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1 O TEMPO GEOLÓGICO A geologia sempre buscou entender os fenômenos findados, em uma escala de milhões de anos ou até bilhões de anos, por intermédio do registro geológico das rochas, fósseis e uma infinidade de estruturas geológicas que escaparam dos fenômenos erosivos para se eternizar no “livro das rochas.A leitura do “livro das rochas 1 ” é complicada em função de sua natureza de registros incompletos, descontínuos, superpostos e repetitivos ao longo da história geológica do planeta. Nesse sentido a geologia buscou ordenar e comparar eventos passados em uma escala de tempo padronizada e aplicada para o mundo inteiro. Antes disso, a espécie humana ao longo de sua história recente, teve que passar por mudanças paulatinas de natureza dogmática, cultural e política até estabelecer os padrões atualmente aceitáveis sobre sua própria percepção da história evolutiva da Terra. As concepções iniciais que tratavam sobre a idade da Terra em tese estabeleceram da mesma forma, as bases do surgimento da geologia. Foram os últimos dois séculos que registraram os primeiros tratados que se responsabilizaram em analisar a Terra como sendo extremamente mais antiga do que se considerava. De uma escala milenar a origem da Terra se envolveu em teorias imersas em escala de bilhões de anos. Dois grandes acontecimentos na história da civilização humana foram responsáveis por consolidar a Geologia como uma ciência: O iluminismo onde o ser humano abandona o dogma sobrenatural e assume uma postura investigativa sobre os fenômenos naturais, postulando suas teorias a serviço do senso comum na emergente sociedade científica. A revolução Industrial período histórico em que se incrementou a demanda por matérias primas e recursos energéticos da Terra (Litosfera). Antes disso, a natureza dogmática, cultural e política das sociedades sustentavam o paradigma de que a Terra era o resultado de uma recente criação perfeita em uma escala de tempo milenar. Em resumo exemplificam-se algumas principais: Judaísmo pré-cristão: concebia a Terra como um astro com poucos milhares de anos; Idade Média e Renascença: dominada pelo paradigma dogmático estabelecido por dinastias de “sábios europeus” que geralmente afirmavam em coerência com as escrituras bíblicas que a “criação do mundo” (da Terra) se deu há cerca de absolutos 6.000 anos. Talvez a mais iconográfica teoria da criação seja o frontispício de Telluris theorica sacra ou a Teoria sagrada da Terra de Thomas Burnet 2 . Em “Cronologia Bíblica” do Arcebispo Ussher (1581-1656) ficou até então paradigmaticamente posto que a “criação” se deu em um domingo de 23 de outubro de 4004 A.C..Ussher foi citado até fins do século XX em textos bíblicos. 1 Onde se entende nas entrelinhas rochosas a história evolutiva da litosfera e suas relações como a biosfera. 2 Ao final dessa súmula (páginas 12 e 13) a título ilustrativo, encontra-se um fragmento de texto do livro Seta do Tempo Ciclo do Tempo de Stephen Jay Gould (1991, editora Companhia das letras) o qual faz alusão iconográfica ao frontispício de Burnet.

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O TEMPO GEOLÓGICO

A geologia sempre buscou entender os fenômenos findados, em uma escala de

milhões de anos ou até bilhões de anos, por intermédio do registro geológico das rochas,

fósseis e uma infinidade de estruturas geológicas que escaparam dos fenômenos

erosivos para se eternizar no “livro das rochas.” A leitura do “livro das rochas1” é

complicada em função de sua natureza de registros incompletos, descontínuos,

superpostos e repetitivos ao longo da história geológica do planeta. Nesse sentido a

geologia buscou ordenar e comparar eventos passados em uma escala de tempo

padronizada e aplicada para o mundo inteiro. Antes disso, a espécie humana ao longo de

sua história recente, teve que passar por mudanças paulatinas de natureza dogmática,

cultural e política até estabelecer os padrões atualmente aceitáveis sobre sua própria

percepção da história evolutiva da Terra.

