigos sobre o(s) fil­me(s) lançado(s) de cada cineasta no período, uma filmografia, uma biblio­grafia e a biografia de ca­da um deles. Ambiciosa,

Amor & Cio., de Helvécio Ratton: filmes hoje preferem observar o comportamento cotidiano

Lúcia adianta que a intenção é trans­formar a pesquisa num projeto temá­tico, a ser atualizado ano após ano.

Estagnação- Com a extinção da Em­brafilme pelo governo de Fernando Collor de Mello, o cinema nacional ficou praticamente estagnado. Nada foi colocado no lugar da estatal e, as­sim, nos três anos que se seguiram, foram rodados apenas 14 filmes. Foi em 1994 que a Lei do Audiovisual en­trou em vigor na prática. E, a partir daí, assistiu-se à ascensão da produ­ção de longas-metragens e documen­tários no País. Naquele ano, foram rodados 11 filmes; em 1995, 19; em 1996, 15; em 1997, 21; e, no ano pas­sado, 35. Essa é uma média que, mui­tas vezes, supera a de países europeus.

ta de melhor atriz para Fernanda Montenegro no Festival de Berlim; além de ter sido indicado ao Oscar de melhor filme estrangeiro e Fer­nanda ao de melhor atriz. Além dis­so, O Quatrilho, de Fábio Barreto, e O que é isso Companheiro?, de Bruno Barreto, também já haviam concor­rido ao prêmio. Um Céu de Estrelas, de Tata Amaral, ganhou o troféu de melhor filme e interpretação (atribuí­dos aos protagonistas Alleyona Ca­valli e Paulo Vespúcio Garcia), do 12° Festival de Trieste, na Itália. E não se pode esquecer de que Orfeu, de Cacá Diegues, ainda pode surpreender na votação do Oscar.

Muito mais do que trabalhar so­bre cifras e números, Cinema nos Anos 90 enfoca a ação pública em re-

O secretário de Audiovisual do Ministério da Cultura, José Álvaro Moyses, concorda com as críticas dos cineastas e com eles tem discutido as deficiências da lei de incentivo. Hoje, um filme brasileiro estréia com número de cópias que varia de 5 a 60, enquanto as grandes produ­ções norte-americanas chegam com cerca de 150.

Longe do prejuízo - Se não fossem esses entraves, principalmente no que diz respeito à distribuição, o ci­nema nacional não estaria relegado a segundo plano. Pelo menos, é o que diz a bilheteria. Nas ultramodernas salas multiplex, que têm se espalhado pela cidade, Central do Brasil e O No ­viço Rebelde, com Renato Aragão, de

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Tizuka Yamazaki, nem de longe deram prejuízo.

Enquanto cineastas de­batem problemas "técni­cos", Lúcia aponta para uma propensão temática. Ela observa que, a partir da Lei do Audiovisual, os ci­neastas retomaram os temas genuinamente brasileiros, revertendo a tendência da era Collor de se fazer pro­duções e co-produções in­ternacionais. Hector Ba­benco, que havia filmado Brincando nos Campos do Senhor, agora não apenas volta as câmeras para o país, como para a sua origem argentina em Coração Iluminado. Walter Lima Jr. trocou a paisagem de O Mon­ge e a Filha do Carrasco pelo Ceará e o Paraná, em A Ostra e o Vento. E quem nega que o ter­ceiro longa-metragem de Walter Salles, Cen­tral do Brasil, seja uma reviravolta na estética de A Grande Arte.

A dualidade entre o novo e o ve­lho tem regrado os anos 90. Na aber­tura do livro, Lúcia assina uma longa introdução- única parte opinativa­para construir um painel das novas tendências e reafirmar os elos histó­ricos. "Não houve um choque de ge­rações: o cinema dos anos 90 não nega o que veio antes para se impor como melhor, revolucionário. Ao contrário, existe uma reverência, um desejo de homenagear, freqüente­mente, os cineastas do cinema novo e do cinema marginal e de todos os outros movimentos que existiram no Brasil", analisa.

Dependência- Apesar de terem esti­los bem diferentes, Nelson Pereira dos Santos, Gláuber Rocha, Cacá Die­gues, Saraceni, David Neves, entre outros, estavam unidos pela sagaci­dade de refletir e propor saídas às condições de dependência do país.

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Yndio do Brasil, de Silvio Back (destaque): diretores mostram ao público várias opções culturais

Saídas essas que, por sinal, eram sem­pre de inclinação esquerdista.

