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Anais do XVIII Encontro de Iniciação Científica – ISSN 1982-0178 Anais do III Encontro de Iniciação em Desenvolvimento Tecnológico e Inovação da PUC-Campinas – ISSN 2237-0420 24 e 25 de setembro de 2013 O PROGRAMA LER E ESCREVER E A ALFABETIZAÇÃO NOS ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL: UMA EXPERIÊNCIA NO MUNICÍPIO DE CAMPINAS (SP) Laís Helena Besseler Faculdade de Educação CCHSA [email protected] [email protected] Elvira Cristina Martins Tassoni Grupo de Pesquisa: Formação e Trabalho Docente CCHSA [email protected] Resumo: A presente pesquisa teve como foco inves- tigativo o Programa Ler e Escrever – política pública do estado de São Paulo, para os anos iniciais do Ensino Fundamental. O Programa conta com várias frentes de atuação, envolvendo um processo forma- tivo em diferentes âmbitos, incluindo a formação de formadores, de professores-coordenadores e de pro- fessores regentes, bem como a produção de material didático para o trabalho em sala de aula, buscando promover a melhoria do ensino da Língua Portugue- sa e da Matemática. Com este estudo buscamos discutir a utilização do material didático do referido Programa nas classes de 1º, 2º e 3º ano, período que compreende o bloco inicial de alfabetização, em uma escola estadual da cidade de Campinas (SP), tendo como foco o ensino da língua materna. Tem como problema investigar como este material vem sendo explorado em sala de aula. O procedimento de coleta de dados utilizado foi a observação do uso do material em sala de aula, com registro das infor- mações em diário de campo, bem como entrevistas abertas com as professoras do 1º ao 3º ano e com a professora-coordenadora da escola investigada. Os resultados apontaram que há divergências entre as propostas trazidas pelo material do Ler e Escrever e as práticas realizadas pelo docente em sala de aula. Consideramos que as propostas trazidas pelo Pro- grama se distanciam do contexto diário enfrentado pelo professor, e que, portanto, se faz necessária a revisão das políticas educacionais do Estado de São Paulo a fim de que ao apresentar novos materiais didáticos, se pautem nas reais necessidades dos atores da sala de aula, protagonistas no processo de ensino-aprendizagem. Espera-se contribuir para as discussões sobre as práticas pedagógicas relaciona- das à escrita e à leitura e também sobre as formas como as políticas de formação continuada de profes- sores alfabetizadores têm refletido em tais práticas. Palavras-chave: Alfabetização, Formação de Pro- fessores, Programa Ler e Escrever. Área do Conhecimento: Ciências Humanas – Edu- cação 1. INTRODUÇÃO Esta pesquisa discute a utilização do material didáti- co do Programa Ler e Escrever, no processo de alfa- betização das crianças matriculadas nos anos iniciais do Ensino Fundamental. O Programa Ler e Escrever (PLE), embora não ex- plicite em seus materiais, tem como base teórica os pressupostos construtivistas, norteadores do Currícu- lo do Estado de São Paulo há mais de 20 anos. O anseio de investigar o Ler e Escrever justifica-se em razão de se constituir como mais uma alternativa na busca por promover a melhoria na qualidade de ensino da língua materna no país. Interessados na formação de professores alfabetiza- dores, buscamos respostas à seguinte problemática: como o material didático do Programa Ler e Escrever têm sido explorado nas classes de alfabetização? Especificamente buscamos identificar: quais as es- tratégias utilizadas pelas professoras para explora- ção do material, no ensino da leitura e escrita; como os alunos se relacionam com as propostas que cons- tam no referido material. Para encontrar respostas a todos os questionamen- tos, fundamentamos nossa pesquisa na abordagem qualitativa de investigação que, segundo Bogdan e Biklen [1], “enfatiza a descrição, a indução, a teoria fundamentada e o estudo das percepções pessoais”. Diante da pesquisa de campo realizada em uma es- cola estadual do município de Campinas, utilizamos como procedimento de coleta de dados a observa- ção das classes de 1º, 2º e 3º ano e entrevistas aber-