As concepções iniciais que tratavam sobre a idade da Terra em tese

estabeleceram da mesma forma, as bases do surgimento da geologia. Foram os últimos

dois séculos que registraram os primeiros tratados que se responsabilizaram em analisar

a Terra como sendo extremamente mais antiga do que se considerava. De uma escala

milenar a origem da Terra se envolveu em teorias imersas em escala de bilhões de anos.

Dois grandes acontecimentos na história da civilização humana foram

responsáveis por consolidar a Geologia como uma ciência:

O iluminismo onde o ser humano abandona o dogma sobrenatural e

assume uma postura investigativa sobre os fenômenos naturais,

postulando suas teorias a serviço do senso comum na emergente

sociedade científica.

A revolução Industrial período histórico em que se incrementou a

demanda por matérias primas e recursos energéticos da Terra (Litosfera).

Antes disso, a natureza dogmática, cultural e política das sociedades

sustentavam o paradigma de que a Terra era o resultado de uma recente criação perfeita

em uma escala de tempo milenar. Em resumo exemplificam-se algumas principais:

Judaísmo pré-cristão: concebia a Terra como um astro com poucos milhares de

anos;

Idade Média e Renascença: dominada pelo paradigma dogmático estabelecido

por dinastias de “sábios europeus” que geralmente afirmavam em coerência com as

escrituras bíblicas que a “criação do mundo” (da Terra) se deu há cerca de absolutos

6.000 anos. Talvez a mais iconográfica teoria da criação seja o frontispício de Telluris

theorica sacra ou a Teoria sagrada da Terra de Thomas Burnet2. Em “Cronologia

Bíblica” do Arcebispo Ussher (1581-1656) ficou até então paradigmaticamente posto

que a “criação” se deu em um domingo de 23 de outubro de 4004 A.C..Ussher foi

citado até fins do século XX em textos bíblicos.

1 Onde se entende nas entrelinhas rochosas a história evolutiva da litosfera e suas relações como

a biosfera. 2 Ao final dessa súmula (páginas 12 e 13) a título ilustrativo, encontra-se um fragmento de texto do livro

Seta do Tempo Ciclo do Tempo de Stephen Jay Gould (1991, editora Companhia das letras) o qual faz

alusão iconográfica ao frontispício de Burnet.

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O pensamento intelectual dos séculos XVII e XVIII firmou o paradigma de que

o ser humano habitava a Terra e essa estava no centro do Universo. A espécie humana

tendo a Terra o seu uso exclusivo, permitiu criar o meio ideal para a Geologia nascer e

se estabelecer com uma ciência em um futuro breve. O dinamarquês Nils Stensen (1638

- 1686) ou Steno, sua denominação latina, marcou as bases da geologia moderna ao

estabelecer em seu livro Prodromus de 1669, os três princípios que regem a organização

das seqüências sedimentares, hoje denominadas princípios de Nicolau Steno:

1. Superposição: sedimentos se depositam em camadas: as mais velhas

acumulam-se na base e as mais novas acumulam-se sucessivamente

acima.

2. Horizontalidade original: depósitos sedimentares se acumulam em

camadas sucessivas dispostas de modo horizontal.

3. Continuidade lateral: camadas sedimentares são contínuas, se

estendem até as margens da bacia de acumulação, ou se afinam

lateralmente.

Em continuidade aos esforços e tentativas de ordenar a história geológica da

Terra, por volta do século XVIII, entre 1750 e 1760, Giovanni Arduino (1713-1795)

estudioso das rochas dos Alpes da Itália e Lehmann (1719-1767) na Alemanha,

classificaram como rochas primárias ou primitivas, as rochas cristalinas com minérios

metálicos dos núcleos montanhosos. Seguindo essa metodologia classificaram também

de secundárias as rochas estratificadas (calcários e folhelhos fossilíferos) e de terciárias

as rochas estratificadas com fósseis marinhos e intercalações vulcânicas. Para acomodar

nessa classificação as rochas com características diagnósticas intermediárias entre as

primárias e as secundárias posteriormente se criou o termo “rochas transicionais”.

