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A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO 2828 O RURAL NO NORTE FLUMINENSE ERIKA VANESSA MOREIRA SANTOS 1 MARIA DO SOCORRO BEZERRA DE LIMA 2 Resumo: Compreender as mudanças no rural do norte fluminense remete a uma sistematização de dados e informações ao longo do contexto histórico. A região marcada tradicionalmente pela lavoura canavieira, atualmente, tem uma economia regional baseada na exploração do petróleo e do gás. Os conflitos agrários configuram outro cenário deste “rural” , como resposta a concentração fundiária, ao domínio de elite agrária e a expulsão dos trabalhadores rurais. A implantação de assentamentos rurais no norte fluminense refletiu diretamente na configuração do espaço rural, seja no aumento da população rural seja nos novos canais de comercialização de produtos agropecuários. Palavras-chave: Norte Fluminense; concentração fundiária; conflitos agrários Abstract: Understanding the changes of rural space in north Rio de Janeiro State requires data and information systematization along the historical context. The region - traditionally marked by sugar plantations - currently has a regional economy based on the development and exploitation of oil and gas fields. The agrarian conflicts have been another feature of this "rural" due to land concentration, to the landed gentry and to the expulsion of the poor from rural spaces. The implementation of rural settlements in north Rio de Janeiro State directly reflected in the rural setting, by increasing the rural population and the new marketing channels for agricultural products. Keywords: North Rio de Janeiro State; land concentration; agrarian conflicts. 1 Introdução O norte fluminense compreende uma área territorial de 9.730.443 Km 2 e abrange as microrregiões geográficas de Campos dos Goytacazes (Campos dos Goytacazes, São Fidélis, São João da Barra, São Francisco de Itabapoana e Cardoso Moreira) e de Macaé (Macaé, Quissamã, Carapebus e Conceição de Macabu) 3 .Tal regionalização foi oficializada em 1987 pela Secretaria de Estado de Planejamento e Controle (BIAZZO, 2012). O nosso objetivo é compreender o „rural e o agrícola‟ nessa região, desde 1970 até o século XXI. Os resultados apresentados advêm de 1 - Docente do Departamento de Geografia de Campos e do Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal Fluminense/ Campos dos Goytacazes. Pesquisadora do NERU/UFF (Núcleo de Estudos Rurais e Urbanos), do Grupo de Pesquisa Território, Escala e Poder/UFF e do GEDRA/UNESP (Grupo de Estudos Dinâmica Regional e Agropecuária). E-mail de contato: [email protected] 2 Docente do Departamento de Geografia da Universidade Federal Fluminense/ Campos dos Goytacazes. Coordenadora do NERU /UFF Núcleo de Estudos Rurais e Urbanos) e PET Ciranda Rural. E-mail de contato: [email protected] 3 Ver mapa 01.

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A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO

DE 9 A 12 DE OUTUBRO

2828

O RURAL NO NORTE FLUMINENSE

ERIKA VANESSA MOREIRA SANTOS1

MARIA DO SOCORRO BEZERRA DE LIMA2

Resumo: Compreender as mudanças no rural do norte fluminense remete a uma sistematização de

dados e informações ao longo do contexto histórico. A região marcada tradicionalmente pela lavoura canavieira, atualmente, tem uma economia regional baseada na exploração do petróleo e do gás. Os conflitos agrários configuram outro cenário deste “rural”, como resposta a concentração fundiária, ao domínio de elite agrária e a expulsão dos trabalhadores rurais. A implantação de assentamentos rurais no norte fluminense refletiu diretamente na configuração do espaço rural, seja no aumento da população rural seja nos novos canais de comercialização de produtos agropecuários.

Palavras-chave: Norte Fluminense; concentração fundiária; conflitos agrários Abstract: Understanding the changes of rural space in north Rio de Janeiro State requires data and

information systematization along the historical context. The region - traditionally marked by sugar plantations - currently has a regional economy based on the development and exploitation of oil and gas fields. The agrarian conflicts have been another feature of this "rural" due to land concentration, to the landed gentry and to the expulsion of the poor from rural spaces. The implementation of rural settlements in north Rio de Janeiro State directly reflected in the rural setting, by increasing the rural population and the new marketing channels for agricultural products.

