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Introdução
Oprocedimento dominante na iniciação ao ensino e aprendizagem da escrita con-
sistiu na prática do desenho das letras que,combinadas e copiadas, formam palavras, asquais, agrupadas, formam frases. Estas, ligadasentre si, formariam textos.
Tratava-se de um trabalho mecânico decombinatórias, de cifração e decifração a que acópia e o ditado correspondiam como estraté-gias de aquisição formal.
Tinha como objectivo uma produção semerros ortográficos e respeitadora de cânones eestereotipos vazados em redacções sobre asférias, as estações do ano ou, recuando notempo, sobre animais domésticos, sobre a pá-tria, tudo de acordo com as propostas dos ma-nuais vigentes.
A iniciação na escrita foi predominante-mente entendida nos programas escolarescomo uma sequência pré-determinada de acti-vidades a realizar pelo aprendiz, sequênciaque lhe permitiria um conjunto hierarquizadode aquisições.
A partir do início da década de oitenta, otrabalho de muitos investigadores, sobretudoanglosaxónicos, veio, porém, a caracterizar aaprendizagem da escrita como um processocomplexo, global, holístico-construtivo e as-sente numa prática dialógica.
Escrever é uma tarefa de resolução de pro-blemas, constitui uma tentativa continuada dedescobrir o que se quer dizer e desenvolve-se
num trabalho comunicativo de interacçãosocial.
Do que se trata, hoje, é de propiciar con-textos que constituam convite à comunicaçãodesbloqueada, recebendo-se os diversos proces-sos e intencionalidades dos alunos, ajudando-os e ajudando-se estes, entre si, a descobrir oque querem dizer.
A revisão do já escrito é uma tarefa quepermanentemente se pode reiniciar, porquequalquer escrito é passível de ilimitadas refor-mulações: escrever é reescrever. Para alguns,Deus (a perfeição) está na reescrita!
Segundo Niza, S. (1989) «Impõe-se um es-paço de liberdade negocial no interior da es-cola para que os temas, os motivos, os ritmosde produção e as suas finalidades surjam deum acordo em cooperação que garanta a mo-tivação intrínseca da escrita. Assim, poderátornar-se gratificante o processo de desenvol-vimento e regulação dos escritos, porque estessurgem como conquista permanente de novossentidos e potencialidades para a escrita, poroposição a velhos processos de constrangi-mento e insucessos constantes.» (p. 3)
1. A aprendizagem da escrita na escola:reprodução e correcção
Durante muito tempo, apoiados por estu-dos de investigação que predominantementese ocuparam em categorizar e em descrevergéneros (narrativo, poético, dramático...), osprofessores de língua obrigavam os seus alu-
O Trabalho Oficinal da Escrita
Ivone Niza
nos à prática de processos de repetição de mo-delos e à exercitação de regras gramaticais quelevariam à produção de textos bem formados,redigidos em boa escrita, ou seja, segundo aescrita de autores consagrados.
Na verdade, a autoridade da literatura clás-sica foi uma constante ao longo da história dapedagogia da leitura e da escrita, bem como aprática de exercícios de gramática sem a qual,acreditava-se, não se podia aprender a escrever.
Produzir textos «no domínio do literário» e«comunicar oralmente e por escrito com cor-recção e elegância» são enunciados presentesainda nos Programas de Língua Portuguesaque atravessaram os anos oitenta.
Os parâmetros que determinariam a correc-ção dos textos das crianças não estavam, po-rém, explicitados, pelo que nos podemos inter-rogar acerca dos conceitos de «elegância» (!) nafala e na escrita que cada professor teria comoexigência para textos de crianças/adolescentesem fase de desenvolvimento da escrita.
Esta promiscuidade do trabalho de aprendera escrever com a boa escrita (já escrita) dos auto-res literários e com o ensino da gramática nor-mativa, mantém-se desde há séculos, confun-dindo-se o ensino da produção escrita, com aleitura (recepção) literária.
As redacções ou composições foram-se re-produzindo, na escola, como colagens de fra-ses feitas, retiradas de fontes pouco diversifi-cadas e facilmente reconhecíveis.
