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XI Semana de Extensão, Pesquisa e Pós-Graduação - SEPesq Centro Universitário Ritter dos Reis XI Semana de Extensão, Pesquisa e Pós-Graduação SEPesq 19 a 23 de outubro de 2015 O RECONHECIMENTO EXTRAJUDICIAL DA PATERNIDADE SOCIOAFETIVA E A SUA EXPERIÊNCIA NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO Paula Ferla Lopes Advogada Pós-graduanda pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) Contato: [email protected] Resumo: O presente artigo dedica-se ao estudo do reconhecimento extrajudicial da paternidade socioafetiva e sua possibilidade no ordenamento jurídico brasileiro. Foi analisado o direito de filiação pós advento da Constituição Federal de 1988, que acabou com qualquer distinção entre os tipos de filiação, com ênfase na paternidade socioafetiva e os elementos de sua configuração. Destaca-se no trabalho a importância do afeto como fator determinante para definir as relações familiares, buscando demonstrar a importância do reconhecimento da relação de parentalidade socioafetiva também de forma extrajudicial. Também, foram analisados, de forma comparativa, os provimentos regulamentadores do reconhecimento extrajudicial da paternidade socioafetiva até então existentes. Palavras-chave: Filiação. Paternidade Socioafetiva. Afeto. Convivência Familiar. Extrajudicial. 1 INTRODUÇÃO A partir da Constituição Federal de 1988, antigas concepções presentes em nosso ordenamento jurídico, tais como a primazia da verdade biológica para fins de configuração de estado de filiação, foram alteradas. A igualdade entre as filiações, prevista no art. 227, § 6º do texto constitucional, aliado aos princípios constitucionais da afetividade e da convivência familiar, acabou por permitir o reconhecimento da

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O RECONHECIMENTO EXTRAJUDICIAL DA PATERNIDADE

SOCIOAFETIVA E A SUA EXPERIÊNCIA NO ORDENAMENTO

JURÍDICO BRASILEIRO

Paula Ferla Lopes

Advogada

Pós-graduanda pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS)

Contato: [email protected]

Resumo: O presente artigo dedica-se ao estudo do reconhecimento extrajudicial da

paternidade socioafetiva e sua possibilidade no ordenamento jurídico brasileiro. Foi

analisado o direito de filiação pós advento da Constituição Federal de 1988, que acabou

com qualquer distinção entre os tipos de filiação, com ênfase na paternidade socioafetiva

e os elementos de sua configuração. Destaca-se no trabalho a importância do afeto

como fator determinante para definir as relações familiares, buscando demonstrar a

importância do reconhecimento da relação de parentalidade socioafetiva também de

forma extrajudicial. Também, foram analisados, de forma comparativa, os provimentos

regulamentadores do reconhecimento extrajudicial da paternidade socioafetiva até então

existentes.

Palavras-chave: Filiação. Paternidade Socioafetiva. Afeto. Convivência Familiar.

Extrajudicial.

1 INTRODUÇÃO

A partir da Constituição Federal de 1988, antigas concepções presentes em

nosso ordenamento jurídico, tais como a primazia da verdade biológica para fins de

configuração de estado de filiação, foram alteradas. A igualdade entre as filiações,

prevista no art. 227, § 6º do texto constitucional, aliado aos princípios constitucionais

da afetividade e da convivência familiar, acabou por permitir o reconhecimento da

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existência da paternidade socioafetiva na qual o vínculo de parentalidade se dá pela

convivência afetiva.

Nos dias atuais, a paternidade socioafetiva já é amplamente aceita em nosso

ordenamento jurídico, podendo-se, inclusive, buscar-se em juízo o reconhecimento

dessa relação de parentalidade. Da mesma forma, não há mais o que se falar em

hierarquia entre a paternidade biológica em detrimento da socioafetiva. A

problemática inicia quando se trata da possibilidade ou não do reconhecimento

extrajudicial da filiação socioafetiva, tal como é nos casos da filiação biológica. Isso

porque, ainda que não se permita mais qualquer tipo de discriminação pertinente às

formas de filiação, inexiste em todo território brasileiro essa possibilidade,

diferentemente do que ocorre nos casos de paternidade biológica.

