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1 O PROCESSO DE MODERNIZAÇÃO DA AGRICULTURA NO NORTE DO PARANÁ: CONTRADIÇÕES NA RELAÇÃO CIDADE-CAMPO NO CONTEXTO DO PROGRAMA “VILAS RURAIS” Márcio Freitas Eduardo FCT-UNESP, Presidente Prudente/SP UFFS - Universidade Federal da Fronteira Sul [email protected] Resumo Objetiva-se, no presente artigo, analisar o processo de modernização da agricultura na região Norte do Paraná e as alterações na relação cidade-campo resultantes desse fenômeno para, posteriormente, situar o contexto pelo qual eclodiu na década de 1990 o programa do Governo do Paraná “Vilas Rurais”. Assim sendo, procuramos considerar as relações de mediação cidade- campo contraditórias sob a égide do programa “Vilas Rurais” utilizando, como exemplo, a trajetória do “vileiro” Sr. Adão, morador da Vila Rural “Antônio Pinguelli”, situada no município de Pitangueiras/PR. Palavras-chave: Modernização da agricultura. Questão agrária. Paraná. Vilas Rurais. Introdução: o processo histórico de modernização da agricultura no norte do Paraná. O fenômeno de modernização da agricultura no Norte paranaense está associado ao processo mais geral de reprodução do capital. Processou-se com veemência, com impactos profundos sobre o campo e também sobre as cidades regionais e supra regionais: “Poucas noticias existem de acontecimentos processados de forma tão rápida e de efeitos tão surpreendentes que lhes sejam similares”, assim ponderou Padis (1981), ao abordar aspectos do processo histórico de modernização da agricultura no Norte do Paraná. A modernização Norte paranaense da agricultura ocorreu em meados da década de 1960 e mais sistematicamente na década de 1970, consoante Moro (2000) e Padis (1981). Nesse contexto, conjugaram-se diversos elementos para que houvesse a objetivação de transformações estruturais na base técnica e organizacional da produção agropecuária regional. Desde elementos de ordem econômica até influências de cunho natural. Dentre eles podemos citar: 1) a qualidade das terras; 2) a situação da economia nacional no contexto internacional; 3) a evolução nesse período da cafeicultura paulista; 4) o surto

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O PROCESSO DE MODERNIZAÇÃO DA AGRICULTURA NO NORTE DO

PARANÁ: CONTRADIÇÕES NA RELAÇÃO CIDADE-CAMPO NO CONTEXTO DO PROGRAMA “VILAS RURAIS”

Márcio Freitas Eduardo FCT-UNESP, Presidente Prudente/SP

UFFS - Universidade Federal da Fronteira Sul [email protected]

Resumo Objetiva-se, no presente artigo, analisar o processo de modernização da agricultura na região Norte do Paraná e as alterações na relação cidade-campo resultantes desse fenômeno para, posteriormente, situar o contexto pelo qual eclodiu na década de 1990 o programa do Governo do Paraná “Vilas Rurais”. Assim sendo, procuramos considerar as relações de mediação cidade-campo contraditórias sob a égide do programa “Vilas Rurais” utilizando, como exemplo, a trajetória do “vileiro” Sr. Adão, morador da Vila Rural “Antônio Pinguelli”, situada no município de Pitangueiras/PR. Palavras-chave: Modernização da agricultura. Questão agrária. Paraná. Vilas Rurais. Introdução: o processo histórico de modernização da agricultura no norte do Paraná.

O fenômeno de modernização da agricultura no Norte paranaense está associado ao

processo mais geral de reprodução do capital. Processou-se com veemência, com

impactos profundos sobre o campo e também sobre as cidades regionais e supra

regionais: “Poucas noticias existem de acontecimentos processados de forma tão rápida

e de efeitos tão surpreendentes que lhes sejam similares”, assim ponderou Padis (1981),

ao abordar aspectos do processo histórico de modernização da agricultura no Norte do

Paraná.

A modernização Norte paranaense da agricultura ocorreu em meados da década de 1960

e mais sistematicamente na década de 1970, consoante Moro (2000) e Padis (1981).

Nesse contexto, conjugaram-se diversos elementos para que houvesse a objetivação de

transformações estruturais na base técnica e organizacional da produção agropecuária

regional. Desde elementos de ordem econômica até influências de cunho natural. Dentre

eles podemos citar: 1) a qualidade das terras; 2) a situação da economia nacional no

contexto internacional; 3) a evolução nesse período da cafeicultura paulista; 4) o surto

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de industrialização de São Paulo; 5) a atuação de companhias imobiliárias; 6) a atuação

do governo estadual; e 7) acontecimentos de ordem meteorológica.

