O uso de estratégias cognitivas e metacognitivas no
ensino/aprendizagem da leitura no 1° grau: uma proposta
de intervenção
Maria Celia Cence Lopes
Orientadora: Prof' Ângela B. Kleiman
Dissertação apresentada ao Curso de Lingüística Aplicada do Instituto de Estudos da Unguagem da Universidade Estadual de Campinas como requisito parcial para título de Mestre em Lingüística Aplicada na Area de Ensino Aprendizagem de Língua Materna
Campinas
1997
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FICHA CATALOGRÂFICA BIBLIOTECA IEL
Lopes, Maria Celia Cence
ELABORADA PELA UNICAMP
O uso de estratégias cognitivas e metacognitivas no ensino I aprendizagem da leitura no 1. grau: uma proposta de intervenção I Maria Celia Cence Lopes. -- Campinas, SP. [ s n J, 1997
11 Orientador. Ângela 8. Kleiman 1
1
1 Dissertacão (mestrado} - Universidade Es-tadual de Campinas, Instituto de Estudos da
H L i nguagem
l! 1. Psicolinguistica·. 2 Leitura'~ 3.Inte- !I 11 racão social\' 4 Metacogm.cãof I. Kleiman, I!
111 Ângela 8 li Universidade Estadual de Cam- 11
pinas Instituto de Estudos da Linguagem.
11 11! Titulo 11
~================"====================~
Ests exemntur é a redaolo final da tea~
defendid;;.
Professora Dra. Angela Dei Carmen Bustos Romero de Kleiman
Professora Ora. Sílvia Bueno Terzi
Professora Ora. Sívía Helena Barbi Cardoso
AGRADECIMENTOS
São tantos! Para tantas pessoas envolvidas que estiveram ao meu lado
neste percurso!
Disse Drummond "No caminho tinha uma pedra~. No caminho que trilhei,
não faltaram pedras. Sim. Pedras de vários tamanhos. Alguns mais próximos me
ajudaram a arrastá-las, pois tive também de carregá-las. É claro que o caminho
não é só pedra, é também sombra e esperança.
No meio dele a presença de meu marido, Veríssimo, companheiro fiel de
todos os momentos. Um professor exigente que fez ampliar minha leitura de
mundo. De meus filhos Roseane, Claudia, lvanise, Luís Veríssimo e Vitorino José,
leituras que produzi e que se multiplicaram em amor e carinho. A presença da
Profl Ângela B. Kleirnan, minha orientadora, com sua paciência e compreensão a
me acompanhar. Profissional, mas sobretudo um ser humano notáveL A da ProF
Creusa Helena D. Lima, amiga que se fez colega de tantos anos, companheira na
pesquisa, compartilhando trabalho e as surpresas de situações inusitadas, às
vezes traduzidas em emoções. A dos alunos da quinta série que conviveram
conosco e que submetidos à pesquisa, partilharam conosco momentos de busca,
dando-nos a essência das respostas pinceladas com a alegria de seus verdes
anos. A da Profl Sandra Diniz Costa, colega e amiga que se dispôs a revisar
meus escritos.
As pedras não mais existem. Deus nos ajudou a todos. Obrigada.
Sumãrio
INTRODUÇÃO .................................................................................................................... 4
CAPÍTULO 1 ........................................................................................................................ 8
O SUPERCONTEXTO DE LEITURA ................................................................................ 8
CAPiTULO 2 ....................................................................................................................... 33
UMA VISÃO DE LEITURA •••••••••••••••••••••••.••••••..•..••••.•••.••••••••••••••••••••••••.•••.•••.••..••••.••••••.•• 33
2.1. COMPONENTESDALEITURA .................. _, ..... .
2,2. lMPUCAÇÓES DAS REPRESENTAÇÕES MENTAIS PARA A LEITURA.
.... .33
. ... .40
CAPÍTULO 3 ..................................................................................................................... ,.57
ASPECTOS COGNITIVOS ENVOLVIDOS NA LEITURA ............................................. 57
...... , ... ,.57 3.1. TEORIA DOS ESQUEMAS ...
3.2. ÚCONHECIMENTOPRÉVlO .. . --·· .......................................................... 66
3.3. EsTRATÉGIAS .......................... ,. .......................................... . ...75
CAPÍTUW 4 ....................................................................................................................... 92
SITUANDO A PESQUISA .......................................................... : ....................................... 92
4.L 0ESCRIÇÃOOOCONTEXTO ..
4.1.1. Dados gerais sobre os alunos ...
4.1.2. Escolaridade dos pais ...
4.1.3. Interação com a professora de Português •.
4.1.4. Exame dos textos do livro didático ...
4.1.5. Instrumentos utilizados na pesquisa ..
" ........................ _,94
. ....... 96
. ..... 97
.. .. 97
.. .... 98
99
CAPÍTULO 5 ..................................................................................................................... 101
DESENVOLVIMENTO DA PESQUISA E ANÁLISE DOS RESULTADOS •••••.••••••••••• 101
5.1. PLANEJAMENTO DAS ATIVIDADES DE SALA DE AULA., .......................................... 101
5.1.1. Observação de aula .................................................................................. 101
5.1.2. Seleção do material para leitora ...
5.1.3. Metodologia adotada para o trabalho com o texto ..
5.2. ANÁLISE DOS DADOS ..
5.2.1. Estratégias em foco ...... ,. ................................. ..
. ................. 104
............................ 106
. ........................ 108
.. ........................... 108
CONSIDERAÇÕES F1NAIS ..••••.••.••.•.•.•.•.••...•...••.•..••...•..••••••..•..•.•.•.••••••.....•...•.••.•••••••.•••• 136
ANEXO .............................................................................................................................. t41
BffiLIOGRAFIA ............................................................................................................... l71
Resumo
Este trabalho teve como enfoque principal a leitura escolar,
pois sempre nos preocupou o seu desenvolvimento precário, tendo como
conseqüência leitores com uma série de deficiências no que tange à
recepção de textos escritos. Por sua vez, a leitura sem objetivos claros e sem
um respaldo teórico vai se tornando cada vez mais em uma atividade sem o
significado que deveria ter.
Tendo como base esses pressupostos, organizamos nosso
trabalho voltado para uma intervenção nas aulas de leitura a fim de
verificarmos os efeitos de uma diretriz pedagógica alternativa, baseada em
princípios psicolingüísticos.
Durante seis meses, com um encontro semanal de quatro aulas
cada um, desenvolvemos nossa pesquisa, cujo objetivo central era o
desenvolvimento de aspectos cognitivos relacionados à leitura, destacando
as estratégias metacognitivas.
Estiveram envolvidos em nossa pesquisa alunos da classe
média alta, da sa série, de uma escola particular de Uberlândia, que
apresentavam claros e variados problemas de leitura.
Podemos dizer que obtivemos resultados animadores. No
decorrer das aulas, os alunos demonstraram pelo seu comportamento e na
participação das aulas a superação de muitos problemas. Tornaram-se mais
confiantes e sobretudo, mais conscientes na seqüência das atividades. O
interesse pela leitura foi despertado e acentuou-se à medida que a leitura se
tomou significativa para eles. A evidência dessa mudança é revelada através
da análise da interação na sala de aula, dos procedimentos pedagógicos
desencadeados e das entrevistas com os participantes.
1
Destacamos que o trabalho formativo do lettor é possível, a f1m
de evitarmos que a "crise de leitura" que ora presenciamos recrudesça ainda
mais.
Psicolingüística - Leitura -Interação social - Metacognição
2
"A leitura é uma eterna busca. É como uma
chave que vai abrindo porteiras e portais, até
que se acabem as paredes. E quando é
chegado este momento, o homem pode ver
que todas as suas guerras não conseguíram
apagar sua cultura , nem mesmo um traço
de história. Assim, este ser solitário pode
começar a construir suas próprias portas no
céu - desta vez sem erguer muros - e jogar
sua chave para baixo. A leitura dá ao homem
essa dimensão sem limítes."
Bernardo de Lima Gondim
(Aluno do 3" ano colegial da EE "Bueno Brandllo", Uberl!lndia)
3
INTRODUÇÃO
Este trabalho é um estudo sobre um desafiante problema que as
escolas enfrentam: leitura. Falar sobre leitura implica falar sobre desacertos,
frustrações e fracassos. A leitura é fonte geradora de críticas. lnfelízmente!
Toma-se, portanto, uma tarefa de grande responsabilidade dos professores
insistir nos caminhos e/ou processos que possam mostrá-/a significativa para
o leitor, adotando práticas transformadores. É uma tarefa da qual não podem
fugir, pois o domínio da leitura representa para o leitor uma abertura para
melhor conhecimento do mundo, incluindo-se aí seu micro e macro universo
de vivência individual e partilhada. A leitura deve fazer com que haja uma
sintonia mais consistente entre o indivíduo e todas as instâncias de suas
experiências.
Pelo que nos é dado perceber e pelo que sabemos, a leitura
configura-se como uma ampla questão , cuja investigação não foi esgotada,
com seus nós ainda não desfeitos por inteiro. De nossa parte, tentamos
abordar aspectos cognitivos subjacentes ao processo desencadeado,
principalmente na escola, dando ênfase às estratégias de que o leitor
aprendiz pode se valer para o entendimento do texto, assunto que escapa às
preocupações relativas ao aprendizado da leitura.
O nosso objetivo foi testar pressupostos psicolíngüísticos
aplicados á leitura (v. Brown (1980), Kato (1990), Kleiman (1989), bem como
verificar e analisar resultados em situação concreta e cotidiana da sala de
aula. Para tanto, visamos ao aproveitamento e ao desenvolvimento de
4
estratégias conscientes, sendo o processo mediado pelo professor por meio
de exercícios de linguagem orais e escritos que pudessem levar os alunos à
reflexão. Precederam esse objetivo a consideração de uma leitura como um
processo de desenvolvimento e a intenção de que essa leitura pudesse se
tomar significativa para o aluno.
Achamos pertinentes as considerações teóricas levantadas que
serviram de guia para o nosso estudo, visto que elas constituem ponto de
partida para nossa hipótese de trabalho. A nossa hipótese é que o fracasso
em leitura tem raízes no início da alfabetização em que não se estabelece
referência para as palavras escritas que começam a ser assimiladas pela
criança, ou seja, muitas delas ou têm sentido distorcido ou não têm sentido
algum. Assim, a leitura se toma uma atividade enfadonha, com pouca
produtividade, sem revelar a sua utilidade para a vida de todas as pessoas
que vivem no mundo letrado.
Nosso estudo se valeu, em determinadas partes, dos campos
educacional e sócio-cultural , por entendermos que a leitura ocorre nesses
contextos e se volta para eles. Envolve a realidade própria de cada leitor,
envolve seu desenvolvimento cognitivo e o conhecimento já armazenado em
seus esquemas. De acordo com Van Dijk e Kintsch (1983), os discursos não
ocorrem no vazio, mas em contextos amplos, recebendo deles influências.
Estiveram envolvidos em nossa pesquisa alunos de 58 série
pertencentes à classe média alta. Em suas tarefas pudemos verificar
dificuldades de leitura comumente atribuídas a alunos de classes sociais
menos favorecidas.
5
O afunilamento caracteriza a estrutura deste trabalho. Partimos de
questões mais gerais até tocar a questão específica do ensino da leitura na
escola_
Consideramos em primeiro lugar os fatores políticos,
educacionais, lingüísticos, pragmáticos que junto com os processos
cognitivos afetam a leitura contribuindo para a sua apreensão.
Passamos, a seguir, a enfocar a leitura como um processamento,
envolvendo processos mentais superiores que são mediados pelo sistema
simbólico da linguagem, de acordo com Vygotsky (1989). Esse
processamento se caracteriza por envolver as representações mentais como
construção prévia e apresentar como resultado o produto ou o
desenvolvimento contínuo destas representações mentais.
Abordamos depois a condução tradicional da leitura na escola , a
começar pela alfabetização, em que se observam procedimentos
inadequados e conseqüências indesejáveis. Lembramos, nesta parte, os
pressupostos cognitivos propostos por Van Dijk e Kintsch (op.cit.) que devem
ser considerados atentamente, pois explicam a formação das representações
mentais. Destacamos, ainda, o papel da interação contribuindo para a
compreensão do texto, segundo Kleiman ( 1993).
O nosso enfoque, a seguir, se dirige para aspectos cognitivos
envolvidos na leitura como os esquemas, o conhecimento prévio e as
estratégias cognitivas e metacognitivas. Estas últimas ajudam sobremaneira
a compreensão de textos. Treinadas que podem ser nas aulas de leitura, vão
propiciar ao aluno estendê-las a outras tantas leituras feitas na escola
conforme demonstram dados da pesquisa.
6
Na seqüência dos capítulos, descrevemos a pesquisa feita, a
partir da observação do contexto em que se dava a leitura na escola. Esse
contexto, ou o contato com a realidade verificada, gerou as diretrizes de uma
fase experimental de intervenção nas aulas de leitura e essa, por sua vez, a
continuidade da ação pedagógica conforme a concebemos, provocando
situações em que puderam ser evidenciados alguns aspectos cognitivos
nessa atividade. Procedemos à análise dos dados coletados, mostrando
como esses aspectos permeiam a leitura, vista como um processo em
desenvolvimento. Nessa análise levamos em consideração os resultados que
foram surgindo, hipotetízados alguns e outros não previstos, valendo-nos de
dados da interação, em que as estratégias conscientes foram sendo
estimuladas. Foi possível, ainda, na análise, verificar as conseqüências do
recurso às estratégias para o comportamento dos alunos ante à leitura de
textos.
No processo de leitura desencadeado não nos escapou a
observação do entrecruzar de fatores sociais, cognitivos e afetivos-volitivos,
conforme a perspectiva de Vygotsky, ao considerar o homem numa dimensão
total, em que esses fatores exercem influências recíprocas.
Finalmente, tecemos algumas considerações sobre a pesquisa
desenvolvida, na conclusão a que chegamos.
7
CAPITULO 1
O SUPERCONTEXTO DE LEITURA
Leitura e escola sempre estiveram relacionadas e constituem um
ponto central das discussões que se levantam, envolvendo o interesse e a
preocupação dos estudiosos com as questões que cercam o processo
educacional.
Segundo nos informa Goodman {1991), entre outros processos
lingüísticos, a leitura foi o que mais atenção recebeu, neste século, por parte
daqueles que se voltaram para a educação e a pesquisa educacional.
Tornou-se foco de interesse, também, da psicologia cognitiva
Entretanto, foi negligenciada pelos estudiosos de outras
disciplinas ao abordarem a língua e o desenvolvimento da linguagem. A
explosão de conhecimentos relacionados com a leitura e, especificamente,
com a compreensão de leitura, advinda de diversas áreas, veio ocorrer nas
duas últimas décadas, mas as tentativas de aplicação desses conhecimentos
à instrução em leitura têm sido gradativas e fragmentadas. Também Kato
(1988) faz observações semelhantes, ao dizer que quanto à área lingüística
(incluindo-se ai a sócío e a psicolingüística), o interesse dos pesquisadores
pela leitura é recente e só nos últimos anos os especialistas da área de
educação começaram a ter consciência desse interesse comum.
Embora seja difícil conjugar todos os princípios teóricos que
norteiam as pesquisas em leitura, há de se reconhecer que todos esses
8
princípios se dirigem para a compreensão dos textos escritos, uma vez que
esta habilidade é intrínseca ao processo, além de ser uma exigência do
mundo em qualquer época devido às suas complexas e aceleradas
mudanças. As pessoas nascidas e criadas em uma sociedade letrada
necessitam da linguagem escrita à medida em que se estendem suas
relações sociais. Esse mundo moderno com suas características próprias e
mutantes vai determinar o material verbal disponível, produzido
ininterruptamente, que cria a necessidade de leitura, mas que paralelamente
revela problemas, talvez por exigir cada vez mais diversificadas leituras e por
conviverem estas com apelos visuais constantes. O suporte visual ilustrativo
é de acesso mais fácil, imediato e, por conseguinte, bastante explorado na
época atual, principalmente pelos meios de comunicação, quando se trata de
propagandas, "out-doors", enfim pelo trabalho de "marketing". O livro didático
não fica de fora dessa tendência, embora a ilustração de textos possa, num
estágio inicial de aprendizagem de leitura, contribuir para que o aluno os
compreenda , sugerindo-lhe alguma pista. Entretanto, há de se ressaltar que
os recursos visuais parecem se reter na memória de maneira mais
passageira, ou seja, eles têm um estágio mais vulnerável e menos
duradouro, talvez pela sua constante variação e/ou mutação, ou mesmo
devido às tendências de estilo próprias dos ilustradores. Ao contrário, o
material verbal veiculado pela escrita, ou mais precisamente o seu conteúdo,
se fixa na memória de modo quase perene, visto que os níveis da língua
necessitam ser observados , sob pena de violarem a sua própria estrutura.
Além disso, os níveis apresentam peculiaridades que são generalizantes,
pois se repetem nas diversas situações em que são usados. Esse tipo de
9
diferença que apontamos entre os recursos visuais (ilustrativos) e o material
gráfico pode ser constatado por meio de nossa própria experiência de
leitores. Cabe lembrar, porém, que o material gráfico, ou seja, a
materialização da escrita , por si só, não garante a compreensão de textos.
Kleiman (1989) admite a dificuldade da tarefa de compreender o
texto, apontando entre outras causas o ato do objeto parecer indistinto com
tantas e variadas dimensões. De fato, questões lingüísticas, pragmáticas,
situacionais, ideológicas para citar algumas, entram em jogo como um
conjunto heterogêneo e complexo de fatores que se juntam no processo da
compreensão. Conforme argumenta a autora:
"( ... ) a compreensão de um texto ... abrange muitas das
possíveis dimensões, se pensamos que a compreensão
verbal inclui desde a compreensão de uma charada até a
compreensão de uma obra de arte". (op. cit.: 10).
Um dos cruciais problemas de leitura parece emergir de práticas
tradicionais adotadas pela escola que condicionam o desempenho do aluno.
O tratamento dado ao texto em sala de aula se restringe à execução de
tarefas repetitivas e desmotivadoras. O professor, sem refletir sobre as
questões propostas e respondidas pelo "livro do mestre", companheiro mais
completo daquele usado pelo aluno, que direciona suas respostas, aceita
apenas, ou quase sempre, aquelas que estiverem de acordo com o que foi
pré-estabelecido. Como resultado, o aluno vai se adaptando, ou melhor
dizendo, se enquadrando dentro de um modelo padronizado que não
apresenta nenhuma variedade para o trabalho com o texto e, por
conseguinte, nenhum estímulo para um trabalho mental maís elaborado O
10
tipo de interpretação pretendida, na maioria das vezes, subestima a própria
capacidade de pensar do aluno, conduzindo-o a adquirir mecanismos e
padrões que se consolidam a fim de executar a tarefa proposta para este tipo
de atividade, limitada à busca não de respostas, mas de preenchimentos
adequados.
Terzi (1992) em recente pesquisa sobre o processo de construção
da leitura, constata este fato denominando as perguntas mais utilizadas em
nossas escolas públicas de livrescas, apontando como uma de suas
características a reprodução de palavras usadas no texto para apresentar a
informação por elas (perguntas) solicitadas. Caracterizam-se ainda por
requererem informações explícitas e já prontas no texto, o que não vai exigir
a integração de informações pelo aluno. Este vai percebendo que qualquer
desvio do padrão modelador não será aceito. Assim, estabelece-se uma
espécie de ritual tácito compartilhado, que é previsível e sem alterações. O
estímulo à reflexão, já na sua nascente, é minimizado, toma-se fragilizado,
pois é podado constantemente. Para Wells (1991:108)
"( .. .) os professores, na prática, estão tão preocupados
em ensinar aqu#o que acreditam que as crianças devam
aprender, que lhes permitem muito poucas oportunidades
para assumirem responsabilidade por sua própria
aprendizagem e, como resultado, quase que
invariavelmente subestimam as reais capacidades das
crianças".
De fato, a escola muito raramente leva em consideração o
potencial cognitivo da criança. Ignora que seu desenvolvimento e
11
aprendizagem, em contínua expansão, iniciaram-se muito antes do período
escolar e que o processo desencadeado desde a mais tenra idade servirá de
suporte para o domínio da linguagem escrita, em que a leitura,
necessariamente, ocupa lugar centraL Assim, os aspectos cognitivos, sociais
e interativos que deveriam ser considerados na e para a leitura não são
devidamente valorizados.
Cremos, por outro lado, que as tarefas de leitura poderiam
também envolver e se aproximar tanto quanto possível das exigências
corriqueiras, mas inúmeras e relevantes vivenciadas pelo aluno, a fim de lhe
assegurar uma intimidade com temas atuais e cotidianos que a própria leitura
pode oferecer.
Foucambert (1994: 10) observa que os diferentes textos
disponíveis devem se tornar conhecidos ao ressaltar: u A escola deve ajudar a
criança a tornar-se leitor dos textos que círculam no social e não limitá-la à
leitura de um texto pedagógico, destinado apenas a ensiná-/a a ler. Entiio é
precíso conhecer esses escritos socíaís."
Gumperz (1991), por sua vez, escreve que quase todos os
membros das sociedades modernas têm suposições que encontram
expressão em suas atividades imediatas, incluindo aí os usos da linguagem.
Sugere o autor que essas suposições devem ser investigadas, no sentido de
situá-las no processo de aprendizagem da sala de aula.
De nossa parte, podemos dizer que a utilização de textos
relevantes da atualidade para as tarefas de leitura, conforme fizemos ao
aplicarmos nosso instrumento de pesquisa, mostrou-se um recurso viável e
produtívo, provocando grande envolvimento dos alunos que passaram a ter
12
um interesse maior em ler, fato esse não percebido nos primeiros contatos
que tivemos,
Devemos admitir que há diversidade de interesses, de
expectativas, de necessidades e que, em conseqüência disto, as aulas de
leitura não se devem circunscrever apenas a textos contidos no livro didático
de português, muitos dos quais são indefinidamente repetidos. A
diversificação de textos se torna desejável, podendo reverter uma rotina
cansativa e nem sempre prazerosa, ditada, via de regra, por convenções
institucionais instauradas que vão consolidando cada vez mais a ritualização
não só da leitura, mas do ensino de um modo geral. Normalmente, pais e
professores assumem uma posição não questionadora desse modo de ser do
ensino. Aceitam o canônico, o tradicional da sala de aula. Tomam-se
coniventes com a autoridade de que é revestida a escola.
Diversos estudos apontam fatores, influências, condições
interferentes na formação do leitor, reconhecendo-os ora como
favorecedores, ora como inibidores para a aprendizagem da leitura.
O longo trabalho de pesquisa de Heath realizado em três
comunidades norte-americanas (Mainto'Ml, Roadvílle, Trackton} traz uma
resposta significativa a propósito de como os hábitos de leitura da família
podem subsidiar o trabalho realizado pela escola. A autora ( 1982) relata que
as crianças de Maintown, representantes da classe média, obtiveram mais
sucesso em suas atividades escolares do que as crianças das duas outras
comunidades, uma de operários brancos nativos da região (Roadville) e
outra de operários negros de origem rural (Trackton}. Nas duas últimas
comunidades o nível de escolaridade era inferior.
