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CN EM SÉRIE Brasília 2015 MARTINA CAVALCANTI [email protected] 18 Cidade Nova • Janeiro 2015 • nº 1 O que muda no Congresso? NOVO PARLAMENTO Com a diminuição da base governista, a oposição deve ganhar mais força no Congresso Nacional nesta legislatura, tida por analistas políticos como a mais conservadora desde a ditadura militar m uma das eleições mais acirradas da recente demo- cracia brasileira, a diferença entre governo e oposição fi- cou menor não só na corrida presi- dencial, como também no número de deputados federais e senadores. Os partidos que apoiam a pre- sidente Dilma Rousseff ainda são maioria e controlarão 304 cadeiras do Congresso. No entanto, os gover- nistas perderam 34 vagas em relação à legislatura anterior. Já os partidos que apoiaram Aécio Neves ou Mari- na Silva conquistaram 30 cadeiras a mais e serão representados por 238 deputados nos próximos quatro anos. Na Câmara, entre os três gran- des partidos, apenas o PSDB cresceu, com dez políticos a mais. No Senado, Dilma também man- terá a maioria na Casa, já que o PMDB continua sendo a principal força, apesar de ter perdido uma ca- deira; o PT também perdeu um se- nador. Os tucanos, por sua vez, têm duas cadeiras a menos. Na contabilização geral da Câ- mara, foram escolhidos 198 depu- tados em primeiro mandato e os reeleitos foram 70%. É a maior re- novação da Casa desde a redemo- cratização, mas aponta para uma guinada ao conservadorismo. Quais são os riscos de uma ban- cada governista menor para a go- vernabilidade de Dilma no próximo mandato? A democracia ganha com o aumento do poder da oposição no Legislativo? Cidade Nova entrevis- tou analistas e políticos para des- trinchar essas e outras questões que devem marcar os próximos capítu- los da política nacional. Conservadorismo As bandeiras levantadas por ma- nifestantes durante os protestos de 2013 parecem não ter se refletido no resultado das eleições de outubro. É o que se conclui da composição das bancadas “informais” de lobistas, cuja finalidade é pressionar depu- tados na Câmara em benefício de determinados setores da sociedade. De acordo com um balanço par- cial, realizado pelo Departamento Intersindical de Assessoria Parla- mentar (Diap), é grande o número de empresários, ruralistas, evangéli- cos e parentes de políticos que foram eleitos deputados federais no último pleito. A configuração preocupa An- tônio Augusto de Queiroz, diretor de documentação da entidade e analis- ta político, para quem a nova legis- latura é a mais conservadora desde a ditadura militar (1964-1985). O levantamento do Diap mostra o empresariado representado por 226 deputados em 2015, formando a maior bancada informal da Casa. “O empresariado atua no sentido de reduzir a carga tributária e vai jogar pesado para passar a flexibilização dos direitos trabalhistas, aprovei- tando que a bancada sindical de- cresceu de 83 para 50 parlamenta- res”, alerta Queiroz. Já os parlamentares ligados ao agronegócio somam 110, em segun- do lugar na lista. Queiroz explica que “a eleição dessa bancada significará resistência a propostas com vistas a limitar o uso de agrotóxicos e a pro- teção ao meio ambiente, já que entre as pautas do grupo está a liberdade de produção e o poder de desmatar”. O especialista aponta também que o aumento da bancada evan- gélica, cujos deputados somam 75, deve trazer ainda mais resistência a temas delicados como a união ho- moafetiva, a legalização da maco- nha e a despenalização do aborto. O grupo da segurança, composto por 23 integrantes, entre delegados, policiais e apresentadores de pro- gramas televisivos sobre violência, deve fazer pressão para aprovar a re- dução da maioridade penal e o fim do desarmamento. Os nomes de deputados ligados a outros políticos somam 113 e com- põem a bancada dos parentes, numa demonstração clara de que não hou- ve efetiva renovação política na Câ- mara, na opinião de Queiroz. “As pessoas são escolhidas menos pela identidade com os programas parti- dários e mais pelo parentesco”, diz. Mais uma vez as personalida- des tiveram destaque nesta disputa presidencial, ganhando milhões de votos que levaram uma série de ou- tros membros de seus partidos ao Congresso de maneira indireta. O deputado com mais votos foi o apre- sentador de TV Celso Russomanno (PRB-SP), com o palhaço Tiririca (PR-SP) em segundo lugar, cada um com mais de um milhão de votos. E

O que muda no Congresso?

