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Psicologia e Educação 25 Vol. V, nº 2, Dez. 2006 O que é aprender? Concepções de aprendizagem do final da escolaridade obrigatória ao ensino superior Maria Luísa Fonseca Grácio* Resumo: As concepções, crenças e ideias que se têm acerca da aprendizagem tornaram- se uma componente importante na pesquisa sobre a compreensão acerca da forma como os estudantes aprendem. Pesquisas anteriores revelaram que os estudantes apresentam diferentes concepções de aprendizagem e que estas se relacionam com as suas abordagens à aprendizagem, o que, por seu turno, tem implicações nos níveis de compreensão alcançados na aprendizagem e nos resultados obtidos (Martin & Ramsden, 1987; Marton, 1976; Van Rossum & Schenk, 1984). O estudo que se apresenta é realizado numa perspectiva fenomenográfica (Marton &Booth, 1996) e tem como objectivo principal investigar as concepções de aprendizagem em diferentes plataformas educativas (i.e., 9º ano, 12º ano e 4º ano de Licenciaturas em Ensino). Os dados foram coligidos através de entrevistas semi-directivas individuais e analisados de forma qualitativa e quantitativa. Os principais resultados reportam-se, por um lado, ao mapeamento das diversas concepções dos estudantes relativamente a cada uma das dimensões do fenómeno “aprendizagem” e ao conhecimento da estrutura dessas mesmas dimensões, e , por outro, às semelhanças e diferenças entre as concepções nos diversos anos de escolaridade (Grácio, 2002). Palavras-chave: Aprendizagem, concepções de aprendizagem, abordagens à aprendizagem, fenomenografia. Abstract: Conceptions of learning, beliefs and ideas people have about what learning means have become an important component for research on understanding how pupils learn. Previous research revealed that students’ conceptions of learning are related to their approaches to learning, which in turn has relations with the outcomes of learning (Martin & Ramsden, 1987; Marton, 1976; Van Rossum & Schenk, 1984). This study is carried out within a phenomenographic approach (Marton & Booth, 1996) and his aim is the description and analysis of the conceptions of learning provided by students. The total sample is consisted of 48 students: 16 of the ninth grade, 16 of the twelfth grade and 16 of the fourth university year of an educational course. The data was obtained through semi-directives interviews and analysed from qualitative and quantitative procedures. Each interview was recorded and transcribed verbatim for analysis. The main results are referred, on the one hand, to the mapping of the students’ conceptions both in what concerns each of the dimensions of learning and to the structure of those dimensions themselves and, on the other hand to the identification of similarities and differences between their conceptions in what concerns different degrees of learning (Grácio, 2002). Key words: Learning, conceptions of learning, approaches to learning, phenomenography. _______________ * Departamento de Psicologia da Universidade de Évora. E-mail: [email protected]

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Vol. V, nº 2, Dez. 2006

O que é aprender? Concepções de aprendizagem do final daescolaridade obrigatória ao ensino superiorMaria Luísa Fonseca Grácio*

Resumo: As concepções, crenças e ideias que se têm acerca da aprendizagem tornaram-se uma componente importante na pesquisa sobre a compreensão acerca da forma comoos estudantes aprendem.Pesquisas anteriores revelaram que os estudantes apresentam diferentes concepções deaprendizagem e que estas se relacionam com as suas abordagens à aprendizagem, o que,por seu turno, tem implicações nos níveis de compreensão alcançados na aprendizagem enos resultados obtidos (Martin & Ramsden, 1987; Marton, 1976; Van Rossum & Schenk,1984).O estudo que se apresenta é realizado numa perspectiva fenomenográfica (Marton &Booth,1996) e tem como objectivo principal investigar as concepções de aprendizagem em diferentesplataformas educativas (i.e., 9º ano, 12º ano e 4º ano de Licenciaturas em Ensino). Os dadosforam coligidos através de entrevistas semi-directivas individuais e analisados de formaqualitativa e quantitativa.Os principais resultados reportam-se, por um lado, ao mapeamento das diversas concepçõesdos estudantes relativamente a cada uma das dimensões do fenómeno “aprendizagem” eao conhecimento da estrutura dessas mesmas dimensões, e , por outro, às semelhanças ediferenças entre as concepções nos diversos anos de escolaridade (Grácio, 2002).Palavras-chave: Aprendizagem, concepções de aprendizagem, abordagens à aprendizagem,fenomenografia.

Abstract: Conceptions of learning, beliefs and ideas people have about what learning meanshave become an important component for research on understanding how pupils learn.Previous research revealed that students’ conceptions of learning are related to their approachesto learning, which in turn has relations with the outcomes of learning (Martin & Ramsden,1987; Marton, 1976; Van Rossum & Schenk, 1984).This study is carried out within a phenomenographic approach (Marton & Booth, 1996)and his aim is the description and analysis of the conceptions of learning provided by students.The total sample is consisted of 48 students: 16 of the ninth grade, 16 of the twelfth gradeand 16 of the fourth university year of an educational course.The data was obtained through semi-directives interviews and analysed from qualitative andquantitative procedures. Each interview was recorded and transcribed verbatim for analysis.The main results are referred, on the one hand, to the mapping of the students’ conceptionsboth in what concerns each of the dimensions of learning and to the structure of thosedimensions themselves and, on the other hand to the identification of similarities and differencesbetween their conceptions in what concerns different degrees of learning (Grácio, 2002).Key words: Learning, conceptions of learning, approaches to learning, phenomenography.