Keywords: North Rio de Janeiro State; land concentration; agrarian conflicts.

1 – Introdução

O norte fluminense compreende uma área territorial de 9.730.443 Km2 e

abrange as microrregiões geográficas de Campos dos Goytacazes (Campos dos

Goytacazes, São Fidélis, São João da Barra, São Francisco de Itabapoana e Cardoso

Moreira) e de Macaé (Macaé, Quissamã, Carapebus e Conceição de Macabu)3.Tal

regionalização foi oficializada em 1987 pela Secretaria de Estado de Planejamento e

Controle (BIAZZO, 2012). O nosso objetivo é compreender o „rural e o agrícola‟ nessa

região, desde 1970 até o século XXI. Os resultados apresentados advêm de

1 - Docente do Departamento de Geografia de Campos e do Programa de Pós-Graduação da

Universidade Federal Fluminense/ Campos dos Goytacazes. Pesquisadora do NERU/UFF (Núcleo de Estudos Rurais e Urbanos), do Grupo de Pesquisa Território, Escala e Poder/UFF e do GEDRA/UNESP (Grupo de Estudos Dinâmica Regional e Agropecuária). E-mail de contato: [email protected] 2 Docente do Departamento de Geografia da Universidade Federal Fluminense/ Campos dos

Goytacazes. Coordenadora do NERU /UFF Núcleo de Estudos Rurais e Urbanos) e PET Ciranda Rural. E-mail de contato: [email protected] 3 Ver mapa 01.

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pesquisas em desenvolvimento4 realizadas no âmbito do NERU (Núcleo de estudos

rurais e urbanos) e do Grupo de Pesquisa Território, Escala e Poder.

Mapa 1 – Localização dos municípios da região Norte Fluminense.

Campos dos Goytacazes é o município com maior extensão territorial (4.026

Km2) e maior número de distritos (15), cuja origem está justamente no processo de

formação sócio-espacial. Entre o final da década de 1980 e meados de 1990, quatro

distritos se emanciparam: Quissamã (distrito de Macaé), São Francisco de Itabapoana

(distrito de São João da Barra), Cardoso Moreira (distrito de Campos) e Carapebus

(distrito de Macaé).

Neste texto, propomos a sistematização de dados secundários, por meio de

tabelas e cartogramas, a fim de caracterizar o norte fluminense a partir do espaço

rural. Para atingir tal objetivo, utilizamos estes procedimentos: levantamento

bibliográfico; levantamento documental das Cooperativas e das Associações

existentes; compilação e sistematização de dados secundários – SIDRA/IBGE (Banco

de dados agregados), CPT (Comissão Pastoral da Terra) e CEEP/CEPERJ (Centro

de Estatística, Estudos e Pesquisas) e realização de pesquisa de campo.

4 Coletando preços e trilhando caminhos, pesquisa de extensão, Proex/UFF, 2015. Cesta sabores da

terra, pesquisa de extensão, Proex/UFF, 2014. A ruralidade no norte fluminense, Edital Jovem Pesquisador, Proppi/UFF, 2014-2015.

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2 – Contexto histórico: o agrícola e o agrário na região norte fluminense

O processo de ocupação da região ocorreu com o domínio da atividade

canavieira. As denominações foram e são múltiplas dessa região, desde a chamada

região açucareira de Campos (Censos Agropecuários de 1975, 1980 e 1985), Baixada

Campista (por causa da forma de relevo), planície Goytacaz (em função da presença

dos índios Goytacaz). Cada nomenclatura tem um contexto e um elo comum que é a

tríade cana-elite agrária-território.

