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UNIVERSIDADE FEDERAL DE OURO PRETO VINÍCIUS POLICARPO QUINTÃO O TURISMO COMO ELEMENTO RELEVANTE DA REESTRUTURAÇÃO DO TRANSPORTE FERROVIÁRIO DE PASSAGEIROS Ouro Preto 2009

O Turismo como elemento relevante da reestruturação do transporte ferroviário de passageiros

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE OURO PRETO

VINÍCIUS POLICARPO QUINTÃO

O TURISMO COMO ELEMENTO RELEVANTE DA REESTRUTURAÇÃO DO TRANSPORTE

FERROVIÁRIO DE PASSAGEIROS

Ouro Preto 2009

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VINÍCIUS POLICARPO QUINTÃO

O TURISMO COMO ELEMENTO RELEVANTE DA REESTRUTURAÇÃO DO TRANSPORTE

FERROVIÁRIO DE PASSAGEIROS

Ouro Preto 2009

Monografia apresentada ao Curso de Turismo da Universidade Federal de Ouro Preto, como requisito à obtenção do título de Bacharel em Turismo. Orientador: Prof Ms. Leandro B. Brusadin

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VINÍCIUS POLICARPO QUINTÃO

O TURISMO COMO ELEMENTO RELEVANTE DA

REESTRUTURAÇÃO DO TRANSPORTE FERROVIÁRIO DE PASSAGEIROS.

COMISSÃO EXAMINADORA: Prof. Dr. Ricardo Silveira Martins Universidade Federal de Minas Gerais Prof. Msc. Bruno Pereira Bedim Universidade Federal de Ouro Preto Prof. Msc. Leandro Benedini Brusadin Universidade Federal de Ouro Preto

Ouro Preto, ____de_________________de 2009

Monografia apresentada ao Curso de Turismo da Universidade Federal de Ouro Preto, como requisito à obtenção do título de Bacharel em Turismo. Orientador: Prof Ms. Leandro B. Brusadin

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Dedico este trabalho a Denise Policarpo Damião, mãe e grande amiga, que sempre procurou me trazer de volta quando estive sem rumo.

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AGRADECIMENTOS

Mesmo sendo impossível agradecer a todos os colaboradores pela realização deste trabalho, me prontifico a prestar um solene agradecimento a algumas pessoas e organizações que merecem certo destaque:

À minha família e aos meus amigos, por constituir grande parte de minha formação moral, sempre me ampararem nos momentos mais difíceis e demonstrarem o quanto somos insignificantes sozinhos;

Ao Prof. Ms. Leandro Benedini Brusadin, que proporcionou a execução deste trabalho através de uma excepcional metodologia para o tratamento dos conflitos de idéias entre orientador e orientando, nunca se projetando por sobre minhas motivações e sempre adequando os diversos pontos de vista ao objetivo primordial da pesquisa;

Aos professores Dr. Ricardo Silveira Martins e Ms. Bruno Pereira Bedim,

por fornecerem cópias de arquivos bibliográficos indispensáveis à realização deste trabalho e aceitarem participar da banca examinadora do mesmo;

À UFOP - Universidade Federal de Ouro Preto – e seus funcionários em

geral, ao DETUR - Departamento de Turismo da Universidade Federal de Ouro Preto – e a todos os professores com os quais pude dividir minhas idéias, pelas bases fornecidas para meu desenvolvimento acadêmico.

Às organizações: Eurostat, o Ministério de assuntos territoriais, infra-

estrutura, transporte e turismo do Japão, INSEE – Institut National de la Statisque et dês Études Économiques, a extinta ADTrem – Agência de Desenvolvimento do Trem Rápido entre Municípios, ao Ministério dos Transportes, ao Ministério do Turismo e a todos os demais organismos os quais atenderam prontamente minhas solicitações por publicações periódicas e relatórios das atividades turísticas e de transporte;

À República K-Zona por nos ensinar a conviver em grupo, respeitar as diferenças individuais e convergir esforços com vistas a um objetivo comum.

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"A tarefa mais importante de um cientista é certamente contribuir para o avanço de sua área de conhecimento. A segunda tarefa mais importante é escapar da visão estreita de uma especialização excessiva, interessando-se ativamente por outros campos em busca do aperfeiçoamento pelo saber que é a missão cultural da ciência. A terceira tarefa é estender aos demais a compreensão de seus conhecimentos, reduzindo ao mínimo o jargão científico, do qual muitos de nós temos orgulho.”

Karl Popper

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RESUMO

Os serviços de transporte são denotados como indispensáveis às práticas de turismo. As relações existentes entre as práticas turísticas e o transporte ferroviário de passageiros estão presentes nesse trabalho. A revisão dos acontecimentos históricos de cada atividade e os estudos de caso isolados bem como sua posterior contextualização com as ordens vigentes ao longo do tempo indicam as condições de utilização do transporte ferroviário pelo turismo ao redor do mundo. Baseando-se nas análises comparativas entre países como a Franca, o Japão e o Brasil, torna-se possível identificar o papel do turismo no processo de reestruturação do transporte ferroviário de passageiros ao redor do mundo. Palavras-Chave : Turismo; Transporte Ferroviário; Intermodalidade; Competição Modal; Reestruturação.

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ABSTRACT

Transportation services are denoted as essential to the practices of tourism. The relationship between tourism and the practices of rail passengers are present in this work. A review of the historical events of each activity and individual case studies and the subsequent frame with the current orders over time indicates the conditions for use of rail for tourism around the world. Based on comparative analysis between countries such as France, Japan and Brazil, it is possible to identify the role of tourism in the restructuring of rail passenger transport around the world.

Key words: Tourism; Rail; Intermodality; Mode competition; Restructuring.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - Concepção antiga das relações intermodais .......................................... 31 Figura 2 - Concepção contemporânea das relações intermodais ........................... 31 Figura 3 - Concepção efetiva das relações intermodais ......................................... 34 Figura 4 - Tempo de percurso versus Velocidade máxima ..................................... 54 Figura 5 - Comparação entre Maglev e TAV (High Speed Train) ........................... 55 Figura 6 - Distribuição dos principais rios no território francês ............................... 70

LISTA DE TABELAS

Tabela 1 - Passageiros por quilômetro transportados no ano de 2006 .................. 60 Tabela 2 - Comparação entre os modais Ferroviário e aéreo ................................ 61 Tabela 3 - Correlações entre Pkm, TOE e TCO2 .................................................... 62 Tabela 4 - Extensão das redes TEN-T entre 2003 e 2020 ..................................... 63 Tabela 5 - Comparação entre modais na França, em 2006 ................................... 72

LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1 - Número anual de passageiros em viagens de dois ou mais dias ......... 19 Gráfico 2 - Distribuição da demanda de passageiros por modal ............................ 20 Gráfico 3 - Viagens ferroviárias de passageiros na Austrália ................................. 25

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ANAC Agência Nacional de Aviação Civil

ANTT Agência Nacional de Transportes Terrestres

BNDES Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social

EC European Comission

EEA European Environment Agency

EF Estrada de Ferro

HSGT High Speed Ground Transport

HSST High Speed Surface Transport

INSEE Institut Nationale de la Statitique et des Études Économiques

MAGLEV Magnetic Levitation

OMT Organização Mundial do Turismo

PKM Passageiros-quilômetro

RFFSA Rede Ferroviária Federal

SNCF Société Nationale des Chemins de Fer

TAV Trem de Alta Velocidade

TCO2 Toneladas de dióxido de carbono

TEN-T Trans-European Networks in Transport

TGV Train à Grand Vitesse

TOE Toneladas de Óleo Equivalente

UNWTO United Nations Word Tourism Organization

VME Velocidade Máxima Experimental

VMO Velocidade Máxima Operacional

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SUMÁRIO INTRODUÇÃO ................................................................................................. 11

1. OS TRANSPORTES E O TURISMO..................................................... 15 1.1 Turismo: conceitos e paradigmas ...................................................... 15 1.2 A Relação entre os Transportes e o Turismo..................................... 18 1.3 O Modal Aquaviário e o Turismo........................................................ 19

1.3.1 Transporte fluvial ........................................................................ 20 1.3.2 Transporte marítimo.................................................................... 21

1.4 O Modal Rodoviário e o Turismo ....................................................... 22 1.5 O Modal Aeroviário e o Turismo ........................................................ 25 1.6 O Modal Ferroviário e o Turismo ....................................................... 27 1.7 Meios de Transporte e Atrativos Turísticos: a possível sinonímia ..... 30 1.8 A Intermodalidade no Transporte Turístico ........................................ 33

2. O TRANSPORTE FERROVIÁRIO: Aspectos Históricos e as Competições Intermodais....................................................................................................... 42

2.1 A Máquina a Vapor e a Locomotiva ................................................... 43 2.2 O Auge do Modal Ferroviário no Mundo ............................................ 51 2.3 As Competições Modais: Transporte Ferroviário versus Transporte Rodoviário..................................................................................................... 58 2.4 As Inovações Tecnológicas: Tav’s e Maglev ..................................... 63 2.5 As Competições Modais: Transporte Ferroviário versus Transporte Aeroviário...................................................................................................... 68

3. A UTILIZAÇÃO DO MODAL FERROVIÁRIO NO TRANSPORTE DE PASSAGEIROS PELO MUNDO ...................................................................... 72

3.1 O Caso Japonês: Pioneirismo em Tav’s ............................................ 78 3.2 O Caso Francês: A flexibilidade e disseminação do TGV.................. 83 3.3 O Caso Brasileiro: A acirrada competição entre os modais rodoviário e ferroviário...................................................................................................... 89 3.4 Turismo e o Transporte Ferroviário: possibilidades e dificuldades .... 92

CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................. 98 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS............................................................... 103

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INTRODUÇÃO

A atividade turística vem se tornando cada vez mais presente nas pautas

de discussão de diversas esferas da sociedade, tanto nos setores privado

quanto público. Dadas as características do turismo, ressalta-se a

indispensabilidade dos serviços de transporte, e, a partir disto emergem

discussões, tanto acadêmicas quanto mercadológicas, acerca da aplicação e

do controle das diferentes tecnologias para o deslocamento. A partir destas

questões propõe construir uma reflexão acerca da relação entre o turismo e o

transporte ferroviário. Foi utilizado subsídio científico de diferentes áreas do

conhecimento, sendo as opiniões por vezes discordantes, na tentativa de

construir um estudo detalhado e o quão fiel o possível às manifestações

analisadas. A construção de um referencial teórico almejou identificar

processos históricos e relações os quais definem os elementos abarcados pelo

objeto de pesquisa. Foram abordados casos específicos com o intuito de

exemplificar e examinar as reações provocadas pelas relações as quais

constituem o objeto primário de análise. O trabalho foi desenvolvido por meio

de pesquisa bibliográfica, embate de teorias, análise de relatórios das

atividades abordadas e posterior cruzamento dos resultados constatados pelos

relatórios com as teorias elencadas.

No Capítulo 1 abordam-se os aspectos inerentes à atividade turística e

sua relação com os serviços de transporte. Inicia-se pela conceituação dos

elementos turismo e transporte para, em seguida, discorrermos acerca de cada

um dos modais inseridos nas atividades de transporte. Foram relacionadas

diferentes áreas de pesquisa com o intuito de esclarecer a contribuição das

distintas formas de transporte para a efetivação das atividades turísticas. Em

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seguida, buscou-se esclarecer o intuito da pesquisa, diferindo da linha de

abordagem muitas vezes adotada pelos autores, a qual constitui análises dos

diferentes usos das estruturas de equipamento obsoletas (seja como museus

ou atrativos turísticos), não ressaltando seu caráter inicial puramente logístico.

Ao final do capítulo, ressaltamos as relações entre os diferentes modais de

transporte, tanto os casos de complementação quanto os de competição,

construindo uma nova percepção da forma como a organização do setor de

transportes se configura inserida no atual contexto global.

Estabelecidos os conceitos iniciais, no Capítulo 2 situa-se o estudo do

modal ferroviário. Algumas características do modal ferroviário em si, ressaltam

alguns dos atuais usos para o mesmo. Traçamos um breve histórico acerca da

máquina a vapor, tecnologia de fundação para o modal, e da locomotiva,

equipamento de aplicação inicial da referida tecnologia com o intuito de

transporte. Ao fornecer tais bases para o entendimento do surgimento do

modal, torna-se possível uma análise da motivação para a implantação do

transporte ferroviário (dos momentos de alto investimento para o mesmo) em

diversos países, com o intuito de destacar as diferentes motivações para sua

aplicação. A fim de demonstrar a realidade competitiva do setor de transportes,

particularmente no caso do transporte ferroviário, analisamos as relações com

o modal rodoviário, em um primeiro momento, e o aéreo em um segundo

momento. Entre as duas análises isoladas é feita uma breve exposição e

contextualização da aplicação das tecnologias TAV (Trem de Alta Velocidade)

e Maglev (Magnetic Levitation) para o transporte ferroviário de passageiros ao

redor do mundo.

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Feitas as considerações teóricas frente ao objeto de pesquisa, partimos

no Capítulo 3 para o estudo das atuais formas como o modal é empregado pelo

mundo, dando ênfase a países onde as competições são mais acirradas, os

fluxos maiores e as pesquisas mais avançadas. Para que o entendimento da

situação fosse mais abrangente, optou-se por três estudos de caso dentre as

diversas possibilidades: Japão, França e Brasil. Para cada estudo fora traçado

um breve histórico da atividade ferroviária no país, o desenvolvimento da

mesma, as políticas que influenciaram o setor e o atual panorama com relação

ao transporte ferroviário de passageiros para cada caso. O último tópico deste

capítulo foi construído com o intuito de demonstrar e analisar as possibilidades

e dificuldades que o transporte ferroviário apresenta com relação ao turismo.

Também são traçadas possíveis correlações entre os elementos chave do

tópico.

Para finalizar a obra apresentamos considerações extraídas do

cruzamento dos estudos de caso com a análise teórica feita, levando em conta

tanto alternativas já aplicadas quanto novas possibilidades. Em resumo,

podemos afirmar que a relação entre o transporte ferroviário de passageiros e

o turismo tem, no cenário global atual, se modificado e reafirmado

constatações de uma potencialidade de influência recíproca revelada em

tempos de outrora. Apesar de as competições modais, se apresentarem como

a forma predominante da relação intermodal, a complentaridade entre os

diferentes serviços também apóia a teoria de que o transporte ferroviário possui

vantagens competitivas bastante claras. Ao buscar as informações para a

realização deste trabalho foi constatado que, quando da existência de dados, a

dificuldade para correlacionar indicadores que, por terem sido construídos de

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acordo com parâmetros diferentes, atrapalharam a análise de um cenário mais

amplo. Nesse trabalho, focaram-se diferentes campos de estudo, reafirmando o

caráter multidisciplinar pelo qual o turismo é estudado.

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1. OS TRANSPORTES E O TURISMO

1.1 Turismo: conceitos e paradigmas

A conceituação do termo “Turismo” é alvo de freqüentes embates

científicos, com reflexos das diversas vertentes. A Organização Mundial do

Turismo (OMT1, 1994, p. 5) atualmente possui a seguinte definição:

Turismo compreende as atividades de pessoas viajando e permanecendo em lugares que não seu ambiente usual, por não mais do que um ano consecutivo, motivada por lazer, negócios e outros propósitos que não o exercício de uma atividade remunerada no local visitado. O uso deste conceito abrangente torna possível identificar o turismo entre países (internacional) bem como o turismo no interior de um país (doméstico). “Turismo” refere-se a todas as atividades de visitantes, incluindo tanto “turistas (visitantes que pernoitam)” quanto “excursionistas (que não pernoitam)” 2. (traduzido e adaptado pelo autor)

Como citada, a conceituação adotada pela OMT atualmente, abrange diversos

setores econômicos (transportes de passageiros, entretenimento, hospedagem,

promoção de eventos a negócios ou não e outros) e ainda busca a distinção

entre o turista e o excursionista (tradução nossa), sendo que turista é todo

visitante que pernoita no destino. É interessante ressaltar que a última frase do

conceito apresentado pela OMT define que o termo “Turismo” se refere a todas

as atividades de visitantes, incluindo tanto “turistas (visitantes que pernoitam)”

quanto “excursionistas (que não pernoitam)”. Daí pode-se depreender que o

Turismo, apesar de remeter diretamente ao turista como ator principal, na 1 Traduzido a partir de UNWTO (1994). 2 Tourism comprises the activities of persons travelling to and staying in places outside their usual environment for not more than one consecutive year for leisure, business and other purposes not related to the exercise of an activity remunerated from within the place visited. The use of this broad concept makes it possible to identify tourism between countries as well as tourism within a country. "Tourism" refers to all activities of visitors, including both "tourists (overnight visitors)" and "same-day visitors".

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realidade, responde também pela atuação de excursionistas, visitantes que não

são turistas, tornando o fenômeno infinitamente complexo e dinâmico. De

acordo com Mathiesen e Wall (1982) apud Cunha (1997, p. 9 grifo nosso):

O turismo é o movimento temporário de pessoas para destinos fora dos seus locais normais de trabalho e de residência, as actividades desenvolvidas durante a sua permanência nesses destinos e as facilidades criadas para satisfazer as suas necessi dades 3.

Assim, observa-se a importância das facilidades criadas para satisfazer as

necessidades dos turistas, ou seja, levam-se em conta, também, os serviços à

disposição dos mesmos.

O dinamismo e a complexidade inerentes ao Turismo podem ser

facilmente visualizados quando são analisados fatores aparentemente não

relacionados ao fenômeno. Como, por exemplo, no caso de atentados

terroristas (fator psicológico), crises petrolíferas (fator econômico), ou

mudanças na postura legislatória de um país (fator social). Os fatores citados

foram formulados a título descritivo e podem se entrelaçar na análise de um

único evento, adquirindo, assim, o caráter complexo do fenômeno turístico.

De um prisma psicológico pode-se dizer que por se caracterizar como

um mercado de serviços o Turismo está intrinsecamente relacionado às

motivações e necessidades dos turistas. De acordo com Maslow (1943) os

seres humanos têm suas necessidades psicológicas organizadas em níveis de

satisfação, sendo que, a manutenção da satisfação em qualquer dos níveis

depende, também, do meio no qual o indivíduo está inserido. Dessa forma

pode-se notar que, caso ocorra algum evento que possa alterar a percepção do

turista acerca do destino final ou transitório de uma viagem, esta poderá até,

ser cancelada.

3 Grifo nosso

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Como setor da economia, o Turismo, assim como define Stynes (1997),

possui implicações em diversos outros setores através dos impactos diretos,

indiretos e induzidos, e, por conseqüência, também é afetado por eles. Devido

ao caráter sistêmico da economia, as ocorrências em setores diversos podem

afetar enormemente o Turismo, mesmo que, a princípio, não seja explícita a

relação entre tais setores econômicos. Segundo Lickorish e Jenkins (2000, p.

9-10) Em particular, a natureza heterogênea do setor dificulta a avaliação do

seu impacto na economia em relação a outros setores, e isto implica na

necessidade da utilização de contas satélite com o intuito de mensurar os

impactos gerados pelo Turismo.

Os aspectos sociais do Turismo também devem ser destacados, uma

vez que, as práticas turísticas, por se realizarem a partir de dados

deslocamentos, freqüentemente incorrem em contatos entre pessoas que se

desconhecem (sejam as diferenças culturais de maior ou menor grau), a partir

disto um fenômeno social é operado, seja ele de interação ou repulsão. As

relações obtidas são assimiladas por ambas as partes e têm conseqüências

diversas, como a adoção de medidas políticas, a criação de conflitos culturais e

outros fatos sociais de natureza diversa.

De acordo com o exposto anteriormente, é notável a complexidade do

fenômeno, e com isto é de alto grau de dificuldade a distribuição dos métodos e

ferramentas de análise para o mesmo. Tal multidisciplinaridade confere ao

Turismo a necessidade de reflexões que envolvam variados segmentos das

ciências.

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1.2 A Relação entre os Transportes e o Turismo

O fenômeno turístico e os serviços de Transportes exprimem forte

relação, atingindo explícita dependência mútua. Uma afirmação

freqüentemente utilizada é a de que não existe Turismo sem a existência de

deslocamento, como versa Beni (2003) apud Ansarah (2003, p. 19), e por

conseqüência não se pode visualizar o fenômeno desvinculado da operação de

sistemas e estruturas de transporte, como defende Ferreira (2008),

considerando as atuais distâncias percorridas pelo homem. Lamb e Davidson

(1996) apud Page (2001, p. 16), versam que o transporte é um dos três

componentes fundamentais do turismo. Os outros dois são o produto turístico

(a oferta) e o mercado turístico (a demanda).