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24 e 25 de setembro de 2013

O PROGRAMA LER E ESCREVER E A ALFABETIZAÇÃO NOS ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL: UMA EXPERIÊNCIA

NO MUNICÍPIO DE CAMPINAS (SP)

Laís Helena Besseler Faculdade de Educação

CCHSA [email protected]

[email protected]

Elvira Cristina Martins Tassoni

Grupo de Pesquisa: Formação e Trabalho Docente CCHSA

[email protected]

Resumo: A presente pesquisa teve como foco inves-tigativo o Programa Ler e Escrever – política pública do estado de São Paulo, para os anos iniciais do Ensino Fundamental. O Programa conta com várias frentes de atuação, envolvendo um processo forma-tivo em diferentes âmbitos, incluindo a formação de formadores, de professores-coordenadores e de pro-fessores regentes, bem como a produção de material didático para o trabalho em sala de aula, buscando promover a melhoria do ensino da Língua Portugue-sa e da Matemática. Com este estudo buscamos discutir a utilização do material didático do referido Programa nas classes de 1º, 2º e 3º ano, período que compreende o bloco inicial de alfabetização, em uma escola estadual da cidade de Campinas (SP), tendo como foco o ensino da língua materna. Tem como problema investigar como este material vem sendo explorado em sala de aula. O procedimento de coleta de dados utilizado foi a observação do uso do material em sala de aula, com registro das infor-mações em diário de campo, bem como entrevistas abertas com as professoras do 1º ao 3º ano e com a professora-coordenadora da escola investigada. Os resultados apontaram que há divergências entre as propostas trazidas pelo material do Ler e Escrever e as práticas realizadas pelo docente em sala de aula. Consideramos que as propostas trazidas pelo Pro-grama se distanciam do contexto diário enfrentado pelo professor, e que, portanto, se faz necessária a revisão das políticas educacionais do Estado de São Paulo a fim de que ao apresentar novos materiais didáticos, se pautem nas reais necessidades dos atores da sala de aula, protagonistas no processo de ensino-aprendizagem. Espera-se contribuir para as discussões sobre as práticas pedagógicas relaciona-das à escrita e à leitura e também sobre as formas como as políticas de formação continuada de profes-sores alfabetizadores têm refletido em tais práticas.

Palavras-chave: Alfabetização, Formação de Pro-fessores, Programa Ler e Escrever.

Área do Conhecimento: Ciências Humanas – Edu-cação

1. INTRODUÇÃO Esta pesquisa discute a utilização do material didáti-co do Programa Ler e Escrever, no processo de alfa-betização das crianças matriculadas nos anos iniciais do Ensino Fundamental. O Programa Ler e Escrever (PLE), embora não ex-plicite em seus materiais, tem como base teórica os pressupostos construtivistas, norteadores do Currícu-lo do Estado de São Paulo há mais de 20 anos. O anseio de investigar o Ler e Escrever justifica-se em razão de se constituir como mais uma alternativa na busca por promover a melhoria na qualidade de ensino da língua materna no país. Interessados na formação de professores alfabetiza-dores, buscamos respostas à seguinte problemática: como o material didático do Programa Ler e Escrever têm sido explorado nas classes de alfabetização? Especificamente buscamos identificar: quais as es-tratégias utilizadas pelas professoras para explora-ção do material, no ensino da leitura e escrita; como os alunos se relacionam com as propostas que cons-tam no referido material. Para encontrar respostas a todos os questionamen-tos, fundamentamos nossa pesquisa na abordagem qualitativa de investigação que, segundo Bogdan e Biklen [1], “enfatiza a descrição, a indução, a teoria fundamentada e o estudo das percepções pessoais”. Diante da pesquisa de campo realizada em uma es-cola estadual do município de Campinas, utilizamos como procedimento de coleta de dados a observa-ção das classes de 1º, 2º e 3º ano e entrevistas aber-