A ocupação da porção Norte paranaense, conforme salienta Padis (1981), tem uma

história em grande parte comum a da evolução da cafeicultura. Para essa região fluíram

diversos investimentos após a Primeira Guerra Mundial associado ao contexto de

revalorização do café no mercado internacional. A proximidade com o Estado até então

principal produtor da commoditie, São Paulo, atuou como atrativo a muitos produtores

que viam na expansão da fronteira agrícola cafeeira para o Norte do Paraná uma

possibilidade de valorização do capital.

O que se convencionou chamar região Norte do Paraná chegou a ser confundida com o

território do café no Estado. A existência de terras férteis de Latossolo Roxo vendidas

em condições favoráveis por companhias imobiliárias inglesas e japonesas e também

pelo governo do Estado igualmente favoreceram a territorialização da atividade cafeeira

nessa região, com predominância de estratos de área de até 100 hectares. Uma leva de

migrantes vindos do Sudeste, do Nordeste do Brasil e de outros países (como no caso da

imigração japonesa) fluiu para a região, com a gana de tornarem-se proprietários

fundiários ou em busca de empregos agrícolas que demandavam massivamente a

atividade cafeeira.

Com a ocupação, paulatinamente formou-se uma rede urbana integrada, idealizada de

inicio pelas companhias de colonização, com Umuarama, Maringá e Londrina

exercendo centralidades sobre cidades menores distribuídas em distâncias de

aproximadamente quinze quilômetros umas das outras – produzindo uma organização

espacial das cidades que se assemelha a um rosário. Nessas cidades polarizadas,

atividades ligadas ao setor de serviços (assistência técnica, armazéns para estocagem do

café etc.) e ao setor industrial e financeiro (indústria de torrefação do café e grupos

bancários, por exemplo) corroboraram a conformação da rede urbana assim estabelecida

hoje. Dessa forma, a expansão da fronteira agrícola para o Norte do Paraná conduzida

pela valorização da atividade cafeeira influenciou de maneira importante na alteração

regional da relação cidade-campo.

Cidades “brotaram”, a diversidade paisagística cedeu espaço à monocultura do café, a

atividade cafeeira fomentou o surgimento de indústrias, e estas as de serviços, de infra-

estruturas, e todos esses elementos congregados influenciaram na elevação considerável

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da densidade demográfica regional. Para ilustrar esse fenômeno, Padis (1981, p. 93),

salienta o caso de Londrina, Paraná; esta foi fundada em 1930 e levada à categoria de

cidade em 1934, tornando-se um verdadeiro centro de irradiação, agregando, à sua

volta, quinze anos depois, mais de duas dezenas de núcleos urbanos.

Em 1945 estimava-se que existiam, na região pessoas de trinta nacionalidades

diferentes destacando-se as etnias italiana,C alemã e japonesa, sem contar os migrantes

brasileiros, majoritariamente paulistas e mineiros que somavam-se 42% da população

de Londrina/PR.

A expansão da cultura cafeeira atingiu seu ápice em finais da década de 1950 e início da

década posterior. Moro (2000) ressalta que nessa oportunidade, a produção de café do

Estado do Paraná, localizada predominantemente na região Norte, representava metade

da brasileira e a terça parte da mundial (p. 28). Sem sombra de dúvidas o café

inscreveu-se como o principal elemento estimulador de reordenamentos espaciais no

Norte paranaense até inícios da década de 1960. Cidade e campo, em simetrias e

contradições foram conduzidos a novos circuitos espaciais de produção, a

especializações, a demandas, a novos padrões de divisão do trabalho e,

conseqüentemente, de poderes.

Contudo, a partir de 1960 o café entra em franco retrocesso devido ao aumento

considerável da oferta nacional do produto e a baixa demanda internacional que gerou

desvalorizações catastróficas da commoditie. O governo federal implementou, a partir

de então, uma política de estimulo a produção de oleaginosas e de expansão das áreas de

pastagens em detrimento da atividade cafeeira em declínio. No Paraná, a substituição

ainda foi favorecida pelas seguidas geadas que assolaram o Norte e causaram prejuízos

importantes à produção – como é sabido, o café é uma cultura permanente e a planta

depois de atingida por uma forte geada pode levar mais de dois anos para voltar a

produzir e com índices decrescentes de produtividade em relação à precedente.

Aqui começa uma nova fase de interações e de conflitos entre cidade e campo com

impactos consideráveis em “ambos os espaços” a partir do imperativo suscitado por

novas tendências produtivas e organizacionais agropecuárias. Temos que ressaltar que a

cultura cafeeira era demandadora de importantes volumes de força de trabalho, várias

famílias viviam nas fazendas em regime de colonato (colonos, “porcenteiros”, meeiros,

parceiros etc.), e que as cidades eram pontos de convergência onde fluíam os recursos

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derivados da produção de café e estas, por seu turno, davam condições à reprodução

ampliada do capital agrícola.

