9
O íon lantanídeo no acoplamento Russell-Saunders e a classificação de seus estados segundo os subgrupos do grupo ) 2 4 ( GL O hamiltoniano, H, dos íons lantanídeos contém uma parte que corresponde ao campo central, que fornece as energias dos baricentros das configurações eletrônicas, e várias outras interações que são, em geral, tratadas como perturbações. Entre essas interações a repulsão coulombiana e a interação spin-órbita são as mais relevantes. No problema da resolução do determinante secular para esse hamiltoniano, as interações, como por exemplo, spin-spin, spin-outra órbita e órbita-órbita são bem menos importantes, embora em algumas situações, e principalmente quando se requer o cálculo de energias e autofunções com certa precisão, elas devam ser consideradas. Assim, numa primeira aproximação, as autofunções de H, na representação de momento angular, podem ser consideradas como as autofunções de z 2 2 2 J ˆ e J ˆ , S ˆ , L ˆ , dado que H comuta com esses operadores. Um esquema de acoplamento de momento angular do tipo S L J pressupõe que a interação spin-órbita é menos importante que a repulsão coulombiana. Acopla-se primeiramente os momentos angulares orbitais e de spin separadamente e depois acopla-se L com S para se obter J . Este é o chamado acoplamento Russell-Saunders. No caso em que a interação spin-órbita tem a mesma ordem de magnitude que a repulsão coulombiana (o caso dos elementos mais pesados que os lantanídeos), o esquema apropriado é acoplar inicialmente os momentos angulares orbital e de spin monoeletrônicos, i i i s j , para em seguida se obter o momento angular resultante i i j J , que é o chamado acoplamento j j. Na construção dos estados J N SLJM ) f 4 ( freqüentemente acontece que os números quânticos S, L, J e J M não são suficientes para defini-los sem ambigüidade. Por exemplo, uma configuração N f 4 pode dar origem a diferentes termos espectroscópicos com o mesmo L e mesmo S. Este problema pode ser resolvido através da teoria dos grupos. Dado que em um mesmo termo espectroscópico, L 1 S 2 , os valores de J ( S L J ) são distintos, basta se analisar, do ponto de vista da teoria dos grupos, o papel dos números quânticos L e S , . Racah ( ) demonstrou que as representações irredutíveis de certos

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O íon lantanídeo no acoplamento Russell-Saunders e a classificação de seus estados

segundo os subgrupos do grupo )24(GL

O hamiltoniano, H, dos íons lantanídeos contém uma parte que corresponde ao

campo central, que fornece as energias dos baricentros das configurações eletrônicas, e

várias outras interações que são, em geral, tratadas como perturbações. Entre essas

interações a repulsão coulombiana e a interação spin-órbita são as mais relevantes. No

problema da resolução do determinante secular para esse hamiltoniano, as interações, como

por exemplo, spin-spin, spin-outra órbita e órbita-órbita são bem menos importantes,

embora em algumas situações, e principalmente quando se requer o cálculo de energias e

autofunções com certa precisão, elas devam ser consideradas. Assim, numa primeira

aproximação, as autofunções de H, na representação de momento angular, podem ser

consideradas como as autofunções de z222 JeJ,S,L , dado que H comuta com esses

operadores. Um esquema de acoplamento de momento angular do tipo SLJ

pressupõe

que a interação spin-órbita é menos importante que a repulsão coulombiana. Acopla-se

primeiramente os momentos angulares orbitais e de spin separadamente e depois acopla-se

L

com S

para se obter J

. Este é o chamado acoplamento Russell-Saunders. No caso em

que a interação spin-órbita tem a mesma ordem de magnitude que a repulsão coulombiana

(o caso dos elementos mais pesados que os lantanídeos), o esquema apropriado é acoplar

inicialmente os momentos angulares orbital e de spin monoeletrônicos, iii sj

, para

em seguida se obter o momento angular resultante i

ijJ

, que é o chamado acoplamento

j j.

Na construção dos estados J

N SLJM)f4( freqüentemente acontece que os

números quânticos S, L, J e JM não são suficientes para defini-los sem ambigüidade. Por

exemplo, uma configuração Nf4 pode dar origem a diferentes termos espectroscópicos com

o mesmo L e mesmo S. Este problema pode ser resolvido através da teoria dos grupos.