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tas com as professoras das classes investigadas e com a professora-coordenadora da escola. O procedimento adotado nos oportunizou “um conta-to pessoal e estreito (...) com o fenômeno pesquisa-do (...). A experiência direta é sem dúvida, o melhor teste de verificação da ocorrência de um determina-do fenômeno” [3]. Apresentamos, a seguir, cada etapa dos procedi-mentos e nossas considerações a respeito dos resul-tados encontrados. 2. A PESQUISA E SEUS RESULTADOS A observação nas classes de 1º a 3º ano ocorreu nos meses de setembro a novembro de 2012, na qual pudemos participar das situações em que o en-sino da língua materna acontecia. Algumas vezes presenciamos as aulas de Matemática, que não fize-ram parte de nossas análises. No total realizamos 14 observações nas classes de 1º, 2º e 3º ano em que algumas situações o material do Ler e Escrever foi contemplado. Podemos observar a frequência de sua utilização no Quadro 1:

Quadro 1. Frequência de utilização do Ler e Escrever

Antes de discutirmos a frequência com que o materi-al didático do referido Programa foi utilizado, se faz necessário contextualizarmos tanto a escola-campo quanto as salas de aula em que ocorreram as obser-vações. 2.1. A escola investigada Trata-se de uma escola inaugurada em 1994, com traços da educação rural que, atualmente, atende: Ensino Fundamental – anos iniciais, no período ves-pertino e, anos finais, no período matutino; Ensino Médio e EJA, no período noturno. Localizada no mu-nicípio de Campinas, atende um número considerá-vel de alunos, embora configure-se como um espaço fisicamente pequeno. Seu início foi marcado por classes multisseriadas, de 1ª a 4ª séries e, até o final do ano de 2012, ainda continha uma classe de alfabetização de 1º e 2º ano que funcionavam no mesmo espaço, sendo respon-sabilidade da mesma docente.

Seus alunos são, em sua maioria, moradores do próprio bairro e também alguns alunos de bairros vizinhos. Estes alunos, segundo relato das professo-ras, são oriundos de famílias com médio poder aqui-sitivo. Há participação da comunidade, nas diversas ativi-dades desenvolvidas pela escola, sobretudo em reu-niões de pais e festas comemorativas. Em sua proposta pedagógica a escola busca seguir os Quatro Pilares da Educação, a saber: Aprender a Conhecer – formando a base para o aprendizado continuado; Aprender a Fazer – desenvolvendo habi-lidades e competências; Aprender a Viver Juntos – convivendo com os outros, proporcionando o desen-volvimento do conhecimento recíproco e da vivência conjunta, respeitando as relações interpessoais, por meio do diálogo. Dessa forma, objetiva em sua práti-ca pedagógica: propiciar a formação do aluno orien-tando-o para que ele possa saber pensar, criar, criti-car, elaborar e atuar de modo a ser agente de trans-formação na realidade em que está inserido; criar um espaço de confiança para que o aluno vivencie, pes-quise, aprenda e desenvolva suas habilidades; cons-truir seus conhecimentos em clima de liberdade, com atividades e projetos; cultivar a alegria, o amor, a sabedoria e a liberdade; provocar o debate, a intera-ção, o levantamento de hipóteses e a reflexão. A escola aderiu ao Programa Ler e Escrever em 2009, mesmo ano em que o processo formativo inici-ou. Nas salas de 1º ao 5º ano eram distribuídos os seguintes materiais didáticos do referido Programa: Guia de Planejamento e Orientações Didáticas, para o professor; Coletânea de Atividades, destinado ao aluno; e Livro de Textos, para ambos. 2.2. A dinâmica das salas de aula investigadas A classe multisseriada era composta por 30 alunos, sendo nove deles matriculados no 1º ano e os de-mais matriculados no 2º ano. A professora da classe possui formação no magisté-rio e na Pedagogia, lecionando nesta escola há, aproximadamente, dez anos. Objetivando melhor qualidade de suas aulas, esta professora aplicava, simultaneamente, atividades de Matemática aos alu-nos do 1º ano; e atividades de Língua Portuguesa aos alunos do 2º ano. Ou vice-versa. A sala apresentava bom convívio entre si e, a pro-fessora, embora demonstrasse determinadas angús-tias em relação ao seu trabalho, demonstrava ter controle sobre as atividades que propunha a seus alunos e, eles por sua vez, buscavam ser participati-vos e compartilhar suas experiências e conhecimen-

