Presidencialismo de Coalizão - Sérgio_Abranches

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  • 8/8/2019 Presidencialismo de Coalizo - Srgio_Abranches

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    PRESIDENCIALISMO DE COALIZO: O DILEMAINSTITUCIONAL BRASILEIRO*Srgio Henrique Hudson de Abranches

    HETEROGENEIDADE EPLURALIDADE DE

    significativas mudanas, com acentuadaalterao nas hierarquias scio

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    mobilidade social. Finalmente, parteno menos significativa da populaovive em condies de destituio similares quelas que prevalecem nos pasesmais pobres.

    No plano macropoltico, verificamse disparidades de comportamento,desde as formas mais atrasadas de clientelismo at os padresde comportamento ideologicamente estruturados. H umclaro "pluralismo de valores", atravsdo qual diferentes grupos associam expectativas e valoraes diversas s instituies, produzindo avaliaes acentuadamente distintas acerca da eficcia e dalegitimidade dos instrumentos de representao e participao tpicos das democracias liberais. No se obtm, portanto, a adeso generalizada a um determinado perfil institucional, a um modode organizao, funcionamento e legitimao da ordem poltica. Esta mesma"plurali dade" existe no que diz respeitoaos objetivos, papele atribuies do Estado, suscitando, de novo, matrizes extremamente diferenciadas de demandase expectativas em relao s aes dosetor pblico, que se traduzem na acumulao de privilgios, no desequilbriopermanente entre as fontes de receita eas pautas de gasto, bem como no intensoconflito sobre as prioridades e as orientaes do gasto pblico. Simultaneamente, e por causa deste mesmo perfilmltiplo e fracionado das demandas,acumulam-se insatisfaes e frustraesde todos os setores, mesmo daqueles

    que visivelmente tm se beneficiado daao estatal.A multiplicao de demandas exacerba a tendncia histrica de interveno ampliada do Estado. Este desdobrase em inmeras agncias, que desenvolvem diversos programas, beneficiandodiferentes clientelas. Proliferam os incentivos e subsdios, expande-se a redede proteo e regulaes estatais. Essemovimento .tem o resultado, aparentemente contraditrio, de limitar progressivamente a capacidade de ao governamental. O governo enfrenta umaenorme inrcia burocrtico-oramentria, que torna extremamente difcil aeliminao de qualquer programa, areduo ou extino de incentivos esubsdios, o reordenamento e a racionalizao do gasto pblico. Como cadaitem j includo na pauta estatal torna-secativo desta inrcia, sustentada tanto pelo conluio entre segmentos da burocracia e os beneficirios privados, quantopelo desinteres se das foras polticas quecontrolam o Executivo e o Legislativoem assumir os custos associados a mudanas nas pautas de alocao e regulao estatais, restringe-se o raio de aodo governo e reduzem-se as possibilidades de redirecionar a interveno doEstado. Verifica-se, portanto, o enfraquecimento da capacidade de governo,seja para enfrentar crises de forma maiseficaz e permanente, seja para resolver os problemas mais agudos que emergem de nosso prprio padro de desenvolvimento. 1

    Esta contradio aparente e ntre o crescimento e diversificao das formas de interveno doEstado e o enfraquecimento simultneo da capacidade de controle do governo sobre as polticaspblicas no uma peculiaridade brasileira . Porm, ela se agrava, neste caso, tanto em funo dascaractersticasde nOSSQ padro de desenvolvimento, quanto pelos efeitos do autoritarismo sobreas pautas de relacionamento entre sociedade e Estado, quanto, ainda, pela dinnticada transiodo autoritarismo para a nova orde m institucional, em formao. Ve r, a respeito da relao entreinterveno do Estado e controle das polticas pblicas, F. Lehner e K. Schubert, "PartyGovemment and the Control of Public Policy", European loumal 0/ Poltical Research, n.12,1984, pp. 131-46.

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    r,1

    Irj

    Essa coincidncia de situaes tocontrastantes define uma formao social com caractersticas distintas quer dasnaes industriaizadas, que apresentammaior homogeneidade social, quer daschamadas "naes plurais", divididaspor clivagens regionais e culturais muitopoderosas, mas cujos diferentes "blocoscultutais" apresentam relativa homogeneidade interna, como nos casos da Holanda, Blgica ou ustria. Trata-se deum caso de heterogeneidade econmica, social, poltica e cultural bastantemais elevado, seja na base tcnica e nosnveis de produtividade na economia, seja no perfil de distribuio de renda, sejanos graus de integrao e organizaodas classes, fraes de classe e gruposocupacionais, apenas par a mencionar algumas dimenses mais salientes do problema. Responde, porm, a uma mesmalgica histrica e estrutural de expanso,tornando suas diferentes partes contemporneas do mesmo movimento geral,ainda que no coetneas nas suas dinmicas internas.O avano do capitalismo industrial,no Brasil, , assim, caracterizado porforte "assincronia", associada a seu carter retardatrio em relao ordemcapitalista mundial e heterogeneidadehistrica de suas estruturas internas. Asforas do progresso atingem desigualmente esta malha dspar, determinandoritmos diversos e conjunturas estruturalmente diferenciadas. As decises de investimento e as opes distributivas sancionamou exacerbam este movimento.O desenho e o funcionamento das instituies o convalidam ou, mais grave ainda, procuram simplific-lo artificialmente, determinando transbordamentos incontrolveis de insati sfaes e frustraes, que reduzem drasticamente oslimites de sua legitimidade. Os constrangimentos externos e os impulsos internos

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    compem-se na reproduo das. desigualdades. Elevam-se, portanto, astaxas potencial e real de conflito. Estepermaneceu reprimido de vrias maneiras, da represso aberta sutil imposiode barreiras elitistas, polticas, econmicas, sociais e culturais sua plena manifestao. Embora alguns destes elementos de conteno forada do conflito tenham desaparecido com a desarticulao do regime autoritrio, muitos delespermanecem em operao. Convivem,assim, focos largos e irresolutos deconflito e barreiras sua livre manifestao. Mais ainda, o quadro institucionalno desenvolveu mecanismos novos quepermitam processar esses conflitos deforma legtima, democrtica e institucionalizada.

    Em sntese, a estr utura econmicaalcanou substancial diversidade egrande complexidade; a est rutura socialtornou-se mais diferenciada, adquiriumaior densidade organizacional, persistindo, porm, grandes descontinuidades, marcada heterogeneidade e profundas desigualdades. Da resultarammaiores amplitude e pluralidade de interesses, acentuando a competitividade eo antagonismo e alargando o escopo doconflito, em todas as suas dimenses.Ao mesmo tempo, o Estado cresceu eburocratizou-se e a organizao polticaseguiu estreita e incapaz de processarinstitucionalmente toda essa' diversidade, de agregar e expressar com eficcia e regularidade a pluralidade de interesses e valores.

    O dilema institucional brasileirodefine-se pela necessidade de se encontrar um ordenament o institucional suficientemente eficiente para agregar eprocessar as presses derivadas dessequadro heterogneo, adquirindo, assim,bases mais slidas para sua legitimidade,que o capacite a intervir de forma mais

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    eficaz na reduo das disparidades e naintegrao da ordem social.O objetivo deste artigo anali6aralguns componentes desse dilema, especiflcamente no que diz respeito ao arranjo constitucional que regula o exerccioda autoridade poltica e define as regraspara resoluo de conflitos oriundos dadiversidade das bases sociais de sustentao poltica do governo e dos diferentes processos de representao. Oconflito entre o Executivo e o Legislativo tem sido elemento historicamentecrtico para a estabilidade democrticano Brasil, em grande medida por causados efeitos da fragmentao na composio das foras polticas representadas noCongresso e da agenda inflacionada deproblemas e demandas imposta ao Executivo. Este um dos nexos fundamentais do regime poltico e um dos eixosessenciais da estabilidade institucional,tema das sees seguintes.2

    A CRISE INSTITUCIONALA transio, inaugurada com a instalao da Nova Repblica, correspon

    deu ao esgotamento do modelo polticoanterior e falncia do conjunto dasinstituies especflcas do regime autoritrio. Vivemos, em funo do quadroeconmico-social e da derrocada da velha ordem; uma situao de alta propenso instabilidade.

    Todo processo de mudana de regime implica, em maior ou menor grau,descontinuidades e desajustes entre acomposio de foras que promove otrnsito imediato entre a velha e a novaordem e o conjunto de foras polticasque efetivamente conduzir a (re construo institucional. Alm disso, a prpria mudana excita as expectativas detodos que se sentiam lesados no perodoanterior, suscita a esperana de mudanas, sem a conscincia clara de que acomunho de princpios polticos no assegura, nem contm necessariamente,elementos de consenso sobre as polticasconcretas e as solues a serem implementadas pelo novo governo, tampoucoquanto direo que se dar ao processode mudana.

    Adicionalmente, h uma contradio inexorvel entre a necessidade prtica de administrar o cotidiano, com instrumentos ainda do passado, e a imposio poltica e moral da reforma polticoinstitucional, que reque r, forosamente,planejamen to e complexas negociaes.As presses da conjuntura, associadas persistncia da crise econmicosocial, exigem pronta ao governamental. Mas a soluo - se obtida dosproblemas do dia garantia insuficientede estabilidade e paz social mais permanentes. A instaurao de uma nova ordem libera demandas antes reprimidas,que se somam quelas j inscritas napauta decisria, mas inatendidas, produ-

    2 Par a uma anlise mais detalhada das caractersticas scio-econmicasdo processo de desenvolviment o brasileiro e suas implicaes institucionais, ver Srgio H.H. Abranches, "A RecuperaoDemocrtica: Dilemas Polticos e Institucionais", Estudos Econmicos, vol. 15, n.3, 1985, pp.443-63, trabalho que o presente atualiza e aprofunda no que diz respeito ao argumento polticoinstitucional. A preseJ,lte anlise no pretende ajudar a elucidar todo o dilema institucionalbrasileiro, mas apenas seu componente poltico e, especificamente, aquele associado ao regimeconstitucional de governo. H, evidentemente, outros elementos polticos importantes na suadeterminao, sobretudo aqueles que se referem ao corporativismo no-consociacional e aocontrole democrtico das polticas pblicas. Como h , tamb m, os componentes sociais e econIoicos deste dilema institucional, que merecem tratamento em separado.

