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Copyright© 2010 por Centro Brasileiro de Atividade Física Fit Perf J | Rio de Janeiro | 9 | 1 | 78-92 | jan/mar 2010 ISSN 1519-9088 Fit Perf J. 2010 jan-mar; 9(1):78-92. 78 O CONHECIMENTO TÁTICO-ESTRATÉGICO DOS LEVANTADORES INTEGRANTES DAS SELEÇÕES BRASILEIRAS DE VOLEIBOL Marco Antônio Queiroga 1 [email protected] Cristino Julio Alves da Silva Matias 2 [email protected] Isabel Mesquita 1 [email protected] Pablo Juan Greco 2 [email protected] doi:10.3900/fpj.9.1.78.p Queiroga MA, Matias CJAS, Mesquita I, Greco PJ. O conhecimento tático – estratégico dos levantadores integrantes das seleções brasileiras de voleibol. Fit Perf J. 2010 jan-mar;9(1):78-92. RESUMO Introdução: O objetivo desse estudo foi identificar a representação do conhecimento tático-estratégico do levantador perito. Mate- riais e Métodos: A amostra foi composta pelos levantadores titulares das Seleções Brasileiras de voleibol, do infanto, juvenil e adulto, das equipes masculinas e femininas, participantes dos Campeonatos Mundiais (CM). Assim, a amostra teve um n=6. A coleta de dados fundamentou-se na metodologia qualitativa: via entrevista semi-estrutura com foco no teor do conhecimento tático-estratégico e na con- cepção do levantador sobre as variáveis criticas para a tomada de decisão no jogo de voleibol. Resultados e Discussão: Além disto, o levantador elaborou idéias decorrentes das próprias decisões em suas ações, no respectivo CM, ao se defrontar com os seus jogos via vídeo. Os levantadores relacionaram a excelência em suas ações com as categorias: líder da equipe, gestor da equipe, estrategista, contra-comunicador, visão de jogo, treino e elevada capacidade tática. Entre os indicadores de jogo foram ressaltados o melhor atacante e o momento do jogo, jogar em relação ao bloqueio adversário e mudar para prevenir a adaptação do adversário. PALAVRAS-CHAVE Conhecimento tático-estratégico; Levantador; Voleibol. 1 Universidade do Porto, Faculdade de Ciências do Desporto e de Educação Física, Departamento de Voleibol 2 Universidade Federal de Minas Gerais, Escola de Educação Física, Fisioterapia e Terapia Ocupacional, Centro de Estudos de Cognição e Ação

O táticO estratégicO dOs das seleções de vOleibOl · O objetivo do presente estudo foi investigar as ca-racterísticas do conhecimento tático-estratégico dos levantadores, do

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Copyright© 2010 por Centro Brasileiro de Atividade FísicaFit Perf J | Rio de Janeiro | 9 | 1 | 78-92 | jan/mar 2010

ISSN 1519-9088

Fit Perf J. 2010 jan-mar; 9(1):78-92.78

O cOnhecimentO táticO-estratégicO dOs levantadOres integrantes das seleções brasileiras de vOleibOl

Marco Antônio Queiroga1 [email protected]

Cristino Julio Alves da Silva Matias2 [email protected]

Isabel Mesquita1 [email protected]

Pablo Juan Greco2 [email protected]

doi:10.3900/fpj.9.1.78.p

Queiroga MA, Matias CJAS, Mesquita I, Greco PJ. O conhecimento tático – estratégico dos levantadores integrantes das seleções brasileiras de voleibol. Fit Perf J. 2010 jan-mar;9(1):78-92.

RESUMO Introdução: O objetivo desse estudo foi identificar a representação do conhecimento tático-estratégico do levantador perito. Mate-riais e Métodos: A amostra foi composta pelos levantadores titulares das Seleções Brasileiras de voleibol, do infanto, juvenil e adulto, das equipes masculinas e femininas, participantes dos Campeonatos Mundiais (CM). Assim, a amostra teve um n=6. A coleta de dados fundamentou-se na metodologia qualitativa: via entrevista semi-estrutura com foco no teor do conhecimento tático-estratégico e na con-cepção do levantador sobre as variáveis criticas para a tomada de decisão no jogo de voleibol. Resultados e Discussão: Além disto, o levantador elaborou idéias decorrentes das próprias decisões em suas ações, no respectivo CM, ao se defrontar com os seus jogos via vídeo. Os levantadores relacionaram a excelência em suas ações com as categorias: líder da equipe, gestor da equipe, estrategista, contra-comunicador, visão de jogo, treino e elevada capacidade tática. Entre os indicadores de jogo foram ressaltados o melhor atacante e o momento do jogo, jogar em relação ao bloqueio adversário e mudar para prevenir a adaptação do adversário.

PAlAvRAS-ChAvEConhecimento tático-estratégico; Levantador; Voleibol.

1 Universidade do Porto, Faculdade de Ciências do Desporto e de Educação Física, Departamento de voleibol2 Universidade Federal de Minas Gerais, Escola de Educação Física, Fisioterapia e Terapia Ocupacional, Centro de Estudos de Cognição e

Ação

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KnOwledge tactical-strategic Of setters members Of brazilian vOlleyball teams

ABSTRACTIntroduction: The aim of this study was to identify the representation of knowledge of tactical-strategic expert setter. Materials and Methods: The sample was composed of the main setter of the Brazilian National Team for volleyball, junior, youth and adult teams of male and female par-ticipants in the World Championships (CM). Thus, the sample had an n = 6. Collection of data was based on qualitative methodology: using the semi-structure with a focus on tactical and strategic knowledge and the design of the raiser on the variables critical to the decision-making in the game of volleyball. Results and Discussion: Moreover, the setters developed ideas arising from the decisions themselves in their actions, in their CM, when faced with their games through video. The setters related to excellence in their actions with the categories: team leader, team manager, strategist, communicator counter, vision, training and high tactical capacity. Indicators of the game: the best attacker and the time of the game, play against the opponent’s block and move to prevent the adaptation of the adversary.

KEywORDKnowledge tactical-strategic; Setter; Volleyball.

cOnOcimientO táticO-estrategicO del levantadOr de las seleciciOnes brasileras de vOleibOl

RESUMENIntroducción: El objetivo de este estudio consiste em identificar la representación del conocimiento táctico-estrategico del levantador expert. Materiales y Métodos: La muestra se compone de los levantadores titulares de las Selecciones Brasileras de voleibol, de las categorias infantil, juvenil y adulto, de los equipos masculinos y femeninos, participantes de los Campeonatos Mundiais (CM), lo que representa un n=6. La colecta de datos se fundamenta en procedimientos cualitativos, se usando la entrevista semi-estrutura com foco en los contenidos del conocimiento táctico-estrategico y em la concepción del levantador sobre las variáveis criticas para proceder a tomar decisión en el juego. Ademas, el levantador elaboró ideas decurrentes de sus decisiones, em el respectivo CM, al ser confrontado con sus juegos via vídeo. Resultados y Discusión: Los levantadores relacionaran la excelencia en sus acciones con las categorias: líder del equipo, gestor del equipe, estrategista, contra-comunicador, visión de juego, entrenamiento y elevada capacidad táctica. Entre los indicadores de juego fueron resaltados el mejor atacante y el momento del juego, jugar en relación con el bloqueo adversario y cambiar para prevenir la adaptación del adversario. Se concluye que los levantadores relacionan la excelencia de su función en quatro dimensiones: características personales, virtuosismo del jugador, fuentes de conocimiento bien como indicadores del juego para tomar la decisión táctica.

PAlABRAS-ClAvEConocimiento táctico-estrategico; Levantador; Voleibol.

