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O Princípio da Máxima Efetividade e a Interpretação Constitucional Manoel Jorge e Silva Neto Dados da obra: 1ª Edição - 1999 ISBN 85-7322-711-7 - Código 1898.0 Conforme acentuou em seu ''A Era dos Direitos", o problema fundamental em relação aos direitos do homem, para Bobbio, não é tanto o de justificá-los, mas sim o de protegê-los. O trabalho que a LTr Editora tem a satisfação de colocar ao alcance da comunidade jurídica vai ao encontro desta preocupação que, hoje, inegavelmente, circunda toda especulação científica acerca das normas constitucionais, de modo particular no que diz respeito às garantias fundamentais, sendo certo que a Constituição não pode ser entendida como um texto jurídico inapto à transformação da realidade social, política, econômica. ''O Princípio da Máxima Efetividade e a Interpretação Constitucional", obra escrita com esmero e dedicação por Manoel Jorge e Silva Neto, Procurador do Ministério Público do Trabalho, Presidente da Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho e Mestre em Direito Constitucional pela PUC-SP, tem o mérito de apresentar as soluções que mais eficácia atribuam às liberdades e garantias constitucionais e, com tal propósito, examina os direitos individuais, sociais, políticos, além de apontar a importância do postulado da força normativa no momento em que se opera o controle de constitucionalidade e quando da utilização dos instrumentos de proteção judicial, como o habeas corpus, o mandado de segurança, o mandado de injunção, etc. Antes, contudo, de inquietar com os graves questionamentos que formula no tocante aos direitos fundamentais, Manoel Jorge traz os indispensáveis subsídios fornecidos pela teoria geral da Constituição. O estilo claro, objetivo, dotado de invulgar aptidão para a síntese, são qualidades que fazem da obra presença obrigatória em todas as bibliotecas dos cultores da moderna ciência do Direito Constitucional. Manoel Jorge e Silva Neto é Procurador do Ministério Público do Trabalho - BA. Presidente da Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANPT). Mestre em Direito Constitucional pela PUC-SP. Membro do Instituto dos Advogados da Bahia - do Instituto Goiano de Direito do Trabalho - do Instituto Baiano de Direito do Trabalho

O Princípio da Máxima Efetividade e a Interpretação Constitucional

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O estilo claro, objetivo, dotado de invulgar aptidão para a síntese, são qualidades que fazem da obra presença obrigatória em todas as bibliotecas dos cultores da moderna ciência do Direito Constitucional.

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O Princípio da Máxima Efetividade e a Interpretação Constitucional

Manoel Jorge e Silva Neto

Dados da obra: 1ª Edição - 1999 ISBN 85-7322-711-7 - Código 1898.0 Conforme acentuou em seu ''A Era dos Direitos", o problema fundamental em relação aos direitos do homem, para Bobbio, não é tanto o de justificá-los, mas sim o de protegê-los. O trabalho que a LTr Editora tem a satisfação de colocar ao alcance da comunidade jurídica vai ao encontro desta preocupação que, hoje, inegavelmente, circunda toda especulação científica acerca das normas constitucionais, de modo particular no que diz respeito às garantias fundamentais, sendo certo que a Constituição não pode ser entendida como um texto jurídico inapto à transformação da realidade social, política, econômica. ''O Princípio da Máxima Efetividade e a Interpretação Constitucional", obra escrita com esmero e dedicação por Manoel Jorge e Silva Neto, Procurador do Ministério Público do Trabalho, Presidente da Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho e Mestre em Direito Constitucional pela PUC-SP, tem o mérito de apresentar as soluções que mais eficácia atribuam às liberdades e garantias constitucionais e, com tal propósito, examina os direitos individuais, sociais, políticos, além de apontar a importância do postulado da força normativa no momento em que se opera o controle de constitucionalidade e quando da utilização dos instrumentos de proteção judicial, como o habeas corpus, o mandado de segurança, o mandado de injunção, etc. Antes, contudo, de inquietar com os graves questionamentos que formula no tocante aos direitos fundamentais, Manoel Jorge traz os indispensáveis subsídios fornecidos pela teoria geral da Constituição. O estilo claro, objetivo, dotado de invulgar aptidão para a síntese, são qualidades que fazem da obra presença obrigatória em todas as bibliotecas dos cultores da moderna ciência do Direito Constitucional.

Manoel Jorge e Silva Neto é Procurador do Ministério Público do Trabalho - BA. Presidente da Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANPT). Mestre em Direito Constitucional pela PUC-SP. Membro do Instituto dos Advogados da Bahia - do Instituto Goiano de Direito do Trabalho - do Instituto Baiano de Direito do Trabalho

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NOTA DO AUTOR

Uma constatação se impõe e vale mais que mil palavras a serem ditas a respeito da interpretação constitucional: não há como se desvencilhar a intérprete do seu papel concretizador. Sem dúvida, não é a constituição um documento vazado em linguagem escrita e destinado a funcionar como uma espécie de instrumento de exortação moral da comunidade. Não. A norma constitucional - para incômodo ou regozijo dos destinatários - encontra fórmulas conducentes à sua efetividade. Em ordem a obter-se a ansiada realização do querer constituinte, lança mão o intérprete dos princípios de interpretação constitucional, dentre estes o princípio da máxima efetividade, materializado na escolha de uma solução conferidora do máximo de operatividade ao preceito residente em sede de norma-origem. É exatamente esse o objetivo do trabalho: retirar da Constituição, particularmente no que se refere às garantias fundamentais, o máximo em termos de concretude, empurrando a eficácia da norma constitucional para o nível mais elevado possível de realizibilidade, tudo à luz do princípio da máxima efetividade. Realizar a Constituição é elevadíssimo propósito cometido não apenas aos técnicos do Direito, mas também a todos os indivíduos que, ciosos de sua cidadania, têm por certo que ela não se encerra em processo já findo; antes comanda esforço diário para a consecução da inexcedível meta do ente político: a dignificação do ser humano.

Salvador, maio de 1999.

Manoel Jorge e Silva Neto

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APRESENTAÇÃO

O desafio a que Manoel Jorge se propôs enfrentar com a análise esmerada do princípio

da máxima efetividade da norma constitucional nesta obra não é pequeno. Daí o valor e interesse do presente estudo, levado a cabo por quem busca sempre uma resposta mais profunda para as indagações jurídicas com as quais defronta. A experiência de magistério, como Professor de Direito Constitucional, dá ao trabalho de Manoel Jorge todo o dinamismo próprio de quem busca, da forma mais didática, transmitir o

conhecimento acumulado e os problemas vivenciados na pesquisa científica. O desafio não é pequeno, dizia, porque Manoel Jorge, como Procurador Regional do

Trabalho que vivencia diuturnamente as questões trabalhistas de maior relevância, busca extrair todas as consequências da aplicação do princípio da máxima efetividade na hermenêutica constitucional. E prestigiar excessiva ou devidamente tal princípio não se faz sem o confronto com princípio basilar de exegese constitucional, que diz respeito ao caráter programático de considerável parte das normas constitucionais, carentes de auto aplicabilidade imediata. A obra busca, com a análise de inúmeros casos concretos, estabelecer os limites jurídicos da programaticidade das normas constitucionais, além dos quais a Constituição passaria de elemento de garantia dos direitos fundamentais para mera expressão retórica de ideais irrealizáveis. A obra está, portanto, permeada pelo propósito de realçar a amplitude do princípio da máxima efetividade das normas constitucionais, avançando sobre o terreno que outros hipotecaram ao campo das normas meramente programáticas. Tal avanço é feito com arrimo na concepção de que a Constituição, como norma jurídica originária, projeta toda sua força normativa sobre a sociedade, como garantia efetiva da cidadania. Comungamos da postura do Autor, no sentido de se rejeitar a Escola do Sociologismo Constitucional, que faz da Constituição mero espelho da vontade popular ou dos detentores do Poder. No entanto, é preciso lembrar que não se pode resvalar para o extremo oposto da aspiração - distintiva da escola juspositivista - de atribuir um caráter absolutamente independente à Constituição, infenso a outras influências que não as meramente jurídicas. Comungamos da concepção não sociológica, mas jurídica, da Constituição, se ela estiver calcada na admissão de um princípio jurídico anterior e superior à norma constitucional posta, que é o Direito Natural. Esse direito anterior e superior à Constituição está calcado na dignidade da pessoa humana e materializado nos direitos humanos fundamentais, que cabe ao Estado apenas reconhecer e não outorgar, como se a ele pertencesse dar ou negar tais direitos. Numa visão jusnaturalista da ordem jurídica, os direitos humanos fundamentais são o núcleo básico de direitos primários que não podem ser negados pelo Estado, sob pena de se instaurar uma ordem social injusta e, por isso, não vinculante. Os demais direitos, ditos secundários, por serem fruto da livre opção entre várias possibilidades de implementação do bem comum na sociedade, são passíveis de estabelecimento num ou noutro sentido pelo constituinte, segundo a vontade da maioria, num regime democrático. Numa visão jusnaturalista assim expressa, o princípio da máxima efetividade se vê realçado como elemento indissociável da norma assecuratória de cada direito natural básico - do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à propriedade, à família, à educação,

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à saúde, ao trabalho -, de forma que nenhum direito humano fundamental possa ser negado ou postergado, ao argumento de que carece de norma infraconstitucional regulamentadora própria. O compromisso constitucional positivado em 1988 é esgrimido pelo Autor com o fundamento na máxima efetividade a ser atribuída aos direitos e garantias insculpidos no art. 5º do Texto Constitucional vigente e aos Direitos Sociais elencados em seu art. 7º. O compromisso constitucional, no entanto, não se fez pelo consenso, uma vez que, tal como posteriormente alardeado pelos constituintes, sempre que o consenso não foi colimado, a remissão à regulamentação por lei foi a fórmula salomônica encontrada para se reconhecer em tese um direito, sem efetivá-lo imediatamente. Mérito da obra é mostrar que a lei não é o único instrumento de implementação efetiva desses direitos fundamentais albergados pela Constituição de 1988, podendo a sentença normativa, o acordo ou convenção coletiva e a medida provisória servir de ponte integrativa da vontade constitucional. Mérito maior da obra, que espelha a cultura do seu autor é, desenganadamente, trazer a debate, com sólida fundamentação, o problema da efetivação das normas constitucionais num Estado Democrático de Direito.

Brasília, maio de 1999.

Ives Gandra da Silva Martins Filho

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CAPÍTULO I - CONSTITUIÇÃO

1.1. ADVERTÊNCIA Com toda evidência, qualquer estudo cujo objeto esteja voltado ao exame da norma constitucional não poderá se furtar à análise de tema que representa verdadeira "chave de entrada", autêntico pressuposto para divagações maiores que possam ser desenvolvidas acerca da ciência do direito político. Referimo-nos precisamente à teoria da Constituição. Deveras, cuidar de temas mais específicos do direito constitucional sem, antes disso, proceder a consistente ingresso no que atina ao conceito, concepções sobre a Constituição e aplicabilidade das normas constitucionais, é idear um arcabouço teórico sem a base fundante da teoria mesma que se propõe a desenvolver. Portanto, discorrer sobre o princípio da máxima efetividade e suas implicações no procedimento interpretativo da constituição, descurando-se quanto à sua limitação conceitual e à apresentação dos elementos nela modernamente inseridos, constituem óbice ao pleno conhecimento da realidade constitucional e empecilho à compreensão do atual papel a ela atribuído no referente à transformação do mundo circundante. Assim, neste Capítulo I, trataremos do conceito da constituição para, após, examinarmos as suas diversas acepções - assunto de especial interesse por umbricado com questão do princípio da máxima efetividade, como teremos oportunidade de demonstrar - e, por último, estudaremos a aplicabilidade das normas constitucionais.

1.2. CONCEITO Todo objeto possui uma constituição a revelar a sua forma específica e particular. Assim, diz-se que a bola é redonda; o sol é brilhante; o gelo é sólido. Em verdade, ao analisarmos a constituição do objeto, estamos, por igual, decompondo a sua estrutura, o seu ser. Este o sentido amplíssimo do vocábulo constituição. Dentro do contexto jurídico, todavia, a constituição é a forma específica e inimitável assumida pela entidade estatal. Não obstante, toda conceituação é perigosa e envolve aquele que se propõe a conceituar em um mar de dificuldades, o que não poderia ser diferente com relação ao conceito de constituição. A ideia de constituição na qualidade de instrumento de ordenação do Estado apenas exterioriza uma face do fenômeno - mesmo porque vinculá-la a ente político, tão-somente, é equívoco a ser evitado, na medida em que os programas inseridos nas constituições, muita vez, desbordam os limites do âmbito estatal -, visto que, ao conceituarem-na, os juristas revelam um único aspecto, sendo cientificamente nociva a posição porquanto expressa uma ideia desvinculada da realidade circundante. Objetivando alcançar o entendimento do que efetivamente vem a ser constituição do Estado, surgiram as acepções sociológica, política e jurídica, que adiante trataremos.

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1.3. CONCEPÇÕES SOBRE AS CONSTITUIÇÕES Analisemos, em primeiro lugar, o que se convencionou denominar de acepção "sociológica" de constituição. Para tal corrente, o fundamento da ordenação jurídico-constitucional positiva deve ser buscado na realidade social, no torvelinho dos fatos que se desenvolvem e se enformam no meio social. Ferdinand Lassalle ideou a acepção "sociológica" de constituição fundada na teoria dos fatores reais de poder "(...), força ativa e eficaz que informa todas as instituições jurídicas da sociedade em questão fazendo com que não possam ser, em substância, mais que tal e como são".

De pronto, entendemos não comportar rigor semântico o termo acepção "sociológica" de constituição e o fazemos com fundamento nas ideias de Ortega Y Gasset. Para o filósofo espanhol fundador da doutrina perspectivista, três são os caracteres dos fatos sociais: a) são ações executadas em virtude de uma pressão social, consistente na antecipação de nossa parte, das retaliações morais ou físicas que o mundo exterior vai exercer contra nós, se não nos conduzirmos de acordo com as imposições do contorno social; b) são ações irracionais, na medida em que não se discute porque devemos realizá-las, apenas e tão-somente o fazemos (o exemplo é o aperto de mão, porque ao avistarmos um amigo, estenderemos, ao encontrá-lo, a mão, sem divagar sobre a razão de tal iniciativa) e, por fim, c) são, a um só tempo, formas de conduta e pressões, incidentes tanto sobre o próximo como sobre nós. Na linha do pensamento de Ortega,

identificar fatores reais de poder a fato social é equívoco manifesto porquanto promanam aqueles da sociedade, mas, diferentemente destes (ação irracional), tendem, de modo organizado e coordenado, a influir sobremaneira na edição de normas jurídicas, mais ainda quando aquela de que se cogita é a mesma a figurar no ápice do ordenamento positivo estatal. Destarte, sabendo-se que a investigação científica de Lassalle teve por móvel desencobrir a essência da constituição, bem podemos

denominar, com rigor técnico, a sua teoria de acepção ou concepção essencialista, ao invés de "sociológica", vez que os conhecidos fatores reais de poder nem por alcunha podem ser denominados de fatos sociais. A constituição escrita não passaria, assim, de uma simples folha de papel (ein stück Papier); a sua capacidade reguladora estaria vinculada à consonância com a

constituição real, isto é, aos fatores reais de poder. Em suma: questões constitucionais não são questões jurídicas, já que a realidade da constituição nada mais expressa do que fatos em contínua mudança no meio social. De há muito tempo, desde a elaboração da teoria de Lassalle, o que se vê na doutrina

constitucional, com maior ou menor intensidade, é o predomínio daquilo que denominamos de "maldição atávica do sociologismo", colocando-se a efetividade da norma-vértice em insidiosa reverência a fatos metajurídicos, proceder que não mais se coaduna com a expectativa e as aspirações da sociedade no sentido da consecução de um modelo jurídico a serviço do homem, da igualdade. Cumpre anotar que a popularidade da acepção essencialista da constituição, de tanto firmar a posição de que as questões constitucionais não são jurídicas, mas meramente factuais, quase fez com que todos se esquecessem ser a constituição, por incrível que pareça (!), também, um texto jurídico, apto a retirar, de si próprio, os elementos conducentes à sua concretização.

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O princípio da máxima efetividade é a cortina que encerra a peça de teatro que se tornou a discussão sobre a eficácia constitucional com lastro em divagações lassallianas. E por quê? Por três razões realmente significativas: a) a constituição é um texto jurídico; b) serve de instrumento de regulação da vida social; c) conquanto possa ser afirmado, com convicção, que se trata do estatuto jurídico do fenômeno político porque " (...) conexiona-se com outras `categorias' políticas e `conjuntos sociais' (Estado, sistema político, sistema jurídico, ordenamento, instituição", não se deve esquecer, jamais, ser também uma realidade que embora não se sobreponha às demais realidades (política, econômica, social), de igual modo não se lhe submetem, mas com elas interage e, portanto, podemos concluir que é dialético o processo de consolidação da vontade do legislador constituinte originário. É exatamente dentro desse espaço de tensão, produto da contraposição entre as realidades constitucional e extra constitucional, que desponta a importância do princípio da máxima efetividade pois, ao funcionar como um judicioso aviso do dever de concretização imposto ao intérprete, finda por proclamar que a norma constitucional não é tão relativa assim, condicionada à ocorrência de circunstâncias "ótimas" ou "ideais" para a sua materialização, dependente, sempre, dos fatores reais de poder a que aludia Lassalle.

O fato social porta dinâmica própria. A norma constitucional também. Eis a relevância do postulado da eficiência: reconhecer esse fato e, indicativamente, acenar para o intérprete soluções que extraiam o máximo em termos de operatividade do preceito constitucional. Ao prosseguirmos no estudo das acepções sobre o termo constituição, deparamo-nos com o decisionismo político de Carl Schmitt, segundo o qual a constituição é o produto

da decisão política fundamental, a estabelecer a forma de Estado, de governo, os órgãos do poder e os direitos e garantias fundamentais. Lei constitucional, diversamente, diz respeito a matérias que apenas formalmente são constitucionais - adquiriram tal forma tão-só por terem sido introduzidas em uma constituição - porque poderiam ser tratadas pelo legislador ordinário. A teoria de Carl Schmitt, após analisar os conceitos absoluto (constituição como um

todo unitário), relativo (constituição como pluralidade de leis particulares), ideal

(constituição como fenômeno que corresponde às aspirações, ao ideal de um povo),

termina por apontar o conceito positivo da constituição, representado pela decisão do

conjunto sobre o modo e forma da existência da unidade política. Atém-se Carl

Schmit ao princípio da exclusão, pois toda matéria que não resulte da "decisão política

fundamental", promanada de um poder constituinte, é considerada lei constitucional. É

de relevo ressaltar que a sua teoria, tal como exposta, contém inegáveis influências do

sociologismo jurídico, nomeadamente quando afirma que "a Constituição não é, pois,

coisa absoluta, porquanto não surge de si mesma. Tampouco vale em virtude de sua

justiça normativa ou em razão de sua sistemática fechada. Não se dá a si mesma, senão

que é dada por uma unidade política concreta. Talvez seja possível dizer que uma

Constituição se estabelece por si mesma sem que a raridade desta expressão se

choque em seguida. Mas que uma constituição se dê a si mesma é um absurdo

manifesto. A Constituição vale em razão da vontade política existente daquele que a dá.

Toda a espécie de normação jurídica, e também a normação constitucional, pressupõe

uma tal vontade como existente".

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Não é difícil constatar o pecadilho cometido por Schmitt, já que, de mais a mais,

condiciona a efetividade da constituição à manifestação volitiva de um ente detentor de uma "decisão política fundamental", à feição do que fizera Lassalle com a sua teoria essencialista, quando vinculou a realização do projeto constitucional ao beneplácito dos célebres "fatores reais do poder". Prestigiando-se o princípio da eficiência e guindando-o ao status de postulado maior no

campo da hermenêutica constitucional - como assim o consideramos -, conclui-se quão dissonantes dele se encontram o decisionismo político e a teoria essencialista porque não veem na constituição um instrumento paradigmático de ordenação de conduta, um plexo de normas de organização livre das amarras atadas pelas condicionantes extraconstitucionais. O essencialismo e o decisionismo não conseguiram desvendar o nó górdio em tema de

efetividade da norma constitucional: sendo dialético o processo de consolidação da vontade constituinte, compreendendo, sempre, uma interação da realidade ditada pela constituição e o mundo circundante, terá ela a liberdade de atuar sobre a circunstância política, econômica e social, modificando, não raro, tais realidades. Indiscutivelmente, o conteúdo imodificável expresso ou implícito das constituições, uma vez deslustrado pela manifestação do poder político, faz transmudar a hipótese para autêntica ruptura institucional e exercício, de fato, do poder constituinte originário, sobrelevada que foi, em casos que tais, a ordem constitucional, fazendo surgir, a partir de então, um novo desenho normativo. Meditemos acerca de um exemplo simplório que melhor dilucida a divagação teórica: imaginemos que determinado governo, em acesso monarco-tirânico, tenha, mediante emenda enviada ao Poder Legislativo reduzido a pó todas as garantias fundamentais referentes aos direitos individuais, suprimindo-os do texto constitucional, tout court. É

óbvio que a insidiosa aniquilação dos elementos limitativos impõe um novo esboço ao ente político, já, agora, à imagem e semelhança do poder constituinte autoritário e tirânico. O mesmo se afirme no tocante aos princípios fundamentais do Estado brasileiro (conteúdo imodificável implícito da Constituição), materializados nos arts. 1º/4º do Texto Constitucional. Se o mesmo governo resolver pela mera e simples substituição dos princípios e objetivos fundamentais por outros diametralmente distintos, é certo que continuaremos com uma constituição, mas certo também que estaremos convivendo com outra norma fundamental porque a principiologia abraçada e os objetivos perseguidos pelo elemento enformador do Estado não mais sobrevivem. A propósito, esclareça-se que a constatação relativa à impossibilidade de ascendência absoluta e ilimitada do mundo exterior sobre a constituição nenhuma afinidade porta com o princípio da eficiência. O fato de existir um conteúdo imodificável na constituição é o apanágio mais genuíno da necessidade que o sistema tem, aí incluindo-se o constitucional, de manter-se vivo (entropia negativa). Em suma: se Lassalle e Schmitt tiveram o mérito de alertar os cultores do direito político

acerca da necessária observação e estudo dos fatos que se "escondem" por detrás da norma constitucional, perpetraram crasso equívoco ao se esquecerem que a constituição, por incrível que pudesse parecer aos seus olhos, era também norma jurídica. Tal característica, entretanto, não foi olvidada por Hans Kelsen. Pelo contrário, a

compostura jurídica da norma constitucional foi até mesmo exacerbada pelo jusfilósofo austríaco.

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Para ele, o Direito não necessita recorrer à Política, à Sociologia, de sorte a conceituar a constituição. A investigação restrita à esfera puramente jurídica é o bastante. Um breve esclarecimento cabe, nesse instante, a respeito da teoria Kelseniana: diferentemente do que se costuma propagar, com infeliz habitualidade, Kelsen - muito

citado, pouco lido - não promoveu a redução do Direito à norma. Apenas perseguiu, com a sua Teoria Pura, a sistematização da ciência jurídica, depurando-a quanto à interferência da sociologia, da ciência política, da economia. Assim, ao recorrer, de forma exclusiva, à ciência jurídica, objetivando explicitar e conceituar a constituição, Kelsen admite dois planos distintos: o lógico-juridico e o jurídico-positivo. O plano lógico-jurídico se traduz na norma suposta, hipotética, a servir de fundamento lógico-transcendental de validade da constituição jurídico-positiva, ou como por ele próprio afirmado: "(...) a norma fundamental é a instauração do fato

fundamental da criação jurídica e pode, nestes termos, ser designada como Constituição no sentido jurídico-positivo. Ela é o ponto de partida de um processo: do processo de criação do Direito positivo. Ela própria não é norma posta pelo costume ou pelo ato de um órgão jurídico, não é uma norma positiva, mas uma norma pressuposta, na medida em que a instância constituinte é considerada como a mais elevada autoridade e por isso não pode ser havida como recebendo o poder constituinte através de uma outra norma, posta por uma autoridade superior". A norma posta (constituição jurídico-positiva), de existência visível, material, encontra o

seu fundamento de validade na norma hipotética (constituição lógico-jurídica), invisível

e imaterial, interiorizada por todos os membros da comunidade política, compreendida

no comando genérico e naturalmente aceito consistente no obedecimento a tudo quanto

está na constituição.

