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O uso de estratégias cognitivas e metacognitivas no ensino/aprendizagem da leitura no 1° grau: uma proposta de intervenção Maria Celia Cence Lopes Orientadora: Prof' Ângela B. Kleiman Dissertação apresentada ao Curso de Lingüística Aplicada do Instituto de Estudos da Unguagem da Universidade Estadual de Campinas como requisito parcial para título de Mestre em Lingüística Aplicada na Area de Ensino Aprendizagem de Língua Materna Campinas 1997

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O uso de estratégias cognitivas e metacognitivas no

ensino/aprendizagem da leitura no 1° grau: uma proposta

de intervenção

Maria Celia Cence Lopes

Orientadora: Prof' Ângela B. Kleiman

Dissertação apresentada ao Curso de Lingüística Aplicada do Instituto de Estudos da Unguagem da Universidade Estadual de Campinas como requisito parcial para título de Mestre em Lingüística Aplicada na Area de Ensino Aprendizagem de Língua Materna

Campinas

1997

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FICHA CATALOGRÂFICA BIBLIOTECA IEL

Lopes, Maria Celia Cence

ELABORADA PELA UNICAMP

O uso de estratégias cognitivas e meta­cognitivas no ensino I aprendizagem da lei­tura no 1. grau: uma proposta de interven­ção I Maria Celia Cence Lopes. -- Campinas, SP. [ s n J, 1997

11 Orientador. Ângela 8. Kleiman 1

1

1 Dissertacão (mestrado} - Universidade Es-tadual de Campinas, Instituto de Estudos da

H L i nguagem

l! 1. Psicolinguistica·. 2 Leitura'~ 3.Inte- !I 11 racão social\' 4 Metacogm.cãof I. Kleiman, I!

111 Ângela 8 li Universidade Estadual de Cam- 11

pinas Instituto de Estudos da Linguagem.

11 11! Titulo 11

~================"====================~

Ests exemntur é a redaolo final da tea~

defendid;;.

Professora Dra. Angela Dei Carmen Bustos Romero de Kleiman

Professora Ora. Sílvia Bueno Terzi

Professora Ora. Sívía Helena Barbi Cardoso

A meus pais, in memoriam

AGRADECIMENTOS

São tantos! Para tantas pessoas envolvidas que estiveram ao meu lado

neste percurso!

Disse Drummond "No caminho tinha uma pedra~. No caminho que trilhei,

não faltaram pedras. Sim. Pedras de vários tamanhos. Alguns mais próximos me

ajudaram a arrastá-las, pois tive também de carregá-las. É claro que o caminho

não é só pedra, é também sombra e esperança.

No meio dele a presença de meu marido, Veríssimo, companheiro fiel de

todos os momentos. Um professor exigente que fez ampliar minha leitura de

mundo. De meus filhos Roseane, Claudia, lvanise, Luís Veríssimo e Vitorino José,

leituras que produzi e que se multiplicaram em amor e carinho. A presença da

Profl Ângela B. Kleirnan, minha orientadora, com sua paciência e compreensão a

me acompanhar. Profissional, mas sobretudo um ser humano notáveL A da ProF

Creusa Helena D. Lima, amiga que se fez colega de tantos anos, companheira na

pesquisa, compartilhando trabalho e as surpresas de situações inusitadas, às

vezes traduzidas em emoções. A dos alunos da quinta série que conviveram

conosco e que submetidos à pesquisa, partilharam conosco momentos de busca,

dando-nos a essência das respostas pinceladas com a alegria de seus verdes

anos. A da Profl Sandra Diniz Costa, colega e amiga que se dispôs a revisar

meus escritos.

As pedras não mais existem. Deus nos ajudou a todos. Obrigada.

Sumãrio

INTRODUÇÃO .................................................................................................................... 4

CAPÍTULO 1 ........................................................................................................................ 8

O SUPERCONTEXTO DE LEITURA ................................................................................ 8

CAPiTULO 2 ....................................................................................................................... 33

UMA VISÃO DE LEITURA •••••••••••••••••••••••.••••••..•..••••.•••.••••••••••••••••••••••••.•••.•••.••..••••.••••••.•• 33

2.1. COMPONENTESDALEITURA .................. _, ..... .

2,2. lMPUCAÇÓES DAS REPRESENTAÇÕES MENTAIS PARA A LEITURA.

.... .33

. ... .40

CAPÍTULO 3 ..................................................................................................................... ,.57

ASPECTOS COGNITIVOS ENVOLVIDOS NA LEITURA ............................................. 57

...... , ... ,.57 3.1. TEORIA DOS ESQUEMAS ...

3.2. ÚCONHECIMENTOPRÉVlO .. . --·· .......................................................... 66

3.3. EsTRATÉGIAS .......................... ,. .......................................... . ...75

CAPÍTUW 4 ....................................................................................................................... 92

SITUANDO A PESQUISA .......................................................... : ....................................... 92

4.L 0ESCRIÇÃOOOCONTEXTO ..

4.1.1. Dados gerais sobre os alunos ...

4.1.2. Escolaridade dos pais ...

4.1.3. Interação com a professora de Português •.

4.1.4. Exame dos textos do livro didático ...

4.1.5. Instrumentos utilizados na pesquisa ..

" ........................ _,94

. ....... 96

. ..... 97

.. .. 97

.. .... 98

99

CAPÍTULO 5 ..................................................................................................................... 101

DESENVOLVIMENTO DA PESQUISA E ANÁLISE DOS RESULTADOS •••••.••••••••••• 101

5.1. PLANEJAMENTO DAS ATIVIDADES DE SALA DE AULA., .......................................... 101

5.1.1. Observação de aula .................................................................................. 101

5.1.2. Seleção do material para leitora ...

5.1.3. Metodologia adotada para o trabalho com o texto ..

5.2. ANÁLISE DOS DADOS ..

5.2.1. Estratégias em foco ...... ,. ................................. ..

. ................. 104

............................ 106

. ........................ 108

.. ........................... 108

CONSIDERAÇÕES F1NAIS ..••••.••.••.•.•.•.•.••...•...••.•..••...•..••••••..•..•.•.•.••••••.....•...•.••.•••••••.•••• 136

ANEXO .............................................................................................................................. t41

BffiLIOGRAFIA ............................................................................................................... l71

Resumo

Este trabalho teve como enfoque principal a leitura escolar,

pois sempre nos preocupou o seu desenvolvimento precário, tendo como

conseqüência leitores com uma série de deficiências no que tange à

recepção de textos escritos. Por sua vez, a leitura sem objetivos claros e sem

um respaldo teórico vai se tornando cada vez mais em uma atividade sem o

significado que deveria ter.

Tendo como base esses pressupostos, organizamos nosso

trabalho voltado para uma intervenção nas aulas de leitura a fim de

verificarmos os efeitos de uma diretriz pedagógica alternativa, baseada em

princípios psicolingüísticos.

Durante seis meses, com um encontro semanal de quatro aulas

cada um, desenvolvemos nossa pesquisa, cujo objetivo central era o

desenvolvimento de aspectos cognitivos relacionados à leitura, destacando

as estratégias metacognitivas.

Estiveram envolvidos em nossa pesquisa alunos da classe

média alta, da sa série, de uma escola particular de Uberlândia, que

apresentavam claros e variados problemas de leitura.

Podemos dizer que obtivemos resultados animadores. No

decorrer das aulas, os alunos demonstraram pelo seu comportamento e na

participação das aulas a superação de muitos problemas. Tornaram-se mais

confiantes e sobretudo, mais conscientes na seqüência das atividades. O

interesse pela leitura foi despertado e acentuou-se à medida que a leitura se

tomou significativa para eles. A evidência dessa mudança é revelada através

da análise da interação na sala de aula, dos procedimentos pedagógicos

desencadeados e das entrevistas com os participantes.

1

Destacamos que o trabalho formativo do lettor é possível, a f1m

de evitarmos que a "crise de leitura" que ora presenciamos recrudesça ainda

mais.

Psicolingüística - Leitura -Interação social - Metacognição

2

"A leitura é uma eterna busca. É como uma

chave que vai abrindo porteiras e portais, até

que se acabem as paredes. E quando é

chegado este momento, o homem pode ver

que todas as suas guerras não conseguíram

apagar sua cultura , nem mesmo um traço

de história. Assim, este ser solitário pode

começar a construir suas próprias portas no

céu - desta vez sem erguer muros - e jogar

sua chave para baixo. A leitura dá ao homem

essa dimensão sem limítes."

Bernardo de Lima Gondim

(Aluno do 3" ano colegial da EE "Bueno Brandllo", Uberl!lndia)

3

INTRODUÇÃO

Este trabalho é um estudo sobre um desafiante problema que as

escolas enfrentam: leitura. Falar sobre leitura implica falar sobre desacertos,

frustrações e fracassos. A leitura é fonte geradora de críticas. lnfelízmente!

Toma-se, portanto, uma tarefa de grande responsabilidade dos professores

insistir nos caminhos e/ou processos que possam mostrá-/a significativa para

o leitor, adotando práticas transformadores. É uma tarefa da qual não podem

fugir, pois o domínio da leitura representa para o leitor uma abertura para

melhor conhecimento do mundo, incluindo-se aí seu micro e macro universo

de vivência individual e partilhada. A leitura deve fazer com que haja uma

sintonia mais consistente entre o indivíduo e todas as instâncias de suas

experiências.

Pelo que nos é dado perceber e pelo que sabemos, a leitura

configura-se como uma ampla questão , cuja investigação não foi esgotada,

com seus nós ainda não desfeitos por inteiro. De nossa parte, tentamos

abordar aspectos cognitivos subjacentes ao processo desencadeado,

principalmente na escola, dando ênfase às estratégias de que o leitor­

aprendiz pode se valer para o entendimento do texto, assunto que escapa às

preocupações relativas ao aprendizado da leitura.

O nosso objetivo foi testar pressupostos psicolíngüísticos

aplicados á leitura (v. Brown (1980), Kato (1990), Kleiman (1989), bem como

verificar e analisar resultados em situação concreta e cotidiana da sala de

aula. Para tanto, visamos ao aproveitamento e ao desenvolvimento de

4

estratégias conscientes, sendo o processo mediado pelo professor por meio

de exercícios de linguagem orais e escritos que pudessem levar os alunos à

reflexão. Precederam esse objetivo a consideração de uma leitura como um

processo de desenvolvimento e a intenção de que essa leitura pudesse se

tomar significativa para o aluno.

Achamos pertinentes as considerações teóricas levantadas que

serviram de guia para o nosso estudo, visto que elas constituem ponto de

partida para nossa hipótese de trabalho. A nossa hipótese é que o fracasso

em leitura tem raízes no início da alfabetização em que não se estabelece

referência para as palavras escritas que começam a ser assimiladas pela

criança, ou seja, muitas delas ou têm sentido distorcido ou não têm sentido

algum. Assim, a leitura se toma uma atividade enfadonha, com pouca

produtividade, sem revelar a sua utilidade para a vida de todas as pessoas

que vivem no mundo letrado.

Nosso estudo se valeu, em determinadas partes, dos campos

educacional e sócio-cultural , por entendermos que a leitura ocorre nesses

contextos e se volta para eles. Envolve a realidade própria de cada leitor,

envolve seu desenvolvimento cognitivo e o conhecimento já armazenado em

seus esquemas. De acordo com Van Dijk e Kintsch (1983), os discursos não

ocorrem no vazio, mas em contextos amplos, recebendo deles influências.

Estiveram envolvidos em nossa pesquisa alunos de 58 série

pertencentes à classe média alta. Em suas tarefas pudemos verificar

dificuldades de leitura comumente atribuídas a alunos de classes sociais

menos favorecidas.

5

O afunilamento caracteriza a estrutura deste trabalho. Partimos de

questões mais gerais até tocar a questão específica do ensino da leitura na

escola_

Consideramos em primeiro lugar os fatores políticos,

educacionais, lingüísticos, pragmáticos que junto com os processos

cognitivos afetam a leitura contribuindo para a sua apreensão.

Passamos, a seguir, a enfocar a leitura como um processamento,

envolvendo processos mentais superiores que são mediados pelo sistema

simbólico da linguagem, de acordo com Vygotsky (1989). Esse

processamento se caracteriza por envolver as representações mentais como

construção prévia e apresentar como resultado o produto ou o

desenvolvimento contínuo destas representações mentais.

Abordamos depois a condução tradicional da leitura na escola , a

começar pela alfabetização, em que se observam procedimentos

inadequados e conseqüências indesejáveis. Lembramos, nesta parte, os

pressupostos cognitivos propostos por Van Dijk e Kintsch (op.cit.) que devem

ser considerados atentamente, pois explicam a formação das representações

mentais. Destacamos, ainda, o papel da interação contribuindo para a

compreensão do texto, segundo Kleiman ( 1993).

O nosso enfoque, a seguir, se dirige para aspectos cognitivos

envolvidos na leitura como os esquemas, o conhecimento prévio e as

estratégias cognitivas e metacognitivas. Estas últimas ajudam sobremaneira

a compreensão de textos. Treinadas que podem ser nas aulas de leitura, vão

propiciar ao aluno estendê-las a outras tantas leituras feitas na escola

conforme demonstram dados da pesquisa.

6

Na seqüência dos capítulos, descrevemos a pesquisa feita, a

partir da observação do contexto em que se dava a leitura na escola. Esse

contexto, ou o contato com a realidade verificada, gerou as diretrizes de uma

fase experimental de intervenção nas aulas de leitura e essa, por sua vez, a

continuidade da ação pedagógica conforme a concebemos, provocando

situações em que puderam ser evidenciados alguns aspectos cognitivos

nessa atividade. Procedemos à análise dos dados coletados, mostrando

como esses aspectos permeiam a leitura, vista como um processo em

desenvolvimento. Nessa análise levamos em consideração os resultados que

foram surgindo, hipotetízados alguns e outros não previstos, valendo-nos de

dados da interação, em que as estratégias conscientes foram sendo

estimuladas. Foi possível, ainda, na análise, verificar as conseqüências do

recurso às estratégias para o comportamento dos alunos ante à leitura de

textos.

No processo de leitura desencadeado não nos escapou a

observação do entrecruzar de fatores sociais, cognitivos e afetivos-volitivos,

conforme a perspectiva de Vygotsky, ao considerar o homem numa dimensão

total, em que esses fatores exercem influências recíprocas.

Finalmente, tecemos algumas considerações sobre a pesquisa

desenvolvida, na conclusão a que chegamos.

7

CAPITULO 1

O SUPERCONTEXTO DE LEITURA

Leitura e escola sempre estiveram relacionadas e constituem um

ponto central das discussões que se levantam, envolvendo o interesse e a

preocupação dos estudiosos com as questões que cercam o processo

educacional.

Segundo nos informa Goodman {1991), entre outros processos

lingüísticos, a leitura foi o que mais atenção recebeu, neste século, por parte

daqueles que se voltaram para a educação e a pesquisa educacional.

Tornou-se foco de interesse, também, da psicologia cognitiva

Entretanto, foi negligenciada pelos estudiosos de outras

disciplinas ao abordarem a língua e o desenvolvimento da linguagem. A

explosão de conhecimentos relacionados com a leitura e, especificamente,

com a compreensão de leitura, advinda de diversas áreas, veio ocorrer nas

duas últimas décadas, mas as tentativas de aplicação desses conhecimentos

à instrução em leitura têm sido gradativas e fragmentadas. Também Kato

(1988) faz observações semelhantes, ao dizer que quanto à área lingüística

(incluindo-se ai a sócío e a psicolingüística), o interesse dos pesquisadores

pela leitura é recente e só nos últimos anos os especialistas da área de

educação começaram a ter consciência desse interesse comum.

Embora seja difícil conjugar todos os princípios teóricos que

norteiam as pesquisas em leitura, há de se reconhecer que todos esses

8

princípios se dirigem para a compreensão dos textos escritos, uma vez que

esta habilidade é intrínseca ao processo, além de ser uma exigência do

mundo em qualquer época devido às suas complexas e aceleradas

mudanças. As pessoas nascidas e criadas em uma sociedade letrada

necessitam da linguagem escrita à medida em que se estendem suas

relações sociais. Esse mundo moderno com suas características próprias e

mutantes vai determinar o material verbal disponível, produzido

ininterruptamente, que cria a necessidade de leitura, mas que paralelamente

revela problemas, talvez por exigir cada vez mais diversificadas leituras e por

conviverem estas com apelos visuais constantes. O suporte visual ilustrativo

é de acesso mais fácil, imediato e, por conseguinte, bastante explorado na

época atual, principalmente pelos meios de comunicação, quando se trata de

propagandas, "out-doors", enfim pelo trabalho de "marketing". O livro didático

não fica de fora dessa tendência, embora a ilustração de textos possa, num

estágio inicial de aprendizagem de leitura, contribuir para que o aluno os

compreenda , sugerindo-lhe alguma pista. Entretanto, há de se ressaltar que

os recursos visuais parecem se reter na memória de maneira mais

passageira, ou seja, eles têm um estágio mais vulnerável e menos

duradouro, talvez pela sua constante variação e/ou mutação, ou mesmo

devido às tendências de estilo próprias dos ilustradores. Ao contrário, o

material verbal veiculado pela escrita, ou mais precisamente o seu conteúdo,

se fixa na memória de modo quase perene, visto que os níveis da língua

necessitam ser observados , sob pena de violarem a sua própria estrutura.

Além disso, os níveis apresentam peculiaridades que são generalizantes,

pois se repetem nas diversas situações em que são usados. Esse tipo de

9

diferença que apontamos entre os recursos visuais (ilustrativos) e o material

gráfico pode ser constatado por meio de nossa própria experiência de

leitores. Cabe lembrar, porém, que o material gráfico, ou seja, a

materialização da escrita , por si só, não garante a compreensão de textos.

Kleiman (1989) admite a dificuldade da tarefa de compreender o

texto, apontando entre outras causas o ato do objeto parecer indistinto com

tantas e variadas dimensões. De fato, questões lingüísticas, pragmáticas,

situacionais, ideológicas para citar algumas, entram em jogo como um

conjunto heterogêneo e complexo de fatores que se juntam no processo da

compreensão. Conforme argumenta a autora:

"( ... ) a compreensão de um texto ... abrange muitas das

possíveis dimensões, se pensamos que a compreensão

verbal inclui desde a compreensão de uma charada até a

compreensão de uma obra de arte". (op. cit.: 10).

Um dos cruciais problemas de leitura parece emergir de práticas

tradicionais adotadas pela escola que condicionam o desempenho do aluno.

O tratamento dado ao texto em sala de aula se restringe à execução de

tarefas repetitivas e desmotivadoras. O professor, sem refletir sobre as

questões propostas e respondidas pelo "livro do mestre", companheiro mais

completo daquele usado pelo aluno, que direciona suas respostas, aceita

apenas, ou quase sempre, aquelas que estiverem de acordo com o que foi

pré-estabelecido. Como resultado, o aluno vai se adaptando, ou melhor

dizendo, se enquadrando dentro de um modelo padronizado que não

apresenta nenhuma variedade para o trabalho com o texto e, por

conseguinte, nenhum estímulo para um trabalho mental maís elaborado O

10

tipo de interpretação pretendida, na maioria das vezes, subestima a própria

capacidade de pensar do aluno, conduzindo-o a adquirir mecanismos e

padrões que se consolidam a fim de executar a tarefa proposta para este tipo

de atividade, limitada à busca não de respostas, mas de preenchimentos

adequados.

Terzi (1992) em recente pesquisa sobre o processo de construção

da leitura, constata este fato denominando as perguntas mais utilizadas em

nossas escolas públicas de livrescas, apontando como uma de suas

características a reprodução de palavras usadas no texto para apresentar a

informação por elas (perguntas) solicitadas. Caracterizam-se ainda por

requererem informações explícitas e já prontas no texto, o que não vai exigir

a integração de informações pelo aluno. Este vai percebendo que qualquer

desvio do padrão modelador não será aceito. Assim, estabelece-se uma

espécie de ritual tácito compartilhado, que é previsível e sem alterações. O

estímulo à reflexão, já na sua nascente, é minimizado, toma-se fragilizado,

pois é podado constantemente. Para Wells (1991:108)

"( .. .) os professores, na prática, estão tão preocupados

em ensinar aqu#o que acreditam que as crianças devam

aprender, que lhes permitem muito poucas oportunidades

para assumirem responsabilidade por sua própria

aprendizagem e, como resultado, quase que

invariavelmente subestimam as reais capacidades das

crianças".

De fato, a escola muito raramente leva em consideração o

potencial cognitivo da criança. Ignora que seu desenvolvimento e

11

aprendizagem, em contínua expansão, iniciaram-se muito antes do período

escolar e que o processo desencadeado desde a mais tenra idade servirá de

suporte para o domínio da linguagem escrita, em que a leitura,

necessariamente, ocupa lugar centraL Assim, os aspectos cognitivos, sociais

e interativos que deveriam ser considerados na e para a leitura não são

devidamente valorizados.

Cremos, por outro lado, que as tarefas de leitura poderiam

também envolver e se aproximar tanto quanto possível das exigências

corriqueiras, mas inúmeras e relevantes vivenciadas pelo aluno, a fim de lhe

assegurar uma intimidade com temas atuais e cotidianos que a própria leitura

pode oferecer.

Foucambert (1994: 10) observa que os diferentes textos

disponíveis devem se tornar conhecidos ao ressaltar: u A escola deve ajudar a

criança a tornar-se leitor dos textos que círculam no social e não limitá-la à

leitura de um texto pedagógico, destinado apenas a ensiná-/a a ler. Entiio é

precíso conhecer esses escritos socíaís."

Gumperz (1991), por sua vez, escreve que quase todos os

membros das sociedades modernas têm suposições que encontram

expressão em suas atividades imediatas, incluindo aí os usos da linguagem.

Sugere o autor que essas suposições devem ser investigadas, no sentido de

situá-las no processo de aprendizagem da sala de aula.

De nossa parte, podemos dizer que a utilização de textos

relevantes da atualidade para as tarefas de leitura, conforme fizemos ao

aplicarmos nosso instrumento de pesquisa, mostrou-se um recurso viável e

produtívo, provocando grande envolvimento dos alunos que passaram a ter

12

um interesse maior em ler, fato esse não percebido nos primeiros contatos

que tivemos,

Devemos admitir que há diversidade de interesses, de

expectativas, de necessidades e que, em conseqüência disto, as aulas de

leitura não se devem circunscrever apenas a textos contidos no livro didático

de português, muitos dos quais são indefinidamente repetidos. A

diversificação de textos se torna desejável, podendo reverter uma rotina

cansativa e nem sempre prazerosa, ditada, via de regra, por convenções

institucionais instauradas que vão consolidando cada vez mais a ritualização

não só da leitura, mas do ensino de um modo geral. Normalmente, pais e

professores assumem uma posição não questionadora desse modo de ser do

ensino. Aceitam o canônico, o tradicional da sala de aula. Tomam-se

coniventes com a autoridade de que é revestida a escola.

Diversos estudos apontam fatores, influências, condições

interferentes na formação do leitor, reconhecendo-os ora como

favorecedores, ora como inibidores para a aprendizagem da leitura.

O longo trabalho de pesquisa de Heath realizado em três

comunidades norte-americanas (Mainto'Ml, Roadvílle, Trackton} traz uma

resposta significativa a propósito de como os hábitos de leitura da família

podem subsidiar o trabalho realizado pela escola. A autora ( 1982) relata que

as crianças de Maintown, representantes da classe média, obtiveram mais

sucesso em suas atividades escolares do que as crianças das duas outras

comunidades, uma de operários brancos nativos da região (Roadville) e

outra de operários negros de origem rural (Trackton}. Nas duas últimas

comunidades o nível de escolaridade era inferior.

13

As crianças da primeira comunidade citada tiveram acasso amplo à

escrita desde cedo e incentivo para essa prática. A autora observa que a

habilidade de tirar significado dos livros, habilidade fundamental na escola, é

uma extensão dos hábitos de leitura cultivados bem antes do período

escolar, no seio das famílias da classe média. Um dos hábitos bastante

produtivos que teriam reflexos futuros desejáveis na leitura da escola, é a

leitura de historinhas para as crianças na hora de dormir (bedtime story). Não

só a leitura preenche este momento. Ele é acrescido do diálogo entre pais e

filhos acerca do que dizem os livrinhos. O conteúdo das histórias com seus

personagens servirão de referência aplicáveis em outras situações, isto é, as

crianças começam a desenvolver estratégias que lhes serão úteis em

momentos outros de leitura. Em conseqüê-ncia disso, o desempenho escolar

dessas crianças é bem melhor do que o das outras crianças representantes

das demais comunidades.

As crianças de Roadville também tinham contato facilitado com o

mundo da escrita, inclusive com as histórias de dormir. Porém esse contato

era feito de modo diferenciado, ou seja, sem que se relacionassem as

historinhas com as experiências vivenciadas pelas crianças.

O contato das crianças de Trackton com a leitura se fazia de outro

modo. De acordo com Heath, o material específico para crianças a que elas

têm acesso é aquele divulgado pela escola dominical da igreja que

freqüentam. Os pais lêem jornais, circulares relacionadas a eventos cívicos e

políticos, a bíblia e outros materiais religiosos. Não há leituras

compartilhadas na família. As crianças desenvolvem práticas orais de

linguagem, como contar fatos ocorridos em suas vidas e no ambiente em que

14

vivem. Elas contam historinhas, mas não chegam a organizá-las de acordo

com os modelos das narrativas escolares.

A pesquisadora observa, então, que o desempenho escolar futuro

dessas crianças será diferente, tendo mais sucesso as primeiras citadas.

Podemos associar a questão desse maior sucesso à familiaridade das

crianças com os assuntos como também ao enriquecimento dos

conhecimentos prévios, questão essa de que nos ocuparemos em outra

parte deste trabalho.

Embora abordando questões lingüísticas, sociais e ideológicas, a

visão de Gee (1990) sobre o sucesso escolar das crianças parte dos

mesmos pressupostos de Heath. O autor menciona como exemplo, entre

outros, um estudo longitudinal realizado na Inglaterra (The Brístol Language

Project) em que foi estudado o desenvolvimento da linguagem de 129

crianças nascidas na área de BristoL Foi constatado que o sucesso escolar

dessas crianças, com 1 O anos de idade na época da pesquisa, estava

fortemente relacionado à experiência para o letramento que apresentavam

ao ingressarem na escola. Por sua vez, essa experiência se relacionava à

classe social a que pertenciam as crianças.

O autor cita, ainda, estudos feitos para tentar explicar a ~lógican do

que ele denomina ''crise de letramento". Não foi surpresa para ele o

resultado dos testes aplicados em crianças, antes de seu ingresso na escola.

As que conseguiram melhor desempenho foram, justamente, aquelas

pertencentes à classe média, que cultivam em casa hábitos de leitura e

práticas de letramento. Esses hábitos e práticas vão gerar habilidades para

uma base escolar de sucesso. Observa, ainda, que a escola, longe de

15

remover as diferenças trazidas de casa pelas crianças, consolida as

diferenças das classes sociais.

Do ponto de vista psicolingüístico, podemos acrescentar aqui, que

as crianças da classe média, por conviverem mais de perto com variados

tipos de material escrito, provavelmente, tenham um conhecimento lingüístico

prévio mais amplo devido a uma maior familiaridade com padrões discursivos

da escola que procuram reproduzir os padrões próprios da classe média. O

fato de as crianças estarem mais expostas a esses modelos pode favorecer a

aquisição e domínio da modalidade escrita. De acordo com Rumelhart

(1980), uma das características que pode separar leitores mais e menos

habilitados é a acessibilidade a um número maior de esquemas de palavras

mais completamente desenvolvidos. Podemos deduzir que essa questão se

volta para aqueles esquemas mais explorados e valorizados pela escola.

Ferreiro (1992: 86), por sua vez, observa:

"A evidência empírica acumulada parece indicar que a

ordem da sucessão das conceptualizações das cn·anças

não é aleatória e que algumas das construções são

prévias a outras porque são constitutivas das construções

subseqüentes".

No que se refere à leítura, podemos associar os argumentos de

Rumelhart e de Ferreiro, considerando que os esquemas de palavras mais

desenvolvidos, de um modo geral, podem desencadear um processo

contínuo de ampliação desses esquemas, porque, sem dúvida, o

conhecimento de uma palavra cria condições propícias para o conhecimento

de outra, ou seja, uma palavra alicerça o acesso à outra.

16

O argumento de Ferreiro deixa clara a idéia da ligação e da

dependência das construções que vão sendo feitas; remete-nos, ainda, a

uma imagem de construção, cujos acréscimos expandem sempre a partir de

um outro já existente e consolidado. Pressupomos que, dessa forma, se

estabelecem correntes cognitivas em movimento constante, envolvendo

palavras, frases, texto e, logicamente, o sentido de cada um desses

segmentos. Enfim , a aquisição e o domínio do universo da escrita e da

leitura.

Não descarta a autora as diferenças individuais dos modos como

se dão essas organizações, mas situa-as num marco geraL Chama a

atenção para a reconstrução de um saber construído em certo domínio a fim

de que possa ser aplicado a outro, incluindo ai a reconstrução do

conhecimento oral que a criança tem para poder utilizá-lo no domínio da

escrita.

Ocorre que, na observação que fizemos, lidamos com crianças

oriundas da classe média e que, segundo registram as entrevistas, tiveram

contato com diversas formas de leitura e escrita, tanto no seio da família

como nas escolinhas infantis. Antes do início de sua alfabetização formal,

todos eles passaram por escolas particulares, começando alguns sua

trajetória escolar aos 2 anos de idade.

Era, portanto, de se esperar que esses alunos apresentassem

ótimos resultados na escola quanto ao domínio das duas habilidades

básicas: ler/escrever, devido às práticas de letramento anteriores. Por ser

assim, o processo de reconstrução de que nos fala Ferreiro poderia ser mais

facilitado. Entretanto, o resultado que apresentam em termos de

17

desempenho de leitura não é uniforme, nem homogêneo, nem o mais bem

sucedido, conforme geralmente se prevê. Os alunos demonstram falhas

quanto à compreensão dos textos e mesmo quanto à maneira de ler

(descontinuidade, silabação, entonação inadequada). Enfim, não chegam a

ser nem leituristas 1 considerados dentro do que se supõe ideal (leitura

corrente, entonativa, sem embaraços), nem tampouco leitores capazes de

reconhecerem traços da intertextualidade2, ou seja, das relações

estabelecidas pelo texto com outros textos, implícita ou explicitamente,

através de fatores formais. Dizendo de outra forma, não conseguem associar

1Chamamos de ·teiturista'a quem lê o texto de maneira superficial para desincumbir-se

de uma tarefa, sem ser estimulado a compreender o que o texto, ou mesmo porções menores dos

textos dizem. Esse tipo de leitor, muítas das vezes, lê correntemente, sem tropeços. As palavras lidas

não precisam de retoque. Lê com entonação e pausas adequadas. Ê o leitor idealizado pela escola

por apresentar um bom desempenho em leitura oral, quando esta atividade é colocada em prática na

sala de aula. Na ânsia de ter bem, este tipo de leitor, de modo geral, não faz a imersão no texto, não

tem tempo de fazer suas inferências, não capta as entretinhas do texto. Ele cumpre a tarefa como que

recitando o texto. Enfim, é o que passeia os olhos sobre o texto sem escutá-lo, segundo as palavras

de Geraldi (1991: 172).

2A intertextualidade é um importante fator de coerência, "na medida em que , para o

processamento cognitivo (produção/recepção) de um texto recorre-se ao conhecimento prévio de

outros texros". {Koch & Travaglia: 1989)< Segundo os autores, a intertextualidade pode ser de forma,

de conteUdo e tipológica (um subtipo da intertextualidade formal}, Interessa-nos particularmente,

neste trabalho, a intertextualidade de conteúdo que está associada ao conhecimento de mundo e é

bastante evidente, podendo ocorrer impl!cita ou explici1amente. Quando a intertextualidade se

encontra imp!lcita, o receptor terá de se valer de seu conhecimento prévio para recuperá-la e assocíá­

la ao texto que está sendo lido. É um tipo de est-ratégia mui1o importante para se atingir a

compreensão do texto. Quando a intertextualidade é explicitada pela indicação da fonte de outros

textos, de citações, da reprodução de trechos e falas de outros textos, é posslvel que a compreensão

seja atingida com mais rapidez. (v, Koch & Travaglia (op. clt. e 1989) para maiores detalhes).

18

o que estão lendo num dado momento com outras situações já conhecidas.

Em suma, não chegam a compreender o texto como um objeto coerente, uma

unidade significativa, e por conseguinte, bloqueiam-se as condições para

que eles consigam construir um sentido para o texto.

Esta constatação incita-nos algumas reflexões e suposições. É de

se supor, por exemplo, que essas crianças estejam mais expostas a eventos

de letramento, que tenham um acesso constante e facilitado aos meios de

comunicação, que percebam mais cedo a organização da linguagem escrita,

que tenham mais oportunidade de captar o modo valorizado pela escola de

se contar (por exemplo, uma historinha), de se recitar uma quadrinha etc. o

que poderia favorecer a construção e ampliação de seus esquemas e o

enriquecimento de seu conhecimento prévio. Mas é de se supor, também,

que alguns outros fatores estejam emergindo desta imaginada classe social,

atuando como interferentes não desejáveis para o aprendizado da leitura.

Muitas vezes, os pais têm um convívio pouco direto com os filhos,

determinado pelas exigências de trabalho ou de outras atividades com que

se envolvem. Supomos que as crianças acabam por criar situações paralelas

como as convivências eletrônicas, o que não deixa de ser uma alternativa

para compensar as lacunas de sua necessidade de comunicação, mesmo

tendo ela uma característica unilateral. Vivências solitárias para preencher

os desvãos de sua própria necessidade de (com)viver. A casa toma-se seu

refúgio seguro e restrito, porque vão sendo, também, gradativamente

acuados pelo medo. A rua constitui uma ameaça, não mais o convíte para as

brincadeiras descontraídas que promovem o aprendizado espontâneo e a

multiplicidade de leituras.