13
As crianças da primeira comunidade citada tiveram acasso amplo à
escrita desde cedo e incentivo para essa prática. A autora observa que a
habilidade de tirar significado dos livros, habilidade fundamental na escola, é
uma extensão dos hábitos de leitura cultivados bem antes do período
escolar, no seio das famílias da classe média. Um dos hábitos bastante
produtivos que teriam reflexos futuros desejáveis na leitura da escola, é a
leitura de historinhas para as crianças na hora de dormir (bedtime story). Não
só a leitura preenche este momento. Ele é acrescido do diálogo entre pais e
filhos acerca do que dizem os livrinhos. O conteúdo das histórias com seus
personagens servirão de referência aplicáveis em outras situações, isto é, as
crianças começam a desenvolver estratégias que lhes serão úteis em
momentos outros de leitura. Em conseqüê-ncia disso, o desempenho escolar
dessas crianças é bem melhor do que o das outras crianças representantes
das demais comunidades.
As crianças de Roadville também tinham contato facilitado com o
mundo da escrita, inclusive com as histórias de dormir. Porém esse contato
era feito de modo diferenciado, ou seja, sem que se relacionassem as
historinhas com as experiências vivenciadas pelas crianças.
O contato das crianças de Trackton com a leitura se fazia de outro
modo. De acordo com Heath, o material específico para crianças a que elas
têm acesso é aquele divulgado pela escola dominical da igreja que
freqüentam. Os pais lêem jornais, circulares relacionadas a eventos cívicos e
políticos, a bíblia e outros materiais religiosos. Não há leituras
compartilhadas na família. As crianças desenvolvem práticas orais de
linguagem, como contar fatos ocorridos em suas vidas e no ambiente em que
14
vivem. Elas contam historinhas, mas não chegam a organizá-las de acordo
com os modelos das narrativas escolares.
A pesquisadora observa, então, que o desempenho escolar futuro
dessas crianças será diferente, tendo mais sucesso as primeiras citadas.
Podemos associar a questão desse maior sucesso à familiaridade das
crianças com os assuntos como também ao enriquecimento dos
conhecimentos prévios, questão essa de que nos ocuparemos em outra
parte deste trabalho.
Embora abordando questões lingüísticas, sociais e ideológicas, a
visão de Gee (1990) sobre o sucesso escolar das crianças parte dos
mesmos pressupostos de Heath. O autor menciona como exemplo, entre
outros, um estudo longitudinal realizado na Inglaterra (The Brístol Language
Project) em que foi estudado o desenvolvimento da linguagem de 129
crianças nascidas na área de BristoL Foi constatado que o sucesso escolar
dessas crianças, com 1 O anos de idade na época da pesquisa, estava
fortemente relacionado à experiência para o letramento que apresentavam
ao ingressarem na escola. Por sua vez, essa experiência se relacionava à
classe social a que pertenciam as crianças.
O autor cita, ainda, estudos feitos para tentar explicar a ~lógican do
que ele denomina ''crise de letramento". Não foi surpresa para ele o
resultado dos testes aplicados em crianças, antes de seu ingresso na escola.
As que conseguiram melhor desempenho foram, justamente, aquelas
pertencentes à classe média, que cultivam em casa hábitos de leitura e
práticas de letramento. Esses hábitos e práticas vão gerar habilidades para
uma base escolar de sucesso. Observa, ainda, que a escola, longe de
15
remover as diferenças trazidas de casa pelas crianças, consolida as
diferenças das classes sociais.
Do ponto de vista psicolingüístico, podemos acrescentar aqui, que
as crianças da classe média, por conviverem mais de perto com variados
tipos de material escrito, provavelmente, tenham um conhecimento lingüístico
prévio mais amplo devido a uma maior familiaridade com padrões discursivos
da escola que procuram reproduzir os padrões próprios da classe média. O
fato de as crianças estarem mais expostas a esses modelos pode favorecer a
aquisição e domínio da modalidade escrita. De acordo com Rumelhart
(1980), uma das características que pode separar leitores mais e menos
habilitados é a acessibilidade a um número maior de esquemas de palavras
mais completamente desenvolvidos. Podemos deduzir que essa questão se
volta para aqueles esquemas mais explorados e valorizados pela escola.
Ferreiro (1992: 86), por sua vez, observa:
"A evidência empírica acumulada parece indicar que a
ordem da sucessão das conceptualizações das cn·anças
não é aleatória e que algumas das construções são
prévias a outras porque são constitutivas das construções
subseqüentes".
No que se refere à leítura, podemos associar os argumentos de
Rumelhart e de Ferreiro, considerando que os esquemas de palavras mais
desenvolvidos, de um modo geral, podem desencadear um processo
contínuo de ampliação desses esquemas, porque, sem dúvida, o
conhecimento de uma palavra cria condições propícias para o conhecimento
de outra, ou seja, uma palavra alicerça o acesso à outra.
16
O argumento de Ferreiro deixa clara a idéia da ligação e da
dependência das construções que vão sendo feitas; remete-nos, ainda, a
uma imagem de construção, cujos acréscimos expandem sempre a partir de
um outro já existente e consolidado. Pressupomos que, dessa forma, se
estabelecem correntes cognitivas em movimento constante, envolvendo
palavras, frases, texto e, logicamente, o sentido de cada um desses
segmentos. Enfim , a aquisição e o domínio do universo da escrita e da
leitura.
Não descarta a autora as diferenças individuais dos modos como
se dão essas organizações, mas situa-as num marco geraL Chama a
atenção para a reconstrução de um saber construído em certo domínio a fim
de que possa ser aplicado a outro, incluindo ai a reconstrução do
conhecimento oral que a criança tem para poder utilizá-lo no domínio da
escrita.
Ocorre que, na observação que fizemos, lidamos com crianças
oriundas da classe média e que, segundo registram as entrevistas, tiveram
contato com diversas formas de leitura e escrita, tanto no seio da família
como nas escolinhas infantis. Antes do início de sua alfabetização formal,
todos eles passaram por escolas particulares, começando alguns sua
trajetória escolar aos 2 anos de idade.
Era, portanto, de se esperar que esses alunos apresentassem
ótimos resultados na escola quanto ao domínio das duas habilidades
básicas: ler/escrever, devido às práticas de letramento anteriores. Por ser
assim, o processo de reconstrução de que nos fala Ferreiro poderia ser mais
facilitado. Entretanto, o resultado que apresentam em termos de
17
desempenho de leitura não é uniforme, nem homogêneo, nem o mais bem
sucedido, conforme geralmente se prevê. Os alunos demonstram falhas
quanto à compreensão dos textos e mesmo quanto à maneira de ler
(descontinuidade, silabação, entonação inadequada). Enfim, não chegam a
ser nem leituristas 1 considerados dentro do que se supõe ideal (leitura
corrente, entonativa, sem embaraços), nem tampouco leitores capazes de
reconhecerem traços da intertextualidade2, ou seja, das relações
estabelecidas pelo texto com outros textos, implícita ou explicitamente,
através de fatores formais. Dizendo de outra forma, não conseguem associar
1Chamamos de ·teiturista'a quem lê o texto de maneira superficial para desincumbir-se
de uma tarefa, sem ser estimulado a compreender o que o texto, ou mesmo porções menores dos
textos dizem. Esse tipo de leitor, muítas das vezes, lê correntemente, sem tropeços. As palavras lidas
não precisam de retoque. Lê com entonação e pausas adequadas. Ê o leitor idealizado pela escola
por apresentar um bom desempenho em leitura oral, quando esta atividade é colocada em prática na
sala de aula. Na ânsia de ter bem, este tipo de leitor, de modo geral, não faz a imersão no texto, não
tem tempo de fazer suas inferências, não capta as entretinhas do texto. Ele cumpre a tarefa como que
recitando o texto. Enfim, é o que passeia os olhos sobre o texto sem escutá-lo, segundo as palavras
de Geraldi (1991: 172).
2A intertextualidade é um importante fator de coerência, "na medida em que , para o
processamento cognitivo (produção/recepção) de um texto recorre-se ao conhecimento prévio de
outros texros". {Koch & Travaglia: 1989)< Segundo os autores, a intertextualidade pode ser de forma,
de conteUdo e tipológica (um subtipo da intertextualidade formal}, Interessa-nos particularmente,
neste trabalho, a intertextualidade de conteúdo que está associada ao conhecimento de mundo e é
bastante evidente, podendo ocorrer impl!cita ou explici1amente. Quando a intertextualidade se
encontra imp!lcita, o receptor terá de se valer de seu conhecimento prévio para recuperá-la e assocíá
la ao texto que está sendo lido. É um tipo de est-ratégia mui1o importante para se atingir a
compreensão do texto. Quando a intertextualidade é explicitada pela indicação da fonte de outros
textos, de citações, da reprodução de trechos e falas de outros textos, é posslvel que a compreensão
seja atingida com mais rapidez. (v, Koch & Travaglia (op. clt. e 1989) para maiores detalhes).
18
o que estão lendo num dado momento com outras situações já conhecidas.
Em suma, não chegam a compreender o texto como um objeto coerente, uma
unidade significativa, e por conseguinte, bloqueiam-se as condições para
que eles consigam construir um sentido para o texto.
Esta constatação incita-nos algumas reflexões e suposições. É de
se supor, por exemplo, que essas crianças estejam mais expostas a eventos
de letramento, que tenham um acesso constante e facilitado aos meios de
comunicação, que percebam mais cedo a organização da linguagem escrita,
que tenham mais oportunidade de captar o modo valorizado pela escola de
se contar (por exemplo, uma historinha), de se recitar uma quadrinha etc. o
que poderia favorecer a construção e ampliação de seus esquemas e o
enriquecimento de seu conhecimento prévio. Mas é de se supor, também,
que alguns outros fatores estejam emergindo desta imaginada classe social,
atuando como interferentes não desejáveis para o aprendizado da leitura.
Muitas vezes, os pais têm um convívio pouco direto com os filhos,
determinado pelas exigências de trabalho ou de outras atividades com que
se envolvem. Supomos que as crianças acabam por criar situações paralelas
como as convivências eletrônicas, o que não deixa de ser uma alternativa
para compensar as lacunas de sua necessidade de comunicação, mesmo
tendo ela uma característica unilateral. Vivências solitárias para preencher
os desvãos de sua própria necessidade de (com)viver. A casa toma-se seu
refúgio seguro e restrito, porque vão sendo, também, gradativamente
acuados pelo medo. A rua constitui uma ameaça, não mais o convíte para as
brincadeiras descontraídas que promovem o aprendizado espontâneo e a
multiplicidade de leituras.
19
Assistimos à transformação da liberdade em aprisionamento,
conseqüência dos perigos urbanos que proliferam em toda parte. Com isso,
a criança se vê privada de suas oportunidades primeiras e naturais de "ler o
mundo", conforme a concepção de Freire (1985). São criados aparatos
artificiais para o entretenimento, substituindo cada vez mais o que a criança
poderia construir com sua imaginação e descobertas decorrentes de sua
curiosidade inata, intelierindo, ou talvez mesmo alterando o seu
desenvolvimento cognitivo. Ou seja, a leitura de mundo ou o seu
conhecimento prévio se constroem em bases diferenciadas, porém com um
direcionamento restrito a padrões mais ou menos uniformes e, portanto,
massificador.
Então, questionamos até que ponto não estaria esse contexto
moderno desmotivando a aprendizagem e minimizando a capacidade de
recepção e reação da criança. Ou, em que dimensão estaria bitolando-a
dentro de um tipo de aprendizagem teledirigida e manipuladora, traçando
uma direção unilateral para o seu pensar. De que maneira tudo isso estaria
se refletindo na leitura, vista como uma forma de alargar a visão de mundo,
já que a criança aprende desde cedo a ver o mundo pelos olhos eletrônicos
(TV, vídeogames), a assimilar clichês altamente perniciosos para o seu
discernimento e para a construção de seu juízos de valor? O seu senso
crítico se assenta em lugares comuns, porque seus esquemas são impostos,
limitados, manipulados. Pouco espaço é deixado para a descoberta, para as
escolhas individuais e muito espaço para o que está posto, para o que é
transmitido pela polifonia indeterminada e repetitiva, para a insensibilidade.
Há como que um mediador invisível, mas suficientemente forte e regulador
20
se desenvolvendo fora e dentro da escola, direcionando os indivíduos para a
passividade
Segundo Soares (1988) e também Kleiman (op. cit:1989), a leitura
não é aceitação passiva, mas sim construção ativa e é no processo de
interação desencadeado pela leitura que o texto se constitui. Se como pano
de fundo constatamos essa inculcação continuada e se se impõem
ideologias, como poderá se dar a construção ativa da leitura? De que modo
a compreensão fica afetada, estando a interação tão desvirtuada de sua
característica constitutiva?
Orlandi (1988:35) postula ser a leitura uma questão lingüística,
pedagógica e social ao mesmo tempo. Considerando-se desse modo a
leitura, pode-se vislumbrar que ela está sujeita a inserções e influências de
várias ordens na tricotomia apontada. Cremos que aquela leitura de mundo
de que nos fala Freire seja produto de uma leitura pelo contato díreto,
vivenciada, em que se descortinam os fatos, os acontecimentos, com os
nossos próprios olhos e sentidos, através de várias formas de interaçao. É
ver com os nossos próprios olhos e sentidos o que possibilita as
descobertas, a intervenção no mundo, transformando-o por um movimento
contínuo de aprendizagem que parte do concreto para as abstrações. A
leitura se expande e se estende até os limites possíveis do indivíduo e se
irradia influenciando o "nós" social-histórico e dele recebendo influências.
A leitura que se observa nos tempos atuais nos parece bem
diferente, fechada num círculo vicioso. A visão de mundo é dissimulada,
impingida, cheia de recortes. O contato é distante e indireto. Lê-se o mundo
por meio de outros olhos, daqueles que viram primeiro e que selecionam o
21
mais adequado (ou o mais belo, ou o mais violento) para ser apreciado. O
mediador invisível transmite crenças, valores, cultura, legitimados pelo
"status-quo". O que é próprio do indivíduo leitor do mundo é sempre
suplantado pelo que é próprio de sociedades submetidas aos interesses de
quem domina, de quem detém o poder. O conhecimento prévio formado
nesse complexo emaranhado de rumos ideológicos e políticos suspeitos
pode ficar seriamente comprometido, estereotipado e míope. Esse
emaranhado pode determinar também um reducionismo (intencional) da
própria capacidade lingüística e cognitiva, pois inibe o uso da imaginação
criadora.
Há uma ação coercitiva do contexto mais amplo, mais geral que se
reproduz, inevitavelmente, na escola através do ensino e que vai sendo
assimilada pelos alunos, pois "aponta sempre para a não relação com o
inesperado, o múltiplo, o diferente." (Orlandi, op. cit.: 39).
Pode parecer que estejamos nos desviando do processo cognitivo
de leitura em si, objeto selecionado para a abordagem de nossa pesquisa.
Entretanto é oportuna nesse momento a observação de Van Dijk & Kintsch
(1983) a respeito de discursos e histórias que não ocorrem num vácuo. Eles
são produzidos e recebidos por falantes e ouvintes, em situações
específicas, em meio a um contexto social mais amplo. Daí a formulação de
seus pressupostos contextuais (de funcionalidade, comunicativo, pragmático,
interacianista, de situação) conjugados com os pressupostos cognitivos
(construtivista, interpretativo, "on-line", pressuposicional, estratégico) no
estudo do processamento estratégico do discurso. Visto que o discurso
emerge da linguagem verbal e é manifestado lingüisticamente por meio de
22
textos (em sentido estrito), de acordo com Fávero e Koch (1983), deduz-se
que a atividade de leitura, partindo de textos escritos vai, necessariamente,
considerar também o discurso.
Sendo assim, parece-nos pertinente tentar um esboço mais
sistematizado para as nossas colocações anteriores a propósito de fatores
que estão envolvidos direta e ou indiretamente na leitura, considerando essa
atividade como um processo de compreensão e construção de significados.
Os fatores são múltiplos e sincréticos, entretanto, não são monolíticos nem
dissociados. Eles compõem as malhas do tecido de uma imensa rede de
relações.
Cremos poder agrupá-los de acordo com características mais
gerais no que chamaremos de estratos contextuais, concebendo que os
fatores que vêem explicitados a seguir influenciam, afetam a leitura,
tornando-a uma atividade complexa e desafiante e tendo como conseqüência
leitores pouco eficientes. Dessa maneira teríamos:
• um primeiro estrato que estaria ligado a questões políticas não
resolvidas como metas educacionais traçadas, por vezes não
seguidas ou até mesmo ignoradas, programas interrompidos apesar
dos resultados positivos apresentados como o "Integração da
Universidade com o 111 grau"; projetos pictóricos como o
"Alfabetização e cidadania" que sempre têm um início e se perdem
no meio do caminho. Não há a preocupação de aferir os resultados
e eles ou se dispersam ou se sustentam apenas através da
perseverança de grupos isolados .
23
• um segundo estrato estaria ligado a questões educacionais
estruturais corno o ensino com suas raízes assentadas num modelo
tradicional que não leva em conta a realidade social dos alunos que
buscam a escola como instituição oficial de ensino: métodos,
técnicas, estratégias, "receitas de procedimentos" imediatistas e
inadequadas; professores mal preparados para as funções que
exercem; desmotivação profissional; papéis mal interpretados ou
mesmo definidos superficialmente dos chamados técnicos em
educação, desconsideração do contexto social e histórico pela
escola, criando um mundo paralelo dentro de seus muros,
desvinculado do mundo em que o aluno se move.
• um terceiro estrato, também ligado a questões educacionais, diz
respeito ao papel da Universidade que de um modo geral não
conjuga a trfade : ensino, pesquisa, extensão, limitando-se a
''formar" profissionais com carências de várias ordens; ausência
nos Cursos de Licenciatura de um compromisso mais consistente
com aulas práticas, uma vez que o aluno se prepara para ser um
futuro professor (sua prática às vezes se faz atropeladamente, sem
um preparo adequado, entre conflitos e desacertos, já na regência
de classes); resultados de pesquisas e estudos com circulação
quase que exclusivamente dentro da própria Universidade,
tornando estreitíssimo o acesso pelos professores atuantes na
escola a esse material de suma importância para a renovação de
conhecimentos.
24
• um quarto estrato diz respeito a questões lingüísticas. As teorias
ficam no plano abstrato, não sendo tentadas sua aplicação e/ou
testagem, não havendo portanto uma ponte entre os subsídios
teóricos concretos e o ensino/aprendizagem; estudos voltados
apenas para as inevitáveis provas (trabalho árduo para professor e
aluno) e não para um processo avaliativo do grau de aprendizagem
atingido pelo aluno.
• um quinto estrato está associado a questões pragmáticas. Não se
pode ignorar como a línguagem está sendo usada, em que
situações, dentro da sociedade ou da comunidade a que o aluno
pertence. Também não podem ser ignorados os tipos de textos que
se constroem e são veiculados com suas características e efeitos
de sentido.
• um sexto estrato se relaciona aos processos cognitivos envolvidos
na leitura a que subjazem as noções de esquemas, conhecimento
prévio, estratégias cognitivas e metacognitivas, bem como aquelas
estratégias que segundo Van Dijk e Kintsch (op. cit) estão
envolvidas na compreensão de textos: sócio-culturais,
comunicativas, gerais de leitura, de compreensão local, de
coerência local, macro-estratégias, esquemáticas, de uso do
conhecimento.
Cabe-nos destacar, entretanto, que do ponta de vista da
psicologia, a noção de estratégia denota algum tipo de comportamento
cognitivo. Sendo assim, consideramos que as duas primeiras estratégias
{sócio-culturais e comunicativas) citadas se configurariam mais
25
apropriadamente como questões pragmáticas, pois não se tratam de
comportamentos, mas de fatores interferentes na leitura. Ressalte-se que as
sócio-culturais advêm de influências contextuais relacionadas a informações
de vários tipos, à posição social e/ou política do leitor, conforme pressupõem
os autores. As estratégias comunicativas dizem respeito ao engajamento em
determinados atos comunicativos, como por exemplo o interesse em ler
algumas notícias, como também citam os autores.
No bojo deste contexto há ainda a se considerar o fator afetivo
às vezes inanalisável, mas perfeitamente observável nos comportamentos
revelados. Vygotsky (1993) reconhece o fator afetivo como motivador da
criação de um estado de consciência e que parte das necessidades do
indivíduo com influência em seus pensamentos e comportamentos. De nossa
parte, cremos ser o fator afetivo gerador da emotivídade que se traduz em
um tipo de energia que se desenvolve, favorecendo a compreensão de textos
e de situações. Podemos afirmar que a emotividade faz com que o leitor se
envolva em grau altamente desejável com a leitura. Suas atitudes se deixam
revelar em forma de prazer que pode ser sentido e observado (v. também:
Terzi, op. cit.)
então:
Os estratos citados poderiam agora ser reagrupados e teríamos
• O grupo 1, a que chamaríamos de supercontexto, englobando os
estratos 1, 2 e 3.
• O grupo 2, a que chamaríamos de macrocontexto, envolvendo os
estratos 4 e 5.
26
• O grupo 3, a que cham~ríamos de microcontexto, envolvendo o
estrato 6.
Toda essa estrutura, sem dúvida, afeta as ações e
comportamentos, intervém na assimilação do conhecimento pelos indivíduos
e notadamente pela criança.
A leitura acaba por refletir de maneira acentuada a marca de
algumas questões mal compreendidas e despercebidas e vem dando
respostas frustradoras, uma vez que a queixa de que os alunos não sabem
ler se torna cada vez mais rigorosa e mais categórica por parte dos
professores, nas múltiplas situações em que são solicitados a darem uma
opinião sobre desempenho em leitura de seus alunos.
Supúnhamos que o problema referia-se apenas a alunos das
quatro séries iniciais em que a alfabetização é o ponto principal das
preocupações da escola, apresentando junto ao processo de aquisição da
leitura/escrita os seus desajustes naturais e resultados nem sempre os mais
positivos. Mas, veremos mais adiante que o problema avança em mais
direções.
Cook-Gumperz ( 1991) considera a alfabetização não apenas
como a aquisição de habilidades psicológicas, mas também como um
processo social da demonstração da capacidade de adquirir conhecimentos.
Entretanto, observa que as teorias lingüísticas e psicolingüísticas, tomando
se aliadas nas últimas duas décadas, não conseguem sozinhas explicar as
condições sociais e ambientais essenciais para se aprender a ler e a
escrever.
27
Outros fatos também não são explicados: crianças que aprendem
a ler e escrever com extrema dificuldade; crianças que antes de chegarem à
escola já demonstram conhecimento da linguagem escrita, conforme
demonstram Ferreiro e Teberosky (1979) em seus estudos com crianças de 4
a 6 anos que desenvolviam hipóteses sobre a linguagem escrita mesmo
antes de aprenderem a ler; crianças que lêem sem ter adquirido a forma de
escrita alfabética.
Vê-se, portanto, que a aprendizagem é cercada de influências
multifacetadas e imprevisíveis. A escola, sem dúvida, constitui o cenário
central ou principal de onde emergem respostas e não respostas para a
investigação dos pesquisadores e outros interessados nas questões que
subjazem à aprendizagem e nos resultados que esta apresenta. É também a
escola que abastece uma dada sociedade com indivíduos bem ou mal
preparados para exercerem sua cidadania e seus papéis sociais, uma vez
que sua tarefa é uma resposta formal e oficial a uma solicitação específica
desta mesma sociedade.