Turma Aulas observadas

Aulas com material do Ler e Escrever

1º ano 7 Nenhuma 2º ano 7 2 3º ano 6 5

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tos prévios, sempre que a professora lhes dava aber-tura. No que se refere ao trabalho com o material didático do Ler e Escrever, a professora utilizava-o apenas com o 2º ano, pois dizia que com o 1º ano seu plane-jamento estava relativamente atrasado e havia mui-tos materiais para serem explorados. Ela adotou uma apostila confeccionada por si mesma para alfabetizar os alunos. Com o 2º ano, o trabalho com a Coletâ-nea de Atividades era realizado apenas às quintas-feiras, e quando “sobrasse” algum tempo vago na rotina da classe. O Livro de Textos era lido frequen-temente pela professora aos finais de aula. Segunda a professora, do total de alunos do 2º ano, apenas três não conseguiram atingir as expectativas de aprendizagem, isto é, chegar ao final do ano letivo silábico-alfabéticos1, sabendo ler e escrever, ainda que com alguns erros ortográficos. O 3º ano era uma classe composta por 24 alunos e 22 deles, segundo a professora, baseada nas avalia-ções processuais realizadas por ela, encontravam-se no nível alfabético de escrita, cometendo apenas alguns erros ortográficos, considerados comuns à etapa de alfabetização em que se encontravam. A professora, formada em Pedagogia, com 30 anos de experiência como educadora, estava em seu últi-mo ano de docência, à espera de sua aposentadoria. Nos últimos dois anos, ela lecionara para turmas de 3º ano e dizia gostar da experiência. Na escola onde ocorreu a investigação, o seu trabalho já completara 10 anos. Nas aulas observadas, alternava entre a utilização do material didático do Programa Ler e Escrever e exercícios passados na lousa, que ela mesma elabo-rava. Em seu discurso, era frequente a preocupação com a excelência dos alunos na prova do SARESP, que estava por acontecer e, por este motivo, o con-teúdo de suas aulas voltava-se ao que era cobrado nesse tipo de avaliação. Poucas vezes foi possível observar a utilização de materiais concretos que complementassem suas aulas, tais como: livros pa-radidáticos, construção de materiais pelos alunos, entre outros. 2.3. O uso do Ler e Escrever para o ensino da leitura e escrita em sala de aula

1 Níveis de desenvolvimento da escrita, de acordo com

Emília Ferreiro, que compreendem os níveis pré-silábico, silábico, silábico alfabético e alfabético. Estão descritos no livro da autora A psicogênese da Língua Escrita (1986). Está é a forma com que o Programa Ler e Escre-ver propõe a avaliação da escrita dos alunos.