INTRODUÇÃOA cognição, no desporto, está relacionada com

todas as atividades que implicam qualidade da toma-da de decisão1. Nomeadamente, os Jogos Desporti-vos Coletivos (JDC) são caracterizados por atividades férteis em acontecimentos cuja frequência, ordem cronológica e complexidade não podem ser previs-tas antecipadamente2. Por sua vez, a performance do jogador nos JDC constitui um complexo produto de processos cognitivos, particularmente a memória e o conhecimento, em relação à situação corrente e à combinação da experiência nesse contexto, para pro-duzir as habilidades motoras requeridas3, 4, 5.

No Voleibol, um desporto eminentemente tático-estratégico, a questão do conhecimento do jogador deve ser aflorada, quando se pretende estudar as

diferentes variáveis que condicionam o rendimento do jogador e das equipes6,7. Diferentes estudos têm procurado relacionar a natureza do conhecimento dos praticantes com a sua proficiência desportiva3, 4,

8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17.Segundo Housner e French18, o conhecimento

tático no desporto está baseado nos conhecimen-tos declarativo e processual e, consequentemente, o aprendizado tático solicita os processos cognitivos dos jogadores.

Os jogadores peritos têm um conhecimento mais estruturado e organizado que os principiantes da mo-dalidade que praticam (conhecimento declarativo: re-fere-se ao “o que fazer”, conhecimento verbalizado). Além disto, são capazes de solucionar por meio dos processos cognitivos, de forma automatizada, as situ-

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ações dos JEC através da efetuação motora de uma ação inerente à modalidade esportiva (conhecimento tático processual: “quando fazer”)19, 20.

O conhecimento pode ser investigado também no domínio do conhecimento estratégico21. Segun-do Alexander e Judy22, o conhecimento estratégico é uma forma especial do conhecimento processual. É um conhecimento específico que transmite a compre-ensão do quando e onde aceder determinados fatos ou aplicar procedimentos particulares, o que significa que está dependente, em grande escala, dos cons-trangimentos situacionais que o jogador defronta.

A ligação entre os conhecimentos declarativo e processual e o conhecimento estratégico foi evi-denciada por Thomas, French e Humphries23. Os autores compararam jovens jogadores peritos com principiantes de idade superior, quanto à resolução de problemas numa determinada área do conheci-mento, tendo-se revelado os primeiros mais rápidos e precisos que os segundos.

De acordo com Thomas e Thomas3, inicialmente é necessário desenvolver o conhecimento declarativo para constituir um sustentáculo do desenvolvimento do conhecimento processual e, então, este permitir o acesso ao conhecimento estratégico.

Para Gréhaigne, Godbout e Bouthier24 os conheci-mentos táticos-estratégicos são adquiridos através das experiências decorrentes da prática e influenciarão as decisões do jogador. McPherson e Kernodle25 consi-deram que o conhecimento das situações de jogo e o uso deste durante a competição são predicados funda-mentais para a performance dos jogadores.

O desempenho nos JDC depende dos processos cognitivos, para que o jogador decida corretamente por meio do seu conhecimento e percepção do jogo4. No voleibol, o levantador, em relação a todos os outros jo-gadores de uma equipe, é o que tem de processar uma maior quantidade e variedade de informação, o que tem de tomar as mais críticas decisões ofensivas11, 12.

Neste contexto, o levantador exerce uma função fundamental, pois ele é o responsável pelas ações ofensivas de sua equipe, quer no side-out (fase de ataque), quer no side-out transition (fase de contra-ataque)26. As decisões poderão ser mais organizadas e planificadas na fase de side-out, devido ao fato de o levantador ter mais tempo para elaborá-las e elas ocorrerem num contexto com menos interferência27. Já no side-out transition as decisões possuem uma maior natureza intuitiva, conferindo um superior sen-tido ecológico às ações27.

O objetivo do presente estudo foi investigar as ca-racterísticas do conhecimento tático-estratégico dos levantadores, do voleibol brasileiro de alto nível, com referência em suas decisões de distribuição de jogo.

MATERIAIS E MÉTODOSA amostra foi composta pelos levantadores ti-

tulares das Seleções Brasileiras que disputaram os Campeonatos Mundiais de Voleibol Infanto, Juve-nil e Adulto, masculino e feminino. Deste modo, a amostra teve seis levantadores, três do sexo mas-culino e três do feminino, sendo um de cada esca-lão: infanto, juvenil e adulto. Estes levantadores são considerados peritos em seus respectivos escalões de competição.

Na tabela 1 há uma caracterização da amostra quanto à idade, o escalão que disputou o Campeo-nato Mundial (CM), ao número de anos de prática de voleibol, ao número de anos como levantador e à co-locação no ranking Mundial do respectivo campeo-nato, segundo estatística da Federação Internacional de Voleibol (FIVB) no que tange às ações específicas de distribuição de jogo.

Tabela 1 – Caracterização da amostra (*os nomes dos su-jeitos são fictícios no sentido de ser preservado o anonimato da amostra)

Sujeitos* Idade EscalãoAnos de Prática

Anos como Levantador

Ranking FIVB

Adriane 17 Infanto 06 04 3º

Eduardo 19 Infanto 11 05 6º

Denise 19 Juvenil 06 05 5º

Vinícius 21 Juvenil 07 06 4º

Márcia 27 Adulto 14 12 1º

Marco 36 Adulto 21 19 1º

Utilizou-se a abordagem de pesquisa qualitativa, por meio da entrevista semiestruturada, de acordo com Thomas e Nelson28. A entrevista semiestruturada teve como referência o estudo de Mesquita e Gra-ça11, 12, dele emergiram as perguntas norteadoras para os levantadores em relação ao conhecimento tático-estratégico (quadro 1). Em seguida ocorreu a apresentação em vídeo de doze situações envolven-do as ações do levantador, na distribuição de jogo, no respectivo CM que disputou. As entrevistas com base em Mesquita e Graça11, 12 tiveram uma dura-ção mínima de 60 minutos e máxima de 90 minutos. As explicações dadas por cada levantador sobre as próprias ações de distribuição no CM, apresentadas em vídeo, tiveram duração mínima de 30 minutos e máxima de 60 minutos.

As entrevistas realizaram-se em uma sala prepa-rada pelo pesquisador-entrevistador, onde a tran-qüilidade prevaleceu, sendo possível um melhor aprofundamento das questões. As entrevistas foram feitas individualmente e registradas pelo gravador Sanyo M-1110c.

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Quadro 1 – Entrevista semiestrutura adaptada de Mesquita e Graça11, 12

ENTREvISTA SEMIESTRUTURA

Abordagem sobre a Identificação e Experiência como Jogador- Nome: - Idade:- Anos de prática do voleibol: - Anos como levantador:- Histórico da carreira nos clubes:- Histórico da carreira nas Seleções Estaduais:- Histórico da carreira nas Seleções Brasileiras:

Abordagem sobre as Decisões da Distribuição de Jogo do levantador de voleibol1- Quais são para si os requisitos essenciais para ser um levantador de alto nível?2- Qual é para si a característica mais importante do levantador, ou seja, o que distingue o levantador excepcional de um bom

levantador?3- Qual é o papel do levantador no voleibol?4- Ser levantador implica ser líder da equipe?5- Organiza plano de ação antes do jogo? Isto é, pensa e elabora estratégias para o jogo?6- As opções de levantamento no jogo são sempre em referência aos mesmos aspectos (zona onde está o nosso melhor atacante, o pior

bloqueio, a recepção, etc…), ou tem em conta outros aspectos?7- O resultado do jogo tem influência nas decisões que toma (estar a ganhar, perder ou com o placar equilibrado)?8- O momento do set condiciona as suas opções (início, meio ou fim)?9- O fato de “determinados” jogadores (melhores, piores, mais seguros, menos seguros) estarem em determinada zona condiciona as

suas opções?10- Preocupa-se com que os bloqueadores estão a pensar no que você vai fazer? 11- O tipo de passe que efetua é em função da zona que quer que o atacante bata? Faz isso com todos os atacantes?12- Quando o atacante não foi eficiente o que você faz? Repete o levantamento, levanta para outro, etc…?13- Quais são as características que um jogador deve ter para ser o seu atacante de confiança?14- No momento em que um atacante é bloqueado o que você pensa? 15- E quando você deixa um atacante em condição favorável (em situação de oposição com um bloqueio ou sem nenhum bloqueio) e ele

erra o ataque? Qual é a sua reação perante ele, perante você e perante a situação?