Várias pesquisas procuram justificar o baixo rendimento escolar,
em que a escritalleitura se destacam, tendo como enfoque as condições
sociais de classes desfavorecidas (v. Soares, op. cit).
Segundo Erickson (1990) numerosas outras pesquisas tentam
explicar o mesmo fenômeno, apontando causas diversas como
determinantes do insucesso escolar, causas essas oriundas de teorias e
enfoques de várias áreas da investigação científica como a lingüística, a
sociolingüística, a psicologia, a antropologia, a pedagogia, entre outras,
apesar de se entrecruzarem e terem seus pontos de contato, mesmo que
28
ainda incipientes. O autor faz considerações várias sobre a explicação de
outros estudiosos interessados no baixo rendimento escolar de minorias
étnicas dos EEUU e contra-argumenta pontos de vista sustentados por
esses estudiosos, principalmente aqueles concernentes à percepção do
mercado de trabalho e ao processo comunicativo, ressaltando suas
limitações e sua fragilidade. Partindo de problemas educacionais emergentes
de características sócio-culturais particulares de seu país, Erickson toca
uma questão mais universal ao observar que falar de sucesso ou fracasso
escolar é falar de aprendizagem ou falta de aprendizagem daquilo que é
deliberadamente ensinado na escola, ao destacar que a aprendizagem é
ubíqua na experiência humana ao longo do ciclo vitaL E ele completa sua
percepção ao observar:
"Os alunas na escola, como outros seres humanos,
aprendem constantemente. Quando dizemos que eles
"não estão aprendendo'~ o que queremos dizer é que eles
não estão aprendendo o que as autoridades escolares,
professores e administradores querem que eles
aprendam coma resultado da instrução intencional".
(p.11)
O argumento desse autor nos parece de suma importância, pois
serve de suporte para a nosso ponto de vista em relação à leitura não bem
sucedida na escola, que não fica restrita apenas a alunos oriundos de
classes sacias desfavorecidas, nem às séries iniciais do ensino fundamental
e nem somente às aulas de língua materna (LM.). A instrução intencional
pode estar desvirtuada de seus caminhos, não atendendo às necessidades
29
atuais do nosso contexto sócio-histórico. Por outro lado, ela pode estar
sinalizando para uma inadequação de suportes teóricos, ficando perdida
nas malhas da tradição e da acomodação em modelos superados.
Dissemos anteriormente que a nossa suposição de o aluno "não
saber ler", de acordo com a fala dos professores, ficava restrita às séries
iniciais do 1° grau, mas podemos observar julgamento semelhante dos
professores quanto a alunos da sa, ea, ya e aa séries, Mais ainda, esse
julgamento se estende ao 2" grau, tocando também o 3° grau. As falas são
ouvidas em toda parte (também fora da escola) e uma amostra delas pode
ser verificada nas entrevistas que fizemos com cinco professores de áreas
diferentes, na escola onde fizemos nossa observação e coletamos dados.
Ratificando o insucesso da leitura, a coordenadora pedagógica da escola
preocupa-se com o fato de, atualmente, os alunos serem reprovados em
matérias da grade curricular consideradas antes de menor peso, como:
Geografia, História, Ciências. Os casos de reprovação nessas matérias eram
escassos e hoje são vistos como significativos, começando a ser motivo de
preocupação. De acordo com seu ponto de vista, as reprovações se devem
ao fato de os alunos não compreenderem o que lêem, pois as matérias
referidas dependem, basicamente, dos textos dos livros didáticos.
A percepção dos problemas de leitura pelos professores advém da
prática, das ocorrências verificadas no dia-a-dia escolar e as causas não
foram ainda detectadas convenientemente. Mas, isto não invalida o que os
professores sentem em relação às carências de leitura, pois eles desejam
que o aluno tenha condições de compreender pelo menos o que lê na
escola.
30
Por outro lado, as pesquisas e trabalhos sobre leitura não chegam
a declarar categoricamente que os alunos não sabem ler, porém demonstram
que existem grandes dificuldades relacionadas ao desempenho em leitura.
Exemplo disto é a conclusão a que chegaram Carraher e Santos ( 1984) na
pesquisa que relatam sobre leitura e senso critico, cujos sujeitos foram
alunos universitários:
denomina
"As observações desta pesquisa não são animadoras
com relação a habilidade de os alunos analisarem e
reffetirem sobre questões de importância. Apontam para
um problema de grandes proporções que se coloca diante
da educação brasileira." (p. 153).
Percebemos, então, que há uma crise de leitura, ou como Gee
uma <~crise de letramento". Chamam-nos a atenção,
particularmente, os problemas de leitura que também atingem alunos
oriundos das classes favorecidas, apesar de seus privilégios e dos recursos
de que dispõem. Não se trata de nos colocarmos em defesa destas classes.
Trata-se antes de uma preocupação com os problemas associados à
aquisição e/ou aprendizagem de leitura e por contigüidade da escrita, ou
vice-versa. Sabe-se que a maioria dos alunos que chegam às universidades
pertencem à classe média. Entretanto, a maioria deles não são percebidos
como os leitores eficientes esperados. A obra de Durigan et ai (1987)
constata resultados pouco positivos, através da análise de redações e de
questões gerais, envolvendo todas elas a leitura e seus reflexos, em provas
de Língua e Literatura do concurso vestibular. As exceções de um bom
31
desempenho em relação ao processo interativo da leitura que propicia a
compreensão são poucas.
E como a leitura não tem apresentado resultados positivos,
supomos como Kato (1990:2), que urge trabalhar a leitura desde a sua
aquisição, através de um trabalho preventivo e formativo e não apenas
corretivo, tendo em vista a formação de um bom leitor ou de um leitor
proficiente. Para haver principalmente o trabalho formativo é necessário que
se conheçam o processo em desenvolvimento e as hipóteses que sustentam
qualquer metodologia de leitura.
Pressupomos, pois, que haja uma crise de leitura, generalizada,
comprometedora e não desejada, embora reconhecendo pelo que tentamos
esboçar acima que atingir uma habilidade ideal em leitura está longe de ser
uma questão pacífica devido às diversas influências a que o leitor/aprendiz e
mesmo o "leitor/formado" estão expostos. Além disso não podemos nos
esquecer das diferenças individuais e das possíveis diferentes formas como
o leitor recebe o texto e tenta construir seu sentido, ou seja, não são precisas
as estratégias de que ele se vale para compreender o texto e nem é preciso
o seu nível de envolvimento com o texto. Com razão observa Kteiman (1989:
10 e 13) parecer a compreensão do texto uma tarefa difícil e complexa,
considerando~se que na leitura, conjugam-se processos cognitivos, a
interação social, o material lingüístico fornecido pelo texto e talvez outros
fatores subjacentes ainda não muito explicitados ou investigados.
Contudo, a leitura é necessária. Ensinar a ler com compreensão é
uma tarefa básica que se torna um compromisso da escola em nosso
contexto social.
32
CAPÍTUL02
UMA VISÃO DE LEITURA
2.1. Componentes da leitura
A abordagem sobre leitura não deixa dúvidas quanto à sua
complexidade devido ao emaranhado de fatores que a perpassam e a
cercam. Caracterizada como socialmente construída, a leitura permite ser
considerada sob diversas perspectivas, submetida que é a influências mais
gerais, como também a influências mais específicas. Acrescente-se ainda o
modo de sua apreensão ou o seu domínio pelos leitores que podem ocorrer
de maneira particular e nem sempre previsível. Na verdade, o universo
cognitivo do leitor não é algo palpável, visto que ele é construído e
constituído de acordo com o tipo de relação estabelecida entre o homem e o
mundo. Esta relação pode ter trajetórias simples, sofisticadas e resultar em
questionamentos ou aceitação, determinando comportamentos díspares de
recepção da leitura e sempre hipotetizados. Hipotetizados, posto que seria
impossível determinar o tipo de estratégias que cada leitor se utiliza para
receber o texto ou a maneira como o texto vai provocar suas reações.
Por outro lado, esse universo cognitivo propiciará a atribuição de
sentido para os textos de leitura, ao mesmo tempo que evolui e por certo se
transforma.
Três componentes básicos estão permanentemente em confronto
na leitura: o contexto histórico-social, o homem e a linguagem. O contexto
33
histórico-social subsidia as estruturas de conhecimento que, por sua vez,
organizam a utilização do conhecimento. O homem internaliza o
conhecimento e através do seu desenvolvimento e aprendizado contínuos
encontra na linguagem as formas de expressão dos componentes anteriores.
Para Vygotsky(1989), os processos mentais superiores caracterizam o
pensamento tipicamente humano. Processos mentais superiores, tais como:
o controle consciente das ações, a atenção voluntária, a memorização ativa,
o pensamento abstrato, o comportamento intencional são processos
mediados por sistemas simbólicos. É a linguagem o sistema simbólico básico
de todos os grupos humanos, um instrumento do pensamento que fornece os
conceitos e as formas de organização do real, constituintes da mediação
entre o sujeito e o objeto.
Os três componentes básicos o contexto sócio-cultural, o
homem e a linguagem - que entram em jogo na leitura interagem
simultaneamente, em níveis quase inteiramente simétricos. A propriedade de
interagir faz com que esses componentes constituam um liame, que por sua
vez configuram um ciclo ativo e evolutivo. Emergindo desse ciclo
tridimensional, a leitura assume uma natureza dinâmica por excelência.
Senão vejamos: o contexto histórico-social em constante evolução fornece
cenários, motivos, temas, inspiração para as reflexões do homem, para a
expressão da filtragem que ele faz desses cenários, motivos, temas,
inspirações. Falamos em filtragem ou talvez seleção, pois há de se
considerar os interesses, os valores atribuídos e não atribuídos a
determinadas situações, a percepção mais ou menos acurada de detalhes, a
retenção de itens na memória de trabalho que é "uma capacidade finita e
34
limitada" conforme as observações de Kleiman (1993:34) referindo-se a
unidades significativas3. Pressupomos que essa memória de trabalho, que é
o primeiro processo a se dar antes da memória intermediária e a memória de
longo termo (também chamada de memória semântica e memória profunda),
diante de situações diversas revela sua capacidade finita e limitada tal como
diante de unidades significativas.
A linguagem verbal permite ao homem registrar formas de
expressão que resultam da necessidade de comunicação e se concretizam
cumprindo uma função em textos orais e escritos. Vygotsky (1989) postula
duas funções básicas da linguagem: a do pensamento generalizante e a do
intercâmbio social, sendo esta última a principal, pois o homem cria e utiliza
os sistemas da linguagem para se comunicar com outras pessoas. O texto
tem, então, uma existência social e uma função social a desempenhar,
preenchendo o seu todo organizacional com dados lingüísticos de modo a
1 A autora, ao examinar o aspecto cognitivo da leitura, tendo em vista apenas o
processamento da informação, observa que esse processamento se inicia de fora para dentro. Ou
seja, o processamento do objeto começa pelos olhos que percebem o material escrito e este passa,
então, a uma memória de trabalho (fatiamento) que o organiza em unidades significativas. Nesse
processo, a memória de trabalho é ajudada por uma memória intermediária (repositório de
conhecimento ativado, em alerta), cujo pape! seria o de tornar acessfveis aqueles conhecimentos
relevantes para a compreensão do texto em questão. Os conhecimentos selecionados , por sua vez,
estariam entre todo o conhecimento organizado na nossa memória de longo prazo {o conhecimento
e regras para seu uso e organização).
A memória de longo termo é também conhecida como memória semintica, ou
memória profunda).
35
constituir-se uma unidade de sentido, partindo de e projetando dados
históricos-sociais, recentes, passados ou atemporais,
O texto escrito, objeto essencial de leitura, desempenha um papel
especialmente significativo como veiculador de idéias, como um retrato do
mundo letrado, mas exposto, entretanto, à intervenção do leitor.
Ferreiro (1993:59), observa: "A criança se vê continuamente
envolvida, como agente e observador do mundo "letradom. Essas duas
posturas não são exclusivas da criança, mas de qualquer leitor como tal.
Criança ou adulto; leitor em formação - algumas vezes precocemente, como
diz a autora - no caso da criança; ou leitor ·~ormado" aprendem, ou melhor
dizendo, intemalizam o essencial das práticas sociais associadas à escrita e,
por conseqüência, à leitura.
Por preencher um ciclo interativo, a leitura em si, caracteriza-se
por sua dinamicidade. Goodman (1991:11) considera a leitura como um
processo transacional4 em que o escritor constrói um texto pelas transações
em desenvolvimento e o significado sendo expresso. Tanta o texto como os
esquemas do escritor são transformados no processo. Transformados
também são os esquemas do leitor nas suas transações com o texto durante
4 - De acordo com Goodman, a leitura, numa visão transacional é vista como
linguagem escrita receptiva, um dos quatro processos lingüísticos das sociedades
alfabetizadas. Nos processos gerativos produtivos (fala e escrita), um texto é gerado
(construido) para representar significado. Nos processos receptívos (compreensão oral e
leitura), o significado é construído através das transações com o texto e índiretamente
através do texto com o escritor. Tanto os processos gerativos como os receptivos são
construtivos, ativos e transacionais.
36
a leitura, o que o leva a considerar o processo além de transacional, também
construtivo e ativo. O autor observa ainda (op. cit:27) que grande parte das
pesquisas converge para a visão de que as transações entre o leitor e as
características textuais resultam na construção de significado, tornando
altamente ativo o papel do leitor.
Como se pode depreender, o homem é o elemento-chave,
desencadeador da interação e polarizador desse processo dinâmico em que
assume papel ora receptivo, ora produtor de texto.
O texto é o objeto exposto, materializado, que possibilita a leitura
e as leituras, é o lugar que se oferece para a realização de vários encontros:
do autor com o mundo; do leitor com o autor; do leitor com o seu e o mundo
do autor; do leitor com um saber até então ignorado; do autor e do leitor com
a experiência sempre nova de leitura etc.
A leitura configura-se, pois, como uma experiência de descoberta,
redescoberta, reconstrução. Reitera a idéia de um processo em constante
movimento por constituir -se a base para o desdobramento continuado de
produções simbólicas em que perpassam idéias que se aproximam, em que
se constroem sentidos assemelhados, mas que também oportuniza o
surgimento de diferentes pontos de vista. A leitura é, paralelamente, busca e
argüição, desde níveis mais rudimentares, ou seja, desde que o leitor
começa a ter contato com o mundo da leitura, até o alcance de níveis mais
elaborados, devido ao contato constante com este mesmo mundo. Decorre
daí a prática social da leitura, pois a comunicação via escrita é cada ve~
mais explorada, abundante, diversificada, um meio pelo qual a escrita se
37
presta a inúmeras funções (fazer propaganda, convidar, lembrar, registrar
lembrança de uma data, avisar, divulgar informações, idéias etc).
A leitura torna-se, desse modo, uma espécie de "palco" ou ponto
de referência que se oferece para as múltiplas atuações do leitor, quer seja
repetindo, recriando, reinterpretando fatos, informações, idéias, devido à
capacidade do homem de operar com representações mentais que não estão
isentas de influências externas. Em outras palavras, as representações
mentais, o processo cognitivo em si, o estado emocional, são afetados pelos
contextos sociais mais amplos, confonme postulam Van Dijk e Kintsch (op.
cit). Esse fato não pode ser ignorado, pois, certamente, as mutações
emergentes dos contextos sociais determinam sobremaneira mudanças no
modo de se pensar, na perspectiva de o homem se relacionar com fatos e
idéias que o circundam, podendo ocasionar ou aceitação, ou rejeição, ou
questionamentos, ou polêmicas.
Cavalcanti (1989) observa que os leitores podem reagir de
maneiras variadas na interação leitor -texto ao combinar atitudes passivas e
ativas em relação a partes diferentes de um mesmo texto, ao adotar uma
atitude passiva em relação a um texto e ativa em relação a outro, ou ao
adotar atitudes diferentes em diferentes leituras de um mesmo texto. A
autora associa essas relações aos sistemas de valores que influenciam e
são influenciados por variáveis de desempenho, tornando a interação
idiossincrática e peculiar ao contexto específico de leitura, isto é, segundo
suas palavras "nlio reaplícável nem pelo mesmo leitor em ocasiões
díferentes."
38
Partindo-se do pressuposto de que o ser humano é capaz de
operar mentalmente sobre o mundo, e de .que esta operação é mediada pela
linguagem, de acordo com Vygotsky, o homem vai apresentar reações
diferentes face aos acontecimentos, ao mesmo tempo que vai transformando
seus conhecimentos. A leitura propícia-lhe ativar continuamente uma rede de
conhecimentos já estocados na memória, como também, é de se esperar,
que a cada instante essa rede seja ampliada com o acréscimo de novos
conhecimentos. Essa rede é estruturada pelos esquemas, um dos itens a
serem comentados na próxima seção.
Paralelamente, há de se considerar o papel representado pelas
crenças, opiniões, atitudes; pelas estratégias conversacionai_s e interacionais
utilizadas dentro dos contextos sociais, bem como a maríeira como intervêm
na rede de conhecimentos particulares e coletivos.
Podemos, então, dizer que a leitura tem como suporte a
representação ou a referência de mundo, pressuposto este que configura o
seu ponto de apoio prévio e o seu ponto de partida. Através da
representação simbólica da linguagem ela é ação em si mesma pois se
oferece ao homem como recurso para sua comunicação e interação social.
Conseqüentemente, caracteriza-se como um processo dinâmico por propiciar
ao leitor caminhos de intervenção no mundo ou de re-construção deste
mesmo mundo, sendo resultado ou produto do desenvolvimento contínuo das
representações mentais com as quais o homem é capaz de operar.
39
2.2. Implicações das representações mentais para a leitura.
Antigas, reconhecidas e reafirmadas como ineficazes são as
práticas de leitura na escola, iniciadas desde o período de alfabetização
formal em que o centro das atenções é a decodificação.
É comum verem-se nas cartilhas em suas lições iniciais, palavras
como "ave", "nave", "iate", "afaga" e muitas outras mais para serem lidas.
Seguem-se exercícios rotineiros de reconhecimento, separação,
agrupamento e ordenação de sílabas, cópia de palavras etc. Parte-se do
pressuposto de que são palavras bem fáceis para se ler e, por isso,
exploradas nos primeiros passos de leitura. Mas nessa prática não se leva
em consideração que o aprendiz possa e, principalmente, deva fazer alguma
associação mental da palavra com fatos ou eventos de sua vivência. Isto é, o
aprendiz não é instado a buscar referência para determinada palavra e
esboçar contexto para ela. Ignorando-se a necessidade dessa busca ou
impedindo-a, dificilmente ele encontrará um significado para a palavra. Sem
um ponto de apoio prévio, ou seja, sem uma referência propriamente dita,
determinadas palavras poderão ser vistas como fantasmas de uma escrita,
uma vez que são mobilizadas por uma atividade de linguagem despojada de
compreensão e de expressão. Não chegando a configurar uma
representação mental, a palavra continuará a ser um vazio não preenchido
porque nenhuma realidade é refletida nela. Por extensão, ela não terá
significado existencial algum para a criança.
40
De acordo com Vygotsky (1993: 104), "Uma palavra sem
significado é um som vazio; o significado, portanto, é um critério da 'palavra',
seu componente indispensável".
Se pensarmos na aquisição da Hngua oral, veremos que a criança
se encontra sempre num determinado contexto, preenchido de referências,
quer sejam relativas aos objetos concretos, quer sejam determinadas por
práticas culturais e sociais. As palavras, mesmo esparsas, já sob seu
domínio, vão adquirindo significado. Ao adquirir significado, vão construindo
o pensamento generalizante e servindo de intercâmbio social, as duas
funções básicas da linguagem apontadas pelo autor. Sabemos que esse
processo se dá naturalmente devido ao desenvolvimento cognitivo que conta
com a mediação simbólica da linguagem e com o auxilio de pessoas
próximas da criança.
Coma apontamos acima, as palavras exemplificadas para a leitura,
certamente passarão a fazer parte do repertório de formas escritas da
criança, mas dificilmente serão compreendidas por ela, o que equivale a
dizer que ainda não são palavras de fato ou ainda não se incorporaram ao
seu léxico em construção.
Na mesma obra, Vygotsky postula que o significado não pertence
formalmente a duas esferas diferentes da vida psíquica: pensamento e fala.
É um fenômeno do pensamento verbal (união da palavra e do pensamento)
ou da fala significativa. Decorre daí a nossa percepção de que na aquisição
da leitura há de haver necessariamente essa amálgama da palavra e do
pensamento alicerçando, através da representação simbólica, o pensamento
verbal. Ou seja, a palavra escrita sem a àncora das representações mentais,
41
será sempre uma lacuna não preenchida pela compreensão, não será uma
fala significativa.
A leitura já em suas raízes começa a acontecer de maneira
equivocada e comprometedora, salvo em algumas situações de
excepcionalidade. Descontextualizadas, desconectadas de uma referência,
sem a mediação adequada, dificilmente o aprendizado da "palavra" oferecerá
pistas para o que venham a significar, resultando em quase total
artificial idade.
Vygotsky (1989:37) diz ainda: "toda percepção humana consiste
em percepções categorizadas ao invés de isoladas". Para ele, o mundo é
visto com sentido e significado e neste contexto o papel da linguagem é
surpreendente, pois a fala exige um processamento seqüencial. Os
elementos rotulados separadamente se juntam numa estrutura de sentença
tornando a fala essencialmente analítica. Isto indica e ratifica a necessidade
da contextualização e, no caso da leitura na escola, a intervenção do
professor para ajudar a criança a encontrar o caminho dessa
contextualização e formar uma representação mental da palavra que está
sendo decodificada através de elementos sonoros e visuais. Dizendo de
outra forma, não se pode esquecer que há um processo cognitivo em
desenvolvimento na leitura, quer seja voltado para uma palavra, para frases,
para porções de um texto, quer seja para o texto em si, na sua totalidade. Em
qualquer dessas situações há um processamento de informações
envolvendo aspectos ligados à relação que se estabelece entre o sujeito
leitor e o texto enquanto objeto, entre linguagem escrita e compreensão,
memória, inferência e pensamento, conforme observa K!eiman (op.cit:1993.)
42
A leitura é uma atividade intelectual que envolve múltiplos e complexos
aspectos psicológicos que interagem de maneira reticular. O material escrito
torna-se o desencadeador desse processo. Assim, a leitura, numa
comparação bem simples, é um movimento de ida e vinda incessante, de
fora para dentro e vice-versa, se somarmos aos aspectos psicológicos as
referências e dados pragmáticos oriundos do contexto.
Dados do projeto "Em cantos de leitura"' nos revelam que as
crianças em fase de alfabetização dominam uma palavra, ou seja, passam a
reconhecê-la, intemalizá-la e usá-la quando conseguem associá-la com
índices de seu conhecimento de mundo, isto é, quando é descoberto o
universo a que pertence aquela palavra. Então a palavra adquire um sentido,
não isoladamente, mas quando a criança percebe-a num texto. As
observações de Terzi (op. cit) sobre os dados de sua pesquisa registram
resultados semelhantes, evidenciando que "desde o início do
desenvolvimento de leitura, são as palavras que determinam o processo de
fazer sentido do texto e que, ao mesmo tempo, vão sendo resignificadas no
próprio processo" (p.13).
s.Em cantos de leitura' é um projeto de extensão em desenvolvimento na Escola
Estadual "Sérgio de Freitas Pacheco", Uberlãndia, a partir de 1994. Destaca a leitura como ponto
chave do ensino/aprendiZê19em, enfatizando a importancia dos aspectos cognitivos no processo.
