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O Samba Paulista nas páginas de O Estado de São Paulo: Análise da matéria “O Samba em S. Paulo” de 1974 Lucas D’ Alessandro 1 Resumo O presente artigo percorre brevemente o processo de urbanização da cidade de São Paulo explorando as contribuições que este processo gerou ao desenvolvimento do samba paulista. Permeando no transcurso de sua difusão por sambistas das micro-áfricas que tiveram contato com samba-de-bumbo vindo de Bom Jesus de Pirapora e outras localidades em seu ofício no Largo da Banana. Chegando até o sambista, compositor e ativista Geraldo Filme, um dos maiores propagadores do samba paulista. Trazemos a participação de Geraldo em um artigo publicado no O Estado de S. Paulo no ano de 1974. O periódico se propõe a contar a história do samba paulista como forma de reafirmar sua originalidade e identidade. Portanto, o presente artigo propõe trazer o conteúdo da matéria evidenciando os reflexos da ideologia do jornal, sua forma de divulgar o samba paulista e a preservação desse gênero por meio de casas noturnas. Palavras-Chave: Samba Paulista; Geraldo Filme; O Estado de S. Paulo; Música Popular Brasileira; Musicologia Introdução São Paulo, menino grande Cresceu não pode mais parar E o pátio do colégio quem lhe viu nascer Um velho ipê parece chorar Não vejo a sua mãe preta Na rua com seu pregão (Geraldo Filme São Paulo Menino Grande) A música é um reflexo vivo de experiências, histórias e sentimentos de pessoas que compõem um coletivo, do qual chamamos de sociedade. A cada momento histórico observamos impermanências, permanências e transmutações socioculturais. Como consequência, essas mudanças irão refletir na música produzida em cada parte do espectro social. Ou seja, conforme a realidade sociocultural que o compositor estiver inserido, as influências irão refletir de modo subjetivo ou explícito em sua música. Este debate é amplo e 11 Mestrando em Musicologia pela Universidade Estadual de Campinas

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O Samba Paulista nas páginas de O Estado de São Paulo: Análise da

matéria “O Samba em S. Paulo” de 1974

Lucas D’ Alessandro1

Resumo

O presente artigo percorre brevemente o processo de urbanização da cidade de São Paulo explorando as contribuições que este processo gerou ao desenvolvimento do samba paulista. Permeando no transcurso de sua difusão por sambistas das micro-áfricas que tiveram contato com samba-de-bumbo vindo de Bom Jesus de Pirapora e outras localidades em seu ofício no Largo da Banana. Chegando até o sambista, compositor e ativista Geraldo Filme, um dos maiores propagadores do samba paulista. Trazemos a participação de Geraldo em um artigo publicado no O Estado de S. Paulo no ano de 1974. O periódico se propõe a contar a história do samba paulista como forma de reafirmar sua originalidade e identidade. Portanto, o presente artigo propõe trazer o conteúdo da matéria evidenciando os reflexos da ideologia do jornal, sua forma de divulgar o samba paulista e a preservação desse gênero por meio de casas noturnas. Palavras-Chave: Samba Paulista; Geraldo Filme; O Estado de S. Paulo; Música Popular Brasileira; Musicologia Introdução

São Paulo, menino grande Cresceu não pode mais parar E o pátio do colégio quem lhe viu nascer Um velho ipê parece chorar Não vejo a sua mãe preta Na rua com seu pregão (Geraldo Filme – São Paulo Menino Grande)

A música é um reflexo vivo de experiências, histórias e sentimentos de

pessoas que compõem um coletivo, do qual chamamos de sociedade. A cada

momento histórico observamos impermanências, permanências e

transmutações socioculturais. Como consequência, essas mudanças irão refletir

na música produzida em cada parte do espectro social. Ou seja, conforme a

realidade sociocultural que o compositor estiver inserido, as influências irão

refletir de modo subjetivo ou explícito em sua música. Este debate é amplo e

11 Mestrando em Musicologia pela Universidade Estadual de Campinas

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possui muitas complexidades das quais não a cabe a nós aprofundarmos neste

momento, porém iniciamos o presente artigo com esta menção para

contextualizar o que iremos abordar.