_______________* Departamento de Psicologia da Universidade de Évora. E-mail: [email protected]

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Introdução

O estudo aqui apresentado insere-se numaperspectiva fenomenográfica que consistena descrição dos fenómenos tal como nossurgem. O principal objectivo da pesquisafenomenográfica consiste em descreverqualitativamente as diferentes formas deexperienciar os fenómenos, situando-senuma perspectiva de segunda ordem ori-entada para o conhecimento das concep-ções relacionadas com a experiência do in-divíduo no mundo (Marton, 1981). Nocampo da aprendizagem considera-se que,para compreender globalmente o processode ensino-aprendizagem, é fundamentalaceder à perspectiva do aluno, i.e., à formacomo ele o experiência.Relativamente ao pensamento dos estudan-tes acerca do aprender foi referenciado nãosó que os estudantes apresentam diferen-tes concepções de aprendizagem (Marton& Säljo, 1976a, 1976b), mas também queexpressam e materializam tais concepçõesem situações concretas de aprendizagemabordando-as diferentemente (i.e., de for-ma superficial ou profunda) e obtendotambém resultados de aprendizagem quali-tativamente diferentes. As abordagensprofundas à aprendizagem apresentammaior probabilidade de estar associadas aresultados de aprendizagem qualitativa-mente mais elevados (Biggs, 1979;Crawford et al. 1994; Crawford et al. 1998;Entwistle, 1998; Marton & Säljo, 1976b;Meyer et al. 1990; Prosser et al. 1996;Tang, 1998; Trigwell & Sleet, 1990;Trigwell & Prosser, 1991a; 1991b; VanRossum & Schenk, 1984).Diferentes estudantes mostram diferentesníveis de processamento: aqueles queadoptam uma abordagem profunda tomamgeralmente um papel activo e vêem aaprendizagem como algo que fazem; os queadoptam uma abordagem superficial assu-mem geralmente um papel passivo vendo

a aprendizagem como algo que lhes acon-tece. Em suma, a abordagem adoptadapelos estudantes é condicionada pelas suasconcepções de aprendizagem, verificando-se que os resultados de aprendizagem ouformas de compreender que incluem for-mas mais completas de conceber algo sãode uma maior qualidade do que as queenvolvem concepções mais limitadas.As concepções de aprendizagem constitu-em-se como as crenças e ideias que aspessoas têm acerca do que a aprendiza-gem significa. De uma forma geral, repor-tam-se ao conceito relativo ao processo deabstracção, à ideia generalizada de algoconstruído a partir das nossas vivências(Marton, 1983). Nos primeiros estudosfenomenográficos sobre concepções deaprendizagem foram identificadas cincoconcepções (Säljo, 1979). Em 1983,Marton, Dall’Alba e Beaty identificarammais uma concepção (mudar como pessoa),sugerindo a organização das concepçõesem dois grandes grupos.O primeiro grupo engloba concepções deaprendizagem consideradas usualmentereprodutivas ou superficiais (i.e., aumentode conhecimento; memorização e reprodu-ção; aplicação), resultando habitualmentetambém em abordagens superficiais e embaixos níveis de compreensão.O segundo grupo engloba concepçõesprofundas ou construtivistas da aprendiza-gem, tais como compreender, ver as coisasde forma diferente e mudar como pessoa.Esta visão da aprendizagem liga-se aresultados que indicam complexidade doprocessamento cognitivo.A divisão entre os dois grupos de concep-ções (aprendizagem para reprodução/apren-dizagem para procura de significado) ésemelhante à distinção entre as abordagenssuperficiais e profundas: a primeiracentrando-se na própria tarefa de apren-dizagem e a segunda partindo das tarefase dirigindo-se para a descoberta do signi-

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ficado subjacente (Marton & Booth, 1996,1997).A estrutura conceptual do nosso estudoparte da assunção de que os significadosque as pessoas dão ao fenómeno apren-dizagem são influenciados pela inter-rela-ção que ocorre entre os indivíduos, oscontextos e a cultura (Steketee, 1997;Svensson, 1977). No entanto, tais influ-ências não se tornam alvo directo dapresente pesquisa, já que o nosso objec-tivo principal é a descrição das concep-ções de aprendizagem que os estudantesapresentam e não os motivos porque asapresentam ou como estas se formaram.O nosso objectivo de partida consiste emsaber o que pensam sobre a aprendizagemestudantes que se encontram em váriosníveis da sua formação académica averi-guando possíveis variações.