Em 1829, dando seqüência nessa linha de investigação, Desnoyers em 1829,

criou o vocábulo quaternário para sedimentos marinhos que recobriam rochas terciárias

na bacia de Paris.

Na segunda metade do século XVIII, vigorou a teoria do netunismo, que

pregava sob a visão bíblica da “separação das terras e das águas” durante a criação, que

todas as rochas (ígneas, metamórficas e sedimentares) teriam se precipitado das águas

do “oceano primordial”, daí a alusão a Netuno, deus do mar da mitologia greco-romana.

Todas as rochas continentais se formaram em quatro séries seqüenciais oriundas do

“mar primevo” (como relatado na Bíblia). Pelo netunismo, as duas séries mais antigas

de rochas eram formadas em capas concêntricas sobre toda a superfície terrestre,

quando o mar primevo cobria todo o planeta. A outras duas séries rochosas (constituídas

por fósseis e demais estruturas sedimentares), teriam se formado quando os continentes

já se posicionavam acima do nível do mar primevo. A baixa dos níveis oceânicos e a

exposição dos blocos continentais se davam, segundo netunistas com Steno, através de

enormes fissuras rochosas que se dirigiam para o interior do planeta Terra. Abraão

Gottlog Werner (1749-1817) foi o proponente mais forte da teoria netunista. Professor

da Academia de Minas em Freiberg (Alemanha), foi professor de mineralogia de José

Bonifácio de Lima e Silva na década de 1790. O quadro a seguir, ilustra a origem das

rochas segundo os netunistas:

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Ao mesmo tempo em que Werner lecionava na Alemanha, James Hutton

(1726-1797) estudioso escocês de rochas e demais fenômenos geológicos, realizava

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uma série de análises que em breve, levariam a geologia como uma ciência pura, ao

longo das primeiras décadas do século XIX. Hutton criaria o plutonismo (em alusão a

Plutão, deus grego das profundezas). Hutton observou que a camadas inferiores do

planeta eram de natureza fluídica, quente e intrusiva, pois podiam cortar de forma

intrusiva, camadas de rochas superiores e mais antigas. Um exemplo foi sua observação

de evidências de metamorfismo de contato entre basalto e rochas sedimentares em

Edinburgo. Hutton interpretou como intrusivo e não precipitado o granito que cortava as

camadas calcárias que supostamente eram mais recentes, segundo os netunistas. As

teorias de Hutton se contra posicionavam fortemente ao netunismo de Werner. Hutton

pôde perceber que a história geológica da Terra era inimaginavelmente mais longa do

que se considerava. Em sua obra Theory of the Earth, Hutton sustetava o paradigma do

“princípio geológico de causas naturais” de que o registro geológico podia ser

entendido pelos mesmos processos que atuam hoje sobre a Terra como, sedimentação,

vulcanismo etc. Para isso e em uma escala de tempo geológico, muito maior do que

milhares de gerações humanas, fenômenos geológicos ocorriam naturalmente, sem a

necessidade de sustentar modelos que apelassem para origens especiais ou intervenções

divinas.

O afloramento Siccar Point, Escócia

Em observações de campo na localidade de Siccar Point, Escócia, Hutton

observou um padrão cíclico no registro geológico. Em outras palavras, sempre que

Hutton buscava descobrir o “início” da atividade geológica na Terra, sempre se

deparava com uma situação geológica inusitada: formações geológicas mais antigas

ainda, com sinais claros de padrões cíclicos mais antigos que os vistos superiormente.