Antes do início das entrevistas foi explicado a cada le-vantador o objetivo do estudo. Nenhum levantador desistiu ou solicitou a interrupção das entrevistas, mesmo compre-endendo que podiam fazê-lo sem constrangimento.

As entrevistas foram transcritas para o software Microsoft Office Word. Em seguida procedeu-se à

codificação dos dados recolhidos, ao exame do material codificado e ao cruzamento da informa-ção presente nas diferentes categorias. Foi adotada como base de categorização a grelha de Mesquita e Graça11,12 (quadro 2).

Quadro 2 – Grelha acerca do Conhecimento Tático-Estratégico do Levantador

Categorias Acerca do Conhecimento Tático-Estratégico do Levantador

1. Características Pessoais 2. Virtuosismo do Jogador

• Liderança • Estrategista

• Psicólogo da Equipe • Gestor de Riscos

• Racionalidade • Contra-Comunicador

• Confiança

3. Indicadores de Jogo para Tomada de Decisão TáticaCaracterísticas das Equipes• Características Técnicas e Táticas dos Nossos Atacantes• Características Psicológicas dos Nossos Atacantes• Qualidade do Primeiro Toque• Bloqueio AdversárioFluxo de Jogo• Mudar para Prevenir a Adaptação do Adversário• Jogar em Relação ao Bloqueio Adversário• Adaptar a Técnica de Passe e a Direção do Movimento

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RESUlTADOS E DISCUSSÃO

Características pessoaisO presente estudo confirmou, em relação a Mes-

quita e Graça11, 12, na dimensão Características Pes-soais as categorias Liderança, Psicólogo da Equipe, Racionalidade e Confiança, além disto surgiram Ges-tor da Equipe, Cobrança e Intuição.

LiderançaOs levantadores referiram a liderança como uma

qualidade importante para um jogador exercer a fun-ção de levantador em uma equipe de voleibol.

O levantador do escalão juvenil considera a lideran-ça como uma característica para um jogador atuar nesta posição. Ele é o capitão de sua equipe e não considera que há relação linear entre ser líder e ser capitão.

“É ser líder da equipe, não precisa ser capitão, vai ser líder de postura, eu acho que com atitudes isso é muito importante, porque você é um pilar, sabe, os jogadores estão girando em torno da sua pessoa, Eu acho que você tem que ser líder, tem que ser forte, tem que ter personalidade também muito grande”. (Vinicius)

As qualidades de caráter e de personalidade atri-buídas pelos levantadores estão de acordo com o conceito de liderança de Leitão29, que define o líder como o indivíduo que possui o maior número de tra-ços desejáveis de personalidade e de caráter.

Gestor da EquipePlanejar, organizar, liderar, coordenar, comandar

e controlar são as funções de um gestor durante o processo de gestão30. Os levantadores exercem estas funções com o intuito de organizar as melhores con-dições ofensivas.

“Ter o controle do jogo, que para mim é muito difícil isso, ter o controle da situação, ter o controle de quem está bem, quem está mal, buscar quem está mal, trazer de volta”. (Márcia)

Cabe ao levantador a responsabilidade pela co-ordenação das ações ofensivas de sua equipe, quer no side-out, quer no side-out transition27. Contudo, espera-se que um gestor tenha uma grande capaci-dade de liderança30.

“… se você for uma jogadora sem liderança, sem capa-cidade nenhuma, como é que você vai coordenar o jogo da forma que você está dizendo”. (Adriane)

Psicólogo da EquipeSegundo Queiroga31, as habilidades psicológicas

devem focar-se nos fatores comportamentais que in-

fluenciam a performance no desporto. Os levantado-res assumem que devem conhecer o comportamento dos seus atacantes para melhor entender o momento pelo qual sua equipe e seus jogadores estão passan-do, exercendo, assim, o papel de líder que visa promo-ver a coesão do grupo, para motivar a equipe, para estabelecer metas, para manter uma atitude positiva e para elevar o moral daqueles que não estão bem.

“Tem que conhecer cada atleta, o treinador, como cada pessoa reage. Como você fala com aquela que é mais estourada, com aquela que é mais calma, você não pode estourar com uma que já é estourada e que pode revidar de outro jeito com você”. (Denise)

RacionalidadePara Janelle e Hillman33 a regulação emocional

envolve alguma monitorização e controle sobre as suas próprias emoções. De fato, é necessário que o levantador tenha o controle das suas emoções du-rante o jogo, principalmente nos momentos decisivos de uma partida, pois a falta deste controle poderá interferir na sua decisão6.

De acordo com o levantador do escalão juvenil, a racionalidade não deve ser relacionada somente quando existem falhas ou dificuldades por parte de seus atacantes, ele considera que o seu autocontro-le deve funcionar principalmente nos momentos em que ele próprio falha. O próprio jogador tem cons-ciência que precisa desenvolver o seu autocontrole, pois é o responsável direto por toda a organização ofensiva.

“… se você (o levantador) errar uma bola, na próxima você tem que acertar, pois ela virá para você de novo… ter a tranquilidade de errar e passar por cima do erro… o diferencial é isso, ter sensibilidade para execução e a tranquilidade de passar por cima do erro, tenho que ser o mais racional possível. Cada vez mais estou traba-lhando isto comigo, para ter calma, tranquilidade, ser racional”. (Vinícius)

ConfiançaPara o levantador do escalão adulto a confiança é

construída ao longo dos treinos, dos jogos, dos mo-mentos decisivos e na rotina da equipe.

“São treinos, jogos, o dia-a-dia, com certeza, a confian-ça nos momentos de decisão. Não é num jogo, é num período, é num tempo, não é só naquele momento”. (Marco)

Queiroga6 considera que os jogadores confiantes não têm medo de arriscar. O levantador do escalão

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adulto relata a confiança que possui ao arriscar dar velocidade nos levantamentos direcionados ao joga-dor central.

“… eu arrisco muitas jogadas com o Henrique (central) no meio, porque eu confio, eu sei fazer, ele também. Eu acho que este sincronismo entre eu e o Henrique é muito grande e é um jogo de risco, porém eu estou con-fiante para fazer naquele momento”. (Marco)

De acordo com as levantadoras, por muitas vezes, o levantamento é feito em função da sua atacante de confiança, independente do cenário que se encontra, até mesmo com bloqueio triplo.

“… se a jogadora está bem, vou jogando para ela, a segurança é para ela”. (Adriane)“Em quem eu sinto mais segurança no jogo, vou aciona-do mais, mesmo tendo bloqueio alto, triplo, vou levan-tando para ela”. (Denise)

IntuiçãoSegundo Mesquita27 e Araújo e Volossovitch34, a

tomada de decisão não pode ser explicada unica-mente pela Teoria do Processamento da Informação, pois nem sempre é possível no jogo pensar antes de agir, o que sugere que às vezes a ação é mais intuitiva que refletida. A experiência liberta o jogador para ser mais intuitivo em função da ecologia da situação.