Um dos difundidos autores brasileiros na área de Transportes e Turismo,

Palhares (2002, p. 27), inicia um capítulo de sua obra “Transportes Turísticos”,

com o seguinte parágrafo:

Como forma de definir a atividade de transporte, mas especificamente para o caso do transporte voltado para o turismo, o mesmo pode ser tido como a atividade meio que interliga a origem de uma viagem turística a um determinado destino (e vice-versa), que interliga vários destinos turísticos entre si (primários e secundários) ou que faz com que os visitantes se desloquem dentro de um mesmo destino primário ou secundário.

No capítulo supracitado Palhares afirma que o Transporte voltado ao uso

turístico é empregado no sentido de um serviço de interligação entre origem e

destino, ou destino e destino ou mesmo aquele o qual promove o

deslocamento dentro de um destino. A partir do raciocínio iniciado pelo autor é

notável a objetividade com a qual o mesmo define o objeto de pesquisa

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Transporte para uso Turístico, e revela a necessidade da existência dos

serviços para o deslocamento, uma vez que não se poderia alcançar o destino

de outra forma que não utilizando-se de ao menos uma forma de transporte4.

Uma vez constituinte do fenômeno turístico estes sistemas de transporte

assumem papel de grande importância na mensuração do fluxo de turistas,

tanto em aspectos quantitativos, quanto qualitativos.

Em seqüência são feitas as apresentações de cada um dos modais de

transporte e também suas relações com o Turismo. Vale ressaltar que são

breves descrições, pois, a análise aprofundada de cada modal não é o objeto

deste trabalho, sendo importante apenas para situar as relações estabelecidas

nos transportes turísticos e denotar sua importância enquanto inseridos nos

sistemas turísticos.

1.3 O Modal Aquaviário 5 e o Turismo

O modal Aquaviário responde atualmente, por navegação em cruzeiros

(tanto fluviais quanto marítimos) e, pela atividade dos ferries, meios de

transporte aquáticos que também operam em ambientes marítimos e fluviais,

mas possuem objetivos nitidamente distintos dos cruzeiros. A utilização

turística do modal se dá em grande parte em forma de atrativo, e não com a

finalidade logística de outrora. Para entendimento da utilização para o mero

4 Excluindo-se da afirmação as viagens que são realizadas em toda sua extensão a pé. 5 A opção pela utilização do termo “aquaviário” foi por abranger tanto as formas de navegação fluviais quanto as marítimas.

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deslocamento é necessária uma breve descrição histórica do transporte

aquaviário.

Para Roná (2002, p. 127) o uso turístico das embarcações deu-se em

meados do século XIX, com a consolidação dos navios movidos a vapor, pois

eles, por não dependerem dos ventos, podiam cumprir os horários

predeterminados. No período que se estendeu desde meados do século XIX,

como citado, até o findar da Segunda Guerra Mundial, o modal aquaviário

reinou absoluto em ocasiões de travessias intercontinentais, primeiramente

pela velocidade e conforto, e posteriormente pelo mesmo conforto e glamour

presentes em uma viagem transatlântica. A decadência do modal, quando da

utilização turística de caráter puramente logístico (com o intuito de

deslocamento entre origem e destino, e não como ocorre no caso dos

cruzeiros) pode ser atribuída, diretamente, ao modal aeroviário, pois, segundo

Palhares (2002) as tarifas mais atraentes e a velocidade superior fizeram com

que o modal aquaviário fosse superado.

O transporte aquaviário pode ser dividido em fluvial e marítimo, a seguir

ambas as modalidades são abordadas separadamente.

1.3.1 Transporte fluvial

A navegação fluvial é caracterizada como de interior, ou seja, em rios,

lagos e represas (Roná, 2002). Normalmente as embarcações utilizadas para

transporte de grupos maiores são substancialmente diferentes das utilizadas

em alto mar, pois devem ser adaptadas quanto ao calado6, com exceção a

6 Distância da quilha do navio (fundo) até a linha d’água. (Arraes, 2006)

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alguns rios que apresentam grande profundidade, a exemplo do Amazonas e o

São Lourenço, no Brasil. O transporte de passageiros em vias fluviais, ainda

desempenha papel logístico, assim como afirma um documento da

Administração das Hidrovias da Amazônia Oriental (AHIMOR, 2007, s.p.):

De toda a malha hidroviária brasileira o rio Amazonas é a principal via de escoamento de cargas gerais, passageiros, grãos e minérios, além de constituir-se na mais importante via de transporte para a população que vive às margens de seus afluentes. É via de transporte de grande parte da produção de grãos que é transportada pelo rio Madeira e de toda a bauxita que escoa pelo rio Trombetas, além de ser a principal via de transporte de graneis líquidos e de insumos e produtos oriundos da Zona Franca de Manaus.

De acordo com a passagem citada, a utilização do rio Amazonas é vital

para o deslocamento da população marginal da região, configura a principal

opção para os povoados situados em meio à floresta amazônica.

1.3.2 Transporte marítimo

A navegação marítima é caracterizada como exterior, e no caso do

transporte de passageiros é representada por cruzeiros marítimos, e ferries,

que são veículos de menor autonomia, adequados também ao transporte de

veículos, mas que atuam entre portos próximos (são muito comuns na Europa).

A participação dos cruzeiros marítimos cresce a cada ano (v. Gráfico 1),

que demonstra a distribuição de passageiros para cruzeiros de dois ou mais

dias entre 1990 e 2007.

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Gráfico 1 – Número anual de passageiros em viagens de dois ou mais dias (em milhares)

Fonte: CLIA, 2008. De 3.900.000 passageiros em 1990, o mercado alcançou a marca de,

aproximadamente, 12.500.000 passageiros em 2007, configurando um

incremento de 220,5%. A crescente em que se inseriu o setor na última década

trouxe à tona novas relações entre os modais de transporte e pôde de certa

forma, atrair novamente investimentos para zonas portuárias com a finalidade

de implantação de infra-estrutura não-cargueira. É importante ressaltar a

sazonalidade da demanda, sendo que, para grande parte das empresas não

existe perda de mercado ao longo do ano, pois, oscilam entre o verão no

hemisfério norte e no hemisfério sul.

Os Ferries, apesar de também operarem em rotas fluviais, oferecem

grande variedade de rotas marítimas, como as conexões entre o Reino Unido e

o continente europeu.

1.4 O Modal Rodoviário e o Turismo

O modal rodoviário é, se comparado aos demais modais abordados no

presente trabalho (ferroviário, aéreo e aquaviário), o respondente pela

preferência da maioria dos viajantes nos países europeus (v. Gráfico 2),

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23

contrariando determinados estereótipos de que o modal ferroviário tenha

predominância no cenário dos transportes, ainda que sejam considerados

apenas os casos dos modais terrestres (descartando desta forma o modal

aeroviário).

Gráfico 2: Distribuição da demanda de passageiros p or modal (bilhões pkm 7)

0

1000

2000

3000

4000

5000

Carros 4510

Ônibus 585

Ferroviário 352

Aéreo 680

Nota: Os dados são referentes aos 23 países componentes da European Environment Agency (Agência Européia para o meio ambiente8). Para o transporte ferroviário foram desconsiderados dados referentes a bondes e metrôs. Fonte: Adaptado de EEA, 2006.

É notável a expressiva predominância da utilização de carros sobre as

demais alternativas para deslocamento nos 23 países participantes da Agência

Européia para o Meio Ambiente. Vale ressaltar que os dados apresentados

ainda subdividem o transporte rodoviário entre carros e ônibus, e ainda

descartam as demais formas de transporte aplicadas em vias rodoviárias

(como caminhões, motocicletas, bicicletas, carruagens e etc.). Essa

importância do transporte rodoviário para o turismo é, freqüentemente,

denotada por diversos autores, como é o caso de Cunha (1997, p. 15):

7 Pkm é uma medida de passageiros deslocados por quilômetro, denominada passageiros-quilômetro. É obtida a partir da multiplicação do número total de passageiros transportados pelos quilômetros de percurso. Segundo Palhares (2002), tal conceito refere-se à soma das distâncias que todos os passageiros percorreram numa determinada ligação durante um certo período. 8 Tradução feita pelo autor

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24

É comum dizer-se que sem transportes não há turismo, mas tal afirmação será também válida para as vias rodoviárias, na medida em que estas constituem as mais importantes vias de acesso aos destinos turísticos.

As vias rodoviárias possuem maior alcance que as vias férreas, marítimas e

aéreas, e os motivos da superioridade nesse quesito “cobertura geográfica” são

variados, podendo advir do relevo de um país, das condições econômicas de

uma nação ou até dos aspectos políticos de um povo. Se comparadas ao

transporte ferroviário, as práticas de deslocamento em vias rodoviárias

demonstraram vantagens competitivas que construíram o atual cenário de

dominância sobre os demais modais. Pode-se entender melhor esse processo

a partir do trecho seguinte (Prideaux e Carson, 2003, p. 307):

As inovadoras técnicas de produção em massa de automóveis, de Henry Ford, deram continuidade à revolução dos transportes terrestres, possibilitando aos viajantes ir a lugares ainda inacessíveis por ferrovias, e libertou os mesmos viajantes das restrições impostas pelos horários dos serviços ferroviários e sua rede de distribuição limitada. Posteriormente, o transporte aéreo completou a revolução das viagens, permitindo à humanidade visitar quase qualquer parte do globo. Enquanto o modal aéreo superou o ferroviário e o rodoviário nos trajetos de longo percurso, o carro se tornou a forma preferida para os pequenos percursos em grande parte dos países desenvolvidos9. (traduzido e adaptado pelo autor)

Assim como citado a partir da popularização do acesso aos automóveis, os

viajantes obtiveram maior liberdade na escolha dos destinos turísticos, na

distribuição de horários e também um melhor aproveitamento dos recursos

financeiros em virtude da diferença entre os custos inerentes de cada um dos

processos. A preferência pelas vias rodoviárias, em percursos de menores

9 Henry Ford’s innovative mass automobile production techniques continued the land transport revolution, enabling travellers to go to those places still inaccessible by rail and freeing land travellers from the constraints of railway timetables and limited network options. Later, air travel was to complete the travel revolution, allowing humanity to visit almost any part of the globe. While air travel superseded rail and road travel in the long-haul sector, the car has become the preferred mode of transport for short-distance travel in many developed countries.

Page 26: O Turismo como elemento relevante da reestruturação do transporte ferroviário de passageiros

25

distâncias, é relacionada, diretamente, aos fatores tempo de viagem, custo,

conforto e liberdade de escolha.

Um conceito utilizado para referenciar tal tipo de turismo é o Self-drive

Tourism10, que em uma aproximação ao termo original poderia ser dito como

Turismo Auto Guiado. Nesse tipo de prática os turistas optam pela liberdade de

escolha com relação à quase qualquer variável relacionada a seu

deslocamento (custo, destino, velocidade, partida, passageiros), exatamente

por ser o próprio viajante quem irá conduzir o veículo (ou mesmo se deslocar a

pé). Com o intuito de caracterizar este tipo de turismo, Carson e Waller (apud

Prideaux e Carson, 2003) enfatizam que o self-drive tourism ocorre comumente

em nível regional, onde os visitantes, freqüentemente, não possuem

alternativas para o transporte. Essa falta de opção é comumente decorrente da

superioridade espacial, inerente ao modal, já citada, incorrendo em uma malha

rodoviária que permite ao turista visitar locais de difícil acesso.

1.5 O Modal Aeroviário e o Turismo

O modal aeroviário representa um segmento de mercado amplamente

utilizado e de notável importância no tocante à integração entre países (sejam

estes de um mesmo continente ou de continentes diferentes). O ponto de

partida da aviação comercial dificilmente poderia ter esboçado o

posicionamento em que o setor se encontra, inserido na economia mundial.

Partindo da pequena frota de quatro dirigíveis, operados pela Deutsche

10 É importante ressaltar que a utilização do conceito define o Turismo rodoviário, mas nem todo tipo de Turismo Auto Guiado é praticado através de transporte rodoviário.

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26

Luftschiffahrts A.G., entre 1910 e 1914 (Palhares, 2002), o número de

aeronaves cadastradas, apenas no Brasil, atingiu a marca de 11.857 unidades,

de acordo com relatório publicado pela Anac (2009). A operação de vôos

comerciais passou da situação inicial de horários não programados para uma

atividade comercial dependente de enorme sincronização e de alta

sensibilidade quando se trata da impressão do consumidor acerca dos serviços

prestados. A profissionalização do setor cresceu rapidamente, amparada pela

regulamentação das atividades, em dissonância com a prestação dos demais

serviços de turismo, como no caso da hotelaria e os demais setores de apoio

intrínsecos ao funcionamento do sistema turístico.

Com vistas a tornar o setor de aviação comercial mais competitivo,

muitos países recorreram a procedimentos de desregulamentação do setor de

aviação civil. Os procedimentos ocorreram de formas diferentes ao redor do

mundo, mas, os objetivos podem ser ditos comuns, como versa o artigo 8° da

Lei de Criação da Anac (2005), a Agência Nacional de Aviação Civil Brasileira

(excluindo-se os incisos da atual exposição, por não ser necessária uma

análise mais aprofundada):

Art. 8o Cabe à ANAC adotar as medidas necessárias para o atendimento do interesse público e para o desenvolvimento e fomento da aviação civil, da infra-estrutura aeronáutica e aeroportuária do País, atuando com independência, legalidade, impessoalidade e publicidade.

Os aeroportos são os que representam melhor a nova tendência mundial

para os terminais de transporte, onde as receitas advindas de outras atividades

que não o transporte, ou de forma indireta com relação a este, crescem cada

vez mais. A transformação destes terminais em verdadeiros centros de

negócios, compras e/ou lazer, adquiriu grande importância nos últimos anos.

Page 28: O Turismo como elemento relevante da reestruturação do transporte ferroviário de passageiros

27

Os serviços ofertados em aeroportos são direcionados aos viajantes (sendo

eles turistas ou não), mas, eventualmente acabam também atraindo residentes

do entorno, proporcionando uma nova ordem, a de utilização de aeroportos

desvinculada às funções de transporte, assim como salienta Palhares (2001, p.

45-46):

Em função de suas grandes e modernas estruturas arquitetônicas, a disponibilidade de múltiplos serviços e diversidade de comércio, muitos aeroportos pelo mundo tornaram-se mais do que locais de pouso e decolagem de aeronaves, de embarque e desembarque de cargas e passageiros. Com isso, os terminais puderam expandir seus mercados consumidores dos tradicionais clientes (passageiros, empresas aéreas, agentes de carga e aviação geral – táxi-aéreo e aeronaves privadas) para outros clientes potenciais, tais como: moradores próximos ao aeroporto, empregados das empresas aéreas e da administração do aeroporto, visitantes e os acompanhantes dos passageiros, comerciantes e indústrias da região etc.

A relação entre o Turismo e os aeroportos fica evidenciada quando se

analisa um caso recente, onde o Governo do Rio Grande do Sul e a Embratur

firmaram um acordo para o financiamento da construção do Aeroporto

Internacional de Hortênsias, em Canelas (RS) (Palhares, 2001, p. 132-133). A

partir do caso apresentado é notável a crença na capacidade de alavancagem

do turismo por meio do investimento em estruturas aeroviárias. Estruturas

estas que criam também certas áreas de influência ao redor dos terminais,

distribuindo impactos econômicos, tanto de forma direta, indireta ou induzida,

como afirma Palhares (2001).

1.6 O Modal Ferroviário e o Turismo

O modal ferroviário é empregado em larga escala, atualmente, para o

transporte de cargas e o deslocamento de passageiros em áreas urbanas,

Page 29: O Turismo como elemento relevante da reestruturação do transporte ferroviário de passageiros

28

sendo que as conexões intermunicipais e internacionais se tornaram

gradativamente mais escassas após a Segunda Guerra Mundial. A

disseminação dos metrôs e a utilização nostálgica/cênica das ferrovias são o

cenário remanescente das composições sobre trilhos. A popularização dos

automóveis, a aplicação prática das turbinas na aeronáutica e os novos

paradigmas sociais (como o Welfare State), induziram os passageiros a

optarem por formas alternativas de transporte, mais compatíveis com suas

ambições. No caso dos Estados Unidos, a malha ferroviária atingiu sua maior

extensão no ano de 1916, quando seus trilhos percorriam 408.833 km, porém,

sofreu uma retração de dois terços em 1980 (Martins e Filho, 1998). Na

Austrália, por exemplo, as viagens de passageiros, através do transporte

ferroviário (v. Gráfico 3), são expressas em sua quase totalidade (em mais de

98% dos casos) na forma urbana.

Gráfico 3 – Viagens ferroviárias de passageiros na Austrália (em milhões )

0

100

200

300

400

500

600

700

2002/2003 2003/2004 2004/2005 2005/2006 2006/2007

Viagens urbanas Viagens não urbanas Total de viagens

Fonte: Adaptado de ARA, 2008.

Para Palhares (2002) esse tipo de serviço tem pouca representatividade,

do ponto de vista do turista, se comparado às modalidades de médio e longo

trajeto, em virtude de se restringirem aos centros urbanos, onde grande parte

da demanda do equipamento é de usuários rotineiros. Sistemas ferroviários

Page 30: O Turismo como elemento relevante da reestruturação do transporte ferroviário de passageiros

29

que interligam cidades são vantajosos para o turista, uma vez que este

pretende se deslocar rapidamente entre as localidades, e a um baixo custo.

Em diversas localidades foram adotadas alternativas ao crescente

abandono das estruturas ferroviárias, como a utilização das antigas

locomotivas e composições na operação de circuitos cênicos (para a promoção

da contemplação do trajeto) ou nostálgicos, onde o “ponto importante é a

tentativa de manter a vivência de uma viagem ferroviária viva” (Mamede et al,

2008, p. 82). Autores defendem este ponto de vista, demonstrando a

potencialidade do modal ferroviário no sentido mais puro de atrativo turístico, e

não apenas como elemento logístico, como é o caso de Allis (2006, p. 121),

que afirma que “as ferrovias, por uma série de razões, podem ser atreladas à

atividade turística por sua capacidade de materializar momentos históricos das

regiões onde se instalou”. Alguns itinerários são mundialmente conhecidos e

cultuados, como o Orient Express (que se tornou cenário de filmes e livros,

como o “Murder on The Orient Express”, de Agatha Christie) e o Trans-Siberian

(com mais de nove mil quilômetros de extensão, cruza toda a Rússia).

A restauração das composições cria um fetiche ainda maior do produto

turístico, fazendo com que a aquisição do serviço se torne sinônimo de status

social, como se pode depreender de um dos textos promocionais constantes no

endereço eletrônico da empresa The Venice Simplon-Orient-Express:

Atualmente, os carros reluzentes do Venice Simplon-Orient-Express continuam a transportar passageiros pela Europa ao longo de paisagens surpreendentes de uma das mais românticas jornadas do mundo. O mundo da Orient-Express é hoje verdadeiramente internacional e os passageiros podem desfrutar de experiências similares a bordo do Eastern & Oriental Express no sudeste da Ásia e

Page 31: O Turismo como elemento relevante da reestruturação do transporte ferroviário de passageiros

30

o Road to Mandalay em Mianmar (antiga Brimânia)11. (traduzido e adaptado pelo autor)

A utilização das histórias acerca do antigo serviço de transporte, para

promover outros itinerários, é, visivelmente, uma estratégia de mercado

interessante que se apóia exatamente no fetichismo da manutenção do status

quo. Essa transformação, de um elemento da oferta turística em um atrativo

turístico, por si só pode ser denominada como um processo de sinonímia entre

os atrativos turísticos e os serviços de transporte.

1.7 Meios de Transporte e Atrativos Turísticos: a p ossível sinonímia

É comum que a concepção do passageiro, acerca de um modal de

transporte, se traduza em algo mais do que apenas um recurso logístico,

principalmente quando não se trata de um serviço que ele disponha

frequentemente. O fetichismo inerente à utilização do transporte aéreo, por

exemplo, foi determinante para a criação do status que tal modal conferia a

seus utilizadores há algumas décadas atrás. A disseminação de estereótipos

relacionados a modais acaba por criar novas relações econômicas que podem,

ou não, afetar a configuração das redes de transporte. Por exemplo, a

concepção de que os trens cênicos e nostálgicos são rentáveis alternativas

para estruturas ferroviárias obsoletas, pode levar ao desinvestimento em novas

tecnologias ferroviárias, de caráter puramente logístico.

11 Today, the gleaming carriages of the Venice Simplon-Orient-Express continue to transport passengers across Europe in exquisite surroundings on one of the most romantic journeys in the world. The world of the Orient-Express is now truly international and passengers can enjoy a similar experience on board the Eastern & Oriental Express in South East Asia and the Road To Mandalay in Myanmar (ancient Burma).