Busca estabelecer pontos de contato entre a leitura dentro e fora da escola, no sentido de tomar a
aula de leitura mais significativa para os alunos. Procura , por outro lado, redimensionar a prática
pedagógica de professores de 1" à s• série através do estudo e discussêo de princfpios teóricos.
Em seu primeiro ano de execução, foí financiado pelo MECJFNDEJSESu. A coordenação
do proíeto é de nossa responsabilidade em parceria com a Profl Jorcelina de Queiroz .Azambuja.
43
Van Dijk e Kintsch (1983) propõem alguns pressupostos cognitivos
básicos do processamento do discurso que nos servem de apoio para dar
continuidade ao que vimos expondo. Partindo do exemplo de um acidente de
carrro e levando em consideração as representações mentais, os autores
apresentam cinco pressupostos: o construtivista, o interpretativo, o
simultâneo (on-line), o pressuposicional e o estratégico, resumidamente
expostos a seguir:
• o construtivista - ato de compreender um acontecimento e a sua
história pelo locutor e pelo ouvinte;
• o interpretativo- interpretação dos acontecimentos (dados visuais)
e do enunciado (dados lingüísticos);
• simultfJneo ou "on fine" - a compreensão da representação e da
história do acidente se dão simultaneamente ao processamento, de
forma gradual;
• pressuposicíonal - envolve processamento e interpretação de
informações exteriores e a ativação e uso de informações internas
e cognitivas .
• estratégico - de acordo com esse pressuposto, a compreensão
significa também que a pessoa usa ou constrói informações sobre a
relação entre os eventos e as situações em que se inserem,
advindo daf três tipos de dados para o compreendedor: a
informação a partir dos próprios eventos, a informação a partir de
situações ou contexto e a informação a partir de pressuposições
cognitivas, ou seja, informações internas que são ativadas para
determinado momento. As interpretações podem ser construídas e
44
somente mais tarde combinadas com os dados das construções
prévias. Isto mostra que as pessoas têm a habilidade de fazer uso
de vários tipos de informação com flexibilidade, que as informações
podem ser processadas em várias ordens possíveis, que a
informação que é interpretada pode ser incompleta e que o objetivo
geral do processo é ser o mais eficiente possível na construção da
representação mental.
Este último pressuposto nos interessa particularmente , para
ilustrar o nosso "pressuposto" que expomos mais abaixo.
Antes, é conveniente destacar que os autores enfocam uma
manifestação discursiva oral, mas somos de opinião que os pressupostos
podem ser aplicados a manifestações discursivas escritas. Ainda mais, fica
claro que os autores, ao falarem da compreensão, têm por base um leitor já
formado, enfatizando a recepção.
No nosso caso, temos em mente e como centro de nossas
atenções o leitor-aprendiz, aquele que está sendo exposto a práticas de
leitura no período inicial da alfabetização escolar. Dando seqüência ao
nosso ponto de vista, pressupomos que quando o leitor pouco experiente se
inicia na leitura, ocorre um trajeto contrário quanto ao processamento
estratégico mencionado acima. Segundo a nossa visão, ele parte da
palavra, em princípio desconhecida, que é inserida em um texto. Na
interação do leitor com o texto se dá uma contextualização. A compreensão,
se se der, leva à representação mental de um evento, à interpretação de uma
dada situação pela utilização de informações cognitivas internas. É o caso
do processamento ascendente a que subjaz a conjunção de três dados:
45
pressuposição cognitiva, configuração de um contexto e a partir dele a
construção de uma representação mental de um evento, quer seja concreto
ou abstrato. Essa representação, que é por natureza cognitiva, mas também
pragmática e semântica ao mesmo tempo, não pode deixar de ser levada em
consideração, sob pena da compreensão ficar comprometida ou não se fazer
necessariamente no decurso de qualquer tipo de leitura. Contrapondo-nos a
Van Dijk e Kintsch nos referimos à compreensão, via produção de sentido,
por um processamento também estratégico.
Fulgêncio e Uberato (1992) abordando um modelo de descrição
de leitura partem de um postulado simples qu~ merece consideração. As
autoras "!firmam, resumidamente, que a atividade de lertura resulta da
interação ~ntre informação visual (IV) e informação não visual (lnV),
representando-a da seguinte fonma:
LER= IV+ I n V (p. 15).
Cremos que a esse resumo falta acrescentar a representação
mental (RM) a que o leitor pode chegar, se consideranmos a leitura como um
processo de busca da construção de sentido e se o objetivo for atíngir a
compreensão. Considerando-se, também, que o leitor tem armazenada em
seus esquemas uma determinada informação não visual e esta não se
relaciona à informação visual de um dado momento, não podemos dizer que
ele chegou á compreensão. Como diz Kato (op. cit.: 1985)"a compreensão
do inesperado , do novo, nem sempre se dá peta ligação direta com os
esquemas arquivados em nossa memória de longo-termo". ( p.43) A autora
46
ainda se refere a uma representação mental consciente que é criada
durante a leitura do texto e dar -se-ia em uma memória mais rasa do que a de
longo-termo, embora a acredite mais profunda que a de curto-termo. De
nossa parte, cremos que o encontro do novo, ou mais explicitamente do
desconhecido, requer e suscita a criação de representações mentais para
que o leitor atinja a compreensão.
Para Van Dljk e Kintch as pessoas que compreendem eventos
reais ou eventos de fala são capazes de construir uma representação mental
e, especialmente, uma representação significativa, somente se elas têm um
conhecimento mais geral sobre tais eventos. A representação mental é,
portanto, crucial para que se compreenda o que se lê. Dessa forma,
resumidamente, propomos que a atividade de leitura é o resultado da
interação entre informação visual (IV), informação não visual (lnV) e
representação mental (RM).
LEITURA= IV+ lnV + RM
Devemos acrescentar, entretanto, que esta forma de representar a
leitura ou o ato de ler, constitui apenas uma matriz cognitiva muito restrita,
podemos assim dizer, pois a leitura se expande a partir daí com inúmeras
outras implicações, adquirindo múltíplas dimensões decorrentes da interação
social, como se pode constatar na análise da pesquisa realizada.
47
Cremos, por outro lado, que a aprendizagem ou a construção da
leitura envolve estágios progressivos, Dentro desta nossa concepção,
teríamos: 6
• L 1 - envolvendo a leitura de mundo e as representações mentais
em formação. Seria um estágio primário, porém bastante amplo;
• L 2 - envolvendo o contato com signos verbais escritos. Seria o
estágio da decodificação, da descoberta da representação
simbólica da modalidade escrita;
• L 3- desenvolvimento da leitura pelo processamento descendente,
menos sistemático, resultado incipiente da alfabetização;
• L 4 - amadurecimento da leitura pela conjugação de processos
descendentes e ascendentes. Seria o estágio da busca de
significados e, por isso, mais organizado e sistematizado. Neste
estágio estabelece-se uma relação entre os signos verbais e o
mundo (nível semântico) e a relação entre os signos (nivel
sintático);
• L 5 -construção de significados e alcance da compreensão. Seria o
liame entre a palavra escrita e a leitura de mundo, através das
representações mentais, com base na interação entre o leitor e o
texto.
A L 1 é incipiente, mas não ocorre no vazio, tem uma relação
direta com o mundo real, com a percepção de mundo pelo leitor. A L 2
configura um desenvolvimento progressivo pela capacidade de o leitor
6U~amos a abreviatura L para nos referirmos à leitura.
48
entender a representação da língua pela escrita. A L 3 centra-se na palavra
escrita e esta talvez seja o ponto de partida para representações mentais, de
início mais simples e depois mais complexas. A palavra escrita também
traduz o mundo já percebido e expressa relações com este mesmo mundo. A
L 4 atinge uma complexidade maior e amadurece em relação ao que as
palavras podem dizer num texto, o que suscita a busca de significados e a
assimilação da estrutura da língua escrita. A L 5 propicia a interação do leitor
com o texto, pois esse assume uma unidade de sentido, favorecendo as
associações necessárias entre o mundo representado pelo texto e o
conhecimento prévio de mundo do leitor.
O percurso dos estágios esboçados pode sofrer interferências e
não ser devidamente completado, o que provocaria uma defasagem na
formação do leitor, ou o leitor pode avançar até um dos estágios e
estacionar em um deles. Vista como um processo cognitivo, a leitura é
dependente de estratégias na sua aquisição e estas, em princípio, são
inconscientes e, portanto, variáveis. Não se pode garantir, também, que os
estágios sejam uniformes para todos os leitores em formação e que esses
estágios obedeçam a uma ordem imutável.
Devemos acrescentar que a teorização proposta sobre a aquisição
da leitura é bem simples e informal. Contudo, não podemos nos esquecer de
dois pontos básicos:
(i) o processo de aquisição de leitura é sempre mediado;
(ii) todos os estágios são precedidos e acompanhados de
hipóteses e testagens psicolingüísticas.
49
Na escola, pois, o papel de mediador desempenhado pelo
professor toma-se importantíssimo, É ele que , em meio à interação, deve
criar para o aluno caminhos que o conduzam a uma representação mental de
qualquer material de leitura. Ao compasso da leitura, a representação mental
deve ir sendo construída porque se isso não acontece, a compreensão fica
obstacularizada e a leitura se faz de modo superficial sem a imersão no
texto, ou sem o processo transacional no dizer de Goodman.(op. cit.:1991).
Criam-se, então, os leituristas e não os leitores que se espera sejam
formados na escola e desejados para agirem socialmente.
Acrescente-se, ainda, que os textos veiculados no percurso da
alfabetização quase sempre são inadequados, para não se dizer impróprios
para a atividade de leitura, por explorarem, preferencíalmente, combinação
de sons, utilizando frases e pseudo-textos contendo abusos e absurdos na
sua elaboração. São vários os trabalhos voltados para este tipo de modelo,
cuja análise sempre ressalta sua ineficácia, ao apontar resultados
frustradores que se avolumam dentro e fora da escola. Partindo de nossas
observações, nos é dado dizer que não sabemos ao certo se esse modelo de
iniciação à leitura formal, comum na escola, seria sozinho o responsável pela
deformação de leitores. Mas, se ele foi adotado como prática, repetindo-se
por tantos anos e, se ouvimos de toda parte um julgamento negativo quanto
ao tipo de leitor que a escola vem formando, é porque essa prática não foi a
melhor escolha. Por dedução, pode ser ela um dos principais fatores
responsáveis pelo fracasso em leitura.
50
Entretanto, os textos inconvenientes persistem, provocando na
criança, sem dúvida, reações de desconfiança sobre o que na verdade
estariam dizendo.
Podemos supor a essa altura pelo menos duas conseqüências. A
primeira é que vão se formando falsas imagens sobre o que seja a leitura e
sobre o que o material escrito da escola possa transmitir. Uma outra
conseqüência é a artificlalldade de que se reveste esse tipo de leitura face
às leituras feitas fora da escola. Entre os dois tipos de leitura interpõe-se e
impõe-se um nítido divisor que impede a relação do que a criança vivencia e
do que ela vai aprendendo.
Se se considera a escrita/leitura um construto social e que o
essencial deste construto tem como finalidade estruturar e organizar as
práticas sociais, exercendo nelas as mais variadas funções, principalmente a
comunicativa e a interacionista, então os dois tipos de leitura se dicotomizam
(a de dentro e a de fora da escola). Não é de se estranhar, portanto, o
surgimento de um conflito que não se sabe quando será resolvido pelo leitor.
Uma leitura diz A e mostra a sua coerência com os contextos externos,
vivenciados. Dentro deles se insere cumprindo seu papel primeiro de estar a
serviço dos usuários que se apropriam da leitura como forma de ação e
recepção do mundo letrado.
A outra (a leitura da escola) diz Z, parecendo dirigir-se muito mais
e tão somente à recepção. Talvez o leitor aprendiz possa se perguntar ''para
que vai me servir essa leitura?" Aqui se ajustam perfeitamente as palavras
de Freire (op.cit.:11-12), bastante conhecidas, mas que nos oferecem
oportunidade para várias leituras e enfoques:
51
"A leitura de mundo precede a leitura da palavra, da f que
a posterior leitura desta não possa prescindir da
continuidade daquele. Linguagem e realidade se prendem
dinamicamente. A compreensão do texto a ser alcançada
por sua leitura crítica implica a percepção entre o texto e
o contexto".
Nessa passagem, o autor destaca a importância do conhecimento
prévio de mundo, incluindo-se aí os níveis lingüísticos e textuais e, ao falar
em continuidade, destaca o caráter dinâmico da leitura a que já nos
referimos na seção anterior e à intertextualidade, também já referida.
diz:
Depois, descrevendo a sua própria experiência do ato de ler, nos
"Ao ir escrevendo este texto, ia "tomando distância" dos
diferentes momentos em que o ato de ler se veio dando
na minha experiência existencial. Primeiro, a "leitura" do
mundo, do pequeno mundo em que me movia: depois, a
leitura da palavra que nem sempre, ao longo da minha
escolarização, foí a leitura da "palavramundo".
Percebemos nessa passagem que, na escola, seus esquemas já
estrurados não foram devidamente ativados ou começavam a se formar
outros desarticulados das suas representações mentais adquiridas, ou seja,
o que a escola lhe ensinava não era a extensão do que ele sabia, mas
representava uma ruptura, uma maneira insensata de conduzir o que era
considerado válido para a leitura. Era a forma diferencíada da leitura,
imposta pela escola. Podemos depreender também desta passagem uma
52
crítica ao aprendizado da leitura institucionalizada - e que , infelizmente,
aínda persiste em nossos dias - porque o mestre diz mais adiante que a
compreensão do ato de 1'1er" seu mundo particular lhe era "absolutamente
significativa# no momento em que ele 1'aínda não lia a palavra".
Queremos estender aqui os tentáculos da leitura da "palavra
mundo" de que nos fala Freire. Sob égide da "palavramundo" situamos
também a criança exposta a incontáveis e inevitáveis momentos de leitura da
palavra, fora da escola. Esses momentos são necessários e importantes para
quem vive numa sociedade letrada, pois orientam as práticas sociais do
homem, atualizam seus conhecimentos, o tornam sintonizado com o
cotídíano coletívo e partícular.
A leitura na escola parece não se preocupar com esses fatos e ao
agir assim desfaz a relação que ela deveria obrigatoriamente ter com o
mundo, para que a tarefa se tornasse significativa para leitor-aprendiz, o
leitor em formação. A significância da leitura justifica, de certa forma, o
ensino da leitura e amplia sua dimensão e efeitos. Por assumir o caráter de
tarefa significativa, ela pode ter uma assimilação mais rápida , além de tornar
tanto a aprendizagem como o desenvolvimento mais ricos. Como efeito,
poderíamos apontar a descoberta pelo aluno de sua utilidade para a vida e
de sua funcionalidade.
Cremos já ter discutido bastante sobre a maneira inadequada e
distorcida pela qual é conduzida a leitura formalizada a partir de suas
sementes. Acontece que as sementes germinam, criam raízes e seguem a
sua trajetória, infelizmente por caminhos obscuros.
53
Em um outro trabalho (Cence Lopes: 1993(b), nossas observações
ressaltam a inexistência de um espaço real nas aulas de Português para o
ensino da leitura a partir da 2a série do 1° grau, porque supõe-se que o aluno
que passou pela alfabetização formal jà sabe ler. A partir da 2• série tem
início a ritualização da leitura com etapas previsíveis e banalizadas, ditadas
pela maioria dos livros didáticos. Na sucessão dos anos escolares, a leitura
continua a ser mecanicista, uma tarefa obrigatória a ser cumprida, por se
acomodar dentro de um modelo que não leva em consideração a
funcionalidade da leitura, o processo cognitivo que subjaz a todo o processo.
Negligencia, por outro lado, a capacidade que o aluno tem de participar da
leitura como ser ativo, pensante e crítico. Anula, por conseguinte o seu
envolvimento com a leitura, assim como o seu prazer de ler, porque fica
muito difícil para o aluno sentir a tarefa como significativa. A atividade, por
certo, não lhe mostra a face utilitária e envolvente que tem.
Kleiman (op. cit.: 1993) também faz críticas severas à concepção e
à prática escolar da leitura. Segundo a autora
"As práticas desmotivadoras, perversas até, pelas
conseqliências nefastas que trazem, provém,
basicamente, de concepções erradas sobre a natureza do
texto e da feitura, e, portanto, da linguagem.~ (p. 16)
Atribui a sustentação dessas práticas a um entendimento limitado
e incoerente do que seja ensinar português. Esse entendimento é
tradicionalnamente legitimado dentro e fora da escola gerando práticas
limitadoras de leitura. A autora cita alguns exemplos para dar suporte à sua
54
argumentação e defende a necessidade da formação teórica do professor
para que possa haver mudanças consistentes no que se refere à leitura.
O ensino da leitura, de acordo com o nosso ponto de vista, implica
em trabalhar, ou melhor dizendo, em criar condições para que as estratégias
de leitura sejam ativadas e para que o leitor-aprendiz as utilize devida e
fartamente. Esse procedimento está diretamente ligado à interação que
oportuniza a interlocução à maneira de outras atividades de linguagem,
como na situação de um diálogo oral, por exemplo. A esse respeito Kleiman
(op. cit.: 1993) observa que é durante a interação ou durante a conversa
sobre aspectos relevantes do texto que o leitor mais inexperiente
compreende o texto.
Ilustra e confirma esse pressuposto, o depoimento de um aluno,
sujeito de nossa pesquisa:
"Quando a gente conversa sobre o texto é mais fácil
entrar no texto. A gente vai ler e já está dentro do texto".
Ensinar a ler é provocar um processo de ação e reação, que
implica dois ou mais agentes e a interação mediada pelo professor, tendo
como base um texto. Em princípio, o texto, um objeto para onde partem as
atenções do agente, cria vida e através desta vida criada provoca reações
para que ocorra o seu processamento, a sua assimilação
A assimilação vai acionar todo um processo cognitivo, implicando
recurso aos esquemas, estratégias, objetivos, provocando reações em
cadeia traduzidas em comportamentos mais ou menos observáveis como a
55
afetividade, a valoração (cf. TerzL op. cit.), os julgamentos ou reações
internas não perceptíveis, mas que afetam o leitor. A interação tem lugar em
meio a essa ebulição e abre caminhos para a compreensão do texto.
A leitura precedida de uma atividade oral compartilhada assume
caráter de busca, de construção de sentido, de descoberta e, por que não
dizer, de prazer. Há de se buscar desvendar o "mistério" pelo "jogo de
adivinhações psicclínguísticas", ccnforme postula Goodman (op. cít.:1970) e,
desvendado o mistério ccnstruir-se algum saber. Nesse duplo caminho há de
se encontrar também o prazer pelo reconhecimento inconsciente da
signlficâncla da atividade, que por sua vez se traduz em compreensão. A
leitura desse modo, pode tomar-se um ponto de partida consistente para
percursos parecidos e para outros mais desafiantes.
56
CAPÍTUL03
ASPECTOS COGNITIVOS ENVOLVIDOS NA LEITURA
A nossa proposta neste capítulo é discutir alguns aspectos
cognitivos que subjazem à aprendizagem da leitura e seus processos, ou
seja: os esquemas, o conhecimento prévio, as estratégias .
3.1. Teoria dos esquemas
Examinemos em primeiro lugar os esquemas (schemata) ou
blocos de conhecimento, segundo Rumelhart (op.:cit). De acordo com o
autor, é um termo introduzido na Psicologia por Bart/ett (1932), mas Kantjá o
usara , antecipando seu conteúdo conceitual: "Qualquer uma de certas
formas de regras da "imaginação produtiva" através das quais o
entendimento é capaz de aplicar suas "categorias" para as percepções
múltiplas de sentido no processo da experiência ou conhecimento
realizado".(p.33). Rumelhart reporta-se a vários autores, os quais
consideram os esquemas como blocos de conhecimento, elementos
fundamentais de que depende todo processamento de ínformação. Essa é,
também, a sua concepçao.
Embora seja abstrata e bastante abrangente a teoria dos
esquemas, ela pode servir de base para a compreensão do processo de
57
leitura, pois é uma teoria sobre o conhecimento, ou seja, é uma teoria sobre
como o conhecimento é representado e sobre como esta representação
facilita o uso do conhecimento de maneira particular. O conhecimento, por
sua vez, é armazenado em unidades {os esquemas) que direcionam o seu
próprio uso. "Um esquema é, neste caso, uma estrutura de dados para
representar conceitos genéricos estocados na memória"(p.34). 7
O autor ilustra com bastante detalhes as quatro maiores
características dos esquemas a partir de analogias com peças teatrais,
teorias e procedimentos. Os esquemas têm variáveis, assim como as peças
teatrais têm regras; as teorias possuem parâmetros; os procedimentos têm
argumentos. Sumariamente, são as seguintes as características apontadas:
1. os esquemas têm variáveis;
2. os esquemas se encaixam uns aos outros;
3. os esquemas representam o conhecimento em todos os níveis de
abstração;
7oo ponto de vista filosófico, o conceíto é a representação de um objeto pelo
pensamento de suas características gerais.
Para Ach (apud Vygotsky (1993:46), um conceito não é uma formação isolada,
fossilizada e imutável, mas sim uma parte ativa do processo intelectual, constantemente a serviço da
comunicação, do entendimento e da solução de problemas. O ponto de vista do autor considera as
condições funcionais da formaçêo de conceitos.
Para Vygotsky (op.cit.: 70), a formação de um conceito se dá mediante uma operação
intelectual em que todas as funções mentais elementares participam de uma combinação especifica.
Essa operação é dirigida pelo uso das palavras como o meio para centrar ativamente a atençlio,
abstrair determinados traços, sintetizá...los e simbolizá-los por meio de um signo.
58
4. os esquemas representam antes o conhecimento do que as
definições.
O autor observa que a característica de encaixamento dos
esquemas é melhor ilustrada pela analogia entre esquemas que compõem
se de subesquemas e procedimentos que compõem-se de
subprocedimentos.
Há esquemas para representar todos os níveis de nossa
experiência, em todos os níveis de abstração: de ideologias e verdades
culturais para o conhecimento sobre o que constitui uma sentença
apropriada em nossa linguagem, para o conhecimento sobre o significado de
uma palavra particular, para o conhecimento sobre que padrões de estímulos
são associados com que letra do alfabeto. Nossos esquemas constituem
nosso próprio conhecimento.
O autor mostra, ainda, duas características mais gerais dos
esquemas: são processos ativos e são mecanismos de identificação, cujo
processo objetiva a avaliacão de sua capacidade de adaptação para os
dados que são processados. Devido à existência de muitos esquemas, nem
todos eles podem ser avaliados de uma só vez, mas há de ter um esquema
para ativar aqueles que são mais produtivos.
Há duas fontes básicas de ativação dos esquemas: ativação
descendente ("top-down") ou processamento dirigido pelo conceito e
ativação ascendente rbottom-up") ou direção de dados. o primeiro direcione
expectativas. Quando um esquema é ativado e, ele, por sua vez, ativa seus
subesquemas, a ativação destes últimos deriva de uma espécie de
expectativa de que eles são capazes de calcular alguma porção dos dados
59
do "inpuf'. Quando um esquema é ativado pelo processo ascendente, dá
origem aos vários esquemas entre os quais ele é uma parte a ser ativada.