No entanto, o arcabouço teórico normativista, muito embora tenha contribuído decisivamente para a construção da teoria da eficácia constitucional7, não trouxe maiores subsídios para intensificar a força normativa da constituição, não engendrou um modelo direcionado à extração do máximo de concretude do preceito inserido na norma-vértice. Em suma: não se dedicou Kelsen ao estudo da constituição sob o pálio

do postulado da máxima efetividade. Pensamos nós que as acepções essencialista, política e jurídica erram por vincularem a constituição a uma única realidade. Não obstante, a plurisignificatividade do conceito conduz à constatação de que "todos os países possuem, possuíram sempre, em todos momentos da sua história, uma constituição real e efetiva", consoante a teoria de Lassale, promanada de uma "decisão política fundamental" (Carl Schmitt), servindo,

a um só tempo, de fundamento de validade normativa de todo o sistema (constituição jurídico-positiva) e fundamento transcendental para validar a constituição positiva, já que assente e pacífico o obedecimento incondicionado da sociedade a tudo quanto emana da constituição, sendo ela norma suposta, hipotética (constituição lógico-jurídica). 1.4. APLICABILIDADE DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS Discorrer sobre o princípio da máxima efetividade e suas repercussões no procedimento interpretativo da constituição sem, em contrapartida, examinar quais os efeitos extraíveis das normas constitucionais, revela-se tarefa um tanto difícil, quiçá impossível.

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É que o estudo da aplicabilidade das normas constitucionais confere segurança ao intérprete quando se propõe a pisar no movediço terreno que é a interpretação constitucional. E, em se tratando de interpretação constitucional calcada no princípio da máxima efetividade, além de desastrosa, será temerária e enganosa a iniciativa daquele que se lança na empreitada, apressada e descuidadamente, sem atentar para o fato de que, no âmbito eficacial, ora as normas constitucionais promovem a contígua alteração do ordenamento e produzem todos os efeitos esperados, ora têm o seu alcance encurtado por legislação ordinária superveniente, ora se apresentam com os seus efeitos diferidos ou limitados integralmente pela lei. Sim, porque malgrado o objetivo do trabalho esteja voltado ao percurso do iter interpretativo da norma constitucional à luz do princípio da máxima efetividade, há um limite ineliminável, infranqueável para se consumar tal interpretação: a constitutio scripta. E esta constituição escrita, constantemente, difere a operatividade ampla do

enunciado à intermediação do legislador infraconstitucional e, sendo assim, configurar-se-ia autêntico despautério e vero absurdo, mesmo em se inspirando no princípio da máxima efetividade, enveredar pelo nebuloso caminho da imediata concretização do querer constituinte quando, pelas mais variadas razões, sequer o próprio elemento fundador do Estado manifestou o desígnio de ter o seu comando imediatamente cumprido pela sociedade política. Eis a importância do estudo da aplicabilidade das normas constitucionais para a presente investigação e, portanto, sem demora, cuidemos do assunto. Aplicabilidade significa qualidade do que é aplicável, não se confundindo, todavia, com eficácia, porque norma eficaz é aquela que se encontra apta ao desencadeamento dos efeitos que lhe são ínsitos, próprios. Tais efeitos podem estar relacionados com uma efetiva conduta praticada no meio social de acordo com o comando imposto pelo preceito normativo, quando, então, estaremos diante da eficácia social ou, diversamente, podem se traduzir na aptidão da norma de gerar, de forma mais ou menos intensa, consequências de natureza jurídica, regulando as condutas nela prescritas, quando cogitaremos da eficácia jurídica. Contudo, se é certo que a aplicabilidade não se confunde com o gênero eficácia, acompanhando a lição de José Afonso da Silva,

não receamos identificá-la à eficácia jurídica porquanto norma aplicável é toda aquela que tem capacidade de produzir efeitos jurídicos, pouco importando à delimitação conceitual de aplicabilidade esteja ou não o dispositivo, efetivamente, desencadeando os efeitos próprios no meio social. É relativamente nova a preocupação dos constitucionalistas com o problema da aplicabilidade das normas constitucionais. Quem primeiro se debruçou sobre a questão foi Thomas Cooley, ao assinalar que

"conquanto nenhum dos preceitos constitucionais devam ser considerados de compostura imaterial ou meramente consultivos, há alguns deles que, em virtude da natureza da lide, são tão inaptos à execução imediata a obrigatória (compulsory enforcement) como as prescrições diretivas (directory provisions) de uma maneira geral.

E a razão é que, embora o propósito do enunciado seja consagrar direitos e impor obrigações, não constitui, em si mesmo, regra suficiente para, através dela, ser protegido o direito ou ser imposta a obrigação. Em tais casos, antes do preceito constitucional se tornar efetivo, deve ser editada legislação suplementar". A sua teoria foi amplamente recebida pelos doutrinadores, tendo ingressado no sistema da ciência do direito constitucional brasileiro por intermédio deRui Barbosa, mediante a

classificação das normas constitucionais em auto executáveis e não auto executáveis

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(as célebres self executing provisions e not self execting provisions a que aludira Cooley).

Desde então, surgiram inúmeras classificações que, a rigor, tomavam por parâmetro a teoria do constitucionalista norte-americano, como é exemplo a de Pontes de Miranda, ao catalogar as normas constitucionais em bastantes em si e não-bastantes em si. A investigação acerca da eficácia constitucional, entretanto, somente recebeu impulso considerável a partir da pesquisa desenvolvida pelos autores italianos, impelidos por sua constituição com marcante perfil programático. Se não o primeiro, mas o que se destacou inicialmente foi Gaetano Azzariti, ao promover

a divisão das normas constitucionais em preceptivas e diretivas. A norma preceptiva (norme preceptive) seria aquela de aplicação direta e imediata, com prescindência de

atuação do legislador infraconstitucional para lhe integrar operatividade plena ou de aplicação direta, mas não imediata, dependente de norma integrativa. Norma diretiva (norme direttive) - como o próprio nome di-lo - imporia apenas uma diretriz a ser seguida pelo legislador futuro. Nos idos de 1950, a verdadeira revolução acerca da eficácia constitucional estaria para ser iniciada por Vezio Crisafulli que, em artigo histórico, passou a admitir a classificação

tripartite das normas constitucionais e, mais importante que isso, inovou, com sólida base científica, a teoria tradicional ao defender a juridicidade das normas programáticas e a possibilidade de extração de efeitos concretos de tais enunciados. Temos por certo, por induvidoso mesmo que a classificação de Crisafulli,

designadamente ao sustentar o viço normativo dos preceitos programáticos, foi atiçada pelo princípio da máxima efetividade e, de outro ato, indiscutível também que, em tema de eficácia da norma constitucional, constituiu-se aquela oportunidade na vez primeira em que o postulado da eficiência fora reverenciado pela doutrina do direito político, conquanto não tenha o autor italiano, deliberada e conscientemente, se utilizado do princípio como instrumento concretizador das normas de eficácia limitada de compostura programática. Entre nós, a teoria de Crisafulli foi difundida por José Afonso da Silva que, em clássica

monografia sobre o tema e de ampla aceitação na doutrina, promoveu a seguinte

classificação das normas constitucionais quanto à eficácia: a) normas de eficácia plena;

b) normas de eficácia contida e, c) normas de eficácia limitada, subdivididas ainda em

normas de eficácia limitada de princípio institutivo e de princípio programático.

Porém, por melhor atender às nossas pretensões relativamente ao estudo da importância do princípio da máxima efetividade no evento da interpretação constitucional, adotamos a classificação proposta por Maria Helena Diniz, a saber: a)

normas com eficácia absoluta ou super eficazes; b) normas com eficácia plena; c) normas com eficácia relativa restringível; d) normas com eficácia relativa complementável, que podem ser de princípio institutivo e normas programáticas. As normas com eficácia absoluta corresponderiam às cláusulas intocáveis da Constituição, como na hipótese do § 4º do art. 60. Plenas seriam aquelas absolutamente idôneas, desde a sua entrada em vigor, para disciplinar, de imediato, as relações jurídicas. As com eficácia relativa restringível possuem aplicabilidade plena, podendo, no entanto, ter o seu alcance limitado por normação ulterior. As normas com eficácia relativa complementável são as que necessitam totalmente da atuação do legislador infraconstitucional. Serão de princípio institutivo quando destinadas a dar corpo a órgãos

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e instituições e de princípio programático, por outro lado, quando estabelecerem a meta estatal desenhada pelo poder constituinte originário cujo cumprimento se impõe a todos os órgãos do Estado e cidadãos. Concernente às normas com eficácia relativa complementável de princípio programático, ao reverenciarmos o postulado da máxima efetividade, concluímos - como fê-lo de forma judiciosa José Afonso da Silva - ser possível a extração dos seguintes

efeitos concretos de tais disposições: a) impõem um dever para o legislador infraconstitucional; b) condicionam legislação ulterior, na medida em que a normatividade editada poderá ser contrastada com as cláusulas programáticas, examinando-se, desse modo, a sua adequação ao programa do Estado; c) condicionam a atividade discricionária da Administração e do Judiciário; e, por fim d) criam situações jurídicas subjetivas, de vantagem ou de desvantagem.

CAPÍTULO II - O PRINCÍPIO DA MÁXIMA EFETIVIDADE E A INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL

2.1. INTERPRETAÇÃO DA NORMA JURÍDICA A interpretação não é apenas um ato ínsito à própria natureza do homem enquanto tal; é procedimento modelador da verdadeira compostura de ser humano porque é homem quem extrata proposições acerca da realidade, quem pensa, interpreta. Todo objeto, por outro lado, quer esteja ou não na experiência, no mundo empírico, é obviamente passível de interpretação, já que a existência humana não pode jamais ser considerada como um fato isolado; antes representa um "estar-com". "Estar-com" todos os objetos, sejam ideais, metafísicos, naturais e culturais, atendo-nos à utilíssima classificação das regiões ônticas propugnada pelo filósofo Edmund Husserl.

De acordo com o pensamento de Husserl, podemos classificar as normas jurídicas como

objetos culturais porque são reais; estão na experiência e, por último, aquilo que é fundamental para a consumação do procedimento interpretativo: são valiosas, positiva ou negativamente. Com efeito, seria um absurdo sem fim a postura infensa ou omissa a considerações de cariz axiológico por parte daquele que se propõe a interpretar a norma jurídica, como, de resto, inverossímil a hipótese de assim proceder o sujeito cognoscente acerca de qualquer objeto cultural. Deveras, não nos restringindo ao altiplano da ciência jurídica, tomemos por exemplo um objeto cultural cuja simploriedade, não obstante, mais ainda devassa o fato inevitável de recurso ao valor no evento de interpretá-lo: o copo. O copo, na condição de objeto criado pelo homem, é real, pois tem existência; está na experiência e é valioso sob a perspectiva axiológica, vez que a valoração corresponde a fenômeno que não se dissocia da coisa examinanda (o valor "utilidade" é algo que não se pode separar do copo). Assim, todos os objetos culturais, aí incluindo-se as normas jurídicas, não prescindem do elemento valor para o seu conhecimento. Tracejando-se este caminho preliminar, já, agora, uma observação se impõe, per se: a

tradicional formulação teórica segundo a qual a interpretação consiste em delimitar o alcance e o sentido do enunciado normativo, seguidamente repetida pela ciência

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jurídica, não resiste à constatação - curial, a nosso aviso - de que de objeto cultural não se extrai um sentido, mas sim, convictamente, um valor. Deste modo, concebemos interpretação da norma jurídica como um ato que, ao se extrair um valor positivado pelo político no sistema do direito positivo, finda por apresentar uma das soluções possíveis para o problema normativo ocorrente. 2.1.1. Processos clássicos de interpretação da norma jurídica A norma constitucional porta peculiaridades a demandarem a utilização de técnicas em consonância com a sua compleição singular. Porém, não se deve esquecer que, malgrado a indiscutível relevância do preceito constitucional por inserto no plexo de comandos promanados do estatuto fundador da sociedade política, é também norma jurídica e, enquanto tal, possível de ser manuseada mediante o uso das conhecidas técnicas utilizadas pelo intérprete quando em face de lei comum. O primeiro deles, o processo gramatical, comanda uma atitude do intérprete vertida na atenção ao aspecto etimológico da palavra inserida no texto legal, à localização do vocábulo, bem assim à pontuação. O intérprete da constituição, principalmente quando inebriado pelo fascinante princípio da máxima efetividade, deve ter todo o cuidado para não proceder à reforma do texto constitucional através do procedimento interpretativo, pois a constituição escrita é limite que se não pode eliminar, como enfatiza Hesse (v. Cap. I, subitem 1.4). O processo

gramatical é o mais consentâneo à preservação de tal limite. De contraparte, o processo lógico intenta chegar ao conhecimento do direito por via de deduções lógicas ou silogismos. Mediante a dedução lógica ou silogismo - "raciocínio que nos permite tirar de uma ou várias proposições um conclusão que delas decorre logicamente" -, empreendemos operação lógica segundo a qual se uma ou várias sentenças são postas como verdadeiras, as conclusões que se lhe seguem são também verdadeiras. Lançar mão o intérprete do processo lógico determina o atendimento às regras do silogismo válido, isto é, não é possível que as premissas sejam verdadeiras e a conclusão falsa. Já o processo sistemático toma por parâmetro o sistema onde está inserida a norma jurídica, promovendo o inter-relacionamento com os outros dispositivos remanescentes a versarem sobre o mesmo objeto. Karl Engish, ao enunciar a ideia de Stammler, segundo a qual "quando alguém aplica um artigo do Código, aplica todo o Código", não obstante evidencie um certo exagero na afirmação, conclui que a assertiva "(...) põe em evidência a unidade da ordem jurídica, a qual no nosso contexto se traduz em que as premissas maiores jurídicas têm de ser elaboradas a partir da consideração de todo o Código e, mais ainda, socorrendo-nos também de outros Códigos ou leis". Concernente ao processo histórico-evolutivo, impende salientar que a norma jurídica não decorre de um ato automático do órgão legislativo, não brota de um jato como magma vulcânica que atinge a tudo e a todos, indistintamente. Pelo contrário, a lei é resultado de um lento processo de evolução histórica e, nessa linha de pensamento, nada mais conveniente - por vezes indispensável até - que o recurso a técnica de

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interpretação que põe em evidência o estudo do evolver da produção de normas em determinada comunidade política. O processo histórico-evolutivo de interpretação da norma tem esse caráter: busca compreender a razão determinante da edição de um preceito normativo à conta de condicionantes adstritas a aspectos espaço-temporais sem, contudo, desprender-se da ideia de que a interpretação deve estar motivada pelo problema normativo de hoje. 2.2. TÉCNICAS DE INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL Mencionamos, em passagens anteriores, os processos de interpretação da norma comum que, não obstante, são utilizados para se desvendar o telos do preceito

constitucional. Entretanto, o texto fundador do Estado, o documento enformador da unidade política, o estatuto inaugural da ordem jurídica ou ainda estatuto jurídico do fenômeno político, como quer Canotilho, traz atributos e caracteres inconfundíveis com a lei comum, fato a

determinar a utilização de técnicas interpretativas peculiares à ciência da constituição e delimitadas pela natureza específica do direito constitucional. Analisada a questão relativa à interpretação constitucional e as técnicas desenvolvidas pela doutrina e pela jurisprudência a partir da constatação de ser o positivismo jurídico insuficiente para abarcar toda a complexidade da norma constitucional, vemos despontar o método tópico - a tópica pode ser considerada um método que se dirige ao órgão aplicador -, reingresso no mundo jurídico sob a pena do jusfilósofo Thedor Viehweg.

O método tópico constitui técnica do pensamento que se orienta para o problema, entendendo-se como tal questão que aparentemente admite mais de uma resposta e requer compreensão prévia. Para solucionar os problemas concretos postos à sua consideração, o magistrado, lançando mão do método tópico, utiliza pontos de vista ou topoi que irão dirigir a solução.

Na seara constitucional, o método tópico parte das seguintes proposições: a) o caráter prático da interpretação constitucional, na medida em que objetiva resolver problemas concretos; b) o caráter aberto, fragmentário ou indeterminado da norma constitucional; c) preferência pela discussão do problema em virtude da textura aberta das normas constitucionais. O método tópico, orientado para o problema da concretização da norma constitucional, terá, sem dúvida, o princípio da máxima efetividade como aliado. É induvidosa a influência da tópica na teoria concretista de constituição aberta, propugnada por Peter Häberle, podendo ele ser denominado como "extremista" da utilização daquele processo no âmbito do direito constitucional. Häberle distingue a interpretação em sentido lato e em sentido estrito. A modalidade de interpretação estrita é aquela a utilizar os métodos tradicionais de color nitidamente civilista. A interpretação lata, em contrapartida, se caracteriza pelo oferecimento de um amplo campo ao debate e à renovação, encerrando uma visão dialética da realidade social apta à consecução do entendimento do fenômeno constitucional em sua essência e fundamento. A teoria de Häberle quer entender a interpretação da constituição como: "(...) processo aberto,

ou seja, operação livre que como tal deve conservar-se. Sua compreensão há de ser a mais dilatada possível, de modo que, sobre acolher aquela interpretação que se faz em âmbito mais restrito, principalmente na esfera jurídica dos tribunais, venha a abranger por igual aqueles que ativa ou passivamente participam da vida da comunidade".

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Häberle modela a singular compleição de sua teoria sobre três ideias fundamentais: em

primeiro lugar, outorga legitimidade para a consumação do procedimento interpretativo da norma constitucional a todos aqueles que, direta ou indiretamente, ativa ou passivamente, pública ou anonimamente participam da vida política do Estado (alargamento do círculo de intérpretes da constituição); em segundo lugar, como natural ilação da larga outorga de legitimidade, temos o concebimento da interpretação constitucional como processo aberto e público e, por fim, em terceiro lugar, a compreensão desse conceito acerca da própria constituição mesma, assumida, a um só tempo, como realidade e publicização". A ampla outorga de legitimidade e consequente alargamento do círculo de intérpretes da constituição, não mais reduzido à figura do juiz, tão-somente, produz o efeito mais importante, qual seja: a concretização da norma constitucional, por isso que a técnica é denominada de concretista de constituição aberta. A constatação prescinde de maiores aprofundamentos de ordem doutrinária: é óbvio, à medida em que se alarga a legitimidade dos órgãos ou pessoas credenciadas à interpretação da constituição, que a eficácia do preceito constitucional será impelida para um nível altíssimo de possibilidade de realização. A rigor, a utilização da técnica concretista não revela um atrelamento deliberado ao princípio da máxima efetividade, como se poderia imaginar em raciocínio apressado. Na verdade, o fato de se buscar a máxima efetividade da norma constitucional, quando em uso a técnica mencionada, decorre da dinâmica imprimida ao preceito em virtude da natural demanda do intérprete consistente em que a constituição cumpra aquilo a que se propôs cumprir. Portanto, quando o constituinte originário enuncia os Princípios Fundamentais da República Federativa do Brasil (arts. 1º/4º, CF), menciona que constituem seus objetivos fundamentais, dentre outros, "erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais" (art. 3º, III). Tal comando, assim como os demais princípios fundamentais, muito embora sejam a "chave de entrada" para a interpretação da Constituição, soam como algo distante ao aplicador do direito, já que, conquanto os vencimentos conferidos não correspondam ao grave cometido do juiz, é certo que não vivencia, em sua realidade, pobreza ou marginalização. Diversamente, alargando-se o círculo de intérpretes da Constituição, atribuído o encargo de interpretar o art. 3º, III, da Constituição aos cidadãos comuns, àqueles que convivem com a terrivelmente concreta realidade social, àqueles que, massificados, se veem, aqui e ali, premidos pela leviana ameaça do desemprego, observaremos, num átimo, que não apenas a norma indigitada mas também toda a Constituição será interpretada de sorte a se obter a decantada erradicação da pobreza e da marginalização, e a esta situação não se chegará por força de eleito o postulado da máxima efetividade, mas sim em razão de o intérprete, no seu plano existencial, estar sendo afligido pela falta de condições mínimas materiais de existência. É realmente digna de registro a teoria desenvolvida por Häberle, principalmente porque

promove uma "mudança de centro" em termos de interpretação constitucional, desde

que já não a concebe fechada dentro do círculo dos tradicionais intérpretes da suprema

ordenação.

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Em derredor das ideias defendidas por Häberle devem ser trazidos alguns

questionamentos. De logo, é necessário examinar se o alargamento do círculo de intérpretes da constituição, pondo em evidência - ainda que de modo involuntário ou inconsciente - o princípio da máxima efetividade, não produziria uma interpretação constitucional de "grupos" ou "parcial". Seria o caso, por exemplo, de as entidades sindicais representativas de categoria profissional - e somente elas - se debruçarem sobre determinada norma constitucional trabalhista e extratarem a solução a partir e com fundamento unicamente nos interesses de tais corporações gremiais. É manifesto o equívoco quanto a se admitir a interpretação constitucional do dispositivo exclusivamente sob o ponto de vista do sindicato profissional. E por quê? Em primeiro lugar, tome-se por certo o entendimento de que "quem vive a norma acaba por interpretá-la ou pelo menos por co-interpretá-la. Sendo assim, a amplitude dos interesses encerrados na norma constitucional trabalhista legitima não apenas a interpretação por parte dos sindicatos profissionais, mas também pelos representativos de categoria econômica, fazendo com que a multiplicidade dos interesses envolvidos no procedimento de interpretação, ao invés de formalizar uma conclusão "grupal" ou "parcial", torne bem mais democrático o processo de extração de um conteúdo da norma sob exame. Outra crítica que pode ser feita à teoria de Häberle se refere à possibilidade de a

interpretação constitucional "dissolver-se" em número expressivo de interpretações e intérpretes. Entretanto, a respeito, é importante deixar claro que há intérpretes que detêm competências expressas para a interpretação, de acordo com o próprio sistema constitucional (os juízes, por exemplo), e outros cuja atuação neste sentido se encontra consentida, de modo implícito, na escolha efetuada pelo poder constituinte originário no tocante ao modelo de sociedade política (pluralista ou centralizadora/totalitária). Quanto mais contiver uma constituição princípios e normas aptos a viabilizarem a participação do indivíduo no processo de auto conferência de legitimidade ao Estado (como nas hipóteses dos instrumentos de democracia semidireta, que mencionaremos em trecho do trabalho), mais e mais se tornará vinculativa para os órgãos desse mesmo Estado a necessidade de se admitir a interferência do cidadão não apenas nos domínios da participação política tout court, mas também, e sobretudo, no plano da fiscalização dos

atos administrativos, tornando possível a sindicabilidade das decisões de governo, além de, relativamente ao Poder Judiciário, impor a crescente exigência quanto à ampla outorga de qualidade para agir face à defesa, pelo cidadão, de interesses sociais relevantes. Logo, não é a hipótese de imaginar a dissolução do procedimento interpretativo, mas o alargamento - natural e inexorável em um Estado que se quer "democrático" e "de direito" - da legitimidade para a concretização do sistema constitucional por seus destinatários comuns. Não será exagero algum afirmar, portanto, que o papel de intérprete oficial desempenhado pelo Poder Judiciário no ordenamento jurídico brasileiro é o resultado, mediato ou imediato, da pré-compreensão desenvolvida pelo indivíduo acerca da norma constitucional, conduzindo, depois, para o plano institucional (lide), a proposição extratada. Já a técnica científico-espiritual intenta atingir e compreender o sentido de uma norma constitucional na proporção da afinidade do conteúdo semântico com os valores de determinada comunidade. Procura estudar a constituição como elemento que poderá

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ligar a realidade escrita, formal, dogmática ao manancial axiológico de um povo, aos valores tidos e havidos por legítimos pela sociedade. Contudo, nós presenciamos bem mais o mérito na novidade e originalidade que permeiam a técnica científico-espiritual, do que propriamente na importância desta teoria no sentido de oferecer um efetivo contributo à moderna interpretação constitucional, máxime em virtude da vaguidade e do recurso a fontes metajurídicas para a extração de um propósito da norma, muito embora os direitos e garantias fundamentais não expressos na Constituição, mas decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados (§ 1º, art. 5º, CF), possam ser descobertos por meio do emprego da técnica difundida por Smend.