Metodologia

AmostraParticiparam neste estudo um total de 48estudantes de instituições de ensino públi-co da cidade de Évora e pertencentes auma escola EB 2,3, a uma escola Secun-dária e à Universidade. A amostra éconstituída por 16 sujeitos de cada grupode escolaridade. Em cada grupo de esco-

laridade, verifica-se a paridade de sexo.Só no caso dos alunos do 4º ano daLicenciatura em Ensino de Português/Francês, de população maioritariamentefeminina, tal não foi possível, tendo so-mente sido entrevistado um elemento dosexo masculino. As idades dos alunos daamostra distribuem-se entre os 14 anos eos 27 anos. Os estudantes de 9º anoapresentam uma média de idades de 14.6anos; os de 12º ano de 17.5 anos; final-mente, os de 4º ano das Licenciaturas emEnsino de 22.4 anos. A maioria dos alunosapresenta idades ajustadas ao ano deescolaridade frequentado.

Instrumentos e administraçãoPartimos da realização de entrevistasexploratórias a sujeitos dos vários anos deescolaridade, as quais foram transcritasintegralmente e sujeitas a análise de conteú-do. Tal análise permitiu-nos identificar gran-des aspectos temáticos e elaborar questõesno âmbito de cada um deles, construindo-se deste modo o guião de entrevista defi-nitivo. Neste guião são abordados explici-tamente e pela primeira vez no domínio dosestudos sobre concepções de aprendizagem,sete dimensões do fenómeno aprendizagem:o que é, função, conteúdos, temporalidade,processo, o que é necessário para aprendere o que o dificulta.

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Todas as questões acima enunciadas foramaprofundadas através de pedidos deexplicitação e justificação. A questão “Qualé a importância de aprender?”, revelou-secomo uma questão simultaneamente equiva-lente e de aprofundamento da pergunta quea antecedia, i.e., “Para que serve aprender?”.As entrevistas definitivas foram realizadasindividualmente a 16 estudantes de cada anode escolaridade (i.e., 9º ano, 12º ano e 4ºanos de cursos de licenciatura), tendo pos-teriormente sido transcritas na íntegra eobjecto de análise qualitativa e quantitativa.O resultado da nossa análise qualitativa éa construção de categorias de descrição, asquais se reportam a um nível colectivo. Taiscategorias foram objecto de análise por partede três avaliadores independentes, os quaischegaram a um acordo superior a 85%.A análise do significado das categorias esub-categorias identificadas (i.e., concep-ções) conduziu-nos à descoberta de agru-pamentos de sentido que designámos por“Focos”. Ao mesmo tempo, a análise detodas as categorias encontradas dentro decada dimensão (i.e., questão colocada)permitiu-nos ainda identificar determina-dos “Aspectos” do fenómeno aprendizagemdentro de cada dimensão (i.e., questão)conforme ilustramos na figura 1.

Temos pois dois sistemas simultâneos deleitura e análise dos discursos dos sujeitos:a) um sistema constituído pela grelha de

análise do discurso que dá conta de todaa variabilidade em cada dimensão abor-dada. Este primeiro sistema de análisecentra-se nas categorias e sub-categoriasidentificadas, ou seja, nas concepções;

b) um segundo sistema de análise (i.e.,“guião de leitura”) centrado na leiturade cada dimensão, que dá conta de com-ponentes amplas e estruturantes dasdimensões do fenómeno aprendizageme que designámos como “Aspectos”.Dentro de cada um destes aspectos en-contram-se uma ou mais categorias en-quadradas por um determinado signi-ficado que designámos por “Foco”, cujafinalidade consiste sobretudo em des-tacar o significado das categorias a quediz respeito.

O critério de registo dasconceptualizações consistiu na anotação dapresença de conceptualizações pertencen-tes a determinada categoria e não nonúmero de vezes que foram referidas porcada um dos indivíduos. Tal critério éconsonante com o interesse da perspectivafenomenográfica em aceder às várias ediversas concepções da realidade.

Figura n.º 1 - Síntese dos passos seguidos na análise do discurso dos estudantes

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A análise quantitativa visou por um ladosaber quais as concepções mais referidasem cada ano de escolaridade e no totalda amostra (análise de frequências); poroutro, visou também averiguar a existên-cia ou não de relações entre as concepçõese o ano de escolaridade (X2 e Log-linear)1,determinando, no caso da existência dediferenças, entre que anos são essas di-ferenças significativas (através dos desvi-os de Freeman Tukey).

Resultados

Apresentaremos a seguir de forma muitosucinta e geral uma descrição das formasqualitativamente diferentes dos estudantespensarem a aprendizagem em cada umadas dimensões em causa, centrando-nostambém na estrutura global de cada dimen-são e no seu significado.