Page 32: O Turismo como elemento relevante da reestruturação do transporte ferroviário de passageiros

31

As ferrovias turísticas são um exemplo de como o poder público

encontra alternativas para a obsolescência de suas estruturas, e, a partir

destas medidas tais equipamentos se diferenciam por aspectos que não a

prestação de um serviço de deslocamento, conforme afirma Allis (2006, p.

116):

Como nosso objeto de estudo central, as ferrovias turísticas são determinadas a partir do refinamento do entendimento sobre o deslocamento para o turismo, em que a atratividade se dá mais pela diferencialidade deste meio de transporte, do que pelos fatores logísticos.

A concepção de que as vias férreas e suas composições possam ser

utilizadas como atrativos por si só é contrária à linha defendida neste trabalho,

sendo que tais políticas são como empecilhos ao desenvolvimento da

tecnologia ferroviária de transporte de passageiros, tanto para turistas quanto

para não-turistas. Os utilizadores das redes de transporte exigem eficiência,

baixo custo, conforto e outros atributos que estruturas ultrapassadas não

podem proporcionar aos clientes atuais, e, isto também se torna um agravante

na sustentação dos modelos defendidos por gestores públicos que incentivam

os trens turísticos. Outro ponto importante é a sazonalidade a qual estão

submetidas as práticas turísticas, pois, os picos de utilização das vias férreas

poderiam ser maiores que as marcas registradas em um serviço de logística,

mas, a distribuição de freqüências de utilização deverá ser contínua e

ininterrupta, para que o serviço se mantenha ativo, e não dependente de

subsídios cruzados.

Uma discussão de grande relevância é apresenta por Krippendorf

(2001), no que tange às mudanças de conduta da sociedade, em uma

transição (ou simples retorno a um dos cenários anteriores) do abandono do

Page 33: O Turismo como elemento relevante da reestruturação do transporte ferroviário de passageiros

32

culto ao “ter” e retomada do culto ao “ser”, baseando-se nas últimas

reviravoltas operadas nas mais tardias décadas do século passado. Para

Krippendorf, a sociedade começa a sinalizar novos rumos, de uma regressão

nas características consumistas e novas luzes sobre a construção intelectual

do homem, porém, discorda de autores que afirmam que esta nova

configuração social já está presente em nossos dias, como se verifica na

passagem seguinte (Krippendorf, 2001, p. 117):

Contrariamente às afirmações de alguns, ainda estamos numa sociedade do trabalho, e não numa sociedade do lazer. Uma sociedade que se obstina em dar prioridade à moral tradicional do trabalho e ao princípio do pleno emprego tomado no sentido de emprego em tempo integral. Que nos impõem um ritmo de vida rígido e nos prescreve quando devemos trabalhar, de scansar e quando devemos tirar férias. Sempre todos juntos, s ob o signo das sardinhas em lata. 12

A manutenção de atrativos como os citados trens turísticos vai de

encontro a uma operação rentável de tais aparatos ao decorrer do tempo. A

perpetuação de uma ordem industrial na sociedade confere ao lazer status

secundário, de bem13 intangível dispensável, o qual só se obtém acesso após a

aquisição dos bens de primeira necessidade (de forma semelhante aos níveis

de satisfação apresentados por Maslow, organizados em sistemas de

dependência). Sendo assim, a opção pela utilização das estruturas de

transporte travestidas de atrativos turísticos, será feita se, e somente se, os

turistas obtiverem todos os bens (e serviços), de primeira necessidade, tais

como segurança, alimentação, restauração, e etc. Percebe-se que a oferta de

serviços de transporte de caráter puramente logístico (de alta qualidade), se faz

indispensável para que o turista sinta-se à vontade para usufruir dos atrativos.

12 Grifo nosso. 13 Utilizou-se a palavra “bem” apenas pela comodidade da abordagem comumente utilizada de bens de primeira necessidade e bens dispensáveis.

Page 34: O Turismo como elemento relevante da reestruturação do transporte ferroviário de passageiros

33

Esse raciocínio nos leva a crer que, muito antes de relegar um modal à função

de museu, atrativo de contemplação, ambiente de palestras, o mesmo pode ser

remodelado com vistas a fornecer bases sólidas para uma experiência turística

de qualidade.

Seguindo a linha de raciocínio proposta pelo presente trabalho, o item

seguinte apresenta a introdução às discussões acerca do relacionamento entre

os diferentes modais de transporte, suas vantagens e seus empecilhos.

1.8 A Intermodalidade no Transporte Turístico

Assim como a conceituação do termo “Turismo” encontra alguns

embates teóricos, o caso relativo ao termo intermodalidade também apresenta

empecilhos a um entendimento imediato. Ao se iniciar qualquer pesquisa

acerca dos termos relacionados à intermodalidade, tem-se à disposição alguns

termos como a interoperabilidade (interoperability) e a interconectividade

(interconnectivity), sendo que cada uma das três definições busca abarcar uma

dimensão do problema. As estruturas de transporte e seus aspectos de

implantação são abordados pela interoperabilidade e as considerações acerca

da operação das estruturas e a otimização das transferências entre modais

ficam a cargo da interconectividade (Suresh, 2007). Quanto ao conceito de

intermodalidade, propriamente dito, existem variações, no presente trabalho

serão apresentadas a atual conceituação adotada pela European Comission

(EC), e sua antiga definição, sendo essa apenas para ilustrar a mudança dos

estudos e aquela para nortear as presentes considerações. A definição

Page 35: O Turismo como elemento relevante da reestruturação do transporte ferroviário de passageiros

34

anterior, publicada em 1997 (EC apud Reggiani et al., 2000, p. 52) é menos

específica, mantendo referência à intermodalidade para o transporte em geral:

Intermodalidade é uma característica de um sistema de transporte a qual possibilita a pelo menos dois diferentes modais serem utilizados de forma integrada, objetivando uma corrente de serviço “porta-a-porta”. Além disso, é um indicador de qualidade do nível de integração entre as diferentes formas de transporte. Dessa forma mais intermodalidade significa mais integração e complementaridade entre os modais, os quais provém escopo para uma utilização mais eficiente dos sistemas de transporte14. (traduzido e adaptado pelo autor)

A definição supracitada apresenta uma afirmação que é mais como uma

conseqüência da aplicação do modelo, e não uma parte propriamente dita do

modelo: mais intermodalidade significa mais integração e complementaridade

entre os modais, os quais provém escopo para uma utilização mais eficiente

dos sistemas de transporte. Isso torna o conceito confuso e

desnecessariamente extenso. No caso da atual definição adotada pela

European Comission, pode-se perceber maior poder de síntese e foco no

transporte de passageiros: Passenger intermodality is a policy and planning

principle that aims to provide a passenger using different modes of transport in

a combined trip chain with a seamless journey (Müller et al, 2004, p. 1). Em

suma o conceito afirma que a intermodalidade, para o passageiro, é um

princípio de política e planejamento que busca prover aos utilizadores

diferentes modos de transporte em uma corrente combinada de viagem, onde

não exista “jornada costurada”. Esse último conceito apresenta uma nova

concepção para o termo intermodalidade, abandonando a visão de que tal

verbete tenha como significância a mera conexão entre diferentes modais de

14 Intermodality is characteristic of a transport system which allows at least two different modes to be used in an integrated manner in a ‘door-to-door’ transport chain. In addition, it is a quality indicator of the level of integration between different transport modes. In that respect more intermodality means more integration and complementarity between modes, which provides scope for a more efficient use of transport system.

Page 36: O Turismo como elemento relevante da reestruturação do transporte ferroviário de passageiros

35

transporte, e ainda faz referência específica ao transbordo de passageiros

(ponto fundamental para a presente discussão). Ao afirmar que a

intermodalidade, para os passageiros, é um princípio de política (pública) e

planejamento, o(s) autor(es) criam um entendimento de essencialidade, ou

seja, de que esse é um recurso que deve ser utilizado para que exista maior

eficiência na utilização dos sistemas de transporte, e, conseqüentemente para

a expansão do setor do Turismo. Em seguida vem a expressão “jornada

costurada”, que busca expressar a interrupção da fluidez na transição entre os

diferentes modais, como se existissem dificuldades para tais permutas entre os

serviços de transporte (como por exemplo a excessiva distância entre duas

estações ferroviárias, combinada à ausência de um serviço de locação de

automóveis e uma escassez na oferta de linhas coletivas de ônibus).

A intermodalidade tem fundamental importância para o fenômeno

turístico, especialmente no atual estágio em que se encontra, uma vez que o

acesso às localidades se torna cada vez mais abrangente e as barreiras

geográficas são subjugadas de forma combinada. As concepções acerca da

integração entre os modais de transporte se alteraram bastante com o passar

dos anos, segundo Stubbs e Jegede (1998), pode-se dividir as concepções em

dois estágios, sendo o primeiro proveniente de um cenário tradicional (v. Figura

1), e o segundo cenário, proveniente de uma visão contemporânea (v. Figura

2).

Page 37: O Turismo como elemento relevante da reestruturação do transporte ferroviário de passageiros

36

Figura 1: Concepção antiga das relações intermodais

Fonte: Adaptado de Stubbs e Jegede (1998).

Figura 2: Concepção contemporânea das relações inte rmodais

Fonte: Adaptado de Stubbs e Jegede (1998).

Page 38: O Turismo como elemento relevante da reestruturação do transporte ferroviário de passageiros

37

É de imediata percepção o caráter simplório de ambas as concepções,

onde as competições são unidirecionais e bilaterais, enquanto o que ocorre é

uma competição tridimensional acirrada entre rodovias, aerovias e ferrovias em

determinadas localidades (competição que se desequilibra de acordo com

variáveis externas, como a distância pretendida pelo passageiro, o conforto, o

custo e até a companhia). Outra falha de ambos os modelos é a ausência da

complementaridade existente entre os modais aéreo e aquaviário, rodoviário e

ferroviário e etc. As relações intermodais se tornaram mais complexas com a

disseminação das condições de implantação de estruturas, as políticas de

popularização do transporte aéreo, o crescimento da indústria de cruzeiros, a

adaptação de composições ferroviárias para contemplação e/ou passeios

cênicos e/ou nostálgicos e até os investimentos em tecnologia ferroviária de

alta velocidade e/ou Maglev.

As integrações entre os modais, de suma importância, e sua aplicação

ótima, se fazem mister, pois, apesar de se mostrar uma solução altamente

atraente, pode se tornar um grande problema caso seja implantada de forma

precipitada, causando problemas como os engarrafamentos em rodovias

(citados na Figura 2). Para tal deve-se atentar para todos os aspectos inerentes

ao público/região alvo dos projetos. São de vital importância a modelagem da

demanda de passageiros, o mapeamento do perfil dos usuários das estruturas,

o levantamento das características geográficas do local (tanto físicas quanto

políticas) e muitos outros aspectos os quais possam denunciar quaisquer

possíveis falhas futuras e/ou presentes.

Page 39: O Turismo como elemento relevante da reestruturação do transporte ferroviário de passageiros

38

Alguns problemas começam a surgir no tocante aos projetos atuais,

pois, a realidade se mostra cada vez mais difícil de ser traduzida em modelos.

As citadas relações parecem não serem tão nítidas e determinantes.

Uma terceira concepção, em distinção às duas outras apresentadas por

Jegede e Stubbs, começa a se esboçar, e representa uma proposta importante

de estudo para novos trabalhos e melhor entendimento da realidade. Devem-se

levar em conta outros aspectos relacionados ao Turismo, que afetam a oferta

dos serviços de transporte, de forma a criar novas relações intermodais.

As estratégias de marketing de empresas dos setores relacionados

estreitamente ao Turismo são exemplos nítidos de como o sistema de

transporte se envolve no mercado turístico a um nível muito mais complexo do

que a mera superficialidade percebida. A venda de pacotes fly and drive15 e air

and sea16 é um exemplo onde as empresas congregam em apenas um produto

serviços de transporte de diferentes modalidades, assim, oferecem um valor

agregado maior ao turista, ao passo que este percebe tal facilidade e se sente

atraído pelas vantagens competitivas oferecidas pelas redes intermodais. Um

dos casos mais nítidos é o dos programas de fidelização por milhagem das

companhias aéreas e ferroviárias (são os mais comuns, mas também existem

programas em locadoras de automóveis, por exemplo), que passaram a

oferecer vantagens para determinadas redes hoteleiras, o que configura novas

relações entre diferentes setores da economia, por exemplo, criando

integrações verticais (transporte-hotel), e torna nítida a atuação das forças de

mercado traçadas por Porter (Montgomery e Porter, 1998, p. 12): minimizando

15 São pacotes de serviços que incluem bilhetes aéreos e aluguel de automóveis no destino pretendido. 16 Pacotes que incluem bilhetes aéreos e marítimos, utilizados em grande escala para cruzeiros marítimos.

Page 40: O Turismo como elemento relevante da reestruturação do transporte ferroviário de passageiros

39

a ameaça de novos entrantes, aumentando o poder de competição frente aos

concorrentes, aumentando o poder de barganha com os fornecedores (mais

ainda se as empresas envolvidas na integração fizerem uso dos mesmos

produtos) e clientes e também por fortalecerem seus serviços criam maior

resistência a serviços substitutos.

A partir do exemplo citado pode-se perceber que as relações

intermodais se tornaram mais complexas e também imprevisíveis, conferindo

certa obsolescência aos antigos modelos para a compreensão das relações

intermodais. Pensando nisso pode-se imaginar uma nova concepção (v. Figura

3), que chamaremos de “efetiva”, onde as relações são imprevisíveis e livres e

a competição existe entre todos os modais a nível global. Como forma de

representar a imprevisibilidade das relações, tanto complementares quanto

competitivas, optou-se por utilizar setas preenchidas na cor cinza e traçados

intermitentes. A figura representa um sistema aberto, ou seja, as forças

externas a ele devem ser consideradas, afinal de contas elas definem também

o funcionamento do mesmo e todas suas variáveis afetam as demais (devido à

característica sistêmica e global dos atuais mercados).

Page 41: O Turismo como elemento relevante da reestruturação do transporte ferroviário de passageiros

40

Figura 3: Concepção efetiva das relações intermodai s

Fonte: Criado pelo autor

Essa nova concepção busca traduzir o sentimento de imensurabilidade

que os atuais mercados globalizados podem conferir às relações políticas,

econômicas e sociais. Tornando as construções de modelos explicativos

tarefas complexas e, por vezes, falhas. As tentativas de denotar padrões de

comportamento, desempenhadas pelos autores, acabam por criar restrições

virtuais ao livre mercado que não correspondem aos fluxos reais de

passageiros, recursos e serviços.

Pensando nisso pode-se afirmar que os sistemas de transporte, através

das relações intermodais, acompanham o processo de globalização dos

mercados, e, desta forma também adquirem imprevisibilidade e

imensurabilidade. É cada vez maior a preocupação no que concerne à

mensuração dos impactos de cada um dos setores da economia (como citado

no início deste capítulo), e, iniciativas como contas satélite e multiplicadores

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41

são utilizadas, com freqüência cada vez maior, por institutos de análise

econômica na árdua tarefa de traduzir impactos diretos, indiretos e induzidos

sobre as economias, em diferentes níveis.

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42

2. O TRANSPORTE FERROVIÁRIO: Aspectos Históricos e as

Competições Intermodais

O transporte ferroviário é um dos mais antigos modais de transporte

utilizados pelo homem. A dispersão da tecnologia ferroviária ao redor do

mundo obedeceu a diferentes lógicas, desencadeando diferentes processos de

crescimento e/ou retração posteriores. A implantação das estruturas

ferroviárias possibilitou muitos feitos para as nações, em algumas foi a forma

de integrar o território, em outras a forma de desbravá-lo, por exemplo. De

acordo com Drury (1991, p. 2):

Ferrovias possuem quarto componentes: estrutura fixa (linha férrea, sinalização e prédios), material rodante, recursos humanos e estrutura financeira. Os recursos humanos operam o material rodante ao longo da estrutura fixa, e a estrutura financeira dá suporte às operações. Mas o que chamamos de ferrovia não inclui, necessariamente, todos os quatro componentes17. (traduzido e adaptado pelo autor)

A concepção citada, de que as ferrovias podem ser ditas como um

conjunto de quatro elementos permite-nos notar que a operação das estruturas

ferroviárias e, conseqüentemente, sua manutenção, dependem de um

investimento contínuo (e significativo, ao contrário do cenário brasileiro) , de

mão-de-obra capacitada e de desenvolvimento de tecnologia competitiva. Essa

questão tecnológica é a principal das causas do atual descrédito do transporte

ferroviário, posto que a utilização de outros modais se diz vantajosa em virtude

da eficiência alcançada pela alta tecnologia presente em veículos rodoviários,

17 Railroads have four components: fixed plant (track, right of way and buildings), rolling stock, human organization and financial structure. The human organization operates the rolling stock over the fixed plant, and the financial structure supports the operation. But what we call a railroad does not have necessarily all four components

Page 44: O Turismo como elemento relevante da reestruturação do transporte ferroviário de passageiros

43

aéreos e aquaviários, enquanto na realidade, vem à tona a verdadeira situação

com relação ao transporte ferroviário de passageiros em países como o

Canadá, a França e o Japão. O modal ferroviário possui, nos países

americanos, e principalmente os ditos periféricos, uma aceitação maior na

utilização para o transporte de cargas, como é o caso do Brasil18 que possui

uma malha ferroviária predominantemente direcionada ao transporte de carga.

Atualmente existem diversos tipos de vias ferroviárias, veículos e

terminais, bem como forças motrizes e públicos-alvo de seus serviços,

ressaltando-se sempre que a permanência, de estruturas obsoletas, em

operação, cria um cenário enganoso de que o desenvolvimento tecnológico do

modal não existiu. Para compreender esse desenvolvimento do modal

ferroviário é necessário entender as necessidades humanas de deslocamento,

tanto de cargas quanto de passageiros, nos diferentes países. No presente

capítulo é analisada a trajetória histórica do transporte ferroviário, abordando

momentos chave e alguns de seus impactos sobre os demais modais.

2.1 A Máquina a Vapor e a Locomotiva

O desenvolvimento do modal ferroviário foi viabilizado, principalmente,

pela invenção da máquina a vapor, e sua gênese foi o produto do intercâmbio

de trabalhos de diversos autores. O início da odisséia fora concebido por

Herão, em Alexandria (Egito) por volta de 250 A.C., quando este construiu a

18 No Brasil a relação o volume de passageiros-quilômetro transportado pelo transporte ferroviário e o aéreo é de 0,82%, enquanto nos Estados Unidos esta relação chega a 2,5%, na União Européia a relação representa cerca de 70,20% e no Japão atinge 460%.

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Eolípila19, porém, a importância da transformação de energia térmica em

movimento só foi completamente percebida quando Isaac Newton, em 1690,

descreveu-a em termos científicos, através do Princípio de Ação e Reação20

(Endurthi, 2001). O passo seguinte fora dado por um cidadão francês chamado

Denis Papin, que implementara um novo sistema para fervura sob alta pressão,

como consta na obra “Steam/ its generation and uses” (Babcock e Wilcox,

1978, p. 3):

Nem todos os recentes desenvolvimentos do uso do vapor foram diretamente no sentido de motores e bombas. Em 1680 o Dr. Denis Papin, um francês, inventou um digestor a vapor para propósitos culinários, utilizando “uma caldeira submetida à alta pressão”. Para prevenir uma possível explosão, Papin adicionou um artifício o qual se tornou a primeira válvula de segurança da qual se tem registro21. (traduzido e adaptado pelo autor)

A utilização primária da tecnologia a vapor (desconsiderando a aplicação

de Herão, já que o mesmo não obteve nenhuma utilidade para sua Eolípila)

fora totalmente diferente daquelas que a tornou mundialmente famosa. Nos

primórdios de sua aplicabilidade fora utilizada em cozinhas com o intuito de

acelerar o processo de elevação da temperatura de recipientes. A invenção de

Papin possuía dois pontos importantes que, inicialmente, não foram levados

19 La eolípila es la primera máquina térmica de que se tiene evidencia escrita. Su principio físico es el de acción o reacción; consiste en un globo o esfera hueco colocado sobre una plataforma, de manera que puede girar alrededor de un par de varillas, una de ellas hueca. Por ésta sube el vapor de agua, el cual escapa del globo hacia el exterior por dos tubos doblados, orientados tangencialmente em direcciones opuestas y colocados en los extremos de um diámetro perpendicular al eje del globo. Al ser expelido el vapor, el globo reacciona a esta fuerza y gira alrededor de su eje. Este sistema, en que los chorros de agua en lugar de vapor actúan de fuerza motriz, es el utilizado en los aspersores de riego. (Luquin, 2005, p. 3) 20 Também conhecida como a Terceira Lei de Newton, versa que quando um corpo A exerce uma força sobre um corpo B, o corpo B reage sobre A, exercendo nele uma força de mesmo módulo, de mesma direção e sentido contrário. (Máximo e Alvarenga, 1997) 21 Not all early developments in steam use were directed toward engines and pumps. In 1680 Dr. Denis Papin, a Frenchman, invented a steam digester for culinary purposes, using “a boiler under heavy pressure”. To avoid an explosion, Papin added a contrivance which is the first safety valve of record.