Hoje, porém, os novos produtores e cineastas não têm essa diretriz. "Não há mais revoluções, o socia!is­mo é uma bandeira derrotada", acre­dita Lúcia. Assim, o que se vê nas te­las é a discussão de décadas passadas sob nova modelagem.

Exemplos não faltam. "Central do Brasil é típico desse quadro, ao pegar contribuições de Nelson Pe­reira, Gláuber e Ruy Guerra e, inclu­sive, filmar nos mesmos lugares; com o único diferencial de incorpo­rar os fatos históricos desses 40 anos de diferença", analisa Lúcia. Há tam­bém Orfeu, de Cacá Diegues. Pri­meiro, foi a peça Orfeu da Concei­ção, de Vinícius de Morais, em 1956. Três anos mais tarde, o filme Orfeu Negro, do francês Marcel Camus -um cineasta com uma visão total­mente idílica do morro. O diretor Cacá Diegues reinterpretou essa

imagem: agora, a favela é de trafi­cantes, da guerra do tráfico.

E, ainda, há Baile Perfumado, dos estreantes Paulo Caldas e Lírio Fer­reira, que nada mais é do que uma homenagem àquele primeiro masca­te libanês, Benjamin Abrahão, que filmou os cangaceiros e fez as primei­ras e únicas imagens de Lampião e de seu grupo. A frase final do filme, atri­buída a Abrahão- "Os inquietos mu­darão o mundo"- deveria ser enca­rada, pelos novos cineastas, como uma intimação. Não sem tempo.

Identidade - O cinema nacional dos anos 90 aparenta estar criando uma identidade, com ou sem o apelo de público, mas, na verdade, poucos fil­mes são realmente inovadores. Mais raros ainda são os que transgridem a estética ficcional ou documental. A maioria deles conformou-se em reu­tilizar a linguagem do cinema novo e do cinema marginal. Ou, ainda, sub­meter-se aos interesses de mercado. O que se percebe, indo além da aná­lise superficial, é um pseudo-ecletis­mo de assuntos, a repetição de temá­ticas e de recursos estéticos. É o cangaço, o Nordeste pobre. Sempre.

Enfim, qual a identidade do cine­ma dos anos 90, pergunta-se. Com o

referencial no cinema das décadas de 1950 e 1960, Lúcia esclarece: "Os no­vos cineastas são meros observadores de comportamentos cotidianos. Na­da propõem, nada criticam. Essa pos­tura difere radicalmente da adotada por Gláuber Rocha, entre outros, que sempre interpretava a realidade, a cultura popular brasileira." Os fUmes da nova geração são, em sua maioria, acríticos e ingênuos. O Cinema Novo desvendava o Brasil. O novo cinema

ainda busca a definição de uma iden­tidade nacional, mas falta a ele o es­pírito de brasilidade.

Coletividade - Além disso, o foco da maioria dos novos fUmes recai sobre a individualidade e não mais, como na década de 60, sobre a coletividade. É um típico sintoma dos tempos mo­dernos. Um Céu de Estrelas, filme de estréia de Tata Amaral, é rodado na Mooca, em São Paulo, bairro que atraiu os primeiros imigrantes italia­nos. Pouco importa. Não há cenas externas. A história transita no espa­ço claustrofóbico de uma casa. Resu­me-se ao drama de um casal, Dalva (Alleyona) e Vitor (Vespúcio Garcia). Abriu-se mão do contexto social e privilegiou-se o plano individual.

Padre Cícero - Noutro, Baile Perfu­mado, dos também estreantes Lírio Ferreira e Paulo Caldas, Lampião não é aquele temido cangaceiro, mas um burguês acomodado, que vende pro­teção a fazendeiros, ostenta luxo e ri­queza, usa perfume francês e prefere uísque à cachaça. Tudo registrado

pela lente do mascate libanês Benja­min Abrahão, que, munido de uma carta de apresentação do padre Cíce­ro Romão em Juazeiro, pôde seguir e fUmar Lampião, Maria Bonita e seu bando. Predomina a figura do ho­mem e não seu significado, seus fei­tos, sua lenda.

No plano político, a professora afirma que, do embrião revolucioná­rio, passou-se ao discurso politica­mente correto. Os jovens cineastas

Central do Brasil, de Walter Salles Jr. (ao /ado): Brasil enfático até no título

optaram por uma abordagem neu­tra, pela impessoalidade. A ideologia nacionalista virou elemento pura­mente estético.