Diante desse contexto, o artigo irá analisar o direito filiação no ordenamento

jurídico brasileiro após advento da Constituição Federal de 1988. Ao lado das

demais formas de paternidade, a socioafetiva será examinada, principalmente no

que diz respeito aos elementos caracterizadores de sua existência. Por fim, serão

analisados os provimentos autorizadores do reconhecimento extrajudicial da

paternidade socioafetiva já existentes no nosso ordenamento jurídico, apontando

suas semelhanças e diferenças e, acima de tudo, buscando demonstrar a

importância de seu reconhecimento em âmbito nacional.

2 DIREITO DE FILIAÇÃO PÓS ADVENTO DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE

1988: A CONSIDERAÇÃO DO AFETO COMO GERADOR DE VÍNCULO DE

PARENTALIDADE

A Constituição Federal de 1988 revolucionou o conceito de família até então

existente em nosso ordenamento. Dentre as suas maiores inovações, no que

respeita ao direito de família, destacam-se três eixos, quais sejam: a igualdade de

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gênero, a pluralidade das entidades familiares e a igualdade de filiação. O que antes

era uma legislação preconceituosa, com a extrema proteção da união matrimonial,

renegando qualquer outra forma de formação familiar, deixou de o ser para dar lugar

à valorização do indivíduo, enquanto pessoa humana e detentor de dignidade.

Nesse passo, o elo entre a família deixou de ser uma situação jurídica, qual seja, o

casamento, para tornar-se algo muito mais puro e concreto: o afeto1.

Tal mudança autorizou a classificação de paternidade em três formas

distintas, quais sejam: a paternidade registral, biológica e socioafetiva. Cumpre

ressaltar, entretanto, que a mesma relação paterno-filial pode contar todos os tipos

ou apenas um deles, devendo-se analisar cada caso concreto. Dessa forma, a

paternidade registral, também conhecida como paternidade jurídica, condiz

primordialmente com o registro de nascimento, além das demais formas previstas no

art. 1.609 do Código Civil2.

A paternidade biológica, por sua vez, é aquela decorrente da genética.

Referido tipo foi o que mais sofreu alteração com o advento da atual Constituição

Federal, uma vez que teve seu papel relativizado para fins de configuração do

estado de filiação. Atualmente, em decorrência do avanço da sociedade e com a

alteração do papel da família para dar prioridade ao indivíduo, constata-se que

outros fatores, que não a origem genética, são determinantes para a existência ou

1ROSA, Conrado Paulino da. IFamily: um novo conceito de família? São Paulo. Saraiva: 2013, p. 47. 2Art. 1.609. O reconhecimento dos filhos havidos fora do casamento é irrevogável e será feito I - no registro do nascimento; II - por escritura pública ou escrito particular, a ser arquivado em cartório; III - por testamento, ainda que incidentalmente manifestado; IV - por manifestação direta e expressa perante o juiz, ainda que o reconhecimento não haja sido o objeto único e principal do ato que o contém. Parágrafo único. O reconhecimento pode preceder o nascimento do filho ou ser posterior ao seu falecimento, se ele deixar descendentes. BRASIL. Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso: 28 mar. 2014.

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não do vínculo paterno filial3.

Nesse sentido, nota-se que a verdadeira paternidade pressupõe fatores que

ultrapassam o mero vínculo biológico ou jurídico, sendo esses insuficientes para a

construção da figura de pai, com todos os direitos e deveres inerentes a esse papel4.

É justamente nesse contexto que a atual Constituição Federal inovou ao

considerar a afetividade como determinante para definir as relações familiares,

distinguindo a verdadeira paternidade do direito obrigacional, patrimonial ou

societário, sendo essa decorrente do princípio da solidariedade5.

Exatamente nesses moldes é que pode ser conceituado o terceiro tipo de

paternidade, qual seja, a socioafetiva. Em se tratando desse tipo de paternidade,

impera a primazia do afeto e da convivência familiar em detrimento de qualquer

outra coisa6.