“Chego a mudar uma jogada. É o sentimento, é a intui-ção, eu percebo o bloqueio e no último momento eu falo, não vou jogar ali. É o feeling, o sentimento, a intuição, é tudo isso naquele momento. São frações de segundo que determinam a jogada, de repente está planejando uma jogada e acontece completamente diferente. Muitas vezes eu levanto pela intuição e dá certo, acho que senti o jogo, o atacante, o bloqueio… é intuição”. (Marco)

CobrançaO ato de cobrar é entendido pelos levantadores

como algo natural, que nasce no seio do próprio gru-po, para se alcançar uma vitória numa competição. Toda a equipe deve saber de seus direitos, deveres e responsabilidades, cabendo a todos trabalhar muito para que cada um cumpra bem, dentro de suas pos-sibilidades, o seu papel no jogo6.

“… uma final de mundial e deixo sem bloqueio e o ata-cante ataca para fora, eu fico muito p… da vida (ner-voso). Vou para cima, eu cumpri bem o meu papel e ele não fez o dele, todo mundo erra, mas na hora ali é complicado”. (Marco)

Os levantadores concordam que uma de suas fun-ções é deixar o atacante na melhor condição possível para execução do ataque (ex: bloqueio individual ou sem bloqueio). Nestas situações os levantadores con-sideram que é obrigação do atacante fazer o ponto. Mesmo nas situações em que o atacante encontra dois bloqueadores, os levantadores não aceitam o erro do atacante. Apreciam que, se aos levantado-res de alto nível é exigida uma elevadíssima qualida-de técnica-tática, então os atacantes devem possuir qualidades excepcionais nos momentos em que os levantadores não oportunizam situações favoráveis à ação do atacante.

“Eu sou muito autocrítica de virar e falar assim, não, eu devia ter feito outra coisa, mas espera aí, você tem que virar também. A atacante tem a sua parcela de respon-sabilidade também”. (Márcia)

Para os levantadores a cobrança está inserida na responsabilidade de cada um dentro da equipe, po-rém é necessário saber como cobrar e o momento de cobrar. Neste contexto, os levantadores exercem suas características de líder, de gestor e de psicólogo den-tro da equipe. Por vezes, demonstram que precisam fazer o equilíbrio entre os jogadores e a comissão técnica.

“Essa é uma seleção que tinha muita condição técnica, que cobrava muito legal (sabia chamar atenção um do outro). Então, procurava dar informação aos jogadores e não ficar cobrando muito. Não é só xingar (palavrões, gritos), pois já existia uma pressão da comissão técnica. Se for uma comissão técnica que dá muita observação e dá muita força, e o cara (jogador) fica assim meio corpo mole (tranquilo demais, sem se esforçar), aí eu vou lá e chamo a atenção do cara”. (Vinícius)

virtuosismo do jogadorO presente estudo confirmou, em relação a Mes-

quita e Graça11, 12 na dimensão Virtuosismo do Jo-gador, as categorias Estrategista, Gestor de Riscos e Contracomunicador, além disto, surgiram Plasticidade Técnica, Visão de Jogo e Velocidade.

EstrategistaOs planos estratégicos são flexíveis e adaptáveis em

relação a uma série de fatores decorrentes no jogo11. Portanto, estes podem ser conservados, adaptados ou alterados, dependendo das condições situacionais encontradas. Por exemplo: de acordo com o tipo de saque adversário, prever a qualidade da recepção e

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elaborar sua estratégia; o resultado momentâneo da partida, ganhando ou perdendo; o momento do jogo, início, meio ou fim do set; a fase de jogo, side-out ou side-out transition; a forma de composição do blo-queio encontrado pelos atacantes; as características técnicas, físicas e psicológicas de seus atacantes.

“… eu vou analisando, qual é aquele atacante que de-pois dos vinte pontos não roda mais o jogo e qual é aque-le que depois dos vinte pontos começa a rodar mais bola que o normal… estou vendo passagem por passagem (cada rodízio), acho difícil as equipes mudarem muito o plano tático durante o jogo, então... estou sentindo que eles (o adversário) vão tentar tirar o ponteiro (zona qua-tro) do jogo, sacando curto, eu tento jogar o central lá para aquele lado (aonde o saque está indo). Se ele sacou lá para tirar o zona quatro do jogo, eles querem jogar o bloqueio para cá, então eu, sentindo que ele vai tirar o zona quatro do jogo, eu tento jogar o meu meio (central) para lá, uma chutada no meio ou um tempo esquerda aberto (jogadas do central). No ataque eu olho muito o bloqueio e tento jogar fora do bloqueio, mas no contra-ataque eu vou mais pelos meus atacantes”. (Vinícius)

Os resultados vão ao encontro do estudo de Mes-quita e Graça11, 12, onde o levantador do escalão adulto relata que é muito importante estudar a equipe adversária, porém considera que somente nos jogos mais importantes e quando não conhece bem os seus adversários é que procura estudar todos os pormeno-res possíveis.

“Muitas vezes quando eu vou para um jogo e eu já te-nho na minha cabeça todas as redes… determinado jo-gador está puxando uma bola, se não der certo já sei o que fazer na próxima jogada… não em todos os jogos, mas nos jogos importantes, decisivos…”. (Marco)

Gestor de RiscosA ação de arriscar durante uma partida por vezes

é feita de forma controlada e, por outras vezes, na tentativa de mudar todo o contexto de um jogo ou até mesmo para criar situações novas com o intuito de surpreender o adversário. Portanto, em diversos mo-mentos, os levantadores são encorajados a arriscar pelos seus próprios treinadores. Mesquita e Graça11,

12 consideram que gerir o risco talvez seja a marca distintiva do jogador genial.

“No 5º set... o Wadson (treinador) disse, duvido de você fazer um cruzamento. Eu pensei, cruzamento no final do jogo é perigoso, mas vamos tentar. Fiz o cruzamento, colo-quei para a ponteira, na between, aí ela cravou”. (Denise)

ContracomunicadorOs levantadores demonstraram a necessidade de

conhecer os bloqueadores centrais e as característi-cas técnicas, táticas e psicológicas de seus atacan-tes, relacionando este conhecimento ao momento do jogo e aos cenários concretos, para poder tentar fintar o bloqueio.

“Os jogadores mais difíceis para serem fintados são aqueles jogadores que ficam parados, sem se movimen-tar muito, se ele começa a fazer isso aqui (mover o pé esquerdo para a zona 2), me acompanhar, vindo pró-ximo de mim, aí ele não chega na zona 4. O Gustavo (central) é difícil de ser fintado porque ele fica parado no meio, você vai e ele continua parado, você joga aí depois que ele parte (reage). O levantador olha muito o central”. (Marco)

Os jogadores de alto nível possuem uma elevada capacidade de antecipação dos acontecimentos do jogo e das ações e intenções do adversário11, 12, 27, 34.

Plasticidade TécnicaO controle da técnica do levantamento deve ser

excepcional, de tal forma que permita uma enorme eficácia em todas as intervenções35.

“… posicionamento na bola é muito importante… você tem que estar posicionado embaixo da bola e, com a velocidade de perna, chegar até a bola e aí tomar sua decisão”. (Marco)

Os levantadores também consideram que devem ser possuidores das mais diversas variantes da técnica e devem utilizá-las de diversas formas para auxiliar os atacantes no confronto com o bloqueio.

“… vem normal, mas eu vou encurtar, aí tu puxa explo-rando aqui”. (Denise)

O levantador do escalão juvenil acrescenta que o nível tático de um jogador é influenciado pelos pró-prios atributos técnicos.

“… a tática sem a técnica é difícil... a tática depende da qualidade técnica”. (Vinícius)

Este pensamento do levantador vai ao encontro do que Greco4 considera como importante nas deci-sões do jogador em situações reais de jogo; assim, as decisões dos jogadores dependem de suas capacida-des cognitivas e motoras.

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Visão de JogoO jogador perito focaliza a sua atenção visual em

informações relevantes, captando um maior número de informações do contexto em que está inserido36.