Mesmo que de forma breve torna-se pertinente voltar a atenção ao

processo de urbanização da cidade de São Paulo, processo esse que pode nos

mostrar uma outra perspectiva sobre o samba paulista.

O século XIX vai encontrar uma cidade carente das características mais marcantes associadas a São Paulo: tamanho diminuto, população flutuante e reduzida, casario baixo, construído utilizando a técnica de taipa de pilão.2

O final século XIX é marcado por fatos históricos que contribuíram de

alguma forma com o desenvolvimento do samba paulista, seguindo a ideia que

o meio influência as composições musicais3. O plano urbanizador e higienista

das elites republicanas foi um desses fatos. Segundo o autor Oliveira Sobrinho

(2013) a ideia de civilização associada às elites consiste em erigir cidades nos

moldes europeus. A higiene segundo esses grupos significava de modo

intrínseco limpar a cidade da pobreza e de cuidar de doenças como um mal que

ameaça vidas.

A crença no progresso e no ideal positivista de melhora na condição humana (como ideologias) permite as condições para as transformações econômicas, políticas e sociais do mundo urbano de São Paulo. A modernidade vai se constituir numa crença do novo homem, ordeiro, letrado, como garantia de manutenção de desigualdades e exaltação de uma elite decadente e de negação da cidadania para os pobres: negros, nacionais e imigrantes4.

Para ilustrar a ideia de modernidade trazida por Oliveira destacamos o

trecho musical que citamos no início desta seção, a música São Paulo Menino

Grande de Geraldo Filme. Parafraseando o compositor, “Cresceu e não pode

parar”, esse trecho faz menção ao slogan de 1954 do IV Centenário da cidade

de São Paulo, “Cidade que mais cresce no mundo”; Não vejo sua mãe preta na

rua com seu pregão, Geraldo utiliza da ferramenta poética e composicional para

denunciar o desaparecimento das pessoas negras nos centros de São Paulo e

2 GONÇALVES, 2014 p. 68 3 WISNIK, 2004 p. 28 4 OLIVEIRA SOBRINHO, 2013 p. 232

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da história da construção da cidade. A remoção da população negra acontecia

também em bairros que eram considerados alto padrão, ou pertencente as elites

paulistas. Uma vez fora desses bairros os afro-paulistas eram aglomerados em

bairros periféricos muitas das vezes com privações de saneamento básico,

infraestrutura, segurança e acessibilidade.

Floresce uma incipiente cultura liberal-capitalista, alimentada pelas ideias do modo de vida importado da Europa, que identifica o elemento branco “civilizado” como o perfil ideal de homem para compor uma nova estrutura social e política. Uma “nova” ordem.5

O bairro da Barra Funda segundo Azevedo é um dos primeiros focos de

urbanização em São Paulo a partir do início século XX. O avanço urbano é

caracterizado pela instalação da primeira linha de bonde elétrico, construção de

armazéns e indústrias de pequeno porte, gerando uma variada gama de

trabalhos6. Os afro-paulistanos, representados pela maior parcela da população

da Barra Funda, apropriaram-se e estabeleceram um território de preservação

da cultura negra no bairro7.

Apesar do avanço urbano e a variada gama de trabalho, até a década de

50, a população negra era excluída do trabalho fabril e do comércio mais aceito

socialmente, restando o trabalho informal como uma alternativa de renda. Suas

ocupações eram principalmente carregadores, ensacadores, ou biscateiros,

auxiliares de carroceiros ou de construções e auxiliares de caminhoneiros.