A paternidade socioafetiva é, pois, aquela decorrente do afeto, calcada no

princípio da convivência familiar, a qual espelha uma escolha daquele pai de

desempenhar esse papel sem que, para isso, seja necessária a existência de

existência de afinidade genética7. Ademais, nesse caso, é reconhecida a existência

de parentesco civil, uma vez que entre as pessoas integrantes dessa relação existe

um elo afetivo capaz de gerar efeitos civis iguais aos de qualquer outra forma de

3LOBO, Paulo Luiz Netto. Direito ao Estado de Filiação e Direito à Origem Genética: Uma Distinção Necessária. Revista CEJ, v. 8, n. 27. p.47-56, 2004. Disponível em: <http://www2.cjf.jus.br/ojs2/index.php/revcej/article/view/633/813>. Acesso em: 13 jul. 2015. 4LOBO, Paulo Luiz Netto. A Paternidade Socioafetiva e a Verdade Real. Revista CEJ, v. 10, n. 34. p.15-21, 2006. Disponível em: <http://www2.cjf.jus.br/ojs2/index.php/revcej/article/view/723/903>. Acesso em: 17 jul. 2015. 5 LOBO, Paulo Luiz Netto. A Paternidade Socioafetiva e a Verdade Real. Revista CEJ, v. 10, n. 34. p.15-21, 2006. Disponível em: <http://www2.cjf.jus.br/ojs2/index.php/revcej/article/view/723/903>. Acesso em: 16 jul. 2015. 6COSTA, Juraci. Paternidade Socioafetiva. Revista Jurídica – CCJ/FURB, v. 13, nº 26. p.127-140, 2009. Disponível em: <http://proxy.furb.br/ojs/index.php/juridica/article/view/1889>. Acesso em: 15jul. 2015. 7FARIAS, Cristiano Chaves de, Roselvald, Nelson. Curso de Direito Civil: Famílias. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2015. p.593.

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filiação8.

Diante desse contexto, importante é o princípio da aparência, que possui

grande importância para o tema em análise. Referido princípio diz respeito à posse

do estado de filho, cuja configuração se dá através da exteriorização da convivência

afetiva e com a demonstração, perante a sociedade, da existência de relação

paterno-filial9. Para tanto, devem ser levados em conta três elementos: nome

(nomen) tratamento (tractatus) e fama que, uma vez configurados, acarretam na

constatação de uma relação de parentalidade socioafetiva10.

A paternidade socioafetiva já é incontroversa sistema jurídico. Dessa forma, o

que se nota é que, gradativamente, ela vem ganhando espaço no ordenamento

jurídico brasileiro. Ainda assim, a mais recente inovação pertinente ao tema é a

possibilidade de seu reconhecimento extrajudicial. Ainda que esse não ocorra em

todo país, alguns estados pioneiros já reconhecem essa possibilidade, conforme a

seguir se verá.

3 A POSSIBILIDADE DO RECONHECIMENTO EXTRAJUDICIAL DA

PATERNIDADE SOCIOAFETIVA

A Constituição Federal em seu art. 226, caput11 prevê a proteção da família

8CASSETTARI, Cristiano. Multiparentalidade e Parentalidade Socioafetiva: efeitos jurídicos. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2015. p. 16. 9BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Apelação Cível nº 70018836130. 8ª Ccível. Relator: Desembargador Luiz Ari Azambuja Ramos, vencido. Votos vencedores dos Desembargadores Claudir Fideli Faccenda e Rui Portanova. Publicado no DJ em 03/05/2007. Disponível em: <http://www.tjrs.jus.br/busca/?tb=proc>. Acesso em: 18jul. 2015. 10CASSETTARI, Cristiano. Multiparentalidade e Parentalidade Socioafetiva: efeitos jurídicos. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2015. p. 35-36. 11Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 03ago. 2015.