“Dá para perceber o bloqueador americano esperando o levantamento para a zona 4, para o Giba (atacante), ele não ajuda o bloqueador central, então abre aquele espaço para o atacante de meio, é isso dá para perce-ber muito bem”. (Marco)“Para ser um bom levantador tem que ter uma visão de jogo, tem que saber analisar o jogo, saber como está do outro lado e fazer as jogadas em função da fragilidade do outro time”. (Denise)

Os levantadores citaram que procuram fazer o le-vantamento em suspensão e que, por diversas vezes, quando não veem o bloqueio, seja do central ou o da zona 2 ou 4, fazem o ataque ao segundo toque. Não ver o bloqueio pode ser um indicador ao ataque de segundo toque.

“Se eu vejo que ela está muito atrás daí dá para fazer o segundo toque, mas se eu vejo que ela está muito na frente, aí eu deixo passar”. (Denise)

Os resultados apontam que a visão de jogo dos levantadores relaciona-se não somente com ações de preparação do ataque, mas também ajuda na solução dos problemas encontrados pelos seus atacantes.

“Samuel, você foi para a diagonal, mas é melhor atacar na paralela, pois o bloqueador da zona dois é mais bai-xo, a defesa está lá no fundo, dá uma largada no meio da quadra, não precisa entrar só na força, ou seja, dar alternativas para ele, dar informações para ele”. (Viní-cius)

VelocidadePara Baacke37 a velocidade e a variedade das solu-

ções táticas de jogo são fatores determinantes do ele-vado nível de rendimento das equipes de voleibol.

“Eu acredito que a velocidade, posicionamento na bola, é muito importante e uma mão muito rápida, porque em uma recepção que sai na linha dos 3 metros você (levantador) tem que estar posicionado debaixo da bola e com a velocidade de perna para chegar até a bola e dali tomar sua decisão e com a velocidade da mão ten-tar fintar... todas as bolas passam pela sua mão e você tem que estar decidindo em frações de segundo todas as suas jogadas… com o placar o tempo inteiro, então eu acho que essa percepção tem que ser muito veloz…

Eu gosto de jogar com atacante de velocidade… porque eu tenho a mão rápida… é uma característica minha jogar rápido”. (Marco)

Fontes de conhecimentoUma nova dimensão emergiu no presente estudo,

em relação a Mesquita e Graça11, 12, denominada Fontes de Conhecimento, contendo as categorias Treino, Observação de Jogo, Observação de Levan-tadores mais Experientes, Diálogo com o Treinador e Experiência Refletida.

TreinoPara Dias35 o levantador deve obter uma elevada

eficácia em suas intervenções, aprimorando o levan-tamento pela repetição sistemática. O levantador do escalão juvenil busca melhorar ou manter a qualida-de no seu levantamento, através do seu treino especí-fico, após o treino coletivo da equipe.

“… sempre que acaba o treino, eu faço dez bolinhas de inversão, tanto para frente quanto para trás... também levanto duas bolas do mesmo lugar (local), sempre de frente para a zona quatro (posicionado), aí eu levanto para a zona quatro e zona dois, para ter as duas situa-ções, a mais curta e a mais longa”. (Vinícius)

Ao perceber que um atacante não consegue exe-cutar determinada jogada que é importante para a distribuição de jogo, o próprio levantador sugere ao atacante um treino extra para solução deste proble-ma. O levantador também considera que um bom treino aumenta a confiança da equipe, deixando-a bem preparada para o jogo.

“… vamos acertar dentro do treinamento, vamos acertar a minha bola específica… você faz uma proposta para o atacante, treina e na hora do jogo acontece… gosto de treinar, para ter confiança em determinadas situações é preciso treinar não uma ou duas vezes, mas dez vezes. Não basta adquirir confiança somente no jogo, mas sim uma confiança de treino para o jogo, aí você vai crescen-do ao longo dos treinamentos e dos jogos”. (Vinícius)

O treino referenciado por estes levantadores está re-lacionado aos domínios físicos, técnicos, táticos e psico-lógicos que caracterizaram um jogador como perito33.

Observação de JogoO jogador pode utilizar a observação de jogos

como uma das formas de adquirir, analisar, ou estru-turar o próprio conhecimento tático38.

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“… gosto muito de ver vídeo, ver o que eu estou erran-do, deslocamento, essas coisas, e ficar me perguntando por que será que fiz isso? Por que eu não poderia ter fei-to de outra forma? Aí eu paro e vejo. Eu coloquei a bola na zona quatro por quê? Será que o melhor atacante estava lá? Como estava o bloqueio?”. (Vinícius)

A ausência de observação, por parte do adversá-rio, pode ser um fator facilitador para a distribuição de jogo. A levantadora do escalão adulto salienta que disputou outro campeonato internacional, no qual certas equipes começaram a antecipar suas ações e, a partir do momento em que ela percebeu esta situação, ela mudou completamente o seu jogo e conseguiu reverter a situação.

“Nesse Mundial ninguém me conhecia, ninguém sabia o meu jogo, ninguém sabia nada, nem as atacantes, ninguém conhecia nenhuma atacante ali. Eu acho que isso facilitou muito para mim, porque ninguém me co-nhecia. Tanto é que esse ano eu tive que mudar muita coisa, porque as pessoas já tinham me estudado, en-tão já sabiam que eu gostava de inverter muita bola”. (Márcia)

As equipes empregam a observação de vídeo como uma forma de preparação da estratégia e da tática a ser usada durante o jogo6. É nessas sessões de vídeo que a comissão técnica e os jogadores dis-cutem as características pessoais e coletivas do ad-versário e também a forma como deverão atuar nesta partida6, 38.

“A gente sempre assiste o vídeo do outro time jogando, analisando todas as posições e assim que eu entro na quadra eu começo a ver as jogadoras que eu vi no vídeo, começo a lembrar e começo a ver, esse aí marca muito o meio, então vamos abrir mais o meio. Começo a analisar isso no aquecimento, no jogo vou olhando pro outro lado e vou vendo isto. Eu chego até a anotar quando chego ao quarto, para gravar direitinho”. (Denise)

Observação de Levantadores mais ExperientesNessa categoria os levantadores enfatizaram que

procuram aprender através da comunicação ou da observação de levantadores mais experientes.

“… adoro assistir jogo do masculino, acho que eu apren-do muito mais com os homens do que com o feminino, tirando a Fernanda Venturini, ela é “horconcur” (a me-lhor), a gente sempre vai aprender com ela”. (Márcia) “Sempre gostei muito de perguntar, sempre perguntei muito para todo mundo, para levantador, para os joga-

dores do adulto… gosto de saber coisas do jogo…”. (Vinícius)

Allard et al.39, relativamente à aquisição de novos conhecimentos no desporto, consideram que existe uma relação entre o conhecer e o fazer, ou seja, o “conhecer” facilita o “fazer” e vice-versa. De acordo com Greco4, são esses conhecimentos que orientam as respectivas decisões, oportunizando comporta-mentos antecipativos, construindo a organização da percepção, a compreensão das informações e a res-posta motora.

Diálogo com o TreinadorO treinador de uma equipe pode exercer um papel

fundamental na preparação ou no auxílio das deci-sões do levantador, antes ou durante uma partida38.