Assim, enquanto a ativação dirigida pelo conceito vai do todo à parte, a
ativação de direção de dados vai da parte para o todo.
A fim de ilustrar mais concretamente a discussão abstrata sobre
questões ligadas ao processamento, Rumelhart (op.cit.) o faz através de um
fragmento de texto, mostrando na leitura a ocorrência da ativação
ascendente que vai gerar a ativação descendente. Mas, ressalta que esse
tipo de processamento pode ou não ocorrer na compreensão de um texto,
país as questões que envolvem a ativação dos esquemas são complexas e
não existe, ainda, um modelo cepaz de resolvê-las.
O autor diz que nem todas as pessoas atingem a interpretação de
uma só vez. Como as sentenças são lidas, os esquemas são ativados,
avaliados, refinados ou descartados e isto ocorre de maneira particular.
Continuando sua abordagem sobre a leitura, destaca a percepção,
caracterizando-a como um processo interativo tal qual a compreensão da
linguagem. Para ele, total e partes são processados conjuntamente, pois
muitas vezes não podem ser as partes identificadas fora do contexto global,
o mesmo se dando com este em relação às suas partes. Há uma ampla
evidência de processos similares na leitura e para exemplificar, cita o fato de
termos esquemas para palavras e nenhum para uma série aleatória de letras.
Decorre daí uma das características que podem separar leitores mais e
menos habilitados: a acessibilidade a um número maior de esquemas de
palavras mais completamente desenvolvidos.
60
Quanto ao processo de entendimento do discurso, o autor o define
como a procura de uma configuração de esquemas que ofereçam um cálculo
adequado de uma passagem em questão. Entretanto, pode ocorrer que um
leitor não entenda uma passagem de um determinado texto. Isto se deve a
três razões implícitas na teoria dos esquemas:
(i) ele pode não ter um esquema apropriado e não entender um
conceito comunicado;
(ii) ele pode ter esquemas apropriados, mas as pistas dadas pelo
autor são insuficientes para sugeri-los;
(iii) com pistas adicionais ele pode encontrar uma interpretação
consistente do texto, mas não aquela pretendida pelo autor.
Em um dos exemplos ilustrativos citados para confirmar o item "iii",
Rumelhart (op.cit; 48), observa que a dificuldade de entendimento possa se
dar devido ao fato de que as pistas no texto não parecerem sugerir , em
princípio, esquemas apropriados para tal processo. A informação ascendente
pode ser Inadequada para o início da compreensão. Uma vez que esquemas
apropriados sejam sugeridos, esse problema passa a não existir para a
maioria dos leitores. Assim, chama a atenção para o fato de que o leitor pode
entender o texto, mas não entender o autor.
Com relação ao último item, cabe-nos observar que se a leitura é
construção de sentido, as intenções do autor tendo por base as pistas
textuais constituem um fator de pouca relevância. O que é de maior interesse
é a atribuição de intenções ao texto pelo leitor. O fato relevante na leitura é a
intencionalidade que o texto pode revelar. Nesse sentido, se distanciam a
interpretação pretendida pelo autor (quem poderia sabê-la, senão o próprio
61
autor que é um interlocutor ausente) e a possibilidade de o leitor encontrar
alguma intencionalidade no texto (essa vai depender de fatores paratextuais,
do modo da recepção, do tipo de leitor, entre outros, pois na interação com o
texto o leitor assume dois papéis: o de locutor e o de interlocutor}.
Não nos cabe dizer, pois, que podemos ou que devemos conhecer
as intenções do autor, mas devemos ressaltar que faz parte da leitura atribuir
intencionalidade ao texto. Segundo Kato, "quando o leitor busca o significado
pretendido pelo autor, ele está simplesmente obedecendo ao principio do
cooperativismo, que rege a comunicação humana."(op. cit.: 86). Esse
princípio seria uma estratégia de natureza pragmática e não apenas
cognitiva.
Como se vê e como o próprio Rumelhart reconhece , há
problemas - e cremos que sejam inúmeros e intrincados - na teoria dos
esquemas. Sabe-se que novos esquemas são sempre desenvolvidos, mas
não há uma especificação precisa sobre como o processo se dá
Percebemos, portanto, que o assunto em questão é vasto,
abstrato e não acabado. Porém, toma-se importante ter uma noção básica
sobre os mecanismos psicológicos que subjazem aos esquemas e que
contribuem para a formação dos mesmos, uma vez que eles representam
uma organização mental das experiências vivenciadas e acumuladas pelos
individues. Os esquemas exercem papel importante na compreensão, na
percepção e em todos os processos de raciocínio, de acordo com as
observações do autor. São ainda forças de direção da lembrança, cuja fonte
de dados é a memória.
62
Os esquemas parecem-nos ser como redes ou como teias, cujas
malhas vão se organizando, se juntando, se completando em uma unidade
maior. Esta unidade é ininterruptamente construída ao longo de nossa
existência, em meio aos passos de nossas experiências de ver, sentir e ler o
mundo. Parece-nos, também, ser a construção de esquemas um processo
vital, interativo e mediado pelo contato social que se estabelece entre os
indivíduos, quer seja mais restrito, quer seja mais amplo. O processo com
estas características, devemos ter em mente, é axial, mas não estanque,
devemos frisar, tanto na aquisição da linguagem oral, quanto na aquisição da
linguagem escrita, notadamente da leitura, momento em que o leitor atua
como recebedor e produtor do texto, concomitantemente.
No dizer de Vygotsky (op.cit.:1989)
"( ... )o aprendizado desperta vários processos internos de
desenvolvimento, que são capazes de operar somente
quando a criança interage com pessoas em seu ambiente
e quando em cooperação com seus companheiros. Uma
vez intemalizados, esses processos tomam-se parte das
aquisições do desenvolvimento independente da criança".
(p.101),
Cremos que os processos in temos (grifo nosso) a que o autor se
refere aproximam-se, de uma certa forma, a um aspecto, o processual,
enfatizado por Bartlett e não levado em consideração pelos cognitivistas. Os
processos internos de desenvolvimento são de natureza ínterpessoal e,
tornando-se parte das aquisições do desenvolvimento contribuirão,
naturalmente para aumentá-las e consolidá-las. Por sua vez, os esquemas
63
relacionam-se com o mundo e organizam mentalmente a soma das
experiências do individuo. São também aquisições continuas. Uma boa parte
dos esquemas advém da elaboração das percepções mediadas pelo contato
sociaL A aproximação a que nos referimos consiste, pois, na internalização
de processos e de vivências, que ao se consolidarem, constituem acréscimos
das aquisições do desenvolvimento, como também propiciam o surgimento
de novos esquemas.
Vygotsky, centrando sua atenção na aprendizagem, propõe para
este fato a Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP), um dos aspectos
cognitivos que define aquelas funções que ainda não amadureceram, mas
que estão em processo de maturação, em estado embrionário. Como
retrospectivo, ele caracteriza o desenvolvimento real e a ZDP vai
caracterizar o desenvolvimento mental prospectivo. Dizendo de outra forma,
a ZOP pode ser entendida como o percurso trilhado pelo indivíduo a fim de
desenvolver determinadas funções em processo de desenvolvimento e que,
proximamente, virão a se tornar funções consolidadas no nível de seu
desenvolvimento real. A ZOP é uma característica psicológica em constante
movimento e transformação, visto que uma tarefa realizada por uma criança,
em um determinado momento, é dependente da orientação ou da ajuda de
alguém. Depois ela será capaz de realizar sozinha a mesma tarefa.
De acordo com Oliveira (1993:59) , "Essa possibilidade de
alteração no desempenho de uma pessoa é fundamentai na teoria de
Vygotsky" e a implicação dessa concepção para o ensino escolar é imediata,
pois provoca avanços no aprendizado os quais não ocorreriam
espontaneamente.
64
Em outras palavras, o que se destaca na ZDP é a mediação ou
uscaffolding"8. Nas discussões que se processam durante as atividades
escolares e, particularmente, nas atividades de línguagem que precedem a
leitura, o uscaffolding~ deve ser providenciado e facilitado pelo professor para
que se processe a interação naquele momento da aula. Durante a interação,
não raras vezes, acontece a intervenção de alguns alunos que ajudam seus
colegas a descobrir pistas sobre o texto que irão ler e a formular algumas
hipóteses que ajudarão a todos na compreensão. Esse recurso de ajuda
mútua providenciado pelo professor, em que tanto ele como alunos se vêem
envolvidos, aciona esquemas conhecidos para facilitar a compreensão de
conceitos mais complexos (v. Kleiman: 1991, Bortoni & Lopes: 1991) e,
podemos acrescentar, também de conceitos mais comuns, porque às vezes
eles se tornam confusos ou talvez mascarados durante a interação (Cence
Lopes: 1993 a). A mediação pode provocar avanços significativos nas
habilidades de leitura e tomar a tarefa mais participativa com implicações
bastante positivas para a aprendizagem. Além disso, oportuniza uma
reversão da participação social dos alunos, mais simétrica e, sem dúvida,
bastante desejada.
Em meio à interação a que nos referimos, outros fatores cognitivos
devem ser considerados, pois eles estão presentes no processamento da
leitura. A partir dos esquemas, entram em ação, por um lado, o conhecimento
~ermo metafórico utilízado por Cazden (1988) e que segundo a autora foi introduzido
por Bruner e seus seguidores para explicar como uma ação pedagógica do adulto favorece a
aprendizagem de uma tarefa complexa.
65
prévio e as hipóteses favorecendo até certo ponto a compreensão da leitura,
porque contribuem para as construções em seqüência que poderão ser
feitas. Por outro lado, temos as estratégias cognitivas e metacognitivas,
operações a que o leitor recorre para o processamento do texto.
3.2. O conhecimento prévio.
O conhecimento prévio está fortemente relacionado aos
esquemas. Podemos dizer que os esquemas estruturam o conhecimento
prévio, ou que o conhecimento prévio aflorados esquemas. Em se tratando
da leitura, podemos afirmar que o conhecimento prévio é crucial para que o
leitor atinja a compreensão do texto. Segundo Kleiman (op. cit.:13), "Pode-se
dizer com segurança que sem o engajamento do conhecimento prévio do
leitor nito haveré compreensão".
A autora classifica três tipos de conhecimento prévio que
interagem durante a leitura: o lingüístico, o textual e o conhecimento de
mundo. O primeiro diz respeito a um conhecimento implícito do falante sobre
os diversos níveis de conhecimentos lingüísticos. Não se pode ignorar que a
língua é o resultado da articulação dos níveis fonético/fonológico,
morfológico/lexical, sintático, semântico com suas regras e combinações
idiossincráticas. A estes se junta o nível pragmático que determina o uso da
língua, bem como as condições em que é utílizada ou em que tipo de
contexto se ajusta. A apreensão e o domínio desses níveis pelo falante
permitem-lhe falar e entender sua língua materna e com ela se comunicar.
66
O segundo tipo de conhecimento prévio apontado, o textual, que
permite o reconhecimento das estruturas dos diversos tipos de discurso, é
igualmente importante na compreensão de textos, uma vez que o leitor está
permanentemente em contato com eles.
Genericamente os textos são classificados como sendo narrativos,
descritivos e dissertativos. Essa classificação está bem assentada na nossa
tradição escolar. Segundo Fiorin (1991), embora os textos assim
considerados sejam bastante utilizados , o conhecimento de cada um
desses tipos é intuitivo, eles não são definidos com muito rigor.
Convenhamos que esta tipologia seja basilar, mas é necessário que ela seja
investigada com mais profundidade, pois a todo momento estamos nos
deparando com diferentes tipos de textos, cuja organização não obedece a
parâmetros categóricos. Se esse fato é comum e se desejamos trabalhar
com textos diversificados na aula de leitura, precisamos ter consciência da
natureza do objeto texto, para sabermos que abordagem melhor se adequa a
cada um deles, levando-se em conta os esquemas conceituais/ cognitivos,
para que o leitor possa melhor compreendê-los. Não se trata de em situação
de ensino teorizar essa questão, mas contribuir para o aumento do
conhecimento textual, para o desenvolvimento da competência textual do
leitor, tendo em vista os objetivos de leitura que se pretendem atingir e
também a justificativa da escolha. Esse assunto será retomado em outra
parte deste trabalho.
Achamos bastante produtivo expor o aluno a variados tipos de
texto com diferentes esquemas estruturais ou superestruturais, que segundo
Koch e Travaglia (1990: 60) "constituem o conjunto de conhecimentos sobre
67
os diversos tipos de textos, que vão sendo adquiridos à proporção que temos
contato com esses tipos e fazemos comparações entre eles".
Kleiman (1989: 20 ),também ressalta esta questão, ao observar:
"quanto mais conhecimento textual o aluno tiver, quanto maíor a sua
exposição a todo tipo de texto, mais fácil será sua compreensão".
As observações dos autores podem ser ilustradas com fatos
ocorridos em sala de aula. Conforme registramos na primeira parte deste
trabalho, os alunos envolvidos em nossa pesquisa não eram capazes de
reconhecer traços da intertextualidade. Afastando-nos dos textos tradicionais
do livro didático - geralmente narrativos - trabalhamos com dois textos de
propaganda sobre ecologia. Um deles, "Usinas de reciclagem de lixo",
publicado na Revista Manchete, por ocasião da EC0/92, tratava de uma
propaganda da Prefeitura do Rio de Janeiro sobre a construção de usinas de
reciclagem de lixo no Caju e em Jacarepaguá Os alunos logo associaram o
texto a assunto semelhante visto no livro didático, na aula de Ciências,
percebendo o tema "Ecologia". O outro texto, também de propaganda: "Limpe
sua casa cuidando da natureza", publicado na Revista Corpo a Corpo,
destacava um produto de limpeza desenvolvido com o objetivo de limpar,
mas com cuidados especiais para que ao retomar ao meio ambiente o
fizesse com o mínimo de perturbação ao equilíbrio ecológico Na aula
seguinte, dois alunos trouxeram outros textos sobre ecologia: ~cinzas que
esfriam" (Revista Veja), "As sete pragas"( Revista Globo Ecologia), ambos
reportagens.
Tanto os textos de propaganda como os demais textos tomaram
se alvo de atenção mais acurada e de fácil compreensão para todos os
68
alunos da classe. Voltando nossa atenção para o texto, podemos aplicar
aqui, também, a noção de inferência constitutiva de que nos fala Kato (op.cit,
p.21 ), segundo a qual criam-se significados a partir de pistas contextuais,
tomando o leitor mais integrador de informações co-ocorrentes, não
dependendo tanto da informação linear. Nota-se, portanto, que é uma prática
produtiva expor o aluno a variados tipos de textos e que a comparação entre
eles enriquece e aumenta o conhecimento textuaL
O terceiro tipo de conhecimento prévio envolvido na leitura, pode
ser entendido como conhecimento de mundo ou conhecimento enciclopédico
("background knowledge"). Segundo Kleiman (op. cit.: 1989:), é um tipo de
conhecimento adquirido de modo formal ou informal por todas as pessoas.
Representa tudo aquilo de que as pessoas têm conhecimento, ficando
armazenado ou arquivado na memória semântica ou episódica, também
chamada memória de longo termo. De acordo com a leitura que está sendo
feita, é presumível que nossa memória ativa alguma parte desse nosso
conhecimento de mundo (v. Kato: op. cit.). Esse trabalho que é feito a partir
de elementos formais do texto, traz para determinado momento em que
lemos informações e referentes extralingüísticos relevantes para o
entendimento de partes do texto ou de sua totalidade, isto é, para a
construção das representações mentais.
De acordo com Kleiman, esse tipo de conhecimento de mundo
tanto pode ser específico (por exemplo, o conhecimento que um
endocrinologista tem sobre como funciona o metabolismo de uma pessoa),
como pode ser mais genérico (por exemplo, saber que o gato arranha e que
o cachorro morde).
69
A autora aponta ainda um outro tipo de conhecimento de mundo ,
que é de modo geral, adquirido informalmente. É dependente do meio
cultural em que as pessoas vivem e é influenciado por ele. Koch e Travaglia
(1989) consideram-no como conhecimento ativado ("foreground knowledge")
que é trazido à memória operacional (memória de médio termo} ou à
memória de trabalho (memória de curto termo). Pode ser científico ou o
resultado da experiência cotidiana e, devido a isto, caracterizado como
comum e estereotipado. Trata-se do domínio global que temos sobre como
são levados a efeito os fatos próprios de nosso contexto culturaL Esse
domínio inclui procedimentos e o conhecimento de determinados detalhes
que envolvem os fatos, como por exemplo comer num "self-service", dirigir
um carro numa rua ou numa estrada etc. Esse tipo de conhecimento prévio,
por estar ordenado e por incluir apenas a generalidade e a previsibilidade
das situações, é caracterizado como conhecimento estruturado e parcial (v.
Kleiman: op.cit). Ele pode ser também considerado seletivo, visto que
permite a omissão de características particulares de determinadas
situações ou fatos, ou seja, o conhecimento de mundo sob enfoque favorece
ao produtor do texto explicitar dados novos e deixar implícito o que poderia
parecer redundante. Esta seletividade se deve ao conhecimento que se
espera seja partilhado pelos interlocutores, em situação de fala ou escrita, o
que facilita sobremaneira a comunicação.
Kleiman (op.cit.:1989), ao se referir a esse tipo de conhecimento,
o denomina de esquema.(p.24) Assim, teríamos internalizado o esquema de
70
~se!f-servíce", de dirigir um carro etc. que é ativado ou trazido à memória de
trabalho, quando abordamos um ou outro fato.9
Beaugrande e Dressler (1981), consideram o esquema de modo
semelhante. Para os autores, os esquemas
"são modelos cujos elementos são ordenados numa
progressão, de modo que se podem estabelecer
hipóteses sobre o que será feito ou mencionado a seguir
no universo textual. As ligações básicas sâo a
proximidade temporal e a causalidade, sendo poís
previsfveis e ordenados".
(apud Koch & Travaglia, 1989:64)
Van Dijk (1992) amplia o enfoque sobre esquema, introduzindo a
noção de "modelos " (mentais), que constituem a soma da representação
mental de um texto com a de um modelo de situação que subsidiam a
compreensão. Ao ler um texto, é esperado e é provável que o leitor construa
a representação textual e que tente também imaginar do que se trata o texto
(coisas, atos, eventos, estados de coisas etc. a que o produtor se refere).
"Um modelo de situação é a noção cognitiva que dá conta
deste tipo de 'imaginação' em que os usuários da língua
se empenham quando compreendem o discurso". (p.
161).
A informação obtida deriva da representação textual e de modelos
já construídos anteriormente, em situações similares, isto é, há um suceder
11- Cabe lembrar que a terminologia especifica pode aparecer Hgada a diversos
conceitos, sem no entanto se afastar da teoria que a gerou. É o caso de esquema.
71
de modelos parciais oriundos do conhecimento pessoal já existente. O autor
considera os modelos na memória como registros cognitivos episódicos de
nossas experiências pessoais. Isto nos mostra que tais modelos não se
instalam isoladamente na memória, não são estanques. Eles se organizam
em conjuntos e possuem caráter recursivo, pois a cada momento em que
são requisitados eles vêm à tona, são recuperados e atualizados. Há, por
assim dizer, um constante processo de reconstrução para a adequação de
modelos às situações, que sabemos, nunca serão idênticas.
A existência de modelos pode ser entendida como um importante
fator subjacente ao processamento e compreensão do texto. Se pudermos
imaginar sobre o que um texto fala, reconhecer outros aspectos como a sua
construção, relacioná-lo a mundos específicos ou a modelos de mundos
particulares ou, de acordo com Van Dijk (op. cit.), se pudermos construir um
modelo possível, então poderemos dizer que alguém compreendeu o
discurso.
Por outro lado, os modelos têm implicações pedagógicas que
precisam ser pensadas. Em situação de aprendizagem, se na memória do
leitor já existem determinados modelos, estes vão constituir elos que se
relacionam e terão como conseqüência a compreensão. Entretanto, se ao
contrário, não existir nenhum modelo ou nenhuma referência do modelo, é
preciso criá-lo ou criar condições para que su~a. Esse fato chama nossa
atenção para questões que emergem do ensino e que, raramente, são alvo
de preocupação por parte das pessoas envolvidas neste contexto.
O que ocorre em termos de aprendizagem se o aluno não tem um
modelo de onde partir para atingir a compreensão? E aqui não estamos nos
72
referindo apenas à compreensão de um texto destinado à leitura na aula de
português, mas de todo e qualquer texto que o aluno obrigatoriamente tem
de ler na escola, como os textos didáticos, os quais determinarão seu
desempenho e aproveitamento nas diversas disciplinas de seu curso.
Embora aprendizagem seja uma palavra muito usada nos meios
educacionais, pensamos que ela tenha se tomado um rótulo estereotipado
nesses meios. Há uma preocupação muito grande com o ensino, incluindo-se
af programas a serem cumpridos, técnicas, metodologias e tudo mais que o
ensino possa comportar. Mas a aprendizagem é vista de um modo geral em
segundo plano ou, às vezes, em plano nenhum. E neste ponto há um contra
senso enorme e absurdo, porque a escola, por um lado, bem ou mal, se vale
a todo momento da leitura, da palavra escrita. Por outro lado não há uma
preocupação com a leitura, que é a causa de incontáveis problemas de
aprendizagem. A leitura subsidia a aprendizagem e vice-versa. Portanto, o
desenvolvimento cognitivo do aluno na escola, onde vai adquirir
conhecimentos sistematizados e científicos é, decisivamente, dependente da
leitura.
A leitura, então, deve ser vista não apenas como um conteúdo a
mais a ser ensinado , mas com toda sua abrangência, utilidade e
funcionalidade, dependente de conhecimentos prévios ou de modelos já
existentes na memória do leitor, para que esses sejam buscados quando
necessário. A leitura deve ser compreendida como um processo cognitivo em
curso, em meio ao universo social , histórico e cultural que cerca o leitor.
Van Dijk (op. cit) ao concluir seu estudo, sumariza a teoria dos
modelos. Ressalta que compreender o que um texto fala - "compreender o
73
discurso"- está intimamente relacionado com ~compreender o mundo", mas
não há ainda correlatos cognitivos a este "mundo~, derivando daí a noção de
modelo de situação que objetiva a construção de modelos novos e
atualizados. Além do mais, os modelos explicam por que os textos podem ser
incompletos, vagos ou cheios de idéias implícitas, sem prejudicar a
compreensão.
Entretanto, o autor aponta alguns problemas relacionados à teoria,
dentre os quais destacamos alguns que nos parecem ser mais pertinentes
para o momento. Ele reconhece que a teoria dos modelos é ainda bastante
informal, como acontece com outras teorias cognitivas, embora essa
informalidade não prejudique uma testagem experimental. Um outro
problema se refere às categorias do modelo entre aquelas que são
universais cognitivos e aquelas que são culturalmente variáveis. O autor
questiona como se relaciona a forma de compreensão "subjetiva" e
"incompleta" à observação e interpretação "objetiva" do mundo intersubjetivo.
Pensamos que as teorias quer sejam formais, quer sejam informais
podem e devem ser testadas ou submetidas à observação sistemática, pois
são elas promotoras de avanços consíderáveis em todas as áreas do
conhecimento.