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    zindo sobrecarga na agenda prtica doEstado.Contudo, as prprias dificuldadespolticas, a serem contornadas com tempo e habilidade, reduzem a capacidadede formulao de programa positivo eseletivo que condicione politicamente aadministrao dos negcios pblicos snovas prioridades. At porque, a desarticulao progressiva da institucionalidade au toritria incorpora novas forasao processo decisrio, sem que j este

    jam em pleno funcionamento os novosmecanismos de processamento e seleoinstitucionalizada de interesses, ajustados s novas diretivas polticas e aosprincpios democrticos de deciso e relacionamento social. Prevalece uma certa informalidade pr-institucional nastransaes polticas, superposta continuidade da gesto atravs de um aparelho estatal marcado ainda pelas distores produzidas pelas regras burocrtico-autoritrias de direo PQltica.

    No plano poltico, como se o governo precedesse o regime. A desgastada e ilegtima emenda constitucional,que regulou o antigo regime, tem seuespao de vigncia definido pela convenincia poltica e administrativa. Deixa,portanto , um amplo vazio constitucionalno que se refere regulao do campojurdico-poltico. Mais ainda: ineficazna definio do escopo de autonomia einterdependncia dos poderes. A instalao da Assemblia Nacional Constituinte exacerba os problemas oriundosdessa fluidez institucional, reavivandoos conflitos entre Legislativo e Executivo, os quais se processam sem limitesdefinidos e amplamente compartilhadose na ausncia de mecanismos institucio-

    nalizados elegitimosde mediao e arbitragem. Os riscos de crises institucionaiscclicas permanecem altos e praticamente inevitveis. Este um problemasrio, que tem razes histricas, e querequer solues de curto prazo - para operodo de trabalho constituinte - e delongo prazo, atravs de inovaesconstitucionais, de responsabilidade daAssemblia Nacional Constituinte.3A probabilidade de acumulao deconflitos em mltiplas dimenses, precariamente contidos pelo pacto mais genrico de transio democrtica - que foibrevemente revigorado durante o perodo de sucesso do Plano Cruzado-, bemcomo de sucesso de ciclos de instabilidade, aumenta na proporo em que asenergias da nova direo poltica (no Legislativo e no Executivo) so consumidas na administrao de crises. Almdisso, a conteno dos mltiplos focossetoriais de antagonismo, que emergiro, muito provavelmente, de formaquase endmica, no governo e fora dele,entre os parceiros da Aliana Democrtica e no interior dos prprios partidos,pode desgastar rapidamente a lideranada coalizo. Vem da a necessidade derpida institucionalizao de procedimentos de negociao e resoluo deconflitos que evitem que todas as crisesdesemboquem nas lideranas e, sobretudo, na Presidncia.

    No so apenas o arcabouo constitucional, o sistema poltico e a estru turaestatal que se encontram em transio,na qual convivem elementos noresiduais do antigo regime e novos princpios, que amadurecero no territrioda repblica democratizada. Tambm aestrutura geral de organizao e repre-

    Para uma anlise mais detalhada desse processo de "desinstitucionalizao", que institui umgoverno sem regime, e seus efeitos politicos, ver meu artigo"A Busca de Nova InstitucionalidadeDemocrtica(?)", Cadernos de Conjuntura, n.3, Iuperj, Rio de Janeiro, dezembro de 1985.

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    sentao de interesses sociais encontrase em fluxo, requerendoum ancoradouro institucional mais legtimo, mais moderno e mais aberto.Solues estveis para a crise econmico-social no dependem apenas demedidas macroeconmicas consistentes. Requerem, concomitantemente,uma reforma organizacional do Estadoque estabelea nexos mais slidos com asociedade; a criao de espaos para formulao de aes concertadas; a recuperao da estrutura e da capacidade deplanejamento. Estas mudanas no quadro administrativo e organizacional doEstado, associadas a novas regras institucionalizadas de convivncia entre osagentes econmicos e o governo, sofactveis antes mesmo da definio, pelaConstituinte, do novo regime.Existem, entretanto, elementos dnosso dilema institucional que s poder o se r equacionados pelo processoconstituinte e que se encontram nocaminho critico da estabilidade democrtica de nosso Pas.REGIMES DEMOCRTICOS EREPRESENTAO DE INTERESSES

    A ordem institucional da Nova Re.pblica s ser definida, no plano macropoltico, com a nova Constituio.No entremeio, aplicam-se, seletivamente, dispositivos preexistentes e fortalece-se aquela tendncia, j referida, informalidade de acordos e regras, quepode e deve ser compensada por mudanas institucionais e organizacionais decurto prazo. Mas ser a defmio deuma institucionalidade de longo prazoque determinar as possibilidades deevoluo democrtica mais estvel doPas.A dinmica macropoltica brasileira tem se caracterizado, historicamente,10

    pela coexistncia, nem sempre pacfica,de elementos institucionais que, emconjunto, produzem certos efeitos recorrentes e, n o raro, desestabilizadores. Constituem o que se poderia classificar, com acerto, as bases de nossatradio republicana: o presidencialismo, o federalismo, o bicameralismo, omultipartidarismo e a representaoproporcional. Seria ingnuo imaginarqu e este arranjo poltico-institucional setenha firmado arbitrria ou fortuitamente ao longo de nossa histria. Naverdade, expressa necessidades econtradies, de natur eza social, econmica, poltica e cultural, que identificamhistrica e estruturalmente o processode nossa formao social. Tais caractersticas compem uma ordem polticaque guarda certas singularidades importantes no que diz respeito estabilidadeinstitucional de longo prazo, sobretudoquando analisadas luz das transformaes sociais por que passou o Pas nasltimas quatro dcadas, do grau de heterogeneidade estrutural de nossa sociedade e da decorrente propenso aoconflito.Estas singularidades aparece m maisnitidamente quando confrontadas comoutros modelos de organizao democrtica. Toda comparao tem algo dearbitrrio. Querer aplicar regras de organizao observadas em outras formaes sociais, com histria e estruturasdiversas, corresponderia a um exercciode engenharia institucional artificial eextico. Mas a observao de experincias distintas pode tomar mais salienteaquilo que j temos em comum com outras democracias e o que h de especficoe problemtico em nossa vivncia, estimulando a busca de solues a ela apropriadas.A Tabela 1 apresenta um sumriodas principais caractersticas institucio-

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    nais das 17 democracias mais estveis erelevantes do aps-guerra e do Brasil,em distintos momentos. Pode-se verifica r que o Brasil compartilha, com amaioria, vrios elementos: mais da metade desse grupo de pases (9/17) adota osistema proporcional de representaoparlamentar; a maioria (13/17) temparlamentos bicamerais; 70% - (12/17)

    - tm mais de trs partidos com representao superior a 5% na cmara popular e outros trs pases possuem pelomenos trs partidos nesta condio (onmero mdio de partidos, para oconjunto, 4). Apenas os Estados Unidos, a Inglaterra e a Nova Zelndia sosistemas bipartidrios, po r este critrio.

    Tabela 1Caracterstica s Institucionais das PrIncipais Democracias Ocidentais e do BrasU (1946-1;4)(Dados referentes aos outros pases-1970's)

    Pas Regime Eleitoral1 EStrutura do Forma de N?Partidos2 % GrandesParlamento1 Governo +5%Alemanha Msto(Prop. Maj.) Bicameral Pariam. 03 28Austrlia Ma oritri04 Bicameral Pariam. 03 00ustria Proporcional Bicameral Pariam. 03 19Blgica Proporcional Bicameral Pariam. 06 16Canad Ma . Distrital Bicameral Pariam. 04 00Dinamarca Proporcional Unicameral Pariam. 05 00EUA Maj. Distrital Bicameral Preso 02 00Finlndia Proporcional Unicameral Pres.s 06 42Frana Maj. Distrital Bicameral Pariam. 04 74Holanda Proporcional Bicameral Pariam. 07 49Itlia Proporcional Bicameral Pariam. 05 43Japo Maj. Distrital6 Bicameral Pariam. 04 20Noruega Proporcional Bicameral Pariam. 05 00N. Zelndia Maj. Distrital Unicameral Pariam. 02 00Inglaterra Maj. Distrital Bicameral Pariam. 02 13Sucia Proporcional Bicameral Pariam. OS 00Sua? Proporcional Bicameral Colegiado 05 74Brasil (1946) Proporcional Bicameral Pres. 05 80Brasil (1986) Proporcional Bicameral Pres. 04% Proporcional 69%%Distrital 41%% Bicameral 88%% Pariam. 88%Mdia N? Partidos 041. Fonte: V. Herman e F. Mendel, ParlamenlS ofthe World, Londres, MacMillan, 1977.2. Fonte: T. Mackie e R. Rose, The lnternational Almanae of Eleetoral History, Nova Iorque, FreePress, 1974.3. Fonte: A. Lijphart, "Power-Sharing versus Majority Rule ..", QP. cit.4. O sistema australiano majoritrio por transferncia simples.5. Presidencialista, mas o parlamento pode demitir o gabinete.6. Regime majoritrio, mas com distritos plurinominais.7. O Executivo composto por um Conselho Federal, de sete membros, eleitos pelo parlamento. Opresidente e vice-presidente so escolhidos entre os sete, para mandatos de um ano. Inexiste o voto dedesconfiana.