1 - Dimensão” O que é aprender?”Foram identificadas no total da dimensão14 concepções qualitativamente diferentese relacionadas com três diferentes aspec-tos do fenómeno aprendizagem (i.e., O queé, como ocorre e valor que apresenta).Em traços gerais a aprendizagem surgedefinida como:a) algo abrangente e diversificado quan-

to a conteúdos e processos;b) aquisição, memorização e aplicação;c) abstracção de significado, mudança

conceptual e realização pessoal.Em todos os anos a concepção de apren-dizagem como aumento de conhecimentosé a mais mencionada, embora com oavanço da escolaridade se assista a uma

tendência para a sua diminuição.As concepções mais referidas em todos osanos de escolaridade reportam-se ao as-pecto “O quê” (i.e., o que é aprender),situando-se no foco “Instrumental”, o qualengloba as concepções de aprendizagemcomo aumento de conhecimento,memorização e aplicação. No entanto, umaanálise descritiva revela que é no 9º anoque este tipo de concepções é mais acen-tuado decrescendo nos anos de escolari-dade seguintes. Verifica-se um movimentoinverso nas concepções pertencentes aofoco “Transformativo”, ou seja, nas con-cepções de aprendizagem como constru-ção de significado e transformação holísticado sujeito, as quais aumentam do 9º anopara os anos de escolaridade seguintes.A aprendizagem surge tambémconceptualizada como um processo queocorre de determinada forma. Os estudan-tes enunciam as ideias de que se aprendeatravés de experiências próprias, dainteracção com os outros, do ensino, deforma individualizada, ao longo do tempoe independentemente do local.Por último, a componente valorativa dofenómeno aprendizagem traduz-se naconcepção de que aprender é importante.A estrutura global ou arquitectura destadimensão assenta em três aspectos dofenómeno aprender: “O quê” (i.e., o queé aprender), “Como” e “Valor” e nos seusrespectivos focos.A análise estatística revela um padrão deresposta diferente consoante o ano deescolaridade nas seguintes categorias:- “Abrangência e diversidade” (X2= 6.400;

df=2; p=0.041); (G2= 7.001; df=2;p=0.030);

- “Aplicar” (X2=7.500; df=2; p=0.024);(G2=7.121; df=2; p=0.028);

- “Processo não limitado pelo tempo oulocal” (X2= 11.200; df=2; p=0.004); (G2=11.703; df=2; p=0.002).

_______________1 Utilizámos simultaneamente o teste do X2 e

do G2 para uma maior solidez das conclusões já queas frequências esperadas eram frequentemente di-minutas. Considerámos os resultados sempre que osresultados dos dois testes foram convergentes.

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Os desvios de Freeman Tukey revelam quea significância vem de um efeito cumu-lativo.No que concerne à concepção de apren-dizagem como “aumento de conhecimen-tos” as diferenças resultam quase signifi-cativas tanto no X2 como na G2.

2 - Dimensão “Para que serve aprender?”As funções do aprender emergem comosendo algo que serve para:a) adquirir algo do exterior e aplicar;b) abstrair significado, desenvolver-se,

mudar conceptualmente e como pessoae obter realização pessoal e profissi-onal;

c) viver;d) agir sobre os outros e sobre a soci-

edade.Simultaneamente, emergem concepçõesnão directamente ligadas à questão colo-cada e que se reportam às componentesprocessual e valorativa do aprender. No queconcerne à componente processual osestudantes expressam as ideias de que seaprende através de actividades cognitivas,do ensino e da mediação social, de formacontínua, diversificada e plural. Aprendersurge ainda como algo intrínseco aoHomem.A totalidade das diferentes concepçõesidentificadas nesta dimensão é agrupávelem três componentes do fenómeno: “O queé” (i.e., função); “Como ocorre” e “Valor”e seus respectivos focos, revelando no seuconjunto a arquitectura desta dimensão.Na componente valorativa, a par da im-portância da aprendizagem são tambémapresentadas conceptualizações relativas auma utilidade “condicionada” da mesmaem função da percepção da utilidade/inu-tilidade de determinadas aprendizagens.No entanto, constatamos que a concepçãode que aprender é importante é a maismencionada quer no conjunto da amostra,quer em cada ano de escolaridade.

A análise estatística revela associaçõessignificativas em quatro categorias:- “Obter saber”

( X 2 = 1 3 . 7 1 4 ; d f = 2 ; p = 0 . 0 0 1 ) ;(G2=14.358;df=2;p=0.001). O desvio deFreeman Tukey revela-se significativopara p á .05, indicando que são estu-dantes de 9º ano que mais a referem.

- “Desenvolvimento pessoal”( X 2 = 6 . 0 9 5 ; d f = 2 ; p = 0 . 0 4 7 ) ,(G2=6.4876;df=2;p=0.039). O desvio deFreeman Tukey não se revela significa-tivo.

- “Desenvolvimento social”( X 2 = 1 0 . 6 6 7 ; d f = 2 ; p = 0 . 0 0 5 ) ;(G2=11.678;df=2;p=0.0029). O desvio deFreeman Tukey revela-se significativopara p á .05, indicando que são estu-dantes de 9º ano que menos referem estafunção da aprendizagem.