O uso do Largo da Banana remonta à inauguração da estação ferroviária da Barra Funda, em 1875, relacionado à formação de um mercado informal de trabalho, constituído por ensacadores, carregadores, comerciantes ambulantes, entre outros. Em meio ao cotidiano do trabalho, outras práticas socioculturais, de matriz afrodescendente, passaram a se realizar naquele espaço, como rodas de samba, desfiles de cordões carnavalescos e pernadas de tiririca.8

A política adotada pelo estado e compartilhada pelas elites empresariais

nas primeiras décadas do século XX, era de segregação racial dos

5 apud p. 233 6 AZEVEDO, 2006 p. 49 7 apud p. 34 8 SIQUEIRA, 2018 p. 3

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afrodescendentes9, pois considerava-os incapazes de realizarem trabalhos

complexos. Tal política se tornou um reforço para os estigmas sociais que

perduram até nossos dias. Segundo Vinci, os trabalhadores informais além da

baixa remuneração carregavam o estereótipo de vadio10

Se olharmos do outro lado da moeda veremos que durante o dia ou à noite

a Barra Funda era o território de formar laços de união, confraternização,

solidariedade e amizade a partir de um estar e um viver afro11. Esses pequenos

espaços, batizado de micro-áfricas12, possuíam um aspecto íntimo e familiar, ao

mesmo tempo que proporcionavam espaços públicos para sociabilização e

possibilidade de manifestar suas danças, músicas e brincadeiras.

No âmbito musical, as rodas de samba eram frequentemente realizadas

com instrumentos improvisados, como no caso dos engraxates que utilizavam

as ferramentas de ofício para criarem músicas e ritmos, fato citado por

Osvaldinho da Cuíca em Batuqueiros da Paulicéia13.

A cidade de São Paulo abrigava ritmos e danças decorrente da herança

banto, como o Jongo e a Umbigada. Desde a virada do século XX, Vinci (2000)

fala da existência de uma vasta gama de festividades religiosas e musicalidades

negras como congos, choros, marchas, cateretês, catira ou cururu, samba de

bumbo ou rural, de roda e de lenço14. A população negra utilizava as rodas de

samba, os cordões e escolas de samba, como uma nova forma de sociabilidade,

paralelamente as utilizavam como estratégia para resistir na cidade que os

9 AZEVEDO 2006 p. 50 apud George Reid Andrews. Negros e Brancos em São Paulo (1888-1998), p. 150-151 10 VINCI, 2000 p. 214-215 11 AZEVEDO, 2006 p. 54 12 Segundo o Amailton Azevedo (2006) foram nomeados como micro-áfricas os lugares em que os afro-paulistas se estabeleceram em busca de proteção dos estigmas sócias e resistir contra o racismo, sendo a Barra Funda um desses pequenos núcleos de resistência cultural (AZEVEDO p. 34). Essa definição é identificada pela memória do celebre sambista Geraldo Filmes como lugares de expressões culturais, de resistência negra para; firmar sua identidade, projetos, fazeres e saberes em espaços singulares da cidade. (D’ ALESSANDRO, 2018 p. 21) 13 CUÍCA, Osvaldinho da; DOMINGUES, André. Batuqueiros da Paulicéia: enredo do samba

de São Paulo. Pinheiros São Paulo: Barcarolla, 2009. 179 p. 14 VINCI, José Geraldo. Metrópole em Sinfonia: história, cultura e música popular na São

Paulo nos anos 30, São Paulo: Estação Liberdade, 2000.

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estigmatizavam. Tais práticas musicais podem ser analisadas como reflexo na

historiografia da memória negra, pois visualizamos desejos e intenções da

população negra.