O Ler e Escrever é um material de base construtivis-ta, apoiado nos pressupostos teóricos desenvolvidos por Emilia Ferreiro e Teberosky [2], que a partir da Psicogênese da Língua Escrita, aponta como funda-mental que o educador considere relevante as hipó-teses de escrita elabora pela criança, e portanto os seus conhecimentos prévios sobre o uso da língua. Dessa forma, os exercícios propostos na Coletânea de Atividades do PLE, segundo o próprio material didático, devem promover uma reflexão constante por parte do aluno sobre sua escrita e, por conse-quência, sobre sua postura enquanto leitor e comu-nicador [4]. Por outro lado, o Guia de Planejamento e Orientações Didáticas, deve elucidar o professor a respeito das atividades propostas na Coletânea, permitindo a ele ter um ponto de partida para o en-caminhamento de tais atividades. Contudo, nos dias em que registramos a utilização do Ler e Escrever, tanto no 1º e 2º ano, quanto no 3º ano, foi possível verificar que há certas contradições nas propostas trazidas pelo referido material, bem como certo distanciamento entre o que é proposto pelo Programa e as estratégias utilizadas pelas pro-fessoras para utilizá-lo. Com o 2º ano foram desenvolvidas duas atividades em que o material do Ler e Escrever esteve presen-te. No que se refere à primeira atividade, não havia orientações específicas no Guia de Planejamento e Orientações Didáticas para o seu encaminhamento, já que se referia à leitura da Lenda de Narciso, dis-ponível no Livro de Textos. Contudo, o material ao referir-se à leitura realizada pelo professor, diante de qualquer situação, trazia algumas considerações para que esta acontecesse diariamente. Defendia a realização de uma leitora enfática e dinâmica, de modo a despertar o interesse dos alunos e também debates sobre a temática trazida pelo texto que está sendo lido, a fim de ativar os conhecimentos prévios dos alunos proporcionando uma aprendizagem signi-ficativa a eles [4]. Diferentemente das orientações trazidas pelo Programa, para a realização desta ati-vidade, a professora não contou com a participação de seus alunos. Fez a leitura da lenda sem preocu-par-se com a entonação ou com a ênfase esperada nos diálogos existentes no texto, resultando em pro-fundo desinteresse da classe pela leitura que estava sendo realizada. Comentou para si mesma a trajetó-ria vivenciada pelo personagem da lenda, de modo que os alunos não compreenderam sua fala e, por-tanto, não apresentaram nenhuma reação. Rapida-mente partiu para outra atividade, parecendo ter cumprido apenas as orientações da coordenação pedagógica da escola, apresentadas nos ATPC – Aula de Trabalho Pedagógico Coletivo.

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A segunda atividade tratava-se de Adivinhas, que segundo o Guia de Planejamento e Orientações Di-dáticas [4], “podem ser úteis para ajudar a criança a avançar em relação ao seu sistema de escrita, mas, para isso, é importante que já sejam conhecidas dos alunos”. Para o encaminhamento desta atividade havia orientações, tanto no material do professor, quanto na própria Coletânea de Atividades, dos alu-nos. O primeiro propunha ao professor que organi-zasse os alunos em duplas, considerando os seus conhecimentos sobre o sistema de escrita. Aos que escreviam convencionalmente, ficaria a responsabili-dade de ler a adivinha e em parceria com o colega pré-silábico ou silábico, descobririam a resposta. No segundo, são apresentados os seguintes passos: ler ou escutar as perguntas e as respostas; escolher a que lhe parecer certa; discutir com seu amigo a sua escolha; circular a palavra que vocês escolheram. Quanto à realização desta atividade, a docente se-guiu parcialmente as orientações trazidas pelo Ler e Escrever. Embora não tenha dividido a classe em duplas, por acreditar que isso a leva à perda do con-trole da sala, realizou a atividade em voz alta, com a participação de todos os alunos. Conforme apontado pelo material a respeito da necessidade de haver conhecimento prévio das crianças sobre as adivi-nhas, realizou nas semanas anteriores, solicitou aos alunos que realizassem uma pesquisa sobre o tema com seus familiares, ampliando assim o repertório de cada um e despertando o interesse em realizar a atividade. Em relação ao 3º ano foi possível o registro de maior frequência de utilização do Ler e Escrever. Porém o uso frequente deste material nas aulas não revelou sinônimo de qualidade do ensino da leitura e da es-crita a partir das atividades propostas pelo material. Para entendermos a afirmação acima, é preciso co-nhecer as atividades que foram desenvolvidas. No 2º semestre do 3º ano, são apresentadas algu-mas propostas de atividades com o Ler e Escrever, dentre elas: a partir da leitura e escrita de canções populares brasileiras, propor ao aluno a análise e reflexão sobre o sistema de escrita; a partir do traba-lho com a Sequência Didática “Astronomia: o sistema solar, seus planetas e outros mistérios do céu”, de-senvolver no aluno a postura de pesquisador e opor-tunizar a ele o conhecimento de textos científicos, a partir da interdisciplinaridade. A partir dos temas propostos pelo PLE, registramos uma situação em que a professora do 3º ano explo-rou a escrita de uma canção: “Alegria, alegria”, de Caetano Veloso e duas situações em que foi traba-lhada a Sequência Didática de Astronomia.