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Novo Parlamento - Com a diminuição da base governista, a oposição deve ganhar mais força no Congresso Nacional nesta legislatura, tida por analistas políticos como a mais conservadora desde a ditadura militar

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cn em série Brasília 2015 martina [email protected]

18 Cidade Nova • Janeiro 2015 • nº 1

o que muda no congresso?novo PaRlamenTo Com a diminuição da base governista, a oposição deve ganhar mais força no Congresso Nacional nesta legislatura, tida por analistas políticos como a mais conservadora desde a ditadura militar

m uma das eleições mais acirradas da recente demo-cracia brasileira, a diferença entre governo e oposição fi-

cou menor não só na corrida presi-dencial, como também no número de deputados federais e senadores.

Os partidos que apoiam a pre-sidente Dilma Rousseff ainda são maioria e controlarão 304 cadeiras do Congresso. No entanto, os gover-nistas perderam 34 vagas em relação à legislatura anterior. Já os partidos que apoiaram Aécio Neves ou Mari-na Silva conquistaram 30 cadeiras a mais e serão representados por 238 deputados nos próximos quatro anos. Na Câmara, entre os três gran-des partidos, apenas o PSDB cresceu, com dez políticos a mais.

No Senado, Dilma também man-terá a maioria na Casa, já que o PMDB continua sendo a principal força, apesar de ter perdido uma ca-deira; o PT também perdeu um se-nador. Os tucanos, por sua vez, têm duas cadeiras a menos.

Na contabilização geral da Câ-mara, foram escolhidos 198 depu-tados em primeiro mandato e os reeleitos foram 70%. É a maior re-novação da Casa desde a redemo-cratização, mas aponta para uma guinada ao conservadorismo.

Quais são os riscos de uma ban-cada governista menor para a go-vernabilidade de Dilma no próximo mandato? A democracia ganha com o aumento do poder da oposição no Legislativo? Cidade Nova entrevis-tou analistas e políticos para des-

trinchar essas e outras questões que devem marcar os próximos capítu-los da política nacional.

conservadorismoAs bandeiras levantadas por ma-

nifestantes durante os protestos de 2013 parecem não ter se refletido no resultado das eleições de outubro. É o que se conclui da composição das bancadas “informais” de lobistas, cuja finalidade é pressionar depu-tados na Câmara em benefício de determinados setores da sociedade.

De acordo com um balanço par-cial, realizado pelo Departamento Intersindical de Assessoria Parla-mentar (Diap), é grande o número de empresários, ruralistas, evangéli-cos e parentes de políticos que foram eleitos deputados federais no último pleito. A configuração preocupa An-tônio Augusto de Queiroz, diretor de documentação da entidade e analis-ta político, para quem a nova legis-latura é a mais conservadora desde a ditadura militar (1964-1985).

O levantamento do Diap mostra o empresariado representado por 226 deputados em 2015, formando a maior bancada informal da Casa. “O empresariado atua no sentido de reduzir a carga tributária e vai jogar pesado para passar a flexibilização dos direitos trabalhistas, aprovei-tando que a bancada sindical de-cresceu de 83 para 50 parlamenta-res”, alerta Queiroz.

Já os parlamentares ligados ao agronegócio somam 110, em segun-

do lugar na lista. Queiroz explica que “a eleição dessa bancada significará resistência a propostas com vistas a limitar o uso de agrotóxicos e a pro-teção ao meio ambiente, já que entre as pautas do grupo está a liberdade de produção e o poder de desmatar”.

O especialista aponta também que o aumento da bancada evan-gélica, cujos deputados somam 75, deve trazer ainda mais resistência a temas delicados como a união ho-moafetiva, a legalização da maco-nha e a despenalização do aborto. O grupo da segurança, composto por 23 integrantes, entre delegados, policiais e apresentadores de pro-gramas televisivos sobre violência, deve fazer pressão para aprovar a re-dução da maioridade penal e o fim do desarmamento.

Os nomes de deputados ligados a outros políticos somam 113 e com-põem a bancada dos parentes, numa demonstração clara de que não hou-ve efetiva renovação política na Câ-mara, na opinião de Queiroz. “As pessoas são escolhidas menos pela identidade com os programas parti-dários e mais pelo parentesco”, diz.

Mais uma vez as personalida-des tiveram destaque nesta disputa presidencial, ganhando milhões de votos que levaram uma série de ou-tros membros de seus partidos ao Congresso de maneira indireta. O deputado com mais votos foi o apre-sentador de TV Celso Russomanno (PRB-SP), com o palhaço Tiririca (PR-SP) em segundo lugar, cada um com mais de um milhão de votos.

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O conservador Jair Bolsonaro (PP-RJ), que defende a ditadura mi-litar, foi o terceiro deputado mais votado. Na quarta posição ficou Marco Feliciano, pastor evangélico que mantém discurso contra os di-reitos civis dos homossexuais.