Além da Barra Funda existiam outros territórios que Azevedo batizou

como micro-áfricas, o Bixiga, a Liberdade e o Largo da Banana. O bairro do

Bixiga era constituído por descendentes de africanos e descendentes italianos,

que dividiam o espaço, estabeleciam contatos e trocas. O bairro da Liberdade,

hoje um bairro tipicamente japonês, foi o berço da Escola de Samba Vai-Vai. O

antigo Largo da Banana, hoje Viaduto Pacaembu, foi uma das escolas de

Geraldo Filme para sua formação de sambista15. Ambos os bairros fazem parte

da memória de Geraldo Filme

Pelo Bixiga (Geraldo Filmes) dizia que havia sido adotado e que adotou como um lugar onde sentia conforto e prazer em função da vida cultural em que a música, a gastronomia, as casas noturnas e os teatros davam o tom do ritmo social do bairro.16

As raízes do samba paulista

Eu vou mostrar, eu vou mostrar Que o povo paulista também sabe sambar.

Eu sou paulista, gosto de samba

Na Barra Funda também tem gente bamba Somos paulistas e sambamos p’ra cachorro P’ra ser sambista não precisa ser do morro

(Geraldo Filme – Eu vou Mostrar)

Na sessão anterior procuramos trazer um pouco do contexto social que

existia na cidade de São Paulo, como forma de entendermos o caminho

percorrido pelo samba paulista até chegarmos em Geraldo Filme, que com 10

anos compôs seu primeiro samba, Eu vou Mostrar.

Foi em uma viagem até o Rio de Janeiro que Sebastião, pai de Geraldo

Filme, teve contato com o samba carioca e percebeu a presença do tamborim e

reco-reco, uma das marcas que caracterizam a diferença entre o samba carioca

e o samba paulista17. Talvez pelo fato de que o samba tocado no Rio de Janeiro

15 SIQUEIRA, 2018 p. 5 16 AZEVEDO 2006 p. 57 17 Geraldo Filme em entrevistas, por exemplo o artigo publicado pelo OESP que propomos analisar, junto com autores como Conti (2015), Prado (2018), Azevedo (2006), Osvaldinho da Cuíca (2016)

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possuía maior visibilidade, Sebastião considerou o samba carioca melhor e uma

referência a ser seguida. Com isso, pronunciou de forma que Geraldo pudesse

ouvir, São Paulo não era terra onde se fazia samba18. Em contrapartida Geraldo

escreve uma resposta musical do qual ganhou o nome de Eu vou Mostrar.

Dizendo que não precisa vir do morro para fazer samba Geraldo vai contra

a cresça de seu pai e desde aquele momento buscou valorizar e difundir o samba

paulista. Durante sua vida dedicou-se a estudar sua ancestralidade africana

absorvendo o conhecimento transmitido por seus avós e as raízes do samba

paulista com os bambas do Largo da Banana. Quando voltamos para as raízes

do samba paulista torna-se difícil não mencionar a cidade de Bom Jesus de

Pirapora, maior reduto negro em São Paulo até meados do século XX. Não é

exclusividade de Geraldo enaltecer o samba-de-bumbo realizado nas festas em

Bom Jesus da Pirapora como o berço do samba paulista, assim como apontado

por alguns autores19. Os cristãos que participavam da festa de Bom Jesus em

Pirapora desgostavam das manifestações tidas como profanas praticada pela

população negra e com auxílio da prefeitura os sambistas foram alocados em

barracões afastados do centro da cidade. Posteriormente esses barracões foram

derrubados por atrair um número massivo de pessoas, apesar disso a prefeitura

de Pirapora se tornou uma mantenedora da prática doo samba-de-bumbo mais

tarde20..

Os ancestrais musicais do samba paulista teriam nascido sem data

precisa em cidades do interior paulista nas rodas das senzalas. Com o advento

da expansão cafeeira no estado de São Paulo, entre o século XVIII e século XIX,

essas práticas se tornaram mais comum. A população negra, ainda na condição

ressaltam a presença da linha mais grave da percussão como linha do destaque rítmico. Esta característica vem, segundo estes autores, da prática musical da cultural Bantu e se tornou um elemento importante para o samba-de-bumbo. A importância da linha percussiva grave como voz principal, sua origem rural que ia contra a ideologia de urbanização em São Paulo e o andamento mais rubato tornam-se características do samba paulista. 18 SAMBA à Paulista: fragmentos de uma história esquecida. Direção de Gustavo Mello. Produção de Yara Camargo e Leandro Freire. São Paulo: Cultura, 2007 19 CUÍCA (2016); MANZATTI (2005); DIAS (2010); e SIQUEIRA (2018) 20 DIAS, 2010