Os (bons) alunos aplicavam expressõesunanimemente reconhecidas e aceites pela es-cola, daí resultando textos impessoais, exercí-cios formais, a maioria das vezes cegos ao sen-tido e à comunicação.
Tratava-se (e em muitas práticas escolares,trata-se ainda) de uma falsa produção, da ne-gação do processo de produção do discurso in-dividual que, ao produzir-se, simultaneamentese renova, multiplicando-se na e pela leiturados possíveis interlocutores, instituindo zonasde intersubjectividade.
O reconhecimento e a reprodução de mo-delos oficiosos e consagrados contribuía para
a redução ou mesmo o apagamento do sujeitoque escrevia, dado que era reconduzido, na es-cola, a um mesmo passado (o dos autores lite-rários de referência) em que, cada vez menos,um adolescente poderia reconhecer-se.
A consequência tem sido, para muitos, a re-cusa em produzir escrita por insegurança, pormedo de se expor. Para outros, a utilização deestereotipos funciona como máscara ou pro-duto de valor tradicionalmente assegurado.
Em 1988, Zemelman e Daniels afirmavam: « Na verdade, a escrita tem sido tão mal en-
sinada nas nossas escolas e as crianças têmsido obrigadas a perder tanto tempo com coi-sas inúteis e objectivos desmoralizadores queperderam a vontade de escrever. Agora, en-frentamos uma batalha enorme ao tentar reli-gar os nossos alunos e nós próprios a todas aspossibilidades de aprendizagem e de desco-berta que a escrita nos oferece.» (p. 4)
Considerava-se que os bons alunos, os queescreviam bem, o faziam por uma espécie deintuição ou de dom, uma vez que, efectiva-mente, na escola, não tinham sido ensinados aescrever, exactamente como não o tinham sidoos alunos que escreviam com dificuldades.
Porque, para todos, o ensino da língua con-sistia na leitura e na transmissão de regras deescrita segundo os exemplos dos bons autores,na prática de exercícios de aplicação e de re-conhecimento de aspectos parcelares da mor-fologia e da sintaxe, na identificação de figurasde retórica e na verificação e avaliação de to-dos estes aspectos nos textos escritos pelosalunos.
Agia-se como se os sujeitos em aprendiza-gem já dominassem a língua (Zoellner, 1969).
Para este investigador, a pedagogia da es-crita era simplista, internalista e intelectiva:
«Nós não estamos lá muito interessadosnaquilo que o aluno está a escrever («is wri-ting»); estamos é muitíssimo interessados na-quilo que ele já escreveu («he has written».)»(p. 289)
E era sobre o já escrito que os professoresprocuravam, assinalavam e corrigiam os erros,
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sobretudo ortográficos e de pontuação (por-tanto «erros» da zona de superfície textual)dos alunos. A focalização realizava-se sobre apalavra e a frase.
Uma concepção de ensino e de aprendiza-gem da escrita que devia sempre passar pelaleitura e correcção pelo professor, teve comoefeitos perversos o pouco espaço e tempo atri-buídos à escrita fora dos momentos consigna-dos para a avaliação. Menos escrita, porque oprofessor não podia estar sempre a policiar, acorrigir, e fugas à escrita porque a ninguémagrada expor-se, constantemente, como ob-jecto de correcção.
Nesta lógica, os exames, as provas globais,constituem momentos formais de avaliação ede classificação de produções linguísticas quenão puderam ser largamente experienciadas,porque o trabalho do professor acontece emdiferido: ensina gramática mas pede redacção,explica oralmente mas avalia a escrita que en-comenda aos alunos.
Segundo Semeghini (1997) com a democra-tização do ensino instalou-se a crise. A partirda década de setenta surgem os excluídos daescola, embora inseridos na escola. Começa-ram a ser frequentes expressões como fracassoescolar, e mais recentemente, fracasso da escola.
E segundo muitos investigadores (Smolka,1988, Patto, 1990, Kramer, 1995) a crise da es-cola e a crise do ensino-aprendizagem da lín-gua materna têm caminhado em paralelo.