Tenta-se construir uma utopia, li­gada à profecia de Gláuber Rocha, em Deus e o Diabo na Terra do Sol. Disse ele: o sertão vai virar mar. A frase ecoa numa imagem, a de gran­des superfícies d'água, que são um nota constante nos filmes dessa nova geração. Lúcia sustenta a argumenta­ção acima: "No fim de Baile Perfuma­do, Lampião está sobre um rochedo,

com aquele gigantesco Rio São Fran­cisco passando embaixo; em Bocage (Djalma Limongi Batista), o minús­culo poeta olha aquele mar imenso; em Primeiro Dia (Daniela Thomas e Walter Salles), o cangaceiro chega à praia, mas é assassinado antes de che­gar ao mar", repara.

"A utopia está reverberando e, por enquanto, os personagens, e o Brasil, estão morrendo na praia, em virtude da submissão aos interesses da classe dominante, à corrupção, à guerra do tráfico:' Talvez falte a reverência ao impulso nacionalista dos anos 60. •

P ERFIL:

• LúCIA NAG IB é graduada em Direito pela Universidade de São Paulo, onde fez seu mestrado, com

a dissertação Werner Herzog: O Cinema como Realidade, e seu doutorado, com a tese Nascido das Cinzas -Autor e Sujeito nos filmes de Oshima. Articulista do jornal Folha de São Paulo, editora executiva da revista Imagens (editora da Unicamp) e editora executiva da revista Estudo de Cinemas. É professora da Pon­tifícia Universidade Católica de São Paulo PUC-SP Projeto: Cinema nos Anos 90 Investimento: R$ 12.625,00

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L U í ZA M ENDES F U RI A

A face suja da polidez social Uma análise da linguagem do sadismo de Clarice Lispector

Muitos leitores de Clarice Lispector talvez não se tenham dado conta da origem do mal-estar que por vezes acompanha a

leitura de seus livros, seduzidos por sua lingua­gem poética e pela intimidade que sempre se esta­belece entre essa revolucionária escritora e quem a lê. A explicação certamente nos chega agora com As Metamorfoses do Mal - Uma Leitura de Clarice Lispector (volume n.0 17 da coleção "Ensaios de Cultura", Edusp/Fapesp, 192 págs., R$ 20,00), de Yudith Rosenbaum, psicóloga e doutora em Teoria Literária pela Universidade de São Paulo.

Yudith abandonou o já explora­do campo dos instantes epifânicos na obra clariciana para concentrar­se na vertente mais obscura, a aná­lise do sadismo e suas manifestações - da perversidade à ironia, da inve­ja à destrutividade- nessa literatura, demonstrando que o mal é, muitas vezes, o poder que mobiliza o enre­do, operando a destruição de qual­quer estrutura conservadora.

O estudo abrange o romance de estréia da escritora, Perto do Cora­ção Selvagem, passa pelos contos Os Desastres de Sofia, Felicidade Clandestina, A Le­gião Estrangeira, A Imitação da Rosa, A Fuga, Ob­sessão, O Búfalo e a Quinta História e culmina na análise do "vertiginoso" romance A Paixão segundo G.H., dando prioridade à construção estilística vis­ta sob o ângulo da psicanálise.

Inspirada na "leitura circular" de Leo Spitzer, "que procura relações significativas entre uma intuição abrangente e os traços estilísticos particulares que estruturam e dão unidade à obra': Yudith fez uma análise minuciosa dos textos, à luz da obra de Freud, de clássicos da literatura universal, dos estudos de Garcia-Roza, Anatol Rosenfeld, Antonio Candido, Benedito Nunes e Berta Waldman, entre outros.

"Buscaremos surpreender uma linguagem do sadismo- modulação bastante peculiar e contun-

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dente da presença do mal-, notadamente na des­construção da sintaxe tradicional, na transgressão dos modos convencionais da narração e na expres­são de um sujeito pulverizado e descentrado, mui­to diverso do retrato da maioria dos heróis da li­teratura do século XIX", diz Yudith na introdução. Segundo ela, a escritura de Clarice e a psicanálise têm um grande ponto em comum- ambas "bus­cam desmascarar as forças inconscientes que mo­vimentam o homem e suas relações com o mun-

do, desvelando, pelas vicissitudes do desejo, nossas pulsões primordiais':

