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O RECRUTAMENTO NO FUTEBOL Instituto Politécnico de Santarém Escola Superior de Desporto de Rio Maior Mestrado em Desporto Modalidade Desportiva I 1º Ano / 1º Semestre Mestrando: Mário Rocha Regente: Professor Doutor João Paulo Costa Fevereiro 2014

O recrutamento no futebol

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Page 1: O recrutamento no futebol

O RECRUTAMENTO NO FUTEBOL

Instituto Politécnico de Santarém

Escola Superior de Desporto de Rio Maior

Mestrado em Desporto

Modalidade Desportiva I

1º Ano / 1º Semestre

Mestrando: Mário Rocha

Regente: Professor Doutor João Paulo Costa

Fevereiro 2014

Page 2: O recrutamento no futebol

Índice

Introdução ………………………………………………………………………………………………………………3

Objetivos ………………………………………………………………………………………………………………. 4

O Talento ………………………………………………………………………………………………………………..6

Fatores Responsáveis pela Identificação, Seleção e Desenvolvimento de Talentos 8

As características do talento futebolístico ……………………………………………………………. 10

O Processo de Deteção, Identificação, Seleção e Desenvolvimento do Talento …… 11

O erro associado à Maturação ……………………………………………………………………………… 14

Um caso de sucesso …………………………………………………………………………………………….. 16

Implicações teóricas e práticas ……………………………………………………………………………. 18

Conclusão …………………………………………………………………………………………………………….. 21

Revisão Bibliográfica …………………………………………………………………………………………….. 22

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Introdução

O Futebol pertence a um grupo de modalidades desportivas com características

específicas e comuns, habitualmente designadas por jogos desportivos coletivos (JDC).

Sem diminuir a importância das restantes características, são as relações de oposição

entre os elementos das duas equipas em confronto e de cooperação entre os

elementos da mesma equipa, ocorridas num contexto aleatório, que traduzem a

essência do jogo de Futebol (Garganta, 2001, cit. por Pacheco, 2012).

Apesar deste carácter coletivo da modalidade, existem atletas que se destacam de

outros atletas por terem um desempenho acima da média, e que assim contribuem

decisivamente para o global da sua equipa.

Frequentemente é questionada com admiração a emergência do desempenho

excecional de determinados atletas no desporto. O entendimento sobre esse

desempenho excecional que não pode surgir do nada, nem do abstrato, tem originado

uma curiosidade de investigadores e treinadores sobre qual seria o percurso

necessário para se alcançar semelhante nível, e possivelmente, com isso, poder

potenciar semelhantes proezas noutros indivíduos com maior regularidade (Silva,

2009).

Quando estivermos perante atletas que detenham de uma capacidade que é

excecional e que está acima do que é normal no desporto em questão, podemos

classificar estes indivíduos como talentos.

Segundo Garganta (2009) “um talento é alguém capaz de uma performance acima da

média num dado domínio e em vários momentos.”. Um talento possui características

que o demarcam de outros indivíduos não considerados talentos e que permitem, por

vezes, predizer a sua potencial performance no futuro (Franks, Williams, Reilly, &

Nevill, 1999, cit. por Moita, 2008).

Segundo Jorge Castelo em 2004, uma das funções fundamentais do treinador no

processo de formação de uma equipa de futebol, a curto e médio prazo, é de

selecionar talentos e utilizá-los sempre que possível, independentemente de serem

jovens e desconhecidos. Neste sentido, os Clubes para além de terem um setor de

formação constituído por equipas de futebol de diferentes grupos etários (escolas,

infantis, iniciados, juvenis, juniores) e treinadores especializados que dirigem a sua

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evolução desportiva, necessitam igualmente de uma rede de observadores para

acompanhar os diferentes jogadores e jogos que se realizam ao longo do País (Castelo,

2004).

Page 5: O recrutamento no futebol

Objetivos

O objetivo deste trabalho está centrado naquilo que foi solicitado na unidade

curricular “Modalidade Desportiva I”, que foi realizar uma revisão do estado da arte

sobre a área específica que será alvo de intervenção quando realizarmos o nosso

estágio, e quem sabe, o campo específico da nossa intervenção futura.