Mas não restam dúvidas, hoje, quanto aopapel da escola : a ela cabe adaptar-se aos alu-nos que tem, trabalhando as interferências damodalidade oral dos alunos sobre a escrita,dando-lhes instrumentos e estratégias para ad-quirirem o domínio da modalidade escrita dalíngua sem o qual permanecerão iletrados, ouseja, excluídos.
A escrita falhou na escola como espaço deintersubjectividade, como forma de acção en-tre autor/leitor, como uma actividade comsentido social, como uma experiência de co-municação que se institui no momento parti-cular em que se manifesta, segundo as indivi-
dualidades em presença, segundo o jogo de in-tenções e finalidades, de acordo com a históriaque significa por si e para os outros.
Os estudos da aquisição da escrita pelascrianças, lembrados por Niza, S. (1998), po-dem categorizar-se numa primeira tendênciaque assume a língua como um sistema padro-nizado de estruturas e de normas fixas. O seudesenvolvimento é entendido como a passa-gem de um estado de incompetência linguís-tica a um estado de «competência» orientadopor modelos «correctos» e de «autores» e as-sente em estratégias de reprodução e detreino.
Uma segunda tendência considera a escritaum objecto de conhecimento construído indi-vidualmente e dinamizado pelo «conflito cog-nitivo». O erro desempenha uma função cons-trutiva e aceleradora.
Uma terceira tendência considera a activi-dade mental na alfabetização uma actividadeinterdiscursiva radicada no conflito sociocog-nitivo. O ensino processa-se num quadro fun-cional de comunicação através de processosdiscursivos dialogais. Aprender significa fazer,usar, praticar com finalidade social explícita eem interacção cooperada. O alfabetizando, en-quanto escreve, aprende a escrever e aprendeacerca da escrita. Trata-se da perspectiva ins-trumental e funcionalista presente nos traba-lhos de Vygotsky e esboçada na investigação--acção de Smolka (1988) e de Castro Neves eAlves Martins (1994).
2. Perspectivas actuais sobre aprendizagem e desenvolvimento da produção escrita
Entendendo-se, hoje, a linguagem comouma acção com função metacognitiva entreinterlocutores, é fundamental para a sua apren-dizagem que os professores, todos os profes-sores de língua, estejam preparados para de-sencadear actividades de oralidade, de escritae de leitura numa concepção dialógica da lin-guagem.
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De modo radical, Bakthine (1997/1929)afirma:
«Qualquer palavra apresenta duas faces. Étão determinada pelo facto de proceder de al-guém, como pelo facto de ser dirigida a al-guém. Constitui precisamente o produto dainteracção entre o locutor e o auditor. Qual-quer palavra serve de expressão a um, por re-lação com o outro. Através da palavra defino-me em relação ao outro, ou seja, em últimaanálise, perante a colectividade. A palavra éuma espécie de ponte lançada entre mim e ooutro.» (p. 124)
Para Bakthine (1981) a interacção verbalconstitui a realidade fundamental da língua.
Ora, a realização de um trabalho pedagó-gico que assenta na interacção verbal, na con-cepção de língua como um todo orgânico,vivo, que se institui pela dialogia, está já mui-tíssimo longe da concepção de língua comoobjecto parcelarizável, que pode ser divididoem gramática, redacção, leitura e em que sepode caminhar daquilo que se definiu comomais simples (e o que é mais simples na inte-racção comunicativa?), para mais complexo.
Vygotsky (1979) afirma:«A linguagem escrita é precisamente a álge-
bra da linguagem. E tal como a assimilação daálgebra não é uma repetição do estudo da arit-mética, mas representa um plano novo e su-perior do desenvolvimento do pensamentomatemático abstracto, o qual reorganiza eeleva a um nível superior o pensamento arit-mético que se elaborou anteriormente, assima álgebra da linguagem (a linguagem escrita)permite à criança o acesso ao plano abstractomais elevado da linguagem, reorganizandopor isso mesmo, também, o sistema psíquicoanterior da linguagem oral.» (p. 260)
Ou seja, não só o pensamento se realiza nalinguagem, como a linguagem escrita desem-penha funções determinantes no desenvolvi-mento, acelerando-o.