“… era o décimo-quarto ponto do tie-break, todo mun-do chorando. A Alessandra (a líbero) estava chorando, eu olhei para ela e disse pelo amor de Deus pare de chorar, aí eu olhei para a Joyce (oposta) e a Joyce me falou, não sei o que eu falo com este povo, daí foi um ponto, dois pontos para a China. Aí eu falei, gente para de chorar, pelo amor de Deus, é o décimo-quarto ponto faz um ponto ou passa a bola para lá, ataca e já era (se-remos campeãs), aí a Joyce me falou vai, vem para mim (mande a bola para eu atacar) e eu naquele momento do jogo estava na dúvida, então o Wadson (treinador) disse: para a Joyce! Eu coloquei! Eu estava pensando em jogar no segundo toque”. (Denise)

A levantadora do escalão adulto considera impor-tante uma boa relação do levantador com o treinador, pois desta forma facilita a comunicação de ambos para as questões relacionadas com a equipe, princi-palmente nos momentos de maior pressão temporal. A levantadora também considera que o levantador é a parte tática do treinador.

“… acho que aí que entra uma relação boa do levan-tador com o treinador. O treinador fala para você vai fazer uma jogada chutada com dismico (tipo de jogada) e você fala que a bloqueadora está fechando aqui, não vai dar, então é melhor fazer um chute com o jogador central e soltar na zona dois, entendeu… acho que o levantador é a parte tática do treinador dentro da qua-dra”. (Márcia)

Experiência RefletidaDe acordo com Thomas e Thomas3, a experiência

na modalidade constitui um fator importante para a tomada de decisão. Esta experiência está relacionada

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com as decisões que envolvem estruturas de respos-tas, previamente estabelecidas, para determinados tipos de cenários, ou seja, é o conhecimento espe-cífico, já adquirido e armazenado, o qual os sujeitos utilizam para as respectivas tomadas de decisão no decorrer do jogo.

O levantador do escalão infanto apresentou refe-rências com menos esclarecimentos e informações, enquanto que os levantadores mais experientes recor-reram às experiências passadas e situações do con-texto para melhor elaborarem as suas citações.

“Essa recepção é uma recepção que dificilmente per-mite eu olhar o bloqueio, porque a bola está vindo na minha frente, se eu olho a bola vou ter que ir pelas infor-mações que eu já tinha do bloqueio”. (Eduardo)“… levantador excepcional se destaca nisso, ele sempre está pensando e coloca uma bola que você nunca vai esperar que ele vai colocar”. (Márcia)

Estes resultados vão ao encontro do que McPher-son11 e Ericsson e Lehman40 titulam de prática delibe-rada, na qual os autores referem que para alcançar o mais alto nível é preciso o exercício da atividade com muito esforço, concentração e treino diário por um período de aproximadamente 10 anos de prática. Considera-se que, através da experiência, os jogado-res adquirem gradativamente um repertório de regras de ação, bem como o conhecimento necessário à in-terpretação ajustada dos cenários de jogo, facilitan-do a tomada de decisão24.

Indicadores de jogo para a tomada de decisão tática

Características das EquipesNa dimensão denominada Indicadores de Jogo

para a Tomada de Decisão Tática surgiu uma nova categoria em relação ao estudo de Mesquita e Gra-ça11, 12, denominada Melhor Atacante e o Momento do Jogo. Além disto, confirmaram-se as categorias Características Técnicas e Táticas dos Nossos Atacan-tes, Características Psicológicas dos Nossos Atacantes, Qualidade do Primeiro Toque e Bloqueio Adversário.

Características Técnicas e Táticas dos Nossos Atacantes

O conhecimento das características técnicas e tá-ticas dos atacantes se constitui em um indicador de importância para a tomada de decisão do levanta-dor. Este conhecimento permite aos levantadores ela-borarem suas decisões táticas, procurando extrair o

melhor rendimento de seu atacante, em benefício da equipe6.

“… eu gosto de estudar muito as características de todos os meus jogadores… tem atacante que tem dificuldade de atacar certas bolas, aí no treino eu tento fazer o má-ximo para esses atacantes atacarem essas bolas, atacar algumas bolas que eu acho importante”. (Vinícius)

Os resultados apontam que as características téc-nicas e táticas dos atacantes são consideradas pelos levantadores como um forte indicador para a toma-da de decisão, assim como no estudo de Mesquita e Graça11, 12.

Melhor Atacante e Momento do JogoOs levantadores consideram relevante que entre

os jogadores da sua equipe exista um melhor atacan-te, que por eles é denominado de atacante de segu-rança ou de confiança6. Esta categoria serve como um indicador de elevada importância nas decisões dos levantadores.

“Neste momento do jogo, a Joyce (oposta)… era a que estava mais dentro do jogo, mais que as ponteiras que eu tinha e a meio, aí eu procurei fazer uma jogada de cruzamento (jogada entre as jogadoras da zona 4 e da zona 3) na ponta (zona 4) e usar a saída (bola de fundo pela zona 1) …”. (Denise)

De acordo com os resultados, os sujeitos consi-deram que existem vários momentos numa partida de voleibol. E, para cada momento, os levantadores tomam suas decisões elegendo um atacante consi-derado a melhor opção naquele cenário. Esta é uma situação variável e dependente dos momentos indi-viduais e coletivos. Os momentos individuais refe-rem-se às decisões tomadas relativamente a um bom momento vivido por um atacante durante o jogo ou o set. Os momentos coletivos referem-se à equipe como um todo, se está ganhando ou perdendo, se está no início, no meio ou no final do set ou do jogo.

“… se naquele momento aquele jogador define, porque tem jogadores que não definem em final de set, então você tem que saber disso, tem que saber quem é quem, é… confiança… a confiança que tenho no atacante… Claro, óbvio, naquele momento para aquele atacante, claro, eu vou jogando também de acordo com o pla-car”. (Marco)

Os levantadores do escalão infanto utilizam estra-tégias específicas, de acordo com os diversos momen-

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tos da partida, no sentido de esconder, de preservar, de utilizar ou de preparar a utilização do seu jogador de segurança para estes momentos.

“… se a nossa equipe estiver bem na frente, 3, 4 pontos na frente, tento fazer o seguinte, por exemplo, se esti-ver na zona 4 um atacante meu de confiança que vai virar bola (fazer o ponto) no final do set, eu tento fazer de tudo para segurar o bloqueio junto ao meu atacante central, jogando com o meu central de todas as formas, para que, para na hora boa, está todo mundo rodando e o meu zona 4 está lá só esperando a hora de decidir. Se estamos perdendo e temos que correr atrás, aí eu tento fazer o jogo, tento fazer tudo, não jogo só o meu jogo, vou jogar com os atacantes e lógico que o placar influencia um pouco”. (Vinícius)

Características Psicológicas dos Nossos Atacantes

Segundo Queiroga31, os fatores psicológicos são contributos significantes para aperfeiçoar a perfor-mance desportiva. O conhecimento do comporta-mento do atacante, após as suas falhas ou os seus sucessos, associado aos diversos momentos do jogo pode ser um indicativo que influencia as decisões do levantador6.

“… eu vou analisando se o atacante está confiante ou se não está, se o atacante está bem no jogo ou não, qual é aquele atacante que depois dos vinte pontos não roda mais o jogo e qual é aquele que depois dos vinte pontos começa a rodar mais bola que o normal”. (Vinícius)

De acordo com a levantadora do escalão infanto e juvenil, o estado de espírito do seu atacante pode in-fluenciar nas suas decisões, principalmente nos casos de insucesso deste. Nesta perspectiva, existe uma preo-cupação, por parte dos levantadores, de elevar o moral ou de preservar momentaneamente o seu atacante.

“… primeiro eu dou força para minha jogadora de segu-rança para ver se ela volta para o jogo, mas se ela não voltar eu procuro outra”. (Denise)“A Regiane para mim é uma atacante muito inconstante. Ao mesmo tempo que ela pode estar muito bem, tem dia que ela está muito mal, mas eu procuro aproveitar o má-ximo quando ela está bem. Quando tem uma atacante que está bem e o resto da equipe está abaixo dessa atacante, eu acho que tem que saber fazer o jogo. Se precisar vai ser as 25 bolas nela”. (Adriane)

Este aspecto reforça o que Janelle e Hillman33 consideram em relação à capacidade psicológica, sendo esta capaz de influenciar e controlar todos

os domínios que estejam envolvidos no rendimento desportivo do jogador perito (físico, técnico, tático, psicológico).