O tema que mais me tem suscitado interesse, e que por isso foi o que abordei nesta

proposta de revisão de literatura, é o recrutamento de jovens atletas pelos clubes.

Neste momento não existe muita literatura convincente sobre este tema, e por isso

tive algumas dificuldades em reunir alguma informação que eu considerasse

pertinente, e que fosse proveitosa para uma intervenção prática futura.

No entanto acho que apesar de ser pouca a informação disponível até ao momento, as

novas tecnologias, aliadas a uma constante produção científica poderão ser

determinantes para melhorias substanciais a curto prazo no conhecimento existente

do recrutamento.

Após a literatura consultada sobre esta área, foram alvo de revisão o talento

(definição, fatores preditivos e caraterísticas) e as etapas de deteção, identificação,

seleção e desenvolvimento do talento. Além disso aproveitei uma tese de mestrado

(Moita, 2008), que dá umas “luzes” sobre como funciona o processo do recrutamento

no Sporting Clube de Portugal.

Por fim abordei um dos principais erros que normalmente os treinadores cometem,

que tem a ver com a questão da Maturação.

Depois de feita a revisão de literatura, fiz um transfer para o que vai ser a minha

intervenção futura: expus um sistema de observação que criei noutra unidade

curricular da licenciatura, e objetivei como poderá consistir uma intervenção futura

nesta área.

Page 6: O recrutamento no futebol

Estado da arte

O Talento

Ter talento reflete ter determinadas atitudes, diferenças individuais, habilidades, ou

potencialidades que em última análise fazem parte da estratégia evolutiva da espécie

humana. Se fôssemos semelhantes, cresceríamos e evoluiríamos para organismos cada

vez mais especializados. Neste caso estaria posta em causa a adaptação a condições

variáveis e a taxa de mudança cultural estaria comprometida passando a ser assim

lenta e previsível. Ao contrário a diversidade será então a base da nossa capacidade

criadora.

Segundo Garganta (2009) “um talento é alguém capaz de uma performance acima da

média num dado domínio e em vários momentos”. Um talento possui características

que o demarcam de outros indivíduos não considerados talentos e que permitem, por

vezes, predizer a sua potencial performance no futuro (Franks, Williams, Reilly, &

Nevill, 1999, cit. por Moita, 2008). Garganta (2009) diz ainda que o talento está em

constante desenvolvimento, e daí podemos apurar a necessidade e a existência de um

processo com condições essenciais onde possa emergir. O jogador talentoso, segundo

Jiménez Sánchez (2007, cit. por Pacheco) será o resultado de um conjunto complexo e

dinâmico de experiências, prática deliberada, “coaching” (orientação), eficácia, êxito e

desejo de excelência.

Vários estudos têm permitido reforçar a importância da relação entre o tempo de

prática acumulada numa atividade e o nível de desempenho conseguido pelos

praticantes nessa actividade (Abernethy, 1994; Hodges & Starkes; 1996; Krampe &

Ericsson, 1996; Helsen et al., 1998; Helsen & Starkes, 1999).

Outros refutam a convicção de que a prática altamente estruturada é, por si só,

suficiente para induzir desempenhos superiores (Scanlan et al., 1993; Burland &

Davidson, 2002).

Page 7: O recrutamento no futebol

Apesar disto existe uma parte hereditária que poderá ser muito importante, porém

não será decisiva, para a formação do talento desportivo. O quadro que se segue diz

respeito ao nível de hereditariedade das capacidades motoras.

O desempenho é a parte visível do talento e depende da interação de vários

constrangimentos (Garganta, 2009). O apoio parental, adequada condução do

processo de treino, as influências culturais e o efeito da idade relativa, têm sido

considerados determinantes para viabilizar o acesso à excelência desportiva (Burland

& Davidson, 2002; Baker et al., 2003, cit. por Garganta, 2009).

A natureza dá ao ser humano um potencial que uma prática assídua e relevante

transforma em capacidade (Garganta, 2009). À medida que os cientistas examinam as

carreiras dos seres humanos mais proficientes, menor parece ser o papel atribuído ao

“talento inato” e mais significativo se revela o contributo da aprendizagem/treino

(Garganta, 2009).