O mesmo autor considera, também, que aaprendizagem da escrita tem repercussões narealização da linguagem oral.
Esta, reestrutura-se em função da experiên-cia metacognitiva que o trabalho da escrita de-sencadeia, porque a experimentação sucessivada escrita do que se quer dizer, cria, progressi-vamente, hábitos de planificação que permi-tem um controlo cada vez mais consciente so-bre a actividade linguística e comunicativa.
Trata-se do entendimento da aprendizagemda escrita como uma via de (re)descoberta e de(re)construção da língua oral e escrita.
A mais recente investigação sobre as fun-ções da escrita no desenvolvimento preocupa-se em analisar os comportamentos de quemescreve, aproximando os mecanismos de fun-cionamento dos descritos pelos profissionaisda escrita, os escritores.
Assim, para Elbow e Belanof (1995, p. 3)qualquer pessoa pode desempenhar a funçãode escritor:
• «Cada pessoa está habitada por palavras eideias. E se parece a cada um que não é assim,quer dizer que se bloqueou ou reprimiu. Equanto mais cada um se reprime, menos con-segue escrever.»
Esta parece ser a situação mais comum nãosó de muitos alunos, como de muitos profes-sores: a insegurança, o medo de escrever.
• «Cada pessoa é dona da sua própria es-crita.»
Só ela própria pode saber em que medida oque pôs no papel vai de encontro àquilo quequer significar. Todos os outros, colegas, pro-fessor, amigos, podem ajudar a ver como fun-cionam as palavras, mas só o próprio pode de-cidir sobre quais as sugestões importantes equais as mudanças a fazer, se for caso disso.
• «Como acontece com todos os escritores,cada pessoa que escreve precisa de partilhar oseu texto com outros.»
Só se pode perceber o que significa comu-nicar através da escrita, quando experimenta-mos ler os nossos textos para uma audiência.
Ora, grande parte dos problemas de escritanas escolas tem a ver com o facto de se escre-ver para o professor (que tem por função ava-
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liar) sobre um assunto que normalmente estedomina.
Donde, ser preciso escrever para mais pes-soas para se perceber que elas têm diferentesreacções ao mesmo escrito, o que nos permiteaprender, progressivamente, a considerar essasdiferentes reacções.
• «Como qualquer escritor, cada um de nósé já um utilizador sofisticado da língua.»
Quando falamos não se pensa em cada pa-lavra que se utiliza, mas no que queremos sig-nificar e as palavras tendem a ajustar-se ao quese quer comunicar.
Na verdade, quando se escreve e se estáconcentrado naquilo que se quer dizer, as ca-pacidades naturais para a linguagem funcio-nam, do mesmo modo que produzimos lin-guagem correcta quando falamos, semnecessitarmos de uma permanente vigilânciasobre isso.
São estas capacidades que nos ajudam aajuízar a nossa própria escrita, bem como a es-crita dos outros.
Assim, o que é importante como estratégia,é confiar no que já se sabe (mesmo que nãoseja muito) e naquilo que se quer dizer, atravésde um movimento discursivo que sempre su-põe a intervenção do outro com quem comu-nico.
Graves (1984) afirma que o pior inimigo doprofessor que ensina a escrever é a ortodoxiaacerca das regras que o professor ou o alunodevem cumprir ou não podem infringir, é a re-presentação da autoridade do professor quedetém a última palavra. Porque o pior de tudo,é que estas atitudes e representações suspen-dem a aprendizagem.
Para este autor, a ortodoxia é um fado quese evita à medida que alunos e professores sedesafiam a escrever e tomam consciência dosganhos dessa aprendizagem.
Donde a importância do trabalho em ofi-cina de escrita.
Aí, se propicia tempo para a escrita e para aleitura, se tem liberdade para fazer escolhas e
oportunidades para falar com outros acercadas escolhas que se fazem.
Aí, se pode escrever para si, com os outros,para os outros, por causa dos outros e daquiloque nos rodeia.