Quanto à exploração da canção, o Guia de Planeja-mento e Orientações Didáticas para o 3º ano [5] su-gere que, a partir das palavras dispostas no poema, o professor faça uma reflexão sobre o uso do M ou N no final das sílabas (M final e M ou N antes de con-soantes). Para o encaminhamento da atividade, de-talha todas as etapas, que podemos resumir da se-guinte maneira: apresentação da canção; releitura retomando os usos de M e N no final das sílabas; revisão das regras para os usos de M e N, discutindo a escrita das palavras. A observação da atividade em sala mostrou que a professou optou em trabalhar de maneira diferente das orientações trazidas pelo PLE. Iniciou a leitura coletiva e em voz alta da canção com a classe e, em seguida, solicitou que cada estrofe da canção fosse lida por um aluno, em voz alta. Após a leitura discutiu com eles a respeito da estrutura do poema quanto à quantidade de versos e estrofes. Posteriormente, relembrou o conceito de plural, a partir das palavras contidas no texto, e pediu aos alunos que copiassem em seus cadernos, todas as palavras no plural, pre-sentes na canção. Os alunos cumpriram com exce-lência o que fora solicitado. A respeito das atividades referentes à Sequência Didática a Coletânea de Atividades dispõe de um texto científico para conceituar cada planeta do Sis-tema Solar. Para o encaminhamento da atividade, em resumo, o Guia aponta os seguintes passos: apresentação do tema, estudo coletivo dos textos; estudos em grupo sobre o tema e os textos; e avalia-ção do percurso por meio da organização de dois painéis: um com os conhecimentos iniciais e outro com os conhecimentos adquiridos por meio do estu-do sobre o tema. [5] Como na atividade anterior, para a realização da Se-quencia Didática, a professora seguiu outros cami-nhos para desenvolvê-la. Geralmente realizava a leitura compartilhada dos textos científicos, a cada aula falando sobre um determinado planeta e a partir da leitura, realiza um debate com a classe, de modo a verificar seus conhecimentos prévios sobre o tema e auxiliá-los na interpretação do texto. Algumas ve-zes se perdia em relação a conceitos científicos, de-monstrando certa falta de planejamento e buscando sem sucesso, respostas às suas dúvidas, no Guia. Diante das divergências observadas na prática da professora do 3º ano e das falas explicitadas pela mesma, compreendemos que há um equívoco na forma de compreender o material didático do Ler e Escrever. A docente considerava o material como algo simples de ser trabalhado e por este motivo demonstrava não se preocupar em planejar as aulas em que o utilizava. Em relação aos dois eixos norte-