Verifica-se em vários estudos uma tendência para selecionar e identificar como

talentosos os jogadores nascidos nos primeiros meses do ano de distribuição das

idades pelos diversos (Silva, 2009). Ao detetarmos esta tendência nas equipas jovens

do Futebol português, podemos melhorar os processos de seleção e reduzir essa

propensão que delimita o número de possíveis selecionados para desenvolverem o

potencial talento, e em último caso diminui a qualidade global do futebol apresentado

(Silva, 2009).

Page 8: O recrutamento no futebol

Fatores Responsáveis pela Identificação, Seleção e

Desenvolvimento de Talentos

GO Tani (2002) apresenta a habilidade motora como um elemento diferenciador. A

ação no desporto é entendida como um comportamento tático (Greco, 2007), uma

espécie de ação inteligente que necessita de ser desenvolvida ou aprendida. Nesse

processo, são muitos os fatores, das áreas cognitiva, afetiva e psicomotora do

comportamento humano que influenciam o desenvolvimento, bem como fatores do

indivíduo, do ambiente e da tarefa em si (Gallahue & Ozmun, 2005).

As Habilidades técnicas

No processo do treino dos jovens, o lado da inteligência e o da técnica devem ser

privilegiados, como refere Mesquita (2007) a técnica e a tática devem estar situadas a

um só tempo, ou seja, são duas faces da mesma moeda.

A natureza aleatória e imprevisível do jogo exige a adoção de uma atitude tática

constante. Tal exige, então, que os praticantes possuam uma adequada capacidade de

decisão, que decorre duma ajustada leitura do jogo, para poderem materializar a ação

através de recursos motores específicos, genericamente designados por técnica

(Garganta, 2002).

De acordo com Malina et al. (2004), um dos principais componentes envolvidos em

atletas jovens num desporto específico é a habilidade técnica. Williams e Reilly (2000)

também se referem a este componente, enfatizando que, na maioria dos desportos,

futebol incluído, a especialização ou excelência pode ser alcançada através de

diferentes combinações de habilidades, sub-habilidades, atributos e capacidades. No

caso particular do futebol, a avaliação das competências técnicas adquire particular

relevância, considerando que o futebol é um desporto que exige habilidades refinadas

de condução, controlo e passe ou remate (Vaeyens et al. 2006).

Page 9: O recrutamento no futebol

“A excelência desportiva requer, cada vez mais, uma perspetiva “inteira” dos

processos de treino e competição e o entendimento mais ajustado parece ser o que

amplia mais o raio de ação destes processos e não tanto o que os miniaturiza

(Garganta, 2004)

Desta forma, o caminho até à excelência desportiva decorre, portanto, de uma fusão

complexa de habilidades, capacidades e competências, cuja feição emerge das

capacidades do praticante e do modo como é realizada a aprendizagem e o treino

(Ericsson, 2003).

FATORES RESPONSÁVEIS PELA IDENTIFICAÇÃO, SELEÇÃO E DESENVOLVIMENTO DE TALENTOS

Talento

Sociais

Demográficos/biol

ógicos

Maturação

Biológica

Aptidão Física Técnica

Tática

Psicológicos

Page 10: O recrutamento no futebol

As características do talento futebolístico

Para que o processo de identificação e recrutamento de talentos ocorra de forma

organizada, é essencial que o clube em questão defina elementos chave para

sabermos quais as características que podemos identificar nos jogadores (Franks et al.,

1999, cit. por Moita, 2008).

Segundo Garganta (1995, cit. por Pacheco, 2012), de uma forma geral, na deteção de

talentos é fundamental estar atento a pressupostos que indiciem o talento de um

jogador de futebol, que podem ser os seguintes:

Habilidade técnica em velocidade;

Disponibilidade tática;

Eficiência orgânica e muscular: agilidade, velocidade, reação rápida, rápidas

mudanças de sentido e direção;

Valor moral elevado: auto-controlo, coragem, auto-confiança, combatividade,

carácter.