Qualidade do Primeiro ToqueA qualidade do primeiro toque, recepção ou de-

fesa, pode influenciar o número de alternativas nas decisões dos levantadores. Quando a qualidade do primeiro toque é baixa, as opções dos levantadores limitam-se basicamente a uma ação de correção, não podendo ser feita nenhuma ação que coloque os seus atacantes em situações de uma única oposição ou com uma oposição desequilibrada6, 17.

Sabendo da necessidade e da importância de se jogar pelo centro da rede, o levantador do escalão adulto procura jogar por esta zona, mesmo que a qualidade do primeiro toque não seja a ideal.

“… mesmo a bola fora da rede eu utilizo o central, en-tão o bloqueador saltou junto com o Henrique (central), daí eu inverti para o Giba na zona 2”. (Marco)

Para a levantadora do escalão adulto, a qualida-de do primeiro toque, juntamente com o local para onde foi direcionado o passe, também podem inter-ferir nas suas decisões.

“… facilitou porque como a recepção veio mais para a zona quatro, então, eu fiz a inversão… a recepção veio para a zona dois e eu realmente queria usar a minha atacante que estava na zona quatro e a recepção aju-dou vindo mais para a zona dois”. (Márcia)

A qualidade do primeiro toque quando relacionada às características técnicas e táticas dos atacantes inter-feriu nas decisões da levantadora do escalão adulto.

“… a jogada para a Arlene (atacante de zona quatro) só se fosse com a bola na mão. Ou uma bola que eu tivesse condição de dar uma chutadaça ali (velocidade), uma superbola para ela, que eu sei que era onde ela ia se virar… tem hora que não vai ter jeito e vai ter que ser bola alta, mas se eu tiver outra opção, em não colocar a bola alta para ela, eu ia escolher a outra opção…”. (Márcia)

Os levantadores, quando se deparam com uma qualidade fraca do primeiro toque, quase sempre tendem a decidir pelo seu atacante de segurança; por vezes, utilizam um atacante que não seja o de segurança, mas optam por uma situação de bloqueio que seja considerado o pior dos que se encontram posicionados na rede adversária.

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“Numa situação de recepção ruim eu jogo com o ata-cante que está me dando mais segurança, pois eu sei que o bloqueio vai chegar duplo mesmo… Se os dois (atacantes de zona 4 e zona 2) estão me dando a mes-ma segurança no jogo eu levanto para o atacante que está com o bloqueio mais baixo. Agora, se um atacan-te está me dando mais segurança eu jogo para esse atacante, independente do bloqueio que está marcando ele… Se a recepção for ruim e eu tiver um atacante me-lhor do que o outro, é lógico que eu vou pelo atacante e não pelo bloqueio”. (Vinícius)

Os resultados deste estudo vão ao encontro dos de Mesquita e Graça11, 12 e Rodrigues32. Entretanto os levantadores relacionam a qualidade do primeiro toque com o conhecimento do saque adversário, com as características técnicas e táticas de seus atacantes, com a direção da recepção ou defesa e com a neces-sidade de se jogar pelo centro da rede, mesmo com má qualidade do primeiro toque.

Bloqueio AdversárioOs levantadores procuram analisar os bloquea-

dores quanto às suas características físicas, técnicas e táticas. Baseados nestas informações, os levanta-dores procuram preparar o seu plano de jogo, no sentido de explorar as falhas individuais e coletivas do sistema defensivo do adversário6, 17.

“… eu sempre dou uma estudada, vejo quais são as di-ficuldades dos bloqueadores de meio adversário, quais são as características deles para poder armar o meu jogo”. (Vinícius)“… colocar para a atacante que estava com a pior blo-queadora… era a baixinha que estava bloqueando a minha atacante de zona quatro… contra uma equipe asiática quanto mais cruzamento, acho que é melhor. É jogo rápido”. (Márcia)“Olho só o posicionamento do bloqueio, dois fechados por causa do central e um aberto por causa do Giba (atacante de zona 4) que é um atacante muito veloz, e aí abre o fundo meio (ataque de 2ª linha pela posição 6)”. (Marco)

O ponto de partida dos bloqueadores também ser-ve como um indicador para as decisões do levantador, quando vão fazer um ataque ao segundo toque.

“A bloqueadora central viu que a nossa atacante central foi para a zona dois fazer a jogada china e já se anteci-pou para ir bloquear a atacante de zona quatro e já ia duplo na zona quatro. A jogadora vindo do saque ad-versário não ia ter tempo de chegar e a outra jogadora

da defesa deles fica lá no fundo da quadra… percebi que a líbero veio logo para a zona cinco e a jogadora da zona seis ficou lá no fundo, então não tinha nada na minha frente”. (Adriane)

O levantador do escalão adulto enfatiza que o melhor bloqueador é o que joga contra o levantador e não contra o atacante. O levantador tem as suas ações facilitadas quando os bloqueadores procuram fintar o levantador.

“Acho que o melhor bloqueador central é o que joga não contra o atacante, mas sim contra o levantador. O melhor bloqueador central é o que observa o levanta-dor e não o atacante. Acho um erro as fintas dos blo-queadores porque eles perdem o tempo dele, perdem o tempo de bola, perdem tudo, pode dar certo uma vez, mas quando eles querem fazer essas fintas contra a mi-nha pessoa, acho sem nexo nenhum, até facilita mais”. (Marco)

O levantador do escalão juvenil usa estratégias específicas para dificultar a participação de um blo-queador, quando este é considerado de boa quali-dade.

“… um bloqueador de zona quatro que ajuda bem... e ele chega bem lá (junto ao bloqueio de meio). Então, tento trazer o jogo todo para cá (mais afastado do blo-queador de zona quatro). Segurar ele para lá um pouco (próximo à zona quatro) e jogar o máximo para cá (entre as posições 3 e 4 da minha equipe)”. (Vinicius)

Fluxo de JogoNa dimensão denominada Fluxo de Jogo emergiu

uma nova categoria em relação ao estudo de Mes-quita e Graça11,12, denominada Situações Imprevis-tas. Além disto, confirmaram-se as categorias Mudar para Prevenir a Adaptação do Adversário, Jogar em Relação ao Bloqueio Adversário, Adaptar a Técnica de Passe e a Direção do Movimento.

Mudar para Prevenir a Adaptação do AdversárioConsiderando o voleibol como um jogo que

apresenta uma estrutura determinista no nível da lógica acontecimental do jogo, torna-se necessário ao jogador, principalmente ao levantador, procurar explorar os constrangimentos situacionais, a fim de antecipar-se ao adversário, causando-lhe instabili-dade e incerteza27.

Neste contexto, observou-se que os levantado-res procuraram criar instabilidade na equipe ad-

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versária. Assim, procuram estar atentos e tentam prever as ações, principalmente do bloqueio, para propiciar aos atacantes as melhores condições ofensivas.

“Bola fora da rede, os dois bloqueadores esperando o Giba, para realizar um ataque de 2ª linha pela po-sição 6, está vendo, os dois bloqueadores esperando, eu pego e inverto a bola para a zona 2, para o André (oposto) realizar um ataque de 2ª linha pela posição 1, e o Gianni (bloqueador) chega atrasado e ele (André) explora o bloqueio”. (Marco)“Bom, eu tento jogar com uma atacante (central) para ela atacar mais vezes até o bloqueio ficar com ela, daí quando o bloqueio ficar com ela eu procuro jogar com as pontas”. (Denise)

O levantamento que envolve algum risco também é usado pelos levantadores na tentativa de modificar determinadas situações previsíveis e criar instabilida-de no bloqueio.