Nosso recorte temporal abrange os anos pós--1970, marcados pelo inicio do

processo de reestruturação produtiva e pela exploração de petróleo e gás da bacia de

Campos (CRUZ, 2005, PIQUET, 2004). Outro marco importante foi o Programa PRO-

ALCCOL, que, segundo Alentejano (2005, p.12), propiciou melhorias na base técnica

e alteração nas relações de trabalho:

A partir de incentivos governamentais propiciados pelo Programa de Apoio à Agroindústria Açucareira e pelo Programa Nacional do Álcool (PRÓ-ÁLCOOL) a produção de cana na região sofre profundas alterações, seja com a concentração crescente do capital, seja com a radical alteração das relações de trabalho. No caso das relações de trabalho, a marca fundamental é a expulsão dos trabalhadores do interior dos latifúndios, transformando-os em bóia-frias, moradores das periferias das cidades da região, principalmente Campos. A introdução de melhorias técnicas parciais na produção, concentradas no preparo da terra e nos tratos culturais, e excluindo, em geral, a colheita, acentua a diferença sazonal de requerimento de mão-de-obra, gerando uma massa de assalariados temporários.

Alentejano (2005), com base em Rua (1998), destaca que as mudanças com o

Pro-álcool podem ser resumidas em dois viés: de um lado, a eliminação de antigos

engenhos e a implantação de usinas modernas e, de outro, a concentração fundiária,

“ que resulta da redução do número de fornecedores, uma vez que as usinas impõem

padrões de produção que muitos pequenos fornecedores não conseguem cumprir o

que acaba por alijá-los do setor” (ALENTEJANO, 2005 p.13).

Neves (1997) chama a atenção para os conflitos agrários que emergem

justamente como resposta aos processos de concentração fundiária e da expulsão de

muitos trabalhadores dos postos de trabalho que, impedidos de continuar na

agricultura, migram para os centros urbanos.

A economia agrícola regional, baseada principalmente na cana-de-açúcar,

passa a contar com outras atividades nos anos de 1990, como pecuária de corte

(tradicional e moderna) e leiteira, mineração e fruticultura. Na tabela 01, notamos a

queda da lavoura canavieira, pois a área reduziu 91.500 hectares entre 1990 e 2013.

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Tabela 01: Área colhida de cana-de-açúcar (hectares), Mesorregião Norte Fluminense e municípios, entre 1990 e 2013.

Norte Fluminense 1990 2013

184.880 93.380

Campos dos Goytacazes 116.100 54.000

Carapebus - 200

Cardoso Moreira - 2.650

Conceição de Macabu 3.680 12

Macaé 8.600 18

Quissamã 12.400 13.000

São Fidélis 6.100 300

São Francisco de Itabapoana - 23.000

São João da Barra 38.000 200

Fonte: Produção agrícola municipal (PAM) de 1990 e 2013 no SIDRA/IBGE Org: Erika Moreira (2015)

Uma forma de reverter o declínio da atividade canavieira ocorreu por meio de

políticas públicas (LIMA; FILHO; NEY, 2013, p. 12), quais sejam: a) Programa Rio

Cana Estadual, que começou a funcionar em 2002; b) Programa de Revigoramento

da Lavoura de Cana de Açúcar (Lei Municipal nº 7.829/2006) - linha especial de

financiamento do Fundo de Desenvolvimento de Campos (FUNDECAM); c) Projeto de

Lei oriundo da Medida Provisória (MP) 554/11; d) investimentos da Caixa Econômica

Federal e da AgeRio (agência de fomento estadual); e) redução de ICMS em 2012.

Atualmente, os antigos agentes atuantes no setor canavieiro estão sendo absorvidos

por grandes empresas, como Coagro (Cooperativa Agroindustrial do Estado do Rio de

Janeiro).Esse declínio no setor canavieiro está vinculado ao cenário da população,

rural e urbana, com a participação majoritária dos residentes urbanos e o decréscimo

da população rural (tabela 02).

Tabela 02 - Dinâmica da população rural e urbana no Norte Fluminense, entre 1970 e 2010.