- “Processo contínuo”(X2=6.316;df=2;p=0.043), (G2=9.377;df=2; p=0.009). O desvio de FreemanTukey revela-se significativo, indicandoque no 9º ano o aprender enquantoprocesso contínuo é menos referido doque nos anos posteriores de escolaridade.

3 - Dimensão “ O que se aprende”Os estudantes consideram que se aprendemcompetências do foro evolutivo, conheci-mentos vários, competências profissionais,a ser, a viver e a viver com os outros etambém aquilo que o próprio sujeito de-cide aprender.No entanto, eles não se limitam a expressarconcepções relativas ao que se aprende. Pelocontrário, verbalizam também concepçõesde tipo processual e valorativo. A apren-dizagem surge pois nesta dimensão comoum processo contínuo, cumulativo,vivencial/experiencial, dependente do livrearbítrio, observacional, cognitivo,procedimental, social, cultural e de ensino.A arquitectura da dimensão reporta-se atrês aspectos: “O quê” (i.e., o que se

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aprende”; “Como” e “Valor”. Tal como nadimensão anterior o aspecto valorativo daaprendizagem ganha tonalidades positivase negativas.No total da amostra o maior número dereferências revela que no seu conjunto osestudantes enunciam em primeiro lugarconteúdos ligados a saberes académicos,em segundo lugar competências sociais eaprendizagens vivenciais e em terceirolugar competências sociais.A análise estatística revela a existência deassociações significativas com o ano deescolaridade nas seguintes categorias:- “Conteúdos abrangentes e diversificados”

(X2=10.238; df=2;p=0.006),(G2=10.841;df=2;p=0.004)

- “Competências evolutivas gerais”(X2=6.604; df=2; p=0.037), (G2=6.819;df=2; p=0.033)

- “Processos de aprendizagem” (X2=8.667; df=2; p=0.013), (G2=8.879;df=2;p=0.011).

Apesar dos desvios de Freeman Tukey nãose apresentarem estatisticamente significa-tivos, uma análise meramente descritivarevela que a primeira categoria é maisenunciada por estudantes de 9º ano e asduas últimas por estudantes de 4º ano delicenciatura.

4 - Dimensão “Quando se aprende”Em termos sucintos, os estudantes consi-deram por um lado, que se aprende con-tinuamente, e, por outro, quando se ve-rificam determinadas condições ao níveldo indivíduo que aprende, do meio que orodeia, do ensino e dos conteúdos.As concepções mais referidas pertencemao aspecto “Quê” (i.e., quando se aprende)no âmbito do seu foco “Temporal”, ve-rificando-se em todos os anos de escola-ridade que as concepções de que o apren-der é contínuo e coincidente com o ciclode vida são as mais enunciadas.

Para além de alguns dos aspectos proces-suais anteriormente já referidos surge agoranesta dimensão pela primeira vez a con-cepção de que se aprende de forma es-pontânea e incidental.Mais uma vez a aprendizagem surgeenvolvida numa rede conceptual em quediversos aspectos deste fenómeno seentrecruzam. No contexto desta dimensãosurgem interligados os seguintes aspectos:quando se aprende e o que o afecta ouinfluencia (aspecto “O quê”), como seaprende (aspecto “Como”), o que seaprende (aspecto “Conteúdos”) e o valorda aprendizagem (aspecto “Valor”).Verificamos a existência de associaçõespositivas com o ano de escolaridade nasseguintes categorias:- “Início delimitado (X2=8.000; df=2;

p=0.018); (G2=8.813; df=2; p=0.012). Osdesvios de Freeman Tukey revelam-sesignificativos, indicando que esta con-cepção é menos referida no 12º ano doque nos restantes anos de escolaridade.

- “Actividades cognitivas”(X2=8.727;df=2;p=0.013); (G2=8.807;df=2; p=0.012). Apesar dos estudantesde 4º ano de licenciatura serem os únicosa referir que se aprende quando o in-divíduo realiza uma qualquer actividadecognitiva, os desvios de Freeman Tukeyrevelam que as diferenças significativasvêm de um efeito cumulativo, não seconcentrando entre grupos de pares. Noentanto, embora não significativo, o valordo desvio correspondente é positivo eelevado.

5 - Dimensão “Como se aprende”As concepções identificadas expressam asideias de que se aprende continuamente,de variadas formas, individualizadamente,espontânea e deliberadamente, através deactividades cognitivas, procedimentos,comportamentos, afectos e motivação,

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experiências e vivências, da observação,da interacção com outros e do ensino.As concepções mais referidas pertencemao aspecto “O quê” e aos seus focos“Centração no Sujeito” e “Mediação so-cial e ensino”. O processo de aprender épois conceptualizado de forma mais acen-tuada como envolvendo activamente osujeito e os outros.Nesta dimensão emergem dois aspectos queilustram a arquitectura da dimensão: oprimeiro, relativo a como se aprende(aspecto “O quê); o segundo relativo a“Conteúdos” e respectivos focos.Evidenciam-se sobretudo semelhançasentre os três anos de escolaridade emanálise. As concepções do processo deaprender mais enunciadas referem-se aoprocesso de aprendizagem como um pro-cesso cognitivo, experiencial e interactivo.A análise estatística realizada não revelaem nenhuma categoria ou sub-categoriaassociações significativas com o ano deescolaridade (considerando-se um alpha de.05).