Esses padrões geocíclicos eram na maioria das vezes, perturbados por dobras,

metamorfismos e superfícies erosivas, que não eram concordantes entre si. Hutton as

denominou de superfícies discordantes erosivas. Nesse ponto Hutton criara na

geologia o princípio da discordância. Nesse sentido Hutton concluiu não ser possível

descobrir vestígios de um começo geológico primordial da Terra e muito menos a

perspectiva de um fim.

James Hutton

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Como resultado do trabalho de Hutton, a geologia atual reconhece por definição

três padrões bem definidos de discordâncias:

a) Não-conformidade: quando um pacote sedimentar se assenta em

contato erosivo direto por cima de rochas ígneas ou metamórficas.

b) Discordância angular: quando um pacote de sedimentos se sobrepõe

a outro, através de um contato abrupto em relação ao pacote

sedimentar mais antigo, que é constituído por camadas inclinadas com

ângulos diferentes do pacote superior mais recente.

c) Desconformidade: tipo de descontinuidade suave ou quase paralela,

onde os planos de acamamento, entre as rochas e subparalelo. Nesse

tipo de formação,a discordância é de difícil interpretação. Só pode ser

diagnosticada por diferenças gritantes ao nível da paleodiversidade

local ou através de fortes contrastes faciológicos entre as camadas de

contato.

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As relações entrecortantes de corpos rochosos de James Hutton

Qualquer feição geológica (rocha, formações fossilíferas ou estrutura) cortada ou

perturbada por outra (dique, discordância, falha, dobra, atividades bioturbantes, etc.)

caracteriza uma relação entrecortante. O exemplo abaixo mostra uma rocha granítica

penetrando e circundando blocos e calcários e folhelhos. Essa observação contribuiu em

muito para a decadência das idéias netunistas da formação dos granitos por precipitação

oceânica antes dos calcários e folhelhos.

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O uniformitarismo e o atualismo: o presente é a chave do passado

Charles Lyell (1797-1871) escocês que entre 1830 a 1875 difundiu em sua obra

de 14 edições denominada de Principles of Geology, o princípio das causas naturais sob

o prisma do uniformitarismo. Sua influência foi marcante em muitos outros estudiosos

desse período. Curiosamente Charles Darwin (1809-1882) levou a obra de Lyell em sua

expedição no HMS Beagle ao redor do mundo.

O paradigma de Lyell se baseava na idéias de que o presente seria a chave do

passado, sendo esse, igual ao presente em termos de dinâmica externa e interna no

planeta. Sua teoria mostrou-se hoje, como sendo relativamente incompleta. Sabe-se que

a Terra, passou por períodos geológicos desprovida de formações vegetais. Dessa

forma, fenômenos geológicos de dinâmica externa, como a erosão, certamente não

ocorriam da mesma forma que hoje se manifesta, com a presença de formações

vegetais.

A teoria de Lyell mostrou-se por vez dogmática, já que se baseava na “crença”

imutável dos fenômenos da natureza, também por pregar o concomitantemente a

essência do próprio atualismo, ou seja, a constância das leis naturais que regem a Terra,

mesmo que no passado, os produtos e a intensidade dos processos geológicos tenham

sido algo diferentes daquilo que se corrobora atualmente como fato geológico.

wikipedia.org/wiki/Charles_Lyell

De 1830 a 1833 seu multi-volume "Principles of Geology

(Princípios de Geologia)" foi publicado. O subtítulo do trabalho era

"An Attempt to Explain the Former Changes of the Earth's Surface by

Reference to Causes now in Operation" ( "Uma Tentativa em Explicar

as Mudanças Formadoras da Superfície da Terra por Referência a

Causas agora em Operação"), e isso explicava o impacto de Lyell na

ciência. Ele foi, juntamente com John Playfair, o maior advogado da

idéia então controversa do uniformitarianismo, de que a terra foi

moldada praticamente inteiramente por forças lentas agindo por um

longo período de tempo, contrastando com o catastrofismo, uma idéia

que postulava que a maior parte das modificações eram abruptas, pela

idade da Terra inferida através da cronologia da bíblia. Em várias

edições revisadas (vinte, ao todo, até 1872), "Principles of Geology"

foi o trabalho geológico mais influente no meio do século XIX, e foi

essencial para dar a Geologia um embasamento moderno. Pelos seus

esforços, ele foi condecorado em 1848, então, recebeu o título de Barão

em 1864. Durante a década de 1840, ele viajou aos Estados Unidos e

Canadá, o que resultou na escrita de dois livros populares sobre viagem

e geologia: "Travels in North America (Viagens na América do Norte)"