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em conta: primeiro a curiosa condição de que o vapor d’água que impulsionara

o pistão para cima, após se condensar criara uma zona de vácuo que,

automaticamente puxava o pistão à sua posição inicial; segundo a utilização da

primeira válvula de segurança de registro em sistemas pressurizados.

Posteriormente Thomas Savery patenteia um modelo de motor movido a

vapor, para a retirada de água das minas de carvão inglesas. O antigo

problema da retirada de água das minas gerava um incômodo logístico, a

utilização, em alguns casos, de até 500 espécimes eqüinos com o intuito de

fornecer potência na operação de roldanas e baldes. Infelizmente sua invenção

não obteve a utilização para a qual foi desenhada, pois, as freqüentes

explosões tornavam seu emprego receoso entre os trabalhadores. Com a

disseminação da notícia, um ferreiro chamado Thomas Newcomen, que vivia

nas proximidades da cidade de Savery, foi até sua residência oferecer suas

habilidades para a forja e manipulação do ferro, e em troca obteve a permissão

para poder reproduzir o modelo revolucionário de Savery. A partir de uma

réplica que alojou nos fundos de sua residência, Thomas Newcomen planejou

melhorias significativas para o modelo anterior (Bellis, 1997).

Em 1708, após algumas tentativas, Thomas Newcomen e John Calley,

um inventor, que como Newcomen, também não possuía instrução formal em

engenharia e nem em ciências mecânicas, conseguiram implementar algumas

melhorias no protótipo de Savery, mas não obtiveram o sucesso pretendido,

apesar de estarem prontos para patenteá-la. Quatro anos depois, em 1712, a

dupla projetou e produziu um modelo chamado Atmospheric Steam Engine,

onde aplicaram a tecnologia de Papin (de criação de vácuo para a manutenção

do ciclo, com a implementação de estruturas de escape para a água

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46

condensada) na retirada de água das minas de carvão (Babcock e Wilcox,

1978), o ponto nítido do sucesso de Newcomen e Calley é a proposta de

integrar as inovações de Papin ao modelo de Savery, obtendo, assim, maior

segurança na operação da máquina a vapor.

Por volta de 1763 em Glasgow (Escócia), um engenheiro chamado

James Watt, teve seu primeiro contato com a máquina a vapor de Newcomen e

Calley, ao ser requisitado para reparos na estrutura do aparato. Este jovem

engenheiro, que passara os últimos anos construindo instrumentos musicais

em suas horas de lazer e que, após proibições das corporações de ofício e

uniões mercantes, conseguiu iniciar sua oficina mecânica, foi o responsável por

conseguir mensurar a quantidade de calor necessária para produzir o vapor

necessário à operação da máquina. De forma ocasional Watt provou a

existência do calor latente22, e a partir daí produziu uma máquina capaz de

reaproveitar o volume de água usado para condensar o vapor pressurizado, e

reaquecer um recipiente contendo seis vezes seu peso (Bellis, 1997c). O

mesmo Watt aplicou outras inovações ao modelo de Newcomen e Calley,

anexando ao mesmo um condensador, biela e manivela para comando e

transmissão de movimento e um regulador, porém a forma como utilizou a

pressão produzida pelo vapor não foi suficientemente forte, tornando o motor

desnecessariamente grande e pesado, o que frustrou sua tentativa de utilizá-lo

em pequenas unidades de transporte (Devaux, 1964).

A intenção de James Watt, de aplicar sua bmáquina a um aparato de

deslocamento, foi satisfeita pouco tempo depois, em 1769, por um engenheiro

militar francês, chamado Nicolas-Joseph Cugnot. O processo desenvolvido por 22 A quantidade de calor por unidade de massa que precisa ser transferida para produzir uma mudança de fase é chamada de calor de transformação ou calor latente [...]. (Resnick, Halliday e Krane, 2003, p. 256).

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Cugnot consistia no abandono da solução de Papin para a manutenção do ciclo

do motor (através da condensação do vapor produzido). Cugnot adotou um

eixo que conectava os dois pistões de seu motor, estes implantados em

posições iniciais opostas, produzindo assim um ciclo mecânico ao ser

acionado. O veículo desenvolvido era inicialmente um protótipo de trator militar,

com o intuito de tracionar peças de artilharia pesada, as quais não possuem

nenhum tipo de mecanismo de deslocamento (Netindustries, 2008). A

viabilidade do projeto de Cugnot não se concretizou pelas limitações de

combustível e design, onde a autonomia era baixíssima e a caldeira frontal se

mostrara totalmente instável.

Após os resultados obtidos por Cugnot, os projetos baseados em pistões

pressurizados e vapor d’água sofreram algumas reviravoltas, mas, quando a

patente de James Watt expirou, muitos engenheiros franceses não se sentiram

constrangidos na aplicação de sua tecnologia, e na Inglaterra, apesar de

gradativamente mais lento, os inventores passaram a assimilar os projetos de

Watt. Um dos responsáveis pelos novos projetos fora Richard Trevithick, um

engenheiro inglês. Ocorreu que em uma ocasião um proprietário de uma das

grandes empresas de forja, solicitou que Trevithick comparecesse à cidade

onde sua empresa se situava, para discutir sobre a implantação de motores a

vapor sob alta pressão. Esse pedido era fruto de um atrito, ocorrido entre os

proprietários de oficinas de forja próximas a um dos recém abertos canais

ingleses (Tann, 2004).

Quando, na, ocasião um importante canal possuía nada menos que 49

eclusas, distribuídas ao longo de 24 quilômetros de extensão (Tann, 2004), e a

possibilidade de futuros problemas de superlotação da via aquática já eram

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nítidas. Com o possível cenário previsto, Samuel Homfray indagou sobre a

adoção de outro modal de transporte, mas, Richard Crawshay (proprietário da

Cyfartha Ironworks) era o acionista majoritário da concessão do canal, e

expressava sua preferência pelos barcos. O ponto decisivo foi uma cláusula do

Ato de Concessão do Canal, que definia que, a todo e qualquer acionista

localizado até quatro milhas do canal principal, era permitido executar

“collateral cuts or railways23” (Tann, 2004). A partir desta condição, alguns

outros acionistas discutiram tal medida, incluindo estruturas de planificação das

vias pelas quais seus veículos de transporte (ainda não definidos locomotivas,

pois se configuravam em carrocerias puxadas por cavalos) deveriam trafegar.

As estruturas propostas não eram como as atuais, paralelas e longilíneas, mas

sim molduras de ferro em blocos de pedra, com o intuito de manter a tração

entre as patas dos cavalos e o solo, a partir da preocupação pelo peso das

composições. Rapidamente surgiu a proposta de buscar o desenvolvimento de

algum sistema motorizado para desempenhar tais atividades.

Tomando conhecimento dos planos do grupo, Crawshay se mostrou

cético, e propôs a Homfray um desafio: apostou significativa quantia na

hipótese de que era impossível desenvolver algum maquinário que

possibilitasse o deslocamento de um carregamento de 10 toneladas ao longo

de 9,5 milhas, e que este, em seguida, cumprisse o mesmo percurso vazio24. O

motor para tentar cumprir o trajeto fora construído em 1804, porém não obteve

23 Termo interpretado pelo autor como todo e qualquer desvio de percurso do canal e adoção de estruturas ferroviárias para transporte. 24 O intuito de a proposta de Crawshay adotar como parâmetro tal distância é de que a maioria das oficinas situava-se noas arredores de Merthyr Tydfil, a 9,5 milhas de distância de Abercynon, onde se localizava o cais mais próximo.

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sucesso no âmbito da aposta, em virtude de um amálgama de fatores (Tann,

2004).

Posteriormente aos testes do veículo desenvolvido em 1804, Trevithik

propôs em Londres (no ano de 1808) um modelo que se desenvolvia sobre um

circuito circular de madeira, que, novamente foi impedido de obter sucesso total

quando a via se partiu (Tann, 2004). Toda a investida de Trevithick provou que

as composições poderiam alcançar aderência suficiente aos trilhos, e executar

tais tarefas tendo como força motriz a máquina a vapor.

Pode-se dizer que as tentativas de Richard Trevithick (de produzir uma

locomotiva segura e eficiente para o transbordo de carga) aliadas à iniciativa

adotada pelo grupo encabeçado por Samuel Homfray, (de homogeneizar os

terrenos por onde suas composições trafegariam), produziram um cenário de

iminente progresso no que tange às soluções para problemas das minas de

carvão. Minas estas presentes em diversas regiões da Inglaterra, e, fora em

Wylan que um homem nasceu para alterar bruscamente a realidade mineira.

George Stephenson era filho de Robert Stephenson, um homem que

trabalhara como “bombeiro” na mina de carvão de Wylan e residia com sua

família às margens do caminho dos carros de carga das minas (caminho este

construído em madeira). O primeiro trabalho de George fora o de vigiar as

vacas que transitavam nos arredores da via de transporte, para que não

interferissem no trânsito dos animais que puxavam os carros de carga, e, sua

fascinação pelas máquinas e os assuntos das minas de carvão cresceu

continua e significativamente (Ross, 2000). Após aprender a ler e calcular, e

trabalhar em diversos setores das minas, Stephenson se mudou para a

Escócia, onde se interessou por uma mina (Killingworth) onde se utilizava um

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motor como o desenvolvido por James Watt, o mais eficiente da época (Bellis,

1997d).

Quando Stephenson descobriu que dois engenheiros projetavam uma

locomotiva para operar nas minas de carvão de Wylam, decidiu tomar a

iniciativa e alcançar o feito antes, e, com dez meses de trabalho conseguiu

construir o modelo chamado Blutcher (Bellis, 1997d). Esta primeira locomotiva

possuía uma capacidade de reboque ainda restrita, assim como sua

velocidade, mas, foi o invento que demonstrou a superioridade das rodas

dotadas de sulcos nas laterais (visando estabilidade e segurança), e também a

viabilidade da aplicação da tecnologia ferroviária para transporte de cargas

pesadas. Depois da construção primeira locomotiva os proprietários da mina de

Killingworth, surpreendidos, contrataram Stephenson para a implantação de

uma ferrovia entre Hetton e Sunderland, com a extensão de oito milhas.

Após o projeto privado o inventor fora contratado para a construção de

ferrovias públicas, como a que conecta Darlington a Stockton-On-Tees (sua

locomotiva chamada Locomotion cobriu o trajeto de nove milhas em duas

horas). O grande momento de Stephenson foi quando a diretoria da ferrovia

Liverpool-Manchester lançou um concurso para inventores que propusessem

uam locomotiva capaz de operar em seu trajeto. O prêmio de quinhentas libras

fora ganho por Stephenson com sua mais nova locomotiva, a Rocket (Ross,

2000). A partir de seus feitos George Stephenson permaneceu como

engenheiro diretor de diversas ferrovias, até sua morte em 1848.

A invenção da máquina a vapor fora o ponto inicial do transporte de

passageiros sem a utilização de tração animal de qualquer tipo. De acordo com

as informações expostas pode-se pressupor que o transporte de carga fora o

Page 52: O Turismo como elemento relevante da reestruturação do transporte ferroviário de passageiros

51

responsável pela criação do Turismo de massa , uma vez que, somente a

partir da criação da locomotiva a vapor (para reboque de cargas nas minas de

carvão da Inglaterra) que Thomas Cook pôde consolidar a conhecida excursão

ferroviária de 184125, tomada como marco inicial do Turismo tal qual é

estipulado pelos principais autores da área como nome precursor dessa

atividade. Levando em conta esta relação deve-se atentar para

interdependência dos transportes de carga e de passageiros, tanto para a

manipulação das pesquisas quanto para o gerenciamento das estruturas.

Como no caso das ferrovias brasileiras, utilizadas majoritariamente para o

transbordo de carga e dotadas de uma espacialização altamente favorável ao

deslocamento de passageiros, serviço outrora difundido e atualmente

abandonado.

2.2 O Auge do Modal Ferroviário no Mundo

Como visto, as ferrovias foram idealizadas para o transporte de carga

mineral, mas rapidamente se difundiram como um modal eficiente no transporte

de diversos produtos (e também de passageiros), e puderam contabilizar, no

caso de alguns países, malhas ferroviárias muito extensas. Segundo Martins e

Filho (1998), os Estados Unidos da América, em 1916, possuíam

aproximadamente 408.833 km de voas férreas (o equivalente a

25 Em 1841, um vendedor de bíblias, chamado Thomas Cook, andara 15 milhas para um encontro de uma liga contra o alcoolismo em Leicester [Inglaterra]. Para um outro encontro, em Loughborough, ocorreu-lhe a idéia de alugar um trem para levar outros colegas. Juntou 570 pessoas, comprou e revendeu os bilhetes, configurando a primeira viagem da agenciada. (Barretto, 2001, p. 51)

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aproximadamente dez voltas completas ao redor do planeta26). Ainda segundo

Martins e Filho (1998), a implantação das primeiras ferrovias nos Estados

Unidos obedeceu a uma lógica de viabilização da especialização da produção.

Isso quer dizer que a rede de transportes ferroviárias fora, inicialmente,

projetada para fornecer ao país uma vantagem de mercado, abordada por

Adam Smith e David Ricardo, de poder dar ênfase àqueles processos nos

quais se diferenciam pela eficiência superior, e adquirir de pólos externos os

demais produtos e/ou serviços os quais consegue disponibilizar a um custo

maior ou igual ao de mercado. Neste caso dos EUA a especialização fora

destinada a um desenvolvimento interno, já que tais ferrovias não previam

conexões externas, mas interestaduais e intermunicipais, desvinculadas de

qualquer intenção final exportadora.

O desenvolvimento ferroviário mexicano se deu através de uma lógica

diferente da operada nos EUA, pois as ferrovias surgiram de um planejamento

voltado à exportação, setor de mercado que se mostrava prejudicado pelas

características geográficas mexicanas e a dispersão de sua população. Os

centros mexicanos de produção nunca foram compatíveis com rotas de

escoamento marítimo para os bens, assim como afirma Coatsworth (1979, p.

947):

Antes das ferrovias o México dependia quase que exclusivamente, do transporte terrestre. Diferentemente dos Estados Unidos e a Grã-Bretanha, ou até da Rússia Czarista e a Colômbia, o México não possuía nenhum sistema de transporte fluvial. Exceto pelo transporte de carga em três grandes lagos próximos a centros populacionais de grande altitude, alguns lanços acima de vários rios que a partir do golfo seguiam até ao sopé das montanhas, o transporte aquaviário interno era desconhecido. A maioria da população e as atividades econômicas mexicanas sempre se localizaram afastadas de ambas as faces litorâneas, em platôs e vales montanhosos, a navegação costeira nunca foi expressiva no México como foi para a Europa e

26 O perímetro da Terra, segundo Venturi (sem data) é de 40.076 km.

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para os Estados Unidos. O retorno financeiro advindo do transporte de carga, portanto, era alto27. (traduzido e adaptado pelo autor)

Essa concentração demográfica em vales e platôs fez com que o

transporte terrestre se tornasse mais do que apenas uma alternativa, e sim a

única solução para o escoamento da produção. Apesar da acessibilidade e

velocidade dos trens, a arrecadação com o transporte de passageiros se

mostrava um negócio de baixa rentabilidade, justificado em parte pelos baixos

salários praticados no país (que conferiam ao tempo um valor baixo28). Para

Coatsworth (1979), o transporte de carga, ainda incipiente, possuía boa

remuneração, e isso foi decisivo para o estágio seguinte do desenvolvimento

ferroviário mexicano.

Com a disponibilidade de mão-de-obra e altas taxas de transporte, os

investidores estrangeiros e os empreendedores locais tomaram o México como

ótimo celeiro de investimentos, e aqueceram o mercado de exportação agrícola

e mineração moderna. A partir disto, o país iniciou um ciclo rápido de

contribuição mútua, entre as os referidos setores de produção (agrícola e

mineiro) e transporte ferroviário. O auge do transporte ferroviário mexicano se

deu em 1910, com 19.205 km em trilhos, porém, em 1911, com o fim da

ditadura de Porfírio Diaz (1877-1910) e a explosão de movimentos

revolucionários, as construções ferroviárias foram suspensas e a estrutura

27 Before the railroad Mexico depended almost exclusively on overland transportation. Unlike the United States and Britain, or even Tsarist Russian and Colombia, Mexico had no river system suitable for use in transportation. Except for local freight across three large lakes near highland population centers and short hauls up several rivers from the Gulf to the base of the mountains, internal water transport was unknown. Since most of the population and economic activity was always been located far from the two coasts, in plateaus and mountain valleys, coastal shipping never played the role in Mexico that it did in Europe and the United States. Unit savings from railroad freight transport, therefore, were high. 28 O valor do tempo poderá ser mensurado se tomado como tempo de trabalho, de forma que cada hora longe de seus afazeres custe a um trabalhador o equivalente à enésima parte de seu salário (onde n corresponde ao número de horas trabalhadas no período de remuneração). (Coatsworth, 1979, p. 944-945)

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existente fora seriamente danificada. Após a turbulência a economia mexicana

começou a crescer novamente no início da década de 1920, mas a atenção

dispensada ao transporte ferroviário não fora a mesma, e isto condenou o

modal no país.

Na Alemanha a implantação do modal ferroviário teve início por volta de

1840, com a importação de quase todas as estruturas necessárias para a

operação das ferrovias. Segundo Fremdling (1977), a indústria metalúrgica

alemã, em 1840, ainda operava de acordo com métodos medievais, e sua

capacidade produtiva nem de longe atingira o nível de suporte da demanda por

locomotivas, trilhos e as demais constituintes do rol ferroviário. O transporte de

bens no interior do país se mostrava complicado pela situação política entre

seus 38 estados.

Com a fundação do primeiro Zollverein29, em 1834, houve grande

facilitação dos processos, e as políticas foram direcionadas a um favorecimento

das atividades industriais domésticas de maior perícia30. O transporte de

cargas fora a grande prioridade da ferrovia alemã quando de sua implantação e

as atividades industriais necessárias à sustentação do modal foram

estimuladas, e o modal ferroviário fora inserido em uma relação de

reciprocidade de estímulos com a indústria de base alemã (quanto mais crescia

a demanda pelas ligações ferroviárias, através do favorecimento das tarifas de

transporte, mais a indústria aumentava sua produção e ofertava equipamentos

29 Segundo Chastain (s.d.), Zollverein fora um acordo alfandegário entre os 38 estados constituintes do império alemão pré-unificado. Fora implantado, rescindido e renovado em duas ocasiões, com diferentes configurações. 30 De forma semelhante ao operado nos EUA, atenuadas algumas diferenças, como, por exemplo, o fato de a política tarifária alemã ter favorecido a importação de bens não-finalizados, como o ferro gusa. Nos EUA as tarifas do ferro laminado e do ferro gusa foram igualadas, causando um efeito de favorecimento aos produtos já processados. (Fremdling, 1977)

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ao setor ferroviário). O transporte de passageiros, por sua vez, se encontrava

em situação mais delicada, tanto pela situação política interna do império,

quanto pelo retorno financeiro apresentado no transporte da carga.

Segundo Metzer (1974), na Rússia o transporte ferroviário fora

idealizado com os propósitos de: 1) Homogeneizar as taxas operadas pelo

transporte de passageiros e carga no território russo 2) Estimular o mercado

interno (como nos casos alemão e estadunidense) 3) Obter maior eficiência na

alocação de recursos através da flexibilidade dos trajetos dos trilhos, em

comparação ao transporte aquaviário. Com os objetivos traçados o governo

russo concedeu vantagens para a operação de ferrovias e direcionou suas

políticas no sentido da distribuição da produção interna de grãos, tanto para

consumo interno quanto para a exportação (uma vez que a produção de trigo e

centeio possuía assimilação diferente no mercado interno).

O transporte de cargas também fora a prioridade do governo russo,

apesar de a primeira ferrovia construída na Rússia não possuir fins comerciais,

e nem de transporte de cargas, pois serviu aos propósitos de deslocamento do

Czar, entre sua residência de rotina e sua residência de verão, como pode ser

verificado em trecho da obra de Metzer (1974):

A primeira ferrovia russa foi construída em 1837. Conectava São Petersburgo e a Vila do Czar, a residência de Verão do Czar, com cerca de vinte e dois quilômetros de trajeto. Tratava-se, meramente, do brinquedo do Czar31. (traduzido e adaptado pelo autor)

Ainda segundo Metzer (1974), a construção das ferrovias russas pode

ser denotada em dois grandes momentos distintos, como se pode verificar no

trecho abaixo:

31 The first railway in Rússia was built in 1837. It connected St. Petersburg and Tsarskoye Selo, the Tsar’s summer residence, a distance of about fourteen miles. It was, however, merely the “Tsar’s toy”.