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de escravizados, utilizava de seu tempo de descanso para suas práticas

musicais. O costume de fazer roda para entoar seus cantos veio de sua prática

religiosa, portanto o fazer musical se tornava uma reza21.

O batuque, a umbigada, o jongo e o cururu, eram mais frequentes em

cidades com um grande reduto negro, como Itu, Piracicaba, Jacareí, Campinas

e a cidade de Pirapora do Bom Jesus. .

A palavra “samba”, em São Paulo, só ganhava sentido comum, entendido por gente de qualquer parte do estado, quando se falava no samba-de-bumbo das popularíssimas festas de Bom Jesus de Pirapora. Aquela era, sem dúvida, a manifestação mais popular que levava o nome de samba por essas bandas.22

Contudo, por mais que o samba-de-bumbo em Pirapora fosse enaltecido

por vários sambistas e também pela historiografia do samba paulista como o

berço do samba em São Paulo, Pirapora é o território que fortaleceu o samba

paulista e por meio de seus sambistas foi estabelecido uma ponte até a capital

por meio do afro-paulistas que exerciam seu ofício no Largo da Banana. Citando

as palavras de Osvaldinho da Cuíca, antes da popularização da festa de Bom

Jesus em Pirapora no mês de agosto outras cidades do interior paulista já

possuíam manifestações anteriores ao samba. Portanto seria válido dizer que o

samba de Pirapora foi um grande balaio que reuniu e combinou diversos tipos

de samba trazidos pelos romeiros e bambas23.

O samba entoado em Bom Jesus de Pirapora penetrou na paisagem

sonora urbana da capital paulista por meio dos sambistas do Largo da Banana

até seu primeiro ecoar nas micro-áfricas, reverbera pelos cantos da cidade, e

chega assim, ao reconhecimento que desbancou o mito de que São Paulo é o

túmulo do samba.

Este ecoar veio até Geraldo Filme em sua infância que exercia o ofício de

entregador de marmitas como forma de ajudar o negócio de sua mãe, Augusta

Geralda. Reconhecido como Negrinho da Marmita, Geraldinho pode locomover-

21 SAMBA à Paulista: fragmentos de uma história esquecida. Direção de Gustavo Mello. Produção de Yara Camargo e Leandro Freire. São Paulo: Cultura, 2007 22 OSVALDINHO 2009 p. 23 23 apud p. 23

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se entre as micro-áfricas, atento à paisagem sonora produzida pelos sambistas

mais velhos.

Lá, sua mãe mantinha uma pensão e preparava marmitas que o menino se encarregava de entregar. Narrando a trajetória do “Geraldão da Barra Funda”, Plínio Marcos conta como essa atividade lhe permitiu descobrir espaços do samba da cidade: “(...) ele entrava na Alameda Glette pra entregar marmita e ouvia samba. Chegava no Jardim da Luz, era só samba. Subia os Campos Elísios, era só samba. Chegava no Largo da Banana... pouca banana e muito samba”24

Geraldo Filme de Souza nasceu em 1927 na cidade de São Paulo,

apesar de ter sido batizado em São João da Boa Vista, cidade natal de

sua mãe, e cresceu no bairro da Barra Funda. Geraldinho presenciou as

transformações urbanas pelas quais passou a cidade de São Paulo. Não

eram todos que foram apresentados formalmente a estes padrões. Alguns

optaram por tornar-se antagonista do plano urbano, gerando outra

imagem de resistência, desobediência captada pelos olhos de Geraldo,

causando influencia em seu crescimento. Assim como disse Azevedo a

imagem antagônica à urbanização não deve ser interpretada como

primitivismo, mas como antítese à modernidade25.