2.2.1. O princípio da máxima efetividade e a técnica hermenêutico-concretizadora Também urdido em bases tópicas, diferenciado, contudo, por não conferir a primazia ao problema, mas sim à norma constitucional, desponta, com singular relevo, a técnica hermenêutico-concretizadora, mais ainda se estiver o aplicador orientado pelo princípio da máxima efetividade. A técnica hermenêutico-concretizadora, propugnada por Konrad Hesse, assinala, num certo sentido, o caráter criativo da interpretação constitucional porquanto o conteúdo da norma interpretada somente se completa mediante o procedimento interpretativo. Porém, não é possível que o intérprete capte o conteúdo da norma se situando fora da existência histórica em que vive e, portanto, a interpretação será sempre idiossincrásica na medida em que agentes externos modelaram o seu convencimento. Por isso, afirma Hesse ser precedente à compreensão do conteúdo da norma

constitucional a "pré-compreensão", fenômeno que possibilita o intérprete contemplar o preceito desde certas expectativas, elaborando, inicialmente, um primeiro projeto carente ainda de comprovação, correção e revisão; projeto que se dirige, por fim, a aclarar a unidade de sentido da norma. A técnica hermenêutico-concretizadora está voltada à consagração - entre as soluções possíveis encontradas para solver o problema normativo - daquele desfecho que mais efetive, melhor concretize a norma constitucional. Eis a relação direta e inafastável do princípio da máxima efetividade e a técnica hermenêutico-concretizadora: o postulado, em virtude da real conexidade que porta com os desígnios do "pai" fundador do Estado, em ordem a tornar a constituição uma realidade viva e transformadora do mundo físico, comanda o uso da técnica de concretização idealizada por Hesse.

2.3. DELIMITAÇÃO CONCEITUAL DA EXPRESSÃO "PRINCÍPIO" Tentar desencobrir a substância do princípio da máxima efetividade, sem que, precedentemente, desvende-se o significado da expressão "princípio", delimitando-a conceitualmente, importa ignorar a amplitude semântica do vocábulo com todas as nocivas conseqüências que advêm no assumir-se postura de tal ordem. "Princípio" é causa primeira, inicial, fundamento mesmo do conhecimento humano. Para atingir o conhecimento, Descartes menciona ser necessário iniciar pela procura dos princípios e estes devem estar associados a duas condições: em primeiro lugar, "(...) que sejam tão claros e evidentes que o espírito humano não possa duvidar de sua

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validade (...)" e, por outro lado "(...) que seja deles que dependa o conhecimento das outras coisas, de sorte que possam ser conhecidas sem elas, mas não reciprocamente elas sem eles". A respeito da expressão, inumeráveis questões podem ser colocadas, mas, por um comando metodológico, ater-nos-emos à tentativa de responder às seguintes perguntas: Em que acepção pode ser entendido o termo "princípio"? Os princípios de interpretação constitucional, mais particularmente o princípio da máxima efetividade, são normas jurídicas? Os princípios de interpretação podem ter a sua importância atribuída pela ciência do direito quando guardarem conexidade com o direito posto. Por exemplo, o princípio da concordância prática é postulado hermenêutico válido e legítimo à interpretação da norma constitucional no evento de remanescerem bens constitucionalmente tutelados em aparente contraposição, já que impõe ao intérprete uma conduta voltada à compatibilização de tais bens e, sem dúvida, esta deve ser a atitude a se adotar quando em face do disposto no art. 5º, XXII ("é garantido o direito de propriedade") e no inciso seguinte, o XXIII ("a propriedade atenderá a sua função social"), pois, sendo certo que a propriedade como direito absoluto foi uma das causas da eversão do constitucionalismo burguês, não se pode dela cogitar sem, de modo inflexível, exigir-se o cumprimento de sua função social. No momento em que o maior clamor ouvido diz respeito à concretização da norma constitucional, o princípio da máxima efetividade não é apenas mais um postulado dentro do plexo principiológico da ciência do direito constitucional. É, para nós, o princípio mais importante na interpretação da constituição, se se quiser visualizar, no mundo físico, os efeitos próprios e esperados pelo constituinte originário quando lançou as bases e o programa da comunidade política. 2.4. IDEOLOGIA, INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL E O PRINCÍPIO DA MÁXIMA EFETIVIDADE Paira como que uma mística em derredor da utilização da ideologia para interpretar a norma jurídica. Sem razão. O direito é um objeto cultural (repita-se para pormos definitivamente em evidência esta característica do direito, cujo desconhecimento pelo operador erige uma barreira incontornável à sua compreensão), porquanto enformado pelo espírito humano. Se assim é, recorrer à ideologia no momento de interpretar a norma constitucional, muito mais do que uma iniciativa "saudável" ou "recomendável" ao aplicador, traduz-se em pressuposto indeclinável no iterinterpretativo.

A desmistificação da importância da ideologia se prende ao fato de que o poder constituinte originário introduziu valores na instância constitucional, como, de resto, também assim fazem os corpos legislativos originários quando da elaboração da lei. Nesse passo, o único modo de colher os valores incluídos no sistema do direito positivo é o recurso à ideologia, porque voltada à valoração do conteúdo axiológico inserido no ordenamento jurídico. Explicando melhor: mediante a ideologia, o aplicador e o operador do direito selecionam os valores que já se encontram na ordenação.

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Contudo, há um limite óbvio para o recurso à ideologia no campo da interpretação da norma constitucional: estar efetivamente o valor em sede constitucional. Atualmente, por exemplo, há um clamor nacional pela solução imediata dos conflitos no campo, conflitos decorrentes da desproporção no que se refere à propriedade de glebas rurais. Indaga-se: pode o aplicador declarar inconstitucional o decreto expropriatório para fins de reforma agrária, com fundamento no art. 5º, XXII ("é garantido o direito de propriedade"), por força de estar "ideologicamente" afinado com os grandes proprietários de latifúndios improdutivos? Claro que não! O bem constitucionalmente tutelado, no caso a propriedade, convive, de mãos dadas, com valor inseparável que é o atendimento à função social (art. 5º, XXIII/XXIV; art. 22, II; art. 170, III; art. 182, § 4º, III; art. 184, §§ 1º/5º e art. 243). Mas, o que une a ideologia ao princípio da máxima efetividade quando da interpretação constitucional? A relevância da digressão que consumamos está exatamente no fato de, muitas vezes, presenciarmos decisões que, amparadas em uma pseudo ideologia, incluem acerca de inviável a imediata operatividade de preceito garantidor de direito fundamental, quando, ao invés, o próprio comando adscrito no § 1º do art. 5º ("As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata") insta o aplicador à incessante busca da solução a conferir o máximo de concretude ao dispositivo constitucional. Assumir postura ideológica é atentar para o valor inserto na suprema ordenação: concretizar a norma constitucional, encargo do qual somente se desincumbirá o aplicador se usar como norte o princípio da máxima efetividade. Eis a relação, enfim, que subsiste entre a ideologia, a interpretação constitucional e o princípio da máxima efetividade: o valor concretização foi introduzido no sistema

constitucional que, entretanto, apenas se efetiva na interpretação constitucional quando o aplicador lança mão do postulado da máxima efetividade. 2.5. O PRINCÍPIO DA MÁXIMA EFETIVIDADE E OS DIREITOS E GARANTIAS INDIVIDUAIS A respeito dos direitos e garantias individuais, o princípio da máxima efetividade não guarda apenas uma correspondência lógica; não porta, tão-somente, uma conexidade de sentido com a sistemática constitucional. Em verdade, a utilização do princípio quando da interpretação constitucional é pressuposto à atividade do intérprete, designadamente à vista do incisivo comando a se extrair do § 1º, art. 5º, mencionado linhas atrás. Sendo assim, qualquer postura do aplicador que não tome por ponto de partida a concretização de garantia fundamental representa, sem dúvida, não apenas um erro crasso para desnudar o conteúdo do preceito constitucional; é um atentado mesmo contra a própria razão ontológica do ente estatal, ente que - diga-se de passagem -, no específico caso do Brasil, tem os seus fundamentos atrelados à consecução da cidadania, da dignidade da pessoa humana e dos valores sociais do trabalho (art. 1º, II, III e IV), dentre outros elevadíssimos propósitos não à toa guindados ao status de

finalidades substanciais do Estado brasileiro.

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Mas, evidentemente, como extenso é o rol dos direitos e garantias individuais descritos no art. 5º da Constituição, não é, aqui, objetivo nosso proceder a divagação quase interminável acerca da utilização do princípio da máxima efetividade ao interpretá-los, o que refugiria à proposta do trabalho. Parece-nos mais interessante - e menos enfadonho ao leitor mesmo - analisar alguns dos direitos e garantias individuais que podem ser melhor concretizados com o recurso ao princípio da máxima efetividade. 2.5.1. Princípio da proteção isonômica De pronto, o caput do art. 5º, per se, já revela oportunidade em que a norma

constitucional poderá alargar o seu espectro mediante a utilização do postulado da efetividade, fato tanto mais significativo quanto se constata ser o preceito o introdutor dos direitos e garantias individuais. Mas, de que forma isso pode acontecer? É de se transcrever, inicialmente, o comando constitucional: "Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes": Entre atônito e perplexo, o intérprete do indigitado comando constitucional, ao examinar os destinatários dos direitos e garantias individuais, atrelado ao processo gramatical de compreensão da norma, se vê acossado diante de uma cruel realidade: assumindo como favorecidos pelas garantias individuais apenas os brasileiros e os estrangeiros residentes no país, teria a Constituição de 1988 alijado o estrangeiro não residente (o turista de outro país, por exemplo), o que corresponderia a uma tácita autorização, permissão insidiosa para que se perpetrasse contra tais pessoas os mais infames e iníquos atentados à sua liberdade, aos seus bens, à sua incolumidade física ou até mesmo à sua vida. Tão reducionista entendimento do art. 5º, caput, se não se compadece com um direito constitucional que, atualmente, vivifica o indivíduo e deslustra toda e qualquer tentativa de sobrepujar garantia individual. É certo que a ordem jurídica não irá tolerar eventuais abusos ou transgressões cometidas contra o indivíduo tão-só em virtude de sua condição de estrangeiro não residente. Contudo, a nosso ver, não há sentido ou necessidade de recurso às normas do direito internacional para preservar-se direito personalíssimo dele, como a liberdade, a incolumidade física, o direito à vida, etc. É inegável reconhecer que, dentre os fundamentos da unidade política nacional, está inscrito a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III) e, além disso, no rol dos objetivos fundamentais do País se encontra a incisiva determinação constituinte no sentido de se construir uma sociedade livre, justa e solidária (art. 3º, I). É de conteúdo marcantemente programático os objetivos fundamentais assinalados nos incisos I/IV do art. 3º. Não obstante, tal fato, por si só, não tem o condão de, remetendo-se o comando constitucional ao plano da mera declaratividade, impossibilitar a extração de efeitos concretos das normas constitucionais com eficácia relativa complementável de princípio programático porque, como apontamos ao final do subitem 1.4., já é crescente a importância que se vem atribuindo às cláusulas de programa, máxime no que toca à constatação de efeitos de real densidade ocasionados por tais comandos.

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Nessa linha de compreensão, guiados pelo princípio da máxima efetividade, trataremos de adotar a interpretação que, a uma só vez, tanto deplora o abjeto entendimento a respeito de não serem destinados ao estrangeiro não residente garantias individuais, quanto realça a relevância de objetivo fundamental do Estado brasileiro. E a solução, retirada do sistema do direito positivo interno, decorre exatamente do comando constitucional programático a acenar para a construção de uma sociedade livre, justa e solidária (art. 3º, I). Ora, que espécie de sociedade solidária é esta que desrespeita garantias mínimas da pessoa humana pelo mero e simples fato de ser estrangeiro sem residência no país? A norma programática não teria eficácia vinculante quanto à atuação dos órgãos do Estado relativamente a tais indivíduos? Como analisamos ao final do subitem 1.4, inspirados pelo princípio da força normativa, há, hoje, de modo claro, um forte pendor da doutrina na direção da vinculatividade dos preceitos programáticos. Dentro desse contexto, surge, de pronto e imediato, a ideia de que, malgrado se não trate de brasileiro ou estrangeiro que resida no país, o estrangeiro não residente é, sem dúvida alguma, destinatário das garantias individuais mencionadas no art. 5º da Constituição, sem que para isso haja necessidade de se recorrer às normas do direito alienígena, porque o programa constitucional se mostra suficiente para exigir-se dos órgãos do Estado postura de acatamento a direitos básicos e personalíssimos daquele, mais ainda se tivermos em conta o fato de o constituinte originário, por alguma razão, um dia, ter inscrito como objetivo fundamental do Brasil a construção de uma sociedade solidária. 2.5.2. O princípio da liberdade de ação O princípio da liberdade de ação, outrossim, é importantíssima garantia individual que também deve ser interpretada tomando-se por norte o postulado da força normativa. Deveras, ao acentuar o art. 5º, II, que "ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei", inegavelmente, o resguardo à esfera de liberdade individual, em grande parte, dependerá do que se entenda por lei. Assim, se se entender por lei toda e qualquer edição de normatividade dos órgãos do Estado, virá à tona a conclusão de que o princípio da liberdade de ação, como consubstanciado no art. 5º, II, pouco vale. No entanto, ao assumir-se como lei norma jurídica editada pelo Poder Legislativo e de acordo com o procedimento estabelecido na Constituição, aí então estaremos alargando consideravelmente a garantia individual e ampliando-a sob a primazia do princípio da máxima efetividade. 2.5.3. A proteção aos atributos da pessoa Outro preceito cujo exame deve ser consumado pondo-se em evidência o princípio da máxima efetividade é o art. 5º, X: "são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito pelo dano material ou moral decorrente de sua violação". Preocupa-nos, com relação ao art. 5º, X, a confusão que se comete entre diversos bens constitucionalmente tutelados no inciso, como fossem apenas uma única garantia, no caso a honra e a imagem das pessoas e, demais disso, particularmente no que tange à imagem, prevalece uma incompreensível timidez dos operadores e aplicadores do direito ao não dimensionarem que a imagem possui duas realidades inconfundíveis: a imagem-retrato e a imagem-atributo.

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O postulado da eficiência empreende o notável papel não apenas de promover a distinção entre honra e imagem, mas também de guarnecer, quanto à última, duas realidades que, conquanto não contrapostas, estão vinculadas à proteção de garantias individuais diversas. A imagem-retrato, a primeira delas, é aquela que pode ser reproduzida em fotografia, assegurando-se, sempre, ao indivíduo, a possibilidade de pleitear judicialmente a reparação face ao indevido uso da imagem, não guardando qualquer identidade com eventual ocorrência de dano à honra da pessoa porque, como explica Luiz Alberto Araújo, honra e imagem não se confundem. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, como se observa no julgamento do RE 95.872-RJ, Rel. Min. Rafael Mayer, tutela o clássico direito à imagem-retrato: "Ementa. Direito à imagem. Fotografia. Publicidade comercial. Indenização. A divulgação da imagem de pessoa, sem o seu consentimento, para fins de publicidade comercial, implica em locupletamento ilícito à custa de outrem, que impõe a reparação do dano". A imagem-atributo, diversamente, decorre da vida em sociedade, já que, no cotidiano dos afazeres de cada qual, quer seja como pai, como cidadão-trabalhador, como líder classista, etc., o indivíduo, à razão direta em que vai ocupando um espaço na comunidade, vai também introduzindo novos caracteres indissociáveis da sua imagem-atributo. Oscar Wilde, no seu clássico romance "O retrato de Dorian Gray", relata a vida de um jovem de rara beleza que, retratado por um pintor, desejoso de conservar a juventude, preferiu que envelhecesse o retrato do que ele próprio. E assim foi. Os anos se passavam, mas a sua indefectível marca não se presenciava no belo rosto de Dorian, cujo verdor da mocidade resistia teimosamente em desaparecer. Não obstante, a imagem que dele tinham as pessoas da sociedade - à exceção de alguns poucos amigos - era a pior possível, em razão da sua reprovável conduta pessoal, afeito que era ele ao uso do ópio e em virtude de escândalos que marcavam a sua vida particular. A fisionomia de Dorian era belíssima; seu caráter, abjeto, hediondo, tanto que terminou por delimitar a sua imagem-atributo. Reforçando mais ainda a nota distintiva entre a imagem-retrato e a imagem-atributo, calcados, sempre, no princípio da máxima efetividade, podemos enunciar, por exemplo, a hipótese de um líder sindical trabalhador, cuja imagem passa a ser divulgada, por veículo de imprensa, como grande aplicador em ações em bolsa de valores. Se é verdade que a honra do sindicalista não fora, em absoluto, atingida - e nem o poderia ser por lícita a atividade empreendida -, não menos é que a sua identificação à figura de aplicador em valores mobiliários atenta contra a sua imagem-atributo paulatina e gradativamente formada ao curso dos longos anos no exercício do munus sindical.

2.5.3.1. O direito à intimidade A garantia individual à intimidade, conquanto prevista também no corpo do art. 5º, X, corresponde a direito fundamental específico, cuja identificação ao direito à imagem - em quaisquer de suas divisões -, à honra ou mesmo à vida privada constitui erro vitando, já que, à luz do princípio da eficiência, torna-se irrecusável o reconhecimento de sua autonomia. Por isso, antes de desvendar a amplitude da garantia à intimidade, é necessário distingui-la de outra com a qual têm os estudiosos, habitualmente, de modo equivocado, feito alguma confusão. Referimo-nos ao direito à vida privada.

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Não são poucos os que se dedicam ao estudo do direito à intimidade e o relacionam à vida privada. É importante observar, contudo (como já fora mencionado ao tratarmos do problema da interpretação jurídica), que o direito, na condição de objeto cultural, tem na linguagem escrita a fonte de onde promanam os comandos normativos destinados à disciplina da conduta dos indivíduos que se encontram sob sua incidência. Reconhece-se que o texto escrito, formal, não conseguirá, jamais, sem a interferência do intérprete, atender à demanda mais elevada que se materializa simplesmente na obtenção da solução mais justa para o caso. Mas é correto intuir que o procedimento interpretativo - mais ainda quando se trata de norma constitucional - não pode fechar os olhos ao limite formal ditado pela norma, pois nesse momento, seria o mesmo que prestigiar as posições voluntaristas dos defensores do direito alternativo - ou aplicação "alternativa" do direito, como queiram -, linha de pensamento iniciada por Adickes, no último quartel do século XIX, com a obra Zur Lehere von den Rechtsquellen ("Para a doutrina das fontes de

direito"), que estranhamente, hoje, é tida e havida como movimento de vanguarda... A interpretação, em síntese, não pode conduzir a caminho que deplore o próprio texto escrito da constituição. Logo, se a Constituição Federal assinala serem invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, nos parece lógico admitir a autonomia de cada garantia individual tratada no art. 5º, X, especialmente se o propósito está voltado à perseguição de um catálogo de garantias fundamentais apto a cumprir a meta desenhada pelo elemento constituinte originário: a defesa da cidadania e do Estado Democrático de Direito. Tratemos, por tais razões, de promover a distinção entre o direito à intimidade e à vida privada. A revolução tecnológica desencadeou o aumento vertiginoso e antes impensável da velocidade da informação. Além disso, aparelhos de escuta telefônica, micro câmeras e gravadores, bem como toda sorte de parafernália vem roubando do indivíduo a garantia de sua intimidade, o direito de estar só, ou the right to be let alone, no dizer dos norte-

americanos. O direito à intimidade expressa a esfera recôndita do indivíduo, assegurada a tutela judicial em face da possibilidade de divulgação. No domínio das relações sociais, há um campo de ação do sujeito cuja conduta é invariavelmente examinada - enaltecida ou reprovada - pela comunidade. Tais atitudes podem ser incluídas no âmbito da vida pública do indivíduo. Noutro campo, bem mais restrito, encontramos o indivíduo-pai, o indivíduo-filho, filha, a esposa, o marido. No contexto das relações de família situaríamos a vida privada.

Não há como identificar, portanto, intimidade e vida privada, quando é certo que a primeira corresponde ao conjunto de informações, hábitos, vícios, segredos, até mesmo desconhecidos do tecido familiar, ao passo que a última está assentada na proteção do que acontece no seio das relações familiares; proteção destinada a que se preserve no anonimato o quanto ali ocorre, exceto na hipótese de ofensa ao interesse público. Por exemplo: ninguém poderá se refugiar na garantia à vida privada para impedir o ingresso no recinto familiar de autoridade policial quando o pai estiver espancando filho menor, mais ainda em razão da ressalva prevista no art. 5º, XI da Constituição e da incisiva determinação do art. 13 da Lei n. 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente).

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Ernest Benda enfatiza que "o direito de privacy, elaborado no direito norte-americano,

compreende o direito à liberdade pessoal ou a permanecer afastado da sociedade ou da observação dos demais, mas, assim mesmo, ao isolamento, ao reconhecimento de uma esfera íntima e própria, à intimidade do lar (muito embora, aqui, promova o Autor certa identificação à vida privada), à reserva dos diferentes âmbitos de existência diante da sociedade. A expressão right to be alone traduz melhor ainda a idéia de que não se precisa de maior justificativa para que se cumpra o desejo de alguém ser deixado em paz". O que se vê, então, é que o direito à intimidade se situa em círculo concêntrico menor ainda que o direito à vida privada. Não obstante saibamos estar a delimitação de tais direitos sujeita a um procedimento casuístico (porque, caso a caso, se examina se a hipótese é de ofensa à esfera íntima ou à da vida privada), é possível, para propósitos didáticos, apresentar o seguinte esboço:

Traçada a linha divisória a respeito da intimidade e da vida privada, compete-nos, agora, interpretar a garantia com respaldo no princípio da força normativa. A esfera íntima não é conhecida - e é bom que se não conheça, para fins de preservação da individualidade - pelos próprios familiares, como na hipótese do conhecido diário de adolescente, hábito tão bem retratado em série de grande sucesso da televisão brasileira. Sob o amparo do princípio da máxima efetividade, torna-se absolutamente vedado aos

pais ou responsáveis, ainda que a pretexto do exercício do pátrio poder, devassar

correspondência, interceptar comunicação telefônica de filho ou criança sob sua guarda,

não apenas em virtude do direito à intimidade, mas também por força do comando do

art. 5º , XII da Constituição c/c art. 17 do Estatuto da Criança e do Adolescente ("O

direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da

criança e do adolescente, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da

autonomia, dos valores, idéias e crenças, dos espaços e objetos pessoais"). E atente-

se, aqui, para a inegável importância prática da controvérsia, quando, não raro, de sorte

a descobrir detalhes sobre a conduta dos adolescentes - impossível, de outro modo,

pois não instalados o diálogo aberto e franco na família - lançam mão pais ou

responsáveis da reprovável devassa de correspondências, diários, ligações telefônicas,

desrespeitando-se, de forma insidiosa, o direito à intimidade da criança e do

adolescente.