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A primeira linha férrea de viés econômico, entre Moscow e São Petersburgo, foi inaugurada em 1851, seguida pela linha São Petersburgo-Viena (Via Warsaw) em 1862, anunciando a construção massiva na Rússia Européia, que durou desde a década de 1860 até a Primeira Guerra Mundial. A disseminação ferroviária concentrou-se, de qualquer forma, em dois momentos distintos: o primeiro entre 1866 e 1875, e o segundo de 1893 a 190532. (traduzido e adaptado pelo autor)

Os dois momentos são caracterizados como o de construção dos

caminhos tronco e a distribuição dos ramais rumo ao interior do páis e aos

pequenos centros produtivos, respectivamente. A rede ferroviária russa

culminava nos grandes portos de transporte de cargas, e cresceu, como já dito,

até meados do início da Primeira Guerra Mundial, tendo, a partir de então,

sofrido grandes perdas.

A utilização das ferrovias, quando de seu início, fora majoritariamente

com o intuito de deslocamento de cargas, planificação de tarifas alfandegárias

e estímulo de mercados domésticos (excluindo-se o turismo de tais mercados,

uma vez que a gênese do fenômeno turístico moderno é tida como a excursão

de Thomas Cook, em 1841, período contemporâneo aos processos de

construção das ferrovias nos países analisados). O caso russo, da ferrovia de

ligação entre as residências do Czar, é um evento isolado e desprovido de

qualquer intenção comercial. Como Metzer (1974) afirma, é apenas um

brinquedo do Czar, que não despertou nenhum interesse de disseminação do

transporte massivo de passageiros (além do necessário para a manutenção

das comunicações e do emprego, descartando a funcionalização pelo lazer)

pelo território russo.

32 The first economic line, between Moscow and St. Petersburg, was opened in 1851, followed up by the St. Petersburg-Vienna (Via Warsaw) line in 1862, heralding the massive construction in European Russia which continued from the 1860’s until World War I. It was concentrated, however, in two distinct surges: the first between 1866 and 1875, and the second from 1893 to 1905.

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Segundo Lardner (apud Martins e Filho, 1998, p. 77), a construção de

ferrovias em território belga se deu com o intuito de manter a comunicação com

os demais países circunvizinhos após a independência. Uma conseqüência

notável da implantação do modal na Bélgica, comum a outros casos, fora a

dinamização do comércio interno.Alguns outros casos foram abordados por

autores como Martins e Filho, mas não são necessários ao desenvolvimento

deste trabalho.

Com a apresentação dos casos anteriores percebe-se que o turismo não

fora uma prioridade para os governos quando da idealização das redes de

transporte ferroviário, apesar de comumente ser construída uma relação entre

o fenômeno e o transporte ferroviário em virtude do pioneirismo de Thomas

Cook, na Inglaterra. Ao desenvolver meios de transporte capazes de

desempenhar atividades sobre-humanas (como trafegar a velocidades muito

superiores à dos homens e com cargas muito superiores às dos animais e

demais equipamentos de deslocamento terrestre), a possibilidade de utilizar

tais estruturas para o deslocamento de pessoas em um tempo cada vez menor

passou a se tornar cada vez mais evidente. Pensando nisso o referido

vendedor de bíblias iniciou a atividade de fretamento de meios de transporte

para grupos fechados a partir de estruturas de carga, antes utilizadas para

unicamente transportar minério, carvão e outros recursos.

A utilização do transporte ferroviário, no início do século XX entrou em

declínio, em função de diferentes causas, mas uma delas fora decisiva para o

abandono dos trilhos quase que totalmente (com exceção de alguns países

que serão abordados posteriormente neste trabalho): a opção rodoviária. O

surgimento da alternativa terrestre ao transporte ferroviário desencadeou uma

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58

competição entre os modais ferroviário e rodoviário, contribuindo para o

declínio da atividade ferroviária e abrindo novas perspectivas de transporte,

conforme é tratado no próximo item.

2.3 As Competições Modais: Transporte Ferroviário versus Transporte

Rodoviário

O transporte ferroviário, como demonstrado no item anterior, conquistou

a preferência de diversos investidores no século XIX, em virtude de sua

superioridade frente ao modal aquaviário (tratando-se, obviamente, de

deslocamentos intracontinetais), que até o momento se apresentara como a

única forma de deslocar cargas e passageiros através de alguma força motriz

advinda de um esforço não-animal. O transporte ferroviário demonstrou a

possibilidade de integrar territórios, através de redes de transportes terrestres,

e viabilizaram tais redes por meio de máquinas capazes de atingir velocidades

inimagináveis para comboios, baseados em animais de tração, que se

dispusesse a transportar os mesmos volumes.

A eficiência do modal ferroviário despertou nos governos, dos países

onde a ferrovia se instalara, uma potente ferramenta configuradora de redes de

transporte, às quais poderiam conceder a seus detentores o controle das

relações (econômicas, culturais e etc.) entre diferentes partes dos territórios.

Tal controle poderia demonstrar um poder de dinamização da economia que

seria extremamente positivo ao país, porém, poderia demonstrar um poder de

sítio tremendo, ou também desfavorecer regiões menos propensas à produção

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59

de certos produtos. Esse quadro instigou a regulamentação excessiva do

modal, e dessa forma estancou diversos investimentos que poderiam advir da

iniciativa privada, construindo um cenário em que o transporte de cargas e

passageiros, através de vias férreas, se mostraria viável apenas em ramais de

grande fluxo e as mercadorias possuíam alto valor, pois os fretes não poderiam

ser praticados livremente pelas operadoras.

Segundo Martins e Filho (1998, p. 79) O contínuo desenvolvimento

científico e tecnológico, que outrora havia elevado as ferrovias à categoria de

principal modal de transporte no século XIX, atuou favoravelmente com relação

às rodovias no século XX. As iniciativas privada e pública direcionaram seus

esforços e investimentos para o modal rodoviário em virtude da combinação

das características do novo modal (maior flexibilidade operacional, a menor

regulamentação sobre as atividades, o menor custo de implantação das vias e

a maior eficiência dos veículos) e os fatos contemporâneos (A crise mundial de

1929, A Primeira Guerra Mundial e A Segunda Guerra Mundial), os quais

determinaram a viabilidade rodoviária em detrimento da opção ferroviária. No

caso argentino a situação se tornou cada vez mais complexa em virtude da

impaciência dos investidores britânicos, que, independentemente do cenário

internacional e o ciclo natural das culturas, exigiram uma remessa contínua de

capital advindo do mercado argentino, como afirma Schvarzer (1999, p. 4),:

A crise da década de trinta bloqueou as já escassas possibilidades de expansão da atividade pampiana. A retração dos mercados mundiais foi paralela ao estancamento, e a declinação física das culturas da região. O material rodante de capital britânico enfrentou a conseqüente deteriorização da demanda de carga originada na Argentina. A baixa atividade agrária afetava seu retorno e sua rentabilidade, ao mesmo tempo em que agrega um elemento adicional para desestimular toda e qualquer tentativa de melhoria técnica. Além disso, a pressão dos acionistas britânicos para a manutenção do fluxo de dividendos efetivos até a Grã-Bretanha promoveu remessas contínuas de quantias da Argentina. Essa

Page 61: O Turismo como elemento relevante da reestruturação do transporte ferroviário de passageiros

60

superposição negativa de estancamento da demanda local de cargas e a pressão dos acionistas em busca de benefícios líquidos resultavam incompatíveis com a melhora potencial do sistema ferroviário e, inclusive, erodia a continuidade do processo operacional. Com efeito, as respostas empresariais a tais condições de mercado levaram a uma intensa contração de todas as inversões de renovação, permitindo o desgaste contínuo e crescente de equipamentos e instalações33. (traduzido e adaptado pelo autor)

A pressão de investidores internacionais, como citado, foi fatal para a

rede ferroviária argentina, e o governo do país assumiu a sua maior decisão

estratégica relativa a transporte ao incentivar a construção de rodovias, como

alternativa para o transporte de carga (Schvarzer, 1999, p. 4). A implementação

de vias rodoviárias demonstrou a baixa competitividade do modal ferroviário na

argentina, que não pôde reagir em virtude da regulamentação.

O caso brasileiro tem notável relação com a baixa flexibilidade do

sistema ferroviário, pois, a estrutura fora implantada com o intuito de dar

suporte à economia essencialmente exportadora brasileira, direcionando os

trilhos rumo aos portos regionais (Ângelo, 1997 apud Martins e Filho 1998, p.

80). Com a industrialização nacional se intensificando foram supridos mercados

de consumo para diversos produtos antes importados, e também fora

nacionalizada a compra de grande quantidade da matéria-prima antes

exportada. Esse crescimento do mercado interno, em diferentes níveis das

cadeias produtivas, demandava a estruturação de redes de transporte que

diferissem dos antigos ramais “centro produtivo – porto”. O modal rodoviário

33 La crisis de la década del treinta bloqueó las ya escasas posibilidades de expansión de la actividad pampeana. El cierre de los mercados mundiales fue paralelo al estancamiento, y la declinación física de las cosechas de la región. Los ferrocarriles de capital británico se enfrentaron al consiguiente deterioro de la demanda de carga originada en la Argentina. La menos actividad agraria afectaba sus ingresos y su rentabilidad, al mismo tiempo que agrega un elemento adicional para desestimular todo ensayo de mejora técnica. Para más, la presión de los accionistas británicos por sostener el flujo de dividendos en efectivo hacia Gran Bretaña promovió la remisión continua de ganancias desde la Argentina. Esa superposición negativa de estancamiento de la demanda local de cargas y la presión de los accionistas por beneficios líquidos resultaba incompatible con la mejora potencial del sistema ferroviario e, incluso, erosionaba la misma continuidad del proceso operativo. En efecto, las respuestas empresarias a esas condiciones del mercado llevaron a una intensa contracción de todas las inversiones de renovación, permitiendo el desgaste continuo y creciente de equipos e instalaciones.

Page 62: O Turismo como elemento relevante da reestruturação do transporte ferroviário de passageiros

61

apresentava características adequadas ao momento brasileiro, segundo

Martins e Filho, (1998, p. 80) as rodovias, com custos de implantação e prazos

de maturação inferiores, revelaram-se mais adequadas para suportar um

intenso processo de industrialização, e o cenário favorecera ainda mais as

rodovias com a implementação do Plano de Metas pelo governo de Juscelino

Kubitschek, que investira massivamente na expansão de rodovias e incentivou

a indústria automobilística34.

Assim como já abordado no primeiro capítulo deste mesmo trabalho e

reafirmado no parágrafo anterior, a superioridade do modal rodoviário

concretizou-se em virtude da alta adaptabilidade espacial do modal rodoviário,

a liberdade decisória (tanto para destinos quanto para horários) do viajante e a

produção em massa de veículos para trânsito em vias rodoviárias. Para o

Turismo esta superioridade demonstrou grande revolução nas formas de

viagem, e concedeu aos viajantes a independência almejada. Essa perspectiva

é analisada por Prideaux e Carson (2003, p. 307-308):

A indústria do Turismo foi beneficiada enormemente pela habilidade dos automóveis de prover, quase que de forma irrestrita, viagens terrestres, e, em nações desenvolvidas uma proporção significante de viajantes domésticos utilizam-se de carros como a principal forma de transporte para os feriados. Na Austrália, por exemplo, o Bureau of Tourism Research publicou que 70 por cento de todas as viagens são efetuadas através de carros. A indústria do Turismo tem respondido a esta preferência pela viagem de carro desenvolvendo novas formas de acomodação, tipificadas por parques de estacionamento e motéis, e investindo em atrações turísticas localizadas a maiores distâncias dos grandes centros urbanos35. (traduzido e adaptado pelo autor)

34 Segundo Almeida (2006, p. 201) o investimento destinado ao setor de transportes (29,6%) abarcaria reaparelhamento e construção de ferrovias; pavimentação e construção de rodovias; serviços portuários e de dragagens; marinha mercante; transportes aeroviários;, porém, beneficiou o setor automobilístico em grande parcela, apoiado também pela Instrução 113, da Superintendência da Moeda e do Crédito, que previa facilidades com relação à importação de equipamentos sem cobertura cambial. 35 The tourism industry has benefited enormously from the car’s ability to provide almost unrestricted land travel and in developed nations a significant proportion of domestic travellers utilise cars as their main form of holiday transport. In Australia, for example, the Bureau of

Page 63: O Turismo como elemento relevante da reestruturação do transporte ferroviário de passageiros

62

Como observado por Prideaux e Carson a competição entre os citados modais

refletiu conseqüências drásticas no setor do Turismo, uma vez que influenciou

a construção de meios de hospedagem e investimentos em atrativos turísticos

distantes de centros de maior densidade populacional e nível de urbanização

mais elevado. Tais alterações ditaram novas formas de Turismo e contribuíram

enormemente para uma maior individualização36 das práticas turísticas.

O modal rodoviário alcançou altos percentuais de prevalência para

deslocamentos intracontinentais e foi difundido e adotado ao redor do mundo

como o meio de transporte mais utilizado na atualidade. Para comprovar tal

afirmação vide o Gráfico 2, presente na página 20 do capítulo 1, onde é

apresentada a participação de cada modal37 de transporte na demanda total de

passageiros dos 23 países integrantes European Environment Agency.

Com o modal rodoviário conquistando cada vez mais espaço no quadro

da demanda de transporte de cargas e passageiros, os governos

implementaram projetos como a iniciativa do governo inglês através do Road

and Rail Traffic Act de 1933, que flexibilizava as tarifas e concedia

exclusividade em contratos de transporte de cargas para o modal ferroviário,

porém não obteve sucesso (Martins e Filho, 1998, p.80). Seguindo a lógica de

expansão contínua do modal rodoviário a indústria automobilística brasileira

Tourism Research reported that 70 per cent of all trips are undertaken by car. The tourism industry has responded to this preference for car travel by developing new forms of accommodation, typified by caravan parks and motels, and investing in tourism attractions located away from major urban centres.

36 Entenda esta individualização como a prática de Turismo por grupos pequenos, normalmente utilizadores de um ou poucos automóveis, que não utilizasse meios coletivos de transporte e, tampouco, meios de hospedagem de alta capacidade. 37 Vale ressaltar que a divisão entre os modais levou em conta carros, ônibus, composições ferroviárias e aeronaves, desconsiderando as linhas metroviárias urbanas. Isso demonstra que a real expressividade do modal rodoviário é, na realidade, o somatório das cotas para carros e ônibus.

Page 64: O Turismo como elemento relevante da reestruturação do transporte ferroviário de passageiros

63

saltou de uma produção anual de pouco mais de 200 mil unidades em 1969,

para pouco mais de 750 mil unidades em 1978 (ANFAVEA apud Palhares,

2002, p. 189). A malha rodoviária brasileira, em 1940, contava, segundo

Palhares, (2002, p. 223-224):

Com apenas 423 quilômetros de rodovias federais e estaduais pavimentadas (...,) em 1950 o País já possuía o dobro de rodovias pavimentadas do que nos cinco anos anteriores.(...) A década de 1960 foi caracterizada pela interligação de todas as capitais estaduais, com exceção de Manaus e Belém, por rodovias federais. (...) Na década de 1980, o País possuía 47 mil quilômetros de rodovias federais pavimentadas.

Neste contexto a opção ferroviária parecia fadada à extinção em pouco

tempo, não fossem algumas iniciativas de países que há algumas décadas

haviam investido seus esforços em pesquisa para o modal ferroviário. A

conseqüência de tais tentativas foi a aplicação de tecnologias inovadoras e

revolucionárias, presente no próximo tópico.

2.4 As Inovações Tecnológicas: Tav’s e Maglev

Com a popularização da alternativa rodoviária, grande parte dos países

abriu mão de todo ou grande parte do investimento destinado à manutenção e

pesquisas no setor ferroviário, porém, alguns poucos países mantiveram tais

incentivos, como o caso japonês que buscava como objetivo o aumento da

velocidade de transporte para cerca de 250 km/h. A interrupção dos projetos

japoneses com a Segunda Guerra Mundial atrasou os planos que só foram

retomados em meados da década de 1950, culminando na inauguração do

primeiro trem de alta velocidade do mundo em 1° de outubro de 1964, na

cidade de Tóquio, na ocasião da realização dos Jogos Olímpicos (Palhares,

Page 65: O Turismo como elemento relevante da reestruturação do transporte ferroviário de passageiros

64

2002, p. 304). A tecnologia desenvolvida pelo Japão ficou conhecida como

HSGT (High Speed Ground Transport), HSST (High Speed Surface Transport)

ou TAV (Trem de Alta Velocidade), caracterizada pela operação de

composições em linhas ferroviárias normais que atinjam velocidades superiores

a 200km/h ou 250km/h em linhas ferroviárias adaptadas. Esse progresso

possibilitou um novo olhar ao modal ferroviário, posto que a alta segurança,

excepcional pontualidade, baixo custo de operação e alta capacidade de carga,

possuíam potencial competitivo com relação ao inovador transporte aéreo.

De acordo com Palhares (2002, p. 304):

Com o êxito obtido no Japão, a operadora do sistema ferroviário francês, a SNCF (Société Nationale des Chemins de Fer), iniciou no ano de 1966 os estudos para implantação de uma linha de alta velocidade chamada de TGV (Train à Grande Vitesse). Declarada de interesse nacional em 1976, uma linha entre Paris e Lyon foi inaugurada em duas fases, nos anos de 1981 e 1983.

A implantação do TGV em Paris abriu caminho para o desenvolvimento

de pesquisas em TAV em diversos países da Europa, e despontaram como

centros europeus de pesquisa, em transporte ferroviário de alta velocidade, a

própria França e a Alemanha.

Posteriormente à implantação dos referidos TAV, em 1974, a empresa

japonesa de transporte aéreo Japan Airlines iniciou pesquisas para formas de

transporte mais rápidas entre o centro de Tóquio e o aeroporto de Narita. A

alternativa escolhida pelo grupo de pesquisa japonês fora a de levitação

magnética (Maglev – Magnetic Levitation), baseando-se em uma aplicação de

tecnologia alemã implantada tanto na Alemanha quanto na Grã-Bretanha

(Vuchie e Casello, 2002, p. 39), que apesar de ser de baixa velocidade

demonstrou a viabilidade mecânica de tal iniciativa. Com tal incentivo científico

os pesquisadores japoneses desenvolveram e implementaram protótipos que

Page 66: O Turismo como elemento relevante da reestruturação do transporte ferroviário de passageiros

65

rapidamente romperam as barreiras de velocidade alcançadas por mecanismos

de transporte terrestres, facilmente alcançando velocidades superiores a

400km/h.

Os sistemas de Levitação Magnética se baseiam em princípios básicos

de magnetismo e podem ser desenvolvidos a partir de repulsão, atração ou

indução magnética. A tecnologia japonesa foi desenvolvida a partir da repulsão

magnética e, dentre a bibliografia pesquisada não foi encontrada nenhuma

justificativa pra que alguma forma de aplicação da tecnologia magnética seja

preterida em detrimento de outra, ou seja, não foram encontradas evidências

de disparidade quanto à eficiência de cada alternativa magnética. A propulsão

dos veículos também pode variar entre a utilização de motores elétricos e a

aplicação de correntes elétricas em bobinas dos trilhos. A notoriedade de tais

projetos é o ganho em segurança, baixo consumo energético e relativa

emissão de ruídos e poluentes já que o sistema demonstra extrema

estabilidade, ausência de contato com as vias e alimentação por corrente

elétrica (Coimbra, 2006).

Apesar da aparente superioridade operacional da tecnologia Maglev,

quando confrontada aos TAV’s, a diferença que se atesta ao efetuar um estudo

mais detalhado não é realmente compensatória. Por exemplo, a figura 4

reproduz um gráfico que demonstra como o ganho de velocidade influência na

economia de tempo em deslocamentos de até 250 quilômetros. Segundo o

autor do gráfico, o ganho de tempo para as velocidades acima de 250 km/h

passam a ser insignificantes se comparados aos ganhos nos intervalos

anteriores (este raciocínio é sustentado pelo destaque da letra “a”, no gráfico

da Figura 4). Também demonstra que em percursos menores a velocidade

Page 67: O Turismo como elemento relevante da reestruturação do transporte ferroviário de passageiros

66

passa a ter uma influência ainda menor, ou seja, quanto menor for o percurso

em questão, menor será a vantagem competitiva da adoção de tecnologia

Maglev (este raciocínio é sustentado pelo destaque da letra “b”, no gráfico da

Figura 4).