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    o Brasil praticou o modelo presidencialista, federativo, proporcional emultipartidrio ao longo da Repblicade 1946 e retornou a ele com a NovaRepblica. Na Assemblia NacionalConstituinte, existem quatro partidoscom mais de 5% de cadeiras na Cmara,tornando o nosso multipartidarismo rigorosamente mdio e desmentindo apreocupao exagerada, hoje corrente,com a "proliferao excessiva de partidos" .Por que exagerada? Em primeirolugar, porque o prprio sistema eleitoralatua como regulador desse processo, incentivando ou desincentivando a formao de partidos, na medida em que tornaos custos, em votos, proibitivos para pequenas legendas de ocasio. A regra declculo do quociente partidrio e o modode distribuio de sobras so mais eficientes, nesse sentido, que qualquercoero legal.Evidentemente, no por acasoque uma determinada sociedade apre

    senta tendncia ao multipartidarismo - .moderado ou exacerbado. O determinante bsico dessa inclinao ao fracionamento partidrio a prpria pluralidade social, regional e cultural. O sistema de representao, para obter legitimidade, deve ajustar-se aos graus irredutveis de heterogeneidade, para noincorrer em riscos elevados de deslegitimao, ao deixar segmentos sociaissignificativos sem representao adequada.Os sistemas majoritrios, emboraadmitam o multipartidarismo no planoeleitoral, reduzem fortemente as possibilidades de equilbrio pluripartidriono plano parlamentar., Em ambientessociais plurais, tendem a estreitar excessivamente as faixas de representao,com o risco de simplificar as clivagens eexcluir da representao setores da so-

    ciedade que tenham identidade e preferncias especficas. Os sistemas proporcionais ajustam-se melhor diversidade, permitindo admitir representao a maioria desses segmentos significativos da populao e, ao mesmo tempo, coibir a proliferao artificial de legendas, criadas para fins puramenteeleitorais e sem maior relevncia sciopoltica.Alguns exemplos permitem ilustrarmelhor este raciocnio. A Inglaterra(Reino Unido) aparece na Tabela 1 como um sistema bipartidrio: apenas ospartidos Conservador e Trabalhista tmconseguido, nas ltimas dcadas, obtermais de 5% das cadeiras na House ofCommons. Entre tanto , nas sete eleiesrealizadas entre 1950 e 1970, pelo menossete partidos disputaram cadeiras parlamentares. A maioria dos pequenos partidos de base regional, como o Nacionalista Irlands. Dois so partidos nacionais, com identidade programticaprpri a e longa tradio na histria poltica do pas: o Liberal e o Comunista. Oscomunistas disputam as eleies regularmente desde 1922, embora com pequena expresso eleitoral; os liberais,desde 1885, j tendo sido majoritriosem vrias legislaturas, em dcadas passadas. No perodo referido, a votao doPartido Liberal variou entre 2,6 e11,2%; em cinco das sete eleies mencionadas, foi superior a 5%. No entanto,a representao parlamentar dos liberais variou, no mesmo perodo, de ummnimo de 1% a um mximo de 1,9%,tornando-o um partido inefetivo no plano parlamentar . No perodo Thatcher, avotao do Partido Liberal ampliou-se,atingindo a casa dos 20-25% dos votos.Entretanto, sua representao parlamentar persistiu fortemente defasadaem relao sua posio nas escolhaspopulares.

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    Caso polar a Holanda, de multipartidarismo exacerbado: sete partidostinham representao superior a 5% naTweede Kamer, a cmara popular, em1970. Mais de 15 partidos disputaramaquelas eleies. Destes, trs obtiveram10% ou mais dos votos o CatlicoPopular (17,7% ), o Trabalhista (27,3 % )eo Liberal (14;4%)- , votao que lhesassegurou, respectivamente, 18, 28,7 e14,7% das cadeiras na Tweede Kamer.Outros t rs partidos obtiveram entre 5 e10% dos votos o Radical (5%), oAnti-Revolucionrio (8,8%) e a UnioCrist Histrica (5%)-, que se traduziram em 4,7, 9,3 e 4,7% das cadeiras,respectivamente.

    Enquanto o regime ingls de representao apresenta um forte potencialde excluso de minorias significativas,o holands reflete aproximadamente opluralismo existente na sociedade e oconseqente perfil de preferncias. Estepotencial de excluso, em situaes demaior heterogeneidade social, podetransformar-se em srio risco estabilidade da ordem poltica, anulando a suaaparente superioridade, que seria, segundo alguns autores, a produo demaiorias estveis. Se essas maiorias forem muito artificiais, resultado da regrade representao e no das escolhas eleitorais, dificilmente contribuiro para alegitimidade do sistema de representao.A segunda razo pela qual a preocupao com a proliferao de partidos exagerada refere-se ao fato de que osregimes proporcionais, mesmo quandoadotam critrios de transformao devotos em cadeiras que promovem amxima proporcionalidade e no desincentivam a fragmentao partidria,apresentam diferenas ponderveisentre o nmero de partidos que disputam as eleies e o nmero de partidos

    com efetiva representao parlamentar.Assim, a garantia de representao aminorias significativas no determina,necessariamente, a inviabilidade demaiorias estveis, embora implique,com freqncia, a necessidade de coalizes governamentais.Novamente o exemplo polar da Holanda elucidativo a respeito: o nmerode partidos com representao parlamentar efetiva representa menos da metade do nmero de partidos eleitorais.Por outro lado, os dados da Tabela 1mostram que, apesar de ser grande onmero de partidos com expressoparlamentar, apenas 49% dos governos,no aps-guerra, constituiram-se combase em grandes coalizes. A Frana,por exemplo, um sistema majoritriodistrital, com quatro partidos controlando mais de 5% das cadeiras na cmarapopular, teve 74% de seus governos baseados em grandes coalizes.Para as 17 democracias includas naTabela 1, verifica-se que o nmero mdio de partidos parlamentares 4 (a mediana 5), com uma variao que temcomo limite inferior os sistemas bipartidrios e, como limite superior, o multipartidarismo holands, com seus setepartidos parlamentares. J o quadropartidrio-eleitoral bastante distinto:o nmero de partidos que disputam aseleies varia de 2 a 15 e o nmero mdio de partidos eleitorais 7. Em suma,a prpria dinmica eleitoral contm elementos de auto-regulao que reduzema fragmentao parlamentar, em relao fragmentao eleitoral.

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    Alm disso, a capacidade de formarmaiorias estveis e a necessidade de recorrer a coalizes no so exclusivamente determinadas pela regra de representao, nem pelo nmero de partidos, mas tambm pelo perfil social dosinteresses, pelo grau de heterogenei-

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    dade e pluralidade na sociedade e porfatores culturais, regionais e lingsticos, entre outros, que no so passveisde anulao pela via do fegime de representao. Ao contrrio, a tentativa de.controlar a pluralidade, reduzindo artificialmente o nmero de partidos representados no parlamento e aumentandoas distores distributivas na relao voto/cadeira, pode tornar-se um forte elemento de deslegitimao e instabilidade.Nesta viso mais relativizada doslimites e possibilidades dos regimes derepresentao partidrio-eleitoral emdemocracias estveis, o caso brasileirono apresenta desvios notveis. Nenhum momento de sua histria parlamentar entre 1946 e 1964, nem na NovaRepblica, caracteriza-se pela exacerbao do multipartidarismo no Congresso.Um trao da legislao eleitoralbrasileira no analisado neste trabalho,que tem merecido a ateno dos analis

    tas, refere-se possibilidade de coligaes eleitorais. De fato, por razes legais ou desincentivos embutidos nos sistemas eleitorais , as coligaes so poucofreqentes nas democracias constantesda Tabela 1. Certamente, a ampliaodas coligaes, como ocorreu nas eleies de fins da dcada de 50 e incio dosanos 60, no Brasil, subverte o quadropartidrio, confundindo o alinhamentoentre legendas e contaminando as identidades partidrias. Es ta uma caracterstica distintiva do modelo brasileiroem comparao com as democracias"maduras". Dos 17 pases aqui contemplados, apenas trs apresentam algumaincidncia de coligaes eleitorais para acmara popular, porm com intensidade

    e freqncia bastante menores que asobservadas no caso brasileiro. Nas eleies francesas de 1967 e 1968, coligaeseleitorais obtiveram 35,3 e 28,7% dosvotos e 34,5 e 18,7% das cadeiras, respectivamente. Na Itlia, em 1968, coligaes capturaram 14,5% dos votos e14,4% das cadeiras. Finalmente, no Japo, em 1958, alianas eleitorais parlamentares conseguiram 33% dos votos e35% das cadeiras. Mas, neste particular,de fato, o Brasil destaca-se como desviante. Coligaes e alianas representam a exceo, no a regra, naquelasdemocracias, enquan to no Brasil, a parti r de 1950, passaram, progressivamente, a constituir a regra. Basta verificar que, em 1950, alianas e coligaesreceberam 20% dos votos e em 1962 estepercentual atingiu quase 50%.4 possvel perceber, at intuitivamente, que a possibilidade de alianas ecoligaes amplia adicionalmente ocampo de escolhas eleitorais, elevando afragmentao partidria, na medida emque no apenas garante a sobrevivnciaparlamentar de partidos de baixa densidade eleitoral, mas tambm multiplicaas possibilidades de escolha alm dasfronteiras das legendas partidrias. Esteproblema ser reexaminado maisadiante, quando da anlise daquilo quediferencia a experincia institucionalbrasileira das experincias democrticasque lograram estabilidade e maturidade. O importante a considerar que,mesmo com a alta incidncia de alianase coligaes eleitorais, uma vez recomposto o alinhamento partidrio, no plano parlamentar, o Brasil no apresentandices de fracionamento muito destoantes daqueles observados nas democracias proporcionais, o que qualifica

    4 Para uma anlise das alianas e coligaes no Brasil e correspondentes referncias bibliogrficas,ver Olavo Brasil de Lima Junior, Os Partidos Polfticos Brasileiros, Rio de Janeiro, Gr aal. 1983.

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    I.t,

    ainda mais a preocupao com a alegadaexacerbao de nosso multipartida-rsmo.A Tabela 2 apresenta algumas medidas de concentrao ou disperso dafora dos partidos nas cmaras populares, o que permite avaliar mais finamente a questo da formao de maiorias. A primeira coluna apresenta o ndice de fracionamento partidrio nominal de Rae.5 Apesar da terminologia,este ndice de fcil compreenso: variadei , ou seja, da concentrao absoluta das cadeiras, em um sistema unipartidrio, disperso extrema, na verdadeirrealizvel na prtica, em que cada cadeira corresponderia a um partido diferente e o ndice atingiria a unidade. Umsistema bipartidrio perfeito (FP =0,50) seria considerado o ponto de disperso (ou fracionamento) intermedirio e os sistemas multipartidros ocupariam o continuum a partir de, aproximadamente,0,55.