Fazer radicar a produção escrita na dinâ-mica discursiva da comunicação faz com queaquela se organize mais como um desenvolvi-mento do que como uma aprendizagem.
3. A prática da escrita em oficina na sala de aula
Enunciam-se, em seguida, sete princípiosque devem ser considerados no ensino e naaprendizagem da escrita segundo Atwell, N.(1987, p. 18):
1. «Quem escreve precisa de uma regulari-dade temporal para o fazer.»
Ou seja, quem escreve precisa de tempopara pensar, escrever, reler, mudar de opinião,voltar a escrever. Quem escreve precisa detempo porque mesmo quando não se está aescrever, está a antecipar-se o momento emque se estará. Os escritores precisam de tempopara o exercício continuado de escrever.
2. «Quem escreve precisa de construir e or-ganizar os seus tópicos.»
Desde o primeiro dia do jardim de infância,as crianças devem usar a escrita como ummeio de pensar e de dar forma às suas ideias einteresses.
3. «Quem escreve precisa de réplica (res-ponse).»
Uma réplica de ajuda deve acontecer du-rante e não depois do momento da escrita. Podevir dos companheiros de escrita e do profes-sor, que de modo consistente modela as ajudase questões que ajudam quem escreve a reflec-tir sobre o conteúdo da sua escrita.
4. «Quem escreve deve aprender os meca-nismos da escrita no momento em que precisadeles.»
Ao professor cabe fazer notar os erros nomomento em que ocorrem e passar as regras eas maneiras de dizer mais adequadas numa
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perspectiva de gramática textual e em colabo-ração com os outros companheiros de escrita enão em lições expositivas a que se seguem aprática de exercícios gramaticais morfológicose sintácticos descontextualizados e, por issomesmo, dificilmente transponíveis para o mo-mento da produção.
5. «As crianças precisam de conhecer adul-tos que escrevem.»
É necessário que os adultos escrevam, par-tilhem a escrita com os seus alunos e demons-trem o que escritores com experiência fazemno processo de composição, deixando ascrianças e os adolescentes ver os esboços deoutros que escrevem com todas as suas falhase todas as tentativas para melhorar.
6. «Quem escreve precisa de ler.»É importante o acesso, o contacto com uma
grande variedade de textos. Em prosa e emverso, ficção e não ficção.
7. «Os professores de escrita precisam de seresponsabilizar pelos seus conhecimentos epelo seu ensino.»
Devem procurar recursos profissionais(materiais, dispositivos pedagógicos) que re-flictam as mais actualizadas conclusões da in-vestigação acerca da escrita pelas crianças. Edevem tornar-se escritores e investigadoresobservando e aprendendo a partir do seu pró-prio comportamento e do dos seus alunos en-quanto escritores.
Relembre-se que a ordem da escrita não éigual à ordem do mundo e que a adequaçãoentre ambas necessita de longa e nunca termi-nada aprendizagem.
O percurso não é, porém, ao contrário doque muitos quiseram e continuam a quereracreditar, o da prática da leitura para a práticada escrita.
O percurso de aprendizagem da escrita con-siste na permanente e obsessiva experimenta-ção da escrita que muitos escritores referem.
Lobo Antunes (2000) confessa em entre-vista, a propósito de mais um romance seu emformação : «Estou na fase de corrigir. O rascu-nho está pronto. Agora falta tudo.»
O processo de trabalho em oficina requer aexperimentação cooperada entre alunos e pro-fessor, de um percurso que vai desde a fala da-quilo que se quer escrever à produção escrita(que pode ser a pares ou em pequeno grupo), atéà leitura/comunicação dos textos produzidos.
Trata-se da instituição de circuitos comuni-cativos que dão sentido e determinam a acti-vidade de escrita.
E é no acto de comunicação da produçãoescrita que a análise e a avaliação do que se es-creveu, acontecem.
Neste trânsito comunicativo aprofunda-sea compreensão de como se escreve e o conhe-cimento acerca do que se escreve (donde serlegítimo invocar a função metalinguística pro-vocada pelo processo de produção escrita).