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adores para o ensino da língua materna – uso da língua oral e escrita e análise e reflexão sobre a lín-gua – notamos que a docente priorizava as situações de comunicação oral, por meio da leitura coletiva da canção e dos textos científicos, sempre buscando elogiar os alunos que demonstravam melhor desem-penho no momento da leitura. Em síntese, conside-ramos que a professora, sabendo que um dos objeti-vos de nossa pesquisa era analisar suas práticas em relação ao ensino do processo de alfabetização, cen-trou-se nas habilidades de leitura dos seus alunos e secundarizou as ideias e propostas trazidas pelo Guia de Planejamento e Orientações Didáticas. 3. CONSIDERAÇÕES FINAIS: O LER E ESCREVER SOB A ÓTICA DOCENTE Diante do distanciamento observado entre as orien-tações dadas pelo Programa Ler e Escrever – no Guia de Planejamento e Orientações Didáticas, para a realização das atividades –, e as estratégias utili-zadas pelas professoras para desenvolvê-las, che-gamos à conclusão de que o material didático do referido Programa é entendido pelas docentes como uma material complementar ao ensino da leitura e da escrita assim como os demais livros didáticos. Pressupomos que o desencontro entre tais orienta-ções e as estratégias utilizadas, se deva ao fato do material didático pautar-se nos pressupostos cons-trutivistas, tão conhecidos pelas docentes por se fa-zer presente no currículo do estado de São Paulo há mais de 20 anos. É provável que, por compreende-rem-no como mais uma política de alfabetização ba-seada nas teorias de Ferreiro e Teberosky (1985), o vejam como proposta nem um pouco inovadoras, mas ao contrário, repetitivas. Por outro lado a falta de conhecimento prévio das orientações trazidas no Guia ao realizar as ativida-des com os alunos faz com que o professores enten-da o material como “algo fácil e simples de ser traba-lhado” (fala sempre presente nos discursos das edu-cadoras), muitas vezes tornando enfadonha a exe-cução das atividades propostas pelo Ler e Escrever, assumindo os métodos tradicionais de ensino. Certamente, o entendimento apropriado do docente sobre as orientações trazidas pelo material do Ler e Escrever, no Guia de Planejamento e Orientações Didáticas e a ressignificação dada por ele a cada atividade desenvolvida, influenciará nas impressões e, consequentemente, nas relações que os alunos terão com o material do Programa. Neste sentido, consideramos fundamental que o Es-tado, antes de criar novas políticas de alfabetização, tenha como obrigação a revisão detalhada de suas

orientações curriculares no momento de elaboração de seus Programas, tais como o Programa Ler e Es-crever, a fim de que estes possam de fato atender as necessidades dos sujeitos que se encontram no es-paço da sala de aula, isto é, professor e aluno – prin-cipais afetados e interessados no processo alfabeti-zador. Julgamos que ao considerá-los como protagonistas na elaboração das políticas educacionais, e não apenas como sujeitos que executam aquilo que foi planejado por membros externos às suas realidades, poderá trazer mais sucesso aos programas de alfa-betização, já que se sentindo parte do processo de construção dos materiais didáticos, possivelmente os educadores interessem-se mais por seu estudo apro-fundado, assumindo então a postura de mediador no processo de construção do conhecimento por parte do alunado. REFERÊNCIAS [1] BOGDAN, R; BIKLEN, S.(1994), Investigação qualitativa em educação: uma introdução a teoria e aos métodos. Portugal: Porto Editora. [2] FERREIRO, E.; TEBEROSKY, A. (1985), Psico-gênese da língua escrita. Trad.: Diana M. Lichtens-tein, Liana Di Marco, Mário Corso. Porto Alegre: Ar-tes Médicas. [3] LÜDKE, M.; ANDRÉ, M.E.D.A. (1986), Pesquisa em Educação: abordagens qualitativas. São Paulo: EPU. [4] SÃO PAULO. (2010a), Secretaria da Educação . Ler e Escrever: guia de planejamento e orientações didáticas; professor alfabetizador – 2º ano / Secreta-ria da Educação, Fundação para o Desenvolvimento da Educação; concepção e elaboração, Claudia Ro-semberg Aratagy [e outros]. São Paulo: FDE. [5] SÃO PAULO. (2010b), Secretaria da Educação . Ler e Escrever: guia de planejamento e orientações didáticas; professor alfabetizador – 3º ano / Secreta-ria da Educação, Fundação para o Desenvolvimento da Educação; concepção e elaboração, Claudia Ro-semberg Aratagy [e outros]. São Paulo: FDE.