    O Quadro 1 apresenta as trs medidas mais elucidativas da Tabela 2, distribudas de acordo com uma classificaodos sistemas partidrio-parlamentares:os ndices de fracionamento partidrioparlamentar (FP), de c o n c e n t r a ~ o decadeiras pelo maior partido (IC) e deconcentrao de cadeiras pelos doismaiores partidos (ICA). FP forte enegativamente correlacionado com osoutros dois, na medida em que so todosmedidas de concentrao (R de Pearson= - 0,92 e - 0,94, e R de Spearman =- 0,91 e - 0,97, respectivamente).Conjuntamente, descrevem o perfil dedistribuio de cadeiras na cmara popular. A classificao dos sistemas baseou-se no nmero de partidos com maisde 5% de cadeiras. Com esta apresenta-

    o, torna-se mais fcil compreender oefeito do fracionamento parlamentar eseu significado na anlise do "grau demultipartidarismo". Observa-se que ossistemas bipartidrios reais aqui analisados apresentam, efetivamente, tanto ndices de fracionamento prximos a 0,50,quanto relativo equilbrio de forasentre os dois partidos efetivos no parlamento (IC e ICA). Apenas para ilustrar,a proporo de cadeiras do segundo partido na Inglaterra era de 46%.Os sistemas tripartidrios apresentam ndices de fracionamento entre 0,55e 0,60. Todos os trs so, de fato, casoslimtrofes, que apresentam altos ndicesde concentrao, similares aos dos sistemas bipartidrios. Na ustria, porexemplo, o ndice de concentrao decadeiras pelos dois maiores partidos

    '(ICA) de 0,95, restando, portanto, aoterceiro partido, apenas 5% das cadeiras. Es te ndice de 0,98 para a Inglaterra. A Austrlia, embora apresente umndice de concentrao mais elevado para o maior partido, apresenta maior disperso entre os outros dois, o que fazcom que o ndice de concentrao acumulado caia para 0,84 - ainda muitoalto quand o comparado aos dos sistemasmultipartidrios.

    O primeiro grupo de democraciasmultipartidrias constitudo po raqueles pases que tm quatro partidoscom representao parlamentar igualousuperior a 5%. A se incluem duas legislaturas brasileiras do perodo pr-64 ea Assemblia Nacional Constituinte. Hdois casos desviantes neste grupo. O primeiro o da Frana que, embora tenhaquatro partidos com pelo menos 5% dascadeiras na Assemble Nationale, apre-5 Para maiores detalhes, cf. D. Ra e, The Political Consequences of Electoral Laws, New Haven,Yale University Press, 1967.

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    Estes constituem o segundo blocode democracias multipartidrias, aquelas que, juntamente com as que apresentam sistemas com alto fracionamento,caracterizam-se por graus elevados deheterogeneidade ou pluralismo socialas sociedades plurais. Seus sistemasmultipartidrios e seus regimes proporcionais respondem, efetivamente, a essapluralidade irredutvel, e no por acasoa dinmica democrtica consociacional na quase totalidade dos pases aincludos. 6 Os ndices de fracionamentoparlamentar desses sistemas variamentre 0,70 eO80. A Sua , claramente,um caso limtrofe, que oscila entre ofracionamento mediano e o alto, entrecinco e sete partidos parlamentares efetivos (FP = 0,82 e IC = 0,24). Finalmente, tem-se os dois casos de alto fracionamento, Finlndia e Holanda, commais de cinco partidos parlamentaresefetivos, ndices de fracionamentoparlamentar superiores a 0,80 e ndicesde concentrao em torno de 0,30.

    O Brasil, como se v, no apresentaqualquer desvio importante, neste particular, em relao a vrias - na verdadea maioria - das democracias estveis doOcidente. Tem um sistema multipartidrio, com fracionamento parlamentarentre o mdio e o mediano, ndices emnada dessemelhantes queles observados em vrios pases que gozam de estabilidade democrtica e alta legitimidade.O exame do que ocorreu no perodo 1946-64 indica uma trajetria bastante clara na direo da consolidaode um sistema multipartidrio, com fracionamento parlamentar mediano, com

    cinco partidos parlamentares efetivos l'o poder parlamentar dividido entre ostrs maiores. Essa estabilizao indicada pela regularidade do ndice de fracionamento (0,78) nas trs ltimas legislaturas. As duas primeiras apresentam-secomo sistemas de transio: a pr imeira.empolgada pela forte representaoconferida ao Partido Social Democrtico PSp, partido que assumira a liderana do processo de institucionalizaoda nova ordem; a segunda, refletindo arpida mudana no alinhamento partidrio, com o crescimento do PTB, querepresentava os setores urbanos e maisprogressistas do movimento de institucionalizao da democracia populista. Altima legislatura apresenta uma distribuio mais igualitria da representaoentre os trs maiores partidos, que seanuncia na queda do ndice de concentrao (lC) para 0,29/Vale ainda mencionar, a esse respeito, a proximidade dos ndices observados para a atual Assemblia NacionalConstituinte e a primeira legislatura da"Repblica de 46": tanto o ndice defracionamento parlamentar quanto osndices de concentrao atingem valoresmuito prximos. No pretendo retirarconcluses a respeito dessa coincidncia, mas creio ser razovel considerar apossibilidade de que, agora, comoantes, o sistema partidrio-parlamentarque emerge do processo de transio einaugura o processo de institucionalizao democrtica, aps prolongado cicloautoritrio, , ele mesmo, de transio.Caracteriza-se pela forte representaode um s partido, identificado com aliderana mesma desse processo, como

    6 Sobre as democracias consociacionais, ver A. Lijphart, The Politics 01 Accommod arion, Berkeley, University of California Press, 1968, e "Consociational Democracy", World Politics, vol.XXI, n.2, 1969.1 Sobre a evoluo e o desempenho da "Repblica de 46", ver Wanderley Guilherme dos Santos,Crise e Castigo. So Paulo, Vrtice, 1987.

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    tambm por presses subjacentes queapontam para um provvel reali-nhamento das foras partidrias. Poderse-ia esperar que, se no forem alteradasas regras de representao proporcional, o novo sistema partidrio brasileirotorne-se um sistema multipartidriocom fracionamento mediano.Independntemente dessa possibilidade, que apontaria para certas regularidades em nosso processo poltico, assentadas em caractersticas estruturaisde nossa sociedade e em traos bastante fortes de nosso padro polticoinstitucional, pelo menos uma coisa evidente: as peculiaridades institucionais que compem o nosso dilema poltico no dizem respeito ao nosso regimede representao, nem ao nosso sistemapartidrio; compartilhamos as principais caractersticas de ambos com amaioria das democracias estveis domundo.Mais significativo do que as semelhanas entre as experincias brasile irase outros regimes democrticos talvez seja aquilo que diferencia o modelo brasileiro - traos at agora permanentes denossa organizao, nos ciclos democrticos, e que persistiram, com as distoresinevitveis, nos perodos autoritrios.PRESIDENCIALISMO DECOALIZO:A ESPECIFICIDADE00MODELOBRASILEIRO

    A primeira caracterstica que marcaa especificidade do modelo brasileiro,no conjunto das democracias aqui analisadas, o presidencialismo. A grande maioria (76% : 13/17) dos regimesliberais-democrticos do aps-guerra parlamentarista. Na verdade, a nicademocracia puramente presidencialista a dos Estados Unidos da Amrica do19

    Norte, que, alis, tem recebido freqentemente, por parte dos analistas, a denominao de "presidencialismo imperial". A Frana de De GauHe foi fortemente presidencialista, mas trata-se deuma forma mista, na qual o parlamentotem o poder de destituir o ministrio. AFrana da coabitao parlamentarista- o primeiro-ministro o efetivo Chefedo governo, embora o presidente retenha um feixe considervel de atribuiese poderes. A Finlndia considerada,tecnicamente, regime de gabinete, poisseu presidencialismo qualificado pelopoder de dissoluo do gabinete peloparlamento. Finalmente, na Sua noexiste o voto de confiana, mas o Executivo comandado por um Conselho Federal, de sete membros, eleito peloparlamento. O presidente e o vicepresidente do Conselho so escolhidosentre seus membros, para mandatosanuais. nas combinaes mais freqentesentr e caractersticas institucionais, e noem sua presena isolada, que a lgica e aespecificidade de cada modelo emergem. tambm a que se revela a natureza do regime at agora praticadono Brasil. No existe, nas liberais-democracias mais estveis, um s exemplo de associao entre representaoproporcional, multipartidarismo e presidencialismo. A Frana da V Repblica,que j teve seu perodo de inclinaopresidencialista, , como se viu, um regime misto, de representao majoritria-distrital e multipartidrio com fracionamento mdio. O sistema dos EUA presidencialista; bipartidrio e majoritrio-distrital. As democracias proporcionais so todas multipartidrias eparlamentaristas, com as duas exceesmencionadas da Sua e da Finlndia,elas mesmas constituindo modelos comrazovel grau de especificidade.

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    Essa composio de regimes, pelaagregao de suas principais regras institucionais de representa o e controle, jseria suficiente para esclarecer as variaes mais importantes entre distintosmodelos de democracia. H, contudo,um elemento ligado ao funcionamentomacropoltico dessas democraciasportanto emprico - que as separa naprpria lgica de seu movimento. Tratase da necessidade, mais ou menos freqente, de recurso coalizo int erpartidria para formao do Executivo (gabinete). A ltima colunada Tabela 1 apresenta a freqncia com que essas democracias foram governadas por "grandescoalizes", nos perodos de 1918-40 e1945-70. Na ltima linha encontra-se aproporo de "grandes coalizes" noBrasil, ent re 1946 e 1964. Vale notar qu eo primeiro governo da Nova Repblicainstalou-se com base em uma grandecoalizo e as alteraes ministeriais jpromovidas pelo Presidente da Repbli-'ca mantm a Aliana Democrtica. Masseria precipitado atribuir alguma freqncia a este perodo.O que se pode verificar que quatro pases apresentam proporo significativa de governos de coalizo (freqncia> 40%), abrangendo mais parceirosque o necessrio para obter maioria.simples no parlamento. Evidentemente,essas coalizes so marcadas por maior

    heterogeneidade interna. Observe-se,tambm, que so sociedades com maiorgrau de pluralismo e diferenciaosociais. 8 So amplamente conhecidas asclivagens culturais e religiosas que marcam o panorama social holands. 9 AFinlndia uma sociedade fortementefragmentada, na fronteira entre a Europa Ocidental e a Eslvica, tendo sofridoinfluncias marcantes da Rssia e daSucia e apresentando importantes divises scio-culturais.10 No menor apropenso ao conflito, derivada de heterogeneidades na estrutura scio-econmica, na ItHall e na Frana. 12 Em ambos os pases existem estruturas multipartidrias ideologicamente diferenciadas e polarizadas.Trs outros pases apresentam moderada incidncia de grandes coalizes(em torno de 20%): a Alemanha, o Japo e a ustria. Alemanha e ustriatambm caracterizam-se por clivagenssociais ou regionais importantes. 3 O Japo tem enfrentado dificuldades decompatibilizar efetivamente seu q uadroinstitucional ocidentalizado e suas caractersticas scio-culturais mais permanentes.14A freqncia de coalizes reflete afragmentao partidrio-eleitoral, porsua vez ancorada nas diferenciaes scio-culturais; improvvel a emergnciasistemtica de governos sustentados por