Figura 4 – Tempo de percurso versus Velocidade máxima

Fonte: Vuchie e Casello, 2002.

Além das duas justificativas sustentadas pelas letras “a” e “b” no gráfico,

Vuchie e Casello (2002, p. 36) também apresentam a justificativa de que o

aumento nos custos para a implantação da tecnologia Maglev não é

proporcional ao aumento de velocidade alcançado, contestando a visão de que

os TAV’s já não são viáveis, uma vez que a tecnologia Maglev já se encontra

em um patamar de desenvolvimento que se tornou aplicável comercialmente.

Outro ponto importante que os autores destacam é a diferença existente entre

a velocidade máxima experimental (VME) e a velocidade máxima operacional

(VMO) de cada sistema, pois, os sistemas não operam em VMO, que tende a

Page 68: O Turismo como elemento relevante da reestruturação do transporte ferroviário de passageiros

67

ser de 50% a 80% maior do que a VME alcançada por este mesmo sistema. O

problema é que a divulgação dos avanços tecnológicos diz respeito,

normalmente às VME, e causam erros de avaliação de projetos no sentido de

que a adoção de tais tecnologias só poderá alcançar tal velocidade em

condições extremamente controladas e de alta previsibilidade, o que não

constitui o cenário real.

O estudo de Vuchie e Casello conclui que a implementação da

tecnologia Maglev, se comparada à tecnologia de TAV não é justificada por

fatos, mas sim por expectativas construídas a partir de que a velocidade, a

emissão de ruídos e o consumo de energia são quesitos básicos (mesmo que o

consumo energético, por unidade transportada, tenha sido atestado superior

nas composições Maglev). A Figura 5 reproduz uma tabela que contém as

conclusões alcançadas pelos autores.

Figura 5 – Comparação entre Maglev e TAV (High Speed Train)

Fonte: Vuchie e Casello (2002).

Page 69: O Turismo como elemento relevante da reestruturação do transporte ferroviário de passageiros

68

2.5 As Competições Modais: Transporte Ferroviário versus Transporte

Aeroviário

O cenário delineado pelo abandono do modal ferroviário por preferência

pelo modal rodoviário foi ainda complementado pelo rápido desenvolvimento do

transporte aéreo de longa distância e grande capacidade (com a aplicação

viável de turbinas após a Segunda Guerra Mundial e outras tecnologias), como

afirma Palhares (2002, p. 105):

Na segunda metade da década de 1950, há uma revolução na aviação comercial com o surgimento de aeronaves maiores como os modelos Comet, Caravelle, Boeing 707 e Douglas DC-8. No final dos anos 60 e início dos anos 70, aparecem as primeiras aeronaves wide-body, em particular o Boeing 747 e o Douglas DC-10, que impulsionaram ainda mais o desenvolvimento da aviação comercial.

As inovações apontadas por Palhares (2002) atestaram a característica

última que o transporte aéreo ainda não havia conquistado, a alta capacidade

de carga38. Esta grande capacidade aliada às condições de que o transporte

aéreo alcança uma cobertura geográfica quase total e o contínuo

desenvolvimento tecnológico no sentido de diminuição de custos, fizeram com

que o transporte terrestre (tanto ferroviário quanto rodoviário) sofresse grande

abalo, e orientou muitas políticas em favor das malhas aeroviárias.

Essa nova orientação nos setores de transporte levou à disseminação

de aeroportos e à explosiva onda de companhias aéreas, o que por sua vez

gerou grandes inconvenientes aos órgãos reguladores da atividade. As

medidas adotadas foram sendo alteradas com o tempo e em muitos países

ocorreu a desregulamentação do setor, que acabara por atingir uma situação

38 Levando em conta que a palavra carga é aplicada neste momento como qualquer espécie de público-alvo para o serviço de transporte, sejam objetos ou pessoas.

Page 70: O Turismo como elemento relevante da reestruturação do transporte ferroviário de passageiros

69

semelhante à do transporte ferroviário quando da aparição do transporte

rodoviário. Porém, o transporte aéreo é dotado de particularidades as quais

não permitem total otimização do processo, como por exemplo a localização de

terminais que é de alta periculosidade para núcleos de alta densidade

demográfica, forçando sua construção em locais afastados dos grandes

centros (que geralmente são seus maiores usuários).

A predominância do modal aeroviário para os deslocamentos de longa

distância foi nítida após a Segunda Guerra Mundial, com uma demanda de

passageiros crescente e conferências internacionais para o estabelecimento de

acordos sobre o espaço aéreo. Com a implantação do TGV em Paris, a

participação do transporte aeroviário na divisão modal de passageiros foi

significativamente alterada, como afirmam Park e Ha (2006, p. 97):

Na França, em 1981, a rota Paris-Lyon (450 km) foi inaugurada como a primeira roda do TGV, o que iniciou a competição entre o transporte aéreo e o transporte ferroviário de alta velocidade. Quando a rota leste do TGV foi introduzida, o transporte aéreo da mesma região decresceu quase pela metade sua participação modal, de 30% para 15%. A parte disso, a participação modal do transporte ferroviário englobava uma distância operacional maior então o volume de redução foi relativamente pequeno, mas no caso da rota Paris-Marseilles (700 km), a participação modal do transporte aéreo passou do intervalo entre 45-55% para 35-45%, e na rota Paris-Nice (900 km) caiu de 55-65% para 50-60%. Isso significa que a demanda pelo transporte aéreo foi influenciada pela distância operacional. Em outras palavras, no caso da França, as rotas de curta distância, ou rotas de trajeto inferior a 500 quilômetros, foram impactadas consideravelmente39. (traduzido e adaptado pelo autor)

39 In France 1981, the Paris-Lyon route (450 km) was opened as the very first route of the TGV, thus ushering in competition between air and high-speed rail. Once the eastern high-speed rail route was introduced, the eastern air transport route volume share decreased by almost half, from 30% of air transport modal share to 15%. Apart from this, the rail modal share encompassed a longer operational distance so the volume of reduction was relatively small, but in the case of the Paris-Marseilles route (700 km), the air modal share dropped from 45–55% to 35–45% and the Paris-Nice route (900 km) dropped from 55–65% to 50–60%. This means that air transport demand was influenced by the operational haul length. In other words, in the case of France, short line-haul length routes, or routes less than 500 km in length, were impacted significantly.

Page 71: O Turismo como elemento relevante da reestruturação do transporte ferroviário de passageiros

70

Os autores afirmam que, as alterações na demanda de passageiros por

serviços aéreos foram mais significativas para as rotas com percursos

inferiores a 500 quilômetros, sendo que as rotas mais longas não sofreram

tanta influência, em virtude da velocidade média operacional das aeronaves

serem bastante superiores às dos TAV’s. O fator decisivo para as escolhas

encontra-se nas atividades operacionais indispensáveis a estes modais, como

por exemplo a preparação antes da partida, a coordenação dos veículos nas

rotas e outras atividades as quais Palhares (2002, p. 308) elenca e justifica:

Nas viagens até 500 quilômetros de distância, o tempo gasto no deslocamento do passageiro desde a origem da sua viagem (casa, escritório, etc.) até o aeroporto, além dos tempos de apresentação para o check-in, embarque, taxiamento, pouso e decolagem das aeronaves, e é claro, do tempo de deslocamento do aeroporto até o seu destino final, terminam por eliminar a vantagem que as aeronaves apresentam em termos de velocidade. Isso ocorre porque, com distâncias inferiores a 500 quilômetros, enquanto o tempo efetivo de vôo pode durar menos do que uma hora, o tempo gasto com as atividades mencionadas pode vir a representar aproximadamente outras duas horas.

Baseando-se no fato de que a grande maioria dos terminais aeroviários

localiza-se fora dos grandes centros e os terminais ferroviários possuem a

versatilidade de habitá-los, pode-se presumir que o tempo de deslocamento até

o terminal venha a ser consideravelmente superior para os passageiros que

buscam o transporte aéreo. Neste contexto, também se pode verificar que o

transporte ferroviário pode servir como corredor intermodal entre os centros de

negócios e os terminais aeroviários, confirmando sua participação modal

mesmo quando o transporte aeroviário prevalecer. A análise fora efetuada com

base no transporte ferroviário de TAV’s, que demonstram sua alta eficiência em

percursos de menor distância, mas, caso a alternativa Maglev seja aplicada, o

transporte aeroviário ainda poderá enfrentar outra grande perda de participação

modal.

Page 72: O Turismo como elemento relevante da reestruturação do transporte ferroviário de passageiros

71

Vale ressaltar que os turistas buscam formas de deslocamento que

ofereçam o maior número de vantagens por um menor número de recursos40.

Claro que existem segmentações no setor turístico com relação a

consumidores sensíveis a preços, tempo e conforto, mas, é notável a aversão

dos passageiros às perdas excessivas de tempo quando da utilização das

estruturas de transporte com fins primordialmente de deslocamento. Os TAV’s

alcançam tal nível de satisfação por oferecem um serviço de alta pontualidade,

segurança, baixa tarifa e considerável dinamismo (uma vez que não se exigem

os mesmos procedimentos extenuantes para o embarque em aeroportos). A

partir dos dados apresentados, pode-se constatar que a competitividade do

modal ferroviário cresceu nos últimos anos frente aos demais modais, a

despeito do declínio abrupto proporcionado pela iniciativa rodoviária, no século

XX. A aplicação das novas tecnologias proporcionou o ressurgimento do

transporte ferroviário de passageiros e o estabelecimento de novas relações

intermodais.

Considerando o quadro traçado pelas pesquisas, os governos optam

pelas formas de transporte que mais lhes convém, e, seguindo esta lógica, no

próximo capítulo alguns casos são analisados e utilizados para ilustrar as

vantagens e os problemas da utilização do transporte intermunicipal de

passageiros via modal ferroviário.

40 Tempo e dinheiro literalmente.

Page 73: O Turismo como elemento relevante da reestruturação do transporte ferroviário de passageiros

72

3. A UTILIZAÇÃO DO MODAL FERROVIÁRIO NO TRANSPORTE DE

PASSAGEIROS PELO MUNDO

O transporte ferroviário de passageiros representou um avanço

expressivo no deslocamento terrestre no século XIX, competindo diretamente

com o transporte aquaviário, quando se tratando de trajetos intracontinentais. A

competição intermodal foi decisiva para o declínio da atividade ferroviária de

transporte, tanto de passageiros quanto de cargas, entretanto, governos como

o francês e o japonês investiram em pesquisas que demonstraram a eficiência

do modal para os interesses condizentes aos séculos XX e XXI, o que causou

uma reviravolta na distribuição da participação dos modais de transporte.

Partindo dessa premissa, surgem indagações que são inerentes ao objeto de

estudo dessa pesquisa. Dessa forma, analisar-se-á o transporte ferroviário e o

turismo de acordo com as ações no transporte ferroviário japonês, francês e o

brasileiro.

As tecnologias mais discutidas, atualmente, para o transporte ferroviário

são as de TAV’s e Maglev, como tratado no capítulo anterior. Entretanto, a

implantação e a revitalização de trechos ferroviários acabam por encontrar um

obstáculo muitas vezes infundado: a crença de que a alternativa rodoviária

oferece custos mais baixos e retorno do investimento superior ao da opção

ferroviária. O estudo de Ângelo (1987), através de um estudo de caso para

uma variante ferroviária, demonstra (através de projeções e análises de séries

históricas) que a instalação de estrutura ferroviária não só responde por um

custo menor (em casos de demanda suficiente, como trechos de fluxos densos)

Page 74: O Turismo como elemento relevante da reestruturação do transporte ferroviário de passageiros

73

como também alcança uma crescente contínua de retorno superior às

reportadas pelo modal rodoviário. Vale ressaltar, também, que no estudo em

questão não foram mensurados outros benefícios advindos da redução na

demanda rodoviária, como o número de acidentes.

O emprego do modal ferroviário para o deslocamento de passageiros ao

redor do mundo encontra-se em uma situação bastante diferente da atestada

no Brasil, como pode ser observado na Tabela 1. O transporte aéreo, para a

realidade brasileira, alcançou desempenho cerca de 120 vezes maior ao

equivalente ferroviário, relação que na União Européia não chegou a 1,5 vezes,

e no caso dos Estados Unidos cerca de 40 vezes. O caso japonês é chamativo,

a relação alcança uma superioridade ferroviária de cerca de 4,5 vezes.

Analisando os números e levando em conta a configuração geográfica de cada

país/bloco econômico, temos que o único elemento que têm seu território

situado totalmente em ilhas responde pelo maior tráfego ferroviário, superando

os demais componentes do estudo, que têm superfícies terrestres

imensamente maiores.

Tabela 1 – Passageiros por quilômetro transportados no ano de 2006

Passageiros-quilômetros transportados em 2006 (em m ilhares de pkm) País/Bloco Econômico Ferroviário Aéreo

União Européia 384.000.000 547.000.000 Japão 396.000.000 86.000.000 Estados Unidos 23.700.000 950.500.000 Brasil 463,517 56.579,553

Fonte: Eurostat (2009) e Relatórios Anuais de Acompanhamento das Concessões Ferroviárias da ANTT (2007). Adaptado pelo Autor

O transporte ferroviário de passageiros tem reconquistado espaço na

distribuição modal. A participação majoritária do transporte ferroviário, em

transportes de passageiros, se dá em caráter urbano, através de metrôs e trens

urbanos (conforme Gráfico 3, constante no primeiro capítulo deste mesmo

Page 75: O Turismo como elemento relevante da reestruturação do transporte ferroviário de passageiros

74

trabalho), porém, em alguns países, a quota de passageiros que optam pelo

modal em deslocamentos interurbanos, já supera a opção aérea em alguns

trechos, como no caso do fluxo doméstico francês, onde o transporte ferroviário

movimentou, em 2006, cerca de três vezes mais passageiros do que o

transporte aéreo (Eurostat, 2009). Segundo Arduin e Ni (2005, p. 22):

A tecnologia de TAV’s não só é rápida, também provou ser um modal de transporte seguro, confortável e eficiente para a população em geral. Em suma, revitalizou o transporte ferroviário e se tornou um símbolo da sociedade moderna41. (traduzido e adaptado pelo autor)

A opção ferroviária demonstrou sua eficiência, no âmbito dos TAV’s,

para os deslocamentos inferiores a 500 quilômetros (Palhares, 2002), o que

caracteriza uma correlação nítida com o turismo interno para diversos países

do mundo, os quais, por questões geográficas são incompatíveis com

percursos maiores. Para tais países, os quais não dispõem de dimensões

territoriais extensas (como é o caso do Brasil, da Rússia, do Canadá, dos

Estados Unidos da América, da China e da Índia), a utilização do transporte

ferroviário para o transbordo de passageiros é altamente atrativo, dadas suas

características.

Nos países de maior dimensão, como no caso do Brasil e dos Estados

Unidos, o modal ferroviário foi relegado, majoritariamente ao transporte de

bens de consumo e de capital, uma vez que a configuração territorial permite a

expansão da rede ferroviária e o transporte de passageiros fora consolidado

através dos modais rodoviário e aéreo. Nos Estados Unidos, a participação do

41 Not only is high-speed rail fast, it has also proved to be a safe, comfortable and efficient transport mode for the general population. In short, it has revitalized railway transport and has become a symbol of modern society.

Page 76: O Turismo como elemento relevante da reestruturação do transporte ferroviário de passageiros

75

transporte ferroviário interurbano42 corresponde a 43% e 0,275%, nos

transportes de cargas e passageiros, respectivamente (Eurostat, 2009), por

outro lado, o transporte aéreo responde por 11% do deslocamento de

passageiros (sendo sequer abarcado no relatório em questão). Um argumento

que pode ser apresentado em defesa da utilização do modal ferroviário pode

ser a eficiência na utilização da energia consumida pelos equipamentos.

A partir de dados de diversas tabelas constantes no relatório “Panorama

of Transport 2009” (Eurostat, 2009), acerca dos fluxos de passageiros inseridos

na União Européia, o consumo energético dos equipamentos de transporte e a

emissão de poluentes de tais estruturas construiu-se a Tabela 2. Os dados

apresentados na Tabela 2 expressam uma comparação entre o desempenho

dos modais aéreo e ferroviário, baseados nos quesitos passageiros-quilômetro,

consumo de toneladas de óleo equivalente (TOE43) e emissão de toneladas de

dióxido de carbono (TCO244).

Tabela 2 – Comparação entre os modais Ferroviário e aéreo

Modal

Ano: 2006 – Doméstico

Pkm (bi) Consumo energético (mil TOE)

Emissão de Poluentes (mil TCO 2)

Ferroviário 384 9.199 9.923.000 Aéreo 547 51.856 25.799.800

Fonte: Eurostat (2009). Adaptado pelo autor

Partindo da análise da Tabela 2 foram estabelecidas correlações entre

os dados apresentados. Tais correlações foram expressas na Tabela 3.

42 Aqui não se consideram formas de transporte ferroviário como os trens urbanos e os metrôs. 43 TOE é a sigla, em inglês, para Toneladas de Óleo Equivalente (Tons of Equivalent Oil), um indicador utilizado para fins de comparação entre equipamentos que utilizam diferentes fontes energéticas. 44 TCO2 é a sigla para toneladas de dióxido de carbono. Uma medida para emissão de poluentes.

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76

Tabela 3 – Correlações entre Pkm, TOE e TCO 2 para a Tabela 2 Modal

Ano Base: 2006 – Doméstico Pkm/TOE Pkm/TCO 2

Ferroviário 41.743,7 38,7 Aéreo 10.548,8 21,2 Fonte: Criado pelo autor

O primeiro indicador produzido relacionou o volume de passageiros-

quilômetro transportados (Pkm) e o consumo de toneladas de óleo equivalente

(TOE) pelos equipamentos de transporte, o que expressa o volume de

passageiros transportado para cada tonelada de óleo equivalente consumida.

O resultado do cálculo demonstra que, em termos gerais, ou seja, incluindo os

transportes urbanos, para os parâmetros analisados a eficiência45 do modal

ferroviário alcança aproximadamente quatro vezes o nível expressado pelo

modal aéreo. O segundo indicador relacionou o volume de passageiros-

quilômetro (Pkm) e o volume de dióxido de carbono emitido pelos

equipamentos de transporte (TCO2), demonstrando o volume de passageiros-

quilômetro transportado a partir da emissão de uma tonelada de dióxido de

carbono, o que pode-se nomear “responsabilidade individual por emissões”, tal

qual diminui à medida que o número de passageiros transportados aumenta,

ao custo de um volume de emissões invariável. O resultado desta operação

explicita que, seguindo os parâmetros assumidos, a eficiência para o transporte

ferroviário alcança 180% do desempenho do modal aéreo.

Baseando-se nos tratados de constituição e regimento da Comunidade

Européia (Treaties), foi proposto um projeto denominado TEN-T (que é uma

sigla para “Redes Trans-européias de transporte” 46) no qual se prevêem

investimentos em redes internacionais de transporte, que relacionem os países 45 Quando utilizamos o termo eficiência buscamos expressar as diferentes grandezas dos coeficientes criados, com o intuito de compará-los entre os dois modais de transporte. 46 Trans-European Networks in Transport.

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77

componentes do bloco econômico, simples ou intermodais. O Parlamento

Europeu e o Conselho da União Européia estabeleceram, através da “Decision

No 1692-96-EC” as diretrizes gerais para os projetos de redes de transporte

transeuropéias, em consonância com os tratados de criação da comunidade

européia. A constituição de tais redes de transporte é uma iniciativa em sintonia

com os propósitos da Comunidade, conforme a própria decisão explicita em

uma de suas passagens:

Considerando que o estabelecimento e desenvolvimento de redes transeuropéias contribuem para a realização de importantes objetivos da Comunidade, assim como o pleno funcionamento do mercado interno, o fortalecimento econômico e a coesão social47. (traduzido pelo autor)

De acordo com o relatório “Panorama of Transport 2009”, os modais

mais beneficiados através das redes TEN-T são o ferroviário (sendo que mais

de 10% da infra-estrutura instalada é direcionada aos TAV’s), rodoviário e

fluvial, conforme apresenta a Tabela 4.

Tabela 4 – Extensão das redes TEN-T entre 2003 e 20 20 (km)

Modal 2003 Abril de 2008 48 2020 Ferroviário 83.300 95.140 116.975 Rodoviário 74.500 76.842 80.708 Navegação interna 14.100 15.881 17.763 Fonte: Eurostat (2009). Adaptado pelo autor. Levando em conta os dados apresentados percebe-se que a postura da

União Européia perante o modal ferroviário continua e, provavelmente

continuará sendo de investimento prioritário no setor de transportes.

Comparando dois gráficos constantes no relatório “Implementation of the

47 Whereas the establishment and development of trans-European networks contribute to the attainment of major Community objectives, such as the smooth functioning of the internal market and the strengthening of economic and social cohesion.