Em meados da década de 1960, após a implementação do programa de “Racionalização

da Cafeicultura”, a união coloca em vigor uma política de estímulo a cultura de soja, em

rotação principalmente com o trigo, em detrimento ao café. O controle do mercado e do

câmbio, com preços desestimulantes, somado ao confisco cambial foram estratégias

fundamentais à contenção da cafeicultura, argumenta Moro (2000). O autor cita ainda a

política de crédito rural subsidiado, direcionada à modernização da agricultura, como

propulsora da produção de oleaginosas. Analisando os dados do IBGE, destaca que

entre 1970 e 1985, as lavouras permanentes (sobretudo o café) foram reduzidas em

cerca de 59%. As lavouras temporárias (principalmente representadas pela soja e pelo

trigo) foram ampliadas na mesma proporção. E as áreas de pastagens ampliaram-se em

média 32% (MORO, 2000, p. 35).

O binômio soja-trigo pautou-se na utilização intensiva de capital e tecnologia (tratores,

colheitadeiras, adubação química do solo, uso de agrotóxicos e demais insumos)

abrindo mão de grande parte da população rural que até então ocupava-se com o cultivo

do café. Em conseqüência, desencadeou-se um processo intenso de êxodo rural. As

populações desempregadas com o processo de modernização da agricultura no Norte

paranaense buscaram ocupações em pequenas cidades da rede urbana regional, em

centros urbanos da região (como Maringá, Umuarama e Londrina), em cidades supra

regionais (como no caso de Curitiba, Guarapuava e Cascavel), em outros estados

(destacando-se os estados do Centro Oeste e do Norte do Brasil – no período, em fase

de expansão da fronteira agrícola - e o estado de São Paulo) e até no Paraguai.

Outra preocupação se coloca quando se aborda a questão da mobilidade populacional.

Pois, a produção cafeeira ao atrair um efetivo populacional importante nas décadas de

30 a 70, criou condições para que inúmeros pequenos municípios surgissem e

estruturassem-se com finalidade de atender a viabilização desta produção (escoamento

da produção, suprimento de necessidades locais etc.). Municípios estes que, atualmente,

manifestam debilidades econômicas (em termos de atração de investimentos e geração

de empregos) e de infra-estrutura para a sustentação de sua população, ao passo que

municípios com maior porte do estado (como Maringá, Londrina, Cascavel, Umuarama,

e a Região Metropolitana de Curitiba) demonstram também situações de carência em

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virtude do grande fluxo migratório que tem recebido desde a década de 1970: problemas

relacionados à degradação ambiental nas cidades e à precariedade das condições de

infra-estrutura, de moradia, de assistência médica e de trabalho são corolários da relação

conflituosa estabelecida entre cidade e campo com o advento da modernização agrícola

paranaense.

No movimento de reformulação das estratégias de valorização do capital, o capital é

recriado, bem como, o espaço e a relações sociais entre campo e cidade no cenário do

Norte do Paraná. A paisagem cafeeira, ao ser gradualmente substituída por áreas de

pastagens (e outras espécies de gramíneas, como mais recentemente é o caso da

expansão da cana-de-açúcar no Paraná) e de produção de grãos (soja, milho e trigo),

consoante iniciativas do poder público em favorecer a expansão do processo de

modernização da agricultura, não foi o único elemento impactado. A organização

espacial foi redefinida, foram recriados conflituosamente os elos entre campo e cidade,

intensificaram-se processos de mudanças na estrutura fundiária do Norte do Estado do

Paraná (de um espaço marcado pela existência de pequenas propriedades e de atividades

agropecuárias diversificadas passa-se, concomitantemente, a um espaço mais

homogêneo via incorporação de pequenas propriedades fundiárias pelas grandesi), a

territorialização da pecuária e da produção de grãos contribuiu diretamente como fator

de repulsão da população rural e na formação de um novo perfil de trabalhador rural

(volante, bóia-fria, temporário, entre outros – flexibilizado as novas necessidades da

acumulação) que, em conseqüência, impactaram também as cidades regionais e supra

regionais. Com o desenvolvimento das forças produtivas no campo colocadas em curso

via pacote da Revolução Verde a pequena produção é paulatinamente eliminada,

transformada ou recriada através da subordinação da propriedade privada da terra

submetida ao controle do capitalii.