De uma forma mais concreta pode-se fazer referência ao Ajax, um clube em que essas

características estão bem definidas e que funcionam como traços fundamentais de

avaliação indispensáveis para criar o tal modelo de jogador do clube. É o chamado

sistema TIPV: T simboliza técnica, aquilo que o jogador pode fazer com a bola; I é para

inteligência, entendida aqui como cultura tática; P é para personalidade, um aspeto

muito importante para os detetores de talento e formadores do Ajax; V significa

velocidade, pois para jogar no Ajax é muito importante não só a velocidade simples,

mas também é imperioso ter rapidez com a bola nos pés (Lobo, 2003, cit. por Moita,

2008).

Estes critérios de seleção fazem com que os jogadores pertencentes ao Ajax possuam

logo, aquando da sua entrada no clube, estas características: técnica elevada,

inteligência, personalidade interessante e uma boa rapidez de execução (Kormelink &

Seeverens, 1997, cit. por Moita, 2008), ficando mais facilitada a tarefa de

desenvolvimento desses mesmos jogadores.

O sucesso do modelo (TIPV) fez com que alguns clubes da Premier League Inglesa

formulassem também modelos semelhantes, tais como TAEV (talento, atitude,

Page 11: O recrutamento no futebol

equilíbrio e velocidade) e HIPV (habilidade, inteligência, personalidade e velocidade),

emergindo como uma marca primordial na identificação de talentos (Stratton et al.,

2004, cit. por 2008).

Reconhecendo então que cada clube deverá uniformizar um modelo de jogador e

partindo do pressuposto que o ideal será formar jogadores inteligentes que sejam

facilmente adaptáveis a vários modelos de jogo, parece que esse objetivo será

alcançado mais rapidamente, se os clubes tiverem preocupações em recrutar

jogadores cada vez mais cedo e que já possuam características favoráveis para atingir

esse modelo.

O Processo de Deteção, Identificação, Seleção e

Desenvolvimento do Talento

A deteção de Talentos refere-se à descoberta de potenciais craques que atualmente

não estão envolvidos no desporto em questão. Por causa da popularidade do futebol e

do grande número de crianças que participam, a deteção de jogadores não é um

grande problema, quando comparado com desportos minoritários. A Identificação de

talentos refere-se ao processo de reconhecimento de atuais praticantes com potencial

para se tornarem jogadores de elite. Implica prever o desempenho ao longo de vários

períodos de tempo, medindo atributos físicos, fisiológicos, psicológicos e sociológicos,

bem como habilidades técnicas, isoladamente ou em combinação (Regnier et al., 1993,

cit. por Williams & Reilly, 2000). É feita uma tentativa de combinar uma variedade de

características de desempenho, que podem ser de aprendizagem ou de formação

inata. Uma questão-chave é saber se o indivíduo tem o potencial de beneficiar de um

programa sistemático de suporte e treino. A Identificação de talentos foi vista como

parte do desenvolvimento de talentos que pode ocorrer em várias etapas dentro do

processo. O Desenvolvimento de talentos implica que os jogadores sejam fornecidos

com um ambiente de aprendizagem adequado para que eles tenham a oportunidade

Page 12: O recrutamento no futebol

de demonstrar todo o seu potencial. A área de desenvolvimento de talentos tem

recebido considerável interesse nos últimos tempos, levando vários pesquisadores a

sugerir que houve uma mudança de ênfase na deteção e identificação de talentos para

orientação de talentos e desenvolvimento). Por fim, a seleção de talentos envolve o

processo contínuo de identificação de jogadores, em várias etapas, que demonstram

níveis de desempenho, tendo em conta os pré-requisitos para a inclusão numa

determinada equipa ou dentro da equipa. A Seleção envolve a escolha do indivíduo ou

grupo de indivíduos mais adequados para realizar a tarefa dentro de um contexto

específico (Borms, 1996, cit. por Williams & Reilly). É particularmente pertinente no

futebol, uma vez que apenas 11 jogadores podem ser selecionados para jogar a

qualquer momento.