19

Assistimos à transformação da liberdade em aprisionamento,

conseqüência dos perigos urbanos que proliferam em toda parte. Com isso,

a criança se vê privada de suas oportunidades primeiras e naturais de "ler o

mundo", conforme a concepção de Freire (1985). São criados aparatos

artificiais para o entretenimento, substituindo cada vez mais o que a criança

poderia construir com sua imaginação e descobertas decorrentes de sua

curiosidade inata, intelierindo, ou talvez mesmo alterando o seu

desenvolvimento cognitivo. Ou seja, a leitura de mundo ou o seu

conhecimento prévio se constroem em bases diferenciadas, porém com um

direcionamento restrito a padrões mais ou menos uniformes e, portanto,

massificador.

Então, questionamos até que ponto não estaria esse contexto

moderno desmotivando a aprendizagem e minimizando a capacidade de

recepção e reação da criança. Ou, em que dimensão estaria bitolando-a

dentro de um tipo de aprendizagem teledirigida e manipuladora, traçando

uma direção unilateral para o seu pensar. De que maneira tudo isso estaria

se refletindo na leitura, vista como uma forma de alargar a visão de mundo,

já que a criança aprende desde cedo a ver o mundo pelos olhos eletrônicos

(TV, vídeogames), a assimilar clichês altamente perniciosos para o seu

discernimento e para a construção de seu juízos de valor? O seu senso

crítico se assenta em lugares comuns, porque seus esquemas são impostos,

limitados, manipulados. Pouco espaço é deixado para a descoberta, para as

escolhas individuais e muito espaço para o que está posto, para o que é

transmitido pela polifonia indeterminada e repetitiva, para a insensibilidade.

Há como que um mediador invisível, mas suficientemente forte e regulador

20

se desenvolvendo fora e dentro da escola, direcionando os indivíduos para a

passividade

Segundo Soares (1988) e também Kleiman (op. cit:1989), a leitura

não é aceitação passiva, mas sim construção ativa e é no processo de

interação desencadeado pela leitura que o texto se constitui. Se como pano

de fundo constatamos essa inculcação continuada e se se impõem

ideologias, como poderá se dar a construção ativa da leitura? De que modo

a compreensão fica afetada, estando a interação tão desvirtuada de sua

característica constitutiva?

Orlandi (1988:35) postula ser a leitura uma questão lingüística,

pedagógica e social ao mesmo tempo. Considerando-se desse modo a

leitura, pode-se vislumbrar que ela está sujeita a inserções e influências de

várias ordens na tricotomia apontada. Cremos que aquela leitura de mundo

de que nos fala Freire seja produto de uma leitura pelo contato díreto,

vivenciada, em que se descortinam os fatos, os acontecimentos, com os

nossos próprios olhos e sentidos, através de várias formas de interaçao. É

ver com os nossos próprios olhos e sentidos o que possibilita as

descobertas, a intervenção no mundo, transformando-o por um movimento

contínuo de aprendizagem que parte do concreto para as abstrações. A

leitura se expande e se estende até os limites possíveis do indivíduo e se

irradia influenciando o "nós" social-histórico e dele recebendo influências.

A leitura que se observa nos tempos atuais nos parece bem

diferente, fechada num círculo vicioso. A visão de mundo é dissimulada,

impingida, cheia de recortes. O contato é distante e indireto. Lê-se o mundo

por meio de outros olhos, daqueles que viram primeiro e que selecionam o

21

mais adequado (ou o mais belo, ou o mais violento) para ser apreciado. O

mediador invisível transmite crenças, valores, cultura, legitimados pelo

"status-quo". O que é próprio do indivíduo leitor do mundo é sempre

suplantado pelo que é próprio de sociedades submetidas aos interesses de

quem domina, de quem detém o poder. O conhecimento prévio formado

nesse complexo emaranhado de rumos ideológicos e políticos suspeitos

pode ficar seriamente comprometido, estereotipado e míope. Esse

emaranhado pode determinar também um reducionismo (intencional) da

própria capacidade lingüística e cognitiva, pois inibe o uso da imaginação

criadora.

Há uma ação coercitiva do contexto mais amplo, mais geral que se

reproduz, inevitavelmente, na escola através do ensino e que vai sendo

assimilada pelos alunos, pois "aponta sempre para a não relação com o

inesperado, o múltiplo, o diferente." (Orlandi, op. cit.: 39).

Pode parecer que estejamos nos desviando do processo cognitivo

de leitura em si, objeto selecionado para a abordagem de nossa pesquisa.

Entretanto é oportuna nesse momento a observação de Van Dijk & Kintsch

(1983) a respeito de discursos e histórias que não ocorrem num vácuo. Eles

são produzidos e recebidos por falantes e ouvintes, em situações

específicas, em meio a um contexto social mais amplo. Daí a formulação de

seus pressupostos contextuais (de funcionalidade, comunicativo, pragmático,

interacianista, de situação) conjugados com os pressupostos cognitivos

(construtivista, interpretativo, "on-line", pressuposicional, estratégico) no

estudo do processamento estratégico do discurso. Visto que o discurso

emerge da linguagem verbal e é manifestado lingüisticamente por meio de

22

textos (em sentido estrito), de acordo com Fávero e Koch (1983), deduz-se

que a atividade de leitura, partindo de textos escritos vai, necessariamente,

considerar também o discurso.

Sendo assim, parece-nos pertinente tentar um esboço mais

sistematizado para as nossas colocações anteriores a propósito de fatores

que estão envolvidos direta e ou indiretamente na leitura, considerando essa

atividade como um processo de compreensão e construção de significados.

Os fatores são múltiplos e sincréticos, entretanto, não são monolíticos nem

dissociados. Eles compõem as malhas do tecido de uma imensa rede de

relações.

Cremos poder agrupá-los de acordo com características mais

gerais no que chamaremos de estratos contextuais, concebendo que os

fatores que vêem explicitados a seguir influenciam, afetam a leitura,

tornando-a uma atividade complexa e desafiante e tendo como conseqüência

leitores pouco eficientes. Dessa maneira teríamos:

• um primeiro estrato que estaria ligado a questões políticas não

resolvidas como metas educacionais traçadas, por vezes não

seguidas ou até mesmo ignoradas, programas interrompidos apesar

dos resultados positivos apresentados como o "Integração da

Universidade com o 111 grau"; projetos pictóricos como o

"Alfabetização e cidadania" que sempre têm um início e se perdem

no meio do caminho. Não há a preocupação de aferir os resultados

e eles ou se dispersam ou se sustentam apenas através da

perseverança de grupos isolados .

23

• um segundo estrato estaria ligado a questões educacionais

estruturais corno o ensino com suas raízes assentadas num modelo

tradicional que não leva em conta a realidade social dos alunos que

buscam a escola como instituição oficial de ensino: métodos,

técnicas, estratégias, "receitas de procedimentos" imediatistas e

inadequadas; professores mal preparados para as funções que

exercem; desmotivação profissional; papéis mal interpretados ou

mesmo definidos superficialmente dos chamados técnicos em

educação, desconsideração do contexto social e histórico pela

escola, criando um mundo paralelo dentro de seus muros,

desvinculado do mundo em que o aluno se move.

• um terceiro estrato, também ligado a questões educacionais, diz

respeito ao papel da Universidade que de um modo geral não

conjuga a trfade : ensino, pesquisa, extensão, limitando-se a

''formar" profissionais com carências de várias ordens; ausência

nos Cursos de Licenciatura de um compromisso mais consistente

com aulas práticas, uma vez que o aluno se prepara para ser um

futuro professor (sua prática às vezes se faz atropeladamente, sem

um preparo adequado, entre conflitos e desacertos, já na regência

de classes); resultados de pesquisas e estudos com circulação

quase que exclusivamente dentro da própria Universidade,

tornando estreitíssimo o acesso pelos professores atuantes na

escola a esse material de suma importância para a renovação de

conhecimentos.

24

• um quarto estrato diz respeito a questões lingüísticas. As teorias

ficam no plano abstrato, não sendo tentadas sua aplicação e/ou

testagem, não havendo portanto uma ponte entre os subsídios

teóricos concretos e o ensino/aprendizagem; estudos voltados

apenas para as inevitáveis provas (trabalho árduo para professor e

aluno) e não para um processo avaliativo do grau de aprendizagem

atingido pelo aluno.

• um quinto estrato está associado a questões pragmáticas. Não se

pode ignorar como a línguagem está sendo usada, em que

situações, dentro da sociedade ou da comunidade a que o aluno

pertence. Também não podem ser ignorados os tipos de textos que

se constroem e são veiculados com suas características e efeitos

de sentido.

• um sexto estrato se relaciona aos processos cognitivos envolvidos

na leitura a que subjazem as noções de esquemas, conhecimento

prévio, estratégias cognitivas e metacognitivas, bem como aquelas

estratégias que segundo Van Dijk e Kintsch (op. cit) estão

envolvidas na compreensão de textos: sócio-culturais,

comunicativas, gerais de leitura, de compreensão local, de

coerência local, macro-estratégias, esquemáticas, de uso do

conhecimento.

Cabe-nos destacar, entretanto, que do ponta de vista da

psicologia, a noção de estratégia denota algum tipo de comportamento

cognitivo. Sendo assim, consideramos que as duas primeiras estratégias

{sócio-culturais e comunicativas) citadas se configurariam mais

25

apropriadamente como questões pragmáticas, pois não se tratam de

comportamentos, mas de fatores interferentes na leitura. Ressalte-se que as

sócio-culturais advêm de influências contextuais relacionadas a informações

de vários tipos, à posição social e/ou política do leitor, conforme pressupõem

os autores. As estratégias comunicativas dizem respeito ao engajamento em

determinados atos comunicativos, como por exemplo o interesse em ler

algumas notícias, como também citam os autores.

No bojo deste contexto há ainda a se considerar o fator afetivo

às vezes inanalisável, mas perfeitamente observável nos comportamentos

revelados. Vygotsky (1993) reconhece o fator afetivo como motivador da

criação de um estado de consciência e que parte das necessidades do

indivíduo com influência em seus pensamentos e comportamentos. De nossa

parte, cremos ser o fator afetivo gerador da emotivídade que se traduz em

um tipo de energia que se desenvolve, favorecendo a compreensão de textos

e de situações. Podemos afirmar que a emotividade faz com que o leitor se

envolva em grau altamente desejável com a leitura. Suas atitudes se deixam

revelar em forma de prazer que pode ser sentido e observado (v. também:

Terzi, op. cit.)

então:

Os estratos citados poderiam agora ser reagrupados e teríamos

• O grupo 1, a que chamaríamos de supercontexto, englobando os

estratos 1, 2 e 3.

• O grupo 2, a que chamaríamos de macrocontexto, envolvendo os

estratos 4 e 5.

26

• O grupo 3, a que cham~ríamos de microcontexto, envolvendo o

estrato 6.

Toda essa estrutura, sem dúvida, afeta as ações e

comportamentos, intervém na assimilação do conhecimento pelos indivíduos

e notadamente pela criança.

A leitura acaba por refletir de maneira acentuada a marca de

algumas questões mal compreendidas e despercebidas e vem dando

respostas frustradoras, uma vez que a queixa de que os alunos não sabem

ler se torna cada vez mais rigorosa e mais categórica por parte dos

professores, nas múltiplas situações em que são solicitados a darem uma

opinião sobre desempenho em leitura de seus alunos.

Supúnhamos que o problema referia-se apenas a alunos das

quatro séries iniciais em que a alfabetização é o ponto principal das

preocupações da escola, apresentando junto ao processo de aquisição da

leitura/escrita os seus desajustes naturais e resultados nem sempre os mais

positivos. Mas, veremos mais adiante que o problema avança em mais

direções.

Cook-Gumperz ( 1991) considera a alfabetização não apenas

como a aquisição de habilidades psicológicas, mas também como um

processo social da demonstração da capacidade de adquirir conhecimentos.

Entretanto, observa que as teorias lingüísticas e psicolingüísticas, tomando­

se aliadas nas últimas duas décadas, não conseguem sozinhas explicar as

condições sociais e ambientais essenciais para se aprender a ler e a

escrever.

27

Outros fatos também não são explicados: crianças que aprendem

a ler e escrever com extrema dificuldade; crianças que antes de chegarem à

escola já demonstram conhecimento da linguagem escrita, conforme

demonstram Ferreiro e Teberosky (1979) em seus estudos com crianças de 4

a 6 anos que desenvolviam hipóteses sobre a linguagem escrita mesmo

antes de aprenderem a ler; crianças que lêem sem ter adquirido a forma de

escrita alfabética.

Vê-se, portanto, que a aprendizagem é cercada de influências

multifacetadas e imprevisíveis. A escola, sem dúvida, constitui o cenário

central ou principal de onde emergem respostas e não respostas para a

investigação dos pesquisadores e outros interessados nas questões que

subjazem à aprendizagem e nos resultados que esta apresenta. É também a

escola que abastece uma dada sociedade com indivíduos bem ou mal

preparados para exercerem sua cidadania e seus papéis sociais, uma vez

que sua tarefa é uma resposta formal e oficial a uma solicitação específica

desta mesma sociedade.

Várias pesquisas procuram justificar o baixo rendimento escolar,

em que a escritalleitura se destacam, tendo como enfoque as condições

sociais de classes desfavorecidas (v. Soares, op. cit).

Segundo Erickson (1990) numerosas outras pesquisas tentam

explicar o mesmo fenômeno, apontando causas diversas como

determinantes do insucesso escolar, causas essas oriundas de teorias e

enfoques de várias áreas da investigação científica como a lingüística, a

sociolingüística, a psicologia, a antropologia, a pedagogia, entre outras,

apesar de se entrecruzarem e terem seus pontos de contato, mesmo que

28

ainda incipientes. O autor faz considerações várias sobre a explicação de

outros estudiosos interessados no baixo rendimento escolar de minorias

étnicas dos EEUU e contra-argumenta pontos de vista sustentados por

esses estudiosos, principalmente aqueles concernentes à percepção do

mercado de trabalho e ao processo comunicativo, ressaltando suas

limitações e sua fragilidade. Partindo de problemas educacionais emergentes

de características sócio-culturais particulares de seu país, Erickson toca

uma questão mais universal ao observar que falar de sucesso ou fracasso

escolar é falar de aprendizagem ou falta de aprendizagem daquilo que é

deliberadamente ensinado na escola, ao destacar que a aprendizagem é

ubíqua na experiência humana ao longo do ciclo vitaL E ele completa sua

percepção ao observar:

"Os alunas na escola, como outros seres humanos,

aprendem constantemente. Quando dizemos que eles

"não estão aprendendo'~ o que queremos dizer é que eles

não estão aprendendo o que as autoridades escolares,

professores e administradores querem que eles

aprendam coma resultado da instrução intencional".

(p.11)

O argumento desse autor nos parece de suma importância, pois

serve de suporte para a nosso ponto de vista em relação à leitura não bem

sucedida na escola, que não fica restrita apenas a alunos oriundos de

classes sacias desfavorecidas, nem às séries iniciais do ensino fundamental

e nem somente às aulas de língua materna (LM.). A instrução intencional

pode estar desvirtuada de seus caminhos, não atendendo às necessidades

29

atuais do nosso contexto sócio-histórico. Por outro lado, ela pode estar

sinalizando para uma inadequação de suportes teóricos, ficando perdida

nas malhas da tradição e da acomodação em modelos superados.

Dissemos anteriormente que a nossa suposição de o aluno "não

saber ler", de acordo com a fala dos professores, ficava restrita às séries

iniciais do 1° grau, mas podemos observar julgamento semelhante dos

professores quanto a alunos da sa, ea, ya e aa séries, Mais ainda, esse

julgamento se estende ao 2" grau, tocando também o 3° grau. As falas são

ouvidas em toda parte (também fora da escola) e uma amostra delas pode

ser verificada nas entrevistas que fizemos com cinco professores de áreas

diferentes, na escola onde fizemos nossa observação e coletamos dados.

Ratificando o insucesso da leitura, a coordenadora pedagógica da escola

preocupa-se com o fato de, atualmente, os alunos serem reprovados em

matérias da grade curricular consideradas antes de menor peso, como:

Geografia, História, Ciências. Os casos de reprovação nessas matérias eram

escassos e hoje são vistos como significativos, começando a ser motivo de

preocupação. De acordo com seu ponto de vista, as reprovações se devem

ao fato de os alunos não compreenderem o que lêem, pois as matérias

referidas dependem, basicamente, dos textos dos livros didáticos.

A percepção dos problemas de leitura pelos professores advém da

prática, das ocorrências verificadas no dia-a-dia escolar e as causas não

foram ainda detectadas convenientemente. Mas, isto não invalida o que os

professores sentem em relação às carências de leitura, pois eles desejam

que o aluno tenha condições de compreender pelo menos o que lê na

escola.

30

Por outro lado, as pesquisas e trabalhos sobre leitura não chegam

a declarar categoricamente que os alunos não sabem ler, porém demonstram

que existem grandes dificuldades relacionadas ao desempenho em leitura.

Exemplo disto é a conclusão a que chegaram Carraher e Santos ( 1984) na

pesquisa que relatam sobre leitura e senso critico, cujos sujeitos foram

alunos universitários:

denomina

"As observações desta pesquisa não são animadoras

com relação a habilidade de os alunos analisarem e

reffetirem sobre questões de importância. Apontam para

um problema de grandes proporções que se coloca diante

da educação brasileira." (p. 153).

Percebemos, então, que há uma crise de leitura, ou como Gee

uma <~crise de letramento". Chamam-nos a atenção,

particularmente, os problemas de leitura que também atingem alunos

oriundos das classes favorecidas, apesar de seus privilégios e dos recursos

de que dispõem. Não se trata de nos colocarmos em defesa destas classes.

Trata-se antes de uma preocupação com os problemas associados à

aquisição e/ou aprendizagem de leitura e por contigüidade da escrita, ou

vice-versa. Sabe-se que a maioria dos alunos que chegam às universidades

pertencem à classe média. Entretanto, a maioria deles não são percebidos

como os leitores eficientes esperados. A obra de Durigan et ai (1987)

constata resultados pouco positivos, através da análise de redações e de

questões gerais, envolvendo todas elas a leitura e seus reflexos, em provas

de Língua e Literatura do concurso vestibular. As exceções de um bom

31

desempenho em relação ao processo interativo da leitura que propicia a

compreensão são poucas.

E como a leitura não tem apresentado resultados positivos,

supomos como Kato (1990:2), que urge trabalhar a leitura desde a sua

aquisição, através de um trabalho preventivo e formativo e não apenas

corretivo, tendo em vista a formação de um bom leitor ou de um leitor

proficiente. Para haver principalmente o trabalho formativo é necessário que

se conheçam o processo em desenvolvimento e as hipóteses que sustentam

qualquer metodologia de leitura.

Pressupomos, pois, que haja uma crise de leitura, generalizada,

comprometedora e não desejada, embora reconhecendo pelo que tentamos

esboçar acima que atingir uma habilidade ideal em leitura está longe de ser

uma questão pacífica devido às diversas influências a que o leitor/aprendiz e

mesmo o "leitor/formado" estão expostos. Além disso não podemos nos

esquecer das diferenças individuais e das possíveis diferentes formas como

o leitor recebe o texto e tenta construir seu sentido, ou seja, não são precisas

as estratégias de que ele se vale para compreender o texto e nem é preciso

o seu nível de envolvimento com o texto. Com razão observa Kteiman (1989:

10 e 13) parecer a compreensão do texto uma tarefa difícil e complexa,

considerando~se que na leitura, conjugam-se processos cognitivos, a

interação social, o material lingüístico fornecido pelo texto e talvez outros

fatores subjacentes ainda não muito explicitados ou investigados.

Contudo, a leitura é necessária. Ensinar a ler com compreensão é

uma tarefa básica que se torna um compromisso da escola em nosso

contexto social.

32

CAPÍTUL02

UMA VISÃO DE LEITURA

2.1. Componentes da leitura

A abordagem sobre leitura não deixa dúvidas quanto à sua

complexidade devido ao emaranhado de fatores que a perpassam e a

cercam. Caracterizada como socialmente construída, a leitura permite ser

considerada sob diversas perspectivas, submetida que é a influências mais

gerais, como também a influências mais específicas. Acrescente-se ainda o

modo de sua apreensão ou o seu domínio pelos leitores que podem ocorrer

de maneira particular e nem sempre previsível. Na verdade, o universo

cognitivo do leitor não é algo palpável, visto que ele é construído e

constituído de acordo com o tipo de relação estabelecida entre o homem e o

mundo. Esta relação pode ter trajetórias simples, sofisticadas e resultar em

questionamentos ou aceitação, determinando comportamentos díspares de

recepção da leitura e sempre hipotetizados. Hipotetizados, posto que seria

impossível determinar o tipo de estratégias que cada leitor se utiliza para

receber o texto ou a maneira como o texto vai provocar suas reações.

Por outro lado, esse universo cognitivo propiciará a atribuição de

sentido para os textos de leitura, ao mesmo tempo que evolui e por certo se

transforma.

Três componentes básicos estão permanentemente em confronto

na leitura: o contexto histórico-social, o homem e a linguagem. O contexto

33

histórico-social subsidia as estruturas de conhecimento que, por sua vez,

organizam a utilização do conhecimento. O homem internaliza o

conhecimento e através do seu desenvolvimento e aprendizado contínuos

encontra na linguagem as formas de expressão dos componentes anteriores.

Para Vygotsky(1989), os processos mentais superiores caracterizam o

pensamento tipicamente humano. Processos mentais superiores, tais como:

o controle consciente das ações, a atenção voluntária, a memorização ativa,

o pensamento abstrato, o comportamento intencional são processos

mediados por sistemas simbólicos. É a linguagem o sistema simbólico básico

de todos os grupos humanos, um instrumento do pensamento que fornece os

conceitos e as formas de organização do real, constituintes da mediação

entre o sujeito e o objeto.

Os três componentes básicos o contexto sócio-cultural, o

homem e a linguagem - que entram em jogo na leitura interagem

simultaneamente, em níveis quase inteiramente simétricos. A propriedade de

interagir faz com que esses componentes constituam um liame, que por sua

vez configuram um ciclo ativo e evolutivo. Emergindo desse ciclo

tridimensional, a leitura assume uma natureza dinâmica por excelência.

Senão vejamos: o contexto histórico-social em constante evolução fornece

cenários, motivos, temas, inspiração para as reflexões do homem, para a

expressão da filtragem que ele faz desses cenários, motivos, temas,

inspirações. Falamos em filtragem ou talvez seleção, pois há de se

considerar os interesses, os valores atribuídos e não atribuídos a

determinadas situações, a percepção mais ou menos acurada de detalhes, a

retenção de itens na memória de trabalho que é "uma capacidade finita e

34

limitada" conforme as observações de Kleiman (1993:34) referindo-se a

unidades significativas3. Pressupomos que essa memória de trabalho, que é

o primeiro processo a se dar antes da memória intermediária e a memória de

longo termo (também chamada de memória semântica e memória profunda),

diante de situações diversas revela sua capacidade finita e limitada tal como

diante de unidades significativas.

A linguagem verbal permite ao homem registrar formas de

expressão que resultam da necessidade de comunicação e se concretizam

cumprindo uma função em textos orais e escritos. Vygotsky (1989) postula

duas funções básicas da linguagem: a do pensamento generalizante e a do

intercâmbio social, sendo esta última a principal, pois o homem cria e utiliza

os sistemas da linguagem para se comunicar com outras pessoas. O texto

tem, então, uma existência social e uma função social a desempenhar,

preenchendo o seu todo organizacional com dados lingüísticos de modo a

1 A autora, ao examinar o aspecto cognitivo da leitura, tendo em vista apenas o

processamento da informação, observa que esse processamento se inicia de fora para dentro. Ou

seja, o processamento do objeto começa pelos olhos que percebem o material escrito e este passa,

então, a uma memória de trabalho (fatiamento) que o organiza em unidades significativas. Nesse

processo, a memória de trabalho é ajudada por uma memória intermediária (repositório de

conhecimento ativado, em alerta), cujo pape! seria o de tornar acessfveis aqueles conhecimentos

relevantes para a compreensão do texto em questão. Os conhecimentos selecionados , por sua vez,

estariam entre todo o conhecimento organizado na nossa memória de longo prazo {o conhecimento

e regras para seu uso e organização).

A memória de longo termo é também conhecida como memória semintica, ou

memória profunda).

35

constituir-se uma unidade de sentido, partindo de e projetando dados

históricos-sociais, recentes, passados ou atemporais,

O texto escrito, objeto essencial de leitura, desempenha um papel

especialmente significativo como veiculador de idéias, como um retrato do

mundo letrado, mas exposto, entretanto, à intervenção do leitor.

Ferreiro (1993:59), observa: "A criança se vê continuamente

envolvida, como agente e observador do mundo "letradom. Essas duas

posturas não são exclusivas da criança, mas de qualquer leitor como tal.

Criança ou adulto; leitor em formação - algumas vezes precocemente, como

diz a autora - no caso da criança; ou leitor ·~ormado" aprendem, ou melhor

dizendo, intemalizam o essencial das práticas sociais associadas à escrita e,

por conseqüência, à leitura.

Por preencher um ciclo interativo, a leitura em si, caracteriza-se

por sua dinamicidade. Goodman (1991:11) considera a leitura como um

processo transacional4 em que o escritor constrói um texto pelas transações

em desenvolvimento e o significado sendo expresso. Tanta o texto como os

esquemas do escritor são transformados no processo. Transformados

também são os esquemas do leitor nas suas transações com o texto durante

4 - De acordo com Goodman, a leitura, numa visão transacional é vista como

linguagem escrita receptiva, um dos quatro processos lingüísticos das sociedades

alfabetizadas. Nos processos gerativos produtivos (fala e escrita), um texto é gerado

(construido) para representar significado. Nos processos receptívos (compreensão oral e

leitura), o significado é construído através das transações com o texto e índiretamente

através do texto com o escritor. Tanto os processos gerativos como os receptivos são

construtivos, ativos e transacionais.

36

a leitura, o que o leva a considerar o processo além de transacional, também

construtivo e ativo. O autor observa ainda (op. cit:27) que grande parte das

pesquisas converge para a visão de que as transações entre o leitor e as

características textuais resultam na construção de significado, tornando

altamente ativo o papel do leitor.

Como se pode depreender, o homem é o elemento-chave,

desencadeador da interação e polarizador desse processo dinâmico em que

assume papel ora receptivo, ora produtor de texto.

O texto é o objeto exposto, materializado, que possibilita a leitura

e as leituras, é o lugar que se oferece para a realização de vários encontros:

do autor com o mundo; do leitor com o autor; do leitor com o seu e o mundo

do autor; do leitor com um saber até então ignorado; do autor e do leitor com

a experiência sempre nova de leitura etc.

A leitura configura-se, pois, como uma experiência de descoberta,

redescoberta, reconstrução. Reitera a idéia de um processo em constante

movimento por constituir -se a base para o desdobramento continuado de

produções simbólicas em que perpassam idéias que se aproximam, em que

se constroem sentidos assemelhados, mas que também oportuniza o

surgimento de diferentes pontos de vista. A leitura é, paralelamente, busca e

argüição, desde níveis mais rudimentares, ou seja, desde que o leitor

começa a ter contato com o mundo da leitura, até o alcance de níveis mais

elaborados, devido ao contato constante com este mesmo mundo. Decorre

daí a prática social da leitura, pois a comunicação via escrita é cada ve~

mais explorada, abundante, diversificada, um meio pelo qual a escrita se

37

presta a inúmeras funções (fazer propaganda, convidar, lembrar, registrar

lembrança de uma data, avisar, divulgar informações, idéias etc).

A leitura torna-se, desse modo, uma espécie de "palco" ou ponto

de referência que se oferece para as múltiplas atuações do leitor, quer seja

repetindo, recriando, reinterpretando fatos, informações, idéias, devido à

capacidade do homem de operar com representações mentais que não estão

isentas de influências externas. Em outras palavras, as representações

mentais, o processo cognitivo em si, o estado emocional, são afetados pelos

contextos sociais mais amplos, confonme postulam Van Dijk e Kintsch (op.

cit). Esse fato não pode ser ignorado, pois, certamente, as mutações

emergentes dos contextos sociais determinam sobremaneira mudanças no

modo de se pensar, na perspectiva de o homem se relacionar com fatos e

idéias que o circundam, podendo ocasionar ou aceitação, ou rejeição, ou

questionamentos, ou polêmicas.

Cavalcanti (1989) observa que os leitores podem reagir de

maneiras variadas na interação leitor -texto ao combinar atitudes passivas e

ativas em relação a partes diferentes de um mesmo texto, ao adotar uma

atitude passiva em relação a um texto e ativa em relação a outro, ou ao

adotar atitudes diferentes em diferentes leituras de um mesmo texto. A

autora associa essas relações aos sistemas de valores que influenciam e

são influenciados por variáveis de desempenho, tornando a interação

idiossincrática e peculiar ao contexto específico de leitura, isto é, segundo

suas palavras "nlio reaplícável nem pelo mesmo leitor em ocasiões

díferentes."

38

Partindo-se do pressuposto de que o ser humano é capaz de

operar mentalmente sobre o mundo, e de .que esta operação é mediada pela

linguagem, de acordo com Vygotsky, o homem vai apresentar reações

diferentes face aos acontecimentos, ao mesmo tempo que vai transformando

seus conhecimentos. A leitura propícia-lhe ativar continuamente uma rede de

conhecimentos já estocados na memória, como também, é de se esperar,

que a cada instante essa rede seja ampliada com o acréscimo de novos

conhecimentos. Essa rede é estruturada pelos esquemas, um dos itens a

serem comentados na próxima seção.

Paralelamente, há de se considerar o papel representado pelas

crenças, opiniões, atitudes; pelas estratégias conversacionai_s e interacionais

utilizadas dentro dos contextos sociais, bem como a maríeira como intervêm

na rede de conhecimentos particulares e coletivos.

Podemos, então, dizer que a leitura tem como suporte a

representação ou a referência de mundo, pressuposto este que configura o

seu ponto de apoio prévio e o seu ponto de partida. Através da

representação simbólica da linguagem ela é ação em si mesma pois se

oferece ao homem como recurso para sua comunicação e interação social.

Conseqüentemente, caracteriza-se como um processo dinâmico por propiciar

ao leitor caminhos de intervenção no mundo ou de re-construção deste

mesmo mundo, sendo resultado ou produto do desenvolvimento contínuo das

representações mentais com as quais o homem é capaz de operar.

39

2.2. Implicações das representações mentais para a leitura.

Antigas, reconhecidas e reafirmadas como ineficazes são as

práticas de leitura na escola, iniciadas desde o período de alfabetização

formal em que o centro das atenções é a decodificação.

É comum verem-se nas cartilhas em suas lições iniciais, palavras

como "ave", "nave", "iate", "afaga" e muitas outras mais para serem lidas.

Seguem-se exercícios rotineiros de reconhecimento, separação,

agrupamento e ordenação de sílabas, cópia de palavras etc. Parte-se do

pressuposto de que são palavras bem fáceis para se ler e, por isso,

exploradas nos primeiros passos de leitura. Mas nessa prática não se leva

em consideração que o aprendiz possa e, principalmente, deva fazer alguma

associação mental da palavra com fatos ou eventos de sua vivência. Isto é, o

aprendiz não é instado a buscar referência para determinada palavra e

esboçar contexto para ela. Ignorando-se a necessidade dessa busca ou

impedindo-a, dificilmente ele encontrará um significado para a palavra. Sem

um ponto de apoio prévio, ou seja, sem uma referência propriamente dita,

determinadas palavras poderão ser vistas como fantasmas de uma escrita,

uma vez que são mobilizadas por uma atividade de linguagem despojada de

compreensão e de expressão. Não chegando a configurar uma

representação mental, a palavra continuará a ser um vazio não preenchido

porque nenhuma realidade é refletida nela. Por extensão, ela não terá

significado existencial algum para a criança.

40

De acordo com Vygotsky (1993: 104), "Uma palavra sem

significado é um som vazio; o significado, portanto, é um critério da 'palavra',

seu componente indispensável".

Se pensarmos na aquisição da Hngua oral, veremos que a criança

se encontra sempre num determinado contexto, preenchido de referências,

quer sejam relativas aos objetos concretos, quer sejam determinadas por

práticas culturais e sociais. As palavras, mesmo esparsas, já sob seu

domínio, vão adquirindo significado. Ao adquirir significado, vão construindo

o pensamento generalizante e servindo de intercâmbio social, as duas

funções básicas da linguagem apontadas pelo autor. Sabemos que esse

processo se dá naturalmente devido ao desenvolvimento cognitivo que conta

com a mediação simbólica da linguagem e com o auxilio de pessoas

próximas da criança.

Coma apontamos acima, as palavras exemplificadas para a leitura,

certamente passarão a fazer parte do repertório de formas escritas da

criança, mas dificilmente serão compreendidas por ela, o que equivale a

dizer que ainda não são palavras de fato ou ainda não se incorporaram ao

seu léxico em construção.

Na mesma obra, Vygotsky postula que o significado não pertence

formalmente a duas esferas diferentes da vida psíquica: pensamento e fala.

É um fenômeno do pensamento verbal (união da palavra e do pensamento)

ou da fala significativa. Decorre daí a nossa percepção de que na aquisição

da leitura há de haver necessariamente essa amálgama da palavra e do

pensamento alicerçando, através da representação simbólica, o pensamento

verbal. Ou seja, a palavra escrita sem a àncora das representações mentais,

41

será sempre uma lacuna não preenchida pela compreensão, não será uma

fala significativa.