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2.5.3.2. Proteção à intimidade e o contrato de trabalho Espraiam-se as garantias fundamentais, outrossim, em todos os domínios do sistema normativo, dado o caráter unitário do ordenamento jurídico. Posicionada a constituição em seu local mais preeminente, é necessário aos que detêm a responsabilidade pela descrição do texto formal - os cientistas do direito -, lastreados na força normativa, buscar o mais alto grau de realização possível dos preceitos constitucionais, aplicando-os indistintamente em todos os "ramos" do direito. Nessa linha de compreensão, visualizamos o direito à intimidade inteiramente aplicável ao contexto da relação contratual individual de trabalho, inexistindo equívoco em localizar topograficamente a matéria dentre as garantias individuais, eis que só pela via de extensão abrange o contrato laboral. E mais do que isso: diante da superioridade econômica do empregador e da subordinação jurídica do empregado, trata-se de garantia individual costumeiramente desrespeitada, o que, a um só tempo, atiça a nossa curiosidade para o estudo do tema e recrudesce a preocupação para os contornos da ofensa dentro do contrato de trabalho. Com efeito, é possível que se opere a transgressão desde o instante no qual o trabalhador se candidate a uma vaga na empresa, e o veículo transgressor bem pode ser o questionário a ele entregue. As perguntas alusivas ao estado de saúde do candidato, por exemplo, não podem obrigá-lo, de modo absoluto, a responder negativa ou afirmativamente, quando não se tratar de doença infecto contagiosa que venha, no futuro, a comprometer a salubridade do meio ambiente de trabalho e a indenidade biológica dos demais trabalhadores. Concernente ainda ao processo de seleção, é comum se dirijam as entrevistas pessoais para o campo da esfera íntima do candidato, tentando o entrevistador, com ardil, descobrir a orientação sexual do entrevistado, opção político-ideológica e tudo o mais que diz respeito à sua intimidade, sem que tais informações guardem correlação lógica com as funções a serem exercidas no estabelecimento empresário. Alice Monteiro de Barros informa, com propriedade, que "no Brasil, o empregador tem

faculdade de escolher a pessoa que deseja contratar, não fazendo uso de agências de colocação. Entretanto, a avaliação prévia da aptidão do candidato torna-se frequente, sendo comum submetê-lo a exames de seleção, que poderão compreender entrevista pessoal, questionário, prova grafológica ou teste psicotécnico, os quais, em geral, consistem em questionamentos sobre o caráter e personalidade do candidato, com o objetivo de aferir não só a aptidão para desenvolver a atividade a contento, mas também as suas características psíquicas, a fim de averiguar se poderão repercutir sobre a regularidade da execução do contrato no futuro. A licitude desses métodos dependerá das cautelas que forem adotadas para não interferir na esfera privada do candidato, além do que for necessário. Logo, nesse sentido, devem ser dirigidas as entrevistas e os questionários. As perguntas formuladas precisam estar diretamente relacionadas com a aptidão profissional exigida para a prestação do trabalho oferecido. O candidato, por sua vez, deverá responder às indagações com sinceridade, agindo ambos em clima de boa fé e respeito. O aspirante ao emprego poderá, entretanto, recusar-se a responder a questões sobre aspecto pessoais, desde que a veracidade da informação não seja de fundamental importância para a execução do serviço. "Aliás, a jurisprudência francesa e alemã admitem até o que o candidato tenha o direito de fazer uma declaração inexata em interrogatórios indiscretos".

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As situações descritas se referem à ofensa à intimidade de um candidato a posto de trabalho, guardam correspondência com o momento prévio de inserção do trabalhador nos quadros da empresa, mas não ficam ai as transgressões; pelo contrário, se "protraem" para alcançar o empregado no curso da relação de emprego. Ninguém duvida que o poder diretivo do empregador é o apanágio mais genuíno do exercício do direito da propriedade da empresa, cumprindo-lhe tudo fazer para viabilizar a sobrevivência da unidade e a concretização dos seus objetivos, propósitos que, de mais a mais, se encontram constitucionalmente positivados como princípios gerais da atividade econômica (art. 170, II e IV); agora, o que nem mesmo o mais extremado defensor do poder diretivo empresarial poderá sustentar é a impossibilidade de adscrição de limites a tal poder, designadamente quando conspurcada garantia individual, como é o caso do direito à intimidade. Sem maiores rodeios, ingressemos no que mais nos interessa no plano prático da discussão. Admita-se a hipótese de fábrica de minúsculos componentes eletrônicos. No caso, não veríamos qualquer desrespeito à esfera íntima do empregado se resolvesse o empregador implantar sistema de vigilância eletrônica dentro da planta industrial e ao longo da jornada de trabalho, o que significa concluir, contrario sensu, que ofende o

direito à intimidade do trabalhador a introdução de câmeras de vídeo em vestiários, refeitórios ou qualquer outra área da empresa destinada à socialização ou congraçamento dos empregados, bem como durante o intervalo intrajornadas, destinado ao repouso e alimentação. Por isso, foi com grande perplexidade que assistimos ao "Jornal Nacional" do dia 19 de fevereiro de 1999, no qual se noticiou que a Universidade de Londres (!) instalara na área comum de descanso dos empregados micro câmeras e microfones, tudo para devassar os diálogos e atitudes dos trabalhadores, e até para descobrir o conceito que gozavam perante eles os superiores hierárquicos. Outro problema que atinge gravemente o trabalhador está vinculado às revistas pessoais, em objetos, veículo ou espaço a si reservado. Quanto às primeiras, simplesmente não conseguimos encontrar razões justificadoras da sua realização quando o empregador utiliza a fiscalização eletrônica. E por quê? Porque em se tratando de interpretação constitucional, de interpretação de preceito

garantidor de liberdade fundamental, resplandece - além do nosso já mais que

conhecido princípio da máxima efetividade - o postulado da proporcionalidade, dirigido

ao encontro da solução interpretativa que menos gravame imponha a garantia individual

e que também possa ser suportada proporcionalmente pelas pessoas atingidas.

Pergunta: se já existe fiscalização eletrônica, há proporcionalidade na revista pessoal,

quando os trabalhadores executam o trabalho sob vigilância? Caso se efetive a revista,

não teríamos encurtada a amplitude do direito à intimidade previsto no art. 5º, X? É

constitucional impor exclusivamente aos trabalhadores os ônus decorrentes da

fiscalização empresarial, submetendo-os, de modo contínuo, às revistas? Não seria

correto buscar a tutela jurisdicional para impor à empresa a obrigação de buscar o

método menos constrangedor possível ao direito à intimidade dos trabalhadores?

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Por partes. E respondendo à primeira indagação, diremos o seguinte: se há fiscalização da planta industrial ou de local qualquer onde se dá a execução do serviço, é com convicção que concluímos a respeito do rigor excessivo da empresa ao determinar as revistas, abrindo-se a possibilidade, destarte, para a rescisão indireta do contrato de trabalho, de iniciativa do empregado, conforme faculta o art. 483, b, CLT, face à desproporcionalidade da

atitude do empregador. Quanto ao segundo questionamento, convém recordar o que dissemos ao iniciar o estudo da garantia individual à intimidade e o contrato de trabalho: todos devem recorrer à interpretação que maior eficácia dê ao direito fundamental. A hipótese, claramente, é de encurtamento da garantia, o que não deve ser admitido, máxime quando se sabe que a submissão do empregado aos ditames empresariais é o retrato da sua subordinação jurídica diante do empregador e da superioridade econômica deste, com todas as consequências que uma relação tão desigual pode acarretar, inclusive no que toca ao excedimento do poder diretivo empresário, como sói ocorrer. De uma certa forma, respondida está a terceira pergunta, se levado em conta o raciocínio empregado para responder as anteriores: não, não está amparado pela norma constitucional a solução que redunde em sacrifício ao direito à intimidade do trabalhador. Cumpre à empresa adotar os procedimentos menos vexatórios e constrangedores, pena de ser compelida judicialmente a tanto. Se a situação empresarial possibilita a implantação de câmeras de vídeo, à luz dos princípios da máxima efetividade e da proporcionalidade, será este o procedimento que, de modo compulsório, deverá ser adotado pela empresa. Com isso, respondemos também à última dúvida suscitada. Por seu turno, o Sindicato dos Empregados, Vendedores e Viajantes do Comércio, Propagandistas Vendedores e Vendedores de Produtos Farmacêuticos do Distrito Federal formulou denúncia segundo a qual empregados(as) das Lojas Americanas estavam sendo submetidos(as) a revista pessoal constrangedora. A norma interna previa que a revista se fizesse mediante sorteio, cuja vistoria consistia em mostrar conteúdo de bolsas; levantar bainha de calça até a altura dos joelhos; abrir o cinto e a calça (!?), bem assim levantar a camisa, razão por que consideramos absurda a norma interna, não legitimando o procedimento a circunstância de a vistoria se operar diante de pessoa do mesmo sexo (só faltava exigir-se à empregada que levantasse a roupa ao seu chefe imediato...), porque, na situação, resta inapelavelmente ofendida a intimidade do empregado.

2.5.3.3. A garantia fundamental à liberdade de informação jornalística e o direito à intimidade O direito à intimidade provoca acesa polêmica igualmente quando contrastado com a garantia fundamental à informação jornalística. O art. 5º, XIV da Constituição estabelece que "é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional", dispositivo adiante complementado na Ordem Social: "Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição. § 1º. Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV. § 2º. É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística."

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Como se vê, a Constituição tratou cuidadosamente do direito à informação jornalística, vedando a censura, assegurando, todavia, seja preservado o direito à intimidade, conforme prevê a parte final do § 1º do art. 220. O conteúdo do direito à informação jornalística, por sua vez, se materializa na crítica e na notícia.

A crítica, por encerrar um juízo de valor, refoge aos limites da nossa preocupação relativamente ao direito à intimidade. Centremos as atenções, então, na notícia. Para Vidal Serrano, "por notícia pode-se entender toda nota, ou anotação, sobre fato ou

pessoa. Em suma, são aqueles fatos cujo conhecimento é necessário para que o indivíduo tenha concreta participação na vida coletiva de determinada sociedade. "Efetivamente, da realidade cotidiana, segundo um sistema de referências próprio de cada comunidade, se extraem fatos que, por variadas razões ingressam no território do interesse do público. Esses fatos, por conceito social, tornam-se notáveis, seja pela sua própria dimensão, seja ainda por advirem de pessoa de notoriedade social, um homem público ou um grande artista". É fácil descobrir que as colisões entre o direito à intimidade e o acesso à informação (que decorrem, com frequência, da má compreensão acerca da largueza de tais garantias individuais) se operam exclusivamente no âmbito dos indivíduos denominados notáveis, aqueles que, em virtude de sua destacada atuação na política, na música, no esporte, nas artes, na literatura, terminam por convergir para si um foco de atenção da comunidade muitas vezes comprometedor da sua própria intimidade, o que não acontece com as pessoas anônimas. Paulo José da Costa Júnior justifica: "É que a civilização da técnica, identificando o

homem com a sua função social, transformando-o em insignificante peça da complexa engrenagem industrial, nele inculca sentimentos de desvalorização. Ele se sente esmagado pelo anonimato, pela diluição de sua individualidade nas grandes concentrações urbanas da era industrial-tecnológica, de sorte que a exposição de sua vida à curiosidade e controle alheios resulta, paradoxalmente, na superação de sua mediocridade: ser espionado é, de algum modo, ser importante. Este sentimento a tal ponto foi difundido e prestigiado pela filosofia tecnológica que, nos tempos vertentes, a vida privada, a solidão, é interpretada como um prazer vicioso, índice de excentricidade, sintoma de marginalização e mediocridade". Exposição pública voluntária ou involuntária, o fato é que os indivíduos famosos, por tal condição, têm o direito à intimidade excessivamente restringido, competindo-nos, aqui, trazer algumas ideias com o intuito de demarcar limites à sede de informação do público sobre essas pessoas, cuja notoriedade não é porta aberta para o desprezo da sua esfera íntima.

Uma reflexão se impõe, de logo: encontram-se, em tema de direito à informação jornalística, em posições diametralmente opostas o interesse do público e o interesse público. Diríamos, inclusive, que a observação do que venha a ser um ou outro é a

resposta às graves controvérsias atinentes ao problema. Há quem diga que o nível de exposição ao qual ficam submetidos os indivíduos famosos determina a legitimidade de restrição do seu espaço íntimo.

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Há quem defenda também o direito de a comunidade acompanhar, passo a passo, as pessoas notáveis, divulgando detalhes de sua vida afetiva, hábitos ou mesmo doenças. Os órgãos de comunicação, a pretexto de viabilizar a garantia fundamental de acesso a informação, não podem embaralhar o que, efetivamente, é interesse público daquilo que corresponde à mera curiosidade. Na aparente contraposição entre o direito à intimidade e o direito à informação jornalística, estamos convictos que a suposta antinomia se resolverá mediante a aplicação do princípio da necessidade, que consiste no exame casuístico a respeito da

efetiva necessidade quanto à divulgação da notícia. A problemática assume contornos de importância prática indiscutível, principalmente quando tivemos oportunidade de presenciar o Presidente dos Estados Unidos, Bill Clinton, sendo acossado pela imprensa do seu País e por opositores políticos, tudo em razão de relacionamento extraconjugal mantido com Monica Lewinsky. Reduzindo-nos à análise da situação dentro de um contexto puramente constitucional - mesmo porque outra não nos seria permitido realizar -, temos por certo que a Presidência dos Estados Unidos é cargo cuja visibilidade e importância ultrapassam os limites territoriais norte-americanos. Ainda assim, examine-se a questão do ponto de vista do eleitor americano. Uma vez tenha optado pelo candidato democrata, fê-lo, em tese, em virtude de especiais qualificações e determinados atributos que admitia existentes nele. Uma vez mais, é importante deixar claro não estarmos, em absoluto, julgando a conduta

de quem quer que seja. Apenas e tão-somente entendemos admissível a propagação

ao conhecimento público de aventura amorosa de expressiva liderança política, não

para fazer que contra ele (a) se insurja a opinião pública, que até poderá não acontecer

(como, a propósito, não ocorreu nos Estados Unidos, posto que o povo já desejava o

término da "novela Lewinsky" o mais rápido possível), mas para integrar ao domínio

público um fato ligado à esfera íntima de personalidade política; fato - diga-se de

passagem - de divulgação necessária face à escolha dos eleitores. Pode mesmo não

haver consequência qualquer na popularidade da liderança política; a garantia

fundamental, contudo, a ser preservada, é o acesso à informação sobre as

circunstâncias do envolvimento, tudo de acordo com o princípio da necessidade.

Contra a publicação da notícia não se pode investir com o direito à intimidade amparado no princípio da força normativa, já que corresponderia a atitude em absoluto descompasso com o interesse público (e não interesse do público), baseado na

necessidade de difundir dados relativos à vida íntima de político, com o propósito maior de instalar um debate legítimo sobre seus atos. Igualmente não socorre a proibição de divulgar fatos da vida íntima de liderança política o postulado da máxima efetividade quando versam sobre enfermidades, curáveis ou não. É que o povo, ao escolher o mandatário, juntamente com o projeto de governo ou de atuação parlamentar, pressupõe o cumprimento integral do mandato, o que poderá ser obstado por doenças oportunistas ou, pior ainda, por males latentes e incuráveis. Por isso, quer durante a campanha eleitoral (e principalmente nela), quer ao longo do exercício do mandato, tem o povo mais protegida ainda a garantia de acesso à informação sobre o estado de saúde daquele que vai dirigir os destinos da unidade política ou representá-lo no parlamento, cabendo, inclusive, a adoção de medidas

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judiciais aptas à defesa do interesse difuso à informação, cujo autor bem pode ser o Ministério Público. Evidentemente, a garantia fundamental concerne ao acesso à informação, tornando-se exorbitante - e portanto ilegítima - qualquer consideração sobre a enfermidade que exponha a personalidade à comiseração pública e ao ridículo, como ocorreu com o Ex-Prefeito da Cidade de São Paulo, Paulo Maluf. Após submeter-se a cirurgia, com extirpação total da próstata por conta de neoplasia maligna (câncer), chegou-se a divulgar que, a partir de então, seria pouco provável tivesse o paciente vida sexual ativa. O princípio da necessidade deplora a afirmação feita e a divulgação da notícia, porque por mais que raciocinemos acerca do assunto, em verdade, não conseguimos descobrir qualquer interesse público justificador da propagação do fato, mas sim interesse do público, mera curiosidade, à qual não podem, jamais, sucumbir os órgãos de imprensa, pena de atuarem na contramão da defesa da cidadania. 2.5.4. A liberdade de informação e os direitos culturais Porque tratamos da liberdade de informação jornalística, confrontando-a com a garantia à intimidade, seria estranho não cuidar também do direito individual disciplinado no art. 5º, XIV, da Constituição: "é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional". E porque, em diversas oportunidades no curso deste trabalho, fizemos referência ao Estado Democrático de Direito, seria inusitado também considerar o direito à informação sem contextualizá-lo com o princípio conformador do sistema constitucional brasileiro. Estado Democrático de Direito traduz escolha do elemento constituinte originário por um modelo de unidade política assentada, em um só lance, na conferência de iguais oportunidades de desenvolvimento aos indivíduos e na melhoria das suas condições materiais de existência, diferentemente do que ocorrera na Constituição de 1969, quando se decidiu consagrar o Estado de Direito - princípio que reconduz às ideias do constitucionalismo clássico, de comprovada incapacidade para solucionar as dificuldades vivenciadas pela sociedade pós-moderna e ainda defendidas, no Brasil, pelos estafetas do neoliberalismo. Conquanto desejem a retirada do Estado - de "fininho" e à revelia da diretriz constitucional - do cenário bem arrumado pela Constituição de 1988, onde se encontram demarcadas, de modo impositivo e incondicional, as áreas de atuação pública, especialmente no que toca à saúde (assunto a ser abordado logo adiante), segurança pública, educação e previdência social, temos por induvidoso que tal somente se dará se o Supremo Tribunal Federal lançar por terra, em definitivo, o seu papel maior de guardião dos princípios constitucionais, atribuição, a propósito, ditada pelo art. 102, caput.

Observa-se, pois, que o princípio do Estado Democrático de Direito comporta duas variantes que, ao se integrarem, terminam por favorecer a liberdade individual e coletiva e por assegurar a todos melhores condições de vida. Malgrado saibamos que o termo democracia se acha semanticamente desgastado,

pretende-se, de início, propor um exame descritivo do acesso à informação instruído pelo entendimento de que, em um Estado democrático, não deve haver limites outros ao direito de informar, se informar e ser informado que os relativos à imagem, honra,

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intimidade e vida privada das pessoas (estudando caso a caso, de acordo com o princípio da necessidade), bem assim aqueloutros atrelados ao interesse público, porquanto a própria norma constitucional faz reserva à concessão de informação por órgão público, conforme a literalidade do art. 5º, XXXIII: "todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado".

Em esforço de imaginação, suponha-se convoque o Presidente da República o Conselho de Defesa Nacional para discutir grave instabilidade ensejadora de decretação de estado de sítio. Por mais que se busque alargar o espectro do direito à informação, é absurdo exigir-se a publicidade do encontro sob amparo do art. 5º, XIV, máxime porque a divulgação do quanto ocorrido bem poderá recrudescer a situação anormal, e nem mesmo a força normativa socorreria o direito de informar. O direito de informação - dissemos - é tripartite: direito de informar, se informar e ser informado. Vidal Serrano expõe que "o direito de informar consiste basicamente na faculdade de

veicular informações, ou, assumindo outra face, no direito a meios para transmitir informações, como verbi gratia, o direito a um horário no rádio ou na televisão. O direito

de se informar consiste na faculdade de o indivíduo buscar as informações desejadas sem qualquer espécie de impedimento ou obstrução. Por fim, o direito de ser informado remete à faculdade de ser mantido integral e corretamente informado". Com base na variação da garantia fundamental consistente no direito de ser informado, há uma questão interessante que gostaríamos de refletir a respeito, designadamente porque guarda relação também com a Ordem Social. É o problema relativo a emissoras de televisão que adquirem, junto aos promotores do evento, o direito exclusivo de transmiti-lo. Nada a declarar acerca do contrato de exclusividade em si. Mas se o acontecimento, por hipótese, estiver relacionado à cultura brasileira, é oponível - lastreando-se na máxima efetividade - a obrigatoriedade de sua transmissão, pois constitui interesse difuso da comunidade ter acesso às fontes da cultura nacional (art. 215), competindo ao Estado garanti-lo, contando, para isso, com o Ministério Público. Buscando o exemplo, mais uma vez, teríamos a hipótese de rede de televisão com exclusividade para transmitir o desfile das Escolas de Samba do Rio de Janeiro, e não fazendo sob o pífio fundamento de manter a programação normal. Se a transmissão por outras redes foi inviabilizada em face da exclusividade, é correto concluir que, para atender ao comando do art. 215 da Constituição, a tanto se tornou obrigado, desde a celebração do contrato, o órgão informador. A esse termo chegamos mediante o imprescindível suprimento fornecido pelo postulado da eficiência. A cultura, na condição de substrato de determinado corpo social, ao ter o seu acesso mencionado como garantia fundamental pela Constituição, enseja, indubitavelmente, o recurso a procedimentos que tornem fruível, em concreto, os direitos culturais, mesmo que se faça mediante controle judicial da execução da transmissão televisiva, não havendo porque se excogitar a respeito de suposta ou velada censura por parte do Poder Judiciário, máxime à vista de, no particular, não remanescer qualquer faculdade da empresa de informação no sentido de transmitir ou não o evento que, pelas suas características, é, em essência, interesse cultural difuso da comunidade. E é bom mesmo que se deixe patente não perseguirmos a adoção de censura prévia

aos órgãos de comunicação - de triste memória e que tantos males ocasionou à

democracia brasileira. Contudo, prestigiando-se o princípio da concordância prática,

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entendemos que os direitos culturais não devem ficar à mercê dos empresários do setor,

aí incluindo-se as rádios AM e FM. É que, quanto às últimas, vimos observando a

execução de músicas tão-só em virtude de espúrios acordos pactuados em cifras

astronômicas, tudo direcionado a fazer com que cantor ou grupo tenham suas

composições tocadas até nausear os ouvintes ou, pela insistência, conduzi-los à loja

mais próxima para a aquisição do compact disc.

Realmente, não é possível aceitar tal estado de coisas, entregando a relevantíssima tarefa da divulgação da música brasileira (inegavelmente também uma das fontes da cultura nacional) aos interesses das empresas fonográficas. Não. É necessário democratizar a programação das rádios, executando estilos musicais que possam, na medida do possível, melhor espelhar o universo musical brasileiro. É esta a diretriz impingida pela Constituição, e é esta que deve ser seguida por todos que detêm a responsabilidade pela divulgação da nossa música. A não ser que pouco caso queiramos fazer dos direitos culturais e da nossa indispensável participação no processo para consolidá-los, precisamente porque cultura não é, mas está sendo. 2.5.5. A garantia fundamental à saúde O direito à saúde é outro cuja concretização, em grande parte, está a depender de uma postura do aplicador e do operador do direito que se não dissocie do princípio da máxima efetividade. O art. 196 da Constituição prevê o seguinte: "A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação". Um dispositivo constitucional com propósitos tão elevados não poderia mesmo ter a sua amplitude e importância recusadas; menos para os arautos do Estado mínimo... Com efeito, é habitual encontrarmos proposições que deploram a auto aplicabilidade do art. 196, fato a reforçar o que, de há muito, vimos afirmando acerca de a ciência do direito político estar, desde Lassalle, passando por verdadeira crise existencial, perturbação de identidade (ver capítulo I). Não bastasse a notória omissão governamental concernente à prestação de serviço de saúde condigno e humano às pessoas que acorrem aos hospitais públicos, negam-se ainda os entes políticos à aquisição de medicamentos sem os quais o paciente não sobreviverá. É o círculo vicioso instalado pelo Estado: não efetiva a denominada medicina preventiva no âmbito público (art. 196), ausência de que se ressente a esmagadora maioria da população e se materializa em inúmeras enfermidades, muitas delas com tratamento de custo elevado, do qual se esquiva o próprio Estado, responsável maior e precípuo garantidor da indenidade dos cidadãos. Portanto, é com tristeza e desconfiança que encaramos a tese segundo a qual o substrato normativo do art. 196 não é suficiente para, per se, impor ao Estado a

aquisição de drogas para combater a terrível doença Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (AIDS), ou para viabilizar o transplante de medula óssea em pacientes portadores de leucemia que não disponham de recursos bastantes, apenas para aventar duas possibilidades em um universo considerável.