A questão da deteção, seleção e promoção de talentos no desporto, de uma forma

geral, tanto no aspeto conceitual teórico quanto no metodológico, é uma temática

atual e amplamente discutida no mundo inteiro. Especificamente no caso do futebol, é

um tema que tem gerado diversas discussões tanto a nível académico como a nível dos

Clubes. Desta forma, Maia (1993, cit. por Pacheco, 2012), define “deteção de

talentos”, como a possibilidade de efetuar um prognóstico a longo prazo de alguém

que revela atributos e capacidades necessárias para fazer parte integrante de uma

Page 13: O recrutamento no futebol

população de atletas de excelência desportiva. Para efetuar esta previsão é necessário

a presença de um “talento”, embora Seabra et al. (2001, cit. por Pacheco, 2012) afirma

que tal instrumento não existe, o que coloca sérios entraves não só à identificação do

talento como ao próprio prognóstico. Os mesmos autores consideram a “seleção de

talentos” a operação a partir da qual se efetua um prognóstico a curto prazo para o

indivíduo situado num grupo de atletas. Este prognóstico baseia-se no postulado de

que o indivíduo situado num grupo de atletas. Este prognóstico a curto prazo para o

indivíduo situado num grupo de atletas. Este prognóstico baseia-se no postulado de

que o indivíduo em causa possui atributos e capacidades necessárias para fazer parte

integrante de uma população de atletas de excelência desportiva.

Desta feita, constata-se que o grande objetivo da identificação de talentos é a de

aumentar a probabilidade de selecionar jogadores de elite no futuro, em idades mais

baixas (Franks et al., 1999, cit. por Moita, 2008).

Segundo Stratton et al. (2004, cit. por Moita, 2008), a maioria dos clubes concorda que

sem um processo de detecção, seleção e recrutamento de “talentos” até os

treinadores mais experientes e talentosos terão dificuldades em preparar uma equipa

para competir ao mais alto nível.

Também Leal & Quinta (2001, cit. por Moita, 2008) acreditam que a criação de um

departamento de seleção e deteção de talentos num clube é uma das premissas

fundamentais na potenciação de todo o processo de formação.

Hoje em dia, o processo de identificação e recrutamento de talentos, na maior parte

dos clubes incide essencialmente em jovens com sete ou mais anos de idade (Stratton

et al., 2004, cit. por Moita, 2008), o que nos leva a pensar que quanto mais cedo forem

recrutados talentos com determinadas características, maior será o seu processo de

evolução no clube. Nessa altura, a ênfase deve ser colocada na provisão de treinadores

e treinos apropriados e, também, de estruturas de suporte, que possibilitarão aos

jovens jogadores uma maior potenciação das suas qualidades (Stratton et al., 2004, cit.

por Moita, 2008). Franks et al. (1999, cit. por Moita, 2008) é da mesma opinião e

refere que identificar e recrutar um potencial jogador em idades mais baixas garante

que esse jogador receba posteriormente no clube treino especializado, de forma a

poder evoluir progressivamente e a potenciar ainda mais o seu talento.

Page 14: O recrutamento no futebol

A partir de uma perspetiva científica, a busca da excelência pode ser dividido em

quatro fases fundamentais (Russell, 1989; Borms, 1996). Estes podem ser distinguidos

como “deteção”, “seleção”, ”identificação” e “desenvolvimento”.

O erro associado à Maturação

Não raramente, os observadores apercebem-se, não de habilidades específicas do

Futebol, mas de algo relacionado com vantagem maturacional. (Garganta, 2009).

Atualmente é crescente o número de estudos que visam identificar e analisar

parâmetros morfológicos e físicos de crianças e adolescentes inseridos em treinos

sistemáticos nas mais variadas modalidades desportivas (Davis, Barnette, Kiger,

Mirasola & Young, 2004, cit. por Mortatti et al., 2013). O conhecimento do perfil

relacionado a essas variáveis e dos seus respetivos comportamentos e respostas ao

processo de treino é fundamental para o contexto da especialização desportiva.

Esse conhecimento juntamente com a utilidade e fidedignidade desses parâmetros

podem auxiliar pesquisadores, técnicos e preparadores físicos nos processos de

deteção, seleção e promoção do talento desportivo.

Além disso, também poderiam ser utilizados para orientar o próprio processo de

treino, aumentando a eficácia relativa da aptidão física, sobretudo nas variáveis que

podem determinar o sucesso no desporto (Davis et al., 2004, cit. por Mortatti, 2013)

No futebol, a tendência de orientação do processo de escolha dos jovens jogadores é,

atualmente, selecionar atletas de maior estatura e peso corporal, tendo, portanto, o

“tamanho corporal” um papel central (Gil, Gil J., Ruiz, Irazusta A. & Irazusta J., 2010,

cit. por Mortatti, 2013). No entanto, essa orientação relativa ao “tamanho corporal” no

processo de deteção e promoção do talento, na maioria das vezes, está baseada

somente nos valores absolutos das variáveis morfológicas e físicas, negligenciando o

status do desenvolvimento biológico dos avaliados (Mortatti et al., 2013).