Municípios da Região Açucareira de Campos

1970 1980 1991 2000 2010

pop rural

pop urbana

pop rural

pop urbana

pop rural

pop urbana

pop rural

pop urbana

pop rural

pop urbana

Campos dos Goytacazes 142.724 176.082 145.184 203.358 64.442 324.667 42.812 364.177 45.006 418.725

Carapebus 0 0 0 0 0 0 1.791 6.875 2.817 10.542

Cardoso Moreira 0 0 0 0 0 0 4.550 8.029 3.843 8.757

Conceição de Macabu 4.227 7.333 3.966 9.658 2.981 13.982 2.240 16.542 2.874 18.337

Macaé 25.516 39.082 20.639 55.224 11.559 89.336 6.454 126.007 3.869 202.859

Quissamã 0 0 0 0 6.057 4.410 5.975 7.699 7.246 12.996

São Fidélis 23.355 11.788 19.710 15.263 12.421 22.160 10.276 26.513 7.864 29.679

São Francisco de Itabapoana 0 0 0 0 0 0 21.737 19.738 20.262 21.092

São João da Barra 45.894 9.725 33.522 21.066 29.770 29.791 8.051 19.631 7.054 25.693

Fonte: Censos Demográficos 1970, 1980, 1991, 2000 e 2010. Org: Erika Moreira (2014)

Enquanto Macaé, São Fidélis, São João da Barra, São Francisco de

Itabapoana exibiram, entre 2000 e 2010, redução da população rural, os municípios

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de Campos, Carapebus, Conceição de Macabu e Quissamã exibiram, ainda que

timidamente, um incremento da população rural. A região Norte Fluminense passou

no período 1980-1991 por um êxodo rural mais intenso que o estado do Rio de

Janeiro, provavelmente devido à estagnação da atividade açucareira (CRUZ, 2005).

Mapa 02: Grau de urbanização e População total no ano de 2010.

Segundo Cruz (2005), o município de Macaé apresentou o maior crescimento

populacional (46%) nos anos 1980, pois foi o receptor direto dos recursos para a

exploração petrolífera. Contudo, o referido autor pontua que, nas décadas

subsequentes, o crescimento foi menor, pois os investimentos pesados do setor

petrolífero “já haviam se realizados em décadas anteriores” (CRUZ, 2005, p. 82). No

mapa 02 é possível observar que o município de Macaé apresentou a maior taxa de

urbanização (98,1%) em 2010; em contrapartida, São Francisco de Itabapoana, a taxa

foi a menor, 51%, cuja economia local depende, além do setor de serviços, também

da fruticultura e das olerícolas.

As mudanças no perfil demográfico regional podem ser analisadas a partir de

três aspectos. Primeiro, a crise do setor açucareiro (1970) e sua reconversão com as

políticas agrícolas (PRO-ALCOOL), no final dos anos 1970. Segundo, o início da

exploração na Bacia de Campos, no final dos anos 1970, e a consolidação nas

décadas seguintes. Terceiro, a emancipação dos municípios de Carapebus, São

Francisco de Itabapoana e Quissamã (CRUZ, 2005).

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Com a implantação do polo de extração do petróleo e gás em Macaé, na Bacia

de Campos, no final dos anos de 1970, a região torna-se “produtora de petróleo,

sendo responsável por mais de 80% da produção brasileira” (CRUZ, 2005, p. 56). No

bojo desse processo, a atividade petrolífera suplanta a açucareira na dinâmica

econômica regional. Nos anos 1990, com as mudanças na legislação, houve aumento

dos royalties às regiões produtoras, o que levou ao incremento dos recursos

destinados aos municípios da Bacia de Campos.

Tabela 03 – Valor adicionado bruto total e participação da agropecuária, segundo os

municípios da região Norte Fluminense, 2011.

Município Valor adicionado

total % da agropecuária no valor

adicionado

Cardoso Moreira 124,326 11,8

Carapebus 754,534 0,9

Campos dos Goytacazes 36.363,261 0,3

Conceição de Macabu 204,133 3,2

Macaé 11.166, 217 0,4

Quissamã 3.843,826 0,7

São Fidelis 428,572 7,0

São Francisco de Itabapoana 676,984 14,8

São João da Barra 5.888,212 0,4

Norte Fluminense 59.450,071 0,6

Fonte: CEEP/CEPERJ Org: Erika Moreira (2015).