“… acho que é a hora do levantador, no final do set, no final do jogo, fazer uma coisa arriscada, com seguran-ça, sabendo que o adversário não vai adivinhar nunca”. (Márcia)

Jogar em Relação ao Bloqueio AdversárioA importância da intervenção do levantador está

na construção ofensiva da equipe. Para tal, o blo-queio é um indicador para as decisões do levanta-dor6, 17.

Os levantadores referenciam que devem desen-volver sua capacidade de percepção para recolher o maior número de informações de cada contexto e utilizá-las no sentido de dificultar a ação do bloqueio. A informação importante é o posicionamento inicial e os movimentos do bloqueio. Assim, dando pouca oportunidade de ação ao bloqueio6, 38.

“Quando eu estou com a bola na mão eu olho o blo-queio… por saber que eu jogo muito com ela na mão, a bloqueadora começou a segurar (esperar o levanta-mento antes de deslocar). Eu aprendi a olhar de lado só com um olho, então aí eu senti a bloqueadora de meio do meu lado e optei por levantar para a Joyce na zona 2”. (Denise)“… eu percebi que as bloqueadoras antecipavam. An-tecipavam para a inversão… no decorrer do jogo, co-mecei a prestar atenção para ver se elas iam fazer isso comigo também ou não. Então, elas estavam fazendo isso, antecipando na inversão, aí onde a recepção vinha eu colocava a bola e ficava no simples”. (Márcia)

Adaptar a Técnica de Passe e a Direção do Movimento

Para os levantadores uma execução técnica do levantamento, em determinado cenário de jogo, nun-ca será igual a outra. Pois, num primeiro momento, dependem da qualidade da ação precedente e num segundo procuram adaptar a sua execução técnica, considerando a importância de todos os indicadores na tomada de decisão tática. Após identificarem a qualidade e a velocidade do primeiro toque, os le-vantadores adaptam a técnica do levantamento. A in-tenção é dificultar a ação do bloqueio e facilitar a do próprio atacante, procurando tomar posicionamen-tos diferentes, segurar por mais tempo ou acelerar o contato com a bola, usar variações na trajetória e na velocidade da bola e fazer jogadas arriscadas.

“Às vezes eles ficam meio longe, e eu jogo uma bola mais aberta. Não adianta manter um padrão de bola só porque varia a recepção, varia a velocidade da re-cepção, tem que ver se o atacante vai chegar inteiro. O levantador bom tem a percepção de onde o ata-cante está chegando, ou que velocidade a bola está vindo... quem tem que ajustar o tempo da bola para o atacante de meio é o levantador. Diferente do atacante da zona quatro, que tem que achar o tempo da bola”. (Vinícius)

Os resultados vão ao encontro dos de Rodri-gues32, nos quais os levantadores enfatizam que de-vem utilizar toda a sua capacidade técnica, durante a execução do levantamento, para criar situações que favoreçam seus atacantes em relação ao bloqueio.

Situações ImprevistasEsta categoria refere-se ao contexto em que o le-

vantador está inserido, contendo ou não indicadores para as suas decisões. No entanto, o número de indi-cadores pode aumentar ou diminuir em face de uma boa ou má qualidade técnica das ações dos jogado-res da sua equipe, ou mesmo quando acontecem si-tuações imprevistas desencadeadas durante as ações dos jogadores6.

“Eu senti que a atacante estava inteira mesmo na bola, a Fernanda (atacante que estava na zona quatro) ficou meio atrapalhada com a Priscila (líbero) e a atacante central não puxou a jogada pelo meio e eu fui na segu-rança com a Regiane (oposta)”. (Adriane)

Considerando que é difícil e importante a capa-cidade do levantador em coordenar, gerir e usar um grande número de indicadores, os imprevistos podem

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interferir nas suas decisões, tornando a tomada de decisão mais complexa. Essas situações imprevistas podem ser, por exemplo, um jogador que escorrega, um jogador que colide com outro jogador, cabendo ao levantador perceber estes novos indicadores e de-cidir pela melhor alternativa para a sua equipe6.

“… ali eu não tinha outra opção também, porque a Sas-sá (atacante que estava recebendo na zona quatro) caiu, então o quê que a bloqueadora da zona dois vai fazer, vai fechar (ficar mais para dentro da quadra) para ajudar a bloqueadora central, porque ali, a minha atacante de zona quatro vai atrasar, ela no mínimo ia bater uma bola mais

lenta que a bloqueadora da zona dois ia conseguir chegar na bola, então foi isso que eu raciocinei”. (Márcia)

Síntese do Conhecimento Tático-Estratégico do levantador

A interpretação lógica e semântica das entrevis-tas, no presente estudo, propiciou a inserção de ca-tegorias e uma dimensão (fontes de conhecimento), relativamente à grelha de Mesquita e Graça11, 12. Por meio da combinação destes estudos, ressaltando a interação das dimensões e das categorias da refe-rente grelha, tem-se a composição do Conhecimento Tático-Estratégico do Levantador (quadro 3).

Quadro 3 – Grelha acerca do Conhecimento Tático-Estratégico do Levantador

Dimensões e Categorias Acerca do Conhecimento Tático-Estratégico do Levantador

1. Características Pessoais 2. Virtuosismo do Jogador

• Liderança• Gestor da Equipe***

• Estrategista• Gestor de Riscos

• Psicólogo da Equipe • Contracomunicador

• Racionalidade• Confiança• Intuição***

• Plasticidade Técnica• Visão de Jogo***• Velocidade***

• Cobrança***

3. Fontes de Conhecimento• Treino***• Observação de Jogo***• Observação de Levantadores mais Experientes***• Diálogo com o Treinador***• Experiência Refletida***

4. Indicadores de Jogo para Tomada de Decisão TáticaCaracterísticas das Equipes• Características Técnicas e Táticas dos Nossos Atacantes• Melhor Atacante e o Momento do Jogo***• Características Psicológicas dos Nossos Atacantes• Qualidade do Primeiro Toque• Bloqueio AdversárioFluxo de Jogo• Mudar para Prevenir a Adaptação do Adversário• Jogar em Relação ao Bloqueio Adversário• Adaptar a Técnica de Passe e a Direção do Movimento• Situações Imprevistas***

(***) Categorias inseridas no presente estudo em relação ao de Mesquita e Graça11, 12.

DISCUSSÃOA presente pesquisa constatou que os levantadores

pertencentes às Seleções Brasileiras de Voleibol que disputaram os Campeonatos Mundiais relacionam a excelência de sua função em quatro dimensões: Ca-racterísticas Pessoais, Virtuosismo do Jogador, Fontes de Conhecimento e Indicadores de Jogo para Tomada de Decisão Tática.

Estas dimensões, em interação, poderão ser um in-dicativo no processo de ensino-aprendizagem-treina-mento elaborado pelos professores/treinadores para

os levantadores de voleibol. Destaca-se neste processo a preocupação com a formação de jogadores inteli-gentes e criativos, com elevada capacidade de tomada de decisão e adaptação às situações de jogo.

Para o desenvolvimento de levantadores autôno-mos em suas ações de organização ofensiva, o pre-sente estudo poderá contribuir a partir do estruturado conhecimento descrito pelos levantadores brasileiros participantes dos Campeonatos Mundiais de Voleibol. Isto pois os levantadores demonstraram que buscam diversos e inúmeros sinais relevantes, entre eles os

Page 15: O táticO estratégicO dOs das seleções de vOleibOl · O objetivo do presente estudo foi investigar as ca-racterísticas do conhecimento tático-estratégico dos levantadores, do

QueirOga, matias, mesQuita, grecO

92 Fit Perf J. 2010 jan-mar; 9(1):78-92.

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Recebido: 10/07/09 – Aceito:15/12/09