(1845) e "A Second Visit to the United States (Uma Segunda Visita aos

EUA)" (1849).Charles Darwin foi um amigo próximo, e Lyell foi um

dos primeiros cientistas proeminentes a apoiar "The Origin of Species

(A Origem das Espécies)" — apesar de ele nunca ter aceitado

inteiramente a seleção natural como o agente por trás da evolução. De

fato, Lyell foi subserviente ao concordar pacificamente com a co-

publicação da teoria da seleção natural por Darwin e Alfred Russel

Wallace em 1858, após ambos terem descoberto independentemente.

"The Geological Evidence of the Antiquity of Man (A Evidência

Geológica da Antigüidade do Homem)" de Lyell foi publicada alguns

anos depois em 1863. ELe recebeu a Medalha Copley em 1858 e a

Medalha Wollaston em 1866.Desde sua morte, em 1875, ele encontra-

se enterrado na Abadia de Westminster.A cratera de Lyell na Lua e

uma cratera em Marte foram nomeadas em sua homenagem.

(Fragmento Extraído de wikipedia.org/wiki/Charles_Lyell, 2011).

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O princípio do uniformitarismo foi criado por Charles Lyell, naturalista

escocês. Lyell teve como base para elaborar o princípio do uniformitarismo os estudos

de outro naturista escocês, James Hutton que sustentava a premissa de que o presente

é a chave do passado, ou seja, os agentes geológicos e climáticos que construíram e

modelaram o relevo da Terra no passado são os mesmos que agem no presente e com

idêntica ação. Nesse sentido, os agentes geológicos de natureza vulcânica, tectônica e os

exógenos, com os padrões climáticos, efeitos gravitacionais etc. agiram no passado da

Terra com idêntica intensidade que agem no presente.

Em contrapartida, no atualismo não se constata igualdade entre os agentes

endógenos e exógenos, que trabalharam no passado geológico da Terra e os que agem

no presente (no holoceno). As formas do relevo terrestre têm sua gênese e sua

modelagem diferenciadas das explicações do uniformitarismo.

O falseamento do uniformitarismo pode ser exemplificado através de uma erupção vulcânica ocorrente no

início da formação da Terra que geraria cinzas vulcânicas diferentes das atuais, no caso, por exemplo, de um incêndio

florestal causado por lavas de um vulcão ativo. Isso se daria simplesmente de na Terra não existirem florestas nos

estágios iniciais de sua gênese. Imagem: http://gracieteoliveira.pbworks.com.

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Os fósseis a paleontologia e a idade relativa das rochas: construindo a

Escala Geológica do Tempo

Ao longo do século XVIII e início do século XIX, alguns naturalistas europeus e

da Grã-Bretanha, ao aplicarem o princípio de Steno, observaram que os mesmos estratos

fossilíferos eram encontrados sempre na mesma ordenação de camadas, independente

da distância horizontal entre eles. William Smith em seu mapa geológico da Grã-

Bretanha, Cuvier & Brongniart em bacias sedimentares na França, constataram que esse

padrão de continuidade lateral das camadas fossilíferas, era uma forte ferramenta na

previsão de distribuição de camadas nas formações geológicas. A essa constatação foi

dado o nome de correlação fossilífera ou bioestratigráfica. Nesse sentido nascia

também o princípio da sucessão biótica, onde é possível colocar rochas fossilíferas em

ordem cronológica pela “assinatura” de seu conteúdo fóssil, pois cada período, época ou

subdivisão do tempo geológico possui um conjunto particular de paleodiversidade

(fósseis animais, vegetais, icnofósseis, etc.) representativo dos organismos que viviam

naquele intervalo de tempo geológico.