    8 Cf. A. Lil phart, "Power-Sharing versus Majority Rule: Patterus ofCabine t Formation in TwentyDemocracies", Govemment and Oppositon, vol. 16, nA, 1981, pp. 395-413.Cf. A. Lijphart, "The Netherlands: Continuity and Change in Voting h avior", in R. Rose, ed.,Electoral Behavior: A Comparative Handbook, Nova Iorque, Free Press, 1974, pp. 227-71.91011

    1213

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    Cf. P. Pesonen, "Finland: Party Support in a Fragmented System", in R. Rose, ed., ElectoralBehavior .. , op. cit., pp. 271-315.Cf. S.H. Barnes, "Italy: Relgion and Qass in Electoral Behavior, in R. Rose, ed., ElectoralBehavor .. op. cit., 1 7 1 - ~ 2 7 . Cf. P. Converse, Poltical Representation in France, Cambridge, The Bel knap Press, 1986.Cf., para o caso da Alemanha, D.W. Urwin, "Germany: Continuity and Change in ElectoralPolitics", in R. Rose, ed., Electoral Behavior .. , op. cit., pp. 109-71.Cf. R.A. Scalapino e J. Masumi, Parties andPolitics in Contem porary Japan, Berkeley, University of California Press, 1962.20

    um s partido majoritrio. Essa correlao entre fragmentao partidria, diversidade social e maior probabilidadede grandes coalizes beira o trusmo. nas sociedades mais divididas e maisconflitivas que a governabilidade e a estabilidade institucional requerem a formao de alianas e maior capacidadede negociao.Porm, muitas anlises do caso brasileiro e, sobretudo, a imagem que setem passado para a opinio pblica doPas que nossas mazelas derivam todasde nosso sistema de representao e dasfragilidades de nosso quadro partidrio.O que fica claro, no entanto, que nossos problemas derivam muito mais daincapacidade de nossas elites em compatibilizar nosso formato institucional como perfil heterogneo, plural, diferenciado e desigual de nossa ordem social. Aunidade lingstica, a hegemonia do catolicismo e a recusa ideolgica em reconhecer nossas diversidades e desigualdades raciais tm obscurecido fato deque a sociedade brasileira plural, movida por clivagens subjacentes pronunciadas e que no se resumem apenas dimenso das classes sociais; tm importantes componentes scio-culturais e regionais.As regras de representao e o sistema parti drio expressam essa pluralidade; no a p odem regular, simplificando-a ou homogeneizando aquilo que estruturalmente heterogneo. Bast a verque as sociedades que precisam recorrera grandes coalizes apresentam importantes variaes institucionais. Isto indica, precisamente, que a regra institucional adapta-se realidade social, garantindo, assim, a representatividade e aestabilidade da ordem poltica.O reexame dos dados at aqui apresentados ilustra essa afirmao. Dosquatro pases que recorrera m freqente-21

    mente a grandes coalizes, um, a Frana, tem regime majoritrio-distrital,parlamentarista, e sistema multipartidrio com fracionamento mdio. A Itliatem regime proporcional, parlamentarista, e sistema multipartidrio com fracionamento mediano. Holanda .e Finlndia tm regimes proporcionais, sistemas multipartidrios com alto fracionamento, mas a primeira parlamentaristae a out ra presidencialista com controleparlamentar sobre o gabinete. Se adicionamos os outros trs casos de recurso"moderado" a grandes coalizes, a variao se amplia ainda mais: a Alemanha tem regime misto majoritrio-distrital/ proporcional, sistema tripartidrio e parlamentarista. A ustria, deregime proporcional, parlamentaristae tripartidria. E, finalmente, o Japo,de regime majoritrio distrital, parlamentarista e tem sistema multipartidrio com fracionamento mdio. Ou seja,no h correlao entre caractersticasinstitucionais do regime e do sistemapartidrio e o recurso a grandes coalizes. Alis, tome-se como exemplo finalInglaterra e Sucia. A primeira, de fatoum sistema bipartidrio quase perfeitono plano parlamentar, majoritriadistrital, teve, no perodo analisado porLijphart, 13% de seus governos baseados em grandes coalizes. A segunda,fortemente proporcional, com sistemamultipartidrio medianamente fracionado, jamais recorreu a grandes coalizes no perodo.Apenas uma caracterstica, associada experincia brasileira, ressalta como uma singularidade : o Brasil o nicopas que, alm de combinar a proporcionalidade, o multipartidarismo e o "presidencialismo imperial", organiza oExecutivo com base em grandes coalizes. A esse trao pecul iar da institucionalidade concreta brasileira chamarei,

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    falta de melhor nome, "presidencialismo de coa lizo", distinguindo-o dos regimes da ustria e da Finlndia (e aFrana gaullista), tecnicamente parlamentares, mas que poderiam ser denominados de "presidencialismo de gabinete" (uma no menos canhestra denominao, formada por analogia com otermo ingls cabinet government). Ficaevidente que a distino se faz fundamentalmente en tre um "presidencialismo imperial", baseado na independncia entre os poderes, se no na hegemonia do Executivo, e que organiza o ministrio como amplas coalizes, e umpresidencialismo "mitigado" pelocontrole parlamen tar sobre o gabinete eque tambm constitui este gabinete,eventual ou freqentemente, atravs degrandes coalizes. o. Brasil retorna aoconjunto da s naes democrticas, sendo o nico cas de presidencialismo decoalizo. preciso compreender melhor adinmica do presidencialismo de coalizo no Brasil. A Nova Repblica repetea de 1946 que, por sua vez, provavelmente manteve resqucios da RepblicaVelha, sobretudo no que diz respeito influncia dos estados no governo federal, pela via da "poltica de governadores". A lgica de formao das coalizes tem, nitidamente, dois eixos: opaJ-tidrio e o regional (estadual), hoje como ontem. isto que explica a recorrncia de grandes coalizes, pois o clculorelativo base de sustentao poltica dogoverno no apenas partidrio-parlamentar, mas tambm regionaLAdicionando-se equao os efeitos polticos de nossa tradio constitucional,de constituies extensas, que extravasam o campo dos direitos fundamentaispara incorporar privilgios e prerrogativas particulares, bem como' questessubstantivas, compreende-se que , mes-

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    mo no eixo partidrio-parlamentar, torna-se necessrio que o governo procurecontrolar pelo menos a maioria qualificada que lhe permita bloquear ou promover mudanas constitucionais.A Ta bela 3 ilustra bem o padro decoalizes governamentais na Repblicade 46. O Brasil teve, no perodo, 13ministrios diferentes, tomando-se porcritrio alteraes na composio do gabinete que promoveram mudana naocupao de ministrios pelos diferentespartidos. Por este critrio, por exemplo,a presidncia de Kubitschek teve apenasum ministrio, embora tenha havido vrias mudanas de titulares de diferentespastas. Mas a substituio de ministrosmanteve rigorosamente o controle partidrio original dos ministrios, alterando-se apenas o estado de origem dostitulares. Observe-se que, em nenhumcaso, o governo sustentou-se em coalizes mnimas. O caso mais prximo desta situao foi o ltimo ministrio parlamentarista da presidncia Goulart, tipicamente um ministrio de crise. Ascoalizes controlavam, na quase totalidade dos casos, larga maioria na Cmara, no Senado e no Congresso Nacional.Dependendo da distribuio das cadeiras parlamentares entre os partidos,pode tornar-se impraticvel formar coalizes mnimas. Se, por exemplo, a proporo de cadeiras de um partido nofor suficiente para alcanar a maioriasimples e a adio de qualquer outropartido ultrapassar esta marca, inevitvel a constituio de uma grande coalizo, se o presidente considerar arriscado, inconveniente ou mesmo invivelgovernar com minoria. No foi esta, porm, a situao brasileira no perodo1946-64. A ltima coluna da Tabela 3apresenta o nmero de coalizes mnimas possveis, em cada ministrio, le-

    Tabela 3Coalizes Part idrias no Executivo BrasileiroPerodo 1946-641

    Governo N?Partidos % Cadeiras % Cadeirasna Coalizo na C. D. no Senado

    DutraI MinistrioDe 01.46 a 10.46 03 87% 91%11 MinistrioDe 10.46 a 03.50 03 82% 86%II I Ministrio.De 03.50 a 01.51 02 64% 73%VargasI MinistrioDe 01.51 a 06.53 04 89% 91%II MinistrioDe 06.53 a 09.54 04 85% 89%Caf FilhoI MinistrioDe 09.54 a 04.55 04 85% 91%11 MinistrioDe 04.55 a 11.55 05 82% 89%NereuRamosDe 11.55 a 01.56 68% 70%Kubitschek4De 01.56 a 01.61 04 68% 70%QuadrosDe 01.61 a 08.61 06 92% 91%GoulartI MinistrioSDe 09.61 a 07.62 05 83% 89%II MinistrioDe 07.62 a 09.62 04 79% 87%II I MinistrioDe 09.62 a 01.63 03 56% 74%IV MinistrioDe 01.63 a 06.63 05 85% 85%V MinistrioDe 06.63 a 04.64 04 63% 65%

    Fonte: Lcia Hippolito, De Raposas e Reformistas .. op. citoObs.:

    % Cadeirasno Congresso

    86%81%64%89%85%89%80%67%67%93%86%79%59%85%63%

    N?PartidosnaCmara2

    10 (04)10 (04)12 (06)12 (06)12 (06)12 (06)12 (06)12 (06)12 (06)12 (06)13 (05)13(05)13 (05)13 (05)13 (05)

    1. Foram consideradas novas coalizes aquelas mudanas de ministrio que atteraram a distribuio deministrios entre os partidos.2. Os valores entre parnteses correspondem aos partidos com mais de 3%.3. As coalizes possveis foram calculadas com base no nmero de partidos no ministrio.4. Neste governo, no houve mudanas na distribuio de ministrios entre os partidos. Houve trocasimportantes de ministros dentro do mesmo partido e entre os estados.5. Os trs primeiros ministrios de Goulart foram parlamentaristas.