Page 15: O recrutamento no futebol

Dessa forma, indivíduos que se encontram num nível maturacional tardio são

comparados aos seus pares de desenvolvimento mais precoce numa mesma faixa

etária, fazendo com que, muitas vezes, haja uma avaliação enviesada no processo que,

por sua vez, poderia não ser a mais apropriada e efetiva (Mortatti et al., 2013).

Nesse sentido, para além da análise pontual do tamanho corporal, assumindo-se a

importância dessa variável na orientação da seleção, promoção e desenvolvimento de

talentos, há a necessidade de se identificar o processo de desenvolvimento biológico

com o objetivo de relativizar os valores das variáveis morfofuncionais pelo nível

maturacional do avaliado (Malina, Bouchard, & Bar-Or, 2004).

A identificação do nível maturacional, por sua vez, pode ser realizada por vários

métodos tais como a maturação óssea, maturação dental, maturação das

características sexuais secundárias e maturação somática (Malina et al., 2004).

Dentre desses possíveis métodos, a avaliação das características sexuais secundárias,

proposta por Tanner (1962, cit. por Mortatti et al., 2013), é bastante difundida no meio

desportivo, porém os procedimentos para tal avaliação podem gerar algum tipo de

constrangimento entre os avaliados. Além disso, a auto avaliação pode ser influenciada

pela análise subjetiva do avaliador, limitando, na prática, a utilização e a confiabilidade

do método (Malina et al., 2004)

De acordo com Seabra et al. (2001, cit. por Pacheco, 2012), a performance motora das

crianças e dos jovens está significativamente relacionada com o seu estatuto

maturacional. Parece evidente que crianças e jovens com a mesma idade cronológica

variam consideravelmente no seu estado de maturação biológica, exercendo esta

alguma influência no processo de crescimento e no desempenho motor (Malina et al.,

2004). Tais variações também parecem ter influência no que diz respeito às

oportunidades de sucesso no futebol competitivo (Vaeyens et al., 2005, cit. por

Pacheco, 2012). Muitos jovens futebolistas são excluídos com o aumento da idade e da

especialização desportiva ou seja quando as características físicas e técnicas

específicas de uma modalidade desportiva são aperfeiçoadas e quando se atinge a fase

final da maturação física (Chibane et al., 2009, cit. por Pacheco 2012). Este fato muitas

vezes verifica-se porque a tendência nos escalões mais baixos é selecionar futebolistas

maturacionalmente avançados, mas que no futuro essa característica não será

suficiente para eles terem uma competência elevada no jogo.

Page 16: O recrutamento no futebol

Um Caso de Sucesso

Miguel Moita realizou um estudo em 2008 junto da Academia de Futebol do Sporting

Clube de Portugal (Monografia de Licenciatura em Alto Rendimento, na Faculdade de

Desporto da Universidade do Porto). Neste estudo realizou entrevistas junto dos

responsáveis pelo Recrutamento do clube, o que nos pode elucidar sobre como é que

funciona a identificação e seleção de talentos de um dos casos de maior sucesso a

nível Internacional.

Segundo Moita (2008) as características identificadas como fundamentais para que um

jovem atleta entre na formação do Sporting estão em total sintonia com aquilo que é o

modelo de jogador pretendido pelo clube. Para além disso, existe também a

preocupação de realizar o processo de deteção, seleção e recrutamento cada vez mais

cedo e em idades em que os atletas tenham grande margem de progressão. Jean Paul

refere que “a partir dos sub-16 e sub-17, se não são jogadores em relação aos quais

nós prespetivemos possibilidades de integração no futebol sénior, não se justifica nós

contratarmos. Isto significa que eles têm que ser melhores do que os que já temos e

preencherem também outro requisito, que é vermos neles a capacidade de integrarem

a nossa Equipa A.” (Moita, 2008).