A leitura já em suas raízes começa a acontecer de maneira

equivocada e comprometedora, salvo em algumas situações de

excepcionalidade. Descontextualizadas, desconectadas de uma referência,

sem a mediação adequada, dificilmente o aprendizado da "palavra" oferecerá

pistas para o que venham a significar, resultando em quase total

artificial idade.

Vygotsky (1989:37) diz ainda: "toda percepção humana consiste

em percepções categorizadas ao invés de isoladas". Para ele, o mundo é

visto com sentido e significado e neste contexto o papel da linguagem é

surpreendente, pois a fala exige um processamento seqüencial. Os

elementos rotulados separadamente se juntam numa estrutura de sentença

tornando a fala essencialmente analítica. Isto indica e ratifica a necessidade

da contextualização e, no caso da leitura na escola, a intervenção do

professor para ajudar a criança a encontrar o caminho dessa

contextualização e formar uma representação mental da palavra que está

sendo decodificada através de elementos sonoros e visuais. Dizendo de

outra forma, não se pode esquecer que há um processo cognitivo em

desenvolvimento na leitura, quer seja voltado para uma palavra, para frases,

para porções de um texto, quer seja para o texto em si, na sua totalidade. Em

qualquer dessas situações há um processamento de informações

envolvendo aspectos ligados à relação que se estabelece entre o sujeito­

leitor e o texto enquanto objeto, entre linguagem escrita e compreensão,

memória, inferência e pensamento, conforme observa K!eiman (op.cit:1993.)

42

A leitura é uma atividade intelectual que envolve múltiplos e complexos

aspectos psicológicos que interagem de maneira reticular. O material escrito

torna-se o desencadeador desse processo. Assim, a leitura, numa

comparação bem simples, é um movimento de ida e vinda incessante, de

fora para dentro e vice-versa, se somarmos aos aspectos psicológicos as

referências e dados pragmáticos oriundos do contexto.

Dados do projeto "Em cantos de leitura"' nos revelam que as

crianças em fase de alfabetização dominam uma palavra, ou seja, passam a

reconhecê-la, intemalizá-la e usá-la quando conseguem associá-la com

índices de seu conhecimento de mundo, isto é, quando é descoberto o

universo a que pertence aquela palavra. Então a palavra adquire um sentido,

não isoladamente, mas quando a criança percebe-a num texto. As

observações de Terzi (op. cit) sobre os dados de sua pesquisa registram

resultados semelhantes, evidenciando que "desde o início do

desenvolvimento de leitura, são as palavras que determinam o processo de

fazer sentido do texto e que, ao mesmo tempo, vão sendo resignificadas no

próprio processo" (p.13).

s.Em cantos de leitura' é um projeto de extensão em desenvolvimento na Escola

Estadual "Sérgio de Freitas Pacheco", Uberlãndia, a partir de 1994. Destaca a leitura como ponto­

chave do ensino/aprendiZê19em, enfatizando a importancia dos aspectos cognitivos no processo.

Busca estabelecer pontos de contato entre a leitura dentro e fora da escola, no sentido de tomar a

aula de leitura mais significativa para os alunos. Procura , por outro lado, redimensionar a prática

pedagógica de professores de 1" à s• série através do estudo e discussêo de princfpios teóricos.

Em seu primeiro ano de execução, foí financiado pelo MECJFNDEJSESu. A coordenação

do proíeto é de nossa responsabilidade em parceria com a Profl Jorcelina de Queiroz .Azambuja.

43

Van Dijk e Kintsch (1983) propõem alguns pressupostos cognitivos

básicos do processamento do discurso que nos servem de apoio para dar

continuidade ao que vimos expondo. Partindo do exemplo de um acidente de

carrro e levando em consideração as representações mentais, os autores

apresentam cinco pressupostos: o construtivista, o interpretativo, o

simultâneo (on-line), o pressuposicional e o estratégico, resumidamente

expostos a seguir:

• o construtivista - ato de compreender um acontecimento e a sua

história pelo locutor e pelo ouvinte;

• o interpretativo- interpretação dos acontecimentos (dados visuais)

e do enunciado (dados lingüísticos);

• simultfJneo ou "on fine" - a compreensão da representação e da

história do acidente se dão simultaneamente ao processamento, de

forma gradual;

• pressuposicíonal - envolve processamento e interpretação de

informações exteriores e a ativação e uso de informações internas

e cognitivas .

• estratégico - de acordo com esse pressuposto, a compreensão

significa também que a pessoa usa ou constrói informações sobre a

relação entre os eventos e as situações em que se inserem,

advindo daf três tipos de dados para o compreendedor: a

informação a partir dos próprios eventos, a informação a partir de

situações ou contexto e a informação a partir de pressuposições

cognitivas, ou seja, informações internas que são ativadas para

determinado momento. As interpretações podem ser construídas e

44

somente mais tarde combinadas com os dados das construções

prévias. Isto mostra que as pessoas têm a habilidade de fazer uso

de vários tipos de informação com flexibilidade, que as informações

podem ser processadas em várias ordens possíveis, que a

informação que é interpretada pode ser incompleta e que o objetivo

geral do processo é ser o mais eficiente possível na construção da

representação mental.

Este último pressuposto nos interessa particularmente , para

ilustrar o nosso "pressuposto" que expomos mais abaixo.

Antes, é conveniente destacar que os autores enfocam uma

manifestação discursiva oral, mas somos de opinião que os pressupostos

podem ser aplicados a manifestações discursivas escritas. Ainda mais, fica

claro que os autores, ao falarem da compreensão, têm por base um leitor já

formado, enfatizando a recepção.

No nosso caso, temos em mente e como centro de nossas

atenções o leitor-aprendiz, aquele que está sendo exposto a práticas de

leitura no período inicial da alfabetização escolar. Dando seqüência ao

nosso ponto de vista, pressupomos que quando o leitor pouco experiente se

inicia na leitura, ocorre um trajeto contrário quanto ao processamento

estratégico mencionado acima. Segundo a nossa visão, ele parte da

palavra, em princípio desconhecida, que é inserida em um texto. Na

interação do leitor com o texto se dá uma contextualização. A compreensão,

se se der, leva à representação mental de um evento, à interpretação de uma

dada situação pela utilização de informações cognitivas internas. É o caso

do processamento ascendente a que subjaz a conjunção de três dados:

45

pressuposição cognitiva, configuração de um contexto e a partir dele a

construção de uma representação mental de um evento, quer seja concreto

ou abstrato. Essa representação, que é por natureza cognitiva, mas também

pragmática e semântica ao mesmo tempo, não pode deixar de ser levada em

consideração, sob pena da compreensão ficar comprometida ou não se fazer

necessariamente no decurso de qualquer tipo de leitura. Contrapondo-nos a

Van Dijk e Kintsch nos referimos à compreensão, via produção de sentido,

por um processamento também estratégico.

Fulgêncio e Uberato (1992) abordando um modelo de descrição

de leitura partem de um postulado simples qu~ merece consideração. As

autoras "!firmam, resumidamente, que a atividade de lertura resulta da

interação ~ntre informação visual (IV) e informação não visual (lnV),

representando-a da seguinte fonma:

LER= IV+ I n V (p. 15).

Cremos que a esse resumo falta acrescentar a representação

mental (RM) a que o leitor pode chegar, se consideranmos a leitura como um

processo de busca da construção de sentido e se o objetivo for atíngir a

compreensão. Considerando-se, também, que o leitor tem armazenada em

seus esquemas uma determinada informação não visual e esta não se

relaciona à informação visual de um dado momento, não podemos dizer que

ele chegou á compreensão. Como diz Kato (op. cit.: 1985)"a compreensão

do inesperado , do novo, nem sempre se dá peta ligação direta com os

esquemas arquivados em nossa memória de longo-termo". ( p.43) A autora

46

ainda se refere a uma representação mental consciente que é criada

durante a leitura do texto e dar -se-ia em uma memória mais rasa do que a de

longo-termo, embora a acredite mais profunda que a de curto-termo. De

nossa parte, cremos que o encontro do novo, ou mais explicitamente do

desconhecido, requer e suscita a criação de representações mentais para

que o leitor atinja a compreensão.

Para Van Dljk e Kintch as pessoas que compreendem eventos

reais ou eventos de fala são capazes de construir uma representação mental

e, especialmente, uma representação significativa, somente se elas têm um

conhecimento mais geral sobre tais eventos. A representação mental é,

portanto, crucial para que se compreenda o que se lê. Dessa forma,

resumidamente, propomos que a atividade de leitura é o resultado da

interação entre informação visual (IV), informação não visual (lnV) e

representação mental (RM).

LEITURA= IV+ lnV + RM

Devemos acrescentar, entretanto, que esta forma de representar a

leitura ou o ato de ler, constitui apenas uma matriz cognitiva muito restrita,

podemos assim dizer, pois a leitura se expande a partir daí com inúmeras

outras implicações, adquirindo múltíplas dimensões decorrentes da interação

social, como se pode constatar na análise da pesquisa realizada.

47

Cremos, por outro lado, que a aprendizagem ou a construção da

leitura envolve estágios progressivos, Dentro desta nossa concepção,

teríamos: 6

• L 1 - envolvendo a leitura de mundo e as representações mentais

em formação. Seria um estágio primário, porém bastante amplo;

• L 2 - envolvendo o contato com signos verbais escritos. Seria o

estágio da decodificação, da descoberta da representação

simbólica da modalidade escrita;

• L 3- desenvolvimento da leitura pelo processamento descendente,

menos sistemático, resultado incipiente da alfabetização;

• L 4 - amadurecimento da leitura pela conjugação de processos

descendentes e ascendentes. Seria o estágio da busca de

significados e, por isso, mais organizado e sistematizado. Neste

estágio estabelece-se uma relação entre os signos verbais e o

mundo (nível semântico) e a relação entre os signos (nivel

sintático);

• L 5 -construção de significados e alcance da compreensão. Seria o

liame entre a palavra escrita e a leitura de mundo, através das

representações mentais, com base na interação entre o leitor e o

texto.

A L 1 é incipiente, mas não ocorre no vazio, tem uma relação

direta com o mundo real, com a percepção de mundo pelo leitor. A L 2

configura um desenvolvimento progressivo pela capacidade de o leitor

6U~amos a abreviatura L para nos referirmos à leitura.

48

entender a representação da língua pela escrita. A L 3 centra-se na palavra

escrita e esta talvez seja o ponto de partida para representações mentais, de

início mais simples e depois mais complexas. A palavra escrita também

traduz o mundo já percebido e expressa relações com este mesmo mundo. A

L 4 atinge uma complexidade maior e amadurece em relação ao que as

palavras podem dizer num texto, o que suscita a busca de significados e a

assimilação da estrutura da língua escrita. A L 5 propicia a interação do leitor

com o texto, pois esse assume uma unidade de sentido, favorecendo as

associações necessárias entre o mundo representado pelo texto e o

conhecimento prévio de mundo do leitor.

O percurso dos estágios esboçados pode sofrer interferências e

não ser devidamente completado, o que provocaria uma defasagem na

formação do leitor, ou o leitor pode avançar até um dos estágios e

estacionar em um deles. Vista como um processo cognitivo, a leitura é

dependente de estratégias na sua aquisição e estas, em princípio, são

inconscientes e, portanto, variáveis. Não se pode garantir, também, que os

estágios sejam uniformes para todos os leitores em formação e que esses

estágios obedeçam a uma ordem imutável.

Devemos acrescentar que a teorização proposta sobre a aquisição

da leitura é bem simples e informal. Contudo, não podemos nos esquecer de

dois pontos básicos:

(i) o processo de aquisição de leitura é sempre mediado;

(ii) todos os estágios são precedidos e acompanhados de

hipóteses e testagens psicolingüísticas.

49

Na escola, pois, o papel de mediador desempenhado pelo

professor toma-se importantíssimo, É ele que , em meio à interação, deve

criar para o aluno caminhos que o conduzam a uma representação mental de

qualquer material de leitura. Ao compasso da leitura, a representação mental

deve ir sendo construída porque se isso não acontece, a compreensão fica

obstacularizada e a leitura se faz de modo superficial sem a imersão no

texto, ou sem o processo transacional no dizer de Goodman.(op. cit.:1991).

Criam-se, então, os leituristas e não os leitores que se espera sejam

formados na escola e desejados para agirem socialmente.

Acrescente-se, ainda, que os textos veiculados no percurso da

alfabetização quase sempre são inadequados, para não se dizer impróprios

para a atividade de leitura, por explorarem, preferencíalmente, combinação

de sons, utilizando frases e pseudo-textos contendo abusos e absurdos na

sua elaboração. São vários os trabalhos voltados para este tipo de modelo,

cuja análise sempre ressalta sua ineficácia, ao apontar resultados

frustradores que se avolumam dentro e fora da escola. Partindo de nossas

observações, nos é dado dizer que não sabemos ao certo se esse modelo de

iniciação à leitura formal, comum na escola, seria sozinho o responsável pela

deformação de leitores. Mas, se ele foi adotado como prática, repetindo-se

por tantos anos e, se ouvimos de toda parte um julgamento negativo quanto

ao tipo de leitor que a escola vem formando, é porque essa prática não foi a

melhor escolha. Por dedução, pode ser ela um dos principais fatores

responsáveis pelo fracasso em leitura.

50

Entretanto, os textos inconvenientes persistem, provocando na

criança, sem dúvida, reações de desconfiança sobre o que na verdade

estariam dizendo.

Podemos supor a essa altura pelo menos duas conseqüências. A

primeira é que vão se formando falsas imagens sobre o que seja a leitura e

sobre o que o material escrito da escola possa transmitir. Uma outra

conseqüência é a artificlalldade de que se reveste esse tipo de leitura face

às leituras feitas fora da escola. Entre os dois tipos de leitura interpõe-se e

impõe-se um nítido divisor que impede a relação do que a criança vivencia e

do que ela vai aprendendo.

Se se considera a escrita/leitura um construto social e que o

essencial deste construto tem como finalidade estruturar e organizar as

práticas sociais, exercendo nelas as mais variadas funções, principalmente a

comunicativa e a interacionista, então os dois tipos de leitura se dicotomizam

(a de dentro e a de fora da escola). Não é de se estranhar, portanto, o

surgimento de um conflito que não se sabe quando será resolvido pelo leitor.

Uma leitura diz A e mostra a sua coerência com os contextos externos,

vivenciados. Dentro deles se insere cumprindo seu papel primeiro de estar a

serviço dos usuários que se apropriam da leitura como forma de ação e

recepção do mundo letrado.

A outra (a leitura da escola) diz Z, parecendo dirigir-se muito mais

e tão somente à recepção. Talvez o leitor aprendiz possa se perguntar ''para

que vai me servir essa leitura?" Aqui se ajustam perfeitamente as palavras

de Freire (op.cit.:11-12), bastante conhecidas, mas que nos oferecem

oportunidade para várias leituras e enfoques:

51

"A leitura de mundo precede a leitura da palavra, da f que

a posterior leitura desta não possa prescindir da

continuidade daquele. Linguagem e realidade se prendem

dinamicamente. A compreensão do texto a ser alcançada

por sua leitura crítica implica a percepção entre o texto e

o contexto".

Nessa passagem, o autor destaca a importância do conhecimento

prévio de mundo, incluindo-se aí os níveis lingüísticos e textuais e, ao falar

em continuidade, destaca o caráter dinâmico da leitura a que já nos

referimos na seção anterior e à intertextualidade, também já referida.

diz:

Depois, descrevendo a sua própria experiência do ato de ler, nos

"Ao ir escrevendo este texto, ia "tomando distância" dos

diferentes momentos em que o ato de ler se veio dando

na minha experiência existencial. Primeiro, a "leitura" do

mundo, do pequeno mundo em que me movia: depois, a

leitura da palavra que nem sempre, ao longo da minha

escolarização, foí a leitura da "palavramundo".

Percebemos nessa passagem que, na escola, seus esquemas já

estrurados não foram devidamente ativados ou começavam a se formar

outros desarticulados das suas representações mentais adquiridas, ou seja,

o que a escola lhe ensinava não era a extensão do que ele sabia, mas

representava uma ruptura, uma maneira insensata de conduzir o que era

considerado válido para a leitura. Era a forma diferencíada da leitura,

imposta pela escola. Podemos depreender também desta passagem uma

52

crítica ao aprendizado da leitura institucionalizada - e que , infelizmente,

aínda persiste em nossos dias - porque o mestre diz mais adiante que a

compreensão do ato de 1'1er" seu mundo particular lhe era "absolutamente

significativa# no momento em que ele 1'aínda não lia a palavra".

Queremos estender aqui os tentáculos da leitura da "palavra

mundo" de que nos fala Freire. Sob égide da "palavramundo" situamos

também a criança exposta a incontáveis e inevitáveis momentos de leitura da

palavra, fora da escola. Esses momentos são necessários e importantes para

quem vive numa sociedade letrada, pois orientam as práticas sociais do

homem, atualizam seus conhecimentos, o tornam sintonizado com o

cotídíano coletívo e partícular.

A leitura na escola parece não se preocupar com esses fatos e ao

agir assim desfaz a relação que ela deveria obrigatoriamente ter com o

mundo, para que a tarefa se tornasse significativa para leitor-aprendiz, o

leitor em formação. A significância da leitura justifica, de certa forma, o

ensino da leitura e amplia sua dimensão e efeitos. Por assumir o caráter de

tarefa significativa, ela pode ter uma assimilação mais rápida , além de tornar

tanto a aprendizagem como o desenvolvimento mais ricos. Como efeito,

poderíamos apontar a descoberta pelo aluno de sua utilidade para a vida e

de sua funcionalidade.

Cremos já ter discutido bastante sobre a maneira inadequada e

distorcida pela qual é conduzida a leitura formalizada a partir de suas

sementes. Acontece que as sementes germinam, criam raízes e seguem a

sua trajetória, infelizmente por caminhos obscuros.

53

Em um outro trabalho (Cence Lopes: 1993(b), nossas observações

ressaltam a inexistência de um espaço real nas aulas de Português para o

ensino da leitura a partir da 2a série do 1° grau, porque supõe-se que o aluno

que passou pela alfabetização formal jà sabe ler. A partir da 2• série tem

início a ritualização da leitura com etapas previsíveis e banalizadas, ditadas

pela maioria dos livros didáticos. Na sucessão dos anos escolares, a leitura

continua a ser mecanicista, uma tarefa obrigatória a ser cumprida, por se

acomodar dentro de um modelo que não leva em consideração a

funcionalidade da leitura, o processo cognitivo que subjaz a todo o processo.

Negligencia, por outro lado, a capacidade que o aluno tem de participar da

leitura como ser ativo, pensante e crítico. Anula, por conseguinte o seu

envolvimento com a leitura, assim como o seu prazer de ler, porque fica

muito difícil para o aluno sentir a tarefa como significativa. A atividade, por

certo, não lhe mostra a face utilitária e envolvente que tem.

Kleiman (op. cit.: 1993) também faz críticas severas à concepção e

à prática escolar da leitura. Segundo a autora

"As práticas desmotivadoras, perversas até, pelas

conseqliências nefastas que trazem, provém,

basicamente, de concepções erradas sobre a natureza do

texto e da feitura, e, portanto, da linguagem.~ (p. 16)

Atribui a sustentação dessas práticas a um entendimento limitado

e incoerente do que seja ensinar português. Esse entendimento é

tradicionalnamente legitimado dentro e fora da escola gerando práticas

limitadoras de leitura. A autora cita alguns exemplos para dar suporte à sua

54

argumentação e defende a necessidade da formação teórica do professor

para que possa haver mudanças consistentes no que se refere à leitura.

O ensino da leitura, de acordo com o nosso ponto de vista, implica

em trabalhar, ou melhor dizendo, em criar condições para que as estratégias

de leitura sejam ativadas e para que o leitor-aprendiz as utilize devida e

fartamente. Esse procedimento está diretamente ligado à interação que

oportuniza a interlocução à maneira de outras atividades de linguagem,

como na situação de um diálogo oral, por exemplo. A esse respeito Kleiman

(op. cit.: 1993) observa que é durante a interação ou durante a conversa

sobre aspectos relevantes do texto que o leitor mais inexperiente

compreende o texto.

Ilustra e confirma esse pressuposto, o depoimento de um aluno,

sujeito de nossa pesquisa:

"Quando a gente conversa sobre o texto é mais fácil

entrar no texto. A gente vai ler e já está dentro do texto".

Ensinar a ler é provocar um processo de ação e reação, que

implica dois ou mais agentes e a interação mediada pelo professor, tendo

como base um texto. Em princípio, o texto, um objeto para onde partem as

atenções do agente, cria vida e através desta vida criada provoca reações

para que ocorra o seu processamento, a sua assimilação

A assimilação vai acionar todo um processo cognitivo, implicando

recurso aos esquemas, estratégias, objetivos, provocando reações em

cadeia traduzidas em comportamentos mais ou menos observáveis como a

55

afetividade, a valoração (cf. TerzL op. cit.), os julgamentos ou reações

internas não perceptíveis, mas que afetam o leitor. A interação tem lugar em

meio a essa ebulição e abre caminhos para a compreensão do texto.

A leitura precedida de uma atividade oral compartilhada assume

caráter de busca, de construção de sentido, de descoberta e, por que não

dizer, de prazer. Há de se buscar desvendar o "mistério" pelo "jogo de

adivinhações psicclínguísticas", ccnforme postula Goodman (op. cít.:1970) e,

desvendado o mistério ccnstruir-se algum saber. Nesse duplo caminho há de

se encontrar também o prazer pelo reconhecimento inconsciente da

signlficâncla da atividade, que por sua vez se traduz em compreensão. A

leitura desse modo, pode tomar-se um ponto de partida consistente para

percursos parecidos e para outros mais desafiantes.

56

CAPÍTUL03

ASPECTOS COGNITIVOS ENVOLVIDOS NA LEITURA

A nossa proposta neste capítulo é discutir alguns aspectos

cognitivos que subjazem à aprendizagem da leitura e seus processos, ou

seja: os esquemas, o conhecimento prévio, as estratégias .

3.1. Teoria dos esquemas

Examinemos em primeiro lugar os esquemas (schemata) ou

blocos de conhecimento, segundo Rumelhart (op.:cit). De acordo com o

autor, é um termo introduzido na Psicologia por Bart/ett (1932), mas Kantjá o

usara , antecipando seu conteúdo conceitual: "Qualquer uma de certas

formas de regras da "imaginação produtiva" através das quais o

entendimento é capaz de aplicar suas "categorias" para as percepções

múltiplas de sentido no processo da experiência ou conhecimento

realizado".(p.33). Rumelhart reporta-se a vários autores, os quais

consideram os esquemas como blocos de conhecimento, elementos

fundamentais de que depende todo processamento de ínformação. Essa é,

também, a sua concepçao.

Embora seja abstrata e bastante abrangente a teoria dos

esquemas, ela pode servir de base para a compreensão do processo de

57

leitura, pois é uma teoria sobre o conhecimento, ou seja, é uma teoria sobre

como o conhecimento é representado e sobre como esta representação

facilita o uso do conhecimento de maneira particular. O conhecimento, por

sua vez, é armazenado em unidades {os esquemas) que direcionam o seu

próprio uso. "Um esquema é, neste caso, uma estrutura de dados para

representar conceitos genéricos estocados na memória"(p.34). 7

O autor ilustra com bastante detalhes as quatro maiores

características dos esquemas a partir de analogias com peças teatrais,

teorias e procedimentos. Os esquemas têm variáveis, assim como as peças

teatrais têm regras; as teorias possuem parâmetros; os procedimentos têm

argumentos. Sumariamente, são as seguintes as características apontadas:

1. os esquemas têm variáveis;

2. os esquemas se encaixam uns aos outros;

3. os esquemas representam o conhecimento em todos os níveis de

abstração;

7oo ponto de vista filosófico, o conceíto é a representação de um objeto pelo

pensamento de suas características gerais.

Para Ach (apud Vygotsky (1993:46), um conceito não é uma formação isolada,

fossilizada e imutável, mas sim uma parte ativa do processo intelectual, constantemente a serviço da

comunicação, do entendimento e da solução de problemas. O ponto de vista do autor considera as

condições funcionais da formaçêo de conceitos.

Para Vygotsky (op.cit.: 70), a formação de um conceito se dá mediante uma operação

intelectual em que todas as funções mentais elementares participam de uma combinação especifica.

Essa operação é dirigida pelo uso das palavras como o meio para centrar ativamente a atençlio,

abstrair determinados traços, sintetizá...los e simbolizá-los por meio de um signo.

58

4. os esquemas representam antes o conhecimento do que as

definições.

O autor observa que a característica de encaixamento dos

esquemas é melhor ilustrada pela analogia entre esquemas que compõem­

se de subesquemas e procedimentos que compõem-se de

subprocedimentos.

Há esquemas para representar todos os níveis de nossa

experiência, em todos os níveis de abstração: de ideologias e verdades

culturais para o conhecimento sobre o que constitui uma sentença

apropriada em nossa linguagem, para o conhecimento sobre o significado de

uma palavra particular, para o conhecimento sobre que padrões de estímulos

são associados com que letra do alfabeto. Nossos esquemas constituem

nosso próprio conhecimento.

O autor mostra, ainda, duas características mais gerais dos

esquemas: são processos ativos e são mecanismos de identificação, cujo

processo objetiva a avaliacão de sua capacidade de adaptação para os

dados que são processados. Devido à existência de muitos esquemas, nem

todos eles podem ser avaliados de uma só vez, mas há de ter um esquema

para ativar aqueles que são mais produtivos.

Há duas fontes básicas de ativação dos esquemas: ativação

descendente ("top-down") ou processamento dirigido pelo conceito e

ativação ascendente rbottom-up") ou direção de dados. o primeiro direcione

expectativas. Quando um esquema é ativado e, ele, por sua vez, ativa seus

subesquemas, a ativação destes últimos deriva de uma espécie de

expectativa de que eles são capazes de calcular alguma porção dos dados

59

do "inpuf'. Quando um esquema é ativado pelo processo ascendente, dá

origem aos vários esquemas entre os quais ele é uma parte a ser ativada.

Assim, enquanto a ativação dirigida pelo conceito vai do todo à parte, a

ativação de direção de dados vai da parte para o todo.

A fim de ilustrar mais concretamente a discussão abstrata sobre

questões ligadas ao processamento, Rumelhart (op.cit.) o faz através de um

fragmento de texto, mostrando na leitura a ocorrência da ativação

ascendente que vai gerar a ativação descendente. Mas, ressalta que esse

tipo de processamento pode ou não ocorrer na compreensão de um texto,

país as questões que envolvem a ativação dos esquemas são complexas e

não existe, ainda, um modelo cepaz de resolvê-las.

O autor diz que nem todas as pessoas atingem a interpretação de

uma só vez. Como as sentenças são lidas, os esquemas são ativados,

avaliados, refinados ou descartados e isto ocorre de maneira particular.

Continuando sua abordagem sobre a leitura, destaca a percepção,

caracterizando-a como um processo interativo tal qual a compreensão da

linguagem. Para ele, total e partes são processados conjuntamente, pois

muitas vezes não podem ser as partes identificadas fora do contexto global,

o mesmo se dando com este em relação às suas partes. Há uma ampla

evidência de processos similares na leitura e para exemplificar, cita o fato de

termos esquemas para palavras e nenhum para uma série aleatória de letras.

Decorre daí uma das características que podem separar leitores mais e

menos habilitados: a acessibilidade a um número maior de esquemas de

palavras mais completamente desenvolvidos.

60

Quanto ao processo de entendimento do discurso, o autor o define

como a procura de uma configuração de esquemas que ofereçam um cálculo

adequado de uma passagem em questão. Entretanto, pode ocorrer que um

leitor não entenda uma passagem de um determinado texto. Isto se deve a

três razões implícitas na teoria dos esquemas:

(i) ele pode não ter um esquema apropriado e não entender um

conceito comunicado;

(ii) ele pode ter esquemas apropriados, mas as pistas dadas pelo

autor são insuficientes para sugeri-los;

(iii) com pistas adicionais ele pode encontrar uma interpretação

consistente do texto, mas não aquela pretendida pelo autor.

Em um dos exemplos ilustrativos citados para confirmar o item "iii",

Rumelhart (op.cit; 48), observa que a dificuldade de entendimento possa se

dar devido ao fato de que as pistas no texto não parecerem sugerir , em

princípio, esquemas apropriados para tal processo. A informação ascendente

pode ser Inadequada para o início da compreensão. Uma vez que esquemas

apropriados sejam sugeridos, esse problema passa a não existir para a

maioria dos leitores. Assim, chama a atenção para o fato de que o leitor pode

entender o texto, mas não entender o autor.

Com relação ao último item, cabe-nos observar que se a leitura é

construção de sentido, as intenções do autor tendo por base as pistas

textuais constituem um fator de pouca relevância. O que é de maior interesse

é a atribuição de intenções ao texto pelo leitor. O fato relevante na leitura é a

intencionalidade que o texto pode revelar. Nesse sentido, se distanciam a

interpretação pretendida pelo autor (quem poderia sabê-la, senão o próprio

61

autor que é um interlocutor ausente) e a possibilidade de o leitor encontrar

alguma intencionalidade no texto (essa vai depender de fatores paratextuais,

do modo da recepção, do tipo de leitor, entre outros, pois na interação com o

texto o leitor assume dois papéis: o de locutor e o de interlocutor}.

Não nos cabe dizer, pois, que podemos ou que devemos conhecer

as intenções do autor, mas devemos ressaltar que faz parte da leitura atribuir

intencionalidade ao texto. Segundo Kato, "quando o leitor busca o significado

pretendido pelo autor, ele está simplesmente obedecendo ao principio do

cooperativismo, que rege a comunicação humana."(op. cit.: 86). Esse

princípio seria uma estratégia de natureza pragmática e não apenas

cognitiva.

Como se vê e como o próprio Rumelhart reconhece , há

problemas - e cremos que sejam inúmeros e intrincados - na teoria dos

esquemas. Sabe-se que novos esquemas são sempre desenvolvidos, mas

não há uma especificação precisa sobre como o processo se dá

Percebemos, portanto, que o assunto em questão é vasto,

abstrato e não acabado. Porém, toma-se importante ter uma noção básica

sobre os mecanismos psicológicos que subjazem aos esquemas e que

contribuem para a formação dos mesmos, uma vez que eles representam

uma organização mental das experiências vivenciadas e acumuladas pelos

individues. Os esquemas exercem papel importante na compreensão, na

percepção e em todos os processos de raciocínio, de acordo com as

observações do autor. São ainda forças de direção da lembrança, cuja fonte

de dados é a memória.

62

Os esquemas parecem-nos ser como redes ou como teias, cujas

malhas vão se organizando, se juntando, se completando em uma unidade

maior. Esta unidade é ininterruptamente construída ao longo de nossa

existência, em meio aos passos de nossas experiências de ver, sentir e ler o

mundo. Parece-nos, também, ser a construção de esquemas um processo

vital, interativo e mediado pelo contato social que se estabelece entre os

indivíduos, quer seja mais restrito, quer seja mais amplo. O processo com

estas características, devemos ter em mente, é axial, mas não estanque,

devemos frisar, tanto na aquisição da linguagem oral, quanto na aquisição da

linguagem escrita, notadamente da leitura, momento em que o leitor atua

como recebedor e produtor do texto, concomitantemente.

No dizer de Vygotsky (op.cit.:1989)

"( ... )o aprendizado desperta vários processos internos de

desenvolvimento, que são capazes de operar somente

quando a criança interage com pessoas em seu ambiente

e quando em cooperação com seus companheiros. Uma

vez intemalizados, esses processos tomam-se parte das

aquisições do desenvolvimento independente da criança".

(p.101),

Cremos que os processos in temos (grifo nosso) a que o autor se

refere aproximam-se, de uma certa forma, a um aspecto, o processual,

enfatizado por Bartlett e não levado em consideração pelos cognitivistas. Os

processos internos de desenvolvimento são de natureza ínterpessoal e,

tornando-se parte das aquisições do desenvolvimento contribuirão,

naturalmente para aumentá-las e consolidá-las. Por sua vez, os esquemas

63

relacionam-se com o mundo e organizam mentalmente a soma das

experiências do individuo. São também aquisições continuas. Uma boa parte

dos esquemas advém da elaboração das percepções mediadas pelo contato

sociaL A aproximação a que nos referimos consiste, pois, na internalização

de processos e de vivências, que ao se consolidarem, constituem acréscimos

das aquisições do desenvolvimento, como também propiciam o surgimento

de novos esquemas.

Vygotsky, centrando sua atenção na aprendizagem, propõe para

este fato a Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP), um dos aspectos

cognitivos que define aquelas funções que ainda não amadureceram, mas

que estão em processo de maturação, em estado embrionário. Como

retrospectivo, ele caracteriza o desenvolvimento real e a ZDP vai

caracterizar o desenvolvimento mental prospectivo. Dizendo de outra forma,

a ZOP pode ser entendida como o percurso trilhado pelo indivíduo a fim de

desenvolver determinadas funções em processo de desenvolvimento e que,

proximamente, virão a se tornar funções consolidadas no nível de seu

desenvolvimento real. A ZOP é uma característica psicológica em constante

movimento e transformação, visto que uma tarefa realizada por uma criança,

em um determinado momento, é dependente da orientação ou da ajuda de

alguém. Depois ela será capaz de realizar sozinha a mesma tarefa.

De acordo com Oliveira (1993:59) , "Essa possibilidade de

alteração no desempenho de uma pessoa é fundamentai na teoria de

Vygotsky" e a implicação dessa concepção para o ensino escolar é imediata,

pois provoca avanços no aprendizado os quais não ocorreriam

espontaneamente.