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Utiliza-se, em profusão, a tese das cláusulas programáticas, como se delas não pudéssemos nada extrair, como se tivessem elas como única finalidade exortar a consciência dos administradores públicos brasileiros... A norma constitucional dita "programática" é suficiente para impor à Administração uma conduta que não seja dissonante da previsão normativa, servindo também de um manancial teleológico dirigente da sociedade política, não se devendo esquecer, em absoluto, que dentre os fundamentos do Estado brasileiro está incluído a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III). 2.5.6. A garantia individual à inviolabilidade do domicílio Outra garantia individual que pode e deve ser contrastada à luz do postulado da eficiência é a inviolabilidade do domicílio, materializada no art. 5º, XI: "a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial". O primeiro questionamento surge propriamente acerca da amplitude e do objeto mesmo da proteção constitucional. Restringe-se a garantia ao local de convívio familiar do indivíduo, tendo em vista a referência constituinte originária ao termo "casa"? A restrição, com efeito, importa em grave equívoco, ao menos se for prestigiado o princípio da efetividade. É que a expressão "casa" não guarda correspondência ou identidade absoluta com o "lar" da pessoa; transcende, e em muito, o local de ambiência de pais e filhos, avós e netos. Sendo indiscutível que a inviolabilidade do domicílio é uma consequência e prolongamento da liberdade individual, assume-se como "casa" o recinto, particular, no qual a pessoa manifesta a sua liberdade, considerada a garantia sob as suas mais variadas espécies (liberdade de ação profissional, de manifestação artística, de atuação ou participação política, de informação jornalística, etc.). A pretexto de se assegurar a garantia fundamental, não é tão importante assim a delimitação objetiva das "casas" protegidas pela norma constitucional. Bem mais consentâneo à nova dinâmica impressa à interpretação da Constituição pelo princípio da máxima efetividade é, diferentemente, ter por certo que o bem objeto de proteção está, de forma inelutável, destinado a viabilizar, verbi gratia, a liberdade de ação profissional do indivíduo, quer se concretize no interior de escritório de advocacia ou de contabilidade ou em salões de beleza. Pouco importa. Tratando-se de local particular e não público, caberá ao Poder Judiciário decidir, examinando caso a caso (casuisticamente, portanto), se a sede privada de expressão de liberdade individual do sujeito restou ofendida. Se está o associado de determinada agremiação partidária a deliberar em sua sede, defeso se torna o ingresso no recinto fora dos parâmetros fixados pela norma constitucional, porque se é verdade cumprir o partido político função social elevadíssima, não menos é que a sua natureza é de pessoa jurídica de direito privado (§ 2º do art. 17). O Supremo Tribunal Federal, em julgamento de Ação Penal n. 307, em que figurava como Réu o ex-Presidente Fernando Collor de Mello, Rel. Min. Ilmar Galvão, concluiu inaceitável o meio de prova porquanto obtido com violação de domicílio: "Inadmissibilidade, como prova, de laudos de degravação de conversa telefônica e de registros contidos na memória de microcomputador, obtidos por meios ilícitos (art. 5º, LVI, da Constituição Federal); no primeiro caso, por se tratar de gravação realizada por um dos interlocutores, sem conhecimento do outro, havendo a degravação sido feita com inobservância do princípio do contraditório, e utilizada com violação à privacidade alheia (art. 5º, X, da CF); e, no segundo caso por estar-se diante de microcomputador que, além de ter sido apreendido com violação de domicílio, teve a memória nele contida sido degravada ao arrepio da garantia da inviolabilidade da intimidade das pessoas (art. 5º, X e XI, da CF)".

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2.5.7. O princípio do promotor natural Não se poderá deixar à margem do estudo o princípio do promotor natural, consubstanciado no art. 5º, LIII ("ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente"), mais ainda se o que se deseja é a busca de um sentido que maior eficácia dê a direito fundamental. Conceituando-o, diríamos que o princípio do promotor natural é o que impede a designação casuística de membros do Ministério Público para atuar no processo judicial, seja ele de que natureza for. Sendo assim, ressalvando unicamente as hipóteses de impedimento legal, promoção, afastamento para gozo de férias regulamentares ou no caso de força maior (enfermidade), é proibida a modificação da autoridade processante pois bem pode ser que a mudança esteja relacionada a inconfessado motivo de viabilizar absurda condenação ou impedir outra dada como certa face às provas dos autos. A pretexto de viabilizar a garantia fundamental, consideramos as seguintes proibições: impossibilidade de designação de procurador ou promotor ad hoc, exceto em hipóteses

especiais, como nos referimos no parágrafo anterior; b) vedação quanto a avocar processo já distribuído a membro do Ministério Público (que, de mais a mais, é acintoso desrespeito à independência funcional - § 1º do art. 127 da Constituição); c) impossibilidade de atendimento a pleito das partes, por mais ponderosa que seja a razão invocada, no tocante à modificação da ordem de preferência para emissão de opinativos (atingimento também do princípio da impessoalidade - art.37, caput); d) impossibilidade

de nomeação de novo presidente do inquérito civil após a publicação da portaria, exceções feitas às hipóteses já mencionados e também para o caso de arquivamento não deferido pelo Conselho Superior do Ministério Público, quando, então, desde logo, indicará o órgão novo membro para ajuizamento da ação (§ 4º do art. 9º da Lei n. 7.347/85); e) abolição dos procedimentos criminais ex officio. 2.5.8. O princípio do juiz natural Há, outrossim, garantia individual prevista no art. 5º, XXXVII que está sobremaneira vinculada à função judicante: é o princípio do juiz natural.

Com a dicção de que não haverá juízo ou tribunal de exceção, o constituinte originário veda a criação de juízo ou tribunal ex post facto. Seria o caso de, após perpetrado

homicídio causador de enorme repercussão nacional, decidir o legislador brasileiro pela criação de órgão jurisdicional específico para o julgamento do caso. É censurável a iniciativa sob o predomínio do princípio do juiz natural. E mais ainda. À feição do que ocorrera com o promotor natural, é vedada a mudança da lotação do magistrado, mesmo que efetivada dentro da comarca, aqui impelindo para um grau elevado de eficácia não apenas o postulado sob apreciação, mas também o princípio da inamovibilidade, já que, prestigiada sua força normativa, torna-se barreira à investida de quem quer que seja contra o plexo de funções exercidas pelo órgão judicial. A inamovibilidade e o juiz natural, assim, realizados plenamente, constituem óbice à alteração da competência material do magistrado.

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2.5.9. O princípio do administrador natural Mas, o nosso propósito não reside exclusivamente na condução do princípio do juiz natural para um plano real de concretização dentro dos limites do processo judicial. Queremos demonstrar a grandiosidade do princípio no contexto do direito administrativo, de modo mais específico no que diz respeito ao momento no qual o cidadão se vê diante da função administrativa. É o recurso ao postulado da força normativa que revelará a importância do juiz natural, aqui no referente ao processo ou mesmo no procedimento administrativo, com outro nome, entretanto: é o princípio do administrador natural.

Odete Medauar assegura que "(...) a colaboração ou participação no processo

administrativo exerce influência no teor da decisão final. Com isso o administrado conhece melhor a Administração; esta, de seu lado, mediante fatos, provas e argumentos oferecidos pelos sujeitos, detecta melhor as situações e mais se aproxima dos administrados, propiciando abertura nas muralhas administrativas. Os vários pontos de vista, os vários argumentos, as várias interpretações dos fatos expressam a realidade do pluralismo, o que é muito difícil de ser verdadeiramente aceito por autoridades administrativas, apegadas, de regra, à sua própria visão unilateral das situações ou à visão do partido político a que pertencem. Por outro lado, a colaboração dos sujeitos amplia as possibilidades de controle da atividade administrativa, aspecto esse também ligado à democracia". As ideias despertam a atenção para o fato de que a "processualização" do procedimento administrativo está umbilicalmente associada à persecução e "polimento" do conceito de democracia em determinada unidade política. Diremos, por conseguinte, que quanto mais plural for a formação da vontade da unidade política, maior será a exigência de processualização do procedimento e, por igual, maior

será também a aplicabilidade dos princípios de processo, máxime se guindados ao status de garantia individual prevista na Constituição, como ocorre relativamente ao princípio do juiz natural, convertido, aqui, para administrador natural. E mais: a jurisdicização do procedimento administrativo é, nada mais, nada menos, que

o corolário lógico e imediato da efetivação do comando constitucional insculpido no art. 1º ("A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito...") e conduzida a imperativa determinação do constituinte originário para a Administração Pública. Nessa linha de compreensão, se impõe o princípio do administrador natural tanto na eventualidade de um servidor estar submetido ao poder sancionatório da Administração via processo administrativo disciplinar quanto na mera e simples hipótese em que o particular, por exemplo, se dirige ao órgão competente para obter a licença urbanística, a licença para construir. Pouco importa a natureza, seja processo ou procedimento administrativo. A concretização, no caso, do Estado Democrático de Direito se resolve com a obrigatoriedade de reverência ao princípio do administrador natural, cujo desdobramento do art. 5º, XXXVII no altiplano do direito administrativo melhor se dá com recurso ao princípio da máxima efetividade.

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Mas, em síntese, quais seriam as manifestações objetivas do princípio do administrador natural no processo e no procedimento administrativo? Encontramos, fundamentalmente, três delas: a) impossibilidade de designação de outra autoridade administrativa para julgar o processo ou examinar o pedido constante de procedimento que não aquela previamente estabelecida por norma disciplinadora, assim como criação ou lotação de uma unidade administrativa destinada à apreciação de certo pedido ou de dado processo; b) proibição de atuar, em qualquer fase do processo ou do procedimento, administrador impedido ou suspeito (o impedimento e a suspeição do agente público serão ditados pelas mesmas regras tendentes a constatar a presunção relativa e absoluta de parcialidade do magistrado no processo judicial; c) especificamente no que tange às licenças urbanísticas, a apreciação de eventual desrespeito do construtor, quando da execução do obra (saliente-se que, em tais casos, a ação administrativa não se esgota com a concessão da licença, mas ultrapassa o procedimento através dos atos fiscalizatórios de adequação da obra ao quanto promanou daquela), deverá se dar pela mesma autoridade municipal que expediu a licença, pois bem pode ser que a designação de outro agente para fiscalizar tenha por móvel dificultar o andamento da obra por motivos essencialmente políticos. O princípio da máxima efetividade se impõe ainda no evento de concretização de inúmeras outras garantias individuais, mas, por ora, basta a menção a alguns direitos enunciados no art. 5º para pôr-se indiscrepante quão necessário se faz o recurso ao postulado para realizar a Constituição enquanto repositório de regras consagradoras e protetivas da cidadania. 2.6. O PRINCÍPIO DA MÁXIMA EFETIVIDADE E OS DIREITOS SOCIAIS Representaria acesso de ingenuidade intelectual sem tamanho recusar, de forma pueril, o fato de que a inserção das normas impositivas de uma atuação do Estado para melhorar as condições materiais de existência do indivíduo promoveu a derrocada da mistificação do princípio da neutralidade, esculpido à feição do ideário absenteísta burguês. Hoje, diferentemente do que acontecia antes da crise do constitucionalismo clássico, impera, com todo viço, o princípio da não-neutralidade, materializado em comandos constitucionais tendentes a mitigar a desigualdade social, a desproporcional divisão da riqueza de um país. Não é por acaso, então, que os direitos sociais previstos na constituição passaram a ser denominados de "disposições incômodas", principalmente em virtude de incitarem a sociedade política a concretizar o compromisso selado no momento da sua formação. Há, portanto, por assim dizer, uma "má vontade" dos mantenedores dostatus quo no

que toca às normas definidoras dos direitos sociais, muito particularmente quando tais preceitos recebem a designação de "programáticos". Mas, certamente, o fato de a norma portar eficácia relativa complementável de princípio programático, de acordo com a escorreita divisão promovida porMaria Helena Diniz (ver subitem 1.4), não pode e nem deve, jamais, conduzir à absurda ilação de que de tais dispositivos não são extraíveis efeitos concretos, de que se tratariam de normas apenas diretoras da atividade da pessoa estatal, mormente a função legislativa. O princípio da máxima efetividade deplora tal entendimento.

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E ainda mais: é com fundamento no postulado da eficiência que vamos descobrir que a tese das normas programáticas desvestidas de operatividade imediata ou dirigidas exclusivamente ao legislador, com evidência, despreza até mesmo cláusulas constitucionais consideradas intocáveis pelo legislador constituinte originário, como aquelas atinentes ao sistema federativo e à tripartição das funções estatais (art. 60, § 4º, I e III), sendo que tanto mais se agrava a difusão da tese quanto se constata que o enunciado constitucional cuja normatividade é, assim, recusada, é preceito de direito social, preceito materializador do compromisso do órgão constituinte e soberano de dignificar o indivíduo mediante a erradicação da pobreza e redução das desigualdades sociais (art. 3º, III). 2.6.1. Aviso prévio proporcional ao tempo de serviço O art. 7º, XXI, assinala como direito dos trabalhadores urbanos e rurais aviso prévio proporcional ao tempo de serviço, sendo no mínimo de trinta dias, nos termos da lei. À primeira vista, num relance, a conclusão a se extrair é que o benefício assegurado na norma constitucional está inteiramente condicionado à implementação do comando pelo legislador originário. Entretanto, cuida assinalar que a realidade do direito do trabalho - cuja fonte de produção de normatividade não está atrelada exclusivamente ao Estado - leva a considerar a existência de comandos reguladores das relações entre empregado e empregador que não decorrem da função estatal legislativa. Há, assim, um sem-número de preceitos normativos trabalhistas criados pelos próprios atores sociais, no evento de solvido o conflito coletivo de trabalho pela autocomposição (convenções e acordos coletivos) ou pelo tribunal do trabalho, consumando-se a heterocomposição (sentença normativa). No caso, é significativo ressaltar que tanto as convenções, acordos ou sentenças normativas são, com efeito, lei em sentido material. Portanto, tornando-se incontroverso que a supraestatalidade na produção normativa é um dado inafastável do direito do trabalho, seria o caso, aqui, de se examinar se a expressão "nos termos da lei", grafada ao final do art. 7º, XXI, está a condicionar,

sempre, a fruição do benefício somente após o corpo legislativo da União delimitar a amplitude, estabelecer os requisitos ou condicionar o exercício do direito social constitucionalmente assegurado. À luz do princípio da máxima efetividade, dissipa-se a penumbra da dúvida para reconhecer-se que os acordos, convenções ou sentenças normativas que, eventualmente, disciplinarem a garantia prevista no art. 7º, XXI, sendo equivalentes à lei a que aludira o legislador constituinte originário, tornam efetivo e fruível, de imediato, pelo trabalhador, o benefício ali previsto. Outro não foi o entendimento do Tribunal Superior do Trabalho, ao assentar que "O aviso prévio proporcional ao tempo de serviço foi instituído pelo art. 7º, inciso XXI, da Constituição Federal, que fixou em 30 (trinta) dias o limite máximo para a concessão da vantagem. 2. A ausência de legislação ordinária regulamentando a matéria autoriza a Justiça do Trabalho, no exercício de seu poder normativo, a fixar os prazos do aviso prévio, desde que respeitando o limite máximo constitucional" (TST-RO-DC 55.101/92.4 - Ac.SDC 648/93 - Rel. Min. Francisco Fausto - DJU 3.9.93). Todavia, decisões há a invocarem a agastada tese, data venia, da vinculação do benefício à implementação da garantia por via exclusiva do Congresso Nacional, ao

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mencionar-se, por exemplo, que "o dispositivo constitucional que estabeleceu o pagamento do aviso prévio proporcional ao tempo de serviço não é auto aplicável, necessitando de regulamentação. Enquanto isso, prevalece o prazo de trinta dias previsto na lei" (TRT, 3ª R. - RO 8.640/89 - 3ª T - Rel. Juíza Ana Etelvina L. Barbato - DJMG 7.2.92). Segue a mesma linha de entendimento o Supremo Tribunal Federal, tese acolhida por ocasião do julgamento do RE 197.911-PE, Rel. Min. Octavio Galotti: "A segunda ordem de limitações ao poder normativo da Justiça do Trabalho é sugerida pelo exame da cláusula 29ª e concerne às matérias reservadas à lei, pela Constituição, que, no caso, dispõe: `São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social. XXI - aviso prévio proporcional ao tempo de serviço, sendo no mínimo de trinta dias, nos termos da lei'. Diante dessa reserva específica de lei formal, não vemos como pudesse ser o prazo de aviso prévio ampliado, para além dos trinta dias, por decisão judicial, sem que mesmo se torne preciso entrar na indagação, acerca da possibilidade do elastecimento uniforme do lapso, até por lei, para toda a categoria, com abstração do critério da proporcionalidade, a que acena a Constituição (...) Penso, então, que é fonte formal de direito objetivo a decisão proferida pela Justiça do Trabalho, na resolução de dissídio coletivo, autônomo na sua elaboração, porém, somente suscetível de operar no vazio legislativo, como regra subsidiária ou supletiva, subordinada à supremacia da lei". São tais decisões que nos fazem recordar, data venia, a célebre fábula da raposa e da cegonha, de La Fontaine. Assim é que um dia, por estar muito feliz, convidou a raposa a sua comadre cegonha para com ela banquetear-se. Satisfeita com tanta consideração, aceitou a cegonha, de bom grado, o amável convite. Qual não foi, porém, a sua surpresa e indignação, ao verificar que todos os alimentos oferecidos pela raposa eram líquidos e vinham servidos em prato raso e, portanto, por mais que tentasse não conseguiria solver nem um gole sequer em virtude do seu longo bico. A fábula continua e a cegonha, posteriormente dá o troco... Quisemos demonstrar, entretanto, valendo-nos do gênio de La Fontaine, que o banquete dos direitos sociais vem sendo servido em prato raso pelo Poder Judiciário ao cidadão-trabalhador... 2.6.2. Contribuição confederativa Tomemos ainda um preceito de direito social inserto na Constituição de 1988 que vem sendo objeto de controvérsias, no caso o art. 8º, IV ("a assembleia geral fixará a contribuição que, em se tratando de categoria profissional, será descontada em folha, para custeio do sistema confederativo da representação sindical respectiva, independentemente da contribuição prevista em lei"). Alguns, no entanto, refutam a auto aplicabilidade da norma sob exame, com fundamento na tese de que há remissão expressa ao labor do corpo legislativo ordinário para dotar-lhe de inteira operatividade. Subvertendo um conhecido adágio popular e adequando-o à circunstância, temos que a pressa é inimiga da reflexão... Com efeito, o exame do enunciado normativo faz sobressair - quase ato contínuo à leitura - o comando quanto à coexistência da contribuição assistencial fixada pela assembléia geral, além da contribuição prevista em lei.

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Antes da promulgação da Constituição de 1988, a contribuição assistencial assujeitava-se ao atendimento de duas condições fundamentais: a) existência de comando normativo que, de modo expresso, a previsse; b) garantia de possibilidade de oposição do empregado ao referido desconto, no prazo de dez dias. Tais condicionantes desapareceram do texto constitucional muito embora, no referente à possibilidade de opor-se o trabalhador ao desconto, resplandece a salutar orientação jurisprudencial do TST, materializada no PN n. 119. Diz-se ser salutar o procedimento apontado pelo Tribunal Superior do Trabalho, mas, de forma induvidosa, se torna absolutamente indispensável se se quiser interpretar a Constituição em consonância com o princípio da concordância prática (ou da cedência recíproca), porquanto não se pode consagrar a liberdade sindical coletiva e menoscabar a individual, indiscutivelmente comprometida se não se conferir ao laborista a oportunidade para se opor ao desconto assistencial. Enfim, retornando à discussão sobre a eficácia do art. 8º, IV, não há como desdizer o enunciado linguístico-normativo a apontar para a persistência de dois modelos de contribuição: a assistencial, fixada pela assembleia do sindicato e a prevista em lei. No tocante à primeira delas, tão-só a discreta utilização do princípio da máxima efetividade já desnuda toda a sua compostura integralmente operativa. Foi com respaldo no postulado da eficiência que o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE n. 191022-4, de São Paulo, Rel. Min. Ilmar Galvão, confirmou ser norma com eficácia plena o art. 8º, IV, ao concluir que "(...) o texto constitucional sob enfoque, sem fazer qualquer alusão à lei e sem deixar qualquer vazio semântico, de pronto, conferiu competência à assembleia geral dos sindicatos, para fixação da contribuição de que se trata e dispôs sobre sua finalidade, ao destiná-la ao custeio do sistema confederativo da representação sindical respectiva, chegando à minúcia de apontar o desconto em folha como forma de recolhimento". 2.6.3. Salário mínimo Mencionemos mais um exemplo prático. Imagine circunstância em que, determinado empregado, percebendo o salário mínimo estabelecido pela legislação, postula perante a Justiça do Trabalho a fixação de salário superior ao mínimo legalmente fixado. É correto o juiz do trabalho extinguir o processo sem julgamento do mérito, à falta de uma das condições da ação, no caso a possibilidade jurídica do pedido? Pensamos que, ao assim proceder, está cometendo sério equívoco. O pedido é juridicamente possível. Dá-nos convicção o próprio art. 7º, IV, ao acentuar ser direito do trabalhador "salário mínimo fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim". A conatural juridicidade das normas programáticas impõe uma atitude do juiz do trabalho que tenda à obtenção de efeitos concretos e definidos, tornando-a instrumento de transformação da realidade social porque, como aponta Lourival Vilanova, "altera-se o mundo físico mediante o trabalho e a tecnologia, que o potencia em resultados. E altera-

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se o mundo social mediante a linguagem das normas, uma classe da qual é a linguagem das normas do Direito". Quando da interpretação do art. 7º, IV, o juiz, conduzido pelo princípio da máxima efetividade, ao invés de, em acesso cômodo, optar pelo fácil caminho da extinção do processo sem ingresso meritório, deverá (trata-se de um dever e não de uma faculdade), ainda que não requerido pela parte na petição inicial, com fundamento no art. 765, CLT, determinar a produção da respectiva prova pericial que, conquanto não vinculativa da decisão do magistrado (art. 436, CPC), está apta a produzir segurança acerca de fato crucial à tutela jurisdicional do pedido: a possibilidade de o empregador pagar salário superior ao mínimo fixado em lei, não o fazendo, entretanto. Cuida esclarecer, logo, mais uma vez com amparo no princípio da máxima efetividade, que o termo "fixado em lei", grafado no início do art. 7º, IV, não erige uma barreira à tutela da pretensão porque a norma programática sob exame não é dirigida exclusivamente ao legislador. Dirige-se também a ele, na exata medida e na mesma proporção em que se comete o cumprimento do programa aos outros órgãos do Estado, como o Judiciário, aqui representado pelo juiz do trabalho que, inadvertida e comodamente, ao renunciar ao seu papel de instrumento consecutor de um elevadíssimo projeto do ente político, finda por desrespeitar o princípio da tripartição das funções estatais - princípio constitucional com eficácia jurídica absoluta, conforme prevê o art. 60, § 4º, III. Nesse contexto é que afirmamos ser a negação da operatividade imediata das cláusulas programáticas ofuscantemente atentatória ao princípio das funções estatais, atendo-nos à força normativa da Constituição de 1988, posta em evidência pelo princípio da máxima efetividade. Entretanto, a tese da eterna reverência do programa do Estado ou concretização, no caso, do projeto social quando do advento de lei ordinária integrativa de eficácia ao dispositivo programático, de mais a mais, relega ao oblívio o sistema federativo, princípio, de igual modo, tido por intocável pelo constituinte originário (art. 60, § 4º, I). De que forma? Se somente o legislador futuro pode concretizar o comando do art. 7º, IV, e sendo certo que compete privativamente à União legislar sobre direito do trabalho (art. 22,I), veda-se, assim, a efetivação do programa social pelos Estados e Municípios, o que fere a peculiar federação brasileira, já que somente seria implementável o plexo de metas pelo legislador futuro compete que, no caso, é o corpo legislativo da União. Portanto, é o princípio da máxima efetividade indicador de que a tese das cláusulas programáticas dirigidas tão-somente ao legislador futuro empreende a incrível façanha de atentar, a um só tempo, contra dois princípios constitucionais fundamentais e imutáveis: o sistema federativo e a separação dos poderes. Uma última consideração cabe, ainda, no que toca às cláusulas programáticas de direito social e o princípio da máxima efetividade. É que, com relação a tais cláusulas, absolutamente defeso se torna ao legislador constituinte de competência derivada retirar garantia inserida na constituição, mesmo que esteja incluída no plexo de metas, no conjunto de objetivos a serem atingidos pelo Estado, mesmo que, possam, com rigor técnico, ser denominadas de cláusulas programáticas.

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Tal entendimento decorre da constatação de que as normas programáticas de compostura social foram resultado da conformação de um valor jurídico empreendida pelo poder constituinte originário, já, nesta ocasião, manifestando, concretamente, o seu caráter autônomo. Ora, se se permite ao legislador constituinte com competência para a reforma da constituição ("criatura" do fundador do Estado) a possibilidade de julgar acerca da conveniência ou não da estadia de tais disposições em sede constitucional, estaremos a conferir considerável parcela de poder constituinte originário àquele que, por sua própria natureza, não o detém, e, além disso, ainda sob o império da força normativa da constituição, sendo indiscutível que os preceitos de direito social denotam a celebração de compromisso, em nível constitucional, por melhores condições de existência, que espécie de pacto compromissório é este que pode ser rescindido por quem não o celebrou? Sobre mais, efetivado um mínimo em termos de garantia social, mesmo em se tratando

de um programa, aliando-se ao princípio da máxima efetividade, resplandece o princípio

de proibição de retrocesso social, impediente de iniciativa de qualquer órgão do Estado

no sentido de expungir do ordenamento constitucional o elemento sócio ideológico e,

por conseguinte, com convicção, podemos concluir que as normas constitucionais de

direito social - imediatamente operativas ou programáticas - portam eficácia jurídica

absoluta.