Em síntese, a partir da década de 1970 um conjunto de problemas sociais (e ambientais,

embora não os trataremos aqui) se intensificou cumulativamente no Paraná como

repercussão do processo de modernização da agricultura, especialmente na região Norte

do estado. Dentre eles, podemos citar como os mais evidentes: 1) o aumento do

desemprego e, conseqüentemente, do êxodo rural em decorrência da substituição da

produção cafeeira e da policultura pelas monoculturas de soja, trigo, milho e cana-de-

açúcar; 2) a concentração fundiária, intensificando a migração campo-cidade com a

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desterritorialização do pequeno proprietário fundiário; 3) o aumento crescente de

favelas e de pessoas morando precariamente não só em grandes cidades, mas também

em pequenas e médias, pelos motivos já indicados anteriormente; 4) o crescente

desemprego urbano, a carência dos serviços públicos e da oferta de infraestruturas e

equipamentos urbanos devido ao incremento populacional; e 5) a precarização do

trabalho rural em virtude das novas relações de trabalho (volantes) que passaram a ser

demandadas nas produções (cortador de cana, trabalhador da colheita de mandioca,

bóias-frias nas lavouras de café, diaristas etc.).

Pela volta do homem ao campo e pelo enfrentamento da pobreza? insights sobre o programa “Vilas Rurais” do governo do estado do Paraná.

Em meio a todos esses conflitos deflagrados pelo acirramento das contradições que

sucintamente pusemos em relevo seus principais elementos, surge em 1995 o programa

“Vilas Rurais”, idealizado pelo Governo do Estado do Paraná (gestão Jaime lerner),

com o afã de amenizar problemas há décadas avolumados como o do êxodo-rural, do

emprego rural, do inchaço populacional urbano, da reforma agrária e da pobreza. Trata-

se de um programa de intento redistributivo, com objetivos sólidos, permeados pela

idéia de justiça social conforme retoricamente propalado. A seguir, expomos consoante

Reis (1998), os elementos basilares do projeto “Vilas Rurais”, para posteriormente

tecermos a crítica.

O governo tem procurado trabalhar o desenvolvimento econômico descentralizado e

vem buscando implantar projetos que dêem condições concretas de fixação do homem

do campo em seu meio, como forma de evitar o rápido adensamento populacional nas

grandes e médias cidades e os problemas decorrentes deste processo (REIS, 1998, p.

03). O Projeto Vilas Rurais surge do projeto político de descentralização do Estado, em busca de alternativas para a grave questão social de expulsão dos trabalhadores rurais das fazendas. Trabalhadores que passam a viver nas periferias das cidades, pagando aluguel, em habitações precárias, enquanto continuam a trabalhar como “bóias frias” nas zonas rurais, principalmente em época de colheita. Nas cidades, vivem de biscates ou empregam-se na indústria da construção civil (idem, p. 04). São poucos os programas destinados ao enfrentamento da pobreza no Brasil que contemplam os trabalhadores rurais, o que confere maior relevância ao Vilas Rurais, destinado a este público. O local selecionado para sua construção leva em conta a facilidade de acesso a bens e serviços públicos como escola, postos de saúde, rede elétrica, comércio etc., contribuindo para

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a melhora da qualidade de vida desta população e racionalizando o custo em novos investimentos (idem, p. 08). Este é um programa para quem acredita que é possível resolver o problema da pobreza e que o Brasil só poderá ser considerado uma grande nação, investindo na melhora da qualidade de vida da população e em uma distribuição mais justa de recursos (idem p. 11).

Nas citações, Reis (1998) apresenta-nos as determinações essenciais em torno do

projeto “Vilas Rurais”. Preocupações que aludem ao combate à pobreza comparecem

com veemência no escopo do projeto. Podemos pontuar como objetivos gerais do “Vilas

Rurais”: 1) a necessidade de fixar o homem ao campo; 2) a preocupação em reduzir os

índices de pobreza urbana devido ao adensamento populacional; e 3) O imperativo de

mobilizar efetivos de força de trabalho e torná-los disponíveis as demandas do capital

(sobretudo fundiário).

Com o pretenso intuito de corrigir os desequilíbrios oriundos das migrações campo-

cidade e melhorar a qualidade de vida da população paranaense, o governo paranaense

estrutura o programa “Vilas Rurais”, objetivando criar empregos, desenvolver a

agricultura e propiciar nova forma de assentamento do homem no campo. Para tanto um

aparato operativo é idealizado e progressivamente implementado para que seja possível

o arrefecimento de tais anomalias.