Desde a adoção do princípio da fidelidade partidária, em 2007, as bancadas suprapartidárias perde-ram muito peso, mas sua capacida-de de pressionar parlamentares não deve ser descartada. “Os deputados não podem mais votar individual-mente em desacordo com sua ban-cada partidária. Ainda assim, as bancadas informais terão importân-cia para fazer lobby entre seus cole-gas de partido”, resume Queiroz.

O deputado Vanderlei Macris, reeleito pelo PSDB-SP, discorda do suposto conservadorismo da pró-xima legislatura. “Existe um viés progressista muito forte no novo Congresso. A sociedade mostrou que ou você se sintoniza com a von-tade do povo ou vai ter dificulda-des”, afirma. Para o tucano, apesar do aumento das bancadas supra-partidárias mais conservadoras, a

aprovação de pautas humanistas só dependerá da pressão da sociedade nas ruas.

GovernoO líder do PT na Câmara, depu-

tado Vicentinho (SP), endossa a tese de que o Congresso ficou realmente mais conservador. Para exemplifi-car, o petista destaca a queda da re-presentatividade de deputados que se assumem negros. Compunham 11% da Casa, na próxima legislatura eles serão apenas 4,5%.

O parlamentar concorda tam-bém que a diminuição dos gover-nistas na Casa tornou a situação mais difícil para Dilma. A solução, segundo ele, é investir no diálogo. “O governo precisa conversar mui-to com os partidos e buscar uma nova maioria. A própria presidenta está batendo nessa tecla”, resume. “O ideal será que deputados da base aliada se comprometam com pro-jetos. Se for baseada em conteúdo, teremos uma relação boa”, sugere.

Ainda assim, ele minimiza o peso que a oposição terá em 2015.

“É uma diferença pequena, não jus-tifica a oposição continuar no pa-lanque. Por muito menos que isso, Barack Obama [presidente dos Es-tados Unidos] e François Hollande [presidente da França] foram eleitos e a democracia continua forte nos países por eles governados.”

O deputado reitera a importân-cia de dialogar, mas, dessa vez, pro-curando aproximar-se da população que se dividiu durante o pleito e exi-ge uma nova postura do governo. “Estamos de ouvidos bem abertos e já realizamos encontros do partido buscando melhorar nossa relação com o povo. É preciso humildade para melhorar cada vez mais”, defi-ne. Dilma foi reeleita com 51,64% dos votos contra 48,36% de Aécio.

Para Queiroz, do Diap, o gover-no precisará dar uma “atenção espe-cial” aos parlamentares para elevar o apoio. Segundo ele, as estratégias mais comuns – como negociar o con-teúdo de políticas públicas, partilhar a gestão e liberar recursos do orça-mento para as emendas parlamenta-res – não serão mais suficientes. “Será necessário levar os parlamentares a c

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Page 3: O que muda no Congresso?

Smartphone: o novo vício da sociedade4 sinais de que o vício em smartphone está crescendo

Cerca de 70% dos norte-americanos sofrem de “nomofobia” – o medo de f icar sem os seus celulares…

Estima-se que foramvendidos 1,86 milhãode celulares no mercadonegro ao redor do mundo em 2013

70% preferem abrir mão do álcool do que de seusaparelhos móveis

89% das pessoas veem seus smartphonescomo algo muito alémdo que um simplestelefone

12% ainda disseramque seus smartphonessão suas posses maisimportantes

Se f icarmos distantes denossos aparelhos por24 horas, cerca de 1 em cada 5 de nós irá experimentar algunsdesses sintomas:1 angústia 2 isolamento3 confusão 4 coceira

57% prefeririamabrir mão da comida por um dia do que

f icar sem seuscelulares durante24 horas

Mais de 200 processosjudiciais foram abertospor empresas de telefonia móvel contra tra f icantes de celulares

Estima-se que os criminosos do mercadonegro de celulares lucraram cerca de US$ 4milhões em menos de um ano

… E outros 70% dizem que checam seus smartphones menos de 1 hora após levantar da cama

1O vício

É UMA DOENÇA REAL

2O mercado ilegalESTÁ CRESCENDO

3O que faríamos para

ALIMENTAR NOSSO VÍCIO

4Você experimenta umaCRISE DE ABSTINÊNCIA

70%

1.86M

70% 89%

12%

1em 5

57%

200+

US$ 4M

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audiências e reunir-se com eles em seus estados de origem”, prevê.

O primeiro desafio à governabi-lidade de Dilma no Congresso já foi lançado: a disputa pela presidência da Câmara entre PT e PMDB, que hoje controla o posto. Os dois par-tidos majoritários se revezam no co-mando da Casa, mas a candidatura de Eduardo Cunha (PMDB-RJ) que-brou a regra e já causa desconforto entre as legendas.