Dado que em um mesmo termo espectroscópico, L1S2 , os valores de J ( SLJ

) são

distintos, basta se analisar, do ponto de vista da teoria dos grupos, o papel dos números

quânticos LeS, . Racah ( ) demonstrou que as representações irredutíveis de certos

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subgrupos do grupo contínuo GL(4 + 2) podem ser utilizadas como números quânticos

para classificar os estados J

N SLJM)f4( . Isso se deve ao fato de que esses estados

constituem bases para essas representações irredutíveis. Para os elétrons f tem-se a seguinte

cadeia disponível

327777 RGRSUUGL

iniciando com o grupo linear completo (GL7) e em seguida o grupo unitário (U7), o grupo

especial unitário (SU7), o grupo das rotações (R7), estes quatro em dimensão 7, o grupo

especial de Cartan (G2) e o grupo das rotações em três dimensões. A idéia central consiste

em encontrar a decomposição das representações irredutíveis de um grupo nas

representações irredutíveis de seu subgrupo mais próximo na cadeia, e assim classificar os

estados segundo essas decomposições sucessivas; em cada caso, as representações

irredutíveis são utilizadas como números quânticos.

Os estados de uma configuração Nf4 são quase totalmente bem definidos pelos

números quânticos W, U, S, L, J e JM , onde W é constituído por um conjunto de três

números ( 321321 ), , que corresponde a uma representação irredutível de R7, e U

é constituído por um conjunto de dois números ( 21 ) que corresponde a uma

representação irredutível de G2. A classificação de acordo com as representações de U7 é

equivalente à especificação do número quântico de spin S. Entretanto, algumas

ambigüidades permanecem na decomposição G2 R3. Este problema foi resolvido por

Judd ( ) através do chamado acoplamento L L. Dessa forma, na notação J

N SLJM)f4( ,

representa os números quânticos adicionais necessários para a especificação desses

estados sem ambigüidade.

Operadores tensoriais irredutíveis duplos e seus elementos de matriz

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Um operador tensorial irredutível duplo )k(T é uma quantidade definida por um

conjunto de )1k2)(12( componentes )k(qT que atuam como tensor de posto com

relação ao spin total e posto k com relação ao momento angular orbital. A condição de

irredutibilidade é satisfeita se

)k(q

)k(qz

)k(q1

)k(q

)k(q

)k(qz

)k(1q

)k(q

TT,S

T)]1()1([T,S

TqT,L

T)]1q(q)1k(k[T,L

(1)

Esses operadores são de grande importância na utilização dos métodos de Racah. É

conveniente introduzirmos agora os operadores tensoriais unitários, os quais podem ser

definidos a partir de seus elementos de matriz reduzidos entre estados monoeletrônicos.

Para elétrons equivalentes temos

ss2

1)( )12(sts

(2)

onde )(t é um operador tensorial irredutível que atua no espaço de spin de um elétron, e

21

)k( )1k2(v (3)

onde )k(v atua sobre a parte orbital deste elétron. Para uma dada configuração com N

elétrons equivalentes temos:

i

)()( )i(tT (4)

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e

i

)k()k( )i(vV (5)

onde a soma em i percorre os N elétrons.

De maneira análoga introduzimos os operadores tensoriais unitários duplos

ss2

1)k( )]1k2)(12[(sws (6)

e

i

)k()k( )i(wW (7)

Essas definições constituem um dos aspectos fundamentais da técnica dos

operadores tensoriais irredutíveis, pois um elemento de matriz de qualquer operador de uma

partícula (soma de operadores que atuam em apenas um elétron) pode ser expresso como o

produto do elemento de matriz definido pela Eq.(4), ou pela Eq.(5), ou pela Eq.(7), e o

elemento de matriz reduzido monoeletrônico que dependerá, obviamente, da natureza do

operador em questão. Como exemplo, consideremos o operador

i

)k(q

)k(q )i(CD (8)

onde os )k(qC 's são os operadores de Racah. A definição dos operadores tensoriais unitários

leva ao seguinte resultado

)k(21

J

N)k(

qJ

N C)1k2(MJLS)n(DSLJM)n(

J

N)k(

qJ

N MJLS)n(VSLJM)n( (9)

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O cálculo do elemento de matriz do operador )k(qV requer um conhecimento

detalhado sobre a construção dos estados J

N SLJM)n( . Inicialmente lembremos que

LS

N

M,M JLS

21

MSL

J

N LMSM)n(M

J

M

L

M

S)1J2()1(SLJM)n(

LS

J

(10)

A construção dos estados LS

N LMSM)n( pode ser efetuada, de modo mais simples e

elegante, através dos chamados coeficientes de ascendência fracionária, os quais permitem

expressar os estados de uma configuração Nn em função dos estados da configuração

1Nn . A denominação desses coeficientes vem do fato de que cada estado da configuração

com N-1 elétrons participa, com uma certa fração, da construção dos estados da

configuração com N elétrons. Essa fração de participação pode ser grande, pequena ou

nula, dependendo das características dos estados envolvidos. É como se houvesse uma

relação de parentesco entre os estados de uma configuração e da outra. Assim, em última

análise, conhecendo-se os estados da configuração 2n pode-se chegar, por recorrência, aos

estados de Nn . Este procedimento leva em conta, implicitamente, o princípio de Pauli e

garante que os estados finais obtidos são ortonormais. Várias relações envolvendo os

coeficientes de ascendência fracionária foram obtidas por Racah ( ). A relação entre os

estados de Nn e os estados de 1Nn é dada por

x SsS

21

MMLSs

LS

N

M

S

m

s

M

S)]1L2)(1S2[()1(LMSM)n( LS

NsLS

1NN1N

LL

msmMLMS)n(SL)n(SLs)LS)(n(M

L

mM

L

(11)