64

Em outras palavras, o que se destaca na ZDP é a mediação ou

uscaffolding"8. Nas discussões que se processam durante as atividades

escolares e, particularmente, nas atividades de línguagem que precedem a

leitura, o uscaffolding~ deve ser providenciado e facilitado pelo professor para

que se processe a interação naquele momento da aula. Durante a interação,

não raras vezes, acontece a intervenção de alguns alunos que ajudam seus

colegas a descobrir pistas sobre o texto que irão ler e a formular algumas

hipóteses que ajudarão a todos na compreensão. Esse recurso de ajuda

mútua providenciado pelo professor, em que tanto ele como alunos se vêem

envolvidos, aciona esquemas conhecidos para facilitar a compreensão de

conceitos mais complexos (v. Kleiman: 1991, Bortoni & Lopes: 1991) e,

podemos acrescentar, também de conceitos mais comuns, porque às vezes

eles se tornam confusos ou talvez mascarados durante a interação (Cence

Lopes: 1993 a). A mediação pode provocar avanços significativos nas

habilidades de leitura e tomar a tarefa mais participativa com implicações

bastante positivas para a aprendizagem. Além disso, oportuniza uma

reversão da participação social dos alunos, mais simétrica e, sem dúvida,

bastante desejada.

Em meio à interação a que nos referimos, outros fatores cognitivos

devem ser considerados, pois eles estão presentes no processamento da

leitura. A partir dos esquemas, entram em ação, por um lado, o conhecimento

~ermo metafórico utilízado por Cazden (1988) e que segundo a autora foi introduzido

por Bruner e seus seguidores para explicar como uma ação pedagógica do adulto favorece a

aprendizagem de uma tarefa complexa.

65

prévio e as hipóteses favorecendo até certo ponto a compreensão da leitura,

porque contribuem para as construções em seqüência que poderão ser

feitas. Por outro lado, temos as estratégias cognitivas e metacognitivas,

operações a que o leitor recorre para o processamento do texto.

3.2. O conhecimento prévio.

O conhecimento prévio está fortemente relacionado aos

esquemas. Podemos dizer que os esquemas estruturam o conhecimento

prévio, ou que o conhecimento prévio aflorados esquemas. Em se tratando

da leitura, podemos afirmar que o conhecimento prévio é crucial para que o

leitor atinja a compreensão do texto. Segundo Kleiman (op. cit.:13), "Pode-se

dizer com segurança que sem o engajamento do conhecimento prévio do

leitor nito haveré compreensão".

A autora classifica três tipos de conhecimento prévio que

interagem durante a leitura: o lingüístico, o textual e o conhecimento de

mundo. O primeiro diz respeito a um conhecimento implícito do falante sobre

os diversos níveis de conhecimentos lingüísticos. Não se pode ignorar que a

língua é o resultado da articulação dos níveis fonético/fonológico,

morfológico/lexical, sintático, semântico com suas regras e combinações

idiossincráticas. A estes se junta o nível pragmático que determina o uso da

língua, bem como as condições em que é utílizada ou em que tipo de

contexto se ajusta. A apreensão e o domínio desses níveis pelo falante

permitem-lhe falar e entender sua língua materna e com ela se comunicar.

66

O segundo tipo de conhecimento prévio apontado, o textual, que

permite o reconhecimento das estruturas dos diversos tipos de discurso, é

igualmente importante na compreensão de textos, uma vez que o leitor está

permanentemente em contato com eles.

Genericamente os textos são classificados como sendo narrativos,

descritivos e dissertativos. Essa classificação está bem assentada na nossa

tradição escolar. Segundo Fiorin (1991), embora os textos assim

considerados sejam bastante utilizados , o conhecimento de cada um

desses tipos é intuitivo, eles não são definidos com muito rigor.

Convenhamos que esta tipologia seja basilar, mas é necessário que ela seja

investigada com mais profundidade, pois a todo momento estamos nos

deparando com diferentes tipos de textos, cuja organização não obedece a

parâmetros categóricos. Se esse fato é comum e se desejamos trabalhar

com textos diversificados na aula de leitura, precisamos ter consciência da

natureza do objeto texto, para sabermos que abordagem melhor se adequa a

cada um deles, levando-se em conta os esquemas conceituais/ cognitivos,

para que o leitor possa melhor compreendê-los. Não se trata de em situação

de ensino teorizar essa questão, mas contribuir para o aumento do

conhecimento textual, para o desenvolvimento da competência textual do

leitor, tendo em vista os objetivos de leitura que se pretendem atingir e

também a justificativa da escolha. Esse assunto será retomado em outra

parte deste trabalho.

Achamos bastante produtivo expor o aluno a variados tipos de

texto com diferentes esquemas estruturais ou superestruturais, que segundo

Koch e Travaglia (1990: 60) "constituem o conjunto de conhecimentos sobre

67

os diversos tipos de textos, que vão sendo adquiridos à proporção que temos

contato com esses tipos e fazemos comparações entre eles".

Kleiman (1989: 20 ),também ressalta esta questão, ao observar:

"quanto mais conhecimento textual o aluno tiver, quanto maíor a sua

exposição a todo tipo de texto, mais fácil será sua compreensão".

As observações dos autores podem ser ilustradas com fatos

ocorridos em sala de aula. Conforme registramos na primeira parte deste

trabalho, os alunos envolvidos em nossa pesquisa não eram capazes de

reconhecer traços da intertextualidade. Afastando-nos dos textos tradicionais

do livro didático - geralmente narrativos - trabalhamos com dois textos de

propaganda sobre ecologia. Um deles, "Usinas de reciclagem de lixo",

publicado na Revista Manchete, por ocasião da EC0/92, tratava de uma

propaganda da Prefeitura do Rio de Janeiro sobre a construção de usinas de

reciclagem de lixo no Caju e em Jacarepaguá Os alunos logo associaram o

texto a assunto semelhante visto no livro didático, na aula de Ciências,

percebendo o tema "Ecologia". O outro texto, também de propaganda: "Limpe

sua casa cuidando da natureza", publicado na Revista Corpo a Corpo,

destacava um produto de limpeza desenvolvido com o objetivo de limpar,

mas com cuidados especiais para que ao retomar ao meio ambiente o

fizesse com o mínimo de perturbação ao equilíbrio ecológico Na aula

seguinte, dois alunos trouxeram outros textos sobre ecologia: ~cinzas que

esfriam" (Revista Veja), "As sete pragas"( Revista Globo Ecologia), ambos

reportagens.

Tanto os textos de propaganda como os demais textos tomaram­

se alvo de atenção mais acurada e de fácil compreensão para todos os

68

alunos da classe. Voltando nossa atenção para o texto, podemos aplicar

aqui, também, a noção de inferência constitutiva de que nos fala Kato (op.cit,

p.21 ), segundo a qual criam-se significados a partir de pistas contextuais,

tomando o leitor mais integrador de informações co-ocorrentes, não

dependendo tanto da informação linear. Nota-se, portanto, que é uma prática

produtiva expor o aluno a variados tipos de textos e que a comparação entre

eles enriquece e aumenta o conhecimento textuaL

O terceiro tipo de conhecimento prévio envolvido na leitura, pode

ser entendido como conhecimento de mundo ou conhecimento enciclopédico

("background knowledge"). Segundo Kleiman (op. cit.: 1989:), é um tipo de

conhecimento adquirido de modo formal ou informal por todas as pessoas.

Representa tudo aquilo de que as pessoas têm conhecimento, ficando

armazenado ou arquivado na memória semântica ou episódica, também

chamada memória de longo termo. De acordo com a leitura que está sendo

feita, é presumível que nossa memória ativa alguma parte desse nosso

conhecimento de mundo (v. Kato: op. cit.). Esse trabalho que é feito a partir

de elementos formais do texto, traz para determinado momento em que

lemos informações e referentes extralingüísticos relevantes para o

entendimento de partes do texto ou de sua totalidade, isto é, para a

construção das representações mentais.

De acordo com Kleiman, esse tipo de conhecimento de mundo

tanto pode ser específico (por exemplo, o conhecimento que um

endocrinologista tem sobre como funciona o metabolismo de uma pessoa),

como pode ser mais genérico (por exemplo, saber que o gato arranha e que

o cachorro morde).

69

A autora aponta ainda um outro tipo de conhecimento de mundo ,

que é de modo geral, adquirido informalmente. É dependente do meio

cultural em que as pessoas vivem e é influenciado por ele. Koch e Travaglia

(1989) consideram-no como conhecimento ativado ("foreground knowledge")

que é trazido à memória operacional (memória de médio termo} ou à

memória de trabalho (memória de curto termo). Pode ser científico ou o

resultado da experiência cotidiana e, devido a isto, caracterizado como

comum e estereotipado. Trata-se do domínio global que temos sobre como

são levados a efeito os fatos próprios de nosso contexto culturaL Esse

domínio inclui procedimentos e o conhecimento de determinados detalhes

que envolvem os fatos, como por exemplo comer num "self-service", dirigir

um carro numa rua ou numa estrada etc. Esse tipo de conhecimento prévio,

por estar ordenado e por incluir apenas a generalidade e a previsibilidade

das situações, é caracterizado como conhecimento estruturado e parcial (v.

Kleiman: op.cit). Ele pode ser também considerado seletivo, visto que

permite a omissão de características particulares de determinadas

situações ou fatos, ou seja, o conhecimento de mundo sob enfoque favorece

ao produtor do texto explicitar dados novos e deixar implícito o que poderia

parecer redundante. Esta seletividade se deve ao conhecimento que se

espera seja partilhado pelos interlocutores, em situação de fala ou escrita, o

que facilita sobremaneira a comunicação.

Kleiman (op.cit.:1989), ao se referir a esse tipo de conhecimento,

o denomina de esquema.(p.24) Assim, teríamos internalizado o esquema de

70

~se!f-servíce", de dirigir um carro etc. que é ativado ou trazido à memória de

trabalho, quando abordamos um ou outro fato.9

Beaugrande e Dressler (1981), consideram o esquema de modo

semelhante. Para os autores, os esquemas

"são modelos cujos elementos são ordenados numa

progressão, de modo que se podem estabelecer

hipóteses sobre o que será feito ou mencionado a seguir

no universo textual. As ligações básicas sâo a

proximidade temporal e a causalidade, sendo poís

previsfveis e ordenados".

(apud Koch & Travaglia, 1989:64)

Van Dijk (1992) amplia o enfoque sobre esquema, introduzindo a

noção de "modelos " (mentais), que constituem a soma da representação

mental de um texto com a de um modelo de situação que subsidiam a

compreensão. Ao ler um texto, é esperado e é provável que o leitor construa

a representação textual e que tente também imaginar do que se trata o texto

(coisas, atos, eventos, estados de coisas etc. a que o produtor se refere).

"Um modelo de situação é a noção cognitiva que dá conta

deste tipo de 'imaginação' em que os usuários da língua

se empenham quando compreendem o discurso". (p.

161).

A informação obtida deriva da representação textual e de modelos

já construídos anteriormente, em situações similares, isto é, há um suceder

11- Cabe lembrar que a terminologia especifica pode aparecer Hgada a diversos

conceitos, sem no entanto se afastar da teoria que a gerou. É o caso de esquema.

71

de modelos parciais oriundos do conhecimento pessoal já existente. O autor

considera os modelos na memória como registros cognitivos episódicos de

nossas experiências pessoais. Isto nos mostra que tais modelos não se

instalam isoladamente na memória, não são estanques. Eles se organizam

em conjuntos e possuem caráter recursivo, pois a cada momento em que

são requisitados eles vêm à tona, são recuperados e atualizados. Há, por

assim dizer, um constante processo de reconstrução para a adequação de

modelos às situações, que sabemos, nunca serão idênticas.

A existência de modelos pode ser entendida como um importante

fator subjacente ao processamento e compreensão do texto. Se pudermos

imaginar sobre o que um texto fala, reconhecer outros aspectos como a sua

construção, relacioná-lo a mundos específicos ou a modelos de mundos

particulares ou, de acordo com Van Dijk (op. cit.), se pudermos construir um

modelo possível, então poderemos dizer que alguém compreendeu o

discurso.

Por outro lado, os modelos têm implicações pedagógicas que

precisam ser pensadas. Em situação de aprendizagem, se na memória do

leitor já existem determinados modelos, estes vão constituir elos que se

relacionam e terão como conseqüência a compreensão. Entretanto, se ao

contrário, não existir nenhum modelo ou nenhuma referência do modelo, é

preciso criá-lo ou criar condições para que su~a. Esse fato chama nossa

atenção para questões que emergem do ensino e que, raramente, são alvo

de preocupação por parte das pessoas envolvidas neste contexto.

O que ocorre em termos de aprendizagem se o aluno não tem um

modelo de onde partir para atingir a compreensão? E aqui não estamos nos

72

referindo apenas à compreensão de um texto destinado à leitura na aula de

português, mas de todo e qualquer texto que o aluno obrigatoriamente tem

de ler na escola, como os textos didáticos, os quais determinarão seu

desempenho e aproveitamento nas diversas disciplinas de seu curso.

Embora aprendizagem seja uma palavra muito usada nos meios

educacionais, pensamos que ela tenha se tomado um rótulo estereotipado

nesses meios. Há uma preocupação muito grande com o ensino, incluindo-se

af programas a serem cumpridos, técnicas, metodologias e tudo mais que o

ensino possa comportar. Mas a aprendizagem é vista de um modo geral em

segundo plano ou, às vezes, em plano nenhum. E neste ponto há um contra­

senso enorme e absurdo, porque a escola, por um lado, bem ou mal, se vale

a todo momento da leitura, da palavra escrita. Por outro lado não há uma

preocupação com a leitura, que é a causa de incontáveis problemas de

aprendizagem. A leitura subsidia a aprendizagem e vice-versa. Portanto, o

desenvolvimento cognitivo do aluno na escola, onde vai adquirir

conhecimentos sistematizados e científicos é, decisivamente, dependente da

leitura.

A leitura, então, deve ser vista não apenas como um conteúdo a

mais a ser ensinado , mas com toda sua abrangência, utilidade e

funcionalidade, dependente de conhecimentos prévios ou de modelos já

existentes na memória do leitor, para que esses sejam buscados quando

necessário. A leitura deve ser compreendida como um processo cognitivo em

curso, em meio ao universo social , histórico e cultural que cerca o leitor.

Van Dijk (op. cit) ao concluir seu estudo, sumariza a teoria dos

modelos. Ressalta que compreender o que um texto fala - "compreender o

73

discurso"- está intimamente relacionado com ~compreender o mundo", mas

não há ainda correlatos cognitivos a este "mundo~, derivando daí a noção de

modelo de situação que objetiva a construção de modelos novos e

atualizados. Além do mais, os modelos explicam por que os textos podem ser

incompletos, vagos ou cheios de idéias implícitas, sem prejudicar a

compreensão.

Entretanto, o autor aponta alguns problemas relacionados à teoria,

dentre os quais destacamos alguns que nos parecem ser mais pertinentes

para o momento. Ele reconhece que a teoria dos modelos é ainda bastante

informal, como acontece com outras teorias cognitivas, embora essa

informalidade não prejudique uma testagem experimental. Um outro

problema se refere às categorias do modelo entre aquelas que são

universais cognitivos e aquelas que são culturalmente variáveis. O autor

questiona como se relaciona a forma de compreensão "subjetiva" e

"incompleta" à observação e interpretação "objetiva" do mundo intersubjetivo.

Pensamos que as teorias quer sejam formais, quer sejam informais

podem e devem ser testadas ou submetidas à observação sistemática, pois

são elas promotoras de avanços consíderáveis em todas as áreas do

conhecimento.

Quanto à forma de compreensão não se pode ignorar que essa

apresenta variáveis e idiossincrasias conforme mencionamos em outras

partes deste trabalho, visto que o desenvolvimento cognitivo apresenta

passos semelhantes, mas não idênticos para todas as pessoas.

Conseqüentemente, a maneira de relacionar a compreensão subjetiva com a

compreensão objetiva, melhor dizendo, com as categorias sócio-culturais,

74

forçosamente terá desdobramentos e resultados drterenciados,

considerando-se além disso que também a visão objetiva e a subjetiva de

mundo têm características pessoais particulares.

3.3. Estratégias.

Dentro do movimento cognitivo de ocorrência continuada,

passemos agora a examinar um outro movimento subjacente àquele, um

mecanismo psicológico de grande significância para a leitura. Referimo-nos

aos meios de se atingir determinados objetivos ou intenções, que são as

estratégias. Essas podem ser classificadas, de acordo com suas

características próprias, como cognitivas ou metacognitivas.

Mas, antes, consideremos o que sejam estratégias propriamente

ditas. De acordo com Van Dijk & Kintsch (op. cit.: 1983) , embora a noção de

estratégia seja usada em muitos estudos da ciência cognitiva, muito

raramente ela é definida. É usada como metáfora emprestada da ciência

militar {significando "comando militar"), como termo na ciência política,

econômica e em outras áreas que estejam envolvidas com ações complexas

de objetivos direcionados. Mas, estratégia per se , continua como um

conceito obscuro. O termo estratégia está associado à teoria sobre o

preparo de decisão em que o interesse não é meramente conseguir um

objetivo, mas consegui-lo de maneira otimizada, ou seja, com rapidez,

eficiência ou com pouco esforço. Estratégias, portanto, envolvem ações,

finalidade e alguma noção de favorabilidade. Para o autor, intuitivamente,

75

uma estratégia é a idéia que um agente faz sobre a melhor maneira de agir,

a fim de conseguir uma meta. Partindo de uma perspectiva geral, ele

considera uma estratégia como uma representação cognitiva de algum tipo,

ao lado da noção de plano , o qual definiu como uma representação

cognitiva de alguma macro-ação. 10 Dizem Van Dijk & Kintch (op. cit.):

Enquanto um plano é um conceito global da macro-ação

mais seu objeúVo ou resultado final , uma estratégia é

uma representaçao global dos meios de atingir este

objetivo. Estes meios globais dominarão um número de

decisões e ações de níveis inferiores, mais detalhados.

Então, se a estratégia é globalmente caracterizada como

sendo rápida, mesmo para cada ponto, esta ação será o

ponto de apoio para conduzir mais rapidamente o próximo

estágio. e, então, atingir o objetivo final".

Comparando as duas noções cognitivas, é ressaltado que um

plano é, meramente, uma representação global de uma ação. Tomar um

avião para ir a um determinado lugar, seria um exemplo ilustrativo desta

representação global. A noção de estratégia vai mais além: é ela uma

representação mental e global de uma maneira de realizar esta ação global

de modo mais eficiente, com menor esforço, com risco mínimo etc.

10 - Um plano pode ser definido como uma macro-estrutura cognítiva de intenções e

propósítos. É um esquema hierárquico dominado por uma macro-ação. Comer num restaurante ou

construir uma casa, são ex:emp!os de macro-ações_ Para um nlvel mais local, elas representam a

execução de um número de mais detalhadas ações. A macro-ação é uma estrutura de conceíto global

organizando e monitorando a atuar seqüência de ação_ Ela define os resultados finais , globais e os

objetivos.

76

Continuando o seu raciocínio, os autores acrescentam:

"Se a estratégia é um ótimo objetivo ,em cada

circunstância selá tomada uma decisão para executar

aquelas ações que virão mais adiante, aquelas ações que

conduzem não somente para p1, 11 mas também para um

número máximo de outras propdedades desejadas do

estado ou das questões objetivadas. Similarmente, nós

podemos ter uma estratégia segura envolvendo sempre a

escolha de ação alternativa que mais provavelmente

conduza aos resultados desejados, objetívos e resultados

fínais, ou uma estratégia infedor que faz assim a pista ser

mais simples. As combinações são possíveis, é claro,

como por exemplo: ordinária-rápida ou segura­

dispendiosa (ou seja, que leva mais tempo para

acontecer). (p. 65).

Propomos a visualização desses conceitos da seguinte forma:

11 - P1, de acordo com o estudo feito, significa propriedade.

77

r-MACRO .AÇÃO ~--D~ PLANO ( .Representação cognitiva

c~ •de alguma macro-aç•• ~ Estratégia de ctJnceito Ctlnceito global + objetivo global

ESTRA1EGIII Representação global dos meios de atingir os ob"etivos do olano

I I I DEOSÕES DEOSÕES DEOSÕES DEOSÕES

E E E E AÇÕES AÇÕES AÇÕES AÇÕES

~~/ ~ PRÓXIMAAÇÃO /

L--... OBJETIVO FINAL

A estratégia é uma instrução global, que tem a característica de

ser flexível, tendo em vista cada escolha necessária que deverá ser feita

mais adiante durante o curso de uma ação. Em outras palavras, a estratégia

diz respeito à maneira global e progressiva de decidir os tipos de ações

alternativas que serão tomadas no transcorrer do curso das ações.

A estratégia é, pois, um mecanismo psicológico permanente, em

constante estado de alerta, visto que estamos envolvidos com e em ações a

todo momento. Ela tem grande alcance porque vai abranger a totalidade da

ação, mas ao mesma tempo é de grande economia por se adaptar da melhor

forma a cada tipo de ação, ou seja, para realizar cada um dos tipos de ação

a estratégia se organiza de um modo mais adequado.

78

Como os próprios autores reconhecem, as noções propostas

sobre estratégia são gerais e bastante abstratas, posto que elas se aplicam

a qualquer tipo de situação e/ou atividade em que estivermos envolvidos,

entretanto elas se tornam tão necessárias quanto os objetivos finais que nos

norteiam.

Apesar da sua característica genérica, a noção de estratégia é

aplicável a situações bastante específicas, a qualquer situação sendo

vivenciada. Um exemplo ilustrativo, bastante concreto e claro é a atividade

de leitura, envolvendo a produção, compreensão e reprodução do discurso,

em que o leitor se vê diante de uma ação a ser realizada. Desde o início da

leitura de um texto, alguma estratégia foi acionada para que, lendo, se vá

compreendendo o seu conteúdo ou se crie um modelo de situação, conforme

o dizer de Van Dijk (op. cit: 1992).

Se o conteúdo for de fácil assimilação, se os elementos

lingüísticos forem conhecidos, as estratégias provavelmente deverão ser

rápidas, até mesmo inconscientes, pois além de a mente estar condicionada

para ler, o leitor tem acessibilidade à compreensão sem muito esforço. Se

acontecer o contrário, isto é, se a situação for diferente da anterior,

provavelmente as estratégias disponíveis serão mais reflexivas e, para isso,

exigirão um tempo maior para cumprirem o seu papel monitorador da

atividade mental e subjacente a ela. Esse papel das estratégias tem uma

implicação muito significativa na aquisição e desenvolvimento da leitura.

Tem, igualmente, implicação significativa na aprendizagem dos mais

variados conteúdos escolares, assim como na aquisição de habilidades para

a realização de tarefas.

79

As estratégias referidas são conhecidas na literatura específica

como estratégias cognitivas. De acordo com Van Dijk & Kintsch (1983) são

elas o resultado de um processo mental envolvendo muitas informações e,

sempre que esse processo mental é consciente e ordenadamente controlado

, assim como cada passo mental revela a informação necessária para o

próximo passo mental, comparativamente, pode-se falar, então, de

estratégias mentais. Como parte dessas estratégias, os autores classificam

mais três : de linguagem, gramaticais e do discurso, cujas bases não ficam

muito claras, posto que parecem partir do mais geral para o particular, mas

co-ocorrem simultaneamente, ou como os autores dizem, têm

relacionamentos mútuos.

Senão vejamos, sucintamente: as primeiras (de linguagem) são

estratégias utílizadas pelos usuários da linguagem na produção e

compreensão de enunciados (ou atos de fala) de uma língua natural. As

estratégias gramaticais se referem aos dados que são processados no

tempo real e, uma vez que esses sejam relevantes, o usuário da linguagem

pode usar regras para checar se as estratégias foram corretamente

aplicadas nas sentenças gramaticais. As estratégias para a produção e

compreensão do discurso são similares àquelas usadas na compreensão de

sentenças. Os usuários da linguagem sempre manipulam estruturas de

superfície (palavras, frases) e significados de orações (informações

pragmáticas a partir do contexto) assim como dados culturais, sociais e

interacionais. Em outras palavras, o usuário da linguagem tentará avaliar

eficazmente os significados do (partes do) discurso, a referência

correspondente, as funçOes pragmáticas ou valores dos ( partes dos) atos

80

de fala do discurso assim como outras funções culturais, sociais e

interacionais,

As estratégias discursivas constituem o conjunto de outras tantas

estratégias, de acordo com os autores. São elas:

a- estratégias culturais (informações culturais relevantes);

b - estratégias sociais ( usadas em meio a contextos sociais

amplos ou em ocasião social local);

c - estratégias interacionais ( informações basilares para

estratégias específicas usadas em situações comunicativas);

d - estratégias pragmáticas ( determinadas pelo uso de uma

língua natural);

e - estratégias semânticas (estabelecem o que um discurso

significa e sobre que ele versa, isto é, suas intensões e suas extensões ou

referências);

f - estratégias esquemáticas (referem-se a tipos diversos de

discursos com sua organização global como as narrativas, as

argumentações etc.);

g - estratégias estilísticas e retóricas (têm a ver com o

reconhecimento implícito de mecanismos retóricos a fim de atingir seu

objetivo de persuasão),

O resumo organizado abaixo nos revela a intrincada rede de

relações cognitivas que se processa no interior dos indivíduos, porém com

influências de várias ordens oriundas de contextos verbais e sociais.

81

Estratégias cognitivas ou estratégias mentais:

A. de linguagem B. gramaticais C. do discurso

1 _ estratégias culturais 2. estratégias sociais 3. estratégias interacionais 4. estratégias pragmáticas 5. estratégias semânticas 6. estratégias esquemáticas 7. estratégias estilísticas ou retóricas

A oposição entre estratégias mais ou menos reflexivas, ou "entre

cognição e metacogniçfio é inspirada em Vigotsky (1962) e sua lei do estado

de consciência, segundo a qual podemos distinguir duas fases do

desenvolvimento do conhecimento: uma fase de desenvolvimento

automático e inconsciente e uma em que se observa um aumento gradual do

controle ativo desse conhecimento.'(apud Kato: op.cit, p.p. 101-102). A

distinção é, como se pode notar, a separação entre aspectos cognitivos e

metacognitivos do desempenho.

Brown (1983), em sua abordagem sobre a metacognição, diz que

esta se refere ao controle deliberado e consciente das ações cognitivas

próprias do indivíduo. Observa que a distinção entre o conhecimento e o

entendimento do conhecimento tornou-se um tópico de grande interesse

associado a questões educacionais e ao desenvolvimento. Uma das maiores

justificativas para se estudar essas habilidades é o fato de estarem as

mesmas ligadas tanto às situações reals de nossa vida diária como às

situações vívenciadas na escola. Predizer, checar, monitorar, testar a

realidade, bem como coordenar e controlar tentativas deliberadas para

estudar, aprender ou resolver problemas são habilidades de metacognição,

82

características básicas de pensar numa ampla área de situações de

aprendizagem, incluindo-se aí uma leitura eficiente.

O trabalho de Brown (op.cit) tem como enfoque o

desenvolvimento das estratégias metacognitivas associadas à leitura.

Referindo-se a elas, a autora destaca ser a compreensão de textos o

objetivo principal de leitura, assim como o fazem outros autores da líteratura

especializada neste assunto (v. Kato: op. cit., Kleiman: op. cit). Também os

professores de língua materna e dos demais conteúdos de todas as séries

buscam no dia-a-dia escolar que os alunos atinjam o referido objetivo.

Ao considerar as habilidades para que se consiga a compreensão

do texto, Brown (op.cit) ressalta que muitos processos de instanciação

referencial podem ser realizados de forma automática e rápida se

comparados com as ações de consciência deliberada. Os processos

subconscientes são identificados como automatic pilot states e os outros,

processos maís elaborados, como debugging states, os quaís constituem o

foco principal do trabalho da autora. São reconhecidos como habilidades

metacognitivas que podem ser relacionados aos propósitos de leitura. A

autora aponta sete atividades desse tipo. São elas:

• explícitação dos objetivos de leitura;

• identificação de aspectos importantes da mensagem;

• alocamento de atenção em áreas que são importantes;

• monitoração do comportamento para ver se está ocorrendo a

compreensão;

83

• engajamento em revisão e auto-indagação para ver se o

objetivo está sendo atingido;

• tomada de ações corretivas quando são detectadas falhas na

compreensão;

• recobramento de atenção quando a mente se distrai e faz

digressões.

Ao considerar a relação acima, Kato (op.cit) é de opinião que

existem apenas duas estratégias básicas, sendo as demais apenas subtipos.

As estratégias apontadas são:

a'- estabelecimento de um objetivo explicito para a leitura;

b '- monitoração da compreensão, tendo em vista esse objetivo.

Em situação de ensino de leitura, é necessário auxiliar o aluno a

adquirir o domínio das estratégias metacognitivas, quando ele ainda não tem

essa habilidade. Assim pensando, devemos ressaltar que a tomada de

ações corretivas quando são detectadas falhas na compreensão; citado por

Brown, não nos parece um subtipo conforme as considerações de Kato,

principalmente se levarmos em consideração o leitor -aprendiz nas situações

de ensino da leitura e se objetivarmos uma aprendizagem mais significativa,

que possa servir de modelo de como se deve ler em momentos outros.

O comportamento do aluno em dados momentos de sua leitura

pode ser indicador de falhas na compreensão e , às vezes, essas falhas se

concentram em determinado trecho. Expressões faciais de incerteza ou de

enfado sempre são notadas, bem como o levantar de olhos buscando a

84

ajuda do professor, a pergunta explícita oral ou o olhar perdido por uns

instantes. Não resta a menor dúvida de que o comportamento do aluno

revela as suas incertezas que necessitam de um monitoramento externo

imediato, uma vez que ele ainda não adquiriu a habilidade de

automonitoração. Observá-lo e providenciar ajuda para um momento crítico

de sua leitura pode minimizar problemas de compreensão e evitar que eles

recrudesçam. Trata-se de se tentar reproduzir externamente as condições

internas que poderão ser desenvolvidas e que darão a esse aluno-leitor a

flexibilidade e a independência de que ele necessita,

Esse procedimento, que consfderamos um suporte temporário,

provavelmente, constituirá a base de um recurso de que o leitor mais tarde,

provavelmente, se apropriará a fim de que ele mesmo possa monitorar o

comportamento para ver se está ocorrendo a compreensão.

Para explicar melhor, podemos citar como exemplo várias

situações assemelhadas com que nos deparamos em nossa pesquisa que

foram mediadas pelo professor, durante a aula de leitura, na interação com

os alunos. Observado o comportamento indicador de dúvida, os alunos

foram perguntados sobre passagens do texto não entendidas. Eles tiveram

opiniões coincidentes, apontando trechos que avaliamos serem trechos­

chave para a compreensão da totalidade textual.

Observamos, entretanto, que no dia-a-dia escolar não existe a

preocupação de se saber como está ocorrendo a leitura do aluno.

Simplesmente lhe é dado um texto para ler e na maioria das vezes, em

qualquer série, a leitura permanece no estágio da decodificação. Para se

evitar situações indesejáveis como esta, achamos que voltar ao ponto de

85

estrangulamento ou de dificuldade maior da leitura é um procedimento

altamente produtivo, porque cria condições para o aluno desenvolver

estratégias metacognítívas, uma vez que parece não ter ainda aprendido a

se valer de atitudes reflexivas.

Notamos que essa tomada de consciência, em primeiro lugar, tíra

o aluno da situação de passividade, de conformismo ou então de pressa

para desincumbir-se da tarefa, pois já ouvímos várias vezes alguns dizerem

"se eu não entendo, vou tocando para a frente". Em segundo lugar, a

tomada de consciência faz com que o leitor reflita sobre o empecilho

alocado durante a leitura que tenderia a torná-la , sem dúvida, um obstáculo

a mais para o seu desenvolvimento escolar. Remover o obstáculo, ou neste

caso, a dificuldade de leitura é um procedimento que muito ajudará o aluno

no seu desenvolvimento cognitivo.

O trabalho de Brown se propõe a uma abordagem

desenvolvimentista, mas isto não ocorre. Nos diversos tópicos de seu

trabalho, ela enfatlza mais a tendência da criança em apresentar falhas ou

deficiências em relação a um saber e comportamento ideais , a partir de

resultados de experimentos realizados. A autora observa que as crianças

são menos capazes de exercerem um controle consciente da sua própria

atividade cognitiva e atingirem uma auto-avaliação adequada. Por outro <

lado, observa que existe uma lacuna entre o que elas falam que sabem e

como desempenham as tarefas de leitura. Para Brown há uma grande

evidência de que a melhoria do desempenho ocorre por volta da terceira

série, sendo este o ponto em que o conhecimento (consciência) é alcançado

pela maioria das crianças. Mas, destaca que as deficiências cognitivas não

86

se dão apenas em relação à idade. Elas ocorrem em função da

inexperiência em relação a uma situação problemática nova.

Reportando-nos à leitura, observamos que os sujeitos de nossa

pesquisa, alunos da 5a série, não apresentavam a melhoria de desempenho

que já deveria ter ocorrido, de acordo com o que foi observado por Brown.

Quanto às possíveis deficiências cognitivas, pensamos que não se

caracterizam em função da inexperiência em relação a uma situação

problemática nova, visto que a leitura a essa altura da escolaridade não é

fruto da inexperiência e nem se trata de um fato novo na vida desses alunos.

Como se sabe, a ocorrência acima constatada, infelizmente, faz

parte da rotina escolar da grande maioria dos alunos e pode ser verificada

sem muito esforço. Aqui cabe, então, uma consideração pedagógica que é

a de incentivar o uso pelos alunos de estratégias cognitivas e

metacognitivas, uma vez notada a falha da aprendizagem até aí na

condução do ensino da leitura.

Kleiman (1993) dedica uma parte de seu trabalho ao que chama

de modelagem de estratégias metacognitivas. Assim escreve:

..-A característica mais saliente do Jeftor proficiente é sua

flexibilidade na leitura. Ele não tem apenas um

procedimento para chegar aonde ele quer, ele tem vários

possíveis, e se um não der certo, outros serão ensaiados.