Inicialmente, em quatro anos de governo, o programa “Vilas Rurais” previa a

construção de 300 vilas rurais. Cada vila com no máximo 100 unidades e casas com

44,5 m2. Vilas com lotes de dimensões que variam entre 2.000 e 5.000 m2, visando

contemplar, aproximadamente, 60.000 famílias. No total foram implantadas 412 vilas

rurais em todo estado do Paraná, sendo atendidas aproximadamente 16 mil famílias,

assentadas em lotes em média de 5.000 m2, equivalente a 0,5 hectare (LERNER, 2004).

O Projeto Vilas Rurais é operacionalizado através de parceria entre o estado do Paraná e

as prefeituras municipais em conjunto com a Secretaria de Estado da Agricultura e do

Abastecimento, Secretaria Especial da Política Habitacional e a Secretaria de Estado da

Criança e Assuntos da Família.

As vilas são localizadas junto a distritos ou estradas vicinais, teoricamente facilitando o

acesso à escola, a equipamentos de saúde, a bens de consumo e a serviços. A construção

das vilas em locais próximos a equipamentos já existentes, segundo Reis (1998), evita

novos investimentos.

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A seleção das famílias é feita por técnicos das secretarias que coordenam o programa a

partir de critérios preestabelecidos (ter idade entre 18 e 55 anos, morar há mais de dois

anos no município, ter procedência rural, ter renda familiar diminuta, atender a critérios

relacionados à quantidade de membros da família, ser locatário de domicílio, entre

outras variáveis). As prestações são parceladas em 15 anos. Na vila rural Antônio

Pinguelli, de Pitangueiras/PR, por exemplo, o valor da prestação estabelecido foi de

R$20,00.

Entre meados dos anos 1990 e 2000 as vilas rurais brotaram como cogumelos (para usar

a expressão de Marx e Engels em “Ideologia Alemã”) nos municípios do Paraná.

Tornaram-se elementos comuns na paisagem: casas a moda “conjuntos habitacionais”

dispostas em algumas dezenas de metros umas das outras em um núcleo de

adensamento humano projetado no espaço rural, mais ou menos próximas às cidades.

As famílias abrigam-se em pequenas casas com lotes de 0,5 hectare, por vezes longe de

sua área de trabalho, com sistemas de transporte deficitários (e/ou com preços que

impactam o reduzido orçamento familiar), sem escolas, creches, hospitais e áreas de

lazer apropriada.

Encontramos no “Rurbano” a concepção de desenvolvimento rural que norteia o

projeto, no qual a terra não é mais elemento central na produção, e sim a densidade

tecnológica e a pluriatividade (múltiplas formas de ocupação dos trabalhadores rurais):

pequena propriedade não é sinônimo de pequena produção e nem de usos meramente

agrícolas. O rural não é dicotômico em relação ao urbano: por isso a alegação de usos

comuns das infraestruturas e equipamentos urbanos entre citadinos e as populações

rurais das vilas, fomentando, supostamente, sinergias no território entre campo e cidade

com a atribuição de usos coletivos.

Vejamos o exemplo empírico de um morador (Sr. Adão) da vila rural “Antônio

Pinguelli”, em Pitangueiras/PRiii:

A implementação da referida vila rural efetivou-se num contexto de carências

municipais múltiplas. Ressalta Ripol (2005) que até 1993 a economia municipal

dependia essencialmente da cafeicultura, da cotonicultura (atividades intensivas em

mão-de-obra que somadas ocupavam 64% da área total do município, a saber, 12.373,6

hectares) e da pecuária extensiva.

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A cafeicultura, a cotonicultura e a pecuária entraram em franco retrocesso na década de

1990. O algodão devido aos subsídios de importação do produto; o café pela

inadequação tecnológica mesclada a ocorrência, em 1994, de forte geada que dizimou

inúmeros cafezais e a pecuária pelo progressivo índice decrescente do valor agregado1

por hectare (RIPOL, 2005). As principais carências sentidas na época estavam

relacionadas:

[... ] a baixa renda dos trabalhadores rurais, atrelada à sazonalidade na demanda por mão-de-obra volante, a degradação dos recursos naturais, especialmente água e solos, a descapitalização dos pequenos produtores e mal uso dos fatores de produção terra-capital-mão de obra disponíveis. Como potencialidades, a presença de parceiros como cooperativas e integradoras, a infra-estrutura de produção e tecnologias disponíveis, o apoio institucional do Município e Governo Estadual e a credibilidade e interesse por parte dos agentes de desenvolvimento, os próprios produtores rurais em mudar o comportamento produtivo (RIPOL, 2005, p. 03).