48 Estimativa baseada em um outro estudo denominado SG-Tren “TEN-T, Implementation of the Priority Projects, Progress Report” (Eurostat, 2009).

Page 79: O Turismo como elemento relevante da reestruturação do transporte ferroviário de passageiros

78

Priority Projects Progress Report”, um retratando o período entre 1996-2003 e

o outro 2003-2004, pode-se delinear uma mudança na direção dos

investimentos aplicados à iniciativa de constituição das redes TEN-T. No

primeiro período abarcado, o projeto direcionava 48% de seus recursos para o

modal ferroviário, 31% para o modal rodoviário, 12% para o modal aeroviário e

9% para o modal aquaviário (esta quota distribuída entre portos marítimos e

estruturas para navegação fluvial). No período seguinte, todos os modais

sofreram retração orçamentária (7% para o modal rodoviário, 4% para o modal

aeroviário e 2% para o modal aquaviário), sendo que apenas o modal

ferroviário recebeu um reajuste da ordem de 13% (EC, 2008).

Com o intuito de enriquecer a análise da questão do transporte

ferroviário de passageiros, nos tópicos seguintes discutem-se as situações de

alguns outros países no tocante às políticas públicas de transporte, relevo e o

setor de transporte em si. Os critérios adotados foram selecionados com vistas

a traçar um quadro comparativo entre os casos, ou seja, com dados que

poderiam ser obtidos e comparados a título de um parâmetro comum.

3.1 O Caso Japonês: Pioneirismo em Tav’s

A história do transporte ferroviário japonês tem início no século XIX,

ainda durante o xogunato Tokugawa. Segundo Aoki (1994, p. 28) as formas de

transporte japonesas na era feudal eram, em sua maioria, de navegação (tanto

marítima como fluvial), contrastando com primitivas alternativas terrestres de

transporte através de homens e animais, uma vez que não se utilizavam

carruagens. O país, em contraste com o ocidente, sofria uma grande

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79

discrepância entre os estágios de desenvolvimento de seus transportes

aquaviário e terrestre, sendo que o último encontrara nos rios grandes

obstáculos, pela ausência de pontes. A iniciativa estrangeira constantemente

sugerira a construção de ferrovias, e alguns japoneses antes do governo Meiji

também aderiram a tais propostas, que, por sua vez, não chegaram a gerar

nenhum tipo de ação, uma vez que o xogunato sucumbira. Segundo Aoki

(1994, p. 28):

Em 1869, Harry Parkes, o representante do governo britânico no Japão, defendeu que as ferrovias ajudariam o Japão no sentido da modernização, insistindo que o governo investisse no setor ferroviário o mais rápido possível. O ano de 1869 foi medíocre para a colheita de arroz em Tohoku e Parkes explicou que, ferrovias poderiam viabilizar um rápido transporte de arroz proveniente de outras áreas do país, com o intuito de minimizar os efeitos da fome. O governo Meiji concordou com a implantação de ferrovias por razões políticas, para pôr um fim ao feudalismo e centralizar o poder no país49. (traduzido e adaptado pelo autor)

Comparando as condições de surgimento da ferrovia no Japão com os

demais casos abordados neste mesmo trabalho (Inglaterra, Estados Unidos,

México, Alemanha, Bélgica e Brasil), o cenário japonês assemelha-se com a

situação belga pós-independência, porém, o caso seria de saída do feudalismo

e centralização de um novo poder nacional. Entretanto, segundo Aoki (1994), a

construção de ferrovias no Japão não fora sempre livre de oposição interna,

como o caso dos militares, que priorizavam o investimento em armamentos e o

isolamento. Isolamento este que era muito comum entre os japoneses que

receavam a presença de estrangeiros nas obras ferroviárias (tanto operários

quanto métodos e ferramentas). A oposição militar chegou a atrasar a

49 In 1869, Harry Parkes, the British Minister to Japan, advocated that railways would help modernize Japan insisting that the government build them as soon as possible. 1869 was another poor year for the rice harvest in Tohoku and Parkes explained that railways could carry rice quickly from other areas to Tohoku thereby minimizing the effects of famine. The Meiji government agreed to build railways for political reasons, to put an end to feudalism and centralize power in Japan.

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80

implantação de linhas entre Shimbashi e Shinagawa, não permitindo a

instalação margeando a baía de Tóquio. A desconfiança dos militares perante a

iniciativa estrangeira era bastante justificada, levando-se em conta de que a

política de isolamento do ocidente havia sido abandonada recentemente e o

receio do contato com outros povos permanecia.

A construção das redes ferroviárias japonesas foi um processo

minucioso, já que o país possui uma distribuição territorial bastante complicada,

conforme afirma Koyama (1997, p. 36):

O território japonês é composto, relativamente, por pequenas porções de terras baixas, consistindo majoritariamente em planícies aluviais costeiras. A construção de ferrovias iniciou-se com a instauração da era Meiji (1868-1912) e, uma vez que a tecnologia de construção era imatura, as primeiras linhas foram construídas nestas áreas costeiras. Os trilhos foram apoiados, principalmente, sobre a terra, como aterros e estacas. Muitas pontes ferroviárias sobre rios também foram construídas naquela época. Gradualmente, com o progresso das tecnologias de túneis, as ferrovias passaram a conectar cidades e vilas antes isoladas pelas montanhas50. (traduzido e adaptado pelo autor)

O desenvolvimento tecnológico japonês fora um dos pontos decisivos

para o sucesso do modal ferroviário no país, não só pela condição geográfica,

mas também pela tentativa de domínio econômico dos britânicos. O

investimento dos japoneses na formação de mão-de-obra qualificada para o

planejamento das ferrovias e operação das mesmas fora este ponto chave que

alavancou o desenvolvimento das tecnologias, como o Engineer Training

College que iniciara suas atividades em 1877 (levando em conta que a primeira

ferrovia japonesa fora aberta em 1872) e formara 24 jovens engenheiros

japoneses antes de seu fechamento, em 1882 (Aoki, 1994). 50 Japan has a relatively small proportion of lowland, consisting mainly of alluvial coastal plains. Railway construction started in the early Meiji era (1868-1912) and since the construction technology was still immature, the first lines were built in level coastal areas. The rails were laid mostly on earth structures such as embankments and cuttings. Many railway bridges over rivers were also built at that time. Gradually, with progress in tunneling technology, railways were constructed connecting towns and cities previously isolated by mountains.

Page 82: O Turismo como elemento relevante da reestruturação do transporte ferroviário de passageiros

81

A construção das ferrovias fora executada tanto pela iniciativa privada

quanto pelo poder público, entretanto, em 1906, a maioria das linhas fora

estatizada através da lei de nacionalização das ferrovias51 (Soejima, 2003).

Com a aquisição das vias pelo poder público, este criou uma empresa para

administrá-las, a Japanese National Railways (JNR), que rapidamente decidiu

que os laboratórios de pesquisa necessitavam de cientistas de ponta, e

recrutaram técnicos e engenheiros do exército e da marinha japoneses e de

companhias privadas (Soejima, 2003).

Para Koyama (1997, p. 36), a situação nas décadas de 1950 e 1960, de

rápido crescimento econômico, refletiu em dificuldades para a obtenção de

terrenos para a construção de novas ferrovias, e a disseminação da cultura

rodoviária contribuiu para o congestionamento das rodovias e o aumento de

acidentes em cruzamentos rodoferroviários. A já comprovada capacidade de

expansão da tecnologia ferroviária, por parte dos japoneses, orientou as

construções para estruturas elevadas que preveniriam acidentes com

cruzamentos e também dariam luz a novas possibilidades, entre as quais as

alterações aerodinâmicas para o incremento da velocidade operacional das

composições.

A meta era otimizar o transporte ferroviário, e torná-lo ainda mais

eficiente, através de estudos de aerodinâmica e eficiência energética. Os

esforços resultaram no projeto shinkansen, em 1959, e antes das Olimpíadas

de Tóquio em, 1964, os trens-bala já circulavam pela linha Tokaido (Nakagawa

e Hatoko, 2007, p. 151), o que demonstra novamente a perícia tecnológica com

a qual os japoneses pesquisaram a otimização para o transporte ferroviário. A

51 Railway Nationalization Law, 1906.

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82

iniciativa fora motivada pela saturação do ramal Tóquio-Kobe, passando por

Kyoto e Osaka, que no ano de 1956 respondera a uma demanda muito grande

e apontara a necessidade de construção de outra linha para suportar a oferta.

Segundo Nakagawa e Hatoko (2007) a meta era a construção de um corredor

entre Tóquio e Osaka, que pudesse ser percorrido em apenas três horas

(levando em conta sua extensão de 515 km). Os esforços superaram o objetivo

inicial e proveram o país com uma rede de TAV que alcançou em 2005 a

extensão de 2280 km.

É inegável a influência do pioneirismo japonês em outras partes do

mundo, como por exemplo, a França, que em 1981 inaugurou o primeiro TAV

do ocidente, interligando Paris a Lyon em apenas duas horas e meia (levando

em conta a distância de 417 km). O contraste maior é que, a despeito do

sucesso internacional alcançado pela tecnologia desenvolvida no Japão, o

povo japonês começou a desacreditar do potencial de desenvolvimento dos

TAV, em função da crise do petróleo, a crise econômica japonesa e a falência

da operadora ferroviária estatal, a Japanese National Railways (Nakagawa e

Hatoko, 2007). A conseqüência deste cenário fora uma disseminação dos

benefícios, advindos das novas tecnologias para o transporte ferroviário,

mundo afora (tal qual culminara na adoção de projetos como o “ICE” na

Alemanha, o “Acela” nos Estados Unidos, o “AVE” na Espanha e o

“Direttissima” na Itália) e a retração dos investimentos para os projetos de

expansão das redes Shinkansen dentro do próprio Japão.

Até 1987 a JNR era a proprietária das linhas, construídas à custa de

altos empréstimos tomados a partir de fundos conservadores como a

previdência. Os juros aplicados eram altíssimos, em função da crença no

Page 84: O Turismo como elemento relevante da reestruturação do transporte ferroviário de passageiros

83

desenvolvimento proporcionado pelas novas estruturas, mas, culminaram em

dívidas muito maiores do que as condições de pagamento assumidas. A

situação resultou na privatização da JNR, tornando-se Japan Railway

Companies (JR). A opção adotada foi o controle das linhas pelo governo

(através das operadoras) e os trens seriam controlados pela iniciativa privada

(Nakagawa e Hatoko, 2007). Com as medidas administrativas bem focadas e a

operação das estruturas de forma racional, a tecnologia de TAV foi

reconquistando espaço e credibilidade entre o povo japonês. Atualmente, de

acordo com o relatório “Panorama of Transport 2009” (Eurostat, 2009), o

transporte ferroviário de passageiros foi mais representativo no Japão do que

em toda a União Européia, alcançando uma cifra de 396 bilhões de

passageiros-quilômetro no ano de 2006.

3.2 O Caso Francês: A flexibilidade e disseminação do TGV

A exemplo do caso britânico, o surgimento das ferrovias francesas foi

motivado também pela atividade mineradora, e, da mesma forma fora um

processo iniciado por poucos agentes privados em pontos isolados do território

francês, salva a consideração de que no caso da França as políticas públicas

atrasaram consideravelmente seu desenvolvimento, ocorrendo, inclusive,

oposição fundamentada em alegações da alteração do modo de vida

camponês. A disposição do sistema ferroviário francês, em meados de 1840,

se configurava como uma rede radial centrada em Paris e tendo como destinos

as regiões e portos economicamente mais importantes como destinos

(Schwartz e Gregory, 2008, p. 8). A forma como o sistema fora concebido pode

Page 85: O Turismo como elemento relevante da reestruturação do transporte ferroviário de passageiros

84

ser caracterizada como um processo misto, de ímpeto da iniciativa privada e

continuidade por meio da esfera pública.

A caracterização do processo como misto aproxima o status francês,

simultaneamente, dos processos ocorridos na Inglaterra (conforme já

enunciado) e na Rússia. Após o interesse dos investidores privados, assim

como no caso inglês, as ferrovias francesas obedeceram a um processo de

ligação entre centros e portos de relevante importância econômica (como a

situação russa) e, em um segundo momento (aqui se faz necessária uma

distinção de que, ocorreram duas etapas de um primeiro momento, e somente

em 1878 culminara um segundo momento) ocorrera a implantação de ferrovias

de interesse local.

Analisando de um prisma temporal, os autores Schwartz e Gregory

(2008), afirmam que o processo descontínuo francês (caracterizado desta

forma ao se comparar com o caso inglês) ocorrera em função das já citadas

oposições da esfera pública (atrasando) e em consequência da combinação da

derrota para a Prússia (1870), a repressão sangrenta pela Comuna de Paris

(1871) e as extremas posturas liberais da Terceira República, que assumiu

como medida urgente a expansão tão abrangente o quanto possível dos

caminhos de ferro franceses. Outra característica importante abordada pelos

autores fora a de que a responsabilidade pelas diferentes partes do sistema

fora atribuída a diferentes elementos da sociedade, tendo assumido o estado a

responsabilidade pela infra-estrutura, e os investidores privados o compromisso

com a superestrutura.

Entretanto esse panorama de divisão fora reorganizado posteriormente,

adicionando às competências das empresas, o dever da construção da infra-

Page 86: O Turismo como elemento relevante da reestruturação do transporte ferroviário de passageiros

85

estrutura ferroviária. A construção da infra-estrutura pelo governo, aliada à

implantação da superestrutura pelos investidores, disseminaram o modal

ferroviário ao longo da França, porém, ao delegar às empresas, a obrigação da

construção de toda a estrutura, os resultados se mostraram mais eficientes, o

que pode denotar a ineficiência do estado para a implementação do transporte,

em uma análise mais profunda.

A exemplo do caso japonês, a França também enfrentou problemas com

sua configuração geográfica para a implantação dos trilhos. Primeiramente,

vale ressaltar que a França era detentora de uma pré-disposição à operação do

modal aquaviário, tanto internamente quanto em âmbito marítimo (uma vez que

ocupa determinada faixa continental, possuindo tanto litoral norte quanto litoral

sul), e também a disposição dos rios no território francês, conforme demonstra

a Figura 6. A abundância de vias fluviais possibilitava uma rede de transporte

aquaviário adequada aos interesses franceses (tanto públicos quanto privados)

e essa rede foi um dos entraves na inserção do modal ferroviário, uma vez que

existia a alegação de que a chegada do transporte ferroviário causaria grandes

problemas ao modo de vida dos camponeses. É interessante perceber que o

desenvolvimento do transporte ferroviário na Inglaterra se deu em função da

inoperância de alguns canais, que culminou na busca de alternativas modais,

enquanto na França, como já dito, os canais mantiveram a preferência dos

camponeses e produtores por algum tempo.

Page 87: O Turismo como elemento relevante da reestruturação do transporte ferroviário de passageiros

86

Figura 6 – Distribuição dos principais rios no terr itório francês

Fonte: About-France.com

Segundo Schwartz e Gregory (2008. p. 11):

Mesmo com o amadurecimento da tecnologia, as companhias ferroviárias mantinham-se relutantes em assumir os custos de levar o serviço ferroviário às regiões em altitude, considerando estes, investimentos medíocres52. (traduzido e adaptado pelo autor)

A presença dos Alpes franceses ao sul do país era o motivo dos

problemas com a motivação dos investidores apontada por Schwartz e

Gregory. Afinal, é sabido que a implantação de estrutura ferroviária em território

montanhoso demanda análises técnicas profundas e a adoção de tecnologias

como cremalheiras53 e funiculares54.

52 But even as the technology matured, rail companies were reluctant to undertake the extraordinary costs of bringing rail service to upland regions that were considered poor investments. 53 O sistema cremalheira, adotado em trechos de alta inclinação, é um tipo de tração que tem como característica um terceiro trilho dentado, no centro da linha. Esse trilho forma uma engrenagem com uma roda, também dentada, localizada nas locomotivas. Essa engrenagem permite que a força da tração da locomotiva vença a inclinação do terreno, sem derrapar pelo baixo atrito das rodas da locomotiva com a superfície lisa dos trilhos (Lacerda, 2005, p. 194).

54 Os sistemas funiculares são sistemas de tracção ferroviários para vias planas ou com forte inclinação onde o veículo é accionado por um sistema de cabos (Guedes, 2003, p. 10).

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87

De acordo com a lógica desigual de desenvolvimento do sistema

ferroviário francês, formulada a partir da combinação dos estimulantes ao

desenvolvimento e as condições geopolíticas (incluindo aqui Primeira Guerra

Mundial e a crise de 1929), o governo francês criou em 1938 a SNCF55,

nacionalizando a rede ferroviária (Bouley, 1994). Após a Segunda Guerra

Mundial, cerca de 40% do material rodante fora destruído, e a ordem de

reconstrução se baseava na aquisição em massa de locomotivas a vapor dos

Estados Unidos. Entretanto, a utilização de locomotivas elétricas, alcançava

maior eficiência e velocidade, em ramais já eletrificados, obviamente (Bouley,

1994). A Alemanha planejara eletrificar os ramais franceses, porém, após

sucessivos testes falhos abandonou o projeto. Posteriormente a própria França

promovera a eletrificação dos ramais que receberam os projetos alemães e dos

demais, integrando a rede ferroviária francesa.

Os franceses buscaram se especializar na utilização da eletricidade

como combustível do modal ferroviário, e em março de 1955, na região de

Landes, alcançaram a marca de 331km/h com duas locomotivas. A notícia

causou espanto em diferentes âmbitos da sociedade, começando pelo próprio

pessoal da SNCF (Bouley, 1994). Com a implantação do Tokaido Shinkansen,

em 1964, os franceses tiveram a prova maior da viabilidade da aplicação do

transporte ferroviário no século XX, assim como conclui Bouley (1994, p. 51):

A partir disto, concluo que, o que o Japão tomou emprestado da França, retornou fielmente através da excelência de suas opções iniciais e pela rivalidade criativa que inspirou56. (traduzido e adaptado pelo autor)

55 Société Nationale des Chemins de Fer.

56 From that, I conclude what Japan borrowed from France, it has returned faithfully through the excellence of its initial choices and by the creative rivalry it inspires.

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88

A inauguração do primeiro ramal TGV, entre 1981 e 1983, demonstrou o

pioneirismo francês no transporte ferroviário de alta velocidade (Vickerman,

1997, p. 22). A rede ferroviária francesa passou de uma extensão total de

34.070 km, em 1990, para 29.286 km, em 2005 (Eurostat, 2009). Tal retração

demonstra o contraste da lógica de desenvolvimento do modal quando

comparado ao histórico no país. A primazia pela eficiência do material rodante

vem substituindo a necessidade de disseminação dos caminhos, juntamente

com as ligações intermodais (exemplo notável a ligação entre o aeroporto

Chrarles de Gaulle e a rede TGV).

Para demonstrar a relevância do modal ferroviário, tanto para o

deslocamento de carga quanto para o de passageiros, construiu-se a Tabela 5.

Tabela 5 – Comparação entre modais na França, em 20 06

Modal Carga (milhares de toneladas) Passageiros (bilhões de pkm) Rodoviário 2.113.756 768.9 Ferroviário 70.592 91.5

Fonte: Eurostat (2009). Adaptado pelo autor. A comparação se deu entre os referidos modais pelo fato de o transporte

rodoviário possuir a maior representatividade na divisão modal francesa (tanto

para carga quanto para passageiros) e por também utilizarem-se os mesmos

indicadores, tanto para o modal ferroviário e o rodoviário, na construção do

relatório consultado. A partir da Tabela 5 construíram-se relações para a

demonstração da representatividade do modal ferroviário, sendo a primeira a

relação entre o total de carga entre o modal ferroviário e o rodoviário,

apresentando um coeficiente de 3,18%. Para os passageiros a relação

alcançou o coeficiente de 11,9%. Caso seja assumida uma relação direta entre

os modais e sua utilização (isolando os demais fatores, apenas para uma

análise de representatividade), pode-se dizer que o modal ferroviário é utilizado

Page 90: O Turismo como elemento relevante da reestruturação do transporte ferroviário de passageiros

89

três vezes mais (a relação alcança uma razão de 3,74) para o transporte de

passageiros do que para o transbordo de carga dentro território francês.

A inserção da França na União Européia torna-a um exemplo a ser

seguido pelos demais países, na busca pela construção de estruturas para os

TAV’s, em consonância com os planos para as redes TEN-T.