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Da explicação dos processos que buscassem definir como ocorre a sucessão de

fósseis na escala do tempo profundo, acabaram por surgir dois conceitos curiosamente

opostos:

O catastrofismo de Cuvier: teoria nascida da interpretação de que o

registro fóssil era resultado de sucessivas extinções cataclísmicas globais,

cada qual sucedida por “pulsos de recriação” de novas comunidades de

organismos.

E a Evolução biológica de Darwin: teoria que explicava a

paleodiversidade com resultado da interação entre seres vivos e ambiente

com a sobrevivência e sucesso das formas mais bem adaptadas, ou seja, o

bem conhecido “processo de seleção natural”.

Muito embora os dois princípios fossem antagônicos entre si, de proveito, os

naturalistas e geólogos empreenderam esforços em conjunto e buscaram estudar as

principais sucessões geológicas da Europa e Grã-Bretanha e em um curto intervalo de

tempo, entre 1822 a 1841, conseguiram padronizar um ordenamento de sucessões

geológicas entre essas regiões em uma escala de tempo geológico, baseado nessa

datação relativa da paleodiversidade contida nessas rochas estudadas.

Cada sistema de rochas teria sido depositado ao longo de um período de tempo

geológico e teria uma identidade padrão, baseada e um conjunto peculiar de fósseis a

esse sistema. O nome desse sistema de rochas por convenção, recebeu denominações

alusivas à sua região. Abaixo por exemplificação, podemos entender esses nomes

clássicos:

Cambriano: gr. Cambria = nome latino para Gália;

Ordoviciano: gr. Ordovices = antiga tribo Celta;

Siluriano: gr: Silures= antigos habitantes do oeste da Inglaterra;

Devoniano: gr: Devon = Devonshire, Inglaterra;

Carbonífero: gr: camadas de carvão do centro norte da Inglaterra;

Permiano: Perm, província Russa do lado oeste dos Urais;

Triássico: gr. trias = alusão a três litologias marcantes para o Sul da Alemanha:

(arenito → calcário → evaporito);

Jurássico: Jura, zona limítrofe entre a França e a Suíca;

Cretáceo: gr. creta = greda ou giz.

Terciário e Quaternário: termos herdados dos antigos princípios da precipitação marinha

das rochas.

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Darwin e Kelvin: em busca da Idade Absoluta da Terra

Quanto mais antiga ou recente uma rocha poderia ser em relação às outras? Essa

foi uma grande preocupação de Darwin e Kelvin: como calibrar as rochas em termos de

sua idade absoluta em anos? Em verdade as primeiras especulações relativas à idade

absoluta da Terra foram feitas por Darwin que usou taxas de erosão marinha do litoral

inglês para estimar em 300 milhões de anos, o tempo necessário para expor rochas

cretáceas do litoral inglês. Em verdade esse cálculo foi errôneo já que o padrão erosivo

como hoje se aceita é o fluvial e não o marinho. Fato esse que reduziu a idade para 85

milhões de anos. Sucessivas gerações de geólogos puseram-se a estudar a taxa de

deposição e acúmulo sedimentar de diferentes rochas sedimentares e dividiam a

espessuras dessas várias camadas por uma taxa de sedimentação julgada como um

“padrão” para o modelo da época. Esse modelo de investigação para idade absoluta das

rochas da Terra levou gerações à discussão, já que foram propostos muitos valores

diferentes para a Terra, aplicando-se esse modelo. Em outras palavras, nesse período de

investigações em que se usou essa metodologia para analisar absolutamente a idade da

Terra, dados eram publicados e variavam entre si em uma escala de três milhões a 1,5

bilhões de anos!