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pelo Estado. Da mesma forma, o art. 227, § 6º12 do referido diploma legal veda

qualquer tipo de discriminação no que tange ao direito de filiação. Nesse passo,

pacífico é o entendimento da possibilidade do reconhecimento extrajudicial de

paternidade biológica perante o Ofício de Registro Civil de Pessoas de Pessoas

Naturais, além de sua prática ser reiterada. Referido reconhecimento, dentre outras

características, decorre da vontade do pai.

Por outro lado, não se pode mais deixar de considerar a existência, sem

nenhum tipo de inferioridade hierárquica, da paternidade socioafetiva, a qual possui

como fundamentos a convivência familiar, a afetividade e o planejamento familiar.

Considerando, pois, todas as motivações que ensejam a sua realização, inexistem

fatores plausíveis que não autorizem também o reconhecimento extrajudicial para os

casos de paternidade exclusivamente socioafetiva, tal como ocorre nos casos de

paternidade biológica.

Tal entendimento, cada dia mais, ganha força. O Estado de Pernambuco foi o

precursor dessa medida inovadora e, por meio do Provimento nº 009/2013, de 02 de

dezembro de 2013, foi o primeiro a autorizar e regulamentar o reconhecimento

voluntário da paternidade socioafetiva perante Ofício de Registros Civis de Pessoas

Naturais. A tendência, paulatinamente, foi aderida por outros Estados e hoje já foram

editados provimentos no mesmo sentido no Estado do Ceará (nº 15/2013), bem

como o de nº 21/2013 do Estado do Maranhão, nº 234/2014 do Estado do

12Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. § 6º Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 03 ago. 2015.

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Amazonas e nº 11/2014 do Estado de Santa Catarina.

Analisando-se os fundamentos presentes nos provimentos, constata-se que o

entendimento doutrinário e jurisprudencial não permite mais reconhecer a existência

de hierarquia entre a paternidade biológica e a socioafetiva. Nesse passo,

totalmente justificável que, tal como nos casos de reconhecimento voluntário de

paternidade biológica, seja permitido o reconhecimento da paternidade socioafetiva

extrajudicialmente, sendo possível valer-se de regramentos atinentes ao

reconhecimento da paternidade biológica, sempre que possível. Da mesma forma, o

Enunciado Programático nº 06/2013, do IBDFAM – Instituto Brasileiro de Direito de

Família, estabelece que “do reconhecimento jurídico da filiação socioafetiva

decorrem todos os direitos e deveres inerentes da autoridade parental”13.

Os fundamentos acima explanados aliados ao fato de existirem grande

número de pessoas sem paternidade registral reconhecida, mas com paternidade

socioafetiva já consolidada acabaram por motivar a regulamentação do seu

reconhecimento extrajudicial, tal como ocorre nos casos de filiação biológica.

Os provimentos reguladores do reconhecimento extrajudicial da paternidade

socioafetiva, todavia, não são todos idênticos. Dentre os seus aspectos comuns, em

contrapartida, pode-se citar que: (a) o reconhecimento deve ser espontâneo; (b) é,

necessária a anuência da genitora nos casos de filho criança ou adolescente ou do

filho, quando maior de idade; (c) independe de manifestação do Ministério Público

ou de decisão judicial; (d) não pode ser requerida se já pleiteado o reconhecimento

da paternidade socioafetiva em juízo e, por fim, (e) sua lavratura não obsta a

discussão acerca da verdade biológica.

A fim de uma melhor elucidação do assunto tratado, interessante se faz a

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demonstração do acima mencionado por meio de um quadro comparativo.

Quadro 1: quadro comparativo de provimentos

PROVIMENTO

09/2013 PERNAMBUCO

PROVIMENTO

15/2013 CEARÁ

PROVIMENTO

21/2013 MARANHÃO

PROVIMENTO

234/2014 AMAZONAS

PROVIMENTO

11/2014 SANTA

CATARINA

Elementos:

Filho Qualquer PESSOA que já se encontrar registrada sem paternidade estabelecida

Qualquer PESSOA que já se encontrar registrada sem paternidade estabelecida

PESSOAS MAIORES DE DEZOITO ANOS que já se encontrarem registradas sem paternidade estabelecida