2.7. O POSTULADO DA FORÇA NORMATIVA E OS DIREITOS POLÍTICOS Antes mesmo de empreendermos o exame do princípio da eficiência e os direitos políticos, cumpre deixar registrado que a explosão demográfica, muito mais do que simplesmente promover a mudança de hábitos na sociedade pós-moderna, importou em radical transformação na forma admitida para influir o indivíduo na comunidade política, tornando-se, de fato, inviável a sua interferência direta para elaborar leis reguladoras de sua própria conduta. Desde então, outra não é a tentativa das constituições que efetivarem um modelo de participação política tendente a mitigar os desastrosos efeitos do insubstituível, hoje, sistema representativo, surgindo, a partir daí, os denominados instrumentos de democracia semidireta, materializados, na Constituição de 1988, no plebiscito, no referendo e na iniciativa legislativa popular (art. 14, I/III). São instrumentos importantíssimos para auscultar as aspirações da comunidade e, por vezes, verdadeiramente imprescindíveis à mudança da norma constitucional. À luz do princípio da máxima efetividade, devem os órgãos estatais encarregados de editar normatividade recorrer ao plebiscito e ao referendo, tudo de sorte a alargar o consenso em torno da espécie normativa. O plebiscito configura instrumento de democracia semidireta cuja adoção se dá antes do início do processo legislativo que produzirá a norma. O alargamento da consensualidade em torno de uma espécie normativa mediante o recurso ao plebiscito não pode, entretanto, chegar à absurda situação de viabilizar o rompimento com o padrão constitucional.

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Por exemplo: eventualmente surgem propostas no Congresso Nacional direcionadas à fixação da pena de morte no âmbito do direito punitivo interno, agora acompanhadas da consulta popular mediante plebiscito. Conquanto já tenhamos admitido o procedimento, após reflexão sobre o tema, nos parece inviável a proposição. E por quê? Simplesmente em virtude de o art. 60, § 4º, IV acenar para a impossibilidade de discussão no âmbito das Casas Legislativas de qualquer proposta que persiga a extinção de garantia individual. Ora, tratando-se de cláusula constitucional de intocabilidade, nem mesmo via plebiscito é consentida a alteração porque, uma vez realizada, a hipótese, tecnicamente, não é de mudança, mas sim de ruptura institucional, não servindo ao caso a alegação de que o sistema constitucional agasalha a pena de morte no art. 5º, XLVII, a, máxime se for observado

que o constituinte dita a possibilidade diante de circunstância especialíssima, na qual, inclusive, se encontra em perigo a própria sobrevivência do Estado. Demais disso, se permitir-se que, mediante plebiscito, inclua-se a pena capital, abre-se sério precedente à derrocada de todo o plexo de garantias fundamentais e, de resto, de todas as cláusulas constitucionais intocáveis, como a forma federativa de Estado; o voto direto, secreto, universal e periódico e a separação dos Poderes, além de inadmissível ofensa ao Pacto de San José da Costa Rica (Convenção Interamericana dos Direitos Humanos), cujo art. 4º proíbe a edição de norma penal instituidora da pena de morte no âmbito dos países que ainda não a adotaram, como é o caso do Brasil, que subscreveu e ratificou o Pacto, tornando-o, por força do disposto no § 2º do art. 5º, proibição inserida no ordenamento brasileiro. Concluindo: ainda que à luz do princípio da máxima efetividade, o recurso ao plebiscito porta limitações ditadas pela Constituição de 1988 e dizem respeito à própria sobrevivência do modelo de Estado desenhado pelo constituinte originário. O referendo, de modo diverso, resulta de consulta popular efetivada posteriormente à elaboração legislativa. Bem pode ser que o conteúdo polêmico de determinada lei, por prudência, leve o legislador à tentativa de obtenção de certa consensualidade em torno da norma mediante referendo. Interessante questão diz respeito à possibilidade de, uma vez não previsto na lei, venha o Congresso Nacional a admiti-lo via distinta norma. Parece-nos inexistir, para tanto, qualquer impedimento de ordem constitucional; pelo contrário, uma linha de interpretação da Constituição vinculada à extração do máximo em termos de efetividade dos direitos fundamentais antes comanda uma tal postura. Dos instrumentos de democracia semidireta, é, no entanto, a iniciativa legislativa popular aquele mais apto à preservação da vontade do povo, mais ainda se constatado ser a única modalidade dependente apenas do desígnio do cidadão. É indiscutível o caráter não-vinculativo da manifestação de vontade, mas é correto afirmar ser muito pouco provável a rejeição, pelas Casas Legislativas, de projeto de lei subscrito por um número expressivo de cidadãos brasileiros. Algumas considerações devem ser feitas relativamente à amplitude da iniciativa legislativa popular, cuja base constitucional é o § 2º do art. 61: "A iniciativa popular pode ser exercida pela apresentação à Câmara dos Deputados de projeto de lei subscrito por, no mínimo, um por cento do eleitorado nacional, distribuído pelo menos por cinco Estados, com não menos de três décimos por cento dos eleitores de cada um deles". O comando constitucional alude à possibilidade de iniciativa popular relativamente a projeto de lei. E proposta de emenda constitucional? Já se disse que para uma questão complexa, há sempre uma resposta simples - que invariavelmente está errada...

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Com convicção, não é o processo gramatical o mais adequado ao exame do § 2º do art. 61; deve, sim, ser contextualizado dentro do sistema constitucional. Entendemos que o mero e simples fato de a Constituição não ter, de modo expresso, mencionado a faculdade do cidadão quanto à iniciativa de alteração da norma constitucional não obsta, com efeito, o procedimento. De logo, tome-se por certo que Estado Democrático de Direito não é expressão

recheada de declaratividade, como nos inclinamos a acreditar, aqui e ali. É forma da

unidade política nacional, que juntamente com os princípios fundamentais, dentre eles

o pluralismo político (art. 1º, V), comanda uma interpretação da norma constitucional, à

luz da força normativa do seu conteúdo, direcionada à efetivação da democracia

participativa, e não simplesmente da democracia representativa, hoje em declínio nas

constituições contemporâneas.

A sociedade pós-moderna, plena em conflitos, contradições e desigualdades de toda ordem, busca incessantemente a conferência de legitimação ao Estado, sem o que o modelo escolhido não subsiste. Portanto, muito mais do que uma conquista de setores progressistas, os instrumentos de democracia participativa funcionam como verdadeira "válvula de escape", admitindo a condução de interesses populares para os planos legislativo, executivo e judiciário, já que, como veremos mais adiante, há desdobramentos da participação do indivíduo não limitados ao altiplano dos direitos políticos. Contudo, a causa da introdução dos institutos de democracia participativa ou as suas consequências no meio social é tema para ser objeto de divagação da sociologia jurídica. Aqui, importa desvendar as seguintes questões: como o pluralismo político e a democracia participativa vinculam a legitimidade dos cidadãos para a iniciativa legislativa no tocante à modificação da norma constitucional? Qual a importância do princípio da máxima efetividade para admitir tal iniciativa? A Constituição de 1988 aponta como um dos fundamentos do Estado brasileiro o pluralismo político (art. 1º, V). E, sem dúvida, a inclusão do postulado pluralista dentre os pilares da comunidade política nacional está determinada pela constatação de que Estado e Sociedade correspondem, atualmente, a fenômenos diferenciados. Dessa diferenciação, de modo necessário, decorre a compulsoriedade de o sistema político prever a existência de órgãos que funcionem como intermediários entre as aspirações da sociedade e o ente estatal. Obviamente, dentro de um contexto de comunidade marcada por múltiplas tendências políticas, seria desarrazoado imaginar a concepção de um modelo de democracia participativa sem viabilizar a liberdade para a formação de agremiações partidárias e, por isso, não à toa, o art. 17 da Constituição estabelece que "é livre a criação, fusão, incorporação e extinção de partidos políticos, resguardados a soberania nacional, o regime democrático, o pluripartidarismo, os direitos fundamentais da pessoa humana (...)". O pluripartidarismo, todavia, não é o único instrumento destinado a concretizar o pluralismo político, mas tão-só um dos expedientes postos à disposição do Estado, que é - frise-se - "democrático" e "de direito", direcionado ao alargamento da participação do indivíduo nas decisões do ente político. A outra forma de concretização do ideal pluralista é a conferência de ampla legitimidade para a iniciativa popular, compreendendo não apenas o início do processo de elaboração da lei ordinária, mas também da norma constitucional. Se é a própria

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Constituição o repositório da democracia participativa e do pluralismo político, nada mais lógico, conveniente mesmo, do que a possibilidade de se ampliar o máximo a iniciativa popular, aumentando consideravelmente a consensualidade em torno da alteração constitucional, legitimando cada vez mais a Constituição e, pela via reflexa, elevando o nível de realizibilidade do projeto estatal, porque ali onde houver marcante participação do povo, haverá, com toda certeza, uma maior fiscalização e exigência quanto a obedecer-se a normatividade cuja gênese está atrelada aos desígnios das camadas populares. A importância do postulado da máxima efetividade reside precisamente na ideia da ampliação da legitimidade do cidadão, abrangendo também o início do processo legislativo das emendas constitucionais, malgrado a literalidade do § 2º do art. 61. 2.7.1. Desdobramentos do princípio da democracia participativa e o postulado da eficiência Discorremos, linhas atrás, sobre o princípio da democracia participativa, extraindo dele o máximo, sob a égide do postulado concretizador, sem, contudo, examinar a sua aplicabilidade para fora do sistema dos direitos políticos. O princípio da máxima efetividade, além de determinar impositivamente a efetivação da democracia participativa dentro do universo da atuação política, traz, por igual, relevantíssimos efeitos no tocante ao desenvolvimento da atividade administrativa e da função jurisdicional. É inconteste que a Administração, de modo específico a Administração Direta ou Centralizada, como querem alguns, materializada nos agentes políticos (Presidente da República, Governadores e Prefeitos), não detém a faculdade de optar pela realização do programa constitucional. A rigor, são os governos que se submetem aos comandos constitucionais, e não o caminho inverso. Sendo desta forma, parece-nos que os desvios de atuação do Chefe do Poder Executivo, no que diz respeito às diretrizes assinaladas no Texto Constitucional, assujeitam-se, sim, à fiscalização abstrata da constitucionalidade, com amparo no princípio da democracia participativa, pouco importando, aqui, não tenha o cidadão legitimidade para a propositura da ação direta (art. 103, I/IX), já que, evidentemente, a iniciativa de quaisquer das pessoas ou órgãos mencionados nos incisos do art. 103 no sentido de conduzir o problema ao Supremo Tribunal Federal é instrumento destinado a fazer prevalecer a vontade de constituição. Ultimamente, por exemplo, muito se tem discutido acerca das desastrosas conseqüências da globalização da economia (leia-se: interferência insidiosa do capital errante e especulativo no sistema financeiro nacional) no plano da realidade doméstica brasileira. À feição do que aconteceu com o México, os "ex-tigres" asiáticos e com a Rússia - países que seguiram à risca as "recomendações" do denominado Consenso de Washington - a atmosfera de desconfiança dos investidores internacionais, no que se refere aos títulos brasileiros, conduziu a grave crise econômica, cujos efeitos poderão, inclusive, atingir a América Latina e a economia mundial mesmo. Diante de tal hipótese, a Constituição não defere ao Governo a liberdade ampla para ditar o momento no qual as medidas necessárias à estabilização da economia devam ser implementadas.

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O art. 172 estabelece que "a lei disciplinará, com base no interesse nacional, os investimentos de capital estrangeiro, incentivará os reinvestimentos e regulará a remessa de lucros", além de o art. 192 impor comando quanto ao fato de o sistema financeiro ter de reverenciar os interesses da coletividade nacional. Um fato de real significado salta aos olhos: não houve e não há regulamentação eficaz quanto à forma como o capital especulativo chega aos nossos domínios, obtém proveito e se retira, sem cerimônia. A Constituição não é xenófoba, mas claramente impõe limites à expansão do capital estrangeiro em nossa economia e, em verdade, se respeitados tivessem sido os princípios constitucionais referentes à ordem econômica, dúvida não existiria de que, hoje, dependeríamos muito menos dos recursos externos errantes. O atendimento dos interesses nacionais está na razão inversa do recrudescimento à dependência do capital externo. Como desdobramento do princípio da democracia participativa, concretizado pelo postulado da eficiência, temos que, no caso, torna-se indeclinável a redefinição dos rumos que vêm sendo traçados pelo atual Governo, ainda que seja mediante o controle judicial dos seus atos relativos à política econômica e ofensivos à norma constitucional; controle que - diga-se de passagem - bem poderia ter por protagonista o Procurador-Geral da República, missão para a qual tem se omitido imperdoavelmente. Outro desdobramento importantíssimo da democracia participativa guarda íntima relação com a atuação judicial. Inicialmente, é correto dizer que a efetividade do processo representa largo passo dado pelo sistema normativo no caminho da realização do próprio desiderato cometido ao instrumento processual de funcionar como meio apto e eficaz à solução da litigiosidade. A transformação do processo em algo mais efetivo, entretanto, se desacompanhada de iniciativas outras tendentes a equacionar o real e grave problema do acesso à Justiça,

é de pouca valia. É válido trazer a experiência norte-americana para solucionar o problema do acesso à Justiça por parte da população carente. Assim é que fundado na observação de as pessoas residentes em locais mais distantes dos escritórios de advocacia e dos tribunais assumirem muito maior resistência em conduzir seu reclamo a juízo, decidiu o Governo dos Estados Unidos alterar sensivelmente o sistema assistencialista judiciário, que passou a contratar advogados com escritórios nos bairros mais pobres das grandes cidades, "(...) seguindo uma estratégia advocatícia orientada para os problemas jurídicos dos pobres enquanto problemas de classe, uma estratégia privilegiando as ações coletivas, a criação de novas correntes jurisprudenciais sobre problemas recorrentes das classes populares, e finalmente, a transformação ou reforma do direito substantivo". Não seria o caso de, transformando-o em panaceia, acreditar que, em um belo dia de sol, se abririam aos miseráveis os portões do paraíso, transpondo, de modo acrítico, o modelo norte-americano para a multifacetada realidade brasileira. Não. O exemplo ianque é útil na medida do que revela em termos de solução ou lenitivo encontrados por uma sociedade de massa para resolver problemas jurídicos cada vez mais massificados.

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Será de uma estupidez sem tamanho desenvolver todo um modelo de processo efetivo e coisas que tais, garantindo-se tutela antecipada, procedimento monitório, juizados especiais, etc., etc., se não há quem queira deduzir pretensão alguma em juízo! Mas as medidas destinadas a "abrir" o Poder Judiciário à coletividade não se restringem

ao campo das políticas governamentais. Com evidência, a chave que destranca a

passagem é, sobretudo, a formação do magistrado; formação, hoje, voltada à

conscientização do papel político desempenhado pelo aplicador do direito. E quando se

menciona "papel político", é importante deixar bastante claro qual a amplitude ou

natureza da sua atuação política.

Para compreender a relevância da participação política do juiz, cumpre observar fenômeno interessante que ocorreu no momento da consolidação do Estado de Direito Social - substitutivo do modelo liberal-individualista das sociedades políticas predominantes até início do século XX: a coletivização dos direitos, o prestígio conferido aos direitos sociais como forma de obstar o ímpeto de movimentos sociais à feição da Revolução Russa de 1917, não foi acompanhada da respectiva coletivização do processo. Convivia-se dentro de um contexto absolutamente antagônico entre o direito material, corporificado em prestações positivas do Estado, e o processo, ainda atrelado, tão-só, ao velho paradigma da solução de conflitos individuais. Era urgente a revisão do sistema processual em ordem a viabilizar a tutela jurisdicional dos denominados interesses transindividuais. No Brasil, alteração legislativa digna de destaque foi a Lei n. 4.717/65 (Lei da Ação Popular), que passou a admitir a tutela de direitos não adstritos à órbita individual. Se uma adequada formação do juiz já se traduzia em fato indeclinável ao mister de julgar, por maior razão ainda se tornara imprescindível a sua sensibilidade metajurídica após a edição de outro texto de inegável importância: a Lei n. 7.347/85. E por quê? Basicamente em virtude de a ação civil pública (instrumento processual criado pela lei) ter promovido a "abertura" do Poder Judiciário à discussão sobre interesses sociais relevantíssimos. O magistrado, portanto, não é mais mero espectador dos conflitos transindividuais institucionalizados pelos sujeitos parciais da lide porque, não raro, como indivíduo comum, na condição de consumidor, etc., vivencia, na sua realidade existencial, muitas vezes, o problema normativo sobre o qual versa o coletivo. A atuação política do juiz está inserida na intensa conflitualidade (conflittulità massima, no dizer dos italianos) dos interesses difusos postos à sua consideração. Se determinada empresa polui manancial ecológico, no momento de prolatar a sentença o juiz estará decidindo acerca de interesses sociais importantíssimos. Se, na decisão, impede a continuidade do objeto empresarial por força da emissão de poluentes, resguardará o meio ambiente, tido e havido como bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida (art. 225 da Constituição), mas, em contrapartida, haverá reflexos na economia da localidade: extinção dos contratos de trabalho dos empregados da indústria, recrudescendo o já incontrolável nível de desemprego; decréscimo da receita tributária; diminuição dos serviços públicos ou da sua qualidade, e assim por diante.

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A intensa conflitualidade não deve, de forma alguma, levar o julgador à indecisão, ao non liquet - vedado que é pelo ordenamento brasileiro (art. 126 do CPC) -, mesmo

que se viesse a objetar que a atuação judicial terminou por extinguir direitos sociais trabalhistas dos empregados da fábrica, atentando, ainda, contra norma programática incluída na Ordem Econômica e Financeira, no caso a busca do pleno emprego (art.

170, VIII). A força normativa, uma vez mais, dá segurança ao aplicador para ultrapassar o movediço terreno da interpretação constitucional, certo que não se poderá cogitar de sobrevivência de unidade empresarial ali onde reside permanente desrespeito à função social da propriedade. A propósito, impedindo a continuidade do ciclo produtivo e da emissão de poluentes, nada mais fez o magistrado que impelir para um grau máximo de realização o disposto no art. 5º, XXIII. Como se vê, a crescente utilização do processo como sede apropriada ao debate de temas de relevo para comunidade é o que se convenciona chamar de politização do Judiciário. O princípio da democracia participativa resplandece com invulgar destaque no contexto da politização da função jurisdicional na medida em que impõe ao aplicador do direito o alargamento da legitimidade do cidadão, de órgãos públicos e privados para a propositura de ações cujo objeto se volta à preservação de interesses metaindividuais. O amplo acesso ao Poder Judiciário é desejo de todos; entretanto, a concretização deste ideal de sistema jurídico somente se dará a partir do instante em que, de modo definitivo, for consolidada a posição da ação civil pública como instrumento processual de defesa da coletividade, mesmo porque a atomização da conflitualidade abarrota os tribunais, o que, de resto, impede o acesso até eles pelo cidadão. Fazer do processo um esteio da cidadania é outorgar ampla legitimidade às pessoas jurídicas para a defesa de interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos, o que se tornará viável mediante o recurso ao postulado da democracia participativa que, por sua vez, não deve ser circunscrito à seara dos direitos políticos, visto que o princípio da máxima efetividade determina o seu desdobramento, abrangendo o processo, além da possibilidade do controle judicial dos atos de governo. 2.8. A FORÇA NORMATIVA E O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE No nosso sistema constitucional, o controle da compatibilidade vertical das leis e atos do poder público com a Constituição ora se opera de forma concentrada, pela via de ação, mediante a propositura de ação direta de inconstitucionalidade cuja legitimação está adstrita às pessoas e entes nomeados no art. 103, I/IX, visando expungir do ordenamento a lei em tese, retirando todos os indivíduos à submissão do preceito declarado inconstitucional ao se emitir provimento judicial com efeitos erga omnes; ora

o referido controle se dá em um determinado processo, quando o sujeito parcial da lide insta o órgão jurisdicional, incidentalmente, à solução da controvérsia constitucional, mediante a via de exceção ou de defesa, limitados, sempre, em tal hipótese, os efeitos da declaração de inconstitucionalidade às partes envolvidas na demanda (efeitos inter partes).

É exatamente no plano do controle de constitucionalidade difuso, em que se realça a participação do autor ou do réu na obtenção do provimento judicial declaratório da colidência na norma ou do ato estatal com a Constituição, é precisamente em tais situações que surge um problema de real densidade para o aplicador (juiz): é possível

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o magistrado, de ofício, ou seja, sem provocação das partes, manifestar-se acerca da inconstitucionalidade, declarando-a ulteriormente? Logo brota, de um jato, envolvente tese a respeito da impossibilidade de o juiz, diante de tal circunstância, atuar infenso ao princípio dispositivo (nemo judex sine actore): se

o controle difuso da constitucionalidade está associado à via de exceção ou de defesa, o próprio nome a que se atribui à via é um dado eloquente quanto à proibição do órgão se manifestar independentemente de provocação do interessado. Posto em relevo o princípio da máxima efetividade, num átimo se descortina a impropriedade do restritivo entendimento porque, se os tribunais são, a seu modo e dentro do marco da sua competência, aqueles que com mais ímpeto devem assumir a defesa da constituição, não é provável que para exercer dita função estejam atrelados ao pedido da parte, particularmente em razão do princípio jura novit curia - instrumento

idôneo à deflagração do controle, de ofício, da constitucionalidade pelo juiz, à conta de as questões constitucionais serem questões jurídicas. Assim, o art. 128 do Código de Processo Civil ("o juiz decidirá a lide nos limites em que foi proposta, sendo-lhe defeso conhecer de questões, não suscitadas, a cujo respeito a lei exige a iniciativa da parte") é inoponível ao magistrado para impedir-lhe a declaração de inconstitucionalidade, de ofício, de lei ou ato do poder público, eis que essa dependência do juiz não se refere à matéria de direito. Além do mais, em raciocínio eminentemente lógico, temos que se é dado à autoridade jurisdicional se manifestar, de ofício, acerca de nulidade de compostura absoluta, por maior razão é-lhe autorizado decidir, sem provocação da parte, se uma lei ou determinado ato normativo estão ou não consentâneos com o que prevê a norma constitucional. 2.9. INSTRUMENTOS DE GARANTIA DE DIREITOS E CONCRETIZAÇÃO CONSTITUCIONAL Em decorrência do perfil marcantemente programático da Constituição de Filadélfia de 1787, a Suprema Corte norte-americana, ante a falta de dispositivo constitucional que dispusesse expressamente sobre a competência dos entes políticos para impor exações tributárias e a porção das respectivas receitas que a cada um caberia, resolveu a intrincada controvérsia mediante a teoria dos poderes implícitos, solução que

surpreendeu - e surpreende ainda - pela sua simplicidade. De acordo com o entendimento consolidado pela jurisprudência da mais alta Corte dos Estados Unidos, se a Constituição impôs obrigações, em maior e menor grau, aos entes que compõem a Federação ianque, nada mais lógico do que admitir ter o constituinte originário, de modo implícito, garantido a cada Estado - membro e ao órgão central, na razão direta dos ônus atribuídos, igualmente poderes destinados à arrecadação de receita para cumprir os elevados misteres no tocante à prestação de serviços de segurança, previdência social, educação, saúde, lazer, e tudo o mais que o Estado deva fazer para justificar a sua própria existência. Inegavelmente, se estudarmos os textos constitucionais contemporâneos, será fácil concluir que o responsável pela sua elaboração tratou de criar um sistema meticuloso e complexo de competências tributárias, a fim de não deixar o comprometedor espaço vazio (que pode instilar a insídia entre as unidades parciais e a União), como fez o constituinte brasileiro, ao introduzir na distribuição de competências a enumeração de poderes do órgão central (arts. 21 e 22); poderes remanescentes aos Estados_membros (§ 1º, art. 25) e definidos aos Municípios (art. 30) - que integram, malgrado a discussão,

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o específico e peculiar sistema federativo nacional -, possibilitando a delegação (parágrafo único do art. 22), além de fixar competências comuns e concorrentes (§§ 2º e 3º, art. 24 e art. 30, II), diferenciando-se umas das outras na medida em que as primeiras são de natureza administrativa, ao passo que as últimas têm por mira circunscrever a autonomia legislativa de cada qual. Por tais razões, a teoria dos poderes implícitos, no referente à disciplina constitucional dos tributos, perdeu significativa importância dentro do contexto das constituições editadas a partir do início do século XX, à vista da menção expressa dos poderes de cada Estado_membro e da União para impor espécies tributárias e auferir a receita. Mas, dentro da teoria geral da constituição, recende, cada vez mais, a autoridade da teoria dos poderes implícitos. É que a constituição, como estatuto jurídico do fenômeno político - no dizer de Canotilho -, representando o texto inaugural da sociedade política,

vai, a cada instante, demarcando limites, impondo obrigações, outorgando garantias, tornando-se, por isso, de autêntica valia o recurso à teoria engendrada pela jurisprudência norte-americana para extrair a densidade dos comandos constitucionais, especialmente face ao postulado da força normativa. É a situação que se presencia após termos apresentado algumas sugestões dirigidas a efetivar, num plano máximo possível, os direitos e garantias individuais, sociais e políticos, porque, se a Constituição, ao prestigiar a cidadania - ao ponto de ser cognominada "constituição-cidadã" por Ulisses Guimarães -, traz elenco significativo de direitos fundamentais, é impositivo intuir-se que deve prover aos indivíduos os instrumentos indispensáveis à proteção judicial de tais garantias. Temos, assim, os instrumentos de garantia de direitos, tema sobre o qual apresentaremos soluções à luz do princípio da máxima efetividade.