Aurélio Pereira, citado por Moita em 2008, refere que os indicadores a serem levados

em conta no recrutamento de jovens talentos para o SCP são uma habilidade com a

bola acima da média, depois a velocidade e por fim o aspeto mental que, apesar de

não se conseguir ver numa primeira observação, é o que posteriormente faz a

diferença entre os tais jogadores que têm habilidade natural e outras qualidades. O

mesmo Aurélio Pereira, em relação à importância da personalidade, relata-nos o caso

de Cristiano Ronaldo: “quando veio aqui treinar à experiência com doze anos (…),

depois de observá-lo em campo e realmente ver que tinha qualidades, foi a sua

qualidade mental que mais me impressionou e que me levou a escrever o que escrevi

na altura (…), pois no segundo dia já conseguia atrair as atenções por parte dos

colegas. E a título de exemplo, num treino que realizou com jogadores um ano

superiores, a certa altura estava para receber uma bola de costas na área e foi alvo de

uma marcação muito apertada, então ele voltou-se para trás e de repente disse “Oh

Page 17: O recrutamento no futebol

miúdo, tem calma!!!”. E isto para mim, funcionou como um “click” para dar o aval à

sua contratação.” (Moita, 2008).

Page 18: O recrutamento no futebol

Implicações Teóricas e Práticas

Sistema de Observação de Talentos

Na unidade curricular de “Observação e Análise da Técnica Desportiva”, da

Licenciatura em Treino Desportivo, juntamente com os meus colegas de grupo, criei

um instrumento de observação que consistia em tirar dados quantitativos no

momento da análise do vídeo, para posterior avaliação. O nosso primeiro objetivo

seria considerar as variáveis técnica, física, psicológica e tática, mas não foi possível, e

apenas consideramos a variável técnica. Isto deveu-se ao facto de não haver literatura

que nos apoiasse, pelo motivo de serem variáveis bastante subjetivas. No entanto o

meu objetivo é desenvolver este instrumento, uma vez que este só se encontra numa

fase muito inicial.

Para isso quero desenvolver competências, e arranjar estratégias que me possibilitem

observar e avaliar com rigor os aspetos ligados à inteligência do jogo e à capacidade

mental do atleta. Juntamente a isto posso acrescentar a avaliação das capacidades

físicas no jogo, mas neste caso, não o consegui anteriormente, não por serem

capacidades pouco objetivas (antes pelo contrário), mas porque serão precisas novas

tecnologias que possibilitem a avaliação das destas capacidades motoras. A tecnologia,

na minha opinião, também deverá ser fulcral para avaliar a variante psicológica e

tática. Através de tecnologia de ponto, mais propriamente, câmaras que permitam

apanhar ao mesmo tempo, um plano do jogador de perto, para avaliar pormenores

técnicos e detalhes de nível psicológico, mas também visto de um plano global, para

observar o comportamento tático, mais direcionado para a tomada de decisão dentro

de um ponto de vista coletivo.

Em relação ainda ao instrumento que realizei, optei por fazer uma classificação de

cada comportamento técnico, em que o classificava de 0 a 6, tendo em conta as

componentes críticas associadas a cada gesto. Por exemplo, na receção, as

componentes críticas eram: Deslocação para a bola; Decisão rápida do tipo de receção;

não deixar “morrer” a bola; Confiança na receção da bola; Pé de receção desloca-se ao

encontro da bola; e perna de apoio ligeiramente fletida. Se observadas estas 6

componentes críticas estaríamos perante uma receção de bola com avaliação “6”

Page 19: O recrutamento no futebol

(Muito Bom). No final o objetivo era fazer uma média de todas as avaliações de

receções durante um jogo ou mais do que um jogo, e dar uma avaliação do atributo

“receção”, e o mesmo se faria perante os outros gestos técnicos, o que possibilitaria

no final de tudo isto obter uma avaliação da técnica precisa e rigorosa.