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    vando-se em conta apenas os partidosque participaram das grandes coalizes,em cada governo. No se considerou onmero de coalizes mnimas possveis,tomando por base os partidos parlamentares efetivos, o que, em alguns momentos, subestima os graus de liberdade naformao de coalizes mnimas possveis. Em todos os casos havia pelo menos um a coalizo mnima possvel.Conclui-se, portanto, que o clculo dominante requeria coalizes ampliadas,seja por razes de sustentao partidrio-parlamentar, seja por razes deapoio regional.

    o Quadro 2 apresenta o controlede ministrios pelos diferentes partidosque participaram de coalizes governamentais.15 O nmero de partidosadmitidos ao governo maior do que amdia de partidos parlamentares efetivos, que foi de cinco partidos - umapista de que a formao de coalizes

    PSD UDN PrB PSBMIaiItIrias N .. N .. N .. N ..JaBt. 15 68 02 09 02 09 02 09R.Ext. 06 40 05 33 01 (J7 03 20Faz. 09 47 02 11 02 11 -Via.lo 08 46 02 12 03 18 -Agr. 04 23 01 06 10 59 -Ed.eSadde 04 80 01 20 - -T.I.C. 01 (J7 - - 11 79 - -Sadde 04 27 - --- 02 13 -MEC 01 10 - - 01 10 01 10T.P.S. 01 14 - 03 44 01 14MIC 02 4() 01 20 01 20 - -Minas 01 20 04 80 - - -Total 56 37 18 12 36 24 (J7 05

    nAo sepia apenas a lgica partidrioparlamentar, como j indiquei acima.Al6m di.to, pode-se ver que, emborao PSD"'nAo apresente domnio forte,no COQjunto, controlou, por maior perodQ de tempo, a maioria dos ministrios e.tratpcos. Basta comparar o total(36% dOi ministros) com as porcentagenl para, por exemplo, os ministriosda Justia (68%), Fazenda (47%) e Viao e Obras Pblicas (47%). O PTBcontrolou OI ministrios da Agricultura(59%) e Trabalho, Indstria e Comrcio(79%), mantendo-se como o principalocupante do Ministrio do Trabalho ePrevidncia Social (44%) a partir de1961. O PSP fez 40% dos ministros daSade, ministrio criado na segundapresidncia de Vargas. O PR nomeou30% dos ministrosda Educao e Cultura, tambm a partirda diviso do Ministrio da Educao e Sade, o qual haviasido hegemonicamente controlado peloPSD.

    PDC PR. ps p Sem TotalpIIrtidoN .. N .. N .. N fJi, N fJi,

    - 01 05 - - - - 22 100- - - - - - - - 15 10001 05 - - - 05 25 19 100- - - - 01 06 03 18 17 10001 06 01 06 - - - 17 100- - - - - - - 05 100- - - - - 02 14 14 100- - - 06 4() 03 20 15 10001 10 03 30 01 10 02 20 10 10001 14 - - - 01 14 (J7 100- - 01 20 - - - - 05 100- - - - - - - - 05 10004 03 06 04 08 05 16 11 151 -

    Fonte: L. Hippolito, De Raposas e Reformistas: o PSD e a Expemncia Democrtica Brasileira (1945-64).Rio de Janeiro, paz e Terra, 1985.15 .maiores percentuais de controle partidrio, para cada ministrio, aparecem no quadro emItlIco.

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    Essa capacidade de controle ministerial nem sempre correspondeu ao pesodos partidos no Congresso, sobretudono que se refere aos partidos menores.Alguns exemplos demonstraro a diferena entre o peso parlamentar e o pesogovernamental dos partidos. No primeiro ministrio Dutra, o PR detinha 3%das cadeiras no Congresso e participao equivalente a 10% no governo. Noprimeiro ministrio Vargas, o PSDcontrolava 39% das cadeiras no Senadoe 45% das vagas no gabinete. A UDN, oPTB e o PSP tinham a mesma proporode mini,strios, embora aquela controlasse 26% do Congressso, o PTB, 16% eo PSB, 8%. No governo Caf Filho,PSD e UDN controlavam o ministrioem equilbrio numrico perfeito, embora o PSD suplantasse a UDN, emforaparlamentar, por proporo nunca inferior a 10 pontos percentuais (no Senadoa diferena era de 27 pontos). O PTB e oPR participavam marginalmente, comos mesmos 9%, a despeito de o primeirote r representao parlamentar mais de15 pontos superior do segundo. Evidentemente, essas igualdades so maisnumricas, pois os ministrios no tmtodos o mesmo valor poltico. E, comose viu, PSD e PTB controlavam os ministrios estratgicos. Mas no menossignificativo que PR e PSP, de to baixadensidade parlamentar, tenham predominado na ocupao de determinadosministrios ao longo desse perodo, oque se explica, em grande medida, peloeixo regional das coalizes.O Quadro 3 mostra a participaodos estados nos ministrios. Mais importante que anotar a sabida predominncia do tringulo RJISPIMG, verificar aclara existncia de uma lgica regionalsubjacente formao das coalizesgovernamentais e o fato de que alguns estados aparecem como representantes

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    preferenciais de suas regies, denotando sua liderana nos blocos regionais denosso sistema poltico. o caso da Bahia, de Pernambuco, do Cear e do RioGrande do Sul.Qaadro3ComposioRegionaI_ MInistrios - 1!146164

    Estados Ministrios %RJIDF/GB 22 17SP 33 24MG 24 18BA 17 13RS 10 07PE 10 07CE 07 05Outros 12 09Total 135 100

    A combinao do critrio partidrio com o regional pode diminuir as diferenas de "qualidade" entre ministrios. Na medida em que ministrios menos estratgicos tomam-se jurisdiesmais ou menos cativas de partidos ouestados, abre-se a possibilidade de queas lideranas polticas criem redes ouconexes burocrtico-clientelistas queelevem os "prmios" (pay-offs) associados a ministrios secundrios. Dai nose poder subestimar, por exemplo, aparticipao relativamente elevada departidos como o PR e o PSP em certosministrios. E o mesmo verdade emrelao aos estados. Alguns ministriosde "direo poltica", como Justia,Trabalho, Indstria e Comrcio e Relaes Exteriores, eram ocupados pelocritrio partidrio. Outros, que podemser caracterizados como "ministrios degastos" ou de "clientelas", eram ocupados pelo critrio regional. Era o caso,por exemplo, do Ministrio da Educao e Sade, cativo da Bahia at o seudesmembramento. A partir da, o Mi-nistrio da Sade passou a ser utilizadopara aten der ao Partido Social Progressista - PSP, passando ao controle de

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    So Paulo. O Ministrio de Viao eObras Pblicas teve 43% de seus titulares oriundos do Rio de Janeiro (ouDF;ouGB).OMECpassouparaoeixopartidrio, predominando ministrospaulistas e do Rio, mas com 30% de seustitulares oriundos do PRo Finalmente,havia os ministri os politica e economi-.camente estratgicos, como Fazenda eAgricultura, cuja ocupao se dava pelacombinao dos critrios partidrio e regional. Na Fazenda, predominaram oPSD e So Paulo (47 e 41 %, respectivamente), e na Agricultura, o PTB e Pernambuco (59% em ambos os casos).

    Uma outra maneira de examinar essas coalizes, pela tica partidria, seriacalcular um "ndice de fracionamentogovernamental", similar quele utilizado para a anlise do sistema partidrioparlamentar. Um valor de O indicariaque um s partido controla todo o ministrio. A unidade representaria um governo em que cada ministrio estivessesob controle de um partido diferente.

    Quadro"fDdicedeFradonamentoGovenwnental1!)46.64 e1987GovernosDutraVargasCafFJlhoNereuRamosKubitschekQuadrosGoulart (parlamentarista)GoulartSarney

    FG0,640,710,770,750,750,810,780,800,44

    Os ndices de fracionamento governamental contribem com esclarecimento adicional das grandes coalizesbrasileiras. Todos os governos basearam-se em coalizes entre partidos que

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    somavam mais que a maioria simples noparlamento. Porm, a disperso docontrole ministerial pelos partidos varia,determinando coalizes mais e menosconcentradas. De qualquer forma, amaior parte dos governos brasileirosapresenta ndices de fragmentao relativamente altos, com exceo da presidncia Dutra e do atual ministrio Sarney. No primeiro caso, o PSD dominavaamplamente o ministrio (em tomo de50% dos postos). No segundo, o PMDBdetm mais de 70% dos postos.Tanto o alto fracionamento governamental, quanto uma grande coalizoconcentrada, representam uma faca dedois gumes. O primeiro confere maioresgraus de liberdade para manobras internas, por parte do presidente, que poderetirar fora exatamente da manipulao das posies e dos interesses dosvrios parceiros da aliana. Porm, aomesmo tempo, na medida em que seupartido no detenha maioria parlamentar, ou mesmo governamental, o presidente toma-se, em parte, prisioneiro decompromissos lJlltiplos, partidrios eregionais. Su a autoridade pode se rcontrastada por lideranas dos outrospartidos e por lideranas regionais, sobretudo os governadores. a dinmicado duplo eixo das coalizes nacionais.

    Um a coalizo concentrada, por suavez, confere ao presidente maior autonoinia em relao aos parceiros menoresda aliana, mas o obriga a manter maisestreita sintonia com seu prprio partido. Se o partido majoritrio heterogneo intern e regionalmente, obtm-se omesmo efeito: a autoridade presidencial confrontada pelas lideranas regionaise de faces intraparti drias. Mas o riscomaior, neste caso, adviria de um rompimento do partido com o presidente,deixando-o apenas com o blocode partidos minoritrios da aliana.