Nesse contexto, tendo em vista o significativo peso do “setor” primário na economia

municipal e, conseqüentemente, a urgência em dinamizá-lo, evitando assim o aumento

do desemprego e a queda na arrecadação do recém criado município, em 1994, é

elaborado o PDA (Plano de Desenvolvimento Agrícola) de Pitangueiras/PR. Os

programas que compuseram o PDA de Pitangueiras, segundo Peres et al (2009) foram:

diversificação do estabelecimento agrícola, organização rural, recuperação e

conservação dos recursos naturais e programa de recuperação da cotonicultura

municipal.

Nos anos posteriores a elaboração do PDA de Pitangueiras, o Governo do Estado do

Paraná lança mão do programa “Vilas Rurais”, em 1995. A administração municipal da

época, em consenso com o Conselho Municipal Desenvolvimento Rural (CMDR),

decide pela construção de duas vilas rurais como adendo ao PDA original.

O Sr. Adão e sua família instalaram-se na vila rural Antônio Pinguelli em 1996, junto a

sua fundação, no município de Pitangueiras/PR. Sua família é composta por quatro

pessoas (proprietário, cônjuge e casal de filhos). Em sua propriedade de 0,5 ha. as

atividades econômicas que realiza, seguindo orientação de técnicos locais da EMATER,

são: cultivo de café adensado e avicultura de integração (agroindústria “Big Frango”,

Rolândia/PR). Além da renda oriunda da propriedade, existem mais duas fontes: a de

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sua esposa (funcionária do frigorífico Big Frango de Rolândia/PR) e a de seu filho

(funcionário da “VR Confecções”).

Segundo o Sr. Adão, com a cafeicultura consegue obter uma renda anual de R$

2.000,00 e com a avicultura, em média, R$ 1.500,00 bruto/lote. Se decompusermos

esses rendimentos totais e colocássemos em variáveis de renda bruta mensais, teríamos

o seguinte cálculo aproximado: R$ 170,00 com a cafeicultura e R$ 750,00iv com a

avicultura. Somando um total de R$ 920,00 mensais de ganho bruto em ambas as

atividades. Ao que parece, uma renda razoável. Vejamos:

Devido a baixa capacidade aquisitiva do proprietário, este adquiriu um aviário usado,

que lhe custou R$ 25.000,00 dos quais financiou R$ 18.000,00. Ou seja, acrescenta-se

ao custo de produção as parcelas do financiamento do capital fixo implantado e o

estágio avançado de depreciação dos equipamentos pelo fato de serem de segunda mão.

O gasto mensal de energia elétrica é elevado – em relação aos outros moradores não

avicultores da vila rural – devido a demanda dos equipamentos aviários (basicamente

ventilação e iluminação), girando em torno de R$ 350,00 mensais.

O produtor até o momento utiliza gratuitamente a mesma água disponibilizada a todos

os moradores da vila para abastecer seu aviário, recurso que provém de um poço

artesiano. Devido a grande quantidade de água demandada pelo aviário (em média

5.000 litros/diav) a integradora está fazendo pressão para que o produtor construa um

poço artesiano em sua propriedade, o que aumentará ainda mais seus custos de produção

com a mobilização de mais recursos em capital fixo.

Determinados frigoríficos, como é o caso da “Big Frango”, vem adotando a estratégia

concorrencial de integrar avicultores cujos aviários são mais intensivos em mão-de-obra

do que em tecnologia e instalações. Pela exigência reduzida em termos de estrutura

física e tecnologia (comparado, por exemplo, ao padrão “Sadia” de tecnologia, cuja

implantação de um aviário de 100x12m custa hoje entre R$ 150.000,00 e R$

200.000,00) as integradoras conseguem abranger um universo maior de integrados e

obterem elevada rotatividade de avicultores, remunerando-os em índices mais baixos. A

lógica de acumulação dessas agroindústrias centra-se na intensa exploração da força de

trabalho. O Sr. Adão não possui bebedouros, ventiladores, aquecedores e tratadores

automáticos. Os trabalhos são realizados manual e constantemente, repercutindo-se

diretamente em déficits de incremento produtivovi (com gastos mais elevados devido a

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desperdícios e qualidade inferior do produto final), ao passo que a integradora exerce

pressão por incrementos de produtividade e melhoria da qualidade do produto final sob

a possibilidade de penalizações (o não alojamento durante certo período, o decréscimo

da remuneração, por exemplo) caso não cumprido em índices e prazos estipuladosvii.

Em relação à atividade cafeeira, além da irracionalidade de se produzir uma cultura

permanente de baixo valor agregado em uma propriedade tão pequena, o produtor há

que ter a felicidade de não ser atingido por algum fenômeno de ordem meteorológica

intensa que comprometa sua produção, como geadas ou precipitações de granizo.