Por isso, o ensino e modelagem de estratégias de leitura

não consiste em modelar um ou dois procedimentos, mas

em tentar reproduzir as condições que dão a esse leitor

87

proficiente essa flexibilidade e independência, indicativa

de uma riqueza de recursos disponiveis".(p.51)

A autora chama a atenção para duas estratégias básicas de

leitura, que seriam aquelas também apontadas por Kato: objetivo ( ler

sabendo-se para que se está lendo) e automonitoração da compreensão

(decorrente do objetivo firmado, será desenvolvida naturalmente).

Trazendo estas duas estratégias para a realidade escolar,

encontramos de pronto uma enorme lacuna, visto que não são traçados

objetivos de leitura e, conseqüentemente, não faz sentido falar-se em

monitoração consciente. Uma das poucas leituras precedidas de objetivo na

escola é a leitura extraclasse . Infelizmente, por razões que não precisam

ser apontadas, o objetivo é dos menos promissores e estimulantes para uma

leitura eficiente e produtiva. O objetivo é uma prova no final de um bimestre

letivo.

Kato, em suas considerações pedagógicas, escreve que a escola

pode favorecer o desenvolvimento tanto das estratégias cognitivas (através

de estímulo compreensivo e motivador} como das estratégias metacognitivas

(através de situações problema), recomendando o oferecimento de

atividades orientadas de leitura com o fim específico de criar situações que

exijam a aplicação dessas estratégias. Sugere procedimentos pedagógicos

fUndamentados em princípios cognitivos:

"a) uma ação sobre a leitura em curso e

b) uma ação sobre o produto da leitura que determine,

todavia, um retomo ao texto".(p. 113)

88

Esses procedimentos dividem as responsabilidades na condução

da tarefa. O leitor-aprendiz direcione sua leitura para atingir um detenninado

fim, no primeiro caso e, no segundo caso, é o professor quem age fazendo

previsões de falhas da compreensão.

Conforme Brown, achamos a questão das habilidades cognitivas

e metacognitivas upartícularmente excitante H. Somos de opinião que ambas

as estratégias- cognitivas (processadas automaticamente) e metacognitivas

(controladas conscientemente) - de acordo com as idéias derivadas dos

modelos psicológicos do pensamento humano, cumprem papéis altamente

relevantes para o desenvolvimento de várias atividades rotineiras realizadas

na escola, durante a educação formal, associadas que podem ser à menor

ou maior complexidade das tarefas a serem executadas. Embora

apresentem caracterfstícas e mecanismos diferenciados, menos e mais

elaborados, as estratégias são instrumentos necessários para o

estabelecimento de objetivos adequados à diversidade dessas tarefas. As

estratégias devem ser modeladas e desenvolvidas a partir das primeiros

anos escolares, tenda em vista, principalmente, a aprendizagem, a que

pouco se dá atenção. (Na escola prioriza-se, particularmente, a ensino).

Podemos afirmar que voltar-se para elas significa encontrar um pano de

fundo para a obtenção de melhores resultados quanto à leitura, o que pode

desencadear para o aluno um processo de aprendizagem notável e

abrangente. Foi o que ocorreu destacadamente com CLS, sujeito de nossa

89

pesquisa e com seus colegas. Foi observado o mesmo fato com a maior

parte dos alunos participantes do Projeto "Em cantos de leitura" .12

Antecipamos, aqui, algum resultado sobre possíveis diferenças

advindas do processo cognitivo em curso, ao ilustrar com um exemplo de

resultado positivo do ensino da leitura conforme o concebemos e colocamos

em prática.

CLS, no início de nossa pesquisa, era o aluno que apresentava os

problemas mais marcantes de leitura. No final, assim ele se expressou:

A - eu aprendi entendê quando leio mais baixo a entendé mais! E - entender? A - entendi! as palavras (ininty E - só a palavra ou o texto também? A - texto também (ininl)l

Para CLS a leitura silenciosa era mais difícil, principalmente

quando tinha muita gente conversando {os colegas na sala de aula). A

leitura oral, ele não se arriscava a fazê-la devido à nitidez de suas

dificuldades.

A professora de Geografia observou que CLS teve um progresso

mais marcante. São suas palavras:

12 ~O trabalho realizado pelas professoras do CBA (Ciclo Básico de Alfabetização), que

resultou numa "explosão" generalizada de leitura e produção de textos no mês de junho. Como se

sabe, ou como atestam abordagens sobre a atfabetizaçêo formal realiZada na escola, tal fato só

ocorre no segundo semestre, mais propriamente em setembro. A realidade que pudemos presenciar e

registrar surpreendeu a todas as pessoas envoMdas no Projeto.

90

"ele não tinha interesse I n§o prestava atenção na aula/ ele não participava/ então/ a partir do momento que começó esse trabalho/ né? de leitura/ né? e de interpretaçllol eu percebV principalmente o CLS! que isso foi muito bom! porque ele começou a crescé! ele começou a ter segurança! né? enti1o aquela iníbiçlio que ele tinha/ né? aquele medo que ele tinha/ né? e/e colocou de lado/ ele começó a se soltar em sala de aula/ eu acho que o resultado foi muito positivo/ em tennos de crescimento pessoaV nél eu acho que pra ele foi assim/ muíto importante/

Não só CLS, mas os demais alunos da classe desenvolveram

habilidades cognitivas e metacognitivas que os ajudaram a compreender

o(s) texto(s). Compreendendo o(s) texto(s) a leitura passou a ter um

significado para todos eles. A leitura serviu ainda para dar-lhes mais

segurança e serviu de suporte para o entendimento de outras matérias do

currículo.

91

CAPÍTUL04

SITUANDO A PESQUISA

A pesquisa que desenvolvemos teve por base uma metodologia

de cunho etnográfíco para a coleta de dados. De acordo com a literatura

voltada para essa questão, a pesquisa etnográfica é bastante abrangente e

já bastante Cáracterizada em suas diversas possibilidades de

investigação.(v. André, 1995, Thiollent, 1994). Uma delas, a pesquisa-ação

serviu de base para o desenvolvimento de nosso trabalhO. A pesquisa-ação

tem como característica o enfoque em aspectos sociais, buscando

resultados qualitativos . Suas linhas diretivas se aplicam a variadas

situações e problemas ligados ao ensino/aprendizagem. Hammersley &

Atkinson (1989) usam para este tipo de pesquisa o termo cognato

observação participante.

No que diz respeito à metodologia da pesquisa social, Thiollent

(1994) propõe dois tipos: a pesquisa participante e a pesquisa-ação,

diferenciando-as em alguns pontos. Para o autor, a pesquisa-ação, " além

da participação, supõa uma forma de ação planejada de caráter social,

educacional ou outro, que nem sempre se encontra em propostas de

pesquisa participante." (p.7) Porém, ambas procedem de uma mesma busca

de alternativas ao padrão de pesquisa convencional que se volta para a

quantifieáção de resultados empíricos, em detrimento da busca de

92

compreensão e de interação entre os envolvidos nas situações investigadas.

De uma maneira geral, a pesquisa-ação se caracteriza pela participação

direta do pesquisador interessado em responder tanto quanto possível aos

problemas de uma situaçao particular detectada sob forma de ação

transformadora. 13 A pesquisa-ação desenvolvida teve duas linhas diretivas:

a pesquisa em si , partindo de uma hipótese que determinou uma linha

metodológica para a aprendizagem da leitura e uma ação pedagógica

envolvendo atividades na escola em que participaram: alunos, professores,

diretora.

Devido ao fato de a pesquisa pretendida ter como enfoque a

leitura, a sala de aula foi o campo de trabalho escolhido. Foi nossa intenção

desenvolver uma pesquisa que pudesse intervir no desenrolar do trabalho

em sala de aula, na tentativa de mudar o rumo das aulas de leitura e não

nos retringirmos à analise das causas de sucessivos fracassos da relação

aluno-leitura e/ou fatores que pudessem provocá-los. Para tanto, sentimos

ser necessário um acompanhamento do fluxo das ocorrências, das reações

e respostas dos alunos. Esse acompanhamento foi sistemático e partilhado

com a professora de Português.

1s Em alguns aspectos nos afastamos um pouco da linha teórica de ThioUent (op.cít.)

em que nos baseamos, pois outros procedimentos nos pareceram mais adequados. Por exemplo, a

pesquisa-ação prevê a discussão e a participação dos pesquisadores e dos participantes em diversas

estruturas coletivas (seminários, grupos etc) . Por ser a sala de aula um campo de pesquisa mais

restrito, nao nos pareceu pertinente a realização de seminários. Optamos pelas entrevistas finais, com

o objetivo de OOfilparar os resultados que pudemos observar com a avaliação pelos professores do

processo desencadeado relativo à leitura dos alunos. As discussões acompanharam toda a pesquisa,

porém foram feitas pela pesquisadora e pela proessora de Português.

93

O nosso objetivo era testar pressupostos psicolingüísticos

aplicados à leitura (v. Brown (op. cit), Kato (op.cit), Kleiman (op.cit), bem

como verificar e analisar resultados em situação concreta e cotidiana da sala

de aula. Esses objetivos foram guiados por pressupostos. Um deles é o de

que a leitura poderia se tornar uma prática significativa para os alunos,

desencadeada dentro de perspectivas pedagógicas alternativas, para que a

mesma viesse a ocupar um lugar que lhe pertence, mas que lhe é negado

pela escola, apesar de depender dela (leitura) quase que totalmente.(Em

outro lugar deste trabalho já nos referimos às preocupações e frustrações

que os professores têm quanto à leitura e à maneira desajustada e não

desejável como é conduzida em todos os níveis do ensino regular).

O outro pressuposto diz respeito à leitura retomada e considerada

como um processo de desenvolvimento que permite a dinamlcídade de

processos cognitivos em constante evolução. Foi nossa intenção,

paralelamente, criar condições de interação para subsidiar a leitura.

A observação de Thiol!ent (op.cit.), veio ao encontro da

abordagem pensada para a nossa pesquisa: "Consideramos que a pesquisa­

ação não é constituída apenas pela ação ou pela participaçJo. Com ela é

necessário produzir conhecimento, adquirir experiência, contribuir para a

discuss!:io ou fazer avançar o debate acerca das questões abordadas."

(p.22)

4.1. Descrição do contexto

Temos a registrar que participamos de todas as etapas que

constituíram o desenho da pesquisa dentro da sala de aula.

A escolha da escola se deveu ao fato de uma professora de

Português ter -se mostrado interessada na pesquisa e ter -se mostrado

94

disposta a colaborar. Dessa maneira, a escolha da escola foi aleatória, mas

deu suporte a um de nossos pressupostos de que os problemas de leitura

abrangem também alunos provenientes de classes sociais privilegiadas,

pois se tratava de uma escola particular de prestígio na cidade. A classe de

58 série14 onde desenvolveríamos o trabalho foi sugerida pela professora

pelo fato de ser uma classe com nove alunos apenas, mas que

apresentavam problemas de aprendizagem, com desempenho criticável

quanto à leitura

A pesquisa foi realizada no período letivo compreendido entre

abril e novembro de 1992, ás sextas feiras (quando não havia impedimento

como: provas, feriados, palestras na escola). O espaço para o

desenvolvimento das atividades foram os quatro horários destinados às

aulas regulares, isto é, mediante um acordo firmado com a professora de

Português, todos os professores cederam seus horários de aula previstos

para as sextas-feiras, com a aquiescência da diretora pedagógica da escola.

14 A classe de quinta sêrie de uma escola particular da cidade de Uberlândia

era atípica dentro de contextos escolares devido ao número ex!guo de alunos. Não se

tratava de uma classe "especial". Foi formada com a colaboração da escola para funcionar

no turno da tarde, a fim de atender as necessidades dos pais que trabalhavam nesse

horário. Critérios outros não foram considerados para esse expediente.

95

4.1. 1. Dados gerais sobre os alunos

Total de alunos: 10 (dez). Eram nove no inicio da pesquisa, no

mês de abril . No mês de maio foi matriculado mais um aluno. Considerando

as notas de campo feitas pela pesquisadora, foram observadas algumas

características comportamentais dos alunos que nos parecem ser relevantes

de se destacar:

• Dois alunos muito atentos.

• Um aluno falante e irrequieto.

• Um aluno muito brincalhão

• Um aluno inibido, sempre dando desculpas para fugir das

tarefas.

• Um aluno bastante dispersivo, que pouca atenção prestava às

aulas.

• Um aluno meio nervoso, sempre disposto a criar uma encrenca.

• Um aluno de ritmo bastante ~ento que não conseguia terminar

nenhuma de suas tarefas.

• Duas alunas desinteressadas e bastante acuadas na classe,

onde predominava o elemento masculino. Eram

acentuadamente marginalizadas por seus colegas em todas as

atividades. Eram impedidas ou perturbadas na hora de falarem,

darem opiniões, participarem de trabalhos em grupo. Vozes

96

apagadas, sem expressão, colegas rejeitadas pelo grande

grupo.

Pudemos observar um contexto geral desfavorável ao

desenvolvimento de toda e qualquer atividade.

4.1.2. Escolaridade dos pais

Curso 2° grau 1° grau superior co~pleto completo completo

Pais 8 2

Mães 8 1 1

Todos os pais trabalhavam fora, inclusive fora do país. Com

exceção de uma, as demais mães também exerciam suas profissões fora de

casa. Essa observação corrobora alguns dos nossos pressupostos

apontados na primeira parte deste trabalho, quanto ao possível

distanciamento dos pais e às vivências solitárias das crianças.

4.1.3. Interação com a professora de Português •

. Podemos dizer que desde o início da pesquisa houve uma

interação simétrica com a professora. Ela se mostrou interessada em

colaborar desde que soube como pretendíamos desenvolver a pesquisa.

97

Conforme foi dito anteriormente, foi quem sugeriu a classe pelos motivos

apontados. É uma professora mestranda com um conhecimento vasto em

lingüística e ampla experiência no magistério. Suas opiniões e sugestões

foram de grande importância para a adequação do trabalho em vários

momentos da pesquisa. Podemos dizer que foi um trabalho de quatro mãos

em que prevaleceram a cooperação e o incentivo em todas suas etapas.

Após cada uma das etapas fazíamos avaliação das atividades e do

desempenho dos alunos, ao mesmo tempo que observávamos o

desempenho destes.

4.1.4. Exame dos textos do livro didático

Em uma etapa inicial, fizemos um exame no livro didático adotado

para as aulas de Português para termos contato com a realidade da leitura

escolar dos alunos. Tivemos a intenção de fazer apenas o levantamento

numérico dos textos quanto à sua estrutura pois, como já ressaltado, a

maioria dos textos utilizados para a leitura em sala de aula são

predominantemente narrativos o que parece contribuir para o desinteresse

dos alunos quanto à leitura, uma vez que, cotidianamente, fora da escola,

eles se vêem diante de textos das mais variadas formas e estruturas.

Dizendo de outra forma, os textos para leitura na escola privilegiam o texto

narrativo, distanciando-se dos demais tipos. Essa escolha pode acarretar

um comprometimento na aquisição do conhecimento textual necessário ao

desenvolvimento da leitura.

98

O material examinado tinha as seguintes características:

• nove textos com estrutura narrativa;

• um texto com estrutura descritiva;

• uma história em quadrinhos;

• três textos poéticos estruturados em versos.

Textos complementares:

• Sete textos narrativos e uma poesia.

OBS.: os alunos já tinham lido quatro dos textos em outro livro didático.

Eles se saíam com o desabafo "Outra vez, professora?"

4.1.5. Instrumentos utilizados na pesquisa

Foram feitas entrevistas com a diretora pedagógica para se ter um

panorama geral dos problemas que afetavam a escola e com todos os

professores da classe-alvo acerca das dificuldades de leitura apresentadas

pelos alunos. Todos os professores têm formação superior nas áreas em

que atuam. As entrevistas se deram no início da pesquisa, tendo sido

gravadas todas elas. Igualmente, no final da pesquisa, os mesmos

professores tiveram suas entrevistas gravadas. Também foram gravadas

entrevistas com todos os alunos no início e final da pesquisa.

No primeiro semestre, foram acompanhadas (12) doze aulas.15

15 Referimo~nos a aulas, mas entenda~se que foram quatro aulas a cada dia de

gravação, todas elas destinadas à pesquisa sobre leitura

99

Foram gravadas 10 (dez) aulas. As duas restantes não foram gravadas

porque a gravador estava com defeito. Dez aulas foram dadas pela

professora de Português, duas aulas foram dadas pela pesquisadora. Uma

das aulas foi dada a partir de um texto do livro didática, quase inteiramente

dentro do padrão tradicional para se ter uma idéia da reação, envolvimento e

grau de interesse dos alunos.

No segundo semestre foram acompanhadas e gravadas 20 (vinte}

aulas. Quatorze aulas foram dadas pela professora de Português, seis aulas

foram dadas pela pesquisadora .

O planejamento e seleção do material para 17 (dezessete) aulas

foram feitas pela pesquisadora, para 1 (uma) foram feitos pela professora de

Português e duas aulas foram organizadas pelas alunos.

Foram registradas notas de campo pela pesquisadora, oriundas

da observação participante.

dados:

Resumindo, os instrumentos de pesquisa geraram os seguintes

a) -entrevista gravada em áudio com a diretora da escola;

b) - entrevista gravada em áudio com todos os professores da

classe;

c) -entrevista gravada em áudio com todos os alunos da classe;

d) - 20 aulas gravadas em áudio;

e)- notas de campo feitas pela pesquisadora, acrescidas de

algumas anotações feitas pela professora de Português,

100

CAPÍTULOS

DESENVOLVIMENTO DA PESQUISA E ANÁLISE DOS

RESULTADOS

5.1. Planejamento das atividades de sala de aula

5.1.1. Observação de aula

Após a análise das entrevistas dadas pelos professores, em que

tomamos conhecimento das deficiências dos alunos quanto à leitura,

combinamos com a professora de Português que começaríamos nossas

atividades de pesquisa.

Num primeiro momento, nossa atividade foi a de observar uma

aula de leitura preparada pela professora de Português. Fóram trabalhados

dois textos: o primeiro, do livro didático adotado, "Mundo antigo" de C. O. de

Andrade e o outro, "O anjo da noite", de Cecília Meíreles.16 A leitura do

primeiro texto deixou evidente a tradição escolar para este tipo de atividade:

leitura oral do texto por um aluno, uso do dicionário para resolver problemas

de vocabulário, conceitos escritos no quadro-de-giz, leitura e cópia dos

conceitos, questões de interpretação escritas no quadro-de-giz, cópia e

16 Os textos cítados neste capftulo se encontram no anexo_

101

resposta das mesmas pelos alunos. O segundo texto, também, foi lido

oralmente, desta vez por vários alunos. Seguiram-se a cópia e as respostas

das questões de interpretação propostas. Depois, a professora estimulou

uma conversa descontraída sobre ubarulhos". Os alunos participaram

ativamente deste momento. Para terminar, fizeram a leitura silenciosa do

segundo texto e formularam eles próprios questões sobre o que foi lido.

Foram produzidas e respondidas 14{quatorze) questões: 4(quatro) por um

aluno, 3(três) por outro, 2(duas) por outro. 5(cinco) alunos formularam uma

única questão cada um. De um modo geral, as questões abordaram o

conteúdo "barulhos'' (I) e apenas o primeiro parágrafo do texto(ll). Somente

uma questão se voltou para o contexto mais amplo do texto {111).

I a"O que o guarda·notumo ouve?"

b"Quais os sons que o guarda-noturno escutava na rua?"

c"Eie escutava barulho de veículos de transporte?

d"Que barulhos o guarda-noite ouvia e produzia?

11 -e "'Como andava o guarda?"

f "Como o guarda-noturno caminhava à noite?"

g "Como o guarda caminhava?"

I "Por que o guarda caminhava lentamente?"

m "Porque o guarda caminhava com delicadeza?"

n "O que é (passos) cadencíados?"

111 - "Como estava a noite naquela hora em que o guarda-noturna

transitava pelas ruas?"

102

Com ligeiras alterações, a aula não fugiu do padrão tradicional

tanto quanto aos procedimentos, quanto à participação dos alunos, que foi

entrecortada de conversas paralelas e de desinteresse.

A proposta da professora de serem as perguntas formuladas

pelos alunos não deixou de ser uma tentativa de fuga ao padrão

estabelecido para as atividades de leitura, mas os alunos reiteraram o

mesmo tipo de perguntas encontradas nos livros didáticos, o que vem

confirmar o rumo rotineiro das aulas de leitura e a adaptação dos alunos a

um modelo de atividade escolar bastante consolidado, porém desgastado.

Pudemos perceber, ainda, a pressa com que os alunos se desincumbiram da

tarefa, ou seja, fizeram-na por fazer, pois se prenderam ao primeiro e

curtíssimo parágrafo do texto e à troca de idéias sugerida pela palavra

"barulhos". Sentimos, entretanto, a validade da conversa introdutória que

precedeu a leitura do texto e que equivaleria à interação, como se pode

perceber a seguir:

( ... ) P1 - será que a polui~o que nós temos é só do ar? A 1 • nao/ tipo de poluiç!Jo é da/ voz P1 -de quê?/ da voz/ ahl da voz! gostei/ adorei/ da voz! então 1/ você gosta de barulho? A2 - ah/ mais ou menos/ depende do tipo de barulho/ P1 -que típo de barulho/ vocé gosta? A2 ·aqueles baruiMo de bateria/ é legaV ( .. .)

A3 - eu gosto/ eu gosto de/ de barulho de rock também/ né? eu não gosto muíto de barulho de carro normaV ou um barulho de carro I diferente/ P1 -como? Que tip.,. I ah? envenenado? A3 -é! P1 - daqueles dando cavalo de- paul A3 - é/1 nilol daquelas motonas/ u/u/u/u/ (...)

103

A conversa sobre barulho preencheu um espaço de 20min da

aula, pois todos os alunos foram questionados e falaram sobre suas

preferências.

Referimo-nos acima à equivalência de interação porque nos ficou

a impressão de um uesboço" de interação que poderia ter sido mais

explorada, por exemplo, colocando em destaque outros aspectos do texto

além do tema. Em princípio, nos parece que esse procedimento ajuda a

compreensão do texto, pois conforme os exemplos ilustrativos quanto às

perguntas formuladas pelos alunos, a referência ao barulho ficou

evidenciada, mas detalhes da totalidade textual não foram percebidos. Esse

fato sinaliza para uma compreensão em pedaços, fragmentada Melhor

dizendo, só uma parte mínima do texto pareceu ser focalizada pelos alunos.

A atividade de leitura, assim conduzida provoca, inevitavelmente, resultados

indesejados, facilmente observáveis.

5.1.2. Seleção do material para leitura

Selecionamos, de início, dois textos {um texto didático e outro de

reportagem de revista) versando sobre o mesmo tema: ~o sistema solar".

Até o final do primeiro semestre o procedimento adotado foi o

mesmo, isto é, selecionávamos os textos que seriam utilizados na aula de

leitura, porém com o acréscimo de textos trazidos pelos alunos relacionados

ao tema que seria abordado na aula subseqüente. Ao fazer essa seleção, de

modo sutil, já preparávamos condições para que o aluno percebesse a

intertextualidade ou a relação dos textos lidos na escola com outros textos

disponíveis.

Durante as aulas desse semestre trabalhamos com 2 (duas)

poesias, 8 (oito) textos do mundo comentado. Esses últimos foram textos

didáticos (3) dos livros utilizados pelos alunos em História, Geografia e

Ciências e reportagens (5) tiradas de revistas e jornais atuais.

104

Uma vez que nos referimos a mundo comentado, convém

esclarecermos a que se refere. H. Weinrich (apud Koch: 1987) ao analisar

textos de várias situações comunicativas chega à conclusão de que estas se

repartem claramente em dois grupos: o mundo comentado e o mundo

narrado, de acordo com os grupos temporais predominantes em cada um

("mundo» deve ser entendido como o possível conteúdo de uma

comunicação lingüística). Mundo narrado e mundo comentado estão

relacionados aos tempos verbais.

Segundo postula o autor, os tempos verbais distribuem-se em

dois grupos ou sistemas temporais com empregos distintos. No grupo I se

incluem tempos do indicativo (presente (canto), pretérito composto (tenho

cantado), futuro do presente (cantarei), futurp do presente composto (terei

cantado), além de locuções verbais formadas com esses tempos (estou

cantando, vou cantar etc ... ). No grupo 11 se incluem outros tempos do

indicativo (pretérito perfeito simples (cantei), pretérito imperfeito (cantava),

pretérito mais que perfeito (cantara), futuro do pretérito (cantaria) e locuções

verbais formadas com esses tempos (estou cantando, vou cantar etc ... ) O

grupo I caracteriza o mundo comentado e o grupo 11 o mundo narrado.

Também as situações comunicativas se repartem em dois grupos:

mundo comentado e mundo narrado. Graças aos tempos verbais de que

utiliza, o falante apresenta o mundo ou o possível conteúdo de uma

comunicação lingüística e o ouvinte o entende, ou como mUndo comentado

ou como mundo narrado. Todas situações comunicativas que não consistam,

apenas, em relatos pertencem ao mundo comentado. Assim o texto

expositivo se enquadra dentro do mundo comentado, em que os tempos

verbais do grupo I estão presentes. Nos textos do mundo comentado há um

maior grau de compromisso com a verdade que se quer comunicar.

Nos oito textos do mundo comentado acima referidos

predominava a estrutura expositiva, cuja ênfase é temática e se centra nas

idéias. Do ponto de vista discursivo, esses textos têm suporte

argumentativo, e se caracterizam como um meio para se refletir tendências

do pensamento contemporâneo ou passado, formar opiniões, abalar

crenças, estimular o espírito crítico ou simplesmente para saber dos fatos

105

que se desenvolvem à nossa volta, principalmente os divulgados pela

imprensa escrita17. Textos assim vão, portanto, exigir uma interação mais

acurada entre leitor X autor, pois a situação comunicativa veiculada, corno

observam Koch & Fávero (1987), apresenta como característica a atitude

tensa do leítoc Não podemos ignorar que textos com as características

apontadas entre outras, forçosamente, exigem bem mais estratégias

reflexivas para sua compreensão.

A escolha desse tipo de texto se deveu aos nossos objetivos para

aquele momento que eram o de estimular essas estratégias e expor os

alunos a textos não usuais para a leitura em sala de aula, bem como criar

condições para o aluno perceber a intertextualidade.

5.1.3. Metodologia adotada para o trabalho com o texto

A fim de trabalhar a leitura em sala de aula, resolvemos

transformar em prática pressupostos teóricos apresentados em Kleiman

(op.cit:1989), citados no capitulo 3 deste trabalho, cujo enfoque principal

são os aspectos cognitivos da leitura. De início, objetivando um modo de

intervir nas aulas de leitura, planejamos uma espécie de ensaio, ou um

plano piloto para observação da reação dos alunos submetidos à leitura de

textos variados e com uma diretriz pedagógica variante. Pretendíamos com

17 . Na tipologia textual proposta por Koch (1987, p.7) o texto expositivo, dentro da

dimensão pragmática, tem como macro-ato a asserção de conceitos e a atitude comunicativa é a de

fazer saber. Quanto à dimensão esquemática global tem superestrutura expositiva com análise e/ou

slntese de representações conceituais. Sua dimensão língarstíca de superfic\e apresenta como

marcas; conectores do tipo lógico, subordinação predominante, tempos verbais do mundo

comentado, isto é, tempos do indicativo: presente, pretérito composto, futuro do presente, Muro do

' presente composto, locuções verbais formadas com esses tempos , além do pretérito perfeito

simples, que segundo Koch (op. cit. 1987) pode co-ocorrer freqüentemente com tempos do

comentário dentro ou fora de um mesmo perlodo .

106

isso reinventar um espaço para a leitura em que pudéssemos,

eventualmente, remover barreiras impedidoras de uma leitura produtiva e

significativa para o aluno.

Entendemos, então, que deveríamos traçar uma linha

metodológica, cujos procedimentos serviriam de guia para nossas ações.

Deve ficar claro que a base estratégica para engajar os alunos

cognitivamente foi a de propiciar a interação, isto porque entendemos que

a diversidade, uma das características intrínsecas do ser humano, poderia

se manifestar nesse espaço e poderia, também, contribuir para a

aprendizagem e para a ampliação do conhecimento dos alunos, por meio

da construção de representações mentais e de novos conceitos.

Entendemos ainda que o envolvimento cognitivo determina a socialização

em sala de aula, quer se situe no plano da relação humana com as mais

variadas implicações, quer se dirija para a manifestação e para a difusão

do conhecimento. Provoca, por outro lado, o envolvimento de outros

fatores importantes que, conjuntamente, vão favorecer o fluxo de um

processo tendo em vista a aprendizagem.

A linha metodológica adotada para o desenvolvimento de nossas

aulas de leitura compunha-se dos seguintes procedimentos:

A. ativação do conhecimento prévio;

B. levantamento de hipóteses:

C. formulação de objetivos;

D. leitura silenciosa para se confirmar ou não as hipóteses

levantadas;

E. monitoramento da compreensão com o estímulo ao uso de

estratégias metacognitivas, através de:

1. resolução de problemas de vocabulário apelando

mais para as pistas textuais, para o conhecimento de

mundo dos alunos manifestado na interação e muito

pouco para o dicionário;

2. releitura de partes do texto não compreendidas,

F. leitura oral;

107

G. elaboração pelos alunos de questões relativas ao texto,

objetivando-se verificar o progresso dos alunos quanto à

percepção de detalhes e da totalidade textual;

H. exercícios escritos de compreensão do texto, elaborados

pela professora-observadora.

5.2. Anãlise dos dados

5.2.1. Estratégias em foco

Nessa parte de nosso trabalho apresentaremos os resultados que

pudemos verificar, segundo os aspectos selecionados e os objetivos

focalizados na pesquisa. O aspecto central em foco são as estratégias de

que o leitor se vale para o processamento do texto, principalmente as

metacognítivas, cujo desenvolvimento não é observado no contexto da leitura

escolar. As estratégias cognitivas são mecanismos psicológicos

inconscientes que acompanham as atividades de leitura do leitor. O

conhecimento que a elas subjaz foge do nosso controle. Não precisam, ou

melhor dizendo, não é possível controlá-las nem observar exatamente como

e quando se manifestam. Podem, sim, na situação de ensino, ser insinuadas

ou estimuladas a fim de que sirvam de apoio para um desenvolvimento mais

abrangente de habilidades de leitura.

Por sua vez, as estratégias metacognitivas devem ser modeladas

a fim de que sejam ativadas como um recurso imprescindível para que o

leitor atinja a compreensão do texto. A compreensão de textos é o grande

desafio que se interpõe na construção da leitura, notadamente da leitura

escolar que é o contexto de onde minimamente partirão as habilidades

necessárias para que o aluno se torne um leitor eficíente que se quer formar.

108

Essa situação nos leva a destacar duas questões. A primeira

se refere a como os leitores em formação lidam com a não compreensão ou

falhas de retenção, uma vez que elas são identificadas, e que estratégias

empregam para superar essas falhas. Considerando que estratégias de

leitura são vistas por Van Dijk e Kintsch (op. cit) como qualquer controle

deliberado e engenhoso de atividades que dão origem à compreensão,

cremos que seja necessário através da leitura na escola, insinuar essas

estratégias ou criarem-se condições para que haja esse controle deliberado.

Embora não se possa garantir um resultado absolutamente

bem sucedido, cremos que a ajuda do professor, direcionando atividades de

leitura possam resolver, em parte, o problema, abrindo, ao mesmo tempo,

pistas para que o controle deliberado ou as estratégias metacognitivas

sejam um recurso a ser empregado nas teituras da escola e, futuramente,

em outras leituras em que o aluno deverá contar com um auto­

direcionamento e, portanto, uma reflexão sobre as dificuldades surgidas

quanto à compreensão de textos.

A segunda questão se relaciona aos pontos obscuros que o

texto apresenta, que não são revelados durante a leitura e que o leitor não

tem condições de superar. Na escola, passam despercebidos esses

problemas, pois há um interesse maior em dar conteúdos programáticos do

que resolver questões ligadas à compreensão dos textos. No caso do texto

didático, alguns alunos procuram decorá-lo para a próxima prova. Esse

procedimento, apesar de não adequado, não deixa de ser uma estratégia.

Melhor dizendo, é uma saída para o leitor que ainda não desenvolveu o

recurso de monitorar a compreensão do texto. Os que conseguem decorá-lo

{e isso nossos alunos tentaram fazer durante uma das atividades propostas

em que estiveram envolvidos), provavelmente resolvem uma boa parte da

prova, mas a situação dos que não conseguem fazê~lo é sempre

complicada. Além disso, decorar o texto ou partes do texto para um

determinado fim, não garante a retenção de modelos de situação na

memória e, portanto, a compreensão. A falta de compreensão,

inevitavelmente, compromete a aprendizagem e a situação escolar dos

109

alunos. Enfim, todos dizem que os alunos não sabem ler, mas nada fazem

para reverter a situação.

A interação leitor X leitor, com a mediação do professor, é um

caminho provável para impedir o desenvolvimento desse tipo de problema

(decorar) e pode transformar a leitura numa fonte de onde pode partir a

aprendizagem.

A leitura deve, além do mais, partir de objetivos para que possa

contemplar as exigências de um ensino mais consistente. O objetivo se

assemelha a um ponto de contato que precisa ser ativado para que o aluno

se atenha à tarefa a ser desenvolvida. Torna-se um ponto de apoio para o

fluxo do processo. Em princípio, a professora define os objetivos para a

leitura e, posteriormente, essa definição, também, deve ser proposta pelos

alunos. No caso de nossa pesquisa, o fato de a professora propor objetivos

para a( s) leitura( s) se deveu ao conhecimento claro que temos de que os

objetivos orientam a leitura e propiciam o monitoramento da compreensão e

de que esta não é uma prática comum na escola. Normalmente, os alunos

lêem para cumprir uma tarefa altamente estereotipada, bem ressaltada por

Kleiman (1989: 35):

"a leitura que não surge de uma necessidade para

chegar a um propósito não é propriamente leitura; quando

lemos porque outra pessoa nos manda ler, como

acontece freqilentemente na escola, estamos apenas

exercendo atividades mecânicas que pouco têm a ver

com significado e sentido."