Qualquer PESSOA que já se encontrar registrada sem paternidade estabelecida

Qualquer PESSOA que já se encontrar registrada sem paternidade estabelecida

Anuência Escrita da genitora (filho menor) ou do filho (maior de idade)

Escrita da genitora (filho menor) ou do filho (maior de idade)

Escrita do filho

maior

Escrita da genitora (filho menor) ou do filho (maior de idade)

Escrita da genitora (filho menor) ou do filho (maior de idade)

Registro Competente

Apenas perante o Ofício de Registro Civil das Pessoas Naturais no qual o filho se encontre registrado

Apenas perante o Ofício de Registro Civil das Pessoas Naturais no qual o filho se encontre registrado

Qualquer Registro Civil de Pessoas Naturais do Estado do Maranhão, independentemente do lugar do assento de nascimento no Estado do Maranhão

Apenas perante o Ofício de Registro Civil das Pessoas Naturais no qual o filho se encontre registrado

Qualquer Ofício de Registro Civil de Pessoas Naturais, desde que o interessado apresente cópia da certidão de nascimento do filho ou informe em qual serventia foi realizado o registro e forneça dados para a induvidosa identificação do registrado

Averbação mediante

manifestação do Ministério Público ou de

Decisão Judicial

Independe

Independe

Independe

Independentemente

de ordem judicial

Independe

Vedações

Se já pleiteada em juízo o reconhecimento da paternidade

Se já pleiteada em juízo o reconhecimento da paternidade

Se já pleiteada em juízo o reconhecimento da paternidade

Se já pleiteada em juízo o reconhecimento da paternidade

Se já pleiteada em juízo o reconhecimento da paternidade

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Discussão Judicial sobre

Verdade Biológica

Não obstaculiza

Não obstaculiza

Não obstaculiza

Não obstaculiza

Não obstaculiza

Irrevogabilidade

Não menciona

Não menciona

Não menciona

Mencionada no art. 6º, § único

Mencionada no art. 8º

Fonte: elaborado pela autora, 2015.

Nota-se, pois, que as divergências existentes nos provimentos, por outro lado,

dizem respeito à idade do filho e da competência do registro a ser feito o

reconhecimento estudado. Nesse passo, conclui-se que, em relação ao primeiro

requisito, existe uma discrepância no Provimento nº 21/2013 do Estado do

Maranhão, uma vez que esse apenas autoriza o reconhecimento extrajudicial da

paternidade socioafetiva nos casos de filho maior de idade, podendo ser feito

somente com a anuência desse. No que tange ao segundo requisito, o referido

provimento e, ainda, o Provimento nº 11/2014 do Estado de Santa Catarina

autorizam que o reconhecimento seja feito em qualquer Registro Civil de Pessoas

Naturais, independentemente do local do assento de nascimento do filho. Os demais

provimentos, ao contrário do que regulamentam os Estados do Amazonas e de

Santa Catarina, exigem que o reconhecimento ocorra no registro em que foi

assentado o nascimento do filho.

Além das diferenças já apontadas, não se pode deixar de analisar que os

provimentos nº 234/2014 do Estado do Amazonas e nº 11/2014 do Estado de Santa

Catarina acabaram por ter uma regulamentação mais completa. Dentro desse

contexto, interessante mencionar que, ainda que o registro de nascimento seja ato

irrevogável, salvo nos casos de erro, falsidade, dolo ou coação, apenas os referidos

provimentos manifestam, de forma expressa, a irrevogabilidade do reconhecimento

extrajudicial da paternidade socioafetiva. Nos demais provimentos, por outro lado, a

regulamentação resta silente, ainda que exista esse entendimento.