    Ambos os riscos esto presentes napresidncia Sarney. O PMDB heterogneo interna e regionalmente. Lderesde faces e governadores do partidopodem corttrastar sua autoridade, o que,alis, tem ocorrido com freqncia. Poroutro lado, o presidente sabidamenteno conta com a total confiana de seupartido adotivo, fato que eleva a probabilidade de rompimento. Como oPMDB amplamente majoritrio noCongresso, tal rompimento obrigaria opresidente a governar em minoria e exacerbaria o conflito entre Legislativo eExecutivo.O raciocnio acima aponta para on grdio do presidencialismo de coalizo. um sistema caracterizado pelainstabilidade, de alto risco e cuja sustentao baseia-se, quase exclusivamente,no desempenho corrente do governo ena sua disposio de respeitar estritamente os pontos ideolgicos ou programticos considerados inegociveis, osquais nem sempr e so explcita e coerentemente fixados na fase de formao dacoalizo.oDILEMA INSTITUCIONAL DOPRESIDENCIALISMO DECOALIZO

    A teoria emprica das coalizes,embora excessivamente descritiva e assentada na lgica das preferncias individuais, permite identificar algumasquestes que ajudam a compreenso daintrin cada dinmica poltica e institucional associada a governos de aliana. Emgeral, a anlise de estruturas polticas esociais mais homogneas e estveis induz a uma nfase maior em coalizes

    que minimizem o nmer o de parceiros emaximizem as proximidades ideolgicasentre eles. Esta estratgia teria por objetivo reduzir os riscos e contrariedadesassociados a alianas mais amplas e diversificadas mencionados acima. 16

    Entretanto, em formaes de maiorheterogeneidade e conflito, aquela estratgia insuficiente ou invivel.Nestes casos, a soluo mais provvel agrande coalizo, que inclui maior nmero de parceiros e admite maior diversidade ideolgica. Evidentemente, a probabilidade de instabilidade e a complexidade das negociaes so muitomaiores. Estes contextos, de mais elevada diviso econmica, social e poltica,caracterizam-se pela presena de forascentrfugas persistentes e vigorosas, queestimulam a fragmentao e a polarizao. Requerem, portanto, para resoluo de conflitos e formao de "consensos parciais", mecanismos e procedimentos institucionais omplementaresao arcabouo representativo da liberaldemocracia.A formao de coalizes envolvetrs momentos tpicos. Primeiro, aconstituio da aliana eleitoral, que requer n ~ o c i a o em torno de diretivasprogramticas mnimas, usualmenteamplas e pouco especficas, e de princpios a serem obedecidos na formao dogoverno, aps a vitria eleitoral. Segundo , a constituio do governo, no qualpredomina a disputa por cargos e compromissos relativos a um programa minimo de governo, ainda bastante genrico. Finalmente, a transformao daaliana em coalizo efetivamente governante, quando emerge, com toda fora,o problema da formulao da agenda

    16 Toda a parte inicial desta seo reproduz, em parte. a seo V de meu artigo "A RecuperaoDemocrtica ..... op. cito

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    real de polfticas, positiva e substantiva,e das condies de sua implementao. o trnsito entre o segundo e oterceiro momentos que est no caminhocrtico da consolidao da coalizo e quedetermina as condies fundamentais desua continuidade. A formao do governo, a elaborao de seu programa deao e do calendrio negociado de eventos tm impacto direto sobre a estabilidade futura. Numa estrutura multipartidAria, marcada pelo fracionamento, osucesso das negociaes, na direo deum acordo e ~ l c i t o que compatibilizeas divergncias e potencialize os pontosde consenso, decisivo para capacitar osistema poltico a atender ou conte r legitimamente demandas polticas, sociais eeconmicas competitivas e a formularum programa coerente e efetivo. Nesseacordo tm importncia tanto a substncia das medidas quanto o seu calendrio.Somente assim possvel estabeleceruma base concreta de compromisso, alicerada na selee encadeada de medidas, que evita, ao mesmo tempo, asobrecarga inicial de reivindicaescontraditrias e a frustrao precocedos principais setores que compem acoalizo. A observncia desses compromissos, ainda que ajustada s circunstncias, constitui um dos requisitos essenciais para a legitimidade e continuidade da coalizo.Esse , naturalmente, um processode negociao e conflito, no qual os partidos na coalizo se enfrent amem manobras calculadas para obte r cargos e influncia decisria. Tal processo se fazpor uma combinao de reflexo e clculo, deliberao e improviso, ensaio eerro, da qual resulta a fisionomia dogoverno.

    Boa parte das manobras de -cadapartido destina-se no somente a' nfluenciar os outros partidos, mas principalmente a persuadir suas prpriasbases e, acima de tudo, suas facesparlamentares e seus militantes, dos benefcios da coalizo. i7

    Por isso mesmo, a adeso a princpios mnimos para. orientao de polticas ou a diretrizes programticas assumerelevncia na medida em que possa reduzir as divergncias intrapartidrias eengajar o conjunt o do partido na realizao de objetivos amplamente compartilhados.

    Do ponto de vista da negociaocom os outros partidos, busca-se enfatizar os princpios compatveis e complementares e contor nar aqueles que sejamdivergentes. O problema que, em circunstncias de crise, entr e os pontos dedivergncia encontram-se questes inarredveis da agenda de polticas de governo, tais como controle da inflao, asprioridades para o gasto pblico ou apoltica salarial. O dilema que se apresent a identificao do limite de tolerncia dos parceiros, que depende daposio das lideranas polticas e de fatores a elas externos - ligados suarelao com as bases, os grupos de militantes e as faces parlamentares-, deum lado, e d a reao dos interesses organizados na sociedade, de outro. exatamente por isto que a manuteno dacoalizo depende decisivamente dodesempenho corrente do governo, adespeito dos acordos e compromissosformulados na sua constituio.No que diz respeito s lideranas,isso implica a capacidade de negociar aincluso recproca de polticas contrrias aos princpios diretivos dos partidos

    17 Cf. G. Luebbert, "A TheoryoI GO\-'emment FOrnlation", Comparative Political Studes, vol. 17,n.2, 1983, pp. 229-64.

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    e de calcular corretamente a amplitudede sua legitimidade e autoridade juntos bases e de sua credibilidade perante aopinio pblica. Em outras palavras,competncia na negociao de sacrifcios recprocos, resguardando os interesses coletivos, e extenso real de seumandato para fazer concesses emnome da estabilidade da coalizo e dosucesso da gesto governamental.

    No que se refere s bases e facesparlamentares, o fator decisivo a intensidade de sua adeso aos princpiosem questo. O risco desse delicado fazercontas conceder em reas consideradas inegociveis pelas bases. No umprocesso de clculo to racional e explcito quanto a t eoria descreve, mas bastante consciente, embo ra seja feito numa ampla faixa de incerteza. Esta, porm, nunca to grande nas questesmais importantes, e a consulta permanente permite evitar que se subverta oconsenso bsico do partido.

    O maior risco ao .desempenho dacoalizo est no quadro institucional doEstado para decidir, negociar e implementar polticas. Isto porque, como opotencial de conflito muito alto, a tendncia retirar do programa mnimo,oucompromisso bsico da aliana, as questes mais divisivas, deixando-as par a outras fases do processo decisrio. Viabiliza-se o pacto poltico de constituio dogoverno, mas sobrecarrega-se a pautade decises, na etapa de governo, propriamente dito, com temas conflitivos eno negociados. Para que o processodecisrio no seja bloqueado e desestabilize a coalizo no futuro, torna-se, ento, indispensvel um esforo deconstruo institucional que viabilizeacordos setoriais, medida que osconflitos forem surgindo.No demais insistir que, no limite,o futuro das coalizes depende de sua

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    capacidade de formular e implementarpolticas substantivas. Uma coalizopode formar-se com base em amploconsenso poltico e ser liquidada peladivergncia quanto a princpios e orientaes de poltica econmica e socialcorrente. Esta pode produzir seu progressivo fracionamento e dificultar, sistematicamente, a formulao e implementao de aes governamentais imprescindveis, a administrao de programas e a alocao de recursos. Maisque isto, pode comprometer irremediavelmente o relacionamento com as basesmajoritrias de sustentao do governo,estimulando a polarizao e a radicalizao.A existncia de distncias muitograndes na posio ideolgica e programtica e, principalmente, na aoconcreta dos componentes da coalizopode comprometer seriamente sua estabilidade, a menos que existam subconjuntos capazes de encontrar meios desuprir esses ,!azios com opes reciprocamente aceitveis. Mais que do peso daoposio dos "de fora" - sobretudo emse tratando de grandes coalizes -, odestino do governo depende da habilidade dos "de dentro" em evitar que asdivises internas determinem a rupturada aliana.A ruptura , freqentemente, precedidapor um "f racionamento polarizado" no qual cada segmento nega legitimidade aos demais. Esta deslegitimaorecproca compele cada parceiro a sedistanciar dos outros e a enfatizar, maisradicalmente, suas diferenas. Expande-se o espao da competio, rompendo os limites da tolerncia, e reduzse a autonomia das lideranas e a autoridade de seus mandatos. A superaonegociada dos conflitos torna-se cadavez mais difcil, porque a polarizaoamplia desmesuradamente as conces-

    ses necessrias de parte a parte. Corre maneiras: pelo abandono dos parceiros mento da aliana a dissoluo do gabi tando que as crises na coalizo levem a

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    latamente, aumentam as dificuldades depersuaso das faces parlamentares edos militantes para que apiem taisconcesses. Alm disso, a crescente fragilidade da posio das lideranas as tornam mais relutantes em encampar posies que lhes possam custar o apoio dasbases.Em certo sentido, dificilmente umagrande coalizo governante ter condies de estabilidade, em perodos decrise aguda, sem um amplo apoio poltico-social, que ultrapasse os limites daSlideranas partidria s e envolva todos ossegmentos sociais politicamente organizados. So vrios os exemplos de pactosexplcitos, e at formalmente contratados, que obtiveram sucesso na estabilizao de coalizes em momentos crticos da histria de vrios pases. 18

    As cises internas e a instabilidadea elas inerentes so naturais em qualquer governo de coalizo, emboraadquiram contornos mais graves empocas de crise. Requerem, portanto,uma srie de mecanismos institucionaisque regulem este conflito, promovamsolues parciais e estabilizem a aliana,mediante acordos setoriais de ampla legitimidade.

    Mas, evidentemente, mesmo o pleno funcionamento desta estrutura institucional complementar aos mecanismostpicos da democracia liberal no garantia suficiente de estabilidade, continuidade e sucesso de grandes e heterogneas coalizes. E a residem o riscomaior das coalizes e a especificidadedopresidencialismo de coalizo. Comodisse, a coalizo pode romper-se de duas

    menores, situao na qual o presidentepassa a contar apenas com seu partido e forado a alinhar-se com suas posiesmajoritrias; ou pelo rompimento dopresidente com seu partido, que o deixaem solitrio convvio com partidos minoritrios e a cujos quadros estranho.Em ambos os casos, resultam, em grauvarivel, o enfraquecimento da autoridade executiva e maior potencial deconflito entre Legislativo e Executivo.