6 - Dimensão “O que é preciso paraaprender”Na sua globalidade emergem concepçõesque expressam as ideias de que paraaprender basta estar vivo, que tal variade pessoa para pessoa, que são necessá-rios determinados aspectos centrados nosujeito, vivenciais, contextuais e mediaçãosocial e ensino.A dimensão organiza-se em torno dosaspectos “O quê” (o que é preciso paraaprender), “Como”, “Conteúdos” e “Fun-ção” e respectivos focos.As concepções mais referidas pertencemao aspecto “O quê” e aos seus focos“Centração no sujeito” e “Mediação sociale ensino”. Em todos os anos de escola-ridade são os aspectos motivacionais osque mais são referidos como necessáriosao aprender.

A análise estatística realizada (X2 e G2)revela a inexistência de associações sig-nificativas entre as categorias e ano deescolaridade. Concluímos assim que osaspectos percepcionados como necessári-os para aprender se mantêm sensivelmenteos mesmos ao longo das plataformaseducativas em causa.

7 - Dimensão “O que torna difícil apren-der”As concepções identificadas expressam asideias de que o que dificulta a aprendi-zagem se reporta a uma grande diversi-dade de aspectos, ao grau de dificuldadedos conteúdos e ao seu interesse, a váriosaspectos do indivíduo concreto que seencontra a aprender, à ausência devivências, a determinadas característicasnegativas do envolvimento familiar, sociale cultural e a aspectos de ensino.O que os estudantes percepcionammaioritariamente como dificultador doaprender reporta-se ao aspecto “O quê” efundamentalmente a três dos seus focos:“Centração no sujeito”, “Contextual” e“Mediação social e ensino”. O primeiro,é constituído pelo sujeito que aprende; osegundo, pelo envolvimento familiar esocial próximo do sujeito e o terceiro pelosistema de ensino e sobretudo pela acçãoconcreta do professor.O maior número de concepções situa-seno foco “Centração no sujeito”, o quesignifica que na totalidade da amostraaquilo que é mais referido comodificultador do aprender é de natureza intra-pessoal.A arquitectura da dimensão “o que tornadifícil aprender” é constituída pelos aspec-tos “O quê” (i.e., o que torna difícil),“Como” e “Valor” e respectivos focos.Verificámos a existência de associaçõessignificativas somente na sub-categoria“aspectos relacionais” (X2=10.667; df=2;p=0.05), (G2=12.340; df=2; p=0.002). Os

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desvios de Freeman Tukey revelam-sesignificativos indicando que os aspectosrelacionais são menos referidos no 9º ano.

Discussão

Nesta investigação sobre as concepções deaprendizagem em estudantes portuguesespertencentes ao ensino básico, secundárioe universitário verificámos, por um lado,concordância com estudos anteriores(Säljo, 1979; Marton, Dall’Alba & Beaty,1993; Purdie, Hattie & Douglas, 1996;Rosário, 1999); por outro, novos resulta-dos que podem estar associados a aspectosmetodológicos ou a uma especificidade daamostra (Rosário, Grácio, Núnez &González-Pienda, 2006).Na medida em que a primeira dimensão(i.e., “O que é aprender”) é transversal àgeneralidade dos estudos sobre concepções,ela será objecto de destaque nesta discus-são. No total identificámos aqui 14 con-cepções de aprendizagem (Grácio, 2002).Dentre estas, 7 são igualmente identificadasem estudos anteriores: aumentar conheci-mentos, memorizar, aplicar, compreender,ver algo de forma diferente, mudar comopessoa (Marton, Dall’Alba & Beaty, 1993)e realizar-se (Purdie, Hattie & Douglas,1996). Simultaneamente foi identificadauma oitava concepção relativa à aprendi-zagem como algo abrangente e diversifi-cado e quatro concepções de aprendiza-gem de natureza processual: processo nãolimitado pelo tempo ou local, processoindividual, processo experiencial, proces-so interactivo e processo de ensino. So-mente a concepção de aprendizagem comoprocesso não limitado pelo tempo ou localhavia sido mencionada em estudos ante-riores (Purdie, Hattie & Douglas, 1996).Identificámos ainda uma concepção denatureza valorativa, que traduz a ideia de