Quanto à forma de compreensão não se pode ignorar que essa
apresenta variáveis e idiossincrasias conforme mencionamos em outras
partes deste trabalho, visto que o desenvolvimento cognitivo apresenta
passos semelhantes, mas não idênticos para todas as pessoas.
Conseqüentemente, a maneira de relacionar a compreensão subjetiva com a
compreensão objetiva, melhor dizendo, com as categorias sócio-culturais,
74
forçosamente terá desdobramentos e resultados drterenciados,
considerando-se além disso que também a visão objetiva e a subjetiva de
mundo têm características pessoais particulares.
3.3. Estratégias.
Dentro do movimento cognitivo de ocorrência continuada,
passemos agora a examinar um outro movimento subjacente àquele, um
mecanismo psicológico de grande significância para a leitura. Referimo-nos
aos meios de se atingir determinados objetivos ou intenções, que são as
estratégias. Essas podem ser classificadas, de acordo com suas
características próprias, como cognitivas ou metacognitivas.
Mas, antes, consideremos o que sejam estratégias propriamente
ditas. De acordo com Van Dijk & Kintsch (op. cit.: 1983) , embora a noção de
estratégia seja usada em muitos estudos da ciência cognitiva, muito
raramente ela é definida. É usada como metáfora emprestada da ciência
militar {significando "comando militar"), como termo na ciência política,
econômica e em outras áreas que estejam envolvidas com ações complexas
de objetivos direcionados. Mas, estratégia per se , continua como um
conceito obscuro. O termo estratégia está associado à teoria sobre o
preparo de decisão em que o interesse não é meramente conseguir um
objetivo, mas consegui-lo de maneira otimizada, ou seja, com rapidez,
eficiência ou com pouco esforço. Estratégias, portanto, envolvem ações,
finalidade e alguma noção de favorabilidade. Para o autor, intuitivamente,
75
uma estratégia é a idéia que um agente faz sobre a melhor maneira de agir,
a fim de conseguir uma meta. Partindo de uma perspectiva geral, ele
considera uma estratégia como uma representação cognitiva de algum tipo,
ao lado da noção de plano , o qual definiu como uma representação
cognitiva de alguma macro-ação. 10 Dizem Van Dijk & Kintch (op. cit.):
Enquanto um plano é um conceito global da macro-ação
mais seu objeúVo ou resultado final , uma estratégia é
uma representaçao global dos meios de atingir este
objetivo. Estes meios globais dominarão um número de
decisões e ações de níveis inferiores, mais detalhados.
Então, se a estratégia é globalmente caracterizada como
sendo rápida, mesmo para cada ponto, esta ação será o
ponto de apoio para conduzir mais rapidamente o próximo
estágio. e, então, atingir o objetivo final".
Comparando as duas noções cognitivas, é ressaltado que um
plano é, meramente, uma representação global de uma ação. Tomar um
avião para ir a um determinado lugar, seria um exemplo ilustrativo desta
representação global. A noção de estratégia vai mais além: é ela uma
representação mental e global de uma maneira de realizar esta ação global
de modo mais eficiente, com menor esforço, com risco mínimo etc.
10 - Um plano pode ser definido como uma macro-estrutura cognítiva de intenções e
propósítos. É um esquema hierárquico dominado por uma macro-ação. Comer num restaurante ou
construir uma casa, são ex:emp!os de macro-ações_ Para um nlvel mais local, elas representam a
execução de um número de mais detalhadas ações. A macro-ação é uma estrutura de conceíto global
organizando e monitorando a atuar seqüência de ação_ Ela define os resultados finais , globais e os
objetivos.
76
Continuando o seu raciocínio, os autores acrescentam:
"Se a estratégia é um ótimo objetivo ,em cada
circunstância selá tomada uma decisão para executar
aquelas ações que virão mais adiante, aquelas ações que
conduzem não somente para p1, 11 mas também para um
número máximo de outras propdedades desejadas do
estado ou das questões objetivadas. Similarmente, nós
podemos ter uma estratégia segura envolvendo sempre a
escolha de ação alternativa que mais provavelmente
conduza aos resultados desejados, objetívos e resultados
fínais, ou uma estratégia infedor que faz assim a pista ser
mais simples. As combinações são possíveis, é claro,
como por exemplo: ordinária-rápida ou segura
dispendiosa (ou seja, que leva mais tempo para
acontecer). (p. 65).
Propomos a visualização desses conceitos da seguinte forma:
11 - P1, de acordo com o estudo feito, significa propriedade.
77
r-MACRO .AÇÃO ~--D~ PLANO ( .Representação cognitiva
c~ •de alguma macro-aç•• ~ Estratégia de ctJnceito Ctlnceito global + objetivo global
ESTRA1EGIII Representação global dos meios de atingir os ob"etivos do olano
I I I DEOSÕES DEOSÕES DEOSÕES DEOSÕES
E E E E AÇÕES AÇÕES AÇÕES AÇÕES
~~/ ~ PRÓXIMAAÇÃO /
L--... OBJETIVO FINAL
A estratégia é uma instrução global, que tem a característica de
ser flexível, tendo em vista cada escolha necessária que deverá ser feita
mais adiante durante o curso de uma ação. Em outras palavras, a estratégia
diz respeito à maneira global e progressiva de decidir os tipos de ações
alternativas que serão tomadas no transcorrer do curso das ações.
A estratégia é, pois, um mecanismo psicológico permanente, em
constante estado de alerta, visto que estamos envolvidos com e em ações a
todo momento. Ela tem grande alcance porque vai abranger a totalidade da
ação, mas ao mesma tempo é de grande economia por se adaptar da melhor
forma a cada tipo de ação, ou seja, para realizar cada um dos tipos de ação
a estratégia se organiza de um modo mais adequado.
78
Como os próprios autores reconhecem, as noções propostas
sobre estratégia são gerais e bastante abstratas, posto que elas se aplicam
a qualquer tipo de situação e/ou atividade em que estivermos envolvidos,
entretanto elas se tornam tão necessárias quanto os objetivos finais que nos
norteiam.
Apesar da sua característica genérica, a noção de estratégia é
aplicável a situações bastante específicas, a qualquer situação sendo
vivenciada. Um exemplo ilustrativo, bastante concreto e claro é a atividade
de leitura, envolvendo a produção, compreensão e reprodução do discurso,
em que o leitor se vê diante de uma ação a ser realizada. Desde o início da
leitura de um texto, alguma estratégia foi acionada para que, lendo, se vá
compreendendo o seu conteúdo ou se crie um modelo de situação, conforme
o dizer de Van Dijk (op. cit: 1992).
Se o conteúdo for de fácil assimilação, se os elementos
lingüísticos forem conhecidos, as estratégias provavelmente deverão ser
rápidas, até mesmo inconscientes, pois além de a mente estar condicionada
para ler, o leitor tem acessibilidade à compreensão sem muito esforço. Se
acontecer o contrário, isto é, se a situação for diferente da anterior,
provavelmente as estratégias disponíveis serão mais reflexivas e, para isso,
exigirão um tempo maior para cumprirem o seu papel monitorador da
atividade mental e subjacente a ela. Esse papel das estratégias tem uma
implicação muito significativa na aquisição e desenvolvimento da leitura.
Tem, igualmente, implicação significativa na aprendizagem dos mais
variados conteúdos escolares, assim como na aquisição de habilidades para
a realização de tarefas.
79
As estratégias referidas são conhecidas na literatura específica
como estratégias cognitivas. De acordo com Van Dijk & Kintsch (1983) são
elas o resultado de um processo mental envolvendo muitas informações e,
sempre que esse processo mental é consciente e ordenadamente controlado
, assim como cada passo mental revela a informação necessária para o
próximo passo mental, comparativamente, pode-se falar, então, de
estratégias mentais. Como parte dessas estratégias, os autores classificam
mais três : de linguagem, gramaticais e do discurso, cujas bases não ficam
muito claras, posto que parecem partir do mais geral para o particular, mas
co-ocorrem simultaneamente, ou como os autores dizem, têm
relacionamentos mútuos.
Senão vejamos, sucintamente: as primeiras (de linguagem) são
estratégias utílizadas pelos usuários da linguagem na produção e
compreensão de enunciados (ou atos de fala) de uma língua natural. As
estratégias gramaticais se referem aos dados que são processados no
tempo real e, uma vez que esses sejam relevantes, o usuário da linguagem
pode usar regras para checar se as estratégias foram corretamente
aplicadas nas sentenças gramaticais. As estratégias para a produção e
compreensão do discurso são similares àquelas usadas na compreensão de
sentenças. Os usuários da linguagem sempre manipulam estruturas de
superfície (palavras, frases) e significados de orações (informações
pragmáticas a partir do contexto) assim como dados culturais, sociais e
interacionais. Em outras palavras, o usuário da linguagem tentará avaliar
eficazmente os significados do (partes do) discurso, a referência
correspondente, as funçOes pragmáticas ou valores dos ( partes dos) atos
80
de fala do discurso assim como outras funções culturais, sociais e
interacionais,
As estratégias discursivas constituem o conjunto de outras tantas
estratégias, de acordo com os autores. São elas:
a- estratégias culturais (informações culturais relevantes);
b - estratégias sociais ( usadas em meio a contextos sociais
amplos ou em ocasião social local);
c - estratégias interacionais ( informações basilares para
estratégias específicas usadas em situações comunicativas);
d - estratégias pragmáticas ( determinadas pelo uso de uma
língua natural);
e - estratégias semânticas (estabelecem o que um discurso
significa e sobre que ele versa, isto é, suas intensões e suas extensões ou
referências);
f - estratégias esquemáticas (referem-se a tipos diversos de
discursos com sua organização global como as narrativas, as
argumentações etc.);
g - estratégias estilísticas e retóricas (têm a ver com o
reconhecimento implícito de mecanismos retóricos a fim de atingir seu
objetivo de persuasão),
O resumo organizado abaixo nos revela a intrincada rede de
relações cognitivas que se processa no interior dos indivíduos, porém com
influências de várias ordens oriundas de contextos verbais e sociais.
81
Estratégias cognitivas ou estratégias mentais:
A. de linguagem B. gramaticais C. do discurso
1 _ estratégias culturais 2. estratégias sociais 3. estratégias interacionais 4. estratégias pragmáticas 5. estratégias semânticas 6. estratégias esquemáticas 7. estratégias estilísticas ou retóricas
A oposição entre estratégias mais ou menos reflexivas, ou "entre
cognição e metacogniçfio é inspirada em Vigotsky (1962) e sua lei do estado
de consciência, segundo a qual podemos distinguir duas fases do
desenvolvimento do conhecimento: uma fase de desenvolvimento
automático e inconsciente e uma em que se observa um aumento gradual do
controle ativo desse conhecimento.'(apud Kato: op.cit, p.p. 101-102). A
distinção é, como se pode notar, a separação entre aspectos cognitivos e
metacognitivos do desempenho.
Brown (1983), em sua abordagem sobre a metacognição, diz que
esta se refere ao controle deliberado e consciente das ações cognitivas
próprias do indivíduo. Observa que a distinção entre o conhecimento e o
entendimento do conhecimento tornou-se um tópico de grande interesse
associado a questões educacionais e ao desenvolvimento. Uma das maiores
justificativas para se estudar essas habilidades é o fato de estarem as
mesmas ligadas tanto às situações reals de nossa vida diária como às
situações vívenciadas na escola. Predizer, checar, monitorar, testar a
realidade, bem como coordenar e controlar tentativas deliberadas para
estudar, aprender ou resolver problemas são habilidades de metacognição,
82
características básicas de pensar numa ampla área de situações de
aprendizagem, incluindo-se aí uma leitura eficiente.
O trabalho de Brown (op.cit) tem como enfoque o
desenvolvimento das estratégias metacognitivas associadas à leitura.
Referindo-se a elas, a autora destaca ser a compreensão de textos o
objetivo principal de leitura, assim como o fazem outros autores da líteratura
especializada neste assunto (v. Kato: op. cit., Kleiman: op. cit). Também os
professores de língua materna e dos demais conteúdos de todas as séries
buscam no dia-a-dia escolar que os alunos atinjam o referido objetivo.
Ao considerar as habilidades para que se consiga a compreensão
do texto, Brown (op.cit) ressalta que muitos processos de instanciação
referencial podem ser realizados de forma automática e rápida se
comparados com as ações de consciência deliberada. Os processos
subconscientes são identificados como automatic pilot states e os outros,
processos maís elaborados, como debugging states, os quaís constituem o
foco principal do trabalho da autora. São reconhecidos como habilidades
metacognitivas que podem ser relacionados aos propósitos de leitura. A
autora aponta sete atividades desse tipo. São elas:
• explícitação dos objetivos de leitura;
• identificação de aspectos importantes da mensagem;
• alocamento de atenção em áreas que são importantes;
• monitoração do comportamento para ver se está ocorrendo a
compreensão;
83
• engajamento em revisão e auto-indagação para ver se o
objetivo está sendo atingido;
• tomada de ações corretivas quando são detectadas falhas na
compreensão;
• recobramento de atenção quando a mente se distrai e faz
digressões.
Ao considerar a relação acima, Kato (op.cit) é de opinião que
existem apenas duas estratégias básicas, sendo as demais apenas subtipos.
As estratégias apontadas são:
a'- estabelecimento de um objetivo explicito para a leitura;
b '- monitoração da compreensão, tendo em vista esse objetivo.
Em situação de ensino de leitura, é necessário auxiliar o aluno a
adquirir o domínio das estratégias metacognitivas, quando ele ainda não tem
essa habilidade. Assim pensando, devemos ressaltar que a tomada de
ações corretivas quando são detectadas falhas na compreensão; citado por
Brown, não nos parece um subtipo conforme as considerações de Kato,
principalmente se levarmos em consideração o leitor -aprendiz nas situações
de ensino da leitura e se objetivarmos uma aprendizagem mais significativa,
que possa servir de modelo de como se deve ler em momentos outros.
O comportamento do aluno em dados momentos de sua leitura
pode ser indicador de falhas na compreensão e , às vezes, essas falhas se
concentram em determinado trecho. Expressões faciais de incerteza ou de
enfado sempre são notadas, bem como o levantar de olhos buscando a
84
ajuda do professor, a pergunta explícita oral ou o olhar perdido por uns
instantes. Não resta a menor dúvida de que o comportamento do aluno
revela as suas incertezas que necessitam de um monitoramento externo
imediato, uma vez que ele ainda não adquiriu a habilidade de
automonitoração. Observá-lo e providenciar ajuda para um momento crítico
de sua leitura pode minimizar problemas de compreensão e evitar que eles
recrudesçam. Trata-se de se tentar reproduzir externamente as condições
internas que poderão ser desenvolvidas e que darão a esse aluno-leitor a
flexibilidade e a independência de que ele necessita,
Esse procedimento, que consfderamos um suporte temporário,
provavelmente, constituirá a base de um recurso de que o leitor mais tarde,
provavelmente, se apropriará a fim de que ele mesmo possa monitorar o
comportamento para ver se está ocorrendo a compreensão.
Para explicar melhor, podemos citar como exemplo várias
situações assemelhadas com que nos deparamos em nossa pesquisa que
foram mediadas pelo professor, durante a aula de leitura, na interação com
os alunos. Observado o comportamento indicador de dúvida, os alunos
foram perguntados sobre passagens do texto não entendidas. Eles tiveram
opiniões coincidentes, apontando trechos que avaliamos serem trechos
chave para a compreensão da totalidade textual.
Observamos, entretanto, que no dia-a-dia escolar não existe a
preocupação de se saber como está ocorrendo a leitura do aluno.
Simplesmente lhe é dado um texto para ler e na maioria das vezes, em
qualquer série, a leitura permanece no estágio da decodificação. Para se
evitar situações indesejáveis como esta, achamos que voltar ao ponto de
85
estrangulamento ou de dificuldade maior da leitura é um procedimento
altamente produtivo, porque cria condições para o aluno desenvolver
estratégias metacognítívas, uma vez que parece não ter ainda aprendido a
se valer de atitudes reflexivas.
Notamos que essa tomada de consciência, em primeiro lugar, tíra
o aluno da situação de passividade, de conformismo ou então de pressa
para desincumbir-se da tarefa, pois já ouvímos várias vezes alguns dizerem
"se eu não entendo, vou tocando para a frente". Em segundo lugar, a
tomada de consciência faz com que o leitor reflita sobre o empecilho
alocado durante a leitura que tenderia a torná-la , sem dúvida, um obstáculo
a mais para o seu desenvolvimento escolar. Remover o obstáculo, ou neste
caso, a dificuldade de leitura é um procedimento que muito ajudará o aluno
no seu desenvolvimento cognitivo.
O trabalho de Brown se propõe a uma abordagem
desenvolvimentista, mas isto não ocorre. Nos diversos tópicos de seu
trabalho, ela enfatlza mais a tendência da criança em apresentar falhas ou
deficiências em relação a um saber e comportamento ideais , a partir de
resultados de experimentos realizados. A autora observa que as crianças
são menos capazes de exercerem um controle consciente da sua própria
atividade cognitiva e atingirem uma auto-avaliação adequada. Por outro <
lado, observa que existe uma lacuna entre o que elas falam que sabem e
como desempenham as tarefas de leitura. Para Brown há uma grande
evidência de que a melhoria do desempenho ocorre por volta da terceira
série, sendo este o ponto em que o conhecimento (consciência) é alcançado
pela maioria das crianças. Mas, destaca que as deficiências cognitivas não
86
se dão apenas em relação à idade. Elas ocorrem em função da
inexperiência em relação a uma situação problemática nova.
Reportando-nos à leitura, observamos que os sujeitos de nossa
pesquisa, alunos da 5a série, não apresentavam a melhoria de desempenho
que já deveria ter ocorrido, de acordo com o que foi observado por Brown.
Quanto às possíveis deficiências cognitivas, pensamos que não se
caracterizam em função da inexperiência em relação a uma situação
problemática nova, visto que a leitura a essa altura da escolaridade não é
fruto da inexperiência e nem se trata de um fato novo na vida desses alunos.
Como se sabe, a ocorrência acima constatada, infelizmente, faz
parte da rotina escolar da grande maioria dos alunos e pode ser verificada
sem muito esforço. Aqui cabe, então, uma consideração pedagógica que é
a de incentivar o uso pelos alunos de estratégias cognitivas e
metacognitivas, uma vez notada a falha da aprendizagem até aí na
condução do ensino da leitura.
Kleiman (1993) dedica uma parte de seu trabalho ao que chama
de modelagem de estratégias metacognitivas. Assim escreve:
..-A característica mais saliente do Jeftor proficiente é sua
flexibilidade na leitura. Ele não tem apenas um
procedimento para chegar aonde ele quer, ele tem vários
possíveis, e se um não der certo, outros serão ensaiados.
Por isso, o ensino e modelagem de estratégias de leitura
não consiste em modelar um ou dois procedimentos, mas
em tentar reproduzir as condições que dão a esse leitor
87
proficiente essa flexibilidade e independência, indicativa
de uma riqueza de recursos disponiveis".(p.51)
A autora chama a atenção para duas estratégias básicas de
leitura, que seriam aquelas também apontadas por Kato: objetivo ( ler
sabendo-se para que se está lendo) e automonitoração da compreensão
(decorrente do objetivo firmado, será desenvolvida naturalmente).
Trazendo estas duas estratégias para a realidade escolar,
encontramos de pronto uma enorme lacuna, visto que não são traçados
objetivos de leitura e, conseqüentemente, não faz sentido falar-se em
monitoração consciente. Uma das poucas leituras precedidas de objetivo na
escola é a leitura extraclasse . Infelizmente, por razões que não precisam
ser apontadas, o objetivo é dos menos promissores e estimulantes para uma
leitura eficiente e produtiva. O objetivo é uma prova no final de um bimestre
letivo.
Kato, em suas considerações pedagógicas, escreve que a escola
pode favorecer o desenvolvimento tanto das estratégias cognitivas (através
de estímulo compreensivo e motivador} como das estratégias metacognitivas
(através de situações problema), recomendando o oferecimento de
atividades orientadas de leitura com o fim específico de criar situações que
exijam a aplicação dessas estratégias. Sugere procedimentos pedagógicos
fUndamentados em princípios cognitivos:
"a) uma ação sobre a leitura em curso e
b) uma ação sobre o produto da leitura que determine,
todavia, um retomo ao texto".(p. 113)
88
Esses procedimentos dividem as responsabilidades na condução
da tarefa. O leitor-aprendiz direcione sua leitura para atingir um detenninado
fim, no primeiro caso e, no segundo caso, é o professor quem age fazendo
previsões de falhas da compreensão.
Conforme Brown, achamos a questão das habilidades cognitivas
e metacognitivas upartícularmente excitante H. Somos de opinião que ambas
as estratégias- cognitivas (processadas automaticamente) e metacognitivas
(controladas conscientemente) - de acordo com as idéias derivadas dos
modelos psicológicos do pensamento humano, cumprem papéis altamente
relevantes para o desenvolvimento de várias atividades rotineiras realizadas
na escola, durante a educação formal, associadas que podem ser à menor
ou maior complexidade das tarefas a serem executadas. Embora
apresentem caracterfstícas e mecanismos diferenciados, menos e mais
elaborados, as estratégias são instrumentos necessários para o
estabelecimento de objetivos adequados à diversidade dessas tarefas. As
estratégias devem ser modeladas e desenvolvidas a partir das primeiros
anos escolares, tenda em vista, principalmente, a aprendizagem, a que
pouco se dá atenção. (Na escola prioriza-se, particularmente, a ensino).
Podemos afirmar que voltar-se para elas significa encontrar um pano de
fundo para a obtenção de melhores resultados quanto à leitura, o que pode
desencadear para o aluno um processo de aprendizagem notável e
abrangente. Foi o que ocorreu destacadamente com CLS, sujeito de nossa
89
pesquisa e com seus colegas. Foi observado o mesmo fato com a maior
parte dos alunos participantes do Projeto "Em cantos de leitura" .12
Antecipamos, aqui, algum resultado sobre possíveis diferenças
advindas do processo cognitivo em curso, ao ilustrar com um exemplo de
resultado positivo do ensino da leitura conforme o concebemos e colocamos
em prática.
CLS, no início de nossa pesquisa, era o aluno que apresentava os
problemas mais marcantes de leitura. No final, assim ele se expressou:
A - eu aprendi entendê quando leio mais baixo a entendé mais! E - entender? A - entendi! as palavras (ininty E - só a palavra ou o texto também? A - texto também (ininl)l
Para CLS a leitura silenciosa era mais difícil, principalmente
quando tinha muita gente conversando {os colegas na sala de aula). A
leitura oral, ele não se arriscava a fazê-la devido à nitidez de suas
dificuldades.
A professora de Geografia observou que CLS teve um progresso
mais marcante. São suas palavras:
12 ~O trabalho realizado pelas professoras do CBA (Ciclo Básico de Alfabetização), que
resultou numa "explosão" generalizada de leitura e produção de textos no mês de junho. Como se
sabe, ou como atestam abordagens sobre a atfabetizaçêo formal realiZada na escola, tal fato só
ocorre no segundo semestre, mais propriamente em setembro. A realidade que pudemos presenciar e
registrar surpreendeu a todas as pessoas envoMdas no Projeto.