Os dados da tabela 03 apontam que o valor adicionado bruto agropecuário tem

uma participação ínfima nos municípios dessa região. Apenas Cardoso Moreira e São

Francisco de Itabapoana, apresentam um percentual razoável de 11,8% e 14,8%,

respectivamente. Vale mencionar que são os municípios que conseguiram

emancipação nos anos de 1990. Cardoso Moreira tem uma produção agrícola voltada

à cana e à pecuária mista, enquanto São Francisco de Itabapoana tem como carros-

chefes o abacaxi, a mandioca, o maracujá, a goiaba e a cana-de-açúcar. Na década

de 1970, as elites agroindustriais e agropecuárias assumiram “o controle dos recursos

passados à região, graças a um bem-sucedido processo de obtenção de

reconhecimento e da legitimidade para assumir a posição de representantes dos

interesses regionais” (CRUZ, 2005, p. 66).

Nos dias atuais, a elite agrária se metamorfoseou em elite imobiliária. Muitas

áreas utilizadas pelas antigas usinas de açúcar se transformaram em condomínios

residenciais ou vazios urbanos à espera de valorização imobiliária. A elite que outrora

concentrava terra e capitais estendeu o seu domínio sobre a terra, os capitais e o

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poder político. A inserção da indústria petrolífera no cenário regional representou uma

nova dinâmica de crescimento econômico, baseada na transição das principais

atividades econômicas, sobretudo a agropecuária.

2.1- Estrutura fundiária e produtiva: concentração e estratégias fundiárias

O panorama da estrutura fundiária aponta para um processo de concentração

fundiária, fruto de uma estrutura marcada por grandes extensões de terras voltadas

ao cultivo da cana-de-açúcar. Os dados dos Censos Agropecuários de 1996 e 2006

indicam que o problema fundiário não só continuou, mas também agudizou nos

últimos anos. O mapa 03 apresenta as mudanças nas variáveis área e número de

estabelecimentos. Dois municípios estão sem os dados de 1996, por conta do

processo emancipatório, Carapebus (1997) e São Francisco de Itabapoana (1995).

Mapa 03: Variação do número de estabelecimentos agropecuários e da área (%), entre 1996 e 2006, na Mesorregião Geográfica Norte Fluminense.

Entre 1996 e 2006, o Norte fluminense teve movimentos distintos em relação à

área ocupada e ao número de estabelecimentos agropecuários, que convergiram,

indiscutivelmente, na concentração fundiária, como podemos acompanhar no mapa

03. Apenas Cardoso Moreira, emancipado de Campos em 1993, teve ampliação do

número e da área dos estabelecimentos. Campos dos Goytacazes e São Fidélis,

municípios áreas tradicionais do cultivo da cana, tiveram redução da área total dos

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estabelecimentos, mas ampliaram, sutilmente, o número de estabelecimentos

agropecuários. Todavia, a ampliação se deu justamente nos estabelecimentos

agropecuários com até 50 hectares. Em situação diferente estão os municípios de

Conceição de Macabu, Macaé, São João da Barra e Quissamã, que apresentaram

redução da área e do número de estabelecimentos, primeiro com a emancipação de

Carapebus e de São Francisco de Itabapoana e, segundo, pela redução da área

colhida com a atividade canavieira.

Essas mudanças retratadas na estrutura fundiária estão vinculadas aos

modelos produtivos adotados. A cana de açúcar foi durante alguns séculos, o carro-

chefe da economia regional. A competitividade com novas áreas produtoras, os

problemas na transmissão hereditária, o sucateamento dos antigos engenhos e as

novas estratégias da elite agrária, são alguns fatores que levaram a crise do setor e

agonizou as relações de trabalho no campo. Em âmbito geral, a região norte

fluminense ampliou o número de pessoal ocupado nos estabelecimentos

agropecuários e o número de proprietários. Apenas o município de Campos dos

Goytacazes apresentou ampliação nessas duas variáveis. Com exceção de São

Francisco de Itabapoana e Carapebus, os restantes (seis) reduziram o quadro de

pessoal ocupado e da condição de produtor na qualidade de proprietário.