Como vimos, é frágil o projeto de “reforma agrária sem terra” do projeto “Vila Rurais”

do Estado do Paraná. As alternativas de produções intensivas utilizadas pelo Sr. Adão

não sinalizam viabilidade, mas sustentam um discurso.

A família consegue teoricamente equilibrar o orçamento devido a baixa prestação do

lote, a gratuidade da água utilizada, ao assalariamento da esposa e do filho em

atividades urbanas e não somente pelos recursos provenientes da cafeicultura e da

avicultura. Um elemento importante dessa vila é sua proximidade com a cidade,

aproximadamente três quilômetros: fato que ameniza as carências dos moradores em

termos de equipamentos, infra-estruturas e acessibilidade. A vila rural, nesse caso,

eleva-se a uma espécie de “apêndice” da cidade e os moradores têm a possibilidade de

assalariarem-se em atividades urbanasviii.

A prestadora de serviços “VR Confecções”, fundada em 2003 em Pitangueiras é tida

como materialidade e exemplo de pluriatividade da agricultura. Com recursos da

prefeitura municipal (doação de barracão) e do programa “Paraná 12 Meses” (créditos

para aquisição de equipamentos), membros de 31 famílias das vilas rurais de

Pitangueiras iniciaram trabalho em confecção, prestando serviços a indústrias do ramo.

Indústrias encaminham para a “VR Confecções” cortes de tecidos (principalmente

jeans) para serem costurados e efetivados outros acabamentos no produto, pagando por

unidade acabada uma quantia pré-determinada pelo contratante. Os trabalhadores não

possuem registro em carteira profissional; em períodos de picos de encomendas chegam

a trabalhar mais de 12 horas por dia e ganham em média um salário mínimo mensal.

Mesmo caracterizando-se como forma de trabalho precarizado, mulheres e adolescentes

ocupam-se no processo produtivo e a atividade consubstancia-se como importante

complemento de renda aos “vileiros”. Entre o “milagre” conceitual da pluriatividade

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agrícola e a realidade objetiva em que essas famílias estão subsumidas erige-se a

conflitualidade entre classes sociais, a exploração em demasia da força de trabalho, a

crise do trabalho e da identidade do trabalhador enquanto classeix.

Poderíamos citar ainda outros gargalos latentes do “Vilas Rurais: quanto à pretensa

identidade de comunidade forjada num projeto de assentamento humano ruralx, à

deficiência de assistência técnica e orientaçãoxi ao produtor, ao discurso de reforma

agrária e de combate à pobreza, entre outros elementos.

Em nossa concepção, as vilas rurais são formas de assentamento humano dispostas com

o intuito de propiciar: 1) a materialidade do discurso político (e dos “experts”) que as

forjaram (perfumada com essências de combate à pobreza, à favelização, ao

desemprego e ao inchaço populacional urbano); 2) o rebaixamento dos custos de

reprodução da força de trabalho; 3) a resolução, em teoria, de problemas estruturais

inerentes ao modo capitalista de produção que há décadas afligem o campo e a cidade

no Paraná.

Foto 01: vista interna do aviário de propriedade do Sr. Adão.

Fonte: Eduardo, 2010.

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Foto 02: Propriedade do Sr. Adão. Imagem da lavoura de café adensado.

Fonte: Eduardo, 2010.

Foto 03: Slogan “VR Confecções”. Fonte: Eduardo, 2010.

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Foto 04: vista interna parcial da “VR Confecções”. Fonte: Eduardo, 2010.

Foto 05: ao fundo, domicílio no qual residem Sr. Adão e família.

Fonte: Eduardo, 2010.