90
"ele não tinha interesse I n§o prestava atenção na aula/ ele não participava/ então/ a partir do momento que começó esse trabalho/ né? de leitura/ né? e de interpretaçllol eu percebV principalmente o CLS! que isso foi muito bom! porque ele começou a crescé! ele começou a ter segurança! né? enti1o aquela iníbiçlio que ele tinha/ né? aquele medo que ele tinha/ né? e/e colocou de lado/ ele começó a se soltar em sala de aula/ eu acho que o resultado foi muito positivo/ em tennos de crescimento pessoaV nél eu acho que pra ele foi assim/ muíto importante/
Não só CLS, mas os demais alunos da classe desenvolveram
habilidades cognitivas e metacognitivas que os ajudaram a compreender
o(s) texto(s). Compreendendo o(s) texto(s) a leitura passou a ter um
significado para todos eles. A leitura serviu ainda para dar-lhes mais
segurança e serviu de suporte para o entendimento de outras matérias do
currículo.
91
CAPÍTUL04
SITUANDO A PESQUISA
A pesquisa que desenvolvemos teve por base uma metodologia
de cunho etnográfíco para a coleta de dados. De acordo com a literatura
voltada para essa questão, a pesquisa etnográfica é bastante abrangente e
já bastante Cáracterizada em suas diversas possibilidades de
investigação.(v. André, 1995, Thiollent, 1994). Uma delas, a pesquisa-ação
serviu de base para o desenvolvimento de nosso trabalhO. A pesquisa-ação
tem como característica o enfoque em aspectos sociais, buscando
resultados qualitativos . Suas linhas diretivas se aplicam a variadas
situações e problemas ligados ao ensino/aprendizagem. Hammersley &
Atkinson (1989) usam para este tipo de pesquisa o termo cognato
observação participante.
No que diz respeito à metodologia da pesquisa social, Thiollent
(1994) propõe dois tipos: a pesquisa participante e a pesquisa-ação,
diferenciando-as em alguns pontos. Para o autor, a pesquisa-ação, " além
da participação, supõa uma forma de ação planejada de caráter social,
educacional ou outro, que nem sempre se encontra em propostas de
pesquisa participante." (p.7) Porém, ambas procedem de uma mesma busca
de alternativas ao padrão de pesquisa convencional que se volta para a
quantifieáção de resultados empíricos, em detrimento da busca de
92
compreensão e de interação entre os envolvidos nas situações investigadas.
De uma maneira geral, a pesquisa-ação se caracteriza pela participação
direta do pesquisador interessado em responder tanto quanto possível aos
problemas de uma situaçao particular detectada sob forma de ação
transformadora. 13 A pesquisa-ação desenvolvida teve duas linhas diretivas:
a pesquisa em si , partindo de uma hipótese que determinou uma linha
metodológica para a aprendizagem da leitura e uma ação pedagógica
envolvendo atividades na escola em que participaram: alunos, professores,
diretora.
Devido ao fato de a pesquisa pretendida ter como enfoque a
leitura, a sala de aula foi o campo de trabalho escolhido. Foi nossa intenção
desenvolver uma pesquisa que pudesse intervir no desenrolar do trabalho
em sala de aula, na tentativa de mudar o rumo das aulas de leitura e não
nos retringirmos à analise das causas de sucessivos fracassos da relação
aluno-leitura e/ou fatores que pudessem provocá-los. Para tanto, sentimos
ser necessário um acompanhamento do fluxo das ocorrências, das reações
e respostas dos alunos. Esse acompanhamento foi sistemático e partilhado
com a professora de Português.
1s Em alguns aspectos nos afastamos um pouco da linha teórica de ThioUent (op.cít.)
em que nos baseamos, pois outros procedimentos nos pareceram mais adequados. Por exemplo, a
pesquisa-ação prevê a discussão e a participação dos pesquisadores e dos participantes em diversas
estruturas coletivas (seminários, grupos etc) . Por ser a sala de aula um campo de pesquisa mais
restrito, nao nos pareceu pertinente a realização de seminários. Optamos pelas entrevistas finais, com
o objetivo de OOfilparar os resultados que pudemos observar com a avaliação pelos professores do
processo desencadeado relativo à leitura dos alunos. As discussões acompanharam toda a pesquisa,
porém foram feitas pela pesquisadora e pela proessora de Português.
93
O nosso objetivo era testar pressupostos psicolingüísticos
aplicados à leitura (v. Brown (op. cit), Kato (op.cit), Kleiman (op.cit), bem
como verificar e analisar resultados em situação concreta e cotidiana da sala
de aula. Esses objetivos foram guiados por pressupostos. Um deles é o de
que a leitura poderia se tornar uma prática significativa para os alunos,
desencadeada dentro de perspectivas pedagógicas alternativas, para que a
mesma viesse a ocupar um lugar que lhe pertence, mas que lhe é negado
pela escola, apesar de depender dela (leitura) quase que totalmente.(Em
outro lugar deste trabalho já nos referimos às preocupações e frustrações
que os professores têm quanto à leitura e à maneira desajustada e não
desejável como é conduzida em todos os níveis do ensino regular).
O outro pressuposto diz respeito à leitura retomada e considerada
como um processo de desenvolvimento que permite a dinamlcídade de
processos cognitivos em constante evolução. Foi nossa intenção,
paralelamente, criar condições de interação para subsidiar a leitura.
A observação de Thiol!ent (op.cit.), veio ao encontro da
abordagem pensada para a nossa pesquisa: "Consideramos que a pesquisa
ação não é constituída apenas pela ação ou pela participaçJo. Com ela é
necessário produzir conhecimento, adquirir experiência, contribuir para a
discuss!:io ou fazer avançar o debate acerca das questões abordadas."
(p.22)
4.1. Descrição do contexto
Temos a registrar que participamos de todas as etapas que
constituíram o desenho da pesquisa dentro da sala de aula.
A escolha da escola se deveu ao fato de uma professora de
Português ter -se mostrado interessada na pesquisa e ter -se mostrado
94
disposta a colaborar. Dessa maneira, a escolha da escola foi aleatória, mas
deu suporte a um de nossos pressupostos de que os problemas de leitura
abrangem também alunos provenientes de classes sociais privilegiadas,
pois se tratava de uma escola particular de prestígio na cidade. A classe de
58 série14 onde desenvolveríamos o trabalho foi sugerida pela professora
pelo fato de ser uma classe com nove alunos apenas, mas que
apresentavam problemas de aprendizagem, com desempenho criticável
quanto à leitura
A pesquisa foi realizada no período letivo compreendido entre
abril e novembro de 1992, ás sextas feiras (quando não havia impedimento
como: provas, feriados, palestras na escola). O espaço para o
desenvolvimento das atividades foram os quatro horários destinados às
aulas regulares, isto é, mediante um acordo firmado com a professora de
Português, todos os professores cederam seus horários de aula previstos
para as sextas-feiras, com a aquiescência da diretora pedagógica da escola.
14 A classe de quinta sêrie de uma escola particular da cidade de Uberlândia
era atípica dentro de contextos escolares devido ao número ex!guo de alunos. Não se
tratava de uma classe "especial". Foi formada com a colaboração da escola para funcionar
no turno da tarde, a fim de atender as necessidades dos pais que trabalhavam nesse
horário. Critérios outros não foram considerados para esse expediente.
95
4.1. 1. Dados gerais sobre os alunos
Total de alunos: 10 (dez). Eram nove no inicio da pesquisa, no
mês de abril . No mês de maio foi matriculado mais um aluno. Considerando
as notas de campo feitas pela pesquisadora, foram observadas algumas
características comportamentais dos alunos que nos parecem ser relevantes
de se destacar:
• Dois alunos muito atentos.
• Um aluno falante e irrequieto.
• Um aluno muito brincalhão
• Um aluno inibido, sempre dando desculpas para fugir das
tarefas.
• Um aluno bastante dispersivo, que pouca atenção prestava às
aulas.
• Um aluno meio nervoso, sempre disposto a criar uma encrenca.
• Um aluno de ritmo bastante ~ento que não conseguia terminar
nenhuma de suas tarefas.
• Duas alunas desinteressadas e bastante acuadas na classe,
onde predominava o elemento masculino. Eram
acentuadamente marginalizadas por seus colegas em todas as
atividades. Eram impedidas ou perturbadas na hora de falarem,
darem opiniões, participarem de trabalhos em grupo. Vozes
96
apagadas, sem expressão, colegas rejeitadas pelo grande
grupo.
Pudemos observar um contexto geral desfavorável ao
desenvolvimento de toda e qualquer atividade.
4.1.2. Escolaridade dos pais
Curso 2° grau 1° grau superior co~pleto completo completo
Pais 8 2
Mães 8 1 1
Todos os pais trabalhavam fora, inclusive fora do país. Com
exceção de uma, as demais mães também exerciam suas profissões fora de
casa. Essa observação corrobora alguns dos nossos pressupostos
apontados na primeira parte deste trabalho, quanto ao possível
distanciamento dos pais e às vivências solitárias das crianças.
4.1.3. Interação com a professora de Português •
. Podemos dizer que desde o início da pesquisa houve uma
interação simétrica com a professora. Ela se mostrou interessada em
colaborar desde que soube como pretendíamos desenvolver a pesquisa.
97
Conforme foi dito anteriormente, foi quem sugeriu a classe pelos motivos
apontados. É uma professora mestranda com um conhecimento vasto em
lingüística e ampla experiência no magistério. Suas opiniões e sugestões
foram de grande importância para a adequação do trabalho em vários
momentos da pesquisa. Podemos dizer que foi um trabalho de quatro mãos
em que prevaleceram a cooperação e o incentivo em todas suas etapas.
Após cada uma das etapas fazíamos avaliação das atividades e do
desempenho dos alunos, ao mesmo tempo que observávamos o
desempenho destes.
4.1.4. Exame dos textos do livro didático
Em uma etapa inicial, fizemos um exame no livro didático adotado
para as aulas de Português para termos contato com a realidade da leitura
escolar dos alunos. Tivemos a intenção de fazer apenas o levantamento
numérico dos textos quanto à sua estrutura pois, como já ressaltado, a
maioria dos textos utilizados para a leitura em sala de aula são
predominantemente narrativos o que parece contribuir para o desinteresse
dos alunos quanto à leitura, uma vez que, cotidianamente, fora da escola,
eles se vêem diante de textos das mais variadas formas e estruturas.
Dizendo de outra forma, os textos para leitura na escola privilegiam o texto
narrativo, distanciando-se dos demais tipos. Essa escolha pode acarretar
um comprometimento na aquisição do conhecimento textual necessário ao
desenvolvimento da leitura.
98
O material examinado tinha as seguintes características:
• nove textos com estrutura narrativa;
• um texto com estrutura descritiva;
• uma história em quadrinhos;
• três textos poéticos estruturados em versos.
Textos complementares:
• Sete textos narrativos e uma poesia.
OBS.: os alunos já tinham lido quatro dos textos em outro livro didático.
Eles se saíam com o desabafo "Outra vez, professora?"
4.1.5. Instrumentos utilizados na pesquisa
Foram feitas entrevistas com a diretora pedagógica para se ter um
panorama geral dos problemas que afetavam a escola e com todos os
professores da classe-alvo acerca das dificuldades de leitura apresentadas
pelos alunos. Todos os professores têm formação superior nas áreas em
que atuam. As entrevistas se deram no início da pesquisa, tendo sido
gravadas todas elas. Igualmente, no final da pesquisa, os mesmos
professores tiveram suas entrevistas gravadas. Também foram gravadas
entrevistas com todos os alunos no início e final da pesquisa.
No primeiro semestre, foram acompanhadas (12) doze aulas.15
15 Referimo~nos a aulas, mas entenda~se que foram quatro aulas a cada dia de
gravação, todas elas destinadas à pesquisa sobre leitura
99
Foram gravadas 10 (dez) aulas. As duas restantes não foram gravadas
porque a gravador estava com defeito. Dez aulas foram dadas pela
professora de Português, duas aulas foram dadas pela pesquisadora. Uma
das aulas foi dada a partir de um texto do livro didática, quase inteiramente
dentro do padrão tradicional para se ter uma idéia da reação, envolvimento e
grau de interesse dos alunos.
No segundo semestre foram acompanhadas e gravadas 20 (vinte}
aulas. Quatorze aulas foram dadas pela professora de Português, seis aulas
foram dadas pela pesquisadora .
O planejamento e seleção do material para 17 (dezessete) aulas
foram feitas pela pesquisadora, para 1 (uma) foram feitos pela professora de
Português e duas aulas foram organizadas pelas alunos.
Foram registradas notas de campo pela pesquisadora, oriundas
da observação participante.
dados:
Resumindo, os instrumentos de pesquisa geraram os seguintes
a) -entrevista gravada em áudio com a diretora da escola;
b) - entrevista gravada em áudio com todos os professores da
classe;
c) -entrevista gravada em áudio com todos os alunos da classe;
d) - 20 aulas gravadas em áudio;
e)- notas de campo feitas pela pesquisadora, acrescidas de
algumas anotações feitas pela professora de Português,
100
CAPÍTULOS
DESENVOLVIMENTO DA PESQUISA E ANÁLISE DOS
RESULTADOS
5.1. Planejamento das atividades de sala de aula
5.1.1. Observação de aula
Após a análise das entrevistas dadas pelos professores, em que
tomamos conhecimento das deficiências dos alunos quanto à leitura,
combinamos com a professora de Português que começaríamos nossas
atividades de pesquisa.
Num primeiro momento, nossa atividade foi a de observar uma
aula de leitura preparada pela professora de Português. Fóram trabalhados
dois textos: o primeiro, do livro didático adotado, "Mundo antigo" de C. O. de
Andrade e o outro, "O anjo da noite", de Cecília Meíreles.16 A leitura do
primeiro texto deixou evidente a tradição escolar para este tipo de atividade:
leitura oral do texto por um aluno, uso do dicionário para resolver problemas
de vocabulário, conceitos escritos no quadro-de-giz, leitura e cópia dos
conceitos, questões de interpretação escritas no quadro-de-giz, cópia e
16 Os textos cítados neste capftulo se encontram no anexo_
101
resposta das mesmas pelos alunos. O segundo texto, também, foi lido
oralmente, desta vez por vários alunos. Seguiram-se a cópia e as respostas
das questões de interpretação propostas. Depois, a professora estimulou
uma conversa descontraída sobre ubarulhos". Os alunos participaram
ativamente deste momento. Para terminar, fizeram a leitura silenciosa do
segundo texto e formularam eles próprios questões sobre o que foi lido.
Foram produzidas e respondidas 14{quatorze) questões: 4(quatro) por um
aluno, 3(três) por outro, 2(duas) por outro. 5(cinco) alunos formularam uma
única questão cada um. De um modo geral, as questões abordaram o
conteúdo "barulhos'' (I) e apenas o primeiro parágrafo do texto(ll). Somente
uma questão se voltou para o contexto mais amplo do texto {111).
I a"O que o guarda·notumo ouve?"
b"Quais os sons que o guarda-noturno escutava na rua?"
c"Eie escutava barulho de veículos de transporte?
d"Que barulhos o guarda-noite ouvia e produzia?
11 -e "'Como andava o guarda?"
f "Como o guarda-noturno caminhava à noite?"
g "Como o guarda caminhava?"
I "Por que o guarda caminhava lentamente?"
m "Porque o guarda caminhava com delicadeza?"
n "O que é (passos) cadencíados?"
111 - "Como estava a noite naquela hora em que o guarda-noturna
transitava pelas ruas?"
102
Com ligeiras alterações, a aula não fugiu do padrão tradicional
tanto quanto aos procedimentos, quanto à participação dos alunos, que foi
entrecortada de conversas paralelas e de desinteresse.
A proposta da professora de serem as perguntas formuladas
pelos alunos não deixou de ser uma tentativa de fuga ao padrão
estabelecido para as atividades de leitura, mas os alunos reiteraram o
mesmo tipo de perguntas encontradas nos livros didáticos, o que vem
confirmar o rumo rotineiro das aulas de leitura e a adaptação dos alunos a
um modelo de atividade escolar bastante consolidado, porém desgastado.
Pudemos perceber, ainda, a pressa com que os alunos se desincumbiram da
tarefa, ou seja, fizeram-na por fazer, pois se prenderam ao primeiro e
curtíssimo parágrafo do texto e à troca de idéias sugerida pela palavra
"barulhos". Sentimos, entretanto, a validade da conversa introdutória que
precedeu a leitura do texto e que equivaleria à interação, como se pode
perceber a seguir:
( ... ) P1 - será que a polui~o que nós temos é só do ar? A 1 • nao/ tipo de poluiç!Jo é da/ voz P1 -de quê?/ da voz/ ahl da voz! gostei/ adorei/ da voz! então 1/ você gosta de barulho? A2 - ah/ mais ou menos/ depende do tipo de barulho/ P1 -que típo de barulho/ vocé gosta? A2 ·aqueles baruiMo de bateria/ é legaV ( .. .)
A3 - eu gosto/ eu gosto de/ de barulho de rock também/ né? eu não gosto muíto de barulho de carro normaV ou um barulho de carro I diferente/ P1 -como? Que tip.,. I ah? envenenado? A3 -é! P1 - daqueles dando cavalo de- paul A3 - é/1 nilol daquelas motonas/ u/u/u/u/ (...)
103
A conversa sobre barulho preencheu um espaço de 20min da
aula, pois todos os alunos foram questionados e falaram sobre suas
preferências.
Referimo-nos acima à equivalência de interação porque nos ficou
a impressão de um uesboço" de interação que poderia ter sido mais
explorada, por exemplo, colocando em destaque outros aspectos do texto
além do tema. Em princípio, nos parece que esse procedimento ajuda a
compreensão do texto, pois conforme os exemplos ilustrativos quanto às
perguntas formuladas pelos alunos, a referência ao barulho ficou
evidenciada, mas detalhes da totalidade textual não foram percebidos. Esse
fato sinaliza para uma compreensão em pedaços, fragmentada Melhor
dizendo, só uma parte mínima do texto pareceu ser focalizada pelos alunos.
A atividade de leitura, assim conduzida provoca, inevitavelmente, resultados
indesejados, facilmente observáveis.
5.1.2. Seleção do material para leitura
Selecionamos, de início, dois textos {um texto didático e outro de
reportagem de revista) versando sobre o mesmo tema: ~o sistema solar".
Até o final do primeiro semestre o procedimento adotado foi o
mesmo, isto é, selecionávamos os textos que seriam utilizados na aula de
leitura, porém com o acréscimo de textos trazidos pelos alunos relacionados
ao tema que seria abordado na aula subseqüente. Ao fazer essa seleção, de
modo sutil, já preparávamos condições para que o aluno percebesse a
intertextualidade ou a relação dos textos lidos na escola com outros textos
disponíveis.
Durante as aulas desse semestre trabalhamos com 2 (duas)
poesias, 8 (oito) textos do mundo comentado. Esses últimos foram textos
didáticos (3) dos livros utilizados pelos alunos em História, Geografia e
Ciências e reportagens (5) tiradas de revistas e jornais atuais.
104
Uma vez que nos referimos a mundo comentado, convém
esclarecermos a que se refere. H. Weinrich (apud Koch: 1987) ao analisar
textos de várias situações comunicativas chega à conclusão de que estas se
repartem claramente em dois grupos: o mundo comentado e o mundo
narrado, de acordo com os grupos temporais predominantes em cada um
("mundo» deve ser entendido como o possível conteúdo de uma
comunicação lingüística). Mundo narrado e mundo comentado estão
relacionados aos tempos verbais.
Segundo postula o autor, os tempos verbais distribuem-se em
dois grupos ou sistemas temporais com empregos distintos. No grupo I se
incluem tempos do indicativo (presente (canto), pretérito composto (tenho
cantado), futuro do presente (cantarei), futurp do presente composto (terei
cantado), além de locuções verbais formadas com esses tempos (estou
cantando, vou cantar etc ... ). No grupo 11 se incluem outros tempos do
indicativo (pretérito perfeito simples (cantei), pretérito imperfeito (cantava),
pretérito mais que perfeito (cantara), futuro do pretérito (cantaria) e locuções
verbais formadas com esses tempos (estou cantando, vou cantar etc ... ) O
grupo I caracteriza o mundo comentado e o grupo 11 o mundo narrado.
Também as situações comunicativas se repartem em dois grupos:
mundo comentado e mundo narrado. Graças aos tempos verbais de que
utiliza, o falante apresenta o mundo ou o possível conteúdo de uma
comunicação lingüística e o ouvinte o entende, ou como mUndo comentado
ou como mundo narrado. Todas situações comunicativas que não consistam,
apenas, em relatos pertencem ao mundo comentado. Assim o texto
expositivo se enquadra dentro do mundo comentado, em que os tempos
verbais do grupo I estão presentes. Nos textos do mundo comentado há um
maior grau de compromisso com a verdade que se quer comunicar.
Nos oito textos do mundo comentado acima referidos
predominava a estrutura expositiva, cuja ênfase é temática e se centra nas
idéias. Do ponto de vista discursivo, esses textos têm suporte
argumentativo, e se caracterizam como um meio para se refletir tendências
do pensamento contemporâneo ou passado, formar opiniões, abalar
crenças, estimular o espírito crítico ou simplesmente para saber dos fatos
105
que se desenvolvem à nossa volta, principalmente os divulgados pela
imprensa escrita17. Textos assim vão, portanto, exigir uma interação mais
acurada entre leitor X autor, pois a situação comunicativa veiculada, corno
observam Koch & Fávero (1987), apresenta como característica a atitude
tensa do leítoc Não podemos ignorar que textos com as características
apontadas entre outras, forçosamente, exigem bem mais estratégias
reflexivas para sua compreensão.
A escolha desse tipo de texto se deveu aos nossos objetivos para
aquele momento que eram o de estimular essas estratégias e expor os
alunos a textos não usuais para a leitura em sala de aula, bem como criar
condições para o aluno perceber a intertextualidade.
5.1.3. Metodologia adotada para o trabalho com o texto
A fim de trabalhar a leitura em sala de aula, resolvemos
transformar em prática pressupostos teóricos apresentados em Kleiman
(op.cit:1989), citados no capitulo 3 deste trabalho, cujo enfoque principal
são os aspectos cognitivos da leitura. De início, objetivando um modo de
intervir nas aulas de leitura, planejamos uma espécie de ensaio, ou um
plano piloto para observação da reação dos alunos submetidos à leitura de
textos variados e com uma diretriz pedagógica variante. Pretendíamos com
17 . Na tipologia textual proposta por Koch (1987, p.7) o texto expositivo, dentro da
dimensão pragmática, tem como macro-ato a asserção de conceitos e a atitude comunicativa é a de
fazer saber. Quanto à dimensão esquemática global tem superestrutura expositiva com análise e/ou
slntese de representações conceituais. Sua dimensão língarstíca de superfic\e apresenta como
marcas; conectores do tipo lógico, subordinação predominante, tempos verbais do mundo
comentado, isto é, tempos do indicativo: presente, pretérito composto, futuro do presente, Muro do
' presente composto, locuções verbais formadas com esses tempos , além do pretérito perfeito
simples, que segundo Koch (op. cit. 1987) pode co-ocorrer freqüentemente com tempos do
comentário dentro ou fora de um mesmo perlodo .
106
isso reinventar um espaço para a leitura em que pudéssemos,
eventualmente, remover barreiras impedidoras de uma leitura produtiva e
significativa para o aluno.
Entendemos, então, que deveríamos traçar uma linha
metodológica, cujos procedimentos serviriam de guia para nossas ações.