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onde x representa o conjunto de números quânticos

( m,m,M,L,M,S, sLS ), SL)n(SLs)LS)(n( N1N é um coeficiente de

ascendência fracionária e Ns msm é um estado monoeletrônico ocupado pelo N-ésimo

elétron.

Utilizando-se a definição de operador tensorial unitário, o teorema de Wigner-

Eckart, a relação de ortogonalidade para os símbolos 3-j e a Eq.(11), pode-se mostrar que

LS

N)k(

qLS

N MLMS)n(VLMSM)n(

SS

N)k(N

LL

MLLS)n(VSL)n(

M

L

q

k

M

L)1( L

LLLLx

21

mMM

M

L

mM

L

M

L

mM

L)]1L2)(1L2)(1k2[()1(N LL

SS

N1N1NN LS)n(LSs)LS)(n(SLs)LS)(n(SL)n(mq

k

m

(12)

onde x representa o conjunto de números quânticos ( m,m,M,L,S,L

). A Eq.(12) pode

ser manipulada utilizando-se a relação de ortonormalidade dos símbolos 3-j e a definição

dos símbolos 6-j para se obter

L,S,

21

kLLN)k(N )]1L2)(1L2)(1k2[()1(NLS)n(VSL)n(

SS

N1N1NNL

L

kLLS)n(LSs)LS)(n(SLs)LS)(n(SL)n(

(13)

De maneira análoga pode-se mostrar que

L,S,

kLLsSSN)k(N )1S2)(1S2)(12[()1(NLS)n(WSL)n(

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SLs)LS)(n(SL)n()]1L2)(1L2)(1k2( 1NN21

L

L

kL

s

S

Ss

SLS)n(LSs)LS)(n( N1N (14)

O elemento de matriz reduzido de um operador

i

)K()k()()K( )i(b)i(aX (15)

onde )(a atua no espaço de spin e )k(b atua no espaço orbital, pode ser colocado em

termos do elemento de matriz reduzido dado pela Eq.(14) através da seguinte expressão

)k()(

21

N)K(N bsas)1k2)(12(

)1K2)(1J2)(1J2(JLS)n(XSLJ)n(

LS)n(WSL)n(

K

k

J

L

S

J

L

SN)k(N

(16)

Um excelente trabalho apresentando tabelas de valores numéricos dos elementos de matriz

reduzidos LS)n(USL)n( N)k(N e LS)n(VSL)n( N)11(N , onde

)k(21

)k( V)1k2(U

(17)

e

)11(21

)11( W6V

(18)

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foi realizado, originalmente, por Nielson e Koster ( ) para as configurações pN, d

N e f

N.

Nessas tabelas encontram-se também os valores numéricos dos coeficientes de ascendência

fracionária.

O acoplamento intermediário

Tendo em vista que a repulsão coulombiana não é diagonal com relação ao conjunto

de números quânticos, assim como a interação spin-órbita não é diagonal com relação a

, S e L (mas é diagonal com relação a J e MJ), esses números quânticos deixam de ser

100% bons números quânticos, ou seja, essas duas interações misturam estados com 's, S's

e L's diferentes. Portanto, na resolução do determinante secular para o hamiltoniano H,

obtemos estados finais que são combinações lineares dos estados J

N SLJM)n(

L,S,

J

N

J

N SLJM)n()SL(CJM)n( (19)

Esse novo conjunto de estados deve satisfazer a condição de ortonormalização

JJ MMJJJ

NJ

N MJ)n(JM)n(

(20)

o que impõe a condição

1)SL(C2

L,S,

(21)

Os estados dados pela Eq.(19) correspondem ao chamado acoplamento

intermediário. Note que J e MJ permanecem bons números quânticos, ou seja, a repulsão

coulombiana e a interação spin-órbita são diagonais com relação a esses dois números

quânticos, elas não misturam J's e MJ's diferentes. Esse acoplamento tem um papel

fundamental, principalmente na teoria das intensidades de transições intraconfiguracionais,

como, por exemplo, as transições 4f-4f nos íons lantanídeos, pois as regras de seleção em S

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e L tornam-se bem menos restritivas (são relaxadas). Um exemplo típico disso são as

transições entre os níveis 5DJ e

7FJ do íon Eu

3+, as quais seriam proibidas pela regra de

seleção para o spin se S fosse 100% um bom número quântico.