3.3 O Caso Brasileiro: A acirrada competição entre os modais

rodoviário e ferroviário

Como exposto no capítulo anterior a motivação para a disseminação do

transporte ferroviário no Brasil fora promover uma economia agrícola

exportadora. O planejamento para a rede ferroviária visava estritamente ao

atendimento da necessidade de escoamento da produção agrícola, ou seja, os

ramais normalmente tinham como origem um pólo exportador e como destino

um porto. Tendo estes princípios como base, em 30 de abril de 1854, “D. Pedro

II inaugurou a estrada de Ferro (EF) Mauá” (Palhares, 2002), dando início às

construções ferroviárias no Brasil. O nome da ferrovia era uma homenagem a

Irineu Evangelista de Souza (o Barão de Mauá), um dos maiores banqueiros e

empreendedores do Brasil.

Após a referida ferrovia, o Barão de Mauá também investiu em outras

linhas férreas, como a EF Dom Pedro II (interligando Rio de Janeiro a

Queimados e posteriormente se tornou EF Central do Brasil), a Recife-São

francisco, a Bahia-São Francisco e a Santos-Jundiaí, contribuindo para a

distribuição da malha ferroviária ao longo do território nacional. Segundo

Palhares (2002), os ramais que interligavam grandes cidades eram escassos, e

Page 91: O Turismo como elemento relevante da reestruturação do transporte ferroviário de passageiros

90

os interestaduais quase inexistentes, o que reafirmava a política de exportação

assumida pelos governantes.

Até meados da década de 1930, o desenvolvimento ferroviário obedeceu

a lógica supracitada, sendo que a extensão total da malha brasileira alcançou,

aproximadamente, 30 mil km e continuou a crescer ao longo do século XX. A

construção da rede ferroviária brasileira não encontrou obstáculos como os

Alpes suíços ou a divisão territorial do país em um arquipélago, entretanto, o

dever dos planejadores em transportes não fora também tão simples, como

ressalta o relatório do BNDES (1999b, p. 170):

Deve-se reconhecer que a geografia brasileira não é das mais propícias à implantação de redes de transportes, devido às inúmeras serras, vales e outros acidentes geográficos. Da mesma forma que os portos foram locados nos melhores pontos do litoral (identificados há 500 anos pelos colonizadores portugueses), as ferrovias foram construídas aproveitando os tabuleiros de planaltos e de vales para assentamento das linhas.

Uma análise das condições geográficas brasileiras revela os motivos do

traçado da malha, afinal, a convergência que pode ser constatada com relação

à cidade de São Paulo se justifica em virtude do posicionamento da cidade com

relação ao Porto de Santos e os Estados de Goiás, Minas Gerais e Paraná

(BNDES, 1999b).

Com a tardia industrialização brasileira, a forma como as ferrovias

distribuíram-se aparentou ser um aparato pouco eficiente, uma vez que o

objetivo das redes de transporte passaria a ser o de dinamizar a economia

estruturando os mercados internos de fornecimento de insumos e distribuição

de bens, diferentemente do modelo de exportação. Juntamente com o cenário

delineado surge a opção rodoviária, com maior flexibilidade, tanto de infra-

estrutura quanto de manipulação de tarifas, reduzindo drasticamente a

competitividade das ferrovias. O controle das concessionárias ferroviárias era

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91

majoritariamente privado e após o declínio da lucratividade dos processos, a

rede foi estatizada em 1957, dando origem à Rede Ferroviária Federal

(RFFSA), tornando pública a operação das ferrovias, e não só a administração

das vias. Entretanto, após 1990 a RFFSA havia se tornado uma prestadora de

serviços para um número restrito de clientes, em geral de minérios e

combustíveis. Tais características forçaram o governo a privatizar as atividades

ferroviárias, mediante a cobrança de taxas mínimas de concessão (BNDES,

1999a, p. 1).

Após a medida de privatização as malhas foram assumidas por

concessionários que em geral exploram o transporte de carga, havendo o

transporte de passageiros em apenas dois dos treze trechos sob concessão.

Pode-se afirmar que a forma com a qual o transporte ferroviário é operado

atualmente no país remonta ao modelo exportador de fundação das redes do

modal, afinal, não existe a ligação entre centros populacionais com o intuito de

transporte de passageiros e também não existe uma busca pela dinamização

da economia, mas sim a utilização do transporte massivamente para a

exportação de minérios e fornecimento de combustíveis (sendo este último

aspecto um direcionamento de insumos, porém, não atinge um fluxo que a

nosso ver seria delineado como estímulo ao mercado interno) (BNDES, 1999a).

O cenário brasileiro encontra-se estagnado em um transporte de carga

que não abrange grande variedade de produtos/insumos e rejeita o tráfego de

passageiros, ao contrário dos outros casos apresentados neste mesmo

capítulo. Atualmente existe um projeto para a criação de um TAV ligando

Campinas (no estado de São Paulo) à cidade do Rio de Janeiro (no estado do

Rio de Janeiro), refazendo o traçado fundamental da maior ponte-aérea do país

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92

(a ponte aérea Rio-São paulo). Segundo Barbosa e Brasil (2009) a aplicação

do projeto encontra-se em fase de licitação, programada para o segundo

semestre de 2009, sendo que a finalização da construção das estruturas e

início das operações obedece a uma expectativa do governo para o início do

ano de 2014 (ano da copa do Mundo de Futebol no Brasil). Segundo números

fornecidos pela Ministra da Casa Civil, Dilma Roussef, o TAV possui potencial

para absorver 67,1% da demanda do transporte efetuado pelos ônibus, 47,9%

da demanda dos automóveis e 47,3% da demanda do transporte aéreo (todos

estes valores assumidos para o mesmo trecho, obviamente). Segundo o

mesmo estudo o planejamento do governo abarca oito estações para o ramal

inicial, sendo que existem estações sugeridas que serão julgadas pelas

comissões de avaliação do projeto.

3.4 Turismo e o Transporte Ferroviário: possibilida des e dificuldades

Dada a necessidade de deslocamento para a prática turística, denotada

no conceito da Organização Mundial do Turismo, apresentado no primeiro

capítulo deste mesmo trabalho, o transporte se configura um meio essencial

para a concretização da experiência turística. A aplicação dos modais visa ao

atendimento das necessidades dos homens de se deslocarem no tempo e no

espaço, e, no caso do turista, visa à viabilização do início e do fim desta

jornada. Levando-se em conta que o tempo de deslocamento tem diminuído

cada vez mais entre a origem e o destino dos passageiros, a concorrência no

mercado de transportes se dá em função dos tempos totais de viagem. É óbvio

que fatores como segurança e conforto também são considerados, mas em

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93

menor grau, como denota Bouley (1994, p. 49), ao recolocar as palavras de

Roman Guardini: “Em geral, o homem não sabe onde está indo ao certo, mas

faz questão de ir o mais rápido o quanto é possível57” (traduzido e adaptado

pelo autor).

O transporte ferroviário de passageiros vem se apresentando uma

alternativa aos demais modais de deslocamento em diversas partes do mundo,

através de velocidades competitivas, alta segurança e conforto, como exposto

no capítulo 2 deste mesmo trabalho. As conexões entre as linhas construídas

separadamente (como no caso da integração da rede ferroviária francesa), a

conexão intermodal (como no caso de aeroportos franceses como o Charles de

Gaulle) e até a competição direta com outros meios de transporte demonstram

a capacidade do transporte ferroviário de passageiros em reassumir sua

parcela nas economias mundiais.

No que tange ao Turismo, é notável a participação de tais estruturas

para o funcionamento do setor, como nos exemplos de integração intermodal

com aeroportos, o design dos produtos turísticos é altamente influenciado, uma

vez que a intermodalidade pode ser uma solução ao gargalo comum que

ocorre no momento da troca de modal. Os turistas podem optar pela aquisição

de bilhetes integrados e obter melhores preços e economizar tempo não só

através de tempo de deslocamento, mas também pela utilização de recursos

como o code-share58, ao invés da busca pelo serviço de deslocamento

desvinculado, por vezes mais caro e mais demorado.

57 In general, man does not know where He is going, but He wants to GO there as fast as possible. 58 O uso de code-share, por exemplo, permite que um a empresa aérea possa vender passagens com o seu nome e código (code), ainda que parte ou todo o percurso seja compartilhado (share) com outra companhia aérea. Tal procedimento traz conveniências para o

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94

No caso das competições modais diretas, ocorre que o transporte aéreo,

por exemplo, possui procedimentos técnicos que consomem quantidades de

tempo às quais acabam por tornar o tempo total de viagem superior às do

transporte ferroviário de alta velocidade, como abordado no capítulo 2,

dependente de rotinas mais simples, freqüências maiores e, por vezes, tarifas

mais baixas.

Quanto à integração das redes, é também indubitável a relevância da

possibilidade de passageiros poderem atravessar um país, ou trafegarem pelo

continente sem alterarem seu modal de transporte e com uma fluidez maior do

que através do modal aéreo, pelas referidas freqüência de partidas e maior

simplicidade operacional.

Um dos grandes problemas apresentados ao desenvolvimento do

transporte ferroviário atual, é a impossibilidade (salvo no caso do Eurotunnel)

de vencer a grande barreira natural dos oceanos. Tal problema é visto como

uma limitação grave das possibilidades de deslocamento, proporcionada pelo

modal aéreo. As alegações giram em torno de que o transporte ferroviário é

lento, ineficiente e poluente. Tais indagações podem ser questionadas a partir

de dados apresentados neste mesmo trabalho, como as altas velocidades

operacionais alcançadas pelos TAV, a “eficiência” no consumo de uma mesma

quantia de combustível (o cálculo leva em conta o volume de passageiros

transportados a partir de uma mesma quantia de combustível aplicada), e

aquilo que chamamos aqui de divisão da responsabilidade individual por

emissões, na qual o transporte ferroviário demonstrou refletir maiores

coeficientes. As possibilidades que apresentamos neste capítulo demonstram a passageiro, que pode voar com apenas um bilhete de companhia aérea, além de realizar apenas um check-in, independentemente do fato de estar fazendo várias conexões com diversas companhias aéreas. (Palhares, 2002, p. 70).

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potencialidade do modal aplicado a países com díspares dificuldades, como a

distribuição territorial japonesa e o relevo francês, explicitando o quanto a

versatilidade das novas tecnologias pode solucionar problemas detectados a

partir de características geográficas naturais, por exemplo.

Segundo Garrec (2008, p. 17):

Se a contribuição econômica dos turistas estrangeiros é importante para a economia francesa, é, no entanto, o turismo doméstico o maior respondente pelas atividades turísticas na França: dele advém dois terços do consumo turístico e as estadias. A contribuição do turismo para o PIB francês foi estimada em cerca de 6,2% para o ano de 2007, com valores baseados na estimativa do consumo doméstico de turismo na França (117,6 bilhões de euros em 2007). Comparativamente, na Espanha, o turismo alcança aproximadamente 12% do total do PIB59.

Analisando a afirmação da autora, percebe-se que a contribuição do turismo

doméstico na França é de aproximadamente 66%, o que nos leva a crer que a

rede de serviços turísticos do país alcança níveis, no mínimo, satisfatórios na

percepção dos franceses. Inserido nesta rede de serviços turísticos está o

sistema de transportes, o qual desempenha papel fundamental e indispensável

ao turismo. Segundo Arduin e Ni (2005), diariamente cerca de 250 mil

passageiros desfrutam dos serviços do TGV, sendo que, após a inauguração

dos serviços ferroviários de alta velocidade na França, a demanda efetiva de

usuários dos modais aéreo e rodoviário declinou em trechos onde as viagens

eram inferiores a três horas (vale ressaltar que, no estudo apresentado pelos

autores, existem 13 rotas de TGV e apenas três delas têm percursos onde a

duração total da viagem excede três horas).

59 Si l’apport économique des touristes étrangers est important pour l’économie française, ce sont cependant les résidents qui font la majorité du tourisme en France : ils réalisent les deux tiers des nuitées et de la consommation touristique. Le poids du tourisme dans le PIB est estimé à 6,2 % en 2007, chiffre basé sur l’estimation de la consommation touristique intérieure en France (117,6 milliards d’euros en 2007). À titre de comparaison, ce poids du tourisme dans le PIB est de l’ordre de 12 % en Espagne.

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96

É evidente que a inserção de oferta de serviços do modal ferroviário em

competição com o modal aéreo não é tão simples o quanto se alega, pois além

da aprovação dos estados, a iniciativa confronta os interesses dos lobbys de

transporte já estabelecidos, incorrendo no famoso problema de novos entrantes

delineado por Porter (vide bibliografia do referido autor). A manipulação da

oferta de serviços pode ser um grande desafio às organizações que almejam

conquistar espaço no mercado, por exemplo, a realização de promoções para

tarifas, que poderia ser fatal a uma empresa recém estabelecida, garante a

manutenção de uma prestadora de serviços mais antiga, que posteriormente

poderá se recuperar por meio da parcela de mercado mantida. O exemplo

citado é apenas uma das possibilidades de combate aos novos entrantes e foi

utilizado para ilustrar como o processo de diversificação modal pode ser

complexo de se efetuar.

O turismo, dependente direto dos serviços de transporte, funciona

também como elemento relevante para as decisões no que tange às

alternativas modais. Se levadas em conta as diferentes vantagens de cada

forma de transporte, poder-se-á alcançar uma análise detalhada acerca da

melhor alternativa para cada situação. Como o turismo desenvolve-se de

formas particulares, de acordo com os agentes determinantes de cada local60,

o modal de transporte que venha a ser adotado deve fornecer soluções para as

diferentes necessidades de cada caso (deve-se levar em conta a segmentação

dos mercados turísticos).

Portanto as possibilidades e as dificuldades, para a implantação do

transporte ferroviário de passageiros, são fatores determinantes na análise da 60 Não alegando que não existam fatores comuns, apenas ressaltando que as atividades turísticas se dão de acordo com os parâmetros situacionais, ou seja, varia de acordo com o quadro vigente no tempo e no espaço.

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viabilidade da aplicação do modal, e, pensando nisso devem ser levados em

conta os pontos expostos neste trabalho quando da realização de estudos de

comparação modal. Percebe-se que, a gama de possibilidades advindas dos

TAV nos países analisados, demonstra a potencialidade do modal frente às

demais alternativas contextualizadas nos atuais cenários existentes, e deve ser

também considerada sua participação nos mercados de turismo, uma vez que

se apresenta uma alternativa vantajosa frente às demais forma de transporte,

tanto de um ponto de vista das tarifas quanto do conforto e do tempo total de

viagem (fatores altamente relevantes para os turistas).

Page 99: O Turismo como elemento relevante da reestruturação do transporte ferroviário de passageiros

98

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir da análise da relação entre os transportes e o Turismo, da breve

explanação acerca de cada modal e da demonstração da existência das

relações de intermodalidade e sinonímia em atrativos turísticos, pudemos

observar a relevância das estruturas de transporte para as práticas turísticas e

também perceber a influência que tais práticas acabam por produzir sobre os

mercados de transporte. Com relação ao atual estágio de desenvolvimento dos

mercados globais consideramos que a tentativa de traçar sistemas que possam

apreender as relações intermodais se tornou um ato bastante falho, uma vez

que as relações se tornaram complexas e multidirecionais, como demonstrado

pela nova concepção de relações intermodal proposta. Entendemos que uma

análise dos cenários de atuação intermodal deve levar em conta o ambiente

nos quais tais sistemas estejam inseridos, como por exemplo, uma análise que

contextualize a oferta de serviços de transporte dentro de um mercado onde

existe competição pela demanda e na qual as organizações utilizam-se de

alianças estratégicas e outras ferramentas para agregar valor aos serviços

prestados.

Ao reler a história da máquina a vapor, da locomotiva e do transporte

ferroviário pudemos perceber como a dinâmica do transporte e os interesses

nacionais (nos diferentes países abordados) se relacionaram, culminando em

medidas internacionais e competições científicas com o intuito de desenvolver

soluções para problemas inerentes a certos modais de transporte. Fora

também possível delinear características gerais das competições modais entre

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99

os setores rodoviário e ferroviário, e entre os setores aeroviário e ferroviário,

levando em conta as diferentes vantagens competitivas atribuídas a cada

alternativa. O desenvolvimento de novas tecnologias possibilitou algumas

alterações nas ordens vigentes que determinavam a participação dos

diferentes setores de transporte na divisão modal. Tais inovações tecnológicas

reorganizaram os mercados de transporte, e concederam a certos países

vantagens competitivas que tornaram possíveis projetos visionários de

integração de seus territórios criando maior independência de panoramas

internacionais de mercado.

A utilização de alguns exemplos, para ilustrar a atual situação do modal

ferroviário no transporte de passageiros ao redor do mundo, possibilitou uma

compreensão melhor de como o modal tem conquistado espaço no mercado

global e convencido governos de países que buscam a diversificação das

alternativas de transporte.

Ao explicitar algumas relações do transporte ferroviário atual com o

turismo percebe-se o potencial de desenvolvimento recíproco dos setores,

quando da combinação de forças. Como visto, no caso francês, o turismo

doméstico representou, em 2007, a maioria do fluxo turístico no país, e

analisando a demanda do transporte ferroviário, supõe-se uma favorável

relação entre o modal e as atividades turísticas, uma vez que os

deslocamentos na maioria das rotas de TGV estabelecidas estão inseridas no

limite definido como competitivo frente ao modal aéreo (inferior ou igual a três

horas de viagem). As determinações da União Européia para a implantação

das redes TEN-T, também explicitam a predominância da atenção ao modal

ferroviário (como exposto pelas mudanças na distribuição de recursos para a

Page 101: O Turismo como elemento relevante da reestruturação do transporte ferroviário de passageiros

100

efetivação do plano). Tais decisões podem ser analisadas frente aos cenários

consolidados, ou seja, de crises do transporte aéreo e bons resultados para as

redes de TAV.

A predisposição a adaptações intermodais (como os casos de

aeroportos integrados a terminais de TAV e/ou metrôs e trens urbanos)

qualifica o modal ferroviário frente às necessidades de transporte dos

passageiros inseridos no contexto atual de fluxo altamente dinâmico. As

práticas turísticas demonstram a necessidade de deslocamento rápido e

confiável, que não absorva grande parte dos recursos disponibilizados para a

efetivação das experiências turísticas, dados os aspectos favoráveis do modal

apresentados percebe-se a complentaridade entre as referidas atividades.

As redes de transporte ferroviário, responsáveis por fluxos de outrora,

encontram-se em desuso em grande parte dos países, levando em

consideração os casos analisados e os cenários produzidos pelo turismo,

afirma-se o possível papel das atividades turísticas na reestruturação do

transporte ferroviário de passageiros.

Dada a necessidade de eficiência para um melhor funcionamento do

mercado, são efetuados estudos de comparação, otimização e rendimento das

estruturas, dos equipamentos e dos processos adotados. Para a construção do

presente estudo, foi encontrada grande dificuldade para a obtenção de dados

estatísticos. A adoção de parâmetros diferentes para os relatórios dos

governos dificulta análises comparativas e medições de eficiência. Também a

inexistência de séries de dados para as relações turismo e os transportes, tanto

de caráter doméstico quanto internacional, dificulta a proposição de

correlações.

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101

Os dados encontrados para o turismo doméstico também apresentam

problemas, pois são aproximações obtidas de forma indireta, e não por meio de

pesquisas in loco. Como no caso do relatório do Ministério do Turismo

denominado “Caracterização e Dimensionamento do Turismo Doméstico no

Brasil”, onde a obtenção dos dados se dá através de pesquisa junto a uma

amostra reduzida de domicílios e os resultados são tomados como

representativos do universo de pesquisa. É nítida a necessidade de

desenvolvimento de métodos mais precisos para o mapeamento da real

demanda doméstica, uma vez que tais fluxos são representativos (apesar de

não se ter a real dimensão do qual representativos são), como no caso francês

comentado na página 77 deste mesmo trabalho. É importante ressaltar que a

utilização destes dados não é por si uma prática errônea, tampouco

insuficiente, apenas devem-se buscar alternativas para a mensuração do real

contingente de deslocamentos, como ocorre em qualquer tipo de análise

estatística sobre objetos de estudo que não sejam puramente descritos por

números (como qualidade de vida).

Devem ser pensadas formas de medir os fluxos turísticos domésticos,

com o intuito de descobrir a real relevância das atividades para os impactos do

setor.

A realização de análises de natureza análoga ao presente estudo é

imprescindível para que sejam realizadas comparações modais, correlações

com as formas de turismo e a revelação das correlações entre os setores.

Pode-se sugerir, também, a criação de indicadores que relacionem o

desempenho das estruturas de transporte e os fluxos turísticos, de forma a

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102

revelar como a sinergia realmente ocorre, tanto em âmbitos nacional como

internacional.

Como não se esgotam as possibilidades de pesquisa, afirmamos que

este estudo abre portas para a construção de pesquisas de comparação modal

e medição dos fluxos turísticos domésticos, baseando-se em análises

estatísticas e estudo de cenários dinâmicos.

Page 104: O Turismo como elemento relevante da reestruturação do transporte ferroviário de passageiros

103

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