Mesmo sem possuir um ensino formal de música Geraldo recebeu

influencias musicais fora e dentro de sua casa. Sebastião era um exímio

violinista e sempre acompanhava os cordões carnavalescos. Dona

Augusta foi uma das responsáveis pela criação da Associação das

Empregadas Domésticas que mais tarde transitaria para cordão

carnavalesco Paulistano da Glória. Seus avós procuraram ensinar a

Geraldinho cantos ancestrais e os Vissungos. Essas influências

possibilitaram que Geraldo torna-se um sambista conhecido nas rodas de

samba nos meados de 1945.

O aprendizado com os mestres lhe permitiu colocar-se como um dos continuadores de uma tradição do samba paulista, em um momento de transformação social e urbana que se refletiu também nas formas de realização daquelas práticas e de transmissão daqueles saberes. [...] Geraldo Filme, percorrendo a cidade para entregar marmitas, descobriu lugares marcados

24 SIQUEIRA, Renata 2018 apud BARROS et al., 1974, documento audiovisual 25 AZEVEDO, 2016 p. 12

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pela sociabilidade do samba, entre os quais o Largo da Banana, onde aprendeu os rituais com os mais velhos26.

. Geraldo relata que sua mãe trabalhava com a família Penteados no

Jardim América, uma família das elites paulistas. Em uma dessas viagens

Augusta teve seu primeiro contato com um movimento de operários e sentiu-se

motivada a organizar um movimento semelhante. Reunindo mulheres

trabalhadoras domésticas, à fim de, primeiramente garantir os seus direitos

enquanto mulher e como trabalhadora doméstica. No início o grupo das mulheres

tinha caráter trabalhista, entretanto com o passar do tempo começou a adotar

características de cordão carnavalesco e aderiu o nome de Paulistano.

Geraldo reforça a importância do cordão liderado por sua mãe, por ser um

dos cordões que representavam e especificavam a presença de negros na

cidade. O Paulistano da Glória tinha Geraldo Filme como compositor do samba-

enredo. Suas composições retratava a história da população africana em São

Paulo, utilizando a música como resgate de uma memória que tentou-se

apagar27.

A maior parte de suas composições foram feitas para Escolas de Samba

que fez parte durante sua vida. Foram elas a Paulistano da Glória, Colorado do

Brás, Campos Elísios, Unidos do Peruche e a Vai-Vai. Essas experiências se

acumularam ampliando seu campo de visão para as diferentes realidades vividas

nas micro-áfricas e possibilitaram o reconhecimento de sua simpatia e

sensibilidade pelas pessoas que estava em sua volta. Vale destacar neste

momento que Geraldo Filme possuía amizade com Plínio Marcos e Solano

Trindade, o que possibilitou a locomoção para diferentes classes sociais e

culturais. Combinado com seu ativismo social temos a construção de um sujeito

preocupado com a identidade do samba paulista, com o lugar do negro na

sociedade e na preservação de sua cultura.

26 SIQUEIRA, 2018 p. 5 27 AZEVEDO, 2006 p. 57

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Artigo do OESP “Samba em S. Paulo”28

Na publicação de 1974 chamada “Samba em S. Paulo” O Estado de S.

Paulo, propõem contar o surgimento e desenvolvimento do samba paulista,

evidenciando uma tentativa de reafirmar a identidade do samba paulista, que na

época foi o movimento adotado pelo periódico para diferenciar o samba

produzido em São Paulo do gênero nascido no Rio de Janeiro nas Pequenas

Áfricas.