2.9.1. O habeas corpus E ao discorrer acerca das ações constitucionais, sem dúvida, deve nortear a disceptação, inicialmente, o estudo do habeas corpus, instrumento processual de tutela da liberdade física dos mais antigos de que se tem notícia, visto que em Roma o interdicto de homine in libero exhibendo já promovia a defesa da liberdade de ir e vir.

Outrossim, a Constituição Republicana de 1891, no § 22 do art. 72, enunciava que "dar-se-há o habeas corpus sempre que o indivíduo soffrer violência, ou coacção, por

illegalidade, ou abuso de poder". Vê-se, portanto, a amplitude da previsão constitucional, eis que não se destina unicamente à tutela da liberdade física, mas também à proteção contra ilegalidade ou abuso de poder, originando, a partir daí, a conhecida doutrina brasileira dohabeas corpus, tendo em Rui Barbosa o seu mais

ardoroso defensor. A idéia, em síntese, consistia no seguinte: inexistindo limitação no corpo do Texto Constitucional de 1891 relativamente ao uso do habeas corpus, tornava-

se possível atacar atos de ilegalidade através dele, mais ainda porque, naquele momento, não contava o ordenamento com ação dirigida ao resguardo do direito do indivíduo conspurcado por ilegalidade, como atualmente acontece na hipótese de impetração de mandado de segurança. Posto desta forma, não se alcança outra conclusão que ter a doutrina - à frente o grande Rui -, muito embora não deliberadamente, concretizado a garantia individual de proteção contra atos de ilegalidade, sem que a norma constitucional fizesse alusão à hipótese - exemplo eloqüente de utilização do princípio da máxima efetividade quando da interpretação constitucional nos alvores da vida republicana.

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Com o intuito de possibilitar amplo emprego do instrumento de garantia, a Constituição Federal não limita a legitimidade para impetração, possuindo qualidade para agir tanto o paciente que se encontra com a liberdade física ameaçada ou efetivamente atingida (rendendo ensejo ao uso do habeas corpuspreventivo, expedindo-se o salvo-conduto,

nos moldes da § 4º do art. 660 do Código de Processo Penal; ou repressivo, admitindo-se a concessão do alvará de soltura, respectivamente) quanto terceiro que impetre a ordem a seu favor, não havendo qualquer necessidade de demonstração de existência de interesse jurídico ao uso do remédio heróico. É de tamanha relevância estender a legitimidade para impetração de habeas corpus que o art. 1º da Lei n. 8.906/94,

malgrado assevere ser atividade privativa de advocacia a postulação a qualquer órgão do Poder Judiciário e aos juizados especiais (dispositivo posteriormente declarado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal), termina por firmar, no § 1º, que "não se inclui na atividade privativa de advocacia a impetração de habeas corpus em qualquer instância ou tribunal". O habeas corpus é instrumento de tutela da liberdade física individual mas nada obsta

seja utilizado por um grupo de pessoas quando a coação ao direito de ir e vir decorrer de ação de um indivíduo, como acontece com alguns trabalhadores de estabelecimentos rurais que, ao receberem os salários exclusivamente através de vales ou bônus concedidos pelo patrão, têm mesmo sua liberdade de ir e vir comprometida, porquanto a prática dotruck-system, além de ofensiva ao art. 463 da Consolidação das

Leis do Trabalho ("a prestação, em espécie, do salário será paga em moeda corrente do País"), maltrata profundamente a garantia de locomoção dos empregados, cabendo a um deles, a qualquer pessoa que tenha conhecimento do fato e, de modo precípuo, ao Ministério Público do Trabalho, impetrar o habeas corpus coletivo.

O problema da sujeição passiva em sede de habeas corpus é tema que deve ser estudado sob o império do princípio da máxima efetividade. Decerto, diferentemente da autoridade coatora no mandado de segurança (cuja delimitação envolve questões de suma importância prática, especialmente com relação à competência do órgão julgador, à vista de a condição de autoridade apontada como responsável pela coação firmar a competência), o instrumento de proteção da liberdade física se conforma meramente com a enunciação do detentor, seja pessoa investida de autoridade, seja simples particular. Quanto à circunstância de a liberdade de locomoção estar sendo ferida por ato de particular, poderia ser argumentado que a solução correta estaria no requerimento de abertura de inquérito perante a autoridade policial por tipificada a conduta prescrita no art. 148 do Código Penal (cárcere privado). Se, aqui, o nosso esforço dirigido está à obtenção de pronta resposta à atuação lesiva de garantia individual, a melhor maneira de concretizar a liberdade de locomoção é admitir a sujeição passiva do detentor privado, como admite-a a jurisprudência, ao concluir que "é pacífico que o habeas corpus é cabível nas hipóteses de coação oriunda de particular à liberdade de ir e vir" (RT 509/336); não cabe, entretanto, contra punições disciplinares de natureza militar (§ 2º, 142, Constituição Federal). Assunto de grande importância e que não devemos deixar sem discussão diz respeito às consequências da decretação de estado de sítio, quando ditado em conformidade com o disposto no art. 137, I. O indigitado comando constitucional estabelece que "o Presidente da República pode, ouvidos o Conselho da República e o Conselho de Defesa Nacional, solicitar ao Congresso Nacional autorização para decretar o estado de sítio nos casos de: I - comoção grave de repercussão nacional ou ocorrência de fatos que comprovem a ineficácia de medida tomada durante o estado de defesa".

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Por outro lado, o art. 139 preceitua o seguinte: "Na vigência do estado de sítio decretado com fundamento no art. 137, I, só poderão ser tomadas contra as pessoas as seguintes medidas: I - obrigação de permanência em localidade determinada; II - detenção em edifício não destinado a acusados ou condenados por crimes comuns; III - (...); IV - suspensão da liberdade de reunião; V- busca e apreensão em domicílio" (...). O estado de sítio - sabe-se bem - é momento de anormalidade, exceção institucional, o

que levou o constituinte a adotar a extrema providência de suspensão de garantias

individuais quando decretado com fundamento no art. 137, I. Esclareça-se, contudo, que

a limitação aos direitos fundamentais que podem ser afastados durante a situação

anômala somente se dá quando o decreto tiver por pressuposto a ocorrência

mencionada no art. 137, I. Na hipótese do art. 137, II, abre-se um leque de opções

quanto às garantias que devam ser suspensas ou aqueloutras, por exclusão, que

mereçam ser preservadas. A tal ilação se alcança diante da inelutável gravidade

representada pelo estado de guerra declarado ou resposta a agressão armada

alienígena.

Mas o centro da nossa preocupação está nos incisos I, II, IV e V do art. 139, cujo conteúdo pode presumivelmente erigir uma barreira à impetração de habeas corpus em

virtude de encerrarem limitações à liberdade de ir e vir. Com efeito, se remanesce autorização constitucional expressa para obrigar a permanência em determinado local; admitir a detenção em edifício não destinado ao fim; suspender a liberdade de reunião a até buscar e apreender pessoas em seus domicílios, a aligeirada leitura do Texto Constitucional poderia revelar a faculdade de o executor da medida suspender também a ordem de habeas corpus.

E somente um rápido correr de olhos no art. 139 é que viabiliza entendimento tão precipitado quanto desprovido de rigor técnico... De logo, assinale-se que, se o quisesse, teria o constituinte incluído a suspensão do habeas corpus no corpo do art. 139. Não o fazendo, torna-se defeso ao Presidente

da República inserir a restrição no decreto, sob pena de ser arguida a sua inconstitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal, tipificando-se, sobre mais, crime de responsabilidade, de acordo com a redação do art. 85, II/IV. Além disso, não há previsão de afastamento do art. 5º, XXXV ("a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesões ou ameaça a direito") e, nesse passo, garantido o acesso aos tribunais na eventualidade de ofensa a liberdade de locomoção, não é outra a ação constitucional apta a estancar o gravame que o habeas corpus.

2.9.2. O Mandado de Injunção D'outra sorte, há de reconhecer-se o caráter francamente inovador e muitas vezes revolucionário do processo de ruptura institucional antecedente à formalização de um novo Estado. Todavia, passado o frutificante momento dos debates constitucionais dirigidos ao fim de conformação dos valores jurídicos, o fato é que as constituições - por encerrarem um expressivo número de dispositivos ditos "programáticos", carentes de regulamentação, como sói se afirmar - têm a sua efetividade ameaçada em razão de poderosos interesses atingidos.

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José Carlos Barbosa Moreira explicita que "alguns fatores adversos costumam pôr em

risco a efetividade de uma nova Constituição - e bem se vê que a de 1988 não vai escapar à regra. Antes de mais nada, cumpre ter em mente que qualquer mudança de regime atinge interesses - e não raro atinge de modo desfavorável interesses de vulto. Não é de admirar que os respectivos titulares reajam. Com certeza farão tentativas para que se alterem os dispositivos que lhes desagradam; não o conseguindo, lutarão para que eles permaneçam letra-morta, ou atuem do modo mais inócuo possível. Técnicas variadas podem ser postas a serviço desse projeto de esterilização: o receituário jurídico dispõe de uma série de fórmulas capazes de atenuar ou, na prática, eliminar o impacto de tal ou qual disposição vista como inconveniente. "A campanha dos interesses contrariados geralmente encontra aliado poderoso na tendência de certos meios ao imobilismo. Esta se explica, muitas vezes, como produto de convicções políticas sinceramente conservadoras. Se determinada modificação do ordenamento se afigura perigosamente radical ao ocupante de cargo ou posição capaz de influenciar o curso dos acontecimentos na matéria, é natural que ele se sinta inclinado a utilizar o seu poder para bloquear a inovação ou minimizar-lhe os efeitos. Sob dadas circunstâncias, talvez não relute muito em optar por essa via, ainda que tenha de proceder - caso a sua consciência ética se deixe anestesiar no grau necessário - a `manipulações' menos compatíveis com a honestidade funcional ou a integridade científica. "Outra possível explicação para a resistência a mudanças é a pura e simples indolência mental. Abandonar a rotina demanda esforço que pode ser desagradável, quiçá penoso. Se nos acostumamos a dar aos nossos problemas, por tempo considerável, as mesmas soluções, há forte probabilidade de que pelo menos alguns de nós encarem com pouco entusiasmo o desafio de procurar novas soluções ou - pior ainda - de enfrentar novos problemas. Fatalmente se sentirá a tentação de fazer de conta que os problemas continuam a ser os conhecidos e a comportar as soluções familiares: admitir o contrário importaria aceitar a enfadonha necessidade de `aprender tudo outra vez'. Os operadores jurídicos não são mais imunes que o resto dos mortais a semelhante gênero de fraqueza". Mais do que a nova advertência, a lição do ilustre processualista induz a séria reflexão acerca da efetividade da norma constitucional, bem assim dos reais motivos que impedem a consagração da vontade de constituição. O constituinte de 1988, certo de que esquecer os problemas vivenciados pelo ordenamento constitucional anterior importa repetição de equívocos de modo mais grave; certo que os comandos constitucionais voltados à preservação das garantias fundamentais quando dependentes da regulamentação pelo legislador originário ficam condicionados aos interesses poderosos; certo, por fim, que o § 1º do art. 5º ("As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata"), por si só, não é suficiente para impor a concretização das garantias individuais, resolveu pela criação de instrumento de tutela das liberdades públicas: o mandado de injunção. Tendo por base constitucional o art. 5º, LXXI ("conceder-se-á mandado de injunção sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania"), o mandado de injunção, juntamente com a ação direta de inconstitucionalidade por omissão - que estudaremos logo a seguir -, se apresenta como instrumento utilíssimo para fazer prevalecer os desígnios do elemento constituinte originário em tema de garantias fundamentais. É a via processual adequada à obtenção de provimento judicial colmatador de lacuna. Que espécie de lacuna? Toda aquela a

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impedir a imediata fruição por parte do impetrante dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania, incluindo-se aí eventual falta de norma regulamentadora a inviabilizar o desfrute dos direitos sociais. Manoel Gonçalves Ferreira Filho, entretanto, entende que a menção efetuada pelo art. 5º, LXXI, às prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania afasta a utilização do instituto como instrumento de viabilização dos direitos sociais, posto que o elenco protegido via ordem injuntiva está atrelado ao status da nacionalidade.

Discordamos, data venia, da posição assumida pelo ilustre constitucionalista, porque os

elementos sócio ideológicos, uma vez inseridos na constituição, revelam o compromisso do Estado quanto à sua concretização, configurando o mandado, nada mais, nada menos, que um decisivo passo à efetivação de tais preceitos. Cumpre sublinhar que o Supremo Tribunal Federal desenvolveu tese limitativa da

amplitude de ordem, segundo a qual é ação que se destina a obter sentença declaratória

do "esquecimento" legislativo, a fim de que sejam adotadas as providências cabíveis,

como ocorreu no julgamento do MI n. 107-3 - DF, Relator Min. Moreira Alves, DJU de

28.11.89, pág. 17.614: "É ação que se propõe contra o Poder, órgão, entidade ou

autoridade omissos quanto à norma regulamentadora necessária à viabilização do

exercício dos direitos, garantias e prerrogativas a que alude o art. 5º, LXXXI, da

Constituição, e que se destina a obter sentença que declare a ocorrência da omissão

inconstitucional, com a finalidade de que se dê ciência ao omisso dessa declaração,

para que se adote as providências necessárias , à semelhança do que ocorre com a

ação direta de inconstitucionalidade por omissão".

Ora, de certificar a postura omissiva do órgão legiferante, informá-lo a respeito e instá-lo a subsanar a lacuna já cuida o decisum declaratório da inconstitucionalidade por

omissão; e, com toda certeza, não se descortina plausível que o constituinte originário tenha ideado, inutilmente, dois institutos com o mesmo objetivo, máxime se tivermos em conta a abissal dessemelhança havida entre o disposto no art. 5º, LXXI, e no § 2º do art. 103 da Constituição. Pior ainda: a interpretação constitucional ultimada pelo Supremo Tribunal Federal atenta contra o postulado da força normativa. Felizmente, a resistência inicial do Supremo Tribunal Federal foi mitigada no julgamento do MI n. 283-5, impetrado com o objetivo de tornar efetiva a reparação de natureza econômica aos cidadãos atingidos por atos discricionários do Ministério da Aeronáutica, em que se deferiu parcialmente a ordem para: 1) assinar prazo de 60 dias a fim de concluir-se todo o iterlegislativo do projeto; 2) ultrapassado o lapso, reconhecer o direito

do impetrante para acionar a União Federal no sentido de obter a reparação pela mora conspurcadora de garantia fundamental; 3) declarar que a prolação de sentença condenatória não impede a fruição de benefícios outros mais favoráveis que aqueles descritos no decisum. Em outra oportunidade, porém seguindo a mesma linha de concretização de garantias individuais mediante o writ conclui o Supremo Tribunal Federal que, face à mora do legislador, "é de assegurar-se de logo ao interessado, por ela prejudicado, a possibilidade de exercitar o seu pretenso direito por meio de ação ajuizada nos termos do direito comum, na conformidade da orientação jurisprudencial assentada nos precedentes da Corte" (MI 429-3 - RJ, STF/pleno, RDA 201/161).

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2.9.3. A ação direta de inconstitucionalidade por omissão Apontamos a ação direta de inconstitucionalidade por omissão como aparelho processual cujo escopo é proteger as liberdades fundamentais. Sem dúvida, os direitos sociais, ao serem incorporados aos textos constitucionais modernos, trouxeram consigo - muito mais que um simples lenitivo para os desfavorecidos - o elevado compromisso de se atingir, a cada dia, um arquétipo de Estado posto a serviço da dignificação do ser humano, e, com evidência, não por outra razão, mas por esta, é que passaram a ser denominados por prestigiosa doutrina de "disposições constitucionais incômodas". O "incômodo" provocado por tais normas constitucionais no legislador foi de tamanha ordem; a indisposição causada no poder legiferante ordinário foi de tal densidade, que resolveu este, simplesmente, ignorá-las, tornando-se fleumático ao compromisso celebrado quando da enformação da unidade política. Diríamos, assim, que a ação direta de inconstitucionalidade por omissão - tomada por empréstimo da Constituição portuguesa de 1976, art. 283 - teve por "musa inspiradora" às cláusulas de induvidoso alcance social e inseridas na Constituição de 1988, porque receara, à época, o constituinte originário pela sorte dos inúmeros dispositivos carentes de ulterior regulamentação. Concernente ao objeto da inconstitucionalidade por omissão, é oportuna a remissão ao escólio de Bidart Campos: "No es facil hacer un señalamiento taxativo de las

circunstancias omissivas inconstitucionales, como tampouco de las recíprocas obligaciones constitucionales que, cuando no se cumplem, dan origen a aquéllas, pero hay que tener muy presente que si el derecho de la constitucion se halla investido de fuerza normativa, la inercia, el ocio, la demora, la abstención, el incumplimiento, lá inacción, más cuanto se le ensemeja, tipificam modalidades de una parálisis transgressora transgressora de aquella misma fuerza. Ante este argumento, no juzganos eficaz ningúm outro que rotunda o reaciamente se escude en la división de poderes, en las facultades privativas, en la discrecionalidad del órgano, ni - acaso - en el `self-restraint' de los jueces. "Pensamos que proyectar enérgicamente la fuerza normativa de la constitución al ámbito que estamos tratando es una deuda pendiente del sistema garantista y del control constitucional para com el derecho de la constitución. Reconocemos que estamos ante un avance audaz, pero todo el curso del constitucionalismo há podido ser engendrado, difundido, ampliado y mejorado gracias a la audacia. Es verdad que ciertos avances demandan tiempo, por lo que no hemos de desilusionarmos, pero simultáneamente la teoría de la fuerza normativa debe acumular bríos para perforar los reductos donde se halla debilitada o sin funcionamiento. Modelos como los que brevemente reseñamos antes son estimulantes, aun cuando tal vez no lleguen a un punto final íntegramente completo o satisfactório. Pero es mejor comenzar com algo, que abstenerse de todo". Lastimamos apenas não ter o constituinte avançado um pouco mais e conferido ao provimento que declara a inconstitucionalidade por omissão o caráter normativo substitutivo transitório, porque no nosso ordenamento constitucional, "declarada a

inconstitucionalidade por omissão de medida para tornar efetiva norma constitucional, será dada ciência ao Poder competente para a adoção das providências necessárias e, em se tratando de órgão administrativo, para fazê-lo em trinta dias" (§ 2º, art. 103), importando concluir que, se a omissão advier do órgão legislativo, a decisão judicial

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nada mais representa que uma exortação às Casas inertes a fim de consumarem normatividade acerca da matéria. Quando lastimamos a timidez do órgão constituinte, o fizemos por força da constatação de que inegável seria o avançar das conquistas sociais obtidas na Constituição de 1988 diante da possibilidade de a sentença declaratória de inconstitucionalidade por omissão dispor normativamente sobre a matéria enquanto apático o legislador (caráter normativo), substituindo-o (caráter substitutivo) provisoriamente (caráter provisório) até

a edição da ansiada lei regulamentadora. Luiz Alberto David Araújo pugna pela responsabilização do Estado na hipótese de

emissão de provimento declaratório da inconstitucionalidade por omissão: "a declaração judicial da omissão implica no reconhecimento de dano a pessoa ou grupo de pessoas prejudicadas. Estamos diante de uma obrigação descumprida por uma pessoa de direito público, no caso, o Poder Legislativo da União Federal e, por outro lado, de titulares de direitos feridos, que sofreram prejuízos pela omissão legislativa, reconhecida através da coisa julgada. Digna de encômios a posição assumida, muito embora nos preocupemos com os desvios que porventura ocorram em sede de inconstitucionalidade por omissão, já que a utilidade do acórdão declaratório - muito menos para subsanar a insidiosa lacuna legislativa atingidora de direito social, por exemplo - estará vinculada à pretensão quanto ao recebimento de valor pecuniário do Estado. Mas resolvida esta questão, posicionamo-nos na direção de que qualquer iniciativa tendente a efetivar o comando constitucional aviltado pela inércia do legislador, ainda que seja pela via reflexa da pressão a se exercer sobre a unidade política à qual está ligado o órgão legiferante inativo, condenando-a ao pagamento de indenização, será sempre bem recebida. Ambos, a ação direta de inconstitucionalidade por omissão e o mandado de injunção,

se tratam de institutos com propósito de efetivar os comandos constitucionais, sendo,

por isto, objeto de confusão, o que, aliás, ocorrera, como vimos, no julgamento do MI

107-3 - DF. No entanto, a semelhança não persiste a exame um pouco mais detido. Há

três elementos distintivos das ações constitucionais: a legitimidade, o objeto e

os efeitos. Parte legítima é para impetrar mandado de injunção qualquer ente com

personalidade, pessoa natural ou jurídica, pública ou privada. A legitimidade para a

propositura da ação direta de inconstitucionalidade por omissão está ditada pelo art.

103, I a IX, da Constituição, e somente as pessoas arroladas nos incisos podem propô-

la. O objeto da ordem injuntiva se dirige à tutela de pretensão para que o provimento

judicial, no específico caso trazido a juízo, colmate a lacuna comprometedora de direito

e liberdade constitucional, bem assim das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à

soberania e à cidadania. De modo diverso, a inconstitucionalidade por omissão tem por

desiderato cientificar o Poder Legislativo quanto à inação incompatível coma norma-

origem e, tratando-se de órgão administrativo, para fazê-lo em trinta dias (§ 2º, art. 103).

Quanto aos efeitos, temos que a decisão preenchedora de lacuna por força de mandado

de injunção impetrado se limita aos contornos subjetivos da lide, não havendo

transcendência subjetiva da eficácia do julgado, restringindo-se às pessoas envolvidas

na demanda (efeitos inter partes). Declarada a inconstitucionalidade por omissão,

todavia, os efeitos ultrapassam as pessoas compreendidas no litígio, para abarcar

também a situação jurídica dos membros da coletividade de uma maneira geral

(efeitos erga omnes). Observamos, em termos de limites subjetivos da decisão,

identidade entre o mandado de injunção impetrado pelo Ministério Público em ordem a

obter o preenchimento de lacuna de direito, liberdade ou prerrogativa constitucional que

configure interesse difuso e a inconstitucionalidade por omissão. No caso, a difusividade

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do interesse tutelável pela injunção é causa impediente da limitação da eficácia do

comando judicial aos sujeitos da lide, sendo conatural à emissão do provimento a sua

transcendência subjetiva.