Traçar objetivos para a leitura de textos e fazê-los conhecidos dos

alunos, é um procedimento que vai exigir o recurso do leitor às estratégias

metacognitivas.

Mais tarde, abrimos espaço para que os próprios alunos

formulassem os objetivos e o fizeram primeiramente meio vacilantes e

depois com visível segurança. Essa segurança se revelou, quando

começaram a sugerir a temática de textos que gostariam de ler. Sugeriram

por exemplo "sexo" ou "adolescência".

110

Considerando a interação como base estratégica para engajar

cognitivamente o leitor, a mediação do professor na condução do processo e

as estratégias metacognitivas, selecionamos alguns aspectos que

passaremos a examinar, pois se mostraram relevantes para a abordagem da

leitura em sala de aula.

Os aspectos a que nos referimos são os seguintes:

1 Jntertextualidade;

2.predições sobre o texto;

3.definição de objetivos para a leitura;

4.inferência lexical (compreensão de detalhes);

S.atribuição de intencionalidade ao texto (previsão);

Torna-se pertinente dizer que esses aspectos se entrecuzam

numa mesma aula ou numa mesma situação de leitura. Vários aspectos

podem, simultaneamente ou não, entremear a atividade, o que não implica

uma ordem linear para a emergência nos alunos dos aspectos citados.

5.2.1.1. Construindo pistas para a percepção da intertextualidade e de

funções para a leitura.

Uma das primeiras tentativas de nosso trabalho voltado para a

leitura já colocava em foco a intertextualidade, destacando a relação do

assunto do texto selecionado para a tarefa com outras matérias.

Assim, trabalhamos com dois textos (um texto didático e outro de

reportagem de revista) versando sobre o mesmo tema: ~o sistema solar".

Antes de trabalharmos com o texto do livro de Ciências sobre o

sistema solar, a professora fez a ativação do conhecimento prévio,

estabelecendo a interação, que se pode notar em alguns exemplos que se

seguem:

111

1- (. .. )

P1 - o quê/ que é o sol? A 1 - a h/ é uma estrela! P1 -uma estrela! uaíl mas estrela num é só à noite não? A 1 - claro que nlio P1- ah/ não? A2- é uma estrela/ cê num sabia não/ professora? P1 - não/ num sabia não/ A 1 - o sol é uma estrela/( .. .)

Nesse primeiro momento da interação, a professora se coloca

numa situação de desconhecimento do assunto, ela age como quem nada

sabe para que os alunos se manifestem. Através de sua atitude de

incentivar a resposta dos alunos, propicia-lhes a oportunidade de eles

próprios irem construindo seu contexto, fazendo com que pensem sobre o

que sabem. A professora não dá informações, só faz perguntas. Ela vai

traçando o fio condutor do tema que será desenvolvido e está preocupada

em colocar em destaque o conhecimento dos alunos. Para ísso, ativa o

conhecimento prévio mais geral dos alunos.

11 -( ... ) P! - ahl e onde vocês estudaram isso? A4 -em ciências e geografia/ P1 - qué que você estudou em geografia sobre isso/ NCL? A4 - a terra e o universo/ a teoria do big beng/ ( .. .) · P1 -que teoria é essa? pera aí/ A4 - é uma das principais teorias// AS - da origem do universo/( .. .) P1 - pois é! mas o que ela fala? eu num sei nada de geografia nem de ciéncias! A5 - ela fala que/ no começo I o universo era uma bola/ A4 - que explodiu/ e os pedaços deram origem (ININT) é a teoria do big beng/ ( ... )

Nesse segundo exemplo, a professora continua a estender o fio

condutor, adotando a mesma postura, ou seja, se colocando como se nada

soubesse a respeito do que perguntava para dar espaço à manifestação do

pensamento dos alunos. Valendo-se da ativação do conhecimento prévio

sobre o assunto em foco faz, então, uma pergunta explícita a fim de que

112

expliquem como obtiveram a informação; ~ande vocês estudaram isso?~. Ao

identificarem a matéria que lhes trouxe a informação, os alunos começam a

participar da interação com mais segurança. Nos exemplos podemos notar

a intenção da professora em realçar o conhecimento já adquirido pelos

alunos.

Esses, sem exceção, participaram ativamente da conversa que

girou em torno do sol e do sistema solar. A habilidade da professora

conduziu-os a relacionar o tema da aula com o mesmo tema tratado em

outras aulas e fez com que dessem alguma informação sobre o que já

sabiam sobre o assunto. Na interação, ficou já estabelecida e explicito o

reconhecimento da intertextualidade, como se verifica na fala de A4 e de A5.

A aula teve seqüência dentro de padrões previsíveis: após a

interação, foi feita uma leitura silenciosa do texto com os alunos

distribuídos em grupos de três. Cada grupo deveria fazer uma pergunta oral

para que outro grupo respondesse, também, oralmente. Nessa atividade,

apesar dos esforços e da interação em que os alunos conseguiram

estabelecer a intertextualidade, nas perguntas que formularam ainda se

pode notar uma atitude previsível, pois se prenderam ao conteúdo. As

perguntas foram as seguintes:

-"Quais e quantos são os planetas do sistema solar?"

~"Qual é o maior e o menor planeta do sistema solar''.

-"Qual é a organização do sistema solar?"

A professora continuou com a proposta de fazer com que os

alunos percebessem a relação entre textos diversos. Para tanto, propôs a

leitura de três textos complementares (um para cada grupo): "Eclipse solar",

"Explorando Marte" e "Explorando Vênus", do mesmo capítulo do livro de

Ciências. Cada grupo deveria tirar a in!ormação que achasse mais

importante e escrevê-la no caderno. A agitação surgida no inicio da

atividade foi sendo substituída, no momento da leitura, por silêncio e

113

concentração, o que não era de costume, fato esse que nos surpreendeu.

De acordo com a nossa visão, o comportamento dos alunos começava a nos

revelar uma atitude reflexiva, pois liam com um objetivo, isto é, tinham que

prestar atenção numa determinada passagem mais significativa ou deveriam

perceber detalhes do texto.

Devemos acrescentar que cada aluno fez questão de extrair,

copiar e ler a informação individual selecionada, apesar de o trabalho ter

sido proposto para o grupo. Observamos que os alunos percorreram todo o

texto, não se detiveram somente em sua parte inicial, conforme um dos

procedimentos adotados pela classe, fato esse já destacado anteriormente.

O saber escolar quanto à leitura dava seus primeiros passos em outra

direção: a do envolvimento cognitivo do leitor ..

O fato de os alunos lerem todo o texto para extrair uma

determinada informação nos leva a crer que a interação leitor X texto é

influenciada por sistemas de valores idiossincráticas que se refletem em

variáveis de escolhas ou preferências, país a realização da tarefa nos

mostrou soluções diferenciadas. Ao destacar suas escolhas, os alunos,

mostraram um maior aproveitamento dos conteúdos. Já começam a

aparecer como leitores que têm suas opções. Eles vão captando mais

informações, trazendo à tona conhecimentos que lhes são relevantes.

A título de ilustração, selecionamos apenas uma passagem de

cada grupo. O primeiro exemplo das resoluções foi escritO, mas a aluna o

disse oralmente:

1-"os eclípse do sol são raro/ não podem ocorrer mais do que quatro vezes por ano".

O exemplo da passagem selecionada no segundo texto foi lído:

11 -"a Nasa pretende lançar mais uma sonda para o planeta nessa segunda// trata-se da (ININT) que será enviada por um óníbus espaciaV a (ININT) deverá ser lançada em abril de 19891 para mapear a superfícíe do planellJ/''

114

lido:

O exemplo da passagem destacada no terceiro texto, também foi

111 ~ ucomo modem os Sherlock Holmes/ os geólogos do espaço procuram no relevo acidentado de agora I as pistas daquilo que Marte foi no passado/ um planeta um pouco mais quente e úmido// com atmosfera mais densa I naquela época/ a água estaria cobrindo quinze por cento da superfície do planeta/ que talvez fonnasse um grande oceano/ além de lagos e rios/ e onde havia água/ especulam os cienüstasl pode ter existido vida!"

Para reforçar o aspecto da intertextualidade, foi proposta a leitura

do texto "Um show planetário" (Revista VEJA) com o objetivo de mostrar que

o assunto do texto de Ciências do livro didático era também motivo de

reportagem em revista. Mas, a leitura deveria ser apenas do trecho que

falava sobre o eclipse solar, um dos itens abordados pelos dois textos, a fim

de que os alunos pudessem relacioná-los. A leitura da reportagem inteira

ficaria livre. O interesse em ler o texto todo foi manifestado pela maioria dos

alunos que o levaram para casa . O procedimento de deixar a decisão de ler

ou não para os alunos, parece provocar ~lhes uma reação bastante positiva,

ao contrário do que se verifica no contexto escolar que impõe a leitura de um

determinado texto sem objetivos bem definidos para a mesma. O objetivo

para a leitura do texto publicado na revista, já foi referido, porém a liberdade

dada ao aluno estimulou outros objetivos, que não nos foi possível precisar,

mas que, certamente, surgiram. Talvez eles possam se traduzir em interesse

pessoal de saber mais sobre o assunto. Outro ponto a destacar é que a

liberdade, suscitando pelo menos a curiosidade, resultou em mais leitura.

Em outra aula, o trabalho de leitura teve como suporte um texto

do livro de Geografia, versando sobre condições climáticas. A professora

orientou os alunos para que o lessem silenciosamente, sem perguntar nada,

nem mesmo sobre vocabulário. Era para ler e tentar entender o texto. Cada

um deveria , depois, explicar oralmente um item. Eles leram conforme a

115

orientação, mas as perguntas foram inevitáveis, inclusive algumas não

relacionadas ao texto.

Insistindo ainda na possibilidade de leitura intertextual, porém

~gora voltada para a questão da temática desdobrada ou comportando

outros temas, a professora pediu aos alunos que trouxessem textos que

falassem sobre problemas climáticos, problemas ecológicos ligados á

atmosfera, no que foi atendida.

O primeiro dos textos a ser examinado foi uma ilustração das

camadas atmosféricas. O texto seguinte foi "As sete pragas", da Revista

GLOBO ECOLOGIA. O aluno que o trouxe disse não tê-lo entendido. A

professora fez uma série de perguntas, levando-o a refletir sobre o que seria

"praga" e o que seriam "as sete pragas" de que o texto falava. Houve

bastante participação desse e dos demais alunos na tentativa de

encontrarem uma explicação, até chegarem juntos à conclusão que as "sete

pragas" são danos causados pelo homem ao meio ambiente. Resolvida essa

questão, encontraram no texto o porquê do título e a relação das sete

pragas apontadas (a ruptura na camada de ozônio, a desertificação, a chuva

ácida, o efeito estufa, os acidentes nucleares, a extinção de espécies e o

lixo). Mediados pela professora, citaram acidentes nucleares que não

estavam citados no texto.

P2 - os acidentes nucleares/ quem se lembra de um acidente nuclear? A 1 - ChemobyV A2 - ChemobyV P2 - ChemobyV e um outro que deu bem perto aqui de nós/ numa cidade próxima daqui! da gente? A3- Cubatao? P1- naoJ A2- Araguaia? P2 - nlio/ há dois anos atrás! três anos! A4 - São Paulo/ P1- nlio/ A3 - Goiânia/lá em Go#1nial P1- é o césio 1571 AS- ahl aquele negócio que cega todo mundo! quem tava eerto /á ficou contaminado/ P2- isso/ A2 - quem nascia lá/ ficava com problema

116

Os alunos conseguiram relacionar um dos trechos do texto com

seu conhecimento de mundo, surgindo também questões associadas à

EC0-92, principalmente ao tratado da biodiversidade e à posição do

presidente dos Estados Unidos sobre esse assunto.

Um dos resultados que temos a destacar é a participação dos

alunos sentida bem mais produtiva acompanhada de sua conseqüência:

leituras em cadeia. Podemos citar como exemplo o fato de os alunos

começarem , a partir desta aula a procurar a biblioteca da escola e outras

leituras fora da sala de aula, fato esse não observado anteriormente,

conforme relato em entrevista da professora de Geografia(!) e do professor

de Ciências (11), no final do ano. Note-se pelo primeiro depoimento que

ocorre uma transformação na atitude da professora, emprestando livros, se

envolvendo com o leitor e não apenas com a sua matéria

(Q " ... eu estava trabalhando atmoofera! problema de poluição/ camada de ozônio/ né ?I efeito estufa! e ele comprou um gíbizínho do Tio Patinhas/ numa das historinhas foi abordado isso/ a poluição no meio ambiente/ então/ eu ainda comentei com ele/ olhai PDRI num tem só esse livro/ tem esse livro dentro da geografia/ que são assim interessantíssimos e que você pode ler/ ele disse/ ah/ professora! tem ? eu falei tem! inclusive eu dei um lívrinho pra ele/ um livrinho de bolso! sobre a devastação da Amazônia/ né ?I ( .. .)ele dísse que já tinha lido sobre isso na aula de português/ numa das historinhas foi abordado íssol a poluição no meio ambiente/ ele disse que já tinha lido sobre isso na aula de português! é do/ da/ foi na aula de vocãsl né?l então ele ficó assim tão motivado com o conteúdo! que no próprio cotidiano dele/ ele ach6 alguma coisa muito próxima! sabe ?I então isso despertou interesse que ele trouxe um livro pra mim ler! sabe ?I entaol eu ainda comentei com ele! olha/ POR/ num tem só esse livro/( .. ) e a semana passada ele me trouxe o livro/ e falou que comprôl que tava lendo e que estava gostando muito! sabe ?I então eu acho que o/ e/ o próprio! o próprio professor/ ele criar! ele motivar o aluno! aíssolsabe ?/apartirdomomentoque vocá é motivado/ aí eu acho que vocé crescei em termos de conhecimento/ né ?I e/ eu acho assim/ a pessoa que lê/ ela tem muito mais facilídadel né ?I de entendê/ o todo/ de se expressá/ né ?I(. .. )

117

(11) E - os seus alunos tiveram alguma mudança/ em relação à leitura! ao comportamento frente à leitura ? P - eu acredito que se a gente considerar que eles não gostam de lê/ uma leitura de .uma maneira/ mais ampla (ININT)! leitura do texto/ mas esse texto tem a vê com uma série de coisas que acontecem no dia a dia/ quer dizer considerando então a gente percebe que/ há uma mudança/ quer dizer/ o texto chama mais atenção e liga o individuo a uma série de fatos que antes num/ não ligava/ se você falá por exemplo de ozônio/ o cara começa a lembrá! ahl o Globo Rural falá disso/ o Globo Cência falá daquilo/ o jornal faló isso/ falou aquilo/ quer dizer é uma coisa que! antes! não havia essa relação/ esse rolacionamento do texto em si com o dia-a-dia! quer dizer/ eu acho que esse trabalho foi positivo nesse aspecto! certo?

Ao focalizar o aspecto da intertextualidade no desenvolvimento de

nossa pesquisa já pudemos perceber a antecipação de alguns resultados

animadores que responderam, em parte, a uma de nossas expectativas que

era a de fazer com que os alunos ao se interessarem pela leitura, pudessem

sentir a sua utilidade na escola e na vida diária. A percepção de funções

para a leitura foi expressa por uma aluna que observou:

- "você tá preparando a terra pra tia de Geografia plantá!

Nessa observação, pudemos notar que, implicitamente, a aluna

percebera que a leitura serviria de subsídio para urna outra situação de aula,

em que a leitura seria necessária, que a leitura não era uma atividade

circunscrita à aula de Português, ou seja, descobrira uma função para a

leítura. Assim se expressou a aluna:

- "quando a professora de Geografia der essa matéria/ eu já sei/ vai ffcar fácil fazê prova/"

Uma decorrência do trabalho com a intertextualidade foi a de que

a partir dos textos escolares os alunos buscaram outros textos. A leitura

aprisionada na escola se estendeu, saiu de seus limites, o que lhes permitiu

118

construírem funções para a leitura. Por conseguinte, os alunos começaram

a ter um interesse gradativamente maior pela leitura, ao perceberem o

relacionamento existente entre diversos textos que aumentaram seus

conhecimentos sobre determinados conteúdos. Víamos serem substituídos

os nossos "leituristas" observados no início da pesquisa por leitores em seus

primeiros passos.

5.2.1.2.Predições sobre o texto.

Passamos a enfocar nesta parte de nossa pesquisa as predições

sobre o texto ou o levantamento de hipóteses. Essa atividade teve como

suporte a ativação do conhecimento prévio dos alunos a partir da interação,

objetivando o desenvolvimento das representações mentais. Selecionamos

como exemplo o trabalho desenvolvido com o texto " Caparaó tem altas

paisagens e montanhas". A professora começou a abordagem do texto pelos

índices enunciativos , a fim de que os alunos encontrassem pistas sobre o

assunto, conforme o desenvolvimento que se segue:

P1 -qual a seção? (. . .) P1 -qual a seção? A 1 - turismo/ A2 - turismo! P1 - turismo/ então se tem esse título inteiro aí/ turismo/ vai falar sobre/ A 1 - turismo! A2 - sobre turismo/( .. .) P1 - turismo/ mais especificamente sobre/! ( .. )

Essa conversa introdutória faz com que o leitor ao localizar o

texto já comece a contextualizá-lo. Cremos que alguma representação

mental se forma e direciona as expectativas do leitor em relação ao texto.

Continuando, a professora aborda a organização do texto e o tema que

será desenvolvido.

119

(.) A 1 - Caparaól P2 • agora/ tem um título afl que que vocês imaginam que ele vai falá? A 1 - sobre a paisagem da Caparaó/ P2- psiu/fala outra vez/ele vai falá sobre o quê? A2 - Caparaól abriga o pico da montanha/ o Pico da Bandeira/ P2 - Pico da Bandeira/ você sabia que o Pico da Bandeira ficava lá? A2-eu? P2-é! A2-nãol P2 -o que que o titulo original/ o título principal sugere?! como é que tá escrito ai? A 1 - Caparaó/ Minas GeraiS/ paisagens e montanhas(.,.)

A atitude da professora na interação é sempre a de dar

oportunidade ao aluno de busca e descoberta. Nesse sentido, o aluno vai

ampliando a contextualização a partir do direcionamento da conversa que

vai se tomando mais específica.

(. . .) P2 - então/ paisagens e montanhas! então agora eu quero perguntar o seguínte/ o que que esse titulo sugere? o que que vocês imaginam que ele vai falar? A3 - ahl que tem turismo lá em Caparaó/ P2- heín? A3 ~ que tem turismo fá em Caparaól P2 ~mas! por quê? A3 ~ pra conhecer a paisagem do Caparaóll P2 ~ e como serão essas paisagens? A2 - montanhosas? (,..) P2 - agora/ se é um lugar turfstico/ você acha que tem condição de chegar até lá? A4 -tem! P2 - temi e af o autor/ será que ele vai falá sobre o quê então? A 1 ~ sobre como chegar lá/ A4 ~ sobre as belezas (. . .)

Nesse terceiro momento, a professora dlreciona as perguntas a

fim de que os alunos tivessem oportunidade de perceber os subtemas

originados do tema geral.

As hipóteses levantadas foram confirmadas. O objetivo desse

procedimento conforme as palavras de Kleiman (op. cit.: 1993), "é a

120

elaboração de uma espécie de mapa textual, ( ... )o que facifffaria a entrada

no texto". (p. 59) O levantamento de hipóteses possibilita a interação em

vários níveis e o texto passa a ser um objeto mais conhecido, porém ainda

com desafios de compreensão a serem transpostos, de acordo com o que

comentaremos em outra parte.

Os procedimentos que adotamos para o desenvolvimento da

leitura nos autoriza a considerar três tipos de interação, em consonância

com os critérios da estratégia visados: leitor X texto; leitor X autor, leitor X

leítOL

Na interação leitor X texto, o leitor toma conhecimento do assunto

veiculado pelo texto, se torna seu interlocutor e, de maneira virtual, penetra

no texto para dele fazer parte. O leitor se insere no contexto com que se

defronta. Comparando-se essa interação com a interação face-a-face, é

como se o leitor fizesse parte da conversa, porém numa relação dialógica

manifestada apenas em sua percepção. O leitor passa a conhecer o mundo

criado pelo texto e a fazer parte dele.

Na interação leitor X autor, locutor e interlocutor se encontram e

partilham seus esquemas com suas crenças, seus saberes, suas idéias,

enfim, seu conhecimento armazenado. Isso permite ao leitor compartilhar e

assimilar, naquele momento, o modo pragmático da linguagem utilizado pelo

autor. Se os fatores apontados, pertencentes a dois ou mais conjuntos de

conhecimentos, simultaneamente se transformam em conjunto partilhado,

podemos dizer que ~ conseqüentemente, houve um cruzamento e o ponto de

intersecão pode se traduzir em compreensão.

Consideramos o terceiro tipo de interação -leitor X leitor- como

intermediária e que vai ocorrer em situação de sala de aula. Este tipo de

interação ocorre entre alunos envolvidos com a leitura. No levantamento de

hipóteses e ativação do conhecimento prévio, a interação que vai se

processando simula a interação face-a-face, em que está presente a relação

dialógica, porém com uma dinâmica diferenciada, pois o contexto em que

ocorre propicia a solução de problemas ligados à compreensão e à

formulação de novos conceitos. Poderíamos caracterizá-la como semântico-

121

pragmática por dirigir-se ao(s) sentido(s) emergente(s) e ao uso da língua

em situação específica.

5.2.1.3.Compreensão de detalhes por meio de inferências

Um outro ponto a destacar nesse nosso trabalho são as

inferências que também podem ser insinuadas ou estimuladas como

estratégias reflexivas, tendo em vista a compreensão do texto.

No trabalho com o texto de Geografia já citado, a professora

orientou os alunos para que o lessem silenciosamente, sem nada

perguntarem, nem mesmo sobre o vocabulário. Eles leram conforme a

orientação, mas as perguntas foram inevitáveis, inclusive algumas não

relacionadas ao texto. Logo de inicio um dos alunos disse alto:

"- "íanosfera/1 desculpa/

Dois outros alunos perguntaram:

- "tíal a a gente pode te perguntá as resposta/ e ·se não soubél pode procvr{J no livro? - "que que é dinâmico/f/ DINAMICO?

A orientação da professora foi para continuarem lendo, depois

fazerem uma segunda leitura , marcando a parte mais difícil de ser

entendida. A seguir, deveriam formar duplas para discutirem o texto,

conversarem sobre ele e tentarem resolver o trecho que não foi

compreendido. Mas isso deveria ser feito sem consultarem o livro. Com

algunía dificuldade, a orientação foi seguida. Logo, logo, surgiram as

primeiras dificuldades:

122

A 1 - estrastofera/ A2 - é a estratosfera/ A3 - lroposferal P1 -e vocél entendeu/ POR PLO?" A4- eu/ fessora? P1- é/ A4 - ahl eu entendV por causa que é onde acorre as chuvas/ geadas/ e um monte de outras coisa assim/ as principais que o homem precisa/ e e e é lá/ onde que tem oitenta por cento de gases/ que o homem precisa pra sobreviver/

Inicialmente, com insegurança e depois mais seguros,

continuaram a fazer perguntas e as respostas foram surgindo, algumas

vezes com a mediação da professora, outras vezes nas tentativas que os

próprios alunos faziam no sentido de resolverem as dificuldades.

Pressupomos que a elucidação de alguns pontos obscuros do

texto para o leitor (vocabulário, parágrafos, trechos) por um dos alunos ou

pelo professor, funcionando aí como mediadores, 18 subsidiam a

compreensão do texto. O vocabulário desconhecido não pode ser previsto,

pois dependerá da carga de conhecimentos que o leitor tem a respeito do

assunto veiculado pelo texto que, também, é imprevisível.

Em relação a este nosso ponto de vista, poderíamos acrescentar

um outro exemplo, citando o que ocorreu em relação ao texto: ucaparaó tem

altas paisagens e montanhas" em que apareceu a palavra 'Tranqueira"

como denominação de um locaL

"A partir da Tronqueira, ou o visitante faz o percurso a pé ou aluga um cavalo ou burro. Dois quilômetros de trilha e já se pode avistar pela primeira vez o pico da Bandeira"

A palavra chamou a atenção dos alunos e quiseram saber o que

significava, o que era. A dúvida era de todos. Eles perceberam que se

tratava de um objeto e, mesmo estando a palavra escríta com letra

1SV. a concepção de ZDP, segundo Vygotsky, já mencionada neste trabalho.

123

maiúscula, não a associaram com o nome de um determinado lugar.

Depois de resolvida a questão do nome próprio, insistiram em saber o que

era tranqueira. Só após solucionado esse problema é que prosseguiram

com a leitura e levantaram outros problemas de vocabulário. A nossa

percepção é de que o desconhecimento da palavra, logo no início da

leitura, já constituía um impedimento para a compreensão tanto do

parágrafo, quanto da totalidade do texto. Para atender as suas

necessidades naquele momento, os alunos auto-determinam seus

objetivos de leitura, fazem uma auto-monitoração de suas dúvidas, ou seja,

refletem sobre a sua dificuldade de leitura. Eles fazem perguntas em cima

de perguntas até saberem exatamente o que é tranqueira. Eles começam a

dar sinais de independência para atingirem. a compreensão do texto.

Reforçamos, ainda, a idéia de que o texto oral produzido em tais

situações pode se transformar numa mensagem recriada na escrita, ou seja,

no texto para onde o aluno se voltará momentos depois a fim de dar

prosseguimento à sua leitura. Além do mais, nesse tipo de interação, um ou

mais alunos terão uma resposta substancial que integrará ou que formará

novas informações. É um momento de soma e de síntese. É o intercâmbio

social que a leitura proporciona e de que faz parte.

Do nosso ponto de vista, consideramos que a interação leitor X

leitor, a que nos referimos precede e subsidia as demais. Em outras

palavras, este tipo de interação advinda da formulação dê hipóteses e da

ativação do conhecimento prévio, abre caminho para a interação texto X

leitor e leitor X autor por meio da palavra do aluno que se faz presente e

cresce em importância tanto para o processo pedagógico, quanto para o

processo social e o cognitivo. No primeiro processo, o aluno se torna o ser

ativo tão pretendido pela Educação, através da verbalização, em que ele

pode expressar sua experiência vivencial e manifestar até mesmo sua

sensibilidade e suas emoções. Enfim, ele participa verdadeiramente da

atividade. No segundo abre-se um espaço para a socialização dos

conhecimentos. No terceiro há um contexto propício para o seu

desenvolvimento e aprendizagem, pois como afirma Vygotsky (op. cit. 1993)

a fala organiza o pensamento verbal. O autor diz mais: " ... o desenvolvimento

124

do pensamento é determinado pela linguagem, isto é, pelos instrumentos

linguísticos do pensamento e pela experiência sócio-cultural da criança."

(p.44)

Por outro lado, é na interação que o leitor chega às

representações mentais ou, de acordo com Van Dijk (op. cit::1992) a

modelos de situação. Sabemos que esses modelos muitas vezes não estão

disponíveis na memória ou mesmo nem formados, devido, entre outros

fatores, à variedade e à imprevisibilidade de informações prévias retidas na

memória do leitor, ao ambiente cultural que o circunda, ao desenvolvimento

cognitivo que ele detém. Na interação, o leitor pode criar modelos de

situação desconhecidos e aos quais não teve acesso até então.

O texto mencionado acima serve bem para ilustrar a questão da

representação mentaL Sabemos que Minas Gerais é um estado entrecortado

de montanhas. A topografia de Minas se compõe de morros, serras e

montanhas. No próprio texto temos:

"A visão se perde num horizonte onde (.Jm "mar de montanhas"- tão tiplco de Minas Gerais - se mistura com as nuvens."

Mas, Uberlândia não apresenta essa característica topográfica,

apesar de ser uma cidade mineira. Nem Uberlândia, nem a maioria das

cidades do Triângulo Mineiro.

O texto, apesar de nos parecer bem simples, suscitou muitos

questionamentos. Ficou bem claro que os alunos não tinham um modelo de

situação para sustentar a compreensão do texto, pois o tipo de paisagem

apresentada não era do seu conhecimento. Durante a interação,

provavelmente, os alunos puderam construir o modelo de que necessitavam.

Focalizando, ainda, a questão da inferência lexical queremos

mencionar outro tipo de atividade desenvolvida. No decorrer da pesquisa,

procuramos substituir uma prática com que os alunos estavam acostumados:

o uso abusivo do dicionário, pois observamos que, muitas vezes, os

conceitos dos verbetes desconhecidos, tornam o leitor mais confuso . Não

125

raramente, a conceituação é complexa, não muito esclarecedora, e o leitor,

que já tem a dificuldade de compreender o texto, em vez de solucionar um

problema, ele arranja mais um. Com dois problemas, não consegue

compreender o sentido da palavra desconhecída

A prática substitutiva foi a seguinte: a fim de evitar o uso do

dicionário de maneira rotineira, os alunos marcavam na primeira leitura

silenciosa do texto as palavras que constituíam dificuldade. A seguir, eram

orientados e monitorados para procurarem o sentido da palavra no próprio

texto. As palavras não resolvidas eram levadas ao quadro-de-giz para

receberem a explicação de colegas que porventura as conheciam.

Para ilustrar esse procedimento, podemos citar as palavras

destacadas pelos alunos como desconhecidas do texto "Caparaó tem altas

paisagens e montanhas~:, íngreme, retorcidas, despendido, compensado,

líqüens, musgo, Terreirão, diminutas. Na interação, os alunos conseguiram

explicar o que significavam, através de deduções e associações. Por

exemplo, para "íngreme" o racíocínio foi o seguinte:

"se o Pico da Bandeira é alto, então o caminho para chegar lá é assím,

em pé."

Restaram poucas palavras sem solução, praticamente palavras

técnicas e as muito pouco usuais. Dentre as palavras acima citadas

restaram: líqüens e musgo que foram consultadas no dicionário.

Na mesma atividade com o texto HPuberdade: já não sou mais

criança", o significado das palavras selecionadas como desconhecidas foi

encontrado no próprio texto, pois se tratavam de palavras específicas que

eram esclarecidas no decorrer da leitura. Eram palavras estreitamente

relacionadas ao assunto e algumas já conhecidas de alguns alunos. Era só

prestar atenção no texto que se tinha a explicação, conforme observou um

aluno, lendo uma das partes do texto em relação a uma das palavras

listadas: ~testosterona".

126

"No menino, eles agem sobre os testículos, onde estimulam a

produção de um honnónio próprio do sexo masculino - a

testosterona".

A prática de fazer o levantamento de palavras desconhecidas, os

alunos a transferiram para leituras de outras matérias, conforme observação

feita pelos professores, o que evidencia que eles estavam já se

acostumando com o monitoramento lexical ao utilizarem a estratégia, que

em princípio foi sendo modelada.

No nosso entender, esse fato teve dois significados: o primeiro é

que foi apreendida a estratégia e o segundo é que a transferência para

outras leituras, dava sinais mais uma vez de que os alunos iam se tomando

mais reflexivos e independentes em relação à leitura. Por conseguinte,

cabe-nos acrescentar que o desenvolvimento das estratégias conscientes se

ampliava a cada leitura na perspectiva cognitiva. Era um processo que já

mostrava seus reflexos e suas conseqüências para a compreensão de textos

escritos.

Depois de resolvida a questão do vocabulário desconhecido,

passávamos para detalhes do texto não compreendidos. Os alunos

selecionavam passagens que julgavam mais difíceis de serem entendidas.

Faziam nova leitura silenciosa e levantavam os problemas que, também,

eram resolvidos na interação. No início da pesquisa, o número dessas

passagens era bem grande, depois foram se tomando menores. No dizer de

Kleiman (op. cit.: 1993): "Uma concepção clara do processo cognitivo (. . .)

permfte reproduzir em saia de aula, mediante tarefas que imitam o

comportamento de feitor proficiente, aquelas estratégias que caracterizam o

comportamento reflexivo, de nlvef consciente do leitor". (p.61 ).

Ressaltamos, ainda, que o procedimento citado é um passo a

mais em direção às estratégias conscientes. Trata-se de um suporte

temporário, mas que pela própria dinâmica e característica cognitiva,

propícia condições para que o leitor desenvolva as estratégias necessárias a

um bom desempenho na leitura pessoal. Esse fato foi notado em relação a

todos os alunos e mais precisamente em relação a dois deles (os que

127

apresentavam maiores problemas relativos à leitura) que foram se

engajando nas atividades num visível crescendo. A recusa em falar, em ler

em voz alta, a inibição gerada pelo receio de serem ridicularizados pelos

colegas foi, aos poucos, dando lugar à participação e à confiança em si

mesmos. No final do semestre, eles queriam mostrar que não tinham

dificuldades em discutir os assuntos veiculados pelos textos, nem vergonha

de falarem ou lerem. Mostraram que estavam superando as dificuldades em

leitura, tanto na aula de Português quanto nas provas do terceiro e quarto

bimestres, de acordo com a avaliação de seus professores das diversas

matérias.