No início do artigo, sem autoria visível, evidenciamos a seguinte afirmação

que relaciona o samba com a ideia de indústria, dando a entender que o gênero

musical atraí o consumidor e apreciador do samba as casas noturnas:

São Paulo sofreu até há poucos anos um terrível complexo de inferioridade em matéria de samba, mas está se libertando dele, progressivamente. Prova disso são as dezenas de casas noturnas que se especializam em samba. Nos últimos anos, abriram tantas que parecia difícil haver clientela para todas. Engano. Samba é uma receita infalível de êxito e afirma-se até que virou indústria29.

Em contrapartida, o periódico divulgando as casas noturnas acaba

divulgando também lugares que tocam o samba paulista. No decorrer do texto o

periódico diz da popularidade dessas casas noturnas que ofertam samba em seu

repertório. Como forma de chamar atenção do público ao se referir das músicas

que tocam cita apenas sambistas cariocas como Cartola, Nelson Cavaquinho,

Elizabeth Cardoso e Originais do Samba.

Logo após essa menção o OESP refere que “na opinião de alguns

sambistas, São Paulo comete um erro: quer imitar o Rio e fazer um samba igual

à do carioca. ”30 Apesar de tornar seu discurso contraditório, pois OESP procura

enaltecer o samba paulista cortando a ligação musical entre São Paulo e Rio de

Janeiro, o periódico segue a lógica da indústria fonográfica para atrair o público

e divulga músicos e musicistas que estão vem voga nas rádios.

28 27 de janeiro de 1974 no periódico de 196 páginas e se encontra na seção Suplemente Feminino na página 4. 29 OESP 27/01/1974 Suplemento Feminino p. 231 30 apud p. 231

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Em seguida o periódico traz a voz de Geraldo Filme que aponta a

diferença dos sambas carioca e paulista por meio de sua história de origem. O

sambista explica que o samba paulista ganha sua particularidade conservando

em sua batida o batuque dos negros tocados nas fazendas de café e na cidade

de Bom Jesus de Pirapora durante suas festividades religiosas. Apesar do OESP

trazer as palavras de Geraldo Filme, considerando que ele é um dos melhores

compositores de samba-enredo de São Paulo31, curiosamente não cita onde o

leitor pode encontrar as casas noturnas que tocam suas músicas.

Ao descrever as manifestações musicais da população negra em Bom

Jesus de Pirapora o OESP diverge com a versão de Osvaldinho da Cuíca32. O

OESP afirma que o batuque dos negros era considerado problema pelos devotos

de Bom Jesus, pois atrapalhavam suas orações durante o decorrer da procissão

religiosa. Como forma de solucionar tal problema os fazendeiros construíram

barracões para isolar o batuque. Quando é tratado sobre o carnaval na cidade

de São Paulo no início do século XX OESP fala dos característicos cordões

carnavalesco, que desfilavam nos bairros Barra Funda, no Bixiga entre outros

bairros. Trazendo mais informações sobre tais desfile o periódico descreve que

a polícia acabava com a batucada a poder do cassetete e tiros, completando

posteriormente que essa pressão policial era grande sobre os sambistas e exigiu

muita fibra para resistirem com suas manifestações.

O sambista Osvaldinho da Cuíca e o historiador Amailton Azevedo

comentam sob as ações policiais durante os desfiles dos cordões carnavalesco,

entretanto, diferente do OESP, explicam que tais ações ocorriam como o reflexo

do preconceito com a população negra, a manifestação de suas práticas ligadas

à sua africanidade e a marginalização dos sambistas. Sobre a marginalização

do samba o OESP se posiciona com as seguintes palavras.

Sambista era então muito malvisto e os próprios negros, influenciados pelos brancos, achavam que samba era coisa de marginal, conceito que demorou quase meio século para mudar33.

31 apud p. 231 32 Osvaldinho, 2009 p. 24-33 33 OESP 07/02/1975, Suplemento de Turismo p. 231

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Entretanto, a partir da bibliografia consultada e pela postura adotada por

Geraldo Filme, sendo um sambista com grande estudo sobre o samba paulista

como propõem Azevedo (2006), Prado (2013) e Siqueira (2018)34, percebemos

que o OESP deixa de relatar alguns fatos que poderiam desmarginalizar o samba

paulista em suas páginas. Uma vez que o periódico traz a voz de Geraldo Filme

apenas na citação que fizemos anteriormente e divulga apenas sambas cariocas

no início da matéria.