2.9.4. O habeas data O habeas data é, de igual modo, inovação do nosso sistema constitucional, devendo

ser considerado também sob o império do princípio da força normativa. Dispõe o art. 5º, LXXII: "conceder-se-á habeas data: a) para assegurar o conhecimento

de informações relativas à pessoa do impetrante, constantes de registros ou bancos de dados de entidades governamentais ou de caráter público; b) para retificação de dados, quando não se prefira fazê-lo por processo sigiloso, judicial ou administrativo". Bem compreendida a extensão do dispositivo constitucional disciplinador do habeas data, veremos, num átimo, encerrar a ordem a possibilidade de formulação de cúmulo objetivo, isto é, pode ter por objeto o acesso às informações relativas à pessoa do impetrante, além da retificação dos dados constantes de registro público ou de poder de entidade de caráter público (o Serviço de Proteção ao Crédito, Telecheque, etc.). A legitimidade para impetração do habeas data é exclusiva do interessado em obter a

informação e/ou a retificação dos dados, faltando qualidade para agir o terceiro que eventualmente venha a juízo para postular o acesso a registro acerca de outrem, mesmo porque o art. 6º do Código de Processo Civil determina que "ninguém poderá pleitear, em nome próprio, direito alheio, salvo quando autorizado por lei". Examinada a Lei n. 9.507, de 12 de novembro de 1997, precisamente o art. 7º, I e III, nota-se a compleição personalíssima do instrumento, eis que vincula a legitimatio ad causam à pessoa do impetrante, ao interessado. É intuitivo, portanto, não caber a terceiro o uso do habeas data no que toca a registro atinente a outro indivíduo, mais ainda porque a Constituição

assegura o recebimento de informações em benefício de outrem mediante a garantia fundamental descrita no art. 5º, XXXIII ("todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão

prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado"). Há situações excepcionais que impõem a necessidade de se ampliar um pouco mais a legitimidade para impetração de habeas data, como na circunstância de alguém já falecido cujos dados constem em arquivo de entidade pública ou de caráter público. Não seria correto exigir-se a legitimação exclusiva da pessoa do interessado, pois obrigar a tanto representaria o esvaziamento do instituto, fato que levou a jurisprudência a admitir os herdeiros legítimos e o cônjuge supérstite do morto no polo ativo da relação jurídica processual (TFR, HD n. 001 - DF, DJU, 2.5.89, Seção I, pág. 6.774) - interpretação que, irrefutavelmente, prestigiou o princípio-título do nosso trabalho. Ainda sobre o habeas data, parece-nos conveniente sugerir algumas reflexões em torno

do art. 8º, parágrafo único, I/III da Lei n. 9.507/97, segundo o qual "a petição inicial, que deverá preencher os requisitos dos arts. 282 a 285 do Código de Processo Civil, será apresentada em duas vias, e os documentos que instruírem a primeira serão reproduzidos por cópia na segunda. Parágrafo único: A petição inicial deverá ser instruída com prova: I - da recusa ao acesso às informações ou do decurso de mais de dez dias sem decisão; II - da recusa em fazer-se a retificação ou do decurso de mais de quinze dias, sem decisão, ou III - da recusa em fazer-se a anotação a que se refere

o § 2º do art. 4º ou do decurso de mais de quinze dias sem decisão'' (grifamos).

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Surge, após a transcrição do dispositivo legal, a seguinte pergunta: É constitucional o preceito da Lei n. 9.507/97? Antes de apresentarmos o nosso entendimento sobre a controvérsia, é certo devermos recorrer à base constitucional da ação e de lá retornarmos com conclusão mais segura. Por isso, analisando agudamente o art. 5º, LXXII, não se vê palavra no sentido de prova da recusa como pressuposto processual objetivo extrínseco à impetração de habeas data, donde se intui ter o legislador ordinário limitado o espectro da ação constitucional,

tornando compulsória a prova da recusa da informação e/ou da retificação quando sequer o constituinte imaginou exigência do jaez. Houve, de forma inequívoca, acesso legislativo francamente limitado o remédio constitucional, fato tanto mais grave quanto se observa o nobre propósito a ele cometido de ser aparelho de proteção contra a iníqua conservação de informações por entidades, à revelia da indivíduo, como tristemente aconteceu durante o período do governo militar, no qual se arquivavam toda sorte de referências das pessoas (política, profissional, econômica e até mesmo a orientação sexual), promovendo-se a mais absurda devassa da intimidade e da vida privada que se tem notícia no nosso País. Infelizmente, não foi assim que entendeu o Supremo Tribunal Federal quando, ao analisar o tema, preferiu considerar legítima a prova da recusa: "A prova do anterior indeferimento do pedido de informação de dados pessoais, ou da omissão em atendê-lo, constitui requisito indispensável para que se concretize o interesse de agir no habeas data'' (RHD 22-8-DF, STF/pleno, RDA 201/236).

2.9.5. O Mandado de Segurança A última disceptação que gostaríamos de empreender em derredor das ações constitucionais e a força normativa versa exatamente sobre a disciplina do mandado de segurança. O art. 5º, LXIX enuncia que "conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, quando o responsável

pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público''. Encontram-se, em sede constitucional, suficientemente esclarecidos os pressupostos à impetração de mandado de segurança, objeto e conceituação de autoridade coatora - os contornos da ação, enfim -, sendo de se estranhar a determinação do art. 18 da Lei n. 1. 533, de 31 de dezembro de 1951, ao prescrever que "o direito de requerer mandado de segurança extinguir-se-á decorridos 120 (cento e vinte) dias contados da ciência, pelo interessado, do ato impugnado'', na medida em que - à semelhança dohabeas data e o art. 8º da Lei n. 9.507/99 - é preceito limitativo da utilização do mandamus porquanto reside condicionamento ao uso dentro em 120 dias da ciência

do ato, importando em evidente redução de sua amplitude não imaginada pelo poder constituinte originário. Seria possível argumentar que a tese da incompatibilidade vertical do art. 18 da Lei n. 1.533/51 com o art. 5º, LXIX, da Constituição abriria sério precedente à eternização da conflitualidade, inserindo, ademais, direitos absolutos no ordenamento jurídico. Nelson Nery Jr. explica que: "É verdade que de há muito se tem paulatinamente abandonado a doutrina dos direitos absolutos, o que implica consequentemente na possibilidade de extinção de qualquer direito, inclusive da garantia constitucional do mandado de segurança. Mas a essa objeção dos defensores da constitucionalidade do prazo para a impetração do mandado de segurança responde-se que o direito de

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impetrar a ordem se extinguiria com a extinção do direito líquido e certo cuja proteção se busca pelo ajuizamento da ação constitucional de segurança. Assim, uma vez extinto o direito ameaçado ou lesado por ato ilegal ou abusivo de autoridade, ipso facto estaria extinto o direito de impetrar-se mandado de segurança objetivando a proteção do direito material já extinto''. Todavia, o Superior Tribunal de Justiça reconhece a constitucionalidade do comando previsto no art. 18 da Lei do Mandado de Segurança, ao rematar que " (...) I - O prazo previsto no art. 18 da Lei n. 1.533/51 é de decadência. Vencido esse prazo, extingue-se o direito ao mandado, podendo o impetrante ajuizar ação na via ordinária (facultas agendi). " (Rel. Min. Hélio Mosimann, DJU de 24.6.91).

Para Luciano Alaor Bogo, "não obstante afirmar-se ser majoritária a linha doutrinária e jurisprudencial que pugna pela validade dessa limitação temporal, (...), há algum tempo autores de renome vêm propondo a discussão quanto à constitucionalidade de se fixar por lei ordinária o prazo de exercício do direito de requerer mandado de segurança."

(...)

"Estando o direito à utilização do mandado de segurança incluído no art. 5º da CF, forço concluir que se trata de um direito fundamental assegurado ao cidadão (...) "

"Se as normas definidoras de direitos e garantias fundamentais têm eficácia absoluta, não podendo ser objeto nem mesmo de emenda constitucional, conforme art. 60, § 4º, IV, da Constituição de 1988, e se o mandado de segurança encontra-se incluído dentre esses direitos e garantias fundamentais, a lei que estabelece prazo para seu exercício, ao arrepio da norma constitucional que a respeito silencia, é inconstitucional". O Supremo Tribunal Federal, infelizmente, abraça o entendimento quanto a não remanescer qualquer espécie de antinomia entre o art. 18 da Lei n. 1.533/51 e a Constituição Federal, como se depreende do aresto seguinte:

"Ementa: Recurso Ordinário em Mandado de Segurança - Decisão denegatória proferida por Tribunal Superior da União em única instância - Consumação do prazo decadencial para impetrar o writ (Lei n. 1.533/51, art. 18) - Constitucionalidade dessa norma legal - Incompetência da autoridade judiciária para ordenar, em sede mandamental, a substituição do órgão apontado como coator - Recurso improvido. "A estipulação, em sede legal, de prazo para oportuna impetração do mandado de segurança não tem o condão de ofender a natureza constitucional desse remediu juris, cuja relevante função processual consiste em viabilizar, desde que tempestivamente utilizado nos termos em que o disciplina a lei, a pronta, eficaz e imediata reparação a direitos líquidos e certos eventualmente lesados por comportamento arbitrário da Administração Pública. "O prazo decadencial de 120 dias - a que se refere o art. 18 da Lei n. 1.533/51 - opera, em face de sua eficácia preclusiva, a extinção do direito de impetrar o writconstitucional. Não gera, contudo, a extinção do próprio direito subjetivo eventualmente amparável pelo remédio do mandado de segurança ou por qualquer outro meio ordinário de tutela jurisdicional. Esse direito subjetivo resta incólume e não se vê afetado pela consumação do referido prazo decadencial, cujo único efeito jurídico consiste, apenas, em inviabilizar a utilização do remédio constitucional do mandado de segurança.

"A norma inscrita no art. 18 da Lei n. 1.533/51 não ostenta qualquer eiva de inconstitucionalidade. A circunstância de ser omissa a Constituição da República quanto à fixação de prazos para o ajuizamento da ação de mandado de segurança não protrai, indefinidamente no tempo, a possibilidade de o interessado valer-se, em qualquer momento, do writ mandamental que, essencialmente idêntico a outros meios processuais, constitui instrumento de efetivação e de concretização do direito material invocado pelo impetrante.

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"O prazo decadencial referido na norma legal em questão não tem o caráter de penalidade, pois não afeta o direito material eventualmente titularizado pelo impetrante e nem impede que este postule o reconhecimento de seu direito público subjetivo mediante adequada utilização de outros meios processuais. "A consumação da decadência do direito de impetrar o mandado de segurança não confere juridicidade ao ato estatal impugnado, não tem o condão de convalidá-lo e nem a virtude de torná-lo imune ao controle jurisdicional" (Supremo Tribunal Federal. Recurso Ordinário em Mandado de Segurança 21.362/DF, 1ª Turma, Rel. Min. Celso de Mello, Acórdão de 14.4.1992).

Seguindo a mesma linha de entendimento, decidiu ainda o Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento do Recurso em Mandado de Segurança n. 21.364/RJ, Rel. Min. Carlos Velloso, que a previsão normativa não desbordava os limites fixados pela norma constitucional, cuja ementa se encontra vazada nos seguintes termos: "Segurança impetrada após transcorrido o prazo de cento e vinte dias inscrito no art. 18 da Lei n. 1.533, de 1951, contado a partir da publicação do ato impugnado, a Portaria 949, de 17.10.1989, do Ministro de Estado do Exército. Decadência reconhecida. Ressalva do ponto de vista pessoal do Relator. Recurso improvido". Ocorre que mesmo diante da existência de tais decisões do Supremo Tribunal Federal, cujos fundamentos estão direcionados a acolher a tese da compatibilidade da lei com a Constituição, é forçoso concluir que não há, em verdade, entendimento cristalizado neste sentido. De forma inegável, percorrer o caminho da adequação da norma à Constituição Federal é não visualizar que, hoje, o processo deve estar permanentemente voltado ao seu propósito maior que se relaciona ao almejado acesso à Justiça. Com efeito, "(...) obrigar o jurisdicionado a buscar a tutela desse mesmo direito pelas vias comuns, pelo simples decurso de um prazo que até hoje não teve sua natureza jurídica definida, significa negar tudo o que a moderna doutrina processual tem dito a respeito do acesso à Justiça, da instrumentalidade do processo e da efetividade da proteção jurisdicional".

CAPÍTULO III - CONCLUSÃO

Do quanto expusemos, extraem-se as seguintes ilações: 1. Desde a famosa conferência proferida por Lassalle em 1862, a doutrina constitucional

ainda não conseguiu se curar da maldição atávica do sociologismo constitucional, a promover a submissão do texto fundamental a fatores extra normativos; 2. É dialético o processo de consolidação da vontade constituinte originária: nem a constituição deve se submeter à realidade circundante, nem as circunstâncias extra constitucionais devem sobrelevar a norma fundamental; 3. A respeito da eficácia constitucional, há um constante espaço de tensão entre a norma e a realidade, surgindo, nesse momento, o princípio da máxima efetividade como o postulado hermenêutico mais relevante para a interpretação da constituição, especialmente se se quiser atingir um grau máximo de realizabilidade do preceito inserido na norma-vértice; 4. Na interpretação constitucional, há uma relação direta e inafastável do princípio da máxima efetividade e a técnica hermenêutica-concretizadora propugnada por Konrad

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Hesse, já que o postulado, em ordem a efetivar a norma fundamental, lança mão da

técnica concretizadora; 5. O alargamento do círculo de intérpretes da constituição, como quer Härbele, longe de

dissolver o procedimento interpretativo, impele a eficácia da norma constitucional para o nível mais elevado de realização, pois quem, vivendo a norma, interpreta-a, também, por sua vez, a concretiza; 6. O valor concretização foi introduzido no sistema constitucional que, entretanto,

apenas se efetiva na interpretação constitucional quando o aplicador lança mão do postulado da máxima efetividade; 7. Se a interpretação constitucional tiver por objeto direito e garantia fundamental, não é apenas recomendável ou salutar a utilização do princípio da máxima efetividade, mas absolutamente impositiva, ante o comando que se extrai o § 1º do art. 5º; 8. Orientado pelo princípio da força normativa, é desnecessário que o intérprete recorra ao direito supra nacional para resguardar garantia individual a estrangeiro não residente no país, supostamente colocado à margem das garantias individuais mencionadas no art. 5º, posto que a vinculatividade do art. 3º, I - especificamente no que atina à construção de uma sociedade solidária - impõe uma postura de todos os órgãos do Estado no sentido da proteção dos direitos básicos e personalíssimos de tais indivíduos; 9. O princípio da liberdade de ação (art. 5º, II) tem sua amplitude, de modo considerável, condicionada ao que venha se entender por lei. O postulado da máxima efetividade comanda a interpretação do preceito de sorte que se tome por lei unicamente a norma jurídica expedida pelo Poder Legislativo e em consonância com o processo estabelecido na Constituição, já que, do contrário, qualquer ato normativo expedido pelo poder público limitará garantia fundamental; 10. Não há como se confundir o direito à intimidade e à vida privada, quando é certo que o primeiro corresponde ao conjunto de informações, hábitos, vícios, segredos, até mesmo desconhecidos do tecido familiar, ao passo que o último está assentado na proteção do que acontece no seio das relações familiares; 11. Sob o amparo do princípio da máxima efetividade, torna-se absolutamente vedado aos pais ou responsáveis, ainda que a pretexto do exercício do pátrio poder, devassar correspondência, interceptar comunicação telefônica de filho ou criança sob sua guarda, não apenas em virtude do direito à intimidade, mas também por força do que dispõe o art. 17 do Estatuto da Criança e do Adolescente; 12. O direito à intimidade é inteiramente aplicável ao contexto da relação contratual individual de trabalho, mais ainda em virtude da superioridade econômica do empregador e da subordinação jurídica do empregado, havendo possibilidade de transgressão à garantia fundamental desde o instante em que o trabalhador se candidata a uma vaga na empresa; 13. As perguntas inseridas em questionário quando da admissão do laborista e alusivas ao seu estado de saúde não podem obrigá-lo, de modo absoluto, a responder negativa ou positivamente, quando não se tratar de doença infecto contagiosa que venha, no futuro, a comprometer a salubridade do meio ambiente de trabalho; 14. Ofende o direito à intimidade do trabalhador a introdução de câmeras de vídeo em vestiários, refeitórios ou qualquer outra área da empresa destinada à socialização ou

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congraçamento dos empregados, bem como durante o intervalo intrajornadas para repouso e alimentação; 15. Se há fiscalização eletrônica no meio ambiente de trabalho, não se pode admitir a revista pessoal, visto que o constrangimento se torna claramente ofensivo ao direito à intimidade; 16. As colisões entre o direito à intimidade e a garantia fundamental do acesso à informação se operam quase que exclusivamente no âmbito dos indivíduos considerados notáveis; 17. Encontram-se, em tema de direito à informação jornalística, em posições diametralmente opostas o interesse do público e o interesse público, sendo que os órgãos de comunicação, a pretexto de viabilizar o acesso à informação, não podem embaralhar o que seja um e outro; 18. A suposta antinomia entre o direito à intimidade e o direito à informação jornalística se resolve mediante a aplicação do princípio da necessidade, que consiste no exame

casuístico da efetiva necessidade quanto à divulgação da notícia; 19. É admissível a propagação ao conhecimento público de aventura amorosa de expressiva liderança política, não para fazer que contra ele (a) se insurja a opinião pública, mas para integrar ao domínio público um fato ligado à esfera íntima de personalidade política; 20. Não socorre a proibição de divulgar fatos da vida íntima de liderança política o

postulado da máxima efetividade quando versam sobre enfermidades, curáveis ou

não, porque o povo, ao escolher o mandatário, pressupõe o cumprimento integral do

mandato, o que poderá ser obstado por doenças;

21. Com base na variação da garantia fundamental consistente no direito de ser informado, é obrigatória a transmissão de evento por rede de rádio ou televisão que tenham adquirido o direito à exclusividade, principalmente quando o evento de que se trata é, de igual modo, fonte da cultura brasileira; 22. A norma constitucional relativa à saúde é suficiente para impor ao Estado a aquisição de drogas ou para viabilizar tratamento médico que, pelo elevado custo, torne proibitivo o acesso pelas pessoas que não possuam recursos bastantes; 23. Quando da interpretação do art. 5º, X, o princípio da força normativa comanda ao intérprete não somente promover a distinção entre o direito à honra e à imagem, mas, também, quanto a este último, estremar a imagem-retrato da imagem-atributo, tudo em ordem a tornar viável a reparação de garantias individuais diversas; 24. Com fundamento no postulado da força normativa, o termo "casa" (art. 5º, XI) não guarda identidade absoluta com o "lar" da pessoa, mas sim o recinto, particular, no qual o indivíduo manifesta a sua liberdade sob as mais variadas formas; 25. A força normativa impele a utilização do princípio do juiz natural no âmbito do direito administrativo, transmudando-o para princípio do administrador natural, consequência inexorável da processualização do procedimento; 26. O princípio do administrador natural comporta os seguintes desdobramentos: a) impossibilidade de designação de outra autoridade administrativa para julgar o processo

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ou examinar o pedido constante de procedimento que não aquela previamente estabelecida por norma disciplinadora, assim como criação ou lotação de uma unidade administrativa destinada à apreciação de certo pedido ou de dado processo; b) proibição de atuar, em qualquer fase do processo ou do procedimento, administrador impedido ou suspeito; c) especificamente no que tange às licenças urbanísticas, a apreciação de eventual desrespeito do construtor, quando da execução da obra, deverá se dar pela mesma autoridade municipal expedidora da licença; 27. Ao interpretar cláusula programática com amparo no princípio da máxima efetividade, deve-se guardar em mente que o programa do ente político é para ser cumprido por todos os órgãos do Estado, aí incluindo-se o Judiciário, e não apenas pelo legislador, já que tal tese, proclamada com infeliz habitualidade, ofende o princípio da tripartição das funções estatais, princípio constitucional com eficácia jurídica absoluta (art. 60, § 4º, III); 28. De igual modo, ao interpretarmos as normas programáticas, especialmente as de direito social, mais uma vez lastreados no princípio da máxima efetividade, urge outorgarmos legitimidade a todos entes da Federação no que concerne ao cumprimento do programa estatal, legitimidade impedida com a tese de que tais normas se dirigem exclusivamente ao legislador e, sendo assim, tratando-se de competência legislativa cometida apenas à União, na hipótese de cláusula trabalhista programática (art. 22, I), o entendimento ofende, de modo flagrante, o sistema federativo, também preceito imutável, já que Estados e Municípios não poderão concretizar o projeto da sociedade política; 29. As normas constitucionais de direito social, por resultarem de um compromisso selado pelo poder constituinte originário, não podem ser retiradas da Constituição por iniciativa do legislador constituinte de competência derivada, visto que não fora ele quem celebrou tal compromisso, e, ainda à luz do princípio da máxima efetividade - agora aliado ao princípio de proibição de retrocesso social -, o nível constitucionalmente já atingido em termos de elevação das condições de vida dos cidadãos não pode retroceder; 30. A utilização do princípio da força normativa é de suma importância quando da interpretação das normas constitucionais disciplinadoras dos direitos políticos, principalmente para, à luz do postulado da democracia participativa, admitir a legitimidade dos cidadãos de sorte a iniciar o processo legislativo de alteração constitucional; 31. A força normativa da constituição impõe desdobramentos à democracia participativa, tornando viável, a um só tempo, reflexos no âmbito do direito administrativo, permitindo-se a sindicabilidade dos atos de governo e, por outro lado, na esfera do Poder Judiciário, praticamente vinculando o magistrado ao reconhecimento da ampla legitimidade às pessoas jurídicas, públicas ou privadas, para a defesa de interesses difusos, coletivos ou individuais homogêneos, cometendo ao processo o seu elevado papel de sede adequada ao debate de interesses sociais relevantes (politização do Judiciário);

32. Sob o predomínio do princípio da máxima efetividade, é possível, no plano da fiscalização concreta da constitucionalidade (controle difuso), a certificação judicial relativamente à incompatibilidade de uma lei com a Constituição, ainda que o tema não tenha sido agitado pelas partes ao longo do processo porque, se os tribunais são, a seu modo e dentro do marco da sua competência, aqueles que com mais ímpeto devem assumir a defesa do sistema constitucional, não é provável que para exercer dita função estejam atrelados aos pedidos das partes;

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33. A doutrina brasileira do habeas corpus, defendida por Rui Barbosa, conquanto não

deliberadamente, representou recurso ao postulado da eficiência nos alvores da vida republicana; 34. O problema da sujeição passiva em sede de habeas corpus é tema que deve ser

estudado sob o império do princípio da máxima efetividade, já que o instrumento protetivo da liberdade física se conforma meramente com a enunciação do detentor, seja pessoa investida de autoridade, seja simples particular; 35. O disposto no art. 139, I, II, IV e V, da Constituição não autoriza, em absoluto, seja

incluído no decreto de estado de sítio com fundamento no art. 137, I a suspensão

do habeas corpus porque, se o quisesse, teria o constituinte assinalado o afastamento

da ordem no corpo do art. 139 e, além disso, não obstado também o acesso ao Judiciário

(direito fundamental garantido no art. 5º, XXXV), não é outra a ação constitucional a

proteger a liberdade de locomoção que o habeas corpus;

36. O mandado de injunção é instrumento processual destinado a concretização das liberdades fundamentais, competindo ao Supremo Tribunal Federal, com base na força normativa do art. 5º, LXXI, efetivar tais garantias; 37. O acórdão declaratório da omissão em ação direta de inconstitucionalidade deve ter caráter normativo substitutivo transitório, admitindo-se, ademais, a responsabilização do Estado quando emitido o provimento em tal sentido; 38. Relativamente ao habeas data, deve ser alargada a legitimidade para sua impetração, como na circunstância de alguém já falecido cujos dados constem em arquivo de entidade pública ou de caráter público, tornando legitimados os herdeiros legítimos e o cônjuge supérstite, na forma do que, inclusive, já decidiu o Supremo Tribunal Federal; 39. O disposto no art. 8º, I/III da Lei n. 9.507/97, que disciplina a impetração de habeas data, é francamente ofensivo aos comandos constitucionais disciplinadores do writ, porquanto promove limitação do instituto mediante a obrigatoriedade de apresentação da prova de recusa; 40. O art. 18 da Lei n. 1.533/51, ao estabelecer o prazo de 120 dias para impetração de mandado de segurança, ofende o art. 5º, LXIX e, à luz do princípio da eficiência, devem os órgãos jurisdicionais declarar a inconstitucionalidade da previsão normativa.

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