Em meio às aulas planejadas dentro da pesquisa, sugerimos à

professora que desse uma aula "normal", a pa,rtir do livro didático adotado. A

interação estabelecida foi breve. Ela pediu que os alunos dessem o nome

de profissões. Falou, a seguir, lígeiramente, sobre a derivação de palavras,

aproveitando os sufxos que surgiram como em: dentista, policial, fazendeiro,

bombeiro e outras. Chamou a atenção dos alunos para os sufixos

formadores dessas palavras. Ao anunciar o texto que seria lido "Meninos

carvoeiros", os alunos formularam imediatamente duas hipóteses: aque

vende carvão" e "que trabalha com carvão". Mesmo sem a mediação da

professora surgiram alguns "causas~ associados a carvão, o que demonstra

que eles já haviam assimilado o tipo de procedimento prévio adotado para a

leitura, ou seja, eles mesmos estabeleceram a interação. A leitura silenciosa

que se seguiu foi rápida, talvez por ser o texto bem curto. Fizeram o

levantamento de palavras desconhecidas. Um dos alunos observou que pelo

texto dava para perceber o significado de uma das palavras ~aniagem" que

foi escrita no quadro-de-giz. Esse procedimento, parece ter-se tomado um

recurso consciente auxiliar para a compreensão de textos, apesar de a

prática da consulta ao dicionário não ter sido abandonada Entretanto pelas

palavras dos alunos RFL e POR, (exemplos I e 11) na entrevista final,

percebe-se que eles recorrem também ao texto para resolver algumas

dificuldades;

128

I - A - que também! por exemplo! a gente lia/ aí perguntava qual é a passagem do texto que a gente não entendia/ as palavras que a gente não conhecia/ E- ah/ isso aí cê aprendeu a fazê? cê hoje/ você presta atenção nisso I quando uma palavra você num sabe/ o que que você faz? A - é/ eu escrevo ela no caderno/ se é muito dificiV só depois vou olhá no dicionário/ E- mas/ e no texto/ cê aprendeu a olhá também! A - no texto também/ é por exemplo/ dependendo da palavra/ né? você lendo assim a frase/ né? dá pra você entendél

11 - E - e/ e esse vocabulário? é/ antes vocês tinham o hábito de olhar/ ir direto no dicionário/ né? A -é/ E- mas e agora/ que que vocé descobriu? A - agora/ a gente pega as palavras/ tenta entendê o significado pelo texto mesmo/ ou vé os outros colegas/ se tem o significado/ se nem desses dois tiverem a gente olha no dicionário/

Para nós ficou bem nítido o uso de estratégias

independentemente do texto, demonstrado pela atitude dos alunos em outro

momento desta mesma aula. Eles levantaram hipóteses a partir de sua

experiência vivencial, quando a professora leu uma pequena biografia de

Manuel Bandeira, complementando-a com um comentário sobre a

tuberculose que o poeta contraiu aos 19 anos. Quando se referiu à doença,

os alunos logo hipotetizaram que se tratava da AIDS. Embora a hipótese dos

alunos não tenha sido confirmada, vemos nesse momento um aspecto

cognitivo de relevância, uma vez que devido aos seus conhecimentos

prévios eles provavelmente associaram a doença na juventude com a

doença atualmente tão propagada. Houve um momento de síntese, de

recriação da leitura que estava sendo feita pela professora, de acordo com a

ótica do interlocutor ou com seus esquemas.

Na continuidade da aula, de acordo com as orientações do livro

didático, foram abordados os seguintes itens pela professora: identificação

da obra de onde foi retírada a poesia, tipo de texto quanto à estrutura

129

textual, tipo de narrador, personagens, forma de apresentação do texto,

algumas características da poesia moderna. A atitude dos alunos foi de

desinteresse pela atividade. Parece-nos que a receptividade não foi

favorável, pois eles tinham que apenas ouvir. Fica claro que já haviam se

acostumado a participar do processo da leitura e naquele momento, a

participação deles foi negligenciada. Mas, de uma certa maneira, impuseram

a sua presença quando a professora leu o texto com expressividade.

Um aluno, durante a leitura, fez associação de uma das estrofes

(refrão):

"eh, caNoero-" com "Quem quer gás"

Apesar de a aula ter seguido o rumo normal ou o padrão escolar

de leitura, algumas estratégias se fizeram notar como hipóteses, inferências

- de duas ordens: lexical e morfo-semêntica - , recurso ao conhecimento de

mundo. Provavelmente, o novo contexto da leitura, foi propiciado pelo

desenvolvimento de estratégias conscientes que foram sendo assimiladas e

mobílizadas. Há de se considerar que, uma vez apreendidas, os alunos

fazem uso das estratégias em outras situações, até menos favoráveis. Há

uma nítida transposição de um tipo de aprendizagem que se ajusta

adequadamente no momento necessário.

Uma outra mudança se fez notar. Isso ocorreu na leitura da

poesia ~o leilão da lata de lixo~, pois a acharam muito engraçada. Todos os

alunos, espontaneamente, quiseram lê-la em voz alta e se mostraram

criativos: uma aluna que no início da pesquisa tinha vergonha de ler por

causa de suas deficiências o fez expressivamente; um outro leu imitando a

voz e os gestos de Gil Gomes ( um repórter de casos policíais de um canal

de TV ) ; outro leu imitando o Cascão; outro leu imitando o Geléia; os

demais inventaram um modo próprio de ler. Um dos alunos, o mais

problemático de todos, fez a leitura com voz cavernosa e no lugar do último

verso ueu sou o cascão", leu "eu sou o capelinha".

130

Podemos dizer que a espontaneidade e a criatividade dos alunos

ao fazerem a leitura apontam para uma mudança na relação com o texto. A

leitura passou a ser significativa ou os alunos descobriram por eles próprios

a estética da linguagem manifestada no uso das rimas e no aproveitamento

dos elementos selecionados em meio ao mundo infantil, feita com graça e

leveza. Tiveram a oportunidade de apreciar a poesia e de construir de

maneira particular a sua própria leitura.

Não resta dúvida, pelo exposto, que os nossos leitores­

aprendizes já tinham assimilado estratégias de leitura e as tornaram

explícitas pelo comportamento verificado. Parece-nos que as estratégias

serviram-lhes de apoio para a compreensão de textos, tomando-os mais

seguros nas atividades. Essas, por sua vez, fizeram com que a vontade de

ler em voz alta se manifestasse.

Cabe-nos ressaltar que foram perceptíveis as transformações do

comportamento dos alunos em relação à leitura. Se, por um lado teve a

influência de fatores cognitivos e sociais, não nos escapa a relevância de

aspectos afetivos envolvidos em todo o processo que presenciamos. Servem

de exemplo as palavras de GLM na entrevista final:

E - por que que você aprendeu? porque a leitura é uma aprendizagem não é? então de repente você faz a leitura de um jeito e segundo você falou/ cé aprendeu coisas novas! aprendeu conforme você disse a perguntar né? ao texto etc! por que que ocê acha que você aprendeu isso? A • achei/ porque achei o texto interessante/ fícava mais entusiasmado/ com vontade de lê pra sabê coisas novas! num sei/ quer dizê/ eu acho/

Torna-se pertinente dizer que o envolvimento cognitivo vai se

construindo na interação e que a interação não ocorre apenas em situação

de sala de aula. A sala de aula é um dos espaços em que ela pode ocorrer,

se forem criadas condições propícias para tal. Na sala de aula reproduzem­

se as inter~relações pessoais que ocorrem incessantemente nos contextos

sociais. Essas inter-relações são marcadas por manifestações afetivas. É a

relação entre intelecto e afeto que Vygotsky menciona, quando destaca a as

131

relações entre funções ou entre a consciência como um todo e suas partes"

(op. cit.:1993, p.6). O autor postula a existência de um sistema dinêmico de

significados em que o afetivo e o intelectual se unem, mostrando que cada

idéia contém uma atitude afetiva transmudada com relação ao fragmento de

realidade ao qual se refere. Na visão do autor, o homem é um ser pensante.

E por ser assim, ele raciocina, deduz, abstrai, mas também sente, se

emociona, deseja, sensibiliza-se. A sua abordagem, nesse sentido é

abrangente, pois busca entender o sujeito como uma totalidade, observando

que no seu pensar existe uma trajetória de ída e volta, pois ela parte das

necessidades e impulsos de uma pessoa até a direção específica tomada

por seus pensamentos e faz o caminho inverso, a partir de seus

pensamentos até seu comportamento e sua atividade. Sígnífica então, de

acordo com a interpretação de Rego (1995: 122), que "são os desejos,

necessidades, emoções, motivações, interesses, impulsos e inclinações da

indivíduo que dão origem ao pensamento e este, por sua vez, exerce

influéncía sobre o aspecto afetivo-volitivo".

Considerando a questão do liame existente entre o intelecto e a

afetividade ressaltado por Vygotsky, nos é dado ressaltar que a afetividade

se manifesta como favorecedora do envolvimento desencadeado, tendo

origem no momento em que a leitura passa a ser uma resposta aos

interesses do leitor e, portanto, se torna significativa para ele.

5.2.1.4.Atribuição de intencionalidade ao texto

Merece ser destacada a ampliação do conhecimento textual dos

alunos e a percepçêo da intencional idade neles contida.

Observamos em outra parte deste trabalho a importância de a

leitura ser decorrência de objetivos. O professor pode e deve traçar objetivos

para a leitura de qualquer texto. Os objetivos cumprem o papel de

direcionador das atividades, por um lado e, por outro, proporcionam o

monitoramento consciente da leitura pelo leitor. A atividade deixa de Sér

132

inconseqüente e circular {a atividade encerrada em si mesma), passando a

ser obíeto de uma exploração em que se espera seía evidenciado algum

resultado. Vista desse modo, logicamente ela serve de pano de fundo para o

funcionamento cognitivo, tendo em vista algum aspecto mais relevante.

Entretanto, nos foi dado observar que um obíetivo pode comportar outros

nem sempre previstos. Ou pode apresentar o resultado pretendido acrescido

de outro.

Ao trabalharmos com dois textos explicitados a seguir: "Limpe a

sua casa cuidando da natureza", da Revista CORPO A CORPO e "Usinas de

reciclagem de lixo", da revista MANCHETE, a nossa intenção era enfocar

textos de propaganda, para que os alunos assim os identificassem. Ligada à

leitura está a maneira como focalizamos o texto para a condução do

processo dentro daquilo que nos interessa. O suporte para a atividade

pensada foi a interação estabelecida antes da leitura propriamente dita. A

professora direcionou a conversa para o aspecto selecionado: o

reconhecimento do texto de propaganda. Abordando os dois textos

distribuídos para uma primeira leitura, teve início a conversa:

P1 ~pronto? Que tipo de texto é esse MMN? (referindo-se ao primeiro texto)

A1 otexto? P1-é/ A1-é ... P1 ~aquilo que você faló? A 1 - a h! de fazê propaganda! P1 - ffpol ele é dali! A 1 - descritivo A2- ahltá fazendo isso aí só pra ganhá dínheiro/ ( ... ) P1 -que tipo de texto é esse/ CML?

(referindo-se ao segundo texto) A3- qual? P1 - esse outro aí/ A4 - é do lixo/ P1 -pois é! mas o tipo/ olha lá! que tipo de texto que é? A3 -propaganda!

Sempre com a mediação da professora, os alunos reconheceram que ambos os textos eram de propaganda, mas observaram alguma diferença, como veremos depois. A professora continua, procurando a contextualização ao colocar em destaque a localização e, por outro lado, quer que os alunos encontrem o porquê daquela propaganda.

133

P1 -de qual cidade? A3 - do Rio de Janeiro/ Pt -que maís CML? A3 - pra falá! é!! eles estão preocupados com a preservação do meio ambiente/ P1 - que mais? éll então gente/ ai a prefeitura tinha/// queria ganhar dinheiro? A3- não/ P1 -então/ propaganda é só pra ganhá dinheiro/ MMD? A5 -não/

A percepção de A2 não é aceita pela professora porque não preenche as suas expectativas em relação à mensagem que está explícita no texto relacionada á preocupação da prefeitura do Rio de Janeiro com os prejuízos ambientais. A3 e AS, no momento a seguir, sintetizam a propaganda que cada um dos textos veiculam

A3 - já seV aquele texto lá! o primeiro é pra vendê o produto/ os produtos da Opção Verde/ e esse aqui é pra falar que o Río é! é! uma cidade limpai que tem usinas de reciclagem de lixo/ A5 - é I pro carioca ficá mais preocupado com o lixo/ A2 - é pra ganhá dinheiro/

A2, entretanto não desiste da intencionalidade que atribui ao texto deduzida nas entrelinhas. A professora aceita e acaba por socializar a faladeA2.

P1 - MMNI se por acaso ele mostra que o Rio fá limpo! o que que vai acontecê? com o Rio? A4 ~ o Rio vaí ser mais visitado pelos turistas/ P1- hein? A4 - vai ser mais visitado pelos turistas/ P1 - ah/ bom/ e o turista/ o que que ele traz para uma cidade? A5- lixo/ A2 - DINHEIRO! P1 - dinheiro/ A2- então a propaganda É pra ganhá dinheiro .... ( ... )

Ficou evidenciado que os textos faziam propaganda de maneiras

diferentes como observado por A3, mas a fala de A2 demonstra, na sua

reiteração, que ele percebeu a intencionalidade do texto que é de uma forma

ou de outra a de obter lucros. O conhecimento da realidade ou o

conhecimento de mundo provocou a inferência, subsidiando um tipo de

134

compreensão que foi além do que os textos diziam, não prevista, porém

adequada.

Ao concluirmos nossa análise, fica-nos a segurança de que o

enfoque psicolingüístico deve ser levado em consideração, visto que

possibilita um tratamento diferenciado para o ensino da leitura. Os aspectos

cognitivos abordados foram restritos, mas sentimos que podem ser

expandidos e mais explorados num trabalho continuado na sala de aula.

Apesar das limitações da pesquisa, nos foi dado perceber alguns resultados

animadores em termos das relações estabelecidas entre o leitor e o texto,

transformando a leitura em uma atividade mais consciente e significativa.

135

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este trabalho não pretende ser conclusivo. Na verdade, o que

deixamos registrado é uma continuação de outras falas, de enfoques ou a

visão de uma das faces da leitura. É continuação e pode ser um princípio

que se abre para outras colocações, para outras investigações.

Como se trata de continuação, a concretude deste nosso trabalho

partiu de algumas reflexões antigas sobre os desafios que a leitura dos

alunos nos apresentavam desde os nossos antigos tempos de professora do

curso primário. Fizemos muitas coisas certas, pois pudemos verificar alguns

resultados positivos. Sem dúvida, ajudamos a formar bons leitores. Mas,

algumas vezes, sentimos que a leitura estava deslocada, mal conduzida,

pois com grande frustração colhemos resultados inesperados, negativos. A

nossa noção sobre leitura era puramente intuitiva, mas o nossa relação com

a leitura sempre foi marcada por um intenso envolvimento. A leitura nos

trouxe momentos prazerosos, tanto como leitura pessoal quanto conteúdo

de aula.

Com o passar dos anos, assistimos com desagrado a uma

decrescência do interesse dos alunos pela leitura. Começamos a perceber

vozes, vindas de toda parte, cada vez mais altas - talvez porque os ouvidos

ficaram mais atentos -, criticando os leitores que saíam da escola: unão

sabem ler, não gostam de ler". Ou talvez porque a realidade de leitura nos

mostrava uma face bem diferente da que concebíamos: a falta de

compreensão. Ler é compreender. Alguma coisa deveria ser feita no sentido

de reverter a situação, mesmo sabendo dos ambientes restritos em que

poderíamos atuar e das nossas limitações. Poderia ser feita? Ou poderia ser

tentada?

O trabalho que desenvolvemos nesta pesquisa ao lado de outros

constituíram uma tentativa de mostrar a possibilidade de acudir em dado

momento algumas deformidades de leitores ou alguns desvios e desvãos da

leitura, por meio da proposição de mudanças. Estas mudanças, entretanto,

deveriam estar respaldadas por alguma teoria. O enfoque das teorias

136

psicolingüfsticas relacionadas à leitura nos chamou a atenção desde os

primeiros contatos , a começar pela relação desenvolvimento-aprendizagem,

no âmbito mais geral, passando depois pelos aspectos cognitivos e tendo

como ponto mais saliente as estratégias metacognitivas relacionadas à

leitura. O estudo e a compreensão das teorias não nos bastavam. Era

preciso testá-las, encontrar alguma forma de ação para verificar seus

efeitos. O caminho pensado foi: escola - leitura - aluno. Mas, nosso aluno

era proveniente de classe média que é considerado na escola como menos

problemático em termos de aprendizagem. A pesquisa nos mostrou que a

realidade não é bem essa. O aluno de classe média, também, revela

inúmeras falhas que devem ser alvo de investigação.

O caminho foi percorrido e o ponto de chegada aqui está Nas

considerações que se seguem , nossa fala será entremeada com a fala de

professores, dos alunos, assujeitados à nossa pesquisa, mas sujeitos do

processo com suas reações e avaliações.

Nas primeiras entrevistas os alunos deixaram claras algumas

dificuldades de leitura ao responderem à pergunta: "você entende tudo o

que lê?

A 1 - "não/ depende das palavras que estão no texto''.

A2 - unão/ às vezes fala/ tem vez que fala uma coisa que vem no fim I a

palavra não tem no vocabulário/ ai eu não entendo/ a história tem mistério/ muito

místério/ aí eu não entendo/'

A3 - "direito não/ (INJNT) eu não entendo/''

Os primeiros contatos que tivemos com a sala de aula nos

mostraram um desinteresse acentuado dos alunos pela leitura, o que

obviamente compunha um ambiente desfavorável para o seu

137

desenvolvimento. Observamos que a leitura oral era cheia de problemas.

Estava claro que eles tinham dificuldade em ler, conforme observa a

professora em sua fala que ressalta aspectos importantes em relação ao

desempenho precário dos alunos. O primeiro deles se refere à fragmentação

da leitura oral , o segundo estaria ligado à transferência para outros

momentos desse tipo de leitura desenvolvida e percebida e o terceiro ao

desconhecimento do vocabulário com suas conseqüências desastrosas para

o entendimento do texto,

"P - eles /éem picado/ eles lêem quase que juntando pedaços/ eles não têm muito uma// leitura/ direta/ eles vão de pedacinho em pedacinho/(. . .)

mas a dificuldade tal! na leitura oraV conseqüentemente a leitura silenciosa! me parece que fá/ligada a esse mesmo processo/ porque/ até que eles juntam! as sílabas pra montar/ a palavra/ pra montar a sentença/ o conteúdo de trás fica perdido/ tá? então eles não conseguem/ ver no globav ( .. .)

fora a dificuldade de/ de vocabulário que às vezes está fora/ da sítuação deles! atrapalha um pouco/ nesse sentido ai que eu observo mais o problema ( inint) eles não entendem o enunciado da questão/ não entendem/ não conseguem responder ou entender o que que foi perguntado! há uma seqüêncía/ de dificuldades!

Nosso trabalho teria que ser corretivo, objetivando ser também

formativo, uma vez que os alunos na sa série haviam adquirido pouca ou

quase nenhuma habilidade de leitura.

Entendemos que a leitura deveria estar dentro da perspectiva

social e cognitiva e para que fosse desenvolvido o processo nos valemos

dos pressupostos de Kleiman (op.cit.) a começar pelo estabelecimento da

interação. Esta é, sem dúvida, a condição basilar para o engajamento

cognitivo do leitor, pois é um momento que dá início à reconstrução e

síntese de um saber prévio que vai ajudá-lo a percorrer o texto em busca

de um sentido. Mas, esse percurso não se dá de imediato. É necessário um

tempo, é necessário sobretudo a intervenção mediadora do professor na

condução do processo, a fim de que os alunos descubram estratégias que

138

os ajudem a ver o texto como objeto de investigação, às vezes parecido

com um quebra-cabeça, requerendo a colocação das peças em lugares

adequados. O percurso é contínuo e deve ser construído de etapas

sucessivas, merecendo sempre, cada uma, um olhar atento para a

verificaçao dos progressos que se mostram ou não.

Estratégias são mecanismos psicológicos, cujo

desenvolvimento precisa ser estimulado, a fim de que possam ser

utilizadas. É certo que os alunos desenvolvem algumas delas, mas não são

percebidas como um recurso importante a ser explorado na leitura escolar.

Na nossa pesquisa elas foram o enfoque principal e pela .análise dos

dados, ficou evidenciada como positiva e produtiva a contribuição dessas

estratégias, porque a leitura entendida como_ compreensão se dá quando

temos um leítor que procura monitorá-la, associando seus conhecimentos

prévios -o de mundo, o lingüístico, o textual -à atividade. Quando dizemos

atividade, nos referimos àquelas desenvolvidas em sala de aula, pois

dentro de nossa cultura, a escola é o lugar institucionalizado e formal

destinado ao aprendizado da leitura.

As estratégias permitem ao leitor encontrar saídas para as suas

díficuldades como pudemos constatar. Podemos dizer que o nosso trabalho,

fundamentado na concepção do processo cognitivo, provocou a busca

constante e nesse desenrolar, os alunos descobriram utilidade ou um

significado para a leitura. O significado, por sua vez, despertou-lhes o

interesse, manifestado quando a leitura passou a criar a necessidade e a

opção de outras leituras.

Mais uma vez, a fala é dos alunos:

A 1 -aprendi/ é/ interpretá melhor um texto/ é/! falá sobre ele/ é/1 falá sobre o que que fava acontecendo nél no momento/

A2 - porque antes eu não sabia a hora certa assím de pará! de/ a virgula/ eu falava tudo certo! náol tudo errado! agora já aprendí assim! tem de dá um espaço na vfrgulal ponto/ parágrafo/ antes eu não fazia isso não/

139

A3 - em casa eu tenho vontade de lê/ uhnl eu peço pra minha mãe comprá livros! revistas! aí eu vou feno/ e aí quando eu tenho dificuldade eu faço o vocabulário/

Não podemos garantir que chegamos a formar leitores

eficientes, porque a nossa pesquisa não foi longitudinal, mas podemos

dizer que vimos os nossos leituristas do início da pesquisa irem adquirindo

e somando habilidades de leitura bastante positivas e adequadas. É

provável que a leitura que passaram a fazer os tenha ajudado pelo menos

na seqüência de seus anos escolares.

Pelo que nos foi dado notar. o trabalho corretivo pretendido

dividiu o espaço com o trabalho formativo. E as falas devem continuar para

preencherem algumas ou muitas lacunas que, certamente, ainda

permanecem.

140

ANEXO

141

O anjo da noite

Cecilia Meireles

O guarda-noturno caminha com delicadeza, para não assustar,

para não acordar ninguém. Lá vão seus passos vagarosos, cadenciados,

cosendo a sua sombra com a pedra da calçada.

Vagos rumores de bondes, de ônibus, os últimos veículos, já

sonolentos, que vão e voltam quase vazios. O guarda-noturno, que passa

rente às casas, pode ouvir ainda a música de algum rádio, o choro de

alguma criança, um resto de conversa, alguma risada. Mas vai andando. A

noite é serena, a rua está em paz, o luar põe uma névoa azulada nos jardins,

nos terraços, nas fachadas: o guarda-noturno pára e contempla.

À noite, o mundo é bonito, como se não houvesse desacordos,

aflições, ameaças. Mesmo os doentes parece que são mais felizes: esperam

dormir um pouco à suavidade da sombra e do silêncio. Há muitos sonhos em

cada casa. É bom ter uma casa, dormir, sonhar. O gato retardatário que volta

apressado, com certo ar de culpa, num pulo exato galga o muro e

desaparece: ele também tem o seu caminho para descansar. O mundo podia

ser tranqüilo. As criaturas podiam ser amáveis. No entanto, ele mesmo, o

guarda-noturno, traz um bom revólver no bolso, para defender uma rua. ..

E se um pequeno rumor chega ao seu ouvido e um vulto parece

apontar na esquina, o guarda-noturno torna a trilar longamente, como quem

vai soprando um longo colar de contas de vidro. E recomeça a andar, passo

a passo, firme e cauteloso, dissipando ladrões e fantasmas. É a hora muito

profunda em que os insetos do jardim estão completamente extasiados, ao

perfume da gardênia e ã brancura da lua. E as pessoas adormecidas

sentem, dentro de seus sonhos, que o guarda-noturno está tomando conta

da noite, a vagar pelas ruas, anjo sem asas, porém armado.

142

Caparaó tem altas paisagens e montanhas

Nos anos rebeldes, a regiáo entre Minas Gerias e Espírito Santo

foi ocupada por movimento guerrilheiro

No inverno, a vista é bem mais nitida

Free-Lance para a Folha

A partir da Tranqueira, ou o visitante faz o resto do percurso a

pé ou aluga um cavalo ou burro. Dois quilômetros de trí!ha e já se pode

avistar pela primeira vez o pico da Bandeira.

Pouco depois, chega-se ao Terreirão, o último- e mais alto­

local de acampamento. Ali existe uma casa de pedra, banheiros e pias.

Tomando-se um caminho à direita, depois de 1 ,5 quilômetro de descida, está

o vale do Caparaó. A paisagem é mística: montanhas de vegetação escassa,

quase sempre envolvidas por névoa, com formações minerais que refletem o

sol e nascentes de água que brotam nas encostas. Parece que a qualquer

momento se cruzará com um dinossauro ou qualquer criatura do tipo "mundo

perdido". Há também muitas piscinas naturais, de águas menos frias que no

vale Encantado.

De volta ao Terreirão, são mais 4,5 quilômetros para se

alcançar o pico da Bandeira. Esse é o trecho mais difícil e íngreme da

excursão. Muitas pedras estão soltas ou escorregadias no terreno

encharcado. A vegetação é típica dos campos de altitude e lembra a tundra

ártica. As plantas são diminutas e retorcidas, há grande quantidade de

musgos e liqüens e nenhuma árvore.

143

Uma vez no topo do pico da Bandeira, percebe-se que todo o

esforço despendido foi compensado pela fantástica vista, de quase 3. 000

metros de altura. É como estar dentro de um avião. A visão se perde num

horizonte onde um "mar de montanhas~ - tão típico de Minas Gerais - se

mistura com as nuvens. Em cima há um marco geográfico, uma cruz e as

ruínas de uma retransmissora de TV.

Essa é a melhor época para subir o pico e observar a

paisagem. No verão, há muitas nuvens- pela maior umidade atmosférica­

e há o risco de, na chegada só se conseguir ver entre a massa branca e

compacta apenas as outras duas grandes formações rochosas do parque, o

pico do Cristal (2. 790 m) e o pico do Calçado (2. 766 m).

Folha de São Paulo -Seção Turismo 13/08/92 - p. 7

144

O SISTEMA SOLAR

A organização do

Sistema Solar

O Sol é a estrela central de um

conjunto formado por nove

planetas, satélites e outros corpos

menores, como os asteróides,

cometas e meteoros, que giram ao

seu redor. Esse conjunto é

denominado Sistema Solar.

Os planetas

Os planetas são astros sem luz

própria. Movimentam-se em torno

do Sol, seguindo um caminho

definido (órbita) quase circular, e

também giram em tomo de si

mesmos.

Orbitando em tomo de alguns

planetas podem existir astros

menores e opacos: os satélites.

A Lua é o satélite natural da

Terra. Ela aparece tão clara à

noite porque reflete a luz do SoL

Os planetas do Sistema Solar

diferenciam-se essencialmente por

sua distância em relação ao Sol.

Os mais próximos tiveram que

suportar um imenso calor, o que

fez com que certos gases leves se

espalhassem pelo espaço. Assim

Mercúrio, Vênus, Terra e Malte

são pequenos globos rochosos e

compactos constituídos por mate­

riais_ semelhantes.

Por outro lado, longe da

fornalha solar, até mesmo gases

muito leves podem ser mantidos

em um planeta. Por isso, os

planetas gigantes- Júpiter, Satur­

no, Urano e Netuno - são forma­

dos basicamente por gases e líqui­

dos.

Plutão, o mais distante do Sol e

o menos conheCido, tem uma

estrutura bem diferente desses

dois grupos de planetas. É um

planeta-anão que possui gases

congelados em sua superfície.

Eclipse Solar

Talvez o mais espeta­

cular de todos os

acontecimentos celestes

seja um eclipse do Sol.

145

Nessas ocasiões, a Lua

nova passa em frente do

sol e cobre todo o disco

solaL De repente, o céu

fica bastante escuro, de

modo que as estrelas bri­

lhantes podem ser vistas. A

temperatura cai 1 O ou mais

graus e um espectro es­

tranho aparece no céu. Em

poucos momentos, o Sol

reaparece e tudo volta ao

normal.

Era uma experiência as­

sustadora para o homem

primitivo que achava que

um demônio ou um dragão

havia consumido o Sol. Ele

podia ter levantado os

olhos acidentalmente e vis­

to a fase parcial do eclipse

jâ em andamento. Quando o

Sol desaparecia, via um

buraco escuro rodeado por

raios de luz brilhantes,

incandescentes, nebulosos.

O disco escuro é a lado

obscuro da Lua e o clarão

perolado é a coroa, que é a

atmosfera externa do Sol. A

coroa só pode ser vista

quanto o 9isco brilhante do

Sol fica ~scondido, artifi-

cíalmente, por instrumentos

como o coronógrafo ligado

a um telescópio, ou natu­

ralmente, pela Lua durante

um eclipse.

Os eclipses do Sol são

raros e não podem ocorrer

mais do que quatro vezes

por ano. Nem todos os

eclipses são totaís, com o

Sol inteiramente escondido;

alguns são parciais, quanto

a Lua Nova e o Sol não

estão exatamente alinhados

com um ponto na Terra e,

embora a Lua atinja a

conjunção não pode cobrir

toda a face do Sol.

( sune Engelbrektson, Estrelas.

Planetas e Galáxias, Série Prisma, São

Paulo, Melhoramentos, 1981,p. 68-69.)

Os asteróides

e os cometas

Entre os planetas rocho­

sos e os gasosos existe um

grande espaço, onde se

movem milhares de pe­

quenos corpos conhecidos

por asteróides. Estes, como

os planetas, descrevem

uma órbita em torno do Sol.

146

Os cometas estão entre

os menores corpos do Sis­

tema Solar. São compostos

de aglomerados de par­

tículas rochosas, gelo e

gases que possuem órbitas

muito alongadas.

Distantes do Sol os co­

metas são corpos opacos,

mas iluminam-se rapida­

mente ao se aproximarem

dele. Isso porque o gelo e

outros materiais começam a

derreter, deixando um ras­

tro de poeira que reflete a

luz e tem sempre direção

contrária à do Sol.

Quanto mais vezes os

cometas passam perto do

Sol, mais material perdem e

dessa forma mais rapi­

damente se aproximam do

fim.

O cometa Hal/ey

Muitos cometas têm-se

aproximado da Terra

uma ou mais vezes, porém

nenhum chegou a ser tão

famoso quanto o Halley, o

primeiro ~ ter sua '

dicidade cpnhecida.

perio-

o astrônomo inglês

Edmond Halley, depois de

muitos estudos, chegou à

conclusão de que o cometa

que observara em 1682 era

o mesmo que Kepler, astrô­

nomo alemão, havia obser­

vado em 1607 e que o

matemático Peter von

Benewitz vira em 1531.

Então, Edmond calculou a

órbita desse cometa, con­

cluindo que seu retorno ao

Sol ocorreria a cada 76

anos aproximadamente. As­

sim previu sua próxima

aparição para o ano de

1758 ou 1759.

Edmond morreu em 17 42,

mas de fato, no Natal de

1758, um fazendeiro em

Dresden, Alemanha, pre­

senciou a volta do cometa.

Desde então ele recebeu a

denominação de cometa

Halley. Esse cometa voltou

a aparecer em 1835 e 191 O.

Na passagem de 1910, o

cometa Halley causou gran­

de alvoroço e até mesmo

pânico, pois anunciou-se

que a Terra atravessaria a

cauda do cometa, com

147

grande perigo para a huma­

nidade. Chegou-se a anun­

ciar o fim do mundo. Por

causa disso o número de

suicídios aumentou e muita

gente enriqueceu vendendo

pílulas e máscaras espe­

ciais, que protegiam contra

os gases venenosos do

cometa. Nada aconteceu.

Em abril de 1986, o

cometa Halley esteve de

volta, sendo visível a olho

nu em algumas localidades

do Brasil. Porém sua ima­

gem já estava sendo re­

gistrada desde outubro de

1982, por potentes te­

lescópios, quando o cometa

estava se aproximando da

órbita de Saturno.

Agora para tornar a vê-lo

só em 2062.

Os meteoros

Os meteoros são minús­

culos corpos sólidos, às

vezes da tamanha de grãos

de areia, que podem ser

atraídos pelos planetas.

As conhecidas estrelas

cadentes são meteoros que

se incendeiam por causa do

atrito com a atmosfera ter­

restre.

Podem ocorrer chuvas de

meteoros decorrentes da

desintegração de um co­

meta.

Os meteoritos

Chamamos de meteoritos os grandes blocos de rocha

que orbitam em torno do

Sol e que algumas vezes

podem chegar à superfície

dos planetas ou de seus

satélites.

Os meteoritos são rela­

tivamente raros. Como em

nosso planeta há mais água

da que terra, a maioria de­

les cai no mar.

Na lua, as crateras são o

resultado do choque de me­

teoritos com sua superfície.

A vida no

Sistema Solar

Durante muito tempo os

cientistas e os escritores

de ficção científica consi-

148

deraram a possibilidade de

existir vida semelhante à

terrestre em outros pla­

netas do Sistema Solar.

Para analisarmos essa

possibilidade temos que le­

var em conta dois fatores:

as condições da Terra que

favoreceram a ocorrência

de vida e as condições de

cada planeta.

A Terra

A Terra apresenta três

condições favoráveis à

sobrevivência dos orga­

nismos vivos:

• Temperatura com médias

em torno de 20° C, Esse

fator é importante, pois

uma temperatura muito

elevada desintegra os

seres vivos e tempe-

raturas muito baixas

impedem que eles se

desenvolvam. No entanto,

há regiões do planeta

que apresentam tempe-

raturas extremas, atin-

gindo 60° C em algumas

e -90° q em outras.