Conforme explica, "o exercício da crueldade, nos textos de Clarice Lis­pector, evolui de modo a enredar as personagens e a própria narrativa em jogos perigosos, onde a fruição de prazer se mescla aos movimentos destrutivos do sujeito e da palavra': E assinala: "O exercício do mal em Clarice aparece no imbricamento de relações duais que configuram um

• campo atravessado pela desordem co­mo força maléfica e perturbadora de urna estabilidade até então existente':

Yudith não trata apenas das tra-mas e seus personagens: esmiúça as

relações sádicas existentes "na tríade leitor-texto­personagens': "Como Machado de Assis, Clarice cria uma intimidade com o leitor de modo a enla­çá-lo melhor; o que se poderia cautelosamente chamar de 'narrador sádico' parece aproveitar da cum­plicidade com o leitor e estaria a serviço de deslo­cá-lo de um repouso, sempre adiado", escreve.

Metamorfoses do Mal é um belo, minucioso e apurado estudo, fundamental para quem quer en­tender mais a fundo a escritura de Clarice - que, como bem observa Yudith, pertence àquela "espé­cie incômoda de escritores que denunciam a face suja e reversa da polidez social".

L u íZA MENDES FURIA é jornalista e poeta, autora de In­ventário da Solidão (editora Giordano, 1999)

LANÇAMENTOS

As Sete Maiores Descobertas Científicas da História

David e Arnold Brody

As Sete Maiores Descobertas (Companhia das Letras, 436 págs.) é um guia delicioso e perfeitamente acessível para leigos das grandes revoluções do pensamento, da gravidade

e suas leis à estrutura da molécula de DNA, passando pela teoria da relatividade, a composição do átomo, a teoria da evolução e as análises de como se deu o Big Bang que gerou o universo.

f ísica

f ilosofi:

Física e Filosofia

Werner Heisenberg

Esta é a quarta edição (294 págs, Edições Humanidades) da céle­bre coletânea das conferências proferidas pelo cientista alemão na Escócia, nas chamadas Conferências Gifford, entre 1956 e 1957. Nobel de Física em 1932, Heisenberg foi diretor

do Instituto Max Planck e membro da Royal Society de Londres. Nessa obra, um clássico entre os especialistas, Heisenberg procura revelar as relações entre a física atômica e os problemas fi losóficos atuais, em preleções que misturam conhecimento científico aprofundado e muita poesia.

Sexualidade - O Olhar das Ciências Sociais

Maria Luiza Heilborn (organização)

O estudo (Jorge Zahar, 206 págs.) organizado por Maria Luiza Heilborn, doutora em antropologia pelo Museu Nacional!UFRJ, expressa as tendências contemporâneas

de pesquisas socioantropológicas sobre a sexualidade, demonstrando, a partir de pesquisas de campo, como as práticas sexuais são em muito condicionadas pelas práticas sociais. Fruto de um seminário sobre o tema, Sexualidade é leitura obrigatória e instigante.

REVISTAS

Faz Ciências Minas

Este é o primeiro número (dez. 99) desta publicação, trimestral, feita pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG), cujo objetivo é promover a integração entre a comunidade científica e tecnológica e outros setores

da sociedade, revelando os resultados das muitas pesquisas financiadas pela instituição. Neste volume de estréia, o Prof. Paulo César Peregrino, da Sociedade Brasileira de Virologia, alerta para os perigos futuros das armas biológicas. A revista ainda discute a tecnologia nacional no combate do câncer e traz um mapa sonoro dos ruídos de Belo Horizonte.

Esruoos AvANÇADOs J7

kiemória

Estudos Avançados USP n.0 37

A celebrada publicação quadrimestral do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo traz neste novo número (set./dez 99) um Dossiê Memória com uma série de bons artigos sobre o tema

em suas vária,:; formas. Destaque para o notável escrito de Ecléa Bosi sobre o campo de concentração de Terezin. Ainda: Jeanne-Marie Gagnebin escreve sobre Teologia e Messianismo em Walter Benjamin; João Máximo traz as Memórias do Futebol Brasileiro.

DADOS Neste número: Ftdmlismos, Mídi~ e Cam~nha Eleitool

Dados - Revista de Ciências Sociais no 2

Neste número da publicação trimestral do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (IUPERJ), a política nacional é dissecada em artigos de Alfred Stepan, analisando o Federalismo, Luís Felipe

Miguel, sobre a participação da Globo nas eleições de 1988, e Rogério Schmitt discute as estratégias de campanha no horário gratuito de propaganda eleitoral na televisão.

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