    No presidencialismo, a instabilidade da coalizo pode atingir diretamente a presidncia. menor o grau deliberdade de recomposio de foras,atravsda reforma do gabinete, sem quese ameace as bases de sustentao daroaJPo governante. No Congresso, apolarizao tende a transformar "coalizOes ~ n d r i a s " e faces partidriasCltn "walizes de veto", elevando perigoamnente a probabilidade de paralisiadecisria e conseqente ruptura da ordem pqltica.19

    Por illO mesmo, governos de coalido requerem procedimentos mais oum'" nltitucionalizados para solucionar diBputas interpartidrias internas coaHr.lo. Existe sempre um nvel superior d arbitragem, qu e envolve, necessariamente, as lideranas partidrias edo U,psl ativo e tem, como rbitro final,o presidente. Na medida em que esteseja o nico ponto par a o qual convergetp todas as divergncias, a presidnciaIOfr.r4 danosa e desgastante sobrecargae tend er a tornar-se o epicentro de todasucmes.

    No ClIO de regimes parlamentaristas, o resultado imediato do enfraqueci-18

    19

    Cf. P. Merkl, "Coalition Politics in West Germany", in S. Groennings, E.W. Keeleye M.Leyerson, eds., The Study 01 Coalition Behavior,Novalorque, Holt, Rinehart& Winston, 1970.Como ocorreu na Repblica de 46. Ver a respeitO, Wanderley Guilherme dos Santos, Sessenta eQuatro: Anatomia da Crise, So Paulo, Vr tlc. 1986.

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    nete e a tentativa de recomposio deuma coalizo de governo. Caso estaf racasse, recorre-se a eleies gerais, buscando uma nova correlao eleitoral deforas. No caso do presidencialismo degabinete, demite-se o ministrio, preservando-se a autoridade presidencial.No caso do presidencialismo de coalizo, o prprio presidente quem deverdemitir o ministrio e buscar a recuperao de sua base de apoio, em um momento em que enfrenta uma oposiomais forte e que sua autoridade est enfraquecida. Ser tanto pior a situao dopresidente se estiver rompido com seupartido, pois a estar enfrentando noapenas a oposio da maioria, mas adesconfiana de seus aliados naturais.Um cenrio possvel aquele emque o presidente torna-se cativo da vontade de seu partido, delegando sua prpria autoridade - situao de equilbrioprecarssimo e de alto risco para a prpria estabilidade da ordem democrtica.Cenrio alternativo seria aquele eO) que

    o presidente resolve enfrentar o partido,confrontar o parlamento e afirmar suaautoridade numa atitude bonapartistaou cesarista altamente prejudicial normalidade democrtica. A submisso doCongresso ou a submisso do presidenterepresentam, ambas, a subverso do regime democrtico. E este um riscosempre presente, pois a ruptura daaliana, no presidencialismo de coalizo, desestabiliza a prpria autoridadepresidencial.

    Esses cenrios demonstram o dilema institucional do presidencialismo decoalizo. Ele requer um mecanismo dearbitragem adicional queles j mencionados, de regulao de conflitos, quesirva de defesa institucional do regimeassim como da autoridade presidencial e da autonomia legislativa -, evi-

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    um conflito indirimvel entre os dois p-los fundamentais da democracia presidencialista. O Imprio tinha no podermoderador um mecanismo deste tipo. ARepblica Velha no adotou nada semelhante, mas o equilbrio deu-se atravsda poltica de governadores, estabelecida por Campos Salles. Nos Estados Unidos da Amrica do Norte, a SupremaCorte tem poderes que lhe permitemintervir nos conflitos constitucionaisentre Executivo e Legislativo. No Brasilda Repblica de 46 e no Brasil prconstituinte da Nova Repblica, precisamente os casos mais claros de presidencialismo de coalizo, este mecanismo inexiste.Governos de coalizo tm como requisito funcional indispensvel uma instncia, com fora constitucional, quepossa intervir nos momentos de tensoentre o Executivo e o Legislativo, definindo parmetros polticos para resoluo dos impasses e impedindo que ascontrariedades poltiCas de conjuntura

    levem ruptura do regime. Por outrolado, este instrumento de regulao eequilbrio do regime constitucionalserve, no presidencialismo de coalizo,para reduzir a dependncia das instituies ao destino da presidncia e evitarque esta se torne o ponto de convergncia de todas as tenses, envolvendo diretamente a autoridade presidencial emtodos os conflitos e ameaando desestabiliz-Ia em caso de insucesso.Em sntese, a situao brasileiracontempornea, luz de seu desenvolvi

    mento histrico, indica as seguintes tendncias: (a) alto grau de heterogeneidade estrutural, quer na economia, querna sociedade, alm de fortes disparidades regionais; (b) alta propenso aoconflito de interesses, cortando a estrutura de classes, horizontal e vertical-

    mente , associada a diferentes manifesta Pas. Sua prpria heterogeneidade, a ABSTRACT

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    es de clivagens inter e intra- regionais;(c ) f racionamento partidrioparlamentar, entre mdio e mediano, ealta propenso formao de governosbaseados em grandes coalizes, muitoprovavelmente com ndices relativamente elevados de fragmentao governamental; (d) forte tradio presidencialista e proporcional. A primeira indicando, talvez, a inviabilidade de consolidao de um regime parlamentarista puro. A segunda, apontando para a naturalnecessidade de admitir representaoos diversos segmentos da sociedad e plural brasileira; (e) insuficincia e inadequao do quadro institucional do Estado para resoluo de conflitos e inexistncia de mecanismos institucionais para a manuteno do "equilbrio constitucional".Muitos analistas tendem a interpreta r a histria institucional brasileira nosentido da inadequao, seja do presidencialismo, seja da representao pro

    porcional, para a estabilidade democrtica. No , definitivamente, a inclinao do raciocnio aqui empreendido. Aocontrrio, sustento que, de um lado, esta tradio poltico-institucional responde especfica dinmica social do

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    ambigidade e fragilidade das referncias nacionais e as contradies a elasinerentes contribuem para firmar estacombinao entre proporcionalidade epresidencialismo de coalizo. De outrolado, no h evidncia persuasiva de quea soluo parlamentarista ou a representao majoritria, ou mesmo o bipartidarismo, pudessem oferecer salvaguardas suficientes instabilidade e exacerbao do conflito. Os contrapesos estaro, possivelmente, em outro plano deinstitucionalidade, que permita evitar afragmentao polarizada de nosso sistema poltico.Creio qu e nosso dilema institucional resolve-se com instrumentos qu epermitam regular a diversidade, conviver com ela, pois nosso quadro sciocultural e econmico faz da diferenauma des ti nao - nossa Fortuna, naacepo de Maquiavel-, mas da nossa ViriU, de nossa capacidade de criar asinstituies necessrias, que poderoadvir a normalidade democrtica e apossibilidade de justia social. Se sermos diversos e contrrios inevitvel, adesordem e o autoritarismo no devemconstituir nosso fado e nossa tragdia.(Recebido para publicao em novembro de 1987)

    Coalition Presidentialism: The Brazillnlnstitutional DilemmaThis article presents an analysis of the majorstructural traits of the Brazilian poltical svstem.

    from which what is called the Brazilian institutionaI dilemma stems. This dilemma is defined as theneed for an institutional arrangement that canefficiently aggregate and manage social, economicand political pressures arising from a very asynchronic process of development, from which astrongly heterogeneous social organization has resulted.For tbe purposes of t ~ s work - a segment ofa broader analytical project - the author haschosen to examine the constitutional and politicaIelements of this dilemma, particularIy the pattemof the relationsbip between the Executive andCongress.A comparative analysis of he aggregate institutional characteristics of democratic regimeS-leads the autbor to conclude that tbe Brazilian

    regime has specificities which characterize ts regime as an instability-prone form of presidentialism: coalition presidentialism. This specific formhas as its maio structural components: a strongpresidency; multipartyism; proportonal representation; federalism and coalition govemment.Since 1946, all formally democratic govemmentsin Brazil have adopted this pattem.Such a pattem requires additional conflictmanagement mechanisms, since govemment coalitions based on very heterogeneons intereststructures - are extremeIy unstable, and undeIpresidentialism tend to destabilize the regime tself. Regulating diversity, granting political representation to the many beterogeneous interest formations and simultaneousIy ensurng regimestability under a strong presidency in cyclicalconflict with Congress s the Brazilian institutional dilemma.

    RSUMPrsidentIlisme de CoaIiton: Le Dilemmelnstitutionnel Brsilien

    Cet article a pour but d'analyser les principaux traits structurels du systme potique brsien sur lesquels s'embranchent ce que l'auteurappelle le dilemme institutionnel brsilien. Selonla dfinition qu'il en foumit, ce dilemme consistedans la ncessit de mettre sur pied un arrangement institutionnel qui permette de grouper et degrer efficacement les pressions sociales, conomiques et politiques survenant d'un processns dedveloppement en lui-mme trs marqu par uneabsence de synchronisme dont il a rsult uneorganisation sociaJe fortement htrogne.Pour les buts de l'article - qui fait en ralitparti e d'un_aIDple proj et analytique -l 'auteur achoisi d'tudier les lments constitutionnels etpolitiques de ce dilemme. II s'attache, en particulier, aux modeles de rapports existants entre I'Excutif et le Congres.Se basant sur l'analyse comparative de l'ensemble des caractristiques nstitutionnelles desrgimes dmocratiques, l'auteur conclut que lergime brsilien a des spcificits qui le caractri-

    sent comme une forme d e prsldentialisme encline l'instabilit: le prsidentialisme de coalition. Lesprincipales composantes de cette forme spcifiquesont: une prsidence forte, la pluralit de partis, lareprsentation proportionneUe, le fdralisme etun gouvemement de coalition. Depuis 1946, tonsles gouvemements dmocratiques de l'his toire dlBrsil ont adopt ce modle.Un teI modele exige des mcanismes supplmentaires de gestion des conflits car les gouvemements de coalition, par le fait qu'ils so'nt bass surdes structures d'intrts trs htrogenes, s ont extrmement instables. En outre, sous un rgimeprsdentialiste, ils tendent destabiliser Ie rgimelui-mme.Le dilemme institutionnel brsilien consiste quilibrer les diversits, inclure dans la reprsentation des formations d'intrts tres htrogneset, simultanment, assurer la stabilit du rgimesons une prsidence forte qui se trouve priodiquement en conflit avec le Congrs.

    N.E. - As verses inglesa e francesa dos resumos deste nmero so de autoria de Diane RoseGrasklaus e Anne Marie Minon Oliveira.

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