• Presença de água no

estado líquido em grande

parte do planeta, devido

à temperatura.

• Camada gasosa que

envolve o planeta, res­

pirável pelos seres vivos,

composta de gases

como o oxigênio - e de

vapor de água. Essa

camada - a atmosfera -

é suficientemente densa

para proteger os orga­

nismos dos meteoritos e

das radiações mortais,

em especial o raio ultra­

violeta.

Mercúrio

Mercúrio está muito

próximo do Sol e a tem­

peratura de sua superfície

atinge 400' C. É um planeta

muito pequeno. Por isso,

não consegue conservar

uma atmosfera, assim como

a Lua e outros pequenos

satélites.

149

V~nus

Vênus tem quase o mesmo tamanho da Terra e

está mais próximo do Sol.

Na década de 60, cien­

tistas norte-americanos e

soviéticos enviaram sondas

a Vênus e tiveram infor­

mações mais precisas sobre

esse planeta.

Sua espessa atmosfera,

mais densa do que da Ter­

ra, é composta quase que

inteiramente de nuvens de

gás carbônico e ácido sul­

fúrico, com pouquíssimo

oxigênio e vapor de água.

Esses elementos absorvem

o calor do Sol e elevam a

temperatura da superfície

de Vênus até 400' C, fa­

zendo dele um planeta

incrivelmente quente e se­

co.

Explorando Vênus

Em 1988, a sonda

espacial norte-america­

na Píoneer-1, também cha-

ma da Pioneer Vênus-1,

completou dez anos em

órbita de Vênus. Segundo

os cientistas responsáveis

pela análise de dados, ela

ainda deverá continuar

enviando informações du­

rante mais quatro anos.

A sonda entrou em órbita

de Vênus em 4 de de­

zembro de 1978, depois de

uma viagem de sete meses.

Sua trajetória se estende

desde a atmosfera até uma

altura de 65 000 Km. A

Pioneer-1 carrega 362 kg

de equipamentos e deve

mergulhar sobre Vênus até

1992.

Distante 56 milhões de

quilômetros da Terra, o

planeta é envolvido por

uma densa atmosfera que

dificulta sua observação a

distância. Os cientistas têm

curiosidade em descobrir

por que sua

diferente

atmosfera é tão

da atmosfera

terrestre. Vênus é um pla­

neta que começou como

irmão-gêmeo da Terra e

''deu errado~.

O projeto Píoneer contou

também com mais uma

sonda,

lançou

150

a Pioneer-2,

quatro robôs

que

à

superfície do planeta em 9

de dezembro de 1978. Após

enviarem informações mais

detalhadas sobre a atmos­

fera, esses robôs arreben­

taram-se contra a superfí­

cie venusiana.

As primeiras informações

de Vênus chegaram em

1971, enviadas pela sonda

soviética Benera. A NASA

Administração Nacional

de Aeronáutica e Espaço

dos Estados Unidos en-

viou várias sondas a Vê­

nus, durante o programa

Mariner nos anos de 1962,

1967 e 1974.

A NASA pretende lançar

mais uma sonda para o pla­

neta. Trata-se da Magel/an,

que será enviada por um

ônibus espacial. A Magel/an

deverá ser lançada em abril

de 1989 para mapear a

superfície do planeta. A in­

tenção dos cientistas norte­

americanos é fazer mapas

melhores do que os for­

necidos pela Pioneer-1 e

pelas sondas soviéticas,

hoje inativas.

(Adaptado de art!go publicado na

Folha de S. Paulo, em 611211988.)

Marte

Marte é bem menor do

que a Terra. Possui uma

atmosfera constituída prin­

cipalmente de gás nitro­

gênio, muito pouco oxigênio

e vapor de água. Sua

atmosfera é bem menos

derisa do que a terrestre,

mas oferece alguma pro­

teção contra os meteoros e

as radiações nocivas.

Esse planeta fica mais

longe do Sol, portanto é

mais frio. Sua temperatura

varia de 0° C a- 100° C.

Nos pólos existem calotas

de gás carbôni.co congelado

- gelo seco - e, sob a

superfície, água congelada.

Explorando Marte

Marte - apelidado de

planeta vermelho por

causa de sua cor

diferente de todos os ou-

151

tros astros - é o planeta

que maior interesse tem

despertado nos homens. A

prova disso é o grande nú­

mero de filmes e livros de

ficção científica que têm

explorado o tema de mar­

cianos invadindo a Terra.

O acontecimento ligado a

este assunto que mais pro­

vocou repercussões foi o

programa transmitido pelo

rád ia em 30 de outubro de

1938, nos Estados Unidos,

pelo ator e diretor de ci­

nema Orson Welles.

Com base no livro de H.

G. Wells, A Guerra dos

Mundos, Orson Welles fez

uma dramatização radio-fô­

nica, como se tratasse de

uma reportagem verdadeira,

em que noticiava a invasão

da Terra pelos marcianos.

Isso causou pânico nas ci­

dades americanas. Muitas

pessoas abandonaram suas

casas, o trânsito da cidade

ficou congestionado e che­

garam a ocorrer mortes por

ataque cardíaco, tal a an­

gústia e a tensão que as

pessoas sentiram naquela

noite.

Hoje, porém, a situação é

diferente. É o homem que

dentro de pouco tempo de­

sembarcará em Marte. O

ano previsto para isso é

201 O.

Ao contrário das outras

conquistas espaciais, a de

Marte poderá ser uma vi­

tória da cooperação inter­

nacional. Nesse sentido o

Instituto de Pesquisas Es­

paciais da União Soviética

promoveu em Moscou, em

março de 1987, um en­

contro entre 450 cientistas

de todo o mundo para uma

troca de idéias sobre as

futuras viagens espaciais.

A proposta soviética de

uma viagem a Marte com a

participação de vários paí­

ses foi aceita pelos cien­

tistas. Doze nações já se

associaram à União So­

viética na etapa explo­

ratória, Mas os parceiros

mais cortejados os

americanos - permanecem

indecisos.

152

O início do período atual

de exploração espacial de

Marte se deu em 1971, com

o lançamento da sonda

americana Mariner 9, o

primeiro satélite artificial a

orbitar em torno de outro

planeta. Em 1976 chegaram

a Marte outras duas son­

das, a Viking 1 e 2, que

pousaram em sua super­

fície.

Através dos dados forne­

cidos por esses aparelhos,

hoje podemos saber como é

a superfície de Marte, a

composição e a pressão de

sua atmosfera, sua tempe­

ratura, a circulação dos

ventos e a natureza dos

pólos.

A maior

Marte -

montanha de

O Monte Olimpo

- eleva-se a 20 000 metros

de altura, fazendo com que

o Everest pareça um

pequeno morro. Desfila-

deiros escarpados rasgam

quilômetros de superfície.

Um deles é dez vezes maior

do que o Gran Canyon que

atravessa o Arizona, no

sudoeste dos Estados

Unidos. As paisagens são

desérticas, secas e frias,

recortadas por sulcos que

no passado teriam sido ríos

caudalosos. O Sol se põe

no horizonte cor-de-rosa

por causa da poeira em

suspensão das rochas aver­

melhadas.

Como modernos Sherlock

Holmes, os geólogos do

espaço procuram no relevo

acidentado de agora as

pistas daquilo que Marte foi

no passado - um planeta

um pouco mais quente e

úmido, com atmosfera mais

densa. Naquela época, a

água estaria cobrindo 15%

da supe'rfície do planeta e

talvez formasse um grande

oceano, além de lagos e

rios. E onda havia água,

especulam os cientistas,

pode ter existido vida.

(Adaptado de artigo pub!lcado em

Superintere5sante, n• 3, março/1968.}

153

Os planetas gigantes

Os quatro planetas

maiores do Sistema Solar

-Júpiter, Saturno, Urano e

Netuno são muito

parecidos em sua estrutura.

Possuem um pequeno nú­

cleo sólido, envolto por

uma atmosfera excessiva­

mente densa. Essa atmos­

fera é constituída princi­

palmente por gases como o

hidrogênio, a amônia e o

metano. Como você vê,

esse tipo de atmosfera é

bem diferente da nossa.

São planetas muito frios,

com temperaturas que vão

de -140' C a -200' C.

Plutão

Plutão, o último dos

planetas, é um pouco maior

que Mercúrio. Está tão dis­

tante do Sol que sua

temperatura varia em torno

de -245' C. Sua superfície

é coberta por gases con­

gelados.

Recentemente descobriu­

se que esse planeta possui

uma atmosfera bem rare­

feita, composta principal­

mente de gás metano.

A origem do

Sistema Solar

Um dos mistérios mais

intrigantes para o homem é

a formação do Sistema

Solar.

A idéia mais aceita

atualmente entre os cientis­

ta é a de que o Sol e os

planetas foram todos for-

mados praticamente ao

mesmo tempo, a partir de

um redemoinho de nuvem

de gás e poeira há mais ou

menos 5 bilhões de anos.

Essas nuvens são muito co­

muns no Universo.

Durante muitos milhões

de anos, as partículas fo­

ram atraidas para o centro

do redemoinho que girava

constantemente.

Enquanto o Sol ficava

mais luminoso, a nuvem de

gás tornava-se menos

forme. Isso porque

154

uni-

co-

meçavam a se formar es­

feras menores que eram

muito pequenas para atingir

elevadas temperaturas e

transformarem-se em es­

trelas. Com o passar do

tempo essas esferas, gi­

rando ao redor da estrela

central, deram origem aos

planetas.

O centro do redemoinho foi,

então, tornando-se ca-da

vez mais denso e sua

temperatura, devido ao

movimento das partículas,

foi aumentando até tornar­

se incandescente. Dai se

originou o Sol que começou

a liberar sua energia,

transformando-se numa

estrela.

BARROS, Carlos - Ciências: meio ambiente, programas

de Saúde, ecologia. 5' série. S.Paulo, Ática, 1991, 48'

ed.

155

Um show planetário

Oitocentos milhões de terráqueos assistem ao eclipse

do Sol, que nas metrópoles brasileiras foi apenas

parcial, mas rendeu um bom espetáculo.

o espetáculo durou poucos

minutos, mas foi visto por

uma platéia planetária.

Oitocentos milhões de pessoas

espalhadas pelo mundo olharam

para o céu na última quinta-feira

para observar o eclipse total do

Sol, um fenômeno raro em que a

Lua se coloca exatamente entre a

Terra e o astro que aquece e

ilumina o planeta tapando-lhe

completamente o disco luminoso.

O show foi visível numa faixa que

se estendeu do Havaf à

Amazônia, passando pelo México.

Nas demais regiões do Brasil, o

fenômeno foi apenas parcial e o

Sol perdeu apenas um pedaço de

sua circunferência - como se

fosse a Lua em sua fase

minguante. Para a maioria das

pessoas, o eclipse foi um prêmio

de consolação significativo. Depois

da fracassada passagem do

cometa Halley em 1986, a

astronomia estava com suas

previsões um tanto descreditadas.

O Halley só passa rente ao planeta

a cada 76 anos, compareceu como

se calculava, mas se esqueceu de

brilhar, frustando toda uma

geração.

O eclipse total de quinta-feira

não foi apenas um espetáculo

popular. Ele aguçou a curiosidade

dos astrônomos. Pesquisadores do

mundo inteiro se dirigiram para as

regiões do globo onde o eclipse

seria total. Sem o brilho ofuscante

do Sol, fica bem mais fácil

observar seus raios por um

período prolongado de tempo.

Aprende-se muito sobre as

radiações e o campo magnético

solar nos períodos de eclipse, mas

ninguém esperava, contudo,

nenhuma grande revelação a

respeito do Sol. Hoje, a ciência

manda sondas ao espaço para

observar os astros - e não

depende mais da ajuda da

natureza para dar impulso à

156

astronomia. Até algumas décadas

atrás, no entanto, os pes­

quisadores empurravam as fron­

teiras do conhecimento ao

observar eclipses solares - e

essa mística ainda se mantém

entre os astrônomos.

Em 1919, uma expedição

internacional enviada ao Ceará

comprovou, durante um eclipse, a

parte da teoria da Relatividade de

Albert Einstein que diz que a

gravidade dos corpos tem efeito de

atração sobre a luz. Os jornalistas

correram até o físico para lhe dar a

notícia da comprovação de sua

teoria. Einstein não mostrou

entusiasmo. ~se os raios não

tivessem se vergado, Deus que me

desculpe, mas Ele estaria errado",

disse Einstein. "O homem hoje já

conta com meios mais eficazes de

estudar o Sol do que através de

um eclipse visto da Terra", diz o

astrônomo carioca Ronaldo

Rogério de Freitas Mourão.

Sem sair à janela - Apenas uma

faixa estreita do planeta assistiu ao

eclipse totaL Pouco depois das 2 e

meia da tarde (horário brasileiro) a

sombra da Lua encobrindo o Sol

se projetou sobre o Havaí - o

primeiro lugar a ver o fenômeno.

Devido ao movimento de rotação

da Terra, esta sombra, que tinha

220 quilômetros de largura por 620

de comprimento, se movimentava a

uma velocidade de 25600

quilômetros por hora. A Amazônia

brasileira também pode observar o

eclipse totaL Pesquisadores se

concentraram nas cidades de T efé

e Manicoré, no Amazonas.

O grosso da assistência

brasileira estava nas grandes

cidades e só pôde ver par­

cialmente o eclipse. Em Brasília,

onde o fenômeno foi observado

com grande nitidez,

superfície do Sol ficou

pela Lua. Quem

92% da

encoberta

perdeu o

espetáculo vai ter que esperar três

anos para ver outro. No dia 3 de

novembro de 1994, na Região Sul

do país, será visível um novo

eclipse total do SoL

Revista Veja

17107191- p. 68

157

AS SETE PRAGAS

Para não sumir do planeta, agora só resta

ao homem investir todo seu engenho

na tecnologia da salvação: desmontar as armadilhas

fatais que criou para sua própria espécie

O buraco

ozônio,

das

na camada de

que nos protege

radiações solares,

escudo que se poderia

chamar de "sistema imunológico" da

Terra, lembra o tipo de dano causado

pelo vírus da Aids no corpo humano.

Imagine o planeta como uma célula.

Rompem-se as defesas naturais, o

escudo, e algo fica exposto à flechada

fatal.

A comparação entre esses dois

dramas que afligem a humanidade

seria um mero exercício de

imaginação se não servisse para

revelar algo inquietante: o homem

está se portando em relação ao seu

planeta, a Terra, exatamente como o

diminuto inimigo que quer decifrar e

exterminar, o temível vírus HIV. Claro

que não é das coisas mais agradáveis

nem das mais elegantes nos

compararmos a um vírus, mas muito

pior é nos eximirmos das

responsabilidades que nos cabem.

Vale lembrar que o buraco na camada

de ozônio, que pode causar càncer de

pele em nós próprios, não foi obra de

demônios nem de seres extra­

terrestres. Tudo partiu daqui. Nossos

sprays, nossas comodidades.

Mas essa ruptura no ozônio é

apenas uma das sete macropragas

que a humanidade produziu ou

incrementou ao longo do século 20, e

que agora, no limiar do 21,

configuram os principais desafios de

tecnologia ambiental para as novas

gerações do mundo inteiro. As outras

são a desertificação, a chuva ácida, o

efeito estufa, os acidentes nucleares,

a extinção de espécies e o lixo. A elas

se poderia juntar o inchaço das

cidades e a miséria em massa, mas

isso é outra história.

O que está em jogo, desta vez, não

são mais idéias políticas nem

hegemonias momentâneas. É o nosso

158

valor existencial máximo: a própria

longevidade biológica do homem na

Terra. Mais do que nunca, precisamos

ter claro que espécies passam, como

as gerações e os indivíduos - o

planeta não tem donos, só inquilinos.

Os seres surgem, cumprem o seu

papel cósmico e um dia desaparecem.

O estranho é que somos a única

espécie que desenvolveu a capa­

cidade de se auto-exterminar.

No período pós-Chemobyl, o

renomado psiquiatra britânico Ronald

David Laing (1927-1989), um dos

criadores da chamada antipsiquiatria,

detectou nos espíritos um certo

estado de alerta geral ao qual

denominou H ansiedade da espécie".

Não se trata de algo doentio ou irreal,

não indica disfunção ou adaptação

deficiente. A "ansiedade da espécie''

seria um umedo saudável", na medida

em que dá a dimensão exata de um

perigo sem precedentes.

Apesar da gravidade da

advertência, Laing não é um espírito

catastrofista, ao contrário: u Acho que

esta é uma reação extremamente

saudável ante uma situação holística:

o fato de que nós, como espécie,

tenhamos colocado em perigo a nós

próprios. Quanto mais se espalhe

essa idéia entre nós, tão rápido

quanto possível (o prazo acabou

ontem), maiores serão as

probabilidades de que não nos auto­

exterminaremos".

De qualquer modo, agora não

basta parar de destruir. Temos de

investir todo o nosso engenho para

aprimorar os instrumentos para

restaurar danos; orientar nossa mais

refinada tecnologia para a tarefa

inadiável de recompor a natureza e

neutralizar as sete pragas de fim de

século. Este número, sete, traz a

carga bíblica do apocalipse e um

certo ranço cabalístico, mas podemos

tirar partido disso. Talvez sua mística

sirva para consagrar um conjunto de

fenômenos graves e lembrar, a cada

momento, que nenhum deles pode ser

relegado a segundo plano. Podemos

até ser otimistas: sete haverá de ser o

número de vitórias que, por fim, vão

unir a humanidade na causa maior, a

sobrevivência da espécie.

Ruptura no Ozônio

A camada de ozônio na

estratosfera terrestre, a 17

quilômetros de altitude, filtra os

raios solares ultravioleta, que podem

causar mudanças climáticas e até

159

câncer de pele. No final dos anos 70,

uma expedição científica britânica á

Antártida constatou que o buraco

nessa camada protetora era uma

ameaça real á vida do planeta. Ele é

causado por grandes concentrações

de compostos químicos industriais,

denominados em conjunto de

clorofiuorcarbono (CFC), conhecido

também como gás freon. Ele é usado

em grande escala na produção de

aerossóis, refrigeradores e produtos

de limpeza, mas nos últimos anos

vêm surgindo medidas restritivas.

Reagindo com o ozônio da

estratosfera, o cloro contido no cFc

transforma-o em oxigênio que não

bloqueia os raios ultravioleta. Não se

discute que esses raios sejam

nocivos, mas os cientistas ainda

divergem sobre se o buraco na

camada de ozônio estaria aumen­

tando ou diminuindo.

Efeito Estufa

um contingente expressivo de

especialistas em climatologia

admite que a média da

temperatura planetária subiu de

maneira anormal nos últimos 100

anos - e pode subir mais ainda

daqui em diante. Basta, para isso,

que a poluição do ar continue no ritmo

atual, e essa é uma hipótese

perfeitamente aceitável.

Embora ainda não existam provas

irrefutáveis, acredita-se que esse

fenômeno de aquecimento da

superfície do planeta resulta do

chamado efeito estufa, expressão

adotada para indicar o aprisio­

namento do calor por gases

atmOsféricos como o metano, vapor

d'água, óxido de nitrogênio,

clorofluorcarbono (CFC) e, espe-

cialmente, o gás carbônico.

Produzidos em larga escala nas

atividades urbanas e industriais, eles

formam uma espécie de parede de

vidro ou saco plástico que retém junto

ao planeta uma parte dos raios

solares que, em .condições normais,

seriam rebatidos para o espaço.

Quanto mais moléculas permaneçam

flutuando no ar, mais calor ficará

retido. Se a atmosfera não existisse, a

temperatura média sobre a Terra

seria de 18 graus negativos. A média

anual é de 15 graus positivos, mas

ela poderá subir vários pontos em

poucas décadas se o planeta não

reduzir drasticamente a produção de

poluentes. Entre os resultados

160

desastrosos do efeito estufa

estariam distúrbios climáticos como

secas, furacões, aumentos das

chuvas e nevadas, derretimento do

gelo dos pólos (com a conseqüente

elevação do nível do mar, provocando

inundações) e diminuição na

produção de alimentos. Apesar de

tudo, entre tantas mazelas, há quem

enxergue vantagens no degelo

glacial, argumentando que esse

processo facilitaria a exploração de

reservas de petróleo hoje

inacessíveis. O que fica sem resposta

é até onde poderíamos chegar, sem

morrermos sufocados, se queimás­

semos mais essa carga de

combustível fóssil que está lá, quieta

sob o gelo, naqueles recantos em que

o solitário Amyr Klink travou amizade

com os pingüins.

Revista Globo Ecologia.

161

PUBERDADE:

JÁ NÃO SOU CRIANÇA

O corpo muda, a expectativa é grande, surgem novos sentimentos

em relação à vida. É hora de muita conversa entre pais e filhos.

talvez você nem

tenha se dado

conta, mas por

volta dos 9 anos

seu filho está se

despedindo da

infância. É o inicio da

puberdade, quando o

corpo começa a se

preparar para o

momento da vida em

que o menino ou a

menina poderão ter um

filho ..

Essa idéia pode a ter

surpreendido, mas é

isso mesmo o que

acontece a partir desta

idade. A glândula

hipófise, localizada no

cérebro, começa a

produzir certos hormô­

nios em maior quan­

tidade. No menino, eles

agem sobre os testí­

culos, onde estimulam a

produção de um hor­

mônio próprio do sexo

masculino - a testos­

terona. Na menina, os

hormônios hipofisários

atuam sobre os ovários,

para fabricar o hor-

mônio feminino o

estrogênio.

Ao contrário das

garotas, que logo per-

cebem as trans-

formações de seu cor­

po, alguns meninos

ficam surpresos ao des­

cobrir o crescimento

dos testículos.

É bom saber, porém,

que o pênis em geral só

cresce lá pelos 13

anos. Antes disso, os

pais não devem ficar

preocupados e correr

ao pediatra porque seu

filho continua com o

pênis pequeno. É assim

162

mesmo. São raríssimos

casos de micropênis.

A revolução horrnonal

A largada dos hor­

mônios pelo organismo

vai fazer o corpo da

criança ir adquirindo

aos poucos

contamos e

os

as

características típicos

da puberdade. Na

menina, o primeiro sinal

é o aparecimento de um

"morrinho" debaixo de

cada mamilo. Eles ficam

sensíveis e doloridos,

mas não é preciso se

preocupar. É natural.

Nessa época também

começam a aparecer os

primeiros pêlos pubia­

nos. Mas nem sempre

os seios e os pelinhos

surgem ao mesmo

tempo. Cada menina

tem um ritmo diferente.

Como já vimos, nos

garotos o hormônio da

hipófise passa a

intensificar sua ativi­

dade também aos 9

anos. Lentamente seus

testículos crescem e o

saco escrota! se alon­

ga, fica mais baixo.

Alguns meninos come­

çam a ter pêlos

pubianos nessa época,

mas em geral eles só

aparecem mais tarde.

As transformações

do corpo, tanto nos

meninos como nas

meninas, não seguem

fases rígidas. Muitos

jovens ficam ansiosos

ao perceber

coleguinha

que o

já está

ficando com o corpo de

adulto enquanto o seu

continua infantiL Os

pais devem lembrar os

filhos que o corpo da

gente tem uma evo­

lução própria. Um dia

as mudanças tão espe­

radas vão acontecer.

A fabricação dos

hormônios testosterona

e estrogênio aumenta

durante toda a puber­

dade. Eles também irão

provocar as mudanças

internas que farão

surgir na menina a

primeira menstruação e

no menino a polução

noturna.

Polução: o que é isso?

Há um aconte-

cimento que na vida

dos garotos equivale,

de certa forma, à

primeira menstruação

das meninas. É a

polução noturna. Ao

estar dormindo (de dia

ou de noite), seu filho

apresenta uma eja­

culação. Muitos garotos

têm sua primeira eja­

culação desse jeito. É

algo que eles não

podem evitar, uma

forma de o corpo se

livrar de seu estoque de

espermatozóides, para

dar lugar ao novos.

É frequente os meni­

nos ficarem enver­

gonhados quando têm 163

sua primeira polução

noturna, mesmo que já

estivessem sabendo

que isso acontece por

volta dos 13 ou 14

anos. É também a

época mais comum

para aparecerem os

pêlos pubianos e os

primeiros sinais de

barba. Mas, como já

dissemos, cada um tem

seu ritmo próprio e

essas idades são

apenas uma referência.

As vacinas dessa fase

Nesta fase, com

tantas transformações,

é provável que você até

tenha esquecido uma

das grandes preo­

cupações da primeira

infância: as vacinas.

Entre 10 e 12 anos é

preciso fazer algumas

revacinações, como a

BCG, poliomielite, difte­

ria e tétano. No caso

dos garotos, é bom

verificar se já tomaram

ou ainda deverão tomar

vacina contra a caxum­

ba - essa doença em

homens adultos pode

provocar a inflamação

dos testículos e levar à

esterilidade. Para a

menina, é importante a

vacina contra a rubéola

- uma doença que

numa mulher grávida

pode trazer sérias

complicações para o

futuro bebê.

Q.s órgãos sexuais

internos da

menina crescem e

se desenvolvem.

A vagina se

alonga, o útero e os

ovários aumentam de

tamanho. Nessa época,

a mulher começa a

produzir óvulos total­

mente maduros. Desde

que nasce ela já tem

todos os óvulos, mas o

primeiro só amadurece

depois que nascem os

pêlos pubianos e os

seios se desenvolvem.

A primeira menstruação

pode acontecer entre 9

e 16 anos.

Talvez você se

lembre bem de tudo

isso, mas é bom

reavivar os detalhes.

Afinal, embora seja

comum pensarmos que

nessa idade nossos

filhos já sabem tudo,

muitas vezes não é bem

assim. Não se pode

esquecer que a

puberdade é um

período difícil, cheío de

dúvidas. O menino e a

menina já não são mais

crianças, e ainda não

são adultos. É uma

transição, em que é

comum a incerteza:

serei normal? Como

vou ficar?

Para aliviar essa

ansiedade nada como

uma boa conversa.

Garotos e garotas que­

rem saber sobre todas

essas transformações:

tanto as suas como as

da sexo oposto.

Durante a puberdade

surgem as incômodas

espinhas - e mais uma

vez trata-se do resul-

164

tado da ação dos

hormônios. A pele fica

mais oleosa porque a

testosterona - e de

forma menos intensa o

estrogênio - faz com

que as glândulas sebá­

ceas produzam uma

quantidade excessiva

de gordura. Os poros

ficam obstruídos.

Resultado: cravos,

espinhas, quistos, acne.

Os mesmos hormô­

nios agem nas glându­

las sudoríferas, provo­

cando uma transpiração

de cheiro mais forte. Se

seu

ficar

filho começar a

com cheiro

insuportável ao tirar o

têni!?, não é só por falta

de banho. Os pés,

mãos, axilas e órgãos

genitais são os mais

atingidos por essa

mudança: um

fenômeno menos

acentuado nas

meninas. É hora de

sugerir aos seus filhos

que comecem a usar

desodorante.

Os meninos no início

da adolescência (14

anos), também tendem

a mudar de voz. Isso

ocorre por causa da

testosterona: a laringe

aumenta de tamanho e

as cordas vocais

tornam-se grossas e

mais compridas.

Também podem

acontecer mudanças

nas mamas dos me­

ninos. É comum haver

um pequeno cres­

cimento, que tende a

desaparecer antes do

final da puberdade. "É

extremamente raro o

crescimento das mamas

dos meninos não re­

gredir", informa o pe­

diatra Oráuzio Viegas,

professor titular de

Pediatria e Puericultura

da F acuidade de

Medicina do ABC.

A puberdade também é

época da arrancada do

crescimento. A menina

começa a crescer mais

rápido - uns dois anos

antes dos meninos. Por

isso, existe a falsa

crença de que sua

puberdade começa

antes. É freqüente, aos

11 anos, ela ser mais

alta que os garotos de

sua idade. Dois anos

mais tarde é a vez dos

meninos crescerem

rápido, al-cançando as

cole-guinhas. Depois,

em geral, eles ficam

mais altos.

Entre os 8 e 12 anos,

as meninas crescem em

média 4,75 em por ano

e os meninos 3.80. (ver

quadro).

O crescimento é

acompanhado do au­

mento de peso. As

165

meninas, nesta fase,

saem mais uma vez na

frente, ganhando em

média 4,02 quilos por

ano; os meninos 3,22.

Para garantir o

crescimento saudável

são essenciais certos

cuidados com a

alimentação. "Para for­

talecer os crescimento

ósseo, nessa idade eles

precisam comer ali­

mentos ricos em cálcio,

como leite e seus

derivadosn, recomenda

o pediatra Dráuzio

Viegas. "O ferro é

importante para evitar a

anemia, aumentar a

massa muscular e

prevenir as perdas

menstruais.

É preciso fazer refei­

ções ricas em carne,

peixe, grãos, ovos,

vegetais."

Tudo certo com as medidas deles?

IDADE

IDADE

Fonte: Estudo Antropornétrico de Crianças Brasileiras de O .12 anos de Idade • Eduardo Marcondes.

~u'1ta atenção

também para

as vitaminas: A, para

evitar alterações na

pele; complexo B, sua

deficiência contribui

para a anemia; C, sua

falta afeta o

crescimento, provoca

alterações na gengiva;

D, estimula o apro­

veitamento do cálcio e

do fósforo e mineraliza

os ossos; E, contribui

para o crescimento

celular.

O dr. Dráuzio alerta

as pais adeptos das

dietas vegetarianas:

"Elas são pobres em

cálcio e ferro e ricas

166

em filatos e oxa!atos

substâncias que

dificultam a absorção

de ferro pelo intes­

tinoH.

A garotada nessa

época sente muita

necessidade de ati­

vidade física. E como

essa atividade contri­

bui para aumentar a

circulação de oxigênio

no organismo, de certa

forma estimula o cres­

cimento ósseo e mus­

cular, diz o dr.

Dráuzio Viegas.

Mas é necessário

tomar alguns cuidados

para escolher os es­

portes adequados a

cada idade. Não são

recomendados na pu­

berdade esportes mui­

to competitivos ou

com choques físicos

violentos. As estru­

turas ósseas e mus­

culares, bem como as

cartilagens, ainda não

estão suficientemente

amadurecidas - isso

só vai acontecer aos

14 anos.

Fazer uma ativi­

dade física inadequa­

da pode trazer conse­

qüências, como o

crescimento exagera-

167

do de alguns mem­

bros, tanto no com­

primento como na

largura. Ou, então,

problemas cardíacos

ou respiratórios. Em

caso de dúvida, é

melhor consultar o

pediatra.

Revista

Clãudia.Julho/92,

pp. 133-136

MENINOS CARVOEIROS

Os meninos carvoeiros

Passam a caminho da cidade.

- Eh, carvoero!

MANUEL BANDEIRA

E vão tocando os animais com um ralho enorme.

Os burros são magrinhos e velhos.

Cada um leva seis sacos de carvão e lenha.

A aniagem é toda remendada.

Os carvões caem.

(Pela boca da noite vem uma velhinha que os recolhe, dobrando-se

com um gemido.)

- Eh, carvoero!

Só mesmo estas crianças raquíticas

Vão bem com estes burrinhos descadeirados.

A madrugada ingênua parece feita para eles ...

Pequenina, ingênua miséria!

Adoráveis carvoeirinhos que trabalhais como se brincásseis!

- Eh, carvoero!

Quando voltam, vêm mordendo um pão encarvoado,

Encarapitados nas allmárias,

Apostando corrida,

168

Dançando, bamboleando nas cangalhas como espantalhos

desamparados!

(BANDEIRA, Manuel. Ritmo dissoluto. In: ESTRELA DA VIDA INTEIRA 8 ed. Rio

de Janeiro, José Olympio, 1980, p.85-€)

169

O LEILÃO DA LATA DE LIXO

Quem compra esta lata com um monte de sucata?

Tem papel amarelo, vermelho e azul!

Tem lagarta e surucucu! Tem sapo e tem Gia

Tem osso de peixe e um gato na fria!

Tem cachorro-quente sem salsicha

E tem um monte de lagartixa!

Tem plástíco e palitinho!

Tem azeitona com chífrinho!

Tem mosquito sem narizinho!

Tem sapato sem cordãozinho!

Tem relógio sem ponteirinho!

Tem sino sem barulhinho!

Este é o meu lixinho, gostaram?

Eu sou o cascãozinho ...

Autor: Daniel Sócrates de Castro, 2a série

Escola de Educação Básica da U.F.U.,

Uberlãndia-MG

LOPES, Maria Celía Cence e COSTA, Sandra Diniz (org.)"Comjeito de

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ABSTRACT

The maín focus of thís study has been on school reading since its

precaríous development has always worríed us. This has caused a seríes of

deficiences concerning the acceptance of written texts. Reading without clear

goals and whithout a theorical support is tiecoming an activity whithout the

necessary significance that it shoud have. Based on these assumptions, we have

conducted our study to reading in the classroom in arder .to verity the effects of an

alternativa pedagogícal direction inspired on psycholinguistic principies.

For six months, with a weekly meeting of four classes, we developed

our study the main objective of which was the development of cognitiva aspects

related to reading, emphaslzing the metacognitive strategies.

Upper -midldle-class students from lhe fifth grade of a private school in

Uberlandia were chosen for this study. They showed clear and different reading

problems.

We can say that we obtained stimulating results. During class time, the

students showed through their behavior and their class participation that they have

overcome various problems. They became more confident and, above ali, more

conscious in the sequence of actvities. The lnterest for readlng.was awakened and

176

it grew as the reading became meaningful to them. The proof of this change was

revea!ed through the analysis of interaction in the classroom, the pedagogical

procedures developed and lhe interviews with the participants.

lt is evident thal ali lhe work involving lhe formation of a reader is

possible, and is necessary in order to avoid the increase of the "reading crísis"

lhat were observed.

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