Notamos diferenças entre a versão do jornal e da bibliografia consultada

ao falar das práticas culturais afrodescendente. Segundo Osvaldinho da Cuíca

os músicos seguiam um padrão rítmico que deu a característica particular ao

samba paulista35. Em relação aos passistas Osvaldinho relata que eles faziam

evoluções complexas arremessando bastões para o alto como forma de abrir

passagem aos cordões carnavalescos. Ressaltamos a seguinte passagem do

artigo publicado pelo OESP para contrapor a versão do sambista.

As baterias dos cordões tocavam em ritmo de marca – características que algumas escolas que foram cordões ainda conservam – e não tinham maiores preocupações com o ritmo – os músicos batiam com força, junto com os bumbos, caixas e surdos. Os passistas não tinham coreografia e também não havia enredo: era tudo na base da improvisação36.

Algumas considerações

O artigo “Samba em S. Paulo” não possui autoria e fala sobre as escolas

de samba paulista gerando uma relação com o turismo na cidade, a indústria

cultura e a indústria fonográfica, pois ao final da matéria disponibiliza ao leitor

uma lista de casas noturnas onde tocam o samba. Nesta lista notamos locais

que possuem vínculo com as Escolas de Samba de São Paulo, lugares onde

34 AZEVEDO, Amailton Magno. A Memória Musical de Geraldo Filmes: Os sambas e as micro-

áfricas em São Paulo. 2006. 242 f. Tese (Doutorado) - Curso de História, Pontifica Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2006; SIQUEIRA, Renata Monteiro. Os Negros do Largo da Banana Cantados por Geraldo Filme. In: SEMINÁRIO DE HISTÓRIA DA CIDADE E DO URBANISMO, 15., 2018, Rio de Janeiro. p. 1-15; PRADO, Bruna Queiroz. A passagem de Geraldo Filme pelo "samba paulista": narrativas de palavras e músicas. 2013. 248 f. Dissertação (Mestrado) - Curso de Antropologia Social, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2013. 35 Osvaldinho 2009, p. 34 36 apud p. 232

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imaginamos ter o samba paulista em suas rodas de samba. Ao falar das Escolas

de Samba o OESP traz, mesmo que de forma breve, um outro olhar sobre as

Escolas. Segundo o periódico as Escolas de Samba promovem turismo,

alfabetização, ajuda com a colocação de emprego, possui campanhas de saúde

e assistência social para comunidade. Porém, essas oportunidades geradas

pelas Escolas de Samba encontram barreiras pela falta de verba e da quadra

própria sendo necessário o apoio da prefeitura. Em poucas linhas Geraldo Filme

utiliza o espaço cedido pelo OESP para solicitar este apoio à prefeitura.

A partir de nossa analise pudemos observar que o OESP busca enaltecer

o samba paulista na sua origem atribuindo Bom Jesus de Pirapora como local

de maior destaque entre outras cidades onde o samba se desenvolveu, por

possuir desafios, congadas e samba de roda que atraiam maior visibilidade para

a cidade. Notamos que o OESP ao mesmo tempo que busca o enaltecimento do

samba paulista retrata as práticas dos negros como primitivas, desorganizadas

sem realizar uma reflexão sobre esses estigmas ou utilizar a memória de Geraldo

Filme para contar sua versão da história. Entretanto, considerando-se que

grande parte das casas noturnas possuíam música ao vivo ou tinham um vínculo

com as Escolas de Samba de São Paulo, exista uma grande probabilidade de

que a matéria tenha sido publicada em uma data próximo ao carnaval para

fomentar a folia na cidade de São Paulo.

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