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Diante de todo o exposto, o que se nota é que o Brasil já inovou muito ao

reconhecer a possibilidade do reconhecimento extrajudicial da paternidade

socioafetiva, todavia ainda são poucos os Estados que possuem provimentos nesse

sentido. Os casos de paternidade socioafetiva a cada dia aumentam, logo é dever

do ordenamento jurídico regular essa situação e, tal como nos casos de paternidade

biológica, buscar meios de facilitar esse reconhecimento, visto que voluntário e,

portanto, dispensável de intervenção judicial. Os Estados de Pernambuco, Ceará,

Maranhão, Amazonas e Santa Catarina iniciaram esse processo, todavia referido

reconhecimento deve ser possível em todo o país. Ocorrendo isso, está-se

realizando um dos objetivos primordiais da Constituição Federal de 1988, qual seja,

a proteção familiar. Dessa forma, por certo, obteremos a facilitação do

reconhecimento jurídico de um vínculo que, no dia a dia, já é incontroverso.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A paternidade socioafetiva já está consolidada em nosso sistema jurídico. A

admissão da existência de outras formas de família e a valorização do afeto como

elemento fundamental para as relações familiares acarretaram no reconhecimento

da socioafetividade como elemento caracterizador da filiação.

Nesse passo, considerando a existência da possibilidade do reconhecimento

voluntário de filiação, previsto no art. 1.609 do Código Civil, aliado ao fato de ser

princípio constitucional a igualdade de todas as formas de filiação, conforme

positivado na Constituição Federal, Código Civil e no Estatuto da Criança e do

Adolescente, inexistem fatores que não autorizem a extensão dessa possibilidade

também para os casos de filiação socioafetiva.

Autorizar o reconhecimento extrajudicial da paternidade socioafetiva é, pois,

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colocar em prática o objetivo de proteção familiar previsto na Constituição Federal.

Além de consagrar os princípios da afetividade, convivência familiar e planejamento

familiar, referida atitude regulamenta e, consequentemente, protege uma relação

que, na prática, já existe. Ademais, ao aceitar a possibilidade do reconhecimento

extrajudicial da paternidade socioafetiva, está-se poupando tanto as partes como o

Poder Judiciário de uma demanda judicial.

A iniciativa já começou, todavia isso não é suficiente. A existência de relações

de parentalidade exclusivamente socioafetivas existem em grande número e em

âmbito nacional.

Aceitar e facilitar o reconhecimento extrajudicial da paternidade socioafetiva

exterioriza a afetividade que deveria existir em toda relação paterno-filial, não

podendo o ordenamento jurídico brasileiro, como um todo, permanecer inerte frente

a essa realidade.

REFERÊNCIAS

______. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 19 mar. 2014.

______. Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso: 28 mar. 2014.

______. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Apelação Cível nº 70018836130. 8ª Ccível. Relator: Desembargador Luiz Ari Azambuja Ramos, vencido. Votos vencedores dos Desembargadores Claudir Fideli Faccenda e Rui

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Portanova. Publicado no DJ em 03/05/2007. Disponível em: <http://www.tjrs.jus.br/busca/?tb=proc>. Acesso em: 18 jul. 2015.

CASSETTARI, Cristiano. Multiparentalidade e Parentalidade Socioafetiva: efeitos jurídicos. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2015.

COSTA, Juraci. Paternidade Socioafetiva. Revista Jurídica – CCJ/FURB, v. 13, nº 26. p.127-140, 2009. Disponível em: <http://proxy.furb.br/ojs/index.php/juridica/article/view/1889>. Acesso em: 15 jul. 2015.

FARIAS, Cristiano Chaves de, Roselvald, Nelson.Curso de Direito Civil: Famílias. 7. ed. São Paulo: Editora Atlas, 2015.

LOBO, Paulo Luiz Netto. A Paternidade Socioafetiva e a Verdade Real. Revista CEJ, v. 10, n. 34. p.15-21, 2006. Disponível em: <http://www2.cjf.jus.br/ojs2/index.php/revcej/article/view/723/903>. Acesso em: 20 jul. 2015.

______. Direito ao Estado de Filiação e Direito à Origem Genética: Uma Distinção Necessária. Revista CEJ, v. 8, n. 27. p.47-56, 2004. Disponível em: <http://www2.cjf.jus.br/ojs2/index.php/revcej/article/view/633/813>. Acesso em: 15 jul. 2015.

ROSA, Conrado Paulino da. IFamily: um novo conceito de família?. São Paulo. Saraiva, 2013.