No sentido de apreender as mudanças na estrutura produtiva, escolhemos três

lavouras temporárias, o abacaxi perola a mandioca (aipim) e a pecuária leiteira. Para

cada produto, levamos em consideração a distribuição dentro da região norte

fluminense entre 1990 e 2013. A produção do abacaxi vem desde o limiar do século

XXI ampliando áreas e mercados. Um incentivo para tal ocorreu com o Programa

Frutificar5. Segundo Pinheiro da Silva (2006, p. 16), o referido programa foi financiado,

no ano de 2000, pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Social (BNDES). “Este

Programa financiou linhas de crédito para estimular o potencial exportador da

fruticultora no estado, com recursos totais que chegaram à cifra de R$ 350 milhões,

em 1999 (BNDES, 2005 apud PINHEIRO DA SILVA, 2006, p. 16).”.

5 Programa financia a implantação das seguintes culturas: Abacaxi, Banana, Caju, Citros (Laranja,

Limão e Tangerina), Coco Verde, Goiaba, Manga, Maracujá, Pêssego e Uva. Consulta em http://www.rj.gov.br/web/seapec/exibeconteudo?article-id=167019

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Para ter uma ideia dessa ampliação, em 1990, São João da Barra respondia

por 70% da área total destinada ao cultivo do abacaxi. Em 16 anos, a área foi

ampliada em mais de dez vezes, alcançando 4.100 hectares, sendo o grande produtor

o município de São Francisco de Itabapoana (85%), desmembrando de São João da

Barra no ano de 1995 (tabela 04). A produção do abacaxi é consumida na própria

região, nos mercados de Campos dos Goytacazes e de Macaé, e nos grandes

centros (Rio de Janeiro, Niterói e Vitória).

Tabela 04: Área colhida do abacaxi na Mesorregião Norte Fluminense - 1990 e 2013.

Norte Fluminense

1990 2013

434 4.100

Carapebus - -

Campos dos Goytacazes 80 290

Cardoso Moreira - -

Conceição de Macabu - -

Macaé 25 -

Quissamã 30 30

São Francisco de Itabapoana - 3.500

São Fidélis - -

São João da Barra 299 280

Fonte: Produção agrícola municipal (PAM) de 1990 e 2013 no SIDRA/IBGE Org: Erika Moreira (2015)

Com a produção da mandioca ocorre um processo semelhante, o maior

produtor é o município de São Francisco de Itabapoana, seguido por Campos dos

Goytacazes e Quissamã (tabela 05). A produção é escoada para os mercados da

região norte, uma parte destinada aos grandes centros, Rio de Janeiro e Niterói.

Tabela 05: Área Colhida de mandioca (hectares) na Mesorregião Norte Fluminense - 1990 e 2013.

Norte Fluminense

1990 2013

3.702 5.420

Carapebus 0 55

Campos dos Goytacazes 567 570

Cardoso Moreira 0 50

Conceição de Macabu 50 95

Macaé 180 150

Quissamã 65 410

São Francisco de Itabapoana 0 4.000

São Fidélis 30 40

São João da Barra 2.810 50

Fonte: Produção agrícola municipal (PAM) de 1990 e 2013 no SIDRA/IBGE Org: Erika Moreira (2015)

A produção de leite também é uma atividade estratégica que foi adotada pelos

produtores prejudicados com a crise da atividade canavieira. Entre 1990 e 2013, a

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produção regional saltou de 47 para 105 mil litros. O produto é escoado para os

laticínios localizados na região, na região noroeste fluminense e no sul do Espírito

Santo. Os municípios de Campos dos Goytacazes, São Fidélis e São Francisco de

Itabapoana são os principais produtores de leite da região.

Essa breve caracterização das estruturas produtiva e fundiária permite afirmar

que o norte fluminense tem passado por alguns processos no campo. Primeiro, a elite

agrária vem criando estratégias e alianças com outros setores (imobiliários, serviços),

assim, a terra não é só um meio para produzir, mas também para especular.

Segundo, o setor sucroalcooleiro passa por uma reconversão industrial, com a

participação de grandes grupos do ramo. Terceiro, os conflitos agrários e a

implantação de assentamentos rurais são ações políticas de resistência no campo.