que a aprendizagem apresenta em si mesmaum valor intrínseco surgindo como impor-tante aos olhos dos estudantes.Simultaneamente, verificámos que fossequal fosse a dimensão em causa, ou sejaa questão formulada, assistíamos sempreà emergência de concepções de três tipos:um primeiro grupo de tipo “definitório”(i.e., directamente ligado à questão formu-lada e designada por nós como aspecto “OQuê”); um segundo grupo de concepçõesde natureza processual (aspecto “Como”);finalmente, embora menos enunciado, umterceiro grupo de concepções de tipovalorativo (aspecto “Valor”). Tal leva-nosa concluir que a metáfora das concepçõesreprodutivas e de procura de significadonão descreve completamente as concepçõesde aprendizagem dos estudantes portugue-ses. De facto, ao mesmo tempo que oaprender emerge conceptualmente com umenfoque externo (aumentar conhecimento,memorizar, aplicar) e com um enfoqueinterno e transformativo (compreender, veralgo de forma diferente, mudar comopessoa e realizar-se), ele surge tambémconceptualizado com um enfoque proces-sual (processo não limitado pelo tempo oulocal, processo individualizado, processoexperiencial, processo interactivo e proces-so de ensino) e ainda com um enfoquevalorativo.No nosso estudo emergem pela primeiravez de forma explicíta concepções deaprendizagem relativas a componentesprocessuais e axiológicas do aprender. Estefacto sugere-nos que a conceptualizaçãoglobal da aprendizagem é formada por umarede de aspectos relativos ao fenómenoaprender que, embora diferenciados, seencontram interligados entre si. Os aspec-tos “O que é” e “Como” ocorre a apren-dizagem apresentam uma estreita ligaçãono pensamento dos estudantes, surgindo emtodas as dimensões e parecendo deter um

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papel central em qualquer das dimensões/questões abordadas. Também o aspecto“Valor” surge como elemento estruturantedas ideias dos estudantes sobre a apren-dizagem.O facto dos estudantes conceptualizarema aprendizagem por relação com os seusaspectos valorativos traduz-se não só naideia geral e abstracta da sua importância,mas também numa percepção da suaimportância em termos de utilidade/inuti-lidade. Tal emerge como um aspecto críticoa que o sistema educativo deveria de formadeliberada e intencional dar resposta es-tabelecendo de forma mais concreta aligação entre o que o estudante se encon-tra a aprender e o seu mundo experiencial,isto sem perder de vista conteúdos quecontribuam de alguma forma para o alar-gamento desse mesmo mundo experiencial.Se, como advoga a literatura, as diferentesformas de experienciar um dado fenóme-no representam capacidades diferentes paralidar ou compreender esse mesmo fenó-meno e se os estudantes lêem a aprendi-zagem por relação com a forma como adefinem e os processos e valores que nelapercepcionam, surge-nos como legítimopensar que será relevante não só ajudá-los a compreender um conteúdo específi-co, mas também a conceptualizar de for-ma mais avançada o que é aprender, osprocessos de aprender e o seu valor gerale concreto, ou seja, relativamente àsaprendizagens específicas que realizam.Os resultados deste estudo indicam nume-rosas semelhanças entre as concepções deaprendizagem de estudantes de 9º ano, 12ºano e 4º ano de licenciaturas, e ao mesmotempo, dirigem a atenção para algumasdiferenças.A análise da dimensão “O que é aprender”revela que a aprendizagem é conceptuali-zada de forma dominante em todos os anosde escolaridade como aumento de conhe-

cimentos. Este resultado remete para aimportância de ajudar os estudantes acompreender que a aprendizagem não é umsimples acumular de informação, mas umaprocura de compreensão e de reflexãopessoal que implica uma reapropriação econstrução contínua do saber.As diferenças mais salientes nesta dimen-são prendem-se no 9º ano com uma maiorpredominância da visão da aprendizagemcomo aplicação, enquanto que nos anosseguintes surgem maiores referências aoaprender como processo não limitado pelotempo/local. Nos estudantes de 12º ano e4º anos de licenciatura tal pode eventu-almente facilitar e potenciar a realizaçãode um maior número de aprendizagens numquadro alargado de vida, uma vez que estesestudantes parecem mais despertos paraelas.Na dimensão “Para que serve aprender”verificamos que os estudantes de 9º anoacentuam a obtenção de algo que lhes éexterior, enquanto os de 12º e 4º anosacentuam funções relativas a uma trans-formação do sujeito que aprende. Aconceptualização da função da aprendiza-gem torna-se pois mais abrangente equalitativamente diferente. Na totalidade daamostra destacam-se como funções doaprender a obtenção de realização pessoale de estratégias de vida, o desenvolvimen-to pessoal e social e a obtenção de saber(Grácio, Rosário & Chaleta, 2006).A análise comparativa das concepções nasduas dimensões anteriormente referidas(i.e, “O que é” e “Para que serve”) revelauma grande semelhança, o que nos levaa admitir a hipótese da concepção deaprendizagem poder encerrar em si mes-ma e em grande parte a ideia da sua função(ou vice-versa).Apesar dos estudantes de 9º e 12º anosreferirem mais os saberes académicos eembora relativamente à dimensão “O que

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se aprende” assistamos a algumas nuancesde acordo com o ano de escolaridade, asaprendizagens escolares emergem somen-te como uma aprendizagem entre outras.Aos olhos destes estudantes, aprender nãose resume à aprendizagem escolar.No que concerne às facetas temporais daaprendizagem verificamos que em todosos anos predomina a concepção de que aaprendizagem é contínua, atravessandotodo o ciclo de vida humano. Existem, noentanto, indícios de que a ideia geral e arealidade concreta podem ainda não estarverdadeiramente interiorizadas pelos estu-dantes o que traz para primeiro plano anecessidade de um salto entre a ideia geralde que se aprende ao longo de toda a vidae a ideia concreta e assumida individual-mente de que é necessário aprender aolongo de toda a vida. Isto aponta para anecessidade de uma “engenharia” quegaranta as condições e técnicas necessá-rias à aprendizagem ao longo da vida.Embora em todos os anos se salientemconcepções que remetem para facetascognitivas, experienciais e interactivasrelativamente à forma como se aprende,elas assumem matizes qualitativamentediferenciadas, tornando-se mais complexasnos anos de escolaridade mais avançados.O facto de não terem sido encontradasdiferenças estatisticamente significativasnesta dimensão levanta várias questões,sobre as quais não nos debruçaremos nesteartigo. De qualquer modo, gostaríamos dedestacar uma diferença que emerge daanálise descritiva e que se reporta ao factode ser no 9º ano que mais referências sefazem aos processos de exploração edescoberta. Até que ponto isto pode serum indicador de que à medida que seavança na escolaridade o ensino tende atornar-se mais teórico e transmissivo?Em todas as dimensões os estudantesreferem que se aprende através de um

“processo experiencial”. Como se sabe talideia não é nova, tanto do ponto de vistafilosófico como psicológico. Nos anos 80,Mezirow, Freire e outros sublinharam queo centro da aprendizagem reside na formacomo processamos a experiência, emparticular a nossa reflexão crítica sobre ela.Sucede curiosamente que os estudantes sereferem maioritariamente ao carácter es-pontâneo e incidental deste tipo de apren-dizagem. Esta concepção pode eventual-mente ser de tipo superficial, na medidaem que aponta para uma ideia de apren-dizagem na qual parece encontrar-se au-sente uma actividade consciente e delibe-rada do sujeito sobre o que foi adquiridoexperiencialmente. Ora, se é verdade queo acesso ao conhecimento se faz tanto pelavia consciente como pela inconsciente eintuitiva, elas na prática não são separá-veis. Tal remete ao mesmo tempo para umamaior tomada em conta do papel da viaintuitiva (muito ligada a actividades decriação e invenção) e para a necessidadede ter em consideração as concepções(gerais ou específicas de determinadoconteúdo) adquiridas de modo incidental,tornando-as conscientes e/ou mudando-asse necessário.A este propósito é importante relembrarque o referencial fenomenográfico consi-dera que os alunos agem de acordo comas percepções que constroem das situaçõeseducativas e não em função dos dados“objectivos” de tais situações (Marton &Booth, 1996, 1997). Assim, a mudança decontextos sociais e educativos implica nãosó uma modificação da situação objectiva,mas também das percepções pessoais dasactividades em que os alunos estão envol-vidos (Barca et al. 1997; Ramsden, 1984).Nas dimensões “O que é preciso paraaprender” e “O que torna difícil aprender”é a concepção de que é necessário mo-tivação a que emerge de forma dominante

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em todos os anos de escolaridade (Grácioe Rosário, 2004). É também nestas dimen-sões que os estudantes se referem mais aaspectos especificamente escolares.Foi descoberto que três formas distintasde motivação (i.e., intrínseca, medo dofracasso e necessidade de rendimento)estão relacionadas com diferentes intençõese abordagens à aprendizagem (Entwistle& Entwistle, 1991). Sabemos também quea consciência dos estudantes sobre o seumeio de aprendizagem se relaciona coma abordagem que adoptam (Ramsden,1992). Assim, a implementação de práti-cas de avaliação que apelem à compreen-são e a explicação deliberada da impor-tância e interesse potencial de cada temapodem constituir-se como aspectospotenciadores de uma percepção maisprofunda da aprendizagem e de uma maiormotivação e esforço dos estudantes rela-tivamente ao aprender.Em suma, a relação existente entre con-cepções de aprendizagem, abordagens àaprendizagem e resultados de aprendiza-gem tem implicações para os professores.Na medida em que as concepções deaprendizagem influenciam a forma comoos sujeitos abordam as tarefas de aprendiza-gem é importante que os professoresestejam conscientes da forma como osestudantes a conceptualizam (Grácio,Chaleta & Rosário, 2005). Isso implica nãosó compreender a aprendizagem do pontode vista dos estudantes, mas também criarespaços de reflexão que os ajudem aconstruir uma consciência mais profundado que é aprender e dos processos eestratégias envolvidos nesse aprender.

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