Deve ficar claro que a base estratégica para engajar os alunos
cognitivamente foi a de propiciar a interação, isto porque entendemos que
a diversidade, uma das características intrínsecas do ser humano, poderia
se manifestar nesse espaço e poderia, também, contribuir para a
aprendizagem e para a ampliação do conhecimento dos alunos, por meio
da construção de representações mentais e de novos conceitos.
Entendemos ainda que o envolvimento cognitivo determina a socialização
em sala de aula, quer se situe no plano da relação humana com as mais
variadas implicações, quer se dirija para a manifestação e para a difusão
do conhecimento. Provoca, por outro lado, o envolvimento de outros
fatores importantes que, conjuntamente, vão favorecer o fluxo de um
processo tendo em vista a aprendizagem.
A linha metodológica adotada para o desenvolvimento de nossas
aulas de leitura compunha-se dos seguintes procedimentos:
A. ativação do conhecimento prévio;
B. levantamento de hipóteses:
C. formulação de objetivos;
D. leitura silenciosa para se confirmar ou não as hipóteses
levantadas;
E. monitoramento da compreensão com o estímulo ao uso de
estratégias metacognitivas, através de:
1. resolução de problemas de vocabulário apelando
mais para as pistas textuais, para o conhecimento de
mundo dos alunos manifestado na interação e muito
pouco para o dicionário;
2. releitura de partes do texto não compreendidas,
F. leitura oral;
107
G. elaboração pelos alunos de questões relativas ao texto,
objetivando-se verificar o progresso dos alunos quanto à
percepção de detalhes e da totalidade textual;
H. exercícios escritos de compreensão do texto, elaborados
pela professora-observadora.
5.2. Anãlise dos dados
5.2.1. Estratégias em foco
Nessa parte de nosso trabalho apresentaremos os resultados que
pudemos verificar, segundo os aspectos selecionados e os objetivos
focalizados na pesquisa. O aspecto central em foco são as estratégias de
que o leitor se vale para o processamento do texto, principalmente as
metacognítivas, cujo desenvolvimento não é observado no contexto da leitura
escolar. As estratégias cognitivas são mecanismos psicológicos
inconscientes que acompanham as atividades de leitura do leitor. O
conhecimento que a elas subjaz foge do nosso controle. Não precisam, ou
melhor dizendo, não é possível controlá-las nem observar exatamente como
e quando se manifestam. Podem, sim, na situação de ensino, ser insinuadas
ou estimuladas a fim de que sirvam de apoio para um desenvolvimento mais
abrangente de habilidades de leitura.
Por sua vez, as estratégias metacognitivas devem ser modeladas
a fim de que sejam ativadas como um recurso imprescindível para que o
leitor atinja a compreensão do texto. A compreensão de textos é o grande
desafio que se interpõe na construção da leitura, notadamente da leitura
escolar que é o contexto de onde minimamente partirão as habilidades
necessárias para que o aluno se torne um leitor eficíente que se quer formar.
108
Essa situação nos leva a destacar duas questões. A primeira
se refere a como os leitores em formação lidam com a não compreensão ou
falhas de retenção, uma vez que elas são identificadas, e que estratégias
empregam para superar essas falhas. Considerando que estratégias de
leitura são vistas por Van Dijk e Kintsch (op. cit) como qualquer controle
deliberado e engenhoso de atividades que dão origem à compreensão,
cremos que seja necessário através da leitura na escola, insinuar essas
estratégias ou criarem-se condições para que haja esse controle deliberado.
Embora não se possa garantir um resultado absolutamente
bem sucedido, cremos que a ajuda do professor, direcionando atividades de
leitura possam resolver, em parte, o problema, abrindo, ao mesmo tempo,
pistas para que o controle deliberado ou as estratégias metacognitivas
sejam um recurso a ser empregado nas teituras da escola e, futuramente,
em outras leituras em que o aluno deverá contar com um auto
direcionamento e, portanto, uma reflexão sobre as dificuldades surgidas
quanto à compreensão de textos.
A segunda questão se relaciona aos pontos obscuros que o
texto apresenta, que não são revelados durante a leitura e que o leitor não
tem condições de superar. Na escola, passam despercebidos esses
problemas, pois há um interesse maior em dar conteúdos programáticos do
que resolver questões ligadas à compreensão dos textos. No caso do texto
didático, alguns alunos procuram decorá-lo para a próxima prova. Esse
procedimento, apesar de não adequado, não deixa de ser uma estratégia.
Melhor dizendo, é uma saída para o leitor que ainda não desenvolveu o
recurso de monitorar a compreensão do texto. Os que conseguem decorá-lo
{e isso nossos alunos tentaram fazer durante uma das atividades propostas
em que estiveram envolvidos), provavelmente resolvem uma boa parte da
prova, mas a situação dos que não conseguem fazê~lo é sempre
complicada. Além disso, decorar o texto ou partes do texto para um
determinado fim, não garante a retenção de modelos de situação na
memória e, portanto, a compreensão. A falta de compreensão,
inevitavelmente, compromete a aprendizagem e a situação escolar dos
109
alunos. Enfim, todos dizem que os alunos não sabem ler, mas nada fazem
para reverter a situação.
A interação leitor X leitor, com a mediação do professor, é um
caminho provável para impedir o desenvolvimento desse tipo de problema
(decorar) e pode transformar a leitura numa fonte de onde pode partir a
aprendizagem.
A leitura deve, além do mais, partir de objetivos para que possa
contemplar as exigências de um ensino mais consistente. O objetivo se
assemelha a um ponto de contato que precisa ser ativado para que o aluno
se atenha à tarefa a ser desenvolvida. Torna-se um ponto de apoio para o
fluxo do processo. Em princípio, a professora define os objetivos para a
leitura e, posteriormente, essa definição, também, deve ser proposta pelos
alunos. No caso de nossa pesquisa, o fato de a professora propor objetivos
para a( s) leitura( s) se deveu ao conhecimento claro que temos de que os
objetivos orientam a leitura e propiciam o monitoramento da compreensão e
de que esta não é uma prática comum na escola. Normalmente, os alunos
lêem para cumprir uma tarefa altamente estereotipada, bem ressaltada por
Kleiman (1989: 35):
"a leitura que não surge de uma necessidade para
chegar a um propósito não é propriamente leitura; quando
lemos porque outra pessoa nos manda ler, como
acontece freqilentemente na escola, estamos apenas
exercendo atividades mecânicas que pouco têm a ver
com significado e sentido."
Traçar objetivos para a leitura de textos e fazê-los conhecidos dos
alunos, é um procedimento que vai exigir o recurso do leitor às estratégias
metacognitivas.
Mais tarde, abrimos espaço para que os próprios alunos
formulassem os objetivos e o fizeram primeiramente meio vacilantes e
depois com visível segurança. Essa segurança se revelou, quando
começaram a sugerir a temática de textos que gostariam de ler. Sugeriram
por exemplo "sexo" ou "adolescência".
110
Considerando a interação como base estratégica para engajar
cognitivamente o leitor, a mediação do professor na condução do processo e
as estratégias metacognitivas, selecionamos alguns aspectos que
passaremos a examinar, pois se mostraram relevantes para a abordagem da
leitura em sala de aula.
Os aspectos a que nos referimos são os seguintes:
1 Jntertextualidade;
2.predições sobre o texto;
3.definição de objetivos para a leitura;
4.inferência lexical (compreensão de detalhes);
S.atribuição de intencionalidade ao texto (previsão);
Torna-se pertinente dizer que esses aspectos se entrecuzam
numa mesma aula ou numa mesma situação de leitura. Vários aspectos
podem, simultaneamente ou não, entremear a atividade, o que não implica
uma ordem linear para a emergência nos alunos dos aspectos citados.
5.2.1.1. Construindo pistas para a percepção da intertextualidade e de
funções para a leitura.
Uma das primeiras tentativas de nosso trabalho voltado para a
leitura já colocava em foco a intertextualidade, destacando a relação do
assunto do texto selecionado para a tarefa com outras matérias.
Assim, trabalhamos com dois textos (um texto didático e outro de
reportagem de revista) versando sobre o mesmo tema: ~o sistema solar".
Antes de trabalharmos com o texto do livro de Ciências sobre o
sistema solar, a professora fez a ativação do conhecimento prévio,
estabelecendo a interação, que se pode notar em alguns exemplos que se
seguem:
111
1- (. .. )
P1 - o quê/ que é o sol? A 1 - a h/ é uma estrela! P1 -uma estrela! uaíl mas estrela num é só à noite não? A 1 - claro que nlio P1- ah/ não? A2- é uma estrela/ cê num sabia não/ professora? P1 - não/ num sabia não/ A 1 - o sol é uma estrela/( .. .)
Nesse primeiro momento da interação, a professora se coloca
numa situação de desconhecimento do assunto, ela age como quem nada
sabe para que os alunos se manifestem. Através de sua atitude de
incentivar a resposta dos alunos, propicia-lhes a oportunidade de eles
próprios irem construindo seu contexto, fazendo com que pensem sobre o
que sabem. A professora não dá informações, só faz perguntas. Ela vai
traçando o fio condutor do tema que será desenvolvido e está preocupada
em colocar em destaque o conhecimento dos alunos. Para ísso, ativa o
conhecimento prévio mais geral dos alunos.
11 -( ... ) P! - ahl e onde vocês estudaram isso? A4 -em ciências e geografia/ P1 - qué que você estudou em geografia sobre isso/ NCL? A4 - a terra e o universo/ a teoria do big beng/ ( .. .) · P1 -que teoria é essa? pera aí/ A4 - é uma das principais teorias// AS - da origem do universo/( .. .) P1 - pois é! mas o que ela fala? eu num sei nada de geografia nem de ciéncias! A5 - ela fala que/ no começo I o universo era uma bola/ A4 - que explodiu/ e os pedaços deram origem (ININT) é a teoria do big beng/ ( ... )
Nesse segundo exemplo, a professora continua a estender o fio
condutor, adotando a mesma postura, ou seja, se colocando como se nada
soubesse a respeito do que perguntava para dar espaço à manifestação do
pensamento dos alunos. Valendo-se da ativação do conhecimento prévio
sobre o assunto em foco faz, então, uma pergunta explícita a fim de que
112
expliquem como obtiveram a informação; ~ande vocês estudaram isso?~. Ao
identificarem a matéria que lhes trouxe a informação, os alunos começam a
participar da interação com mais segurança. Nos exemplos podemos notar
a intenção da professora em realçar o conhecimento já adquirido pelos
alunos.
Esses, sem exceção, participaram ativamente da conversa que
girou em torno do sol e do sistema solar. A habilidade da professora
conduziu-os a relacionar o tema da aula com o mesmo tema tratado em
outras aulas e fez com que dessem alguma informação sobre o que já
sabiam sobre o assunto. Na interação, ficou já estabelecida e explicito o
reconhecimento da intertextualidade, como se verifica na fala de A4 e de A5.
A aula teve seqüência dentro de padrões previsíveis: após a
interação, foi feita uma leitura silenciosa do texto com os alunos
distribuídos em grupos de três. Cada grupo deveria fazer uma pergunta oral
para que outro grupo respondesse, também, oralmente. Nessa atividade,
apesar dos esforços e da interação em que os alunos conseguiram
estabelecer a intertextualidade, nas perguntas que formularam ainda se
pode notar uma atitude previsível, pois se prenderam ao conteúdo. As
perguntas foram as seguintes:
-"Quais e quantos são os planetas do sistema solar?"
~"Qual é o maior e o menor planeta do sistema solar''.
-"Qual é a organização do sistema solar?"
A professora continuou com a proposta de fazer com que os
alunos percebessem a relação entre textos diversos. Para tanto, propôs a
leitura de três textos complementares (um para cada grupo): "Eclipse solar",
"Explorando Marte" e "Explorando Vênus", do mesmo capítulo do livro de
Ciências. Cada grupo deveria tirar a in!ormação que achasse mais
importante e escrevê-la no caderno. A agitação surgida no inicio da
atividade foi sendo substituída, no momento da leitura, por silêncio e
113
concentração, o que não era de costume, fato esse que nos surpreendeu.
De acordo com a nossa visão, o comportamento dos alunos começava a nos
revelar uma atitude reflexiva, pois liam com um objetivo, isto é, tinham que
prestar atenção numa determinada passagem mais significativa ou deveriam
perceber detalhes do texto.
Devemos acrescentar que cada aluno fez questão de extrair,
copiar e ler a informação individual selecionada, apesar de o trabalho ter
sido proposto para o grupo. Observamos que os alunos percorreram todo o
texto, não se detiveram somente em sua parte inicial, conforme um dos
procedimentos adotados pela classe, fato esse já destacado anteriormente.
O saber escolar quanto à leitura dava seus primeiros passos em outra
direção: a do envolvimento cognitivo do leitor ..
O fato de os alunos lerem todo o texto para extrair uma
determinada informação nos leva a crer que a interação leitor X texto é
influenciada por sistemas de valores idiossincráticas que se refletem em
variáveis de escolhas ou preferências, país a realização da tarefa nos
mostrou soluções diferenciadas. Ao destacar suas escolhas, os alunos,
mostraram um maior aproveitamento dos conteúdos. Já começam a
aparecer como leitores que têm suas opções. Eles vão captando mais
informações, trazendo à tona conhecimentos que lhes são relevantes.
A título de ilustração, selecionamos apenas uma passagem de
cada grupo. O primeiro exemplo das resoluções foi escritO, mas a aluna o
disse oralmente:
1-"os eclípse do sol são raro/ não podem ocorrer mais do que quatro vezes por ano".
O exemplo da passagem selecionada no segundo texto foi lído:
11 -"a Nasa pretende lançar mais uma sonda para o planeta nessa segunda// trata-se da (ININT) que será enviada por um óníbus espaciaV a (ININT) deverá ser lançada em abril de 19891 para mapear a superfícíe do planellJ/''
114
lido:
O exemplo da passagem destacada no terceiro texto, também foi
111 ~ ucomo modem os Sherlock Holmes/ os geólogos do espaço procuram no relevo acidentado de agora I as pistas daquilo que Marte foi no passado/ um planeta um pouco mais quente e úmido// com atmosfera mais densa I naquela época/ a água estaria cobrindo quinze por cento da superfície do planeta/ que talvez fonnasse um grande oceano/ além de lagos e rios/ e onde havia água/ especulam os cienüstasl pode ter existido vida!"
Para reforçar o aspecto da intertextualidade, foi proposta a leitura
do texto "Um show planetário" (Revista VEJA) com o objetivo de mostrar que
o assunto do texto de Ciências do livro didático era também motivo de
reportagem em revista. Mas, a leitura deveria ser apenas do trecho que
falava sobre o eclipse solar, um dos itens abordados pelos dois textos, a fim
de que os alunos pudessem relacioná-los. A leitura da reportagem inteira
ficaria livre. O interesse em ler o texto todo foi manifestado pela maioria dos
alunos que o levaram para casa . O procedimento de deixar a decisão de ler
ou não para os alunos, parece provocar ~lhes uma reação bastante positiva,
ao contrário do que se verifica no contexto escolar que impõe a leitura de um
determinado texto sem objetivos bem definidos para a mesma. O objetivo
para a leitura do texto publicado na revista, já foi referido, porém a liberdade
dada ao aluno estimulou outros objetivos, que não nos foi possível precisar,
mas que, certamente, surgiram. Talvez eles possam se traduzir em interesse
pessoal de saber mais sobre o assunto. Outro ponto a destacar é que a
liberdade, suscitando pelo menos a curiosidade, resultou em mais leitura.
Em outra aula, o trabalho de leitura teve como suporte um texto
do livro de Geografia, versando sobre condições climáticas. A professora
orientou os alunos para que o lessem silenciosamente, sem perguntar nada,
nem mesmo sobre vocabulário. Era para ler e tentar entender o texto. Cada
um deveria , depois, explicar oralmente um item. Eles leram conforme a
115
orientação, mas as perguntas foram inevitáveis, inclusive algumas não
relacionadas ao texto.
Insistindo ainda na possibilidade de leitura intertextual, porém
~gora voltada para a questão da temática desdobrada ou comportando
outros temas, a professora pediu aos alunos que trouxessem textos que
falassem sobre problemas climáticos, problemas ecológicos ligados á
atmosfera, no que foi atendida.
O primeiro dos textos a ser examinado foi uma ilustração das
camadas atmosféricas. O texto seguinte foi "As sete pragas", da Revista
GLOBO ECOLOGIA. O aluno que o trouxe disse não tê-lo entendido. A
professora fez uma série de perguntas, levando-o a refletir sobre o que seria
"praga" e o que seriam "as sete pragas" de que o texto falava. Houve
bastante participação desse e dos demais alunos na tentativa de
encontrarem uma explicação, até chegarem juntos à conclusão que as "sete
pragas" são danos causados pelo homem ao meio ambiente. Resolvida essa
questão, encontraram no texto o porquê do título e a relação das sete
pragas apontadas (a ruptura na camada de ozônio, a desertificação, a chuva
ácida, o efeito estufa, os acidentes nucleares, a extinção de espécies e o
lixo). Mediados pela professora, citaram acidentes nucleares que não
estavam citados no texto.
P2 - os acidentes nucleares/ quem se lembra de um acidente nuclear? A 1 - ChemobyV A2 - ChemobyV P2 - ChemobyV e um outro que deu bem perto aqui de nós/ numa cidade próxima daqui! da gente? A3- Cubatao? P1- naoJ A2- Araguaia? P2 - nlio/ há dois anos atrás! três anos! A4 - São Paulo/ P1- nlio/ A3 - Goiânia/lá em Go#1nial P1- é o césio 1571 AS- ahl aquele negócio que cega todo mundo! quem tava eerto /á ficou contaminado/ P2- isso/ A2 - quem nascia lá/ ficava com problema
116
Os alunos conseguiram relacionar um dos trechos do texto com
seu conhecimento de mundo, surgindo também questões associadas à
EC0-92, principalmente ao tratado da biodiversidade e à posição do
presidente dos Estados Unidos sobre esse assunto.
Um dos resultados que temos a destacar é a participação dos
alunos sentida bem mais produtiva acompanhada de sua conseqüência:
leituras em cadeia. Podemos citar como exemplo o fato de os alunos
começarem , a partir desta aula a procurar a biblioteca da escola e outras
leituras fora da sala de aula, fato esse não observado anteriormente,
conforme relato em entrevista da professora de Geografia(!) e do professor
de Ciências (11), no final do ano. Note-se pelo primeiro depoimento que
ocorre uma transformação na atitude da professora, emprestando livros, se
envolvendo com o leitor e não apenas com a sua matéria
(Q " ... eu estava trabalhando atmoofera! problema de poluição/ camada de ozônio/ né ?I efeito estufa! e ele comprou um gíbizínho do Tio Patinhas/ numa das historinhas foi abordado isso/ a poluição no meio ambiente/ então/ eu ainda comentei com ele/ olhai PDRI num tem só esse livro/ tem esse livro dentro da geografia/ que são assim interessantíssimos e que você pode ler/ ele disse/ ah/ professora! tem ? eu falei tem! inclusive eu dei um lívrinho pra ele/ um livrinho de bolso! sobre a devastação da Amazônia/ né ?I ( .. .)ele dísse que já tinha lido sobre isso na aula de português/ numa das historinhas foi abordado íssol a poluição no meio ambiente/ ele disse que já tinha lido sobre isso na aula de português! é do/ da/ foi na aula de vocãsl né?l então ele ficó assim tão motivado com o conteúdo! que no próprio cotidiano dele/ ele ach6 alguma coisa muito próxima! sabe ?I então isso despertou interesse que ele trouxe um livro pra mim ler! sabe ?I entaol eu ainda comentei com ele! olha/ POR/ num tem só esse livro/( .. ) e a semana passada ele me trouxe o livro/ e falou que comprôl que tava lendo e que estava gostando muito! sabe ?I então eu acho que o/ e/ o próprio! o próprio professor/ ele criar! ele motivar o aluno! aíssolsabe ?/apartirdomomentoque vocá é motivado/ aí eu acho que vocé crescei em termos de conhecimento/ né ?I e/ eu acho assim/ a pessoa que lê/ ela tem muito mais facilídadel né ?I de entendê/ o todo/ de se expressá/ né ?I(. .. )
117
(11) E - os seus alunos tiveram alguma mudança/ em relação à leitura! ao comportamento frente à leitura ? P - eu acredito que se a gente considerar que eles não gostam de lê/ uma leitura de .uma maneira/ mais ampla (ININT)! leitura do texto/ mas esse texto tem a vê com uma série de coisas que acontecem no dia a dia/ quer dizer considerando então a gente percebe que/ há uma mudança/ quer dizer/ o texto chama mais atenção e liga o individuo a uma série de fatos que antes num/ não ligava/ se você falá por exemplo de ozônio/ o cara começa a lembrá! ahl o Globo Rural falá disso/ o Globo Cência falá daquilo/ o jornal faló isso/ falou aquilo/ quer dizer é uma coisa que! antes! não havia essa relação/ esse rolacionamento do texto em si com o dia-a-dia! quer dizer/ eu acho que esse trabalho foi positivo nesse aspecto! certo?
Ao focalizar o aspecto da intertextualidade no desenvolvimento de
nossa pesquisa já pudemos perceber a antecipação de alguns resultados
animadores que responderam, em parte, a uma de nossas expectativas que
era a de fazer com que os alunos ao se interessarem pela leitura, pudessem
sentir a sua utilidade na escola e na vida diária. A percepção de funções
para a leitura foi expressa por uma aluna que observou:
- "você tá preparando a terra pra tia de Geografia plantá!
Nessa observação, pudemos notar que, implicitamente, a aluna
percebera que a leitura serviria de subsídio para urna outra situação de aula,
em que a leitura seria necessária, que a leitura não era uma atividade
circunscrita à aula de Português, ou seja, descobrira uma função para a
leítura. Assim se expressou a aluna:
- "quando a professora de Geografia der essa matéria/ eu já sei/ vai ffcar fácil fazê prova/"
Uma decorrência do trabalho com a intertextualidade foi a de que
a partir dos textos escolares os alunos buscaram outros textos. A leitura
aprisionada na escola se estendeu, saiu de seus limites, o que lhes permitiu
118
construírem funções para a leitura. Por conseguinte, os alunos começaram
a ter um interesse gradativamente maior pela leitura, ao perceberem o
relacionamento existente entre diversos textos que aumentaram seus
conhecimentos sobre determinados conteúdos. Víamos serem substituídos
os nossos "leituristas" observados no início da pesquisa por leitores em seus
primeiros passos.
5.2.1.2.Predições sobre o texto.
Passamos a enfocar nesta parte de nossa pesquisa as predições
sobre o texto ou o levantamento de hipóteses. Essa atividade teve como
suporte a ativação do conhecimento prévio dos alunos a partir da interação,
objetivando o desenvolvimento das representações mentais. Selecionamos
como exemplo o trabalho desenvolvido com o texto " Caparaó tem altas
paisagens e montanhas". A professora começou a abordagem do texto pelos
índices enunciativos , a fim de que os alunos encontrassem pistas sobre o
assunto, conforme o desenvolvimento que se segue:
P1 -qual a seção? (. . .) P1 -qual a seção? A 1 - turismo/ A2 - turismo! P1 - turismo/ então se tem esse título inteiro aí/ turismo/ vai falar sobre/ A 1 - turismo! A2 - sobre turismo/( .. .) P1 - turismo/ mais especificamente