2.2 - Questão agrária: novos atores em velhos dilemas

No caso de Campos dos Goytacazes, o aumento da população rural está

vinculado à implantação de assentamentos rurais por meio do Movimento dos Sem

Terra (MST), conforme os dados da CPT. Entre 2004 e 2010, foram implantados 5

assentamentos rurais no município e, atualmente, existem 9 assentamentos.

Ano Município Data de criação

No. de famílias Organização

Tipo

2005 Campos dos Gotacazes 24/5 50 FETAERJ Acampamento

São João da Barra 23/7 100 MST Acampamento

2006

Campos dos Gotacazes s/i 170 s/i Área de conflito

Cardoso Moreira s/i 80 s/i Área de conflito

São Francisco de Itabapoana s/i 85 s/i Área de conflito

2007

Campos dos Gotacazes s/i 100 s/i Área de conflito

Cardoso Moreira s/i 150 s/i Área de conflito

São Francisco de Itabapoana s/i 53 s/i Área de conflito

2011 Campos dos Gotacazes 14/7 525 FETAG Acampamento

Campos dos Gotacazes 30/7 52 MST Acampamento

2011

Campos dos Gotacazes s/i 552 s/i Área de conflito

São Francisco de Itabapoana s/i 12 s/i Área de conflito

São João da Barra s/i 450 s/i Área de conflito

2012

Campos dos Gotacazes s/i 200 s/i Área de conflito

Campos dos Gotacazes s/i 1 s/i Área de conflito

Campos dos Gotacazes s/i 50 s/i Área de conflito

São João da Barra s/i 450 s/i Área de conflito

Quadro 01: Acampamentos e áreas de conflito no norte fluminense, entre 2005 e 2014. Fonte: CPT s/i: sem informação Org: Erika Moreira (2015)

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DE 9 A 12 DE OUTUBRO

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O quadro 01 mostra que o norte fluminense é marcado pelos conflitos

agrários, fruto de uma estrutura fundiária concentrada. “ Os assentamentos rurais da

região, em sua maioria, são oriundos de ocupações realizadas em fazendas

pertencentes a antigas usinas de cana-de-açúcar, que vivenciaram um processo

falimentar a partir da década de 1980 (AQUINO, 2008, p.18)”.

A partir dessas informações, observamos, em linhas gerais, que há um

impasse entre o Estado (via políticas públicas) e a elite agrária (fundiária e imobiliária,

no contexto atual). Mesmo com uma economia regional marcada, principalmente,

pelos royalties do petróleo e gás, os indicadores sociais ainda mostram os graves

problemas atinentes a essa questão. “Em um cenário „caótico de falência e

fechamento de usinas, desemprego, que o MST retoma, a partir dos anos 1990, suas

ações no Estado do Rio de Janeiro e volta sua atenção para a região Norte

Fluminense. Havia ali uma vasta extensão de terras improdutivas em função das

sucessivas falências ocorridas (MACEDO, 2006 apud AQUINO, 2008, p.18)”.

3- Considerações finais

No contexto da região norte fluminense, buscamos evidenciar que o movimento

migratório campo – cidade foi intenso entre os anos de 1970 e 2000, decorrente da

crise no setor usineiro e a decadência da cana de açúcar; também se configura

importante o movimento cidade – campo, a partir do limiar do século XXI, com as

estratégias utilizadas pelos movimentos sociais e instituições publicas. Essas

mudanças na estrutura produtiva, com o decréscimo na produção da cana-de-açúcar

e o cultivo de raízes e frutas, não levaram a alteração de um problema estrutural, a

concentração de terras e, consequentemente, o poderio da elite agrária.

Na região norte fluminense, com ressalva de Campos dos Goytacazes, demais

municípios apresentaram redução no pessoal ocupado e no número de proprietários

entre 1996 e 2006. Alem disso, em decorrência da queda da renda agrícola, muitos

agricultores buscaram entradas monetárias não-agrícolas em atividades vinculadas as

plataformas da Petrobras. Em suma, o rural na região norte fluminense vem passando

por mudanças, seja na redução da área cultivada com lavouras, seja na redução do

quadro de pessoas ocupadas, enfim, alterações que não afetaram estruturalmente a

concentração fundiária.

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3 – Referências

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