Com isto penso que já tenho a variável técnica, com um pouco mais de

aperfeiçoamento, bem encaminhada. A isto resta obter a tecnologia necessária,

pensando que será este o melhor caminho, para aliar os outros atributos (inteligência,

psicológico e físico). Na minha opinião poderá ser esta a base para construir um

instrumento sólido, que permita avaliar rigorosa e criteriosamente, se estamos

perante um atleta que pode interessar ou não, tendo em conta aquilo que o clube

pretende, com o modelo de jogador e o modelo de jogo a servir de pressupostos para

a decisão final.

É importante também não esquecer a variável maturacional, que poderá influenciar

todas as outras variáveis, principalmente a variável física. Segundo os autores

consultados este é o principal erro cometido por treinadores ou responsáveis pelo

recrutamento. O que acontece é que os atletas que estão mais avançados

maturacionalmente são sempre mais escolhidos que os outros, e estes não são

necessariamente os que irão singrar no futuro (Malina et al., 2004). Por isso é

importante considerar esta variável no instrumento para não haver erros na deteção

do talento.

Transfer para a Intervenção Prática

Em relação à minha intervenção no estágio, poderei ser importante nesta área do

recrutamento, principalmente se estiver num contexto em que o clube tenha

possibilidade real de recrutar jogadores. Sinceramente, penso que seria uma mais-valia

nesta área, uma vez que tenho conhecimento do modo como funciona nos clubes de

topo a nível nacional, e tenho consciência do que poderia ser melhorado nesses

contextos, e o principal alvo de melhoria é sem dúvida o rigor científico. É fundamental

criar um instrumento fidedigno e objetivo que permita identificar e selecionar o

talento no futebol jovem. Tenho noção que com algum apoio de tecnologia de ponta

Page 20: O recrutamento no futebol

poderia criar um instrumento muito poderoso para servir de base para todo o

recrutamento do clube. Se não houver possibilidade deste apoio de alguma tecnologia,

construo um instrumento também válido, que permita ser de utilidade para o clube.

Se não houver esta possibilidade de intervir nesta área, porque muitas das vezes o

recrutamento já está instituído no clube de uma forma fechada, e por isso a

intervenção seria reduzida, o futebol de formação seria para mim uma alternativa que

me agrada bastante, e onde eu poderia intervir de uma forma igualmente proveitosa

para o clube, tendo em conta as minhas competências e experiência no envolvimento

com o treino de jovens atletas.

Page 21: O recrutamento no futebol

Conclusão

Depois da revisão de literatura que foi consultada para conhecer as tendências atuais

do processo de identificação, deteção e seleção de talentos, obtive um conhecimento

razoável do que é que se está a fazer nesta área, da forma como os clubes estão

organizados no recrutamento e como é que se poderá intervir de forma a melhorar um

campo que ainda está pouco desenvolvido até à data.

Depois de revistas as tendências atuais do recrutamento, pude ter uma noção clara

que ainda não existe um instrumento científico e rigoroso para ser utilizado neste

processo. Isto leva os treinadores, observadores técnicos, ou outros responsáveis pelo

recrutamento a enveredar por observações, que o senso comum normalmente

caracteriza de observações a “olho nu”, o que provoca muitos erros aquando da

deteção, depois na identificação e também na seleção dos melhores atletas. Partindo

do pressuposto que estas são as principais fases do processo de escolha dos atletas

podemos dizer que os erros começam logo quando se fazem num momento inicial as

captações, até à escolha num momento final da equipa que vai jogar num clube de

topo a nível nacional. O que isto quer dizer é que o talento muitas das vezes pode

estar escondido num clube de bairro, em que os observadores observam de forma

muito pouco rigorosa, e que por isso nunca vai chegar a passar por estas fases até

chegar a um contexto em que as suas capacidades poderiam ser desenvolvidas de uma

forma muito superior.

O nível de maturação é um dos erros que se cometem com maior regularidade. É

muito comum um atleta estar muito mais desenvolvido maturacionalmente que outros

jogadores. Este atleta vai dar muito mais nas vistas a estes observadores que

observam a “olho nu”, e outros atletas que no futuro irão desenvolver capacidades

que permitem resultados superiores, serão preteridos por estes jovens que estão

numa fase maturacional mais avançada. Penso que no futuro, se intervir na área do

recrutamento irei estar especialmente atento a este aspeto, que acho de extrema

importância, e que tem sido um pouco posto de lado pelos treinadores.

Page 22: O recrutamento no futebol

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