Os alunos produzem textos a propósito ouprovocados por momentos e situações de falae de registos informais, ou a partir de outrosdesencadeadores (imagens, jogos, ficheiros).Os textos produzidos circulam no grandegrupo, porque toda a escrita precisa de au-diência, tem função e sentido social e acontecepara ser lida, apreciada.
Clanché (1988), que analisou milhares detextos livres de crianças e de adolescentes,afirma:
«A instituição escolar pensa que é necessá-rio conhecer-se as regras da escrita antes de seescrever. Mas para o jovem, o que conta ésaber para quem e porque se escreve. O como,é secundário.» (p. 200)
Refiram-se, finalmente, alguns aspectos dafunção libertadora da escrita.
Lucy Calkins no seu livro The Art of Tea-ching Writing (1989) afirma:
«Escrever permite-nos mudar o caos em al-guma coisa de belo, permite-nos desenhar mo-mentos seleccionados nas nossas vidas, domi-nar e celebrar momentos organizados danossa existência.» (p. 3)
Cita escritores como Ana Morrow Lindberg: «Devo escrever, devo escrever a todo o custo.
Porque escrever é mais do que viver.» (p. 3)Como Jonh Cheever: «Quando comecei a es-
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crever, percebi que a escrita era o melhor cami-nho para encontrar sentido para a vida». (p. 3)
Calkins conheceu, no seu percurso comoprofessora, muitos colegas que lhe afirmaramter passado anos das suas vidas a motivar osalunos para escrever sem verdadeiramente oterem conseguido.
Mas, segundo ela, motivar para escrever émuito diferente de ajudar jovens a envolver-seprofundamente numa escrita pessoal. E cadaum de nós só se sente tocado pela escritaquando esta se transforma num projecto pes-soal e interpessoal.
Conclusão
Em «A formação social da mente» (1998)Vygotsky defende que o ensino tem de ser or-ganizado de forma a que a leitura e a escrita setornem necessárias às crianças; a escrita deveter significado despertando em quem a praticauma necessidade intrínseca e deve ser incor-porada numa tarefa necessária e relevante paraa vida.
Afirma ainda que a escrita deve ser ensi-nada naturalmente, como um momento natu-ral e não como um treino imposto de fora paradentro.
Donde a importância do trabalho oficinalda escrita na escola.
Nele, as crianças e os adolescentes podemreconhecer-se como autores porque escolhemos motivos para escrever, os públicos/audiên-cia dos seus textos, as formas e modalidadesde escrita de acordo com as situações de co-municação que instituíram: escrever no âm-bito de projectos, corresponder-se com al-guém, organizar histórias em grupo.
Segundo Niza, S. (1998) a escola não pro-porciona ainda práticas correntes de trabalhoeducativo, radicado em processos discursivosautênticos, que promovam a linguagem escritanuma perspectiva de construção cooperada dasua aprendizagem.
Mas não se vê como se pode esperar muitomais tempo.
Déttry, B. (1998) formula no seu artigo«Abandono Escolar precoce e dificuldades na cons-trução da identidade: jovens em risco» uma aspira-ção igualmente inadiável:
«A escola como outros organismos (...) po-deriam dar apoio ao enriquecimento do euabrindo novas facetas às identidades em cons-trução dos adolescentes». (p. 93).
Enquanto que para os adolescentes, escre-ver constitui uma forma de avaliação domundo, (Clanché, P. 1988) muitos alunos vi-vem ainda hoje, na aula de Português, o duploconstrangimento provocado pelo professorque obriga a ler, explica gramática, mas pede eavalia redacção.
Ora, a prática da produção escrita, tal comoa caracterizámos em permanente experimen-tação, pode funcionar, simultaneamente,como registo e apreciação da experiência quo-tidiana e como instrumento de conhecimentoe de transformação do homem.
Necessário seria, pois, que a prática da es-crita se estendesse a todas as aulas de Língua.
Para que isso aconteça, é urgente que aconsciência desta necessidade radique nosprofessores que continuam a ser, como toda agente que escreve e também como os seus alu-nos, aprendizes de escrita.
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