Entre 1862 e o início do século XX, William Thomson, denominado de Lord

Kelvin (1842-1907), modelou uma datação para a Terra entre 25 e 400 milhões de anos

com base na transferência de energia térmica de molécula em molécula do centro quente

da Terra até a sua superfície. Seu modelo matemático convertia esse decaimento

térmico em anos absolutos.

O “fim” da teoria de Kelvin com a descoberta da radioatividade: os

princípios e métodos modernos da datação absoluta.

A comunidade científica em geral após a morte de Kelvin em 1907 revisava sua

teoria e postulavam que Kelvin não considerava matematicamente o deslocamento de

massas quentes pela convecção, como deve ser analisada em rochas. A sustentada

transferência de energia térmica de “molécula em molécula” já não era mais aceita.

Com a descoberta da radiação em 1896 por H.Becquerel, pôde-se entender muito sobre

a geração de calor no centro da Terra a partir de emissões radioativas de fontes

conhecidas.

Marie e Pierre Curie, bem como, Bertram Boltwood, todos no início do século

XX, mostraram a possibilidade de empregar metodologias físicas na determinação

absoluta da idade da Terra. Constaram que minerais e rochas (bem como toda a

matéria) mantinham um padrão de decaimento radioativo no núcleo de seus átomos.

Esse padrão deram o nome de constante de desintegração. Esse decaimento ocorre em

uma escala de tempo. Nesse sentido, as taxas percentuais de decaimento ao longo do

tempo foram definidas como tempo de meia-vida.

Usa-se o conceito de meia-vida para expressar por convenção, as taxas de

decaimento radiativo, ou seja, o tempo decorrido para que a metade da quantidade

original de átomos instáveis (átomos do “elemento-pai”) se transforme em átomos

estáveis (átomos do “elemento-filho”). O decaimento radioativo e o conceito de meia

vida podem ser entendidos por analogia ao fenômeno de queima de uma vela:

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APÊNDICE

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ESTUDO DIRIGIDO- Analise e responda em dupla.

1. A leitura do “livro das rochas” é complexa em função de sua natureza de

registros incompletos, descontínuos, superpostos e repetitivos ao longo

da história geológica do planeta. Nesse sentido, comente sobre os dois

grandes acontecimentos na história da civilização humana responsáveis

por consolidar a Geologia como uma ciência.

2. A natureza dogmática, cultural e política das sociedades sustentavam o

paradigma de que a Terra era o resultado de uma recente criação perfeita

em uma escala de tempo geologicamente recente, medida em milhares de

anos. Consideram-se as principais e com fundamento histórico o

Judaísmo pré-cristão, a Idade Média e a Renascença. Resuma suas

principais idéias.

3. Qual o verdadeiro nome de Steno? Em que obra e quais os três princípios

publicados na mesma envolvendo a organização das seqüências

sedimentares?

4. Por volta do século XVIII, (entre 1750 e 1760), Giovanni Arduino (1713-

1795) estudioso das rochas dos Alpes da Itália, Lehmann (1719-1767) na

Alemanha e Desnoyers a posteriori em 1829 na Bacia de Paris,

classificaram globalmente as rochas sob determinada lógica de

ordenação. Explique.

5. O que tem haver o Netunismo de Werner e o Plutonismo de Hutton sobre

o comportamento intrusivo e não precipitado das rochas graníticas da

litosfera?

6. Quais os padrões atuais de discordância aceitos pela geologia moderna e

nascido das observações de Hutton no afloramento de Siccar Point,

Escócia ?

7. Qual a importância das “relações entrecortantes” de Hutton para a atual

geologia?

8. Resuma o pensamento de Charles Lyell comentando suas principais

falhas e contribuições.

9. O que significa correlação fossilífera ou bioestratigráfica e a sucessão

biótica ?

10. Como Darwin e Kelvin trataram a idéia de tempo absoluto da Terra?

11. Quais os princípios e métodos modernos da datação absoluta das rochas?