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Notas

i Conforme Moro (2000, p. 37-8), o fenômeno da concentração da posse da terra durante década de 1970 foi de tal amplitude que 100.385 estabelecimentos agropecuários deixaram de existir e o efetivo da população rural reduziu em 63,9% entre o período de 1970 e 1991. ii Ver estudos de Martins (1986) e Oliveira (1991). iii Desmembrado de Rolândia/PR e elevado a nível de município em 1990, cuja instalação ocorreu em 1993. Informação disponível em: http://www.ibge.gov.br/cidadesat/historicos_cidades/historico_conteudo.php?codmun=411965. Acesso dia 22 de junho de 2010. A população municipal é de 2.667 habitantes (IBGE, 2007). iv Segundo o produtor, em média cada lote de frangos (aprox. 18.000 aves) é entregue à agroindústria com 45 dias. O mesmo informou-nos que realiza em média 06 alojamentos anuais. Para chegar ao cálculo, somamos o número total de alojamentos, multiplicamos pela renda média adquirida por lote e dividimos pelos meses do ano. v Informação dada pelo produtor. vi O produtor informou-nos que os ventiladores são ligados manualmente quando as aves estão com o bico aberto, o que indica, segundo ele, que a temperatura interna é elevada no aviário, enquanto num padrão mais sofisticado de produção a ventilação e nebulização são realizadas automaticamente conforme índices de temperatura e umidade do ar. vii O Sr. Adão mencionou-nos que chegou a colocar uma capela dentro do aviário, reforçando seus votos de fé numa fase difícil de sua atividade. viii A prefeitura municipal de Pitangueiras/PR fornece transporte gratuito aos munícipes para trabalharem em determinadas firmas das intermediações, principalmente frigoríficos. ix Afinal, os “vileiros” são produtores rurais? Bóias-frias assentados? Ou trabalhadores urbanos dispersos no campo? Parece-nos que a proposta da política pública já indica uma provável resposta: nem rurais, nem citadinos; nem campo, nem cidade, mas a relação “harmônica” campo-cidade. A paz do mundo rural provida dos gozos do ambiente urbano: eis a via política de resolução da contradição cidade-campo no Paraná. x O projeto “Vilas Rurais” previa também em cada vila a construção de um estufa coletiva para produção de hortaliças, forçando laços de identidade entre os “vileiros”, leia-se bóias-frias (da cana, da mandioca, do café etc.). Muitas estufas foram divididas entre os moradores: cada qual com a parte que lhe coube (se interessado) produzindo individualmente. xi A discrepância com a realidade é tamanha que na vila rural “Gralha Azul”, em Francisco Beltrão/PR, doou-se uma vaca leiteira de raça Jersey para cada proprietário. Contraditoriamente, cada animal necessita de uma área de 0,5 ha. de pastagem para ser criado extensivamente. Obviamente que a atividade pecuária em áreas tão reduzidas só poderia ser realizada em formas intensivas de criação. Como se os moradores tivessem farta experiência produtiva, acesso a recursos financeiros, infra-estrutura para escoamento da produção e assistência técnica regular. Resultado, após assentados os “vileiros”, o churrasco comemorativo estava garantido! Mesmo porque a atividade leiteira exige mobilização diária de trabalho, pelo menos duas vezes ao dia. E como estamos tratando de pessoas que moram no espaço rural, mas que desenvolvem atividades fora de sua propriedade em constância, a manutenção da atividade leiteira tornaria impraticável. Nessa mesma vila rural um morador destruiu parte de uma curva de nível que passava por sua propriedade, plainando o terreno com inchada, por desconhecer a função dessa técnica de combate à erosão pluvial, sinalizando a deficiência na oferta de assistência técnica aos produtores.

Referências LERNER, Jaime. Jaime Lerner - Governador do Paraná. Jaime Lerner, todos os direitos reservados, 2004. Disponível em: <http://www.jaimelerner.com/governador/governador.asp#>. Acesso dia 11 de junho de 2010. MARTINS, José de S. O cativeiro da terra. São Paulo: Hucitec, 1986.

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MORO, Dalto A. Modernização da agricultura paranaense. In: VILLALOBOS, J. U. (Org.) Geografia social e Agricultura. Maringá: PPG em Geografia-UEM, 2000. p. 27-60. OLIVEIRA. Ariovaldo U. de. Agricultura Camponesa no Brasil. São Paulo: Contexto, 1991. PADIS, Pedro. C. Formação de uma economia periférica: o caso do Paraná. São Paulo: Hucitec, 1981. PERES, Marli. C. A. P.; RALISCH, Ricardo; RIPOL, Cristovon. V. Plano de desenvolvimento agrícola: a experiência de Pitangueiras, Paraná. In: Ciências Agrárias, Londrina, v. 30, suplemento 1, p. 1219-1226, 2009. REIS, Iraci O. dos. Projeto Vilas Rurais. In: 20 Experiências de Gestão Pública e Cidadania. FUJIWARA, L. Mario; ALESSIO N. L. Nouvel; FARAH, M. F. Santos (orgs.). São Paulo: Programa Gestão Pública e Cidadania, 1998. Disponível em: http://eaesp.fgv.br/subportais/ceapg/Acervo%20Virtual/Cadernos/Experi%C3%AAncias/1997/14%20-%20vilas.pdf RIPOL, Cristovon. Videira. Plano de Desenvolvimento Agrícola (PDA) Para o Município de Pitangueiras – Paraná. Disponível em: http://www.emater.pr.gov.br/arquivos/File/Comunicacao/Premio_Extensao_Rural/1_Premio_2005/PDA_EM_PITANGUEIRAS.pdf. Acesso dia 16 de junho de 2010.