O governo exigirá que o PMDB aja como o partido governista “que de fato é, já que a presidente é do PT e o vice é o peemedebista Michel Temer”, avisa Vicentinho. O Partido dos Trabalhadores lançará uma can-didatura própria à eleição, que ocor-rerá nos primeiros dias de fevereiro.

“Com diálogo e resolvendo dis-putas regionais, é possível superar di-ferenças e trazer grandes nomes para a base”, opina Queiroz. Como exem-plo ele menciona Alexandre Padilha (PMDB-RS). Cotado para ocupar al-gum ministério, o peemedebista já foi um dos principais adversários do PT no passado, mas hoje é um forte aliado. Outro caso de mudança drás-tica é o de Kátia Abreu, sena dora pelo PMDB do Tocantins. Antiga oposito-ra ao governo, também é sondada para assumir a pasta da Agricultura.

Reforma políticaO tema foi definido pela pre-

sidente como a prioridade de seu novo mandato, mas deve ser o se-gundo e maior desafio dessa gestão. Isso porque a bancada que apoia a petista no Legislativo terá quatro parlamentares a menos do que o necessário para aprovar emendas constitucionais. A proposta já fra-cassou no primeiro mandato, quan-do Dilma possuía uma base maior e tentou emplacá-la no Legislativo buscando atender as reivindicações dos protestos de 2013.

Se depender dos parlamentares, a reforma não deve sair do papel, acredita Vicentinho. “Como entra-ram mais ricos e saíram mais po-bres, teremos muita dificuldade se depender desse Congresso conser-vador”, alfineta. Uma saída defendi-da pelo partido é a realização de um plebiscito, que deixaria nas mãos do povo quais itens deverão entrar na pauta.

Já Queiroz acredita que a confi-guração do Congresso não permiti-rá a aprovação do plebiscito, instru-mento pelo qual o cidadão pode se manifestar sobre o assunto antes de uma lei ser constituída. Para ele, a participação social deve se dar atra-vés de referendo, uma consulta po-pular sobre a legislação previamen-te aprovada pelos parlamentares.

Outro ponto prioritário é efe-tivar a participação feminina, que passou de 45 representantes para 51, um aumento de apenas 13%. Desde 2009, a legislação eleitoral obriga que ao menos 30% das candidatu-ras sejam femininas nas eleições para deputado federal, estadual, dis-trital e vereador, mas o efeito é tími-do. “Os partidos fazem as cotas mas não dão condições e meios para que se amplie essa bancada. Ela só vai aumentar quando houver mudança na legislação para que haja paridade com lista fechada. Não faria sentido fazer reforma sem dar esse impul-so”, defende Queiroz.

Macris afirma que a oposição apoiará a proposta de reforma po-lítica defendida pelo candidato der-rotado à presidência Aécio Neves. Na pauta do mineiro estão o voto distrital misto, mandato de cin-co anos sem reeleição, cláusula de desempenho e fim das coligações proporcionais. “É importante que a gente tenha partidos com percen-tual mínimo de votos para que eles tenham direito a benefícios como o fundo partidário. Com mais

de 30 partidos no país, não tere- mos democracia.”

Uma das características mais notáveis desse pleito foi o aumento da fragmentação da Câmara, com a representação de 28 partidos, seis a mais. A novidade pode dificultar ainda mais a possibilidade de refor-ma, já que as legendas mais fortes podem entender que serão preju-dicadas nas próximas eleições se as regras do jogo mudarem.

mudançasPara Vicentinho, o movimento

popular de junho de 2013, em de-fesa de várias mudanças sociais e políticas, sofreu uma grande frus-tração. Por isso ele defende que a reforma priorize o financiamento empresarial de campanhas, de for-ma a garantir que candidatos com propostas sociais tenham chances mínimas de vencer.

O representante do Diap acre-dita ser necessário que a sociedade se organize melhor para fazer valer sua voz nas políticas públicas. “As manifestações que aconteceram em 2013, pelo fato de terem sido convo-cadas por redes sociais, sem lideran-ças para negociar com o governo, levaram as pessoas a se identificar com a primeira liderança messiâ-nica que apareceu, o que resultou em um Congresso conservador e atrasado do ponto de vista dos di-reitos humanos”, critica Queiroz.

Já o PSDB tentará surfar na onda da insatisfação, mobilizando a so-ciedade a partir do Congresso e nas ruas. “O resultado eleitoral deu ao PSDB um protagonismo impor-tante no próximo mandato”, afir-ma o deputado Vanderlei Macris. “Temos obrigação de fiscalizar o go-verno de maneira mais efetiva, por-que 51 milhões de votos no partido (48,36%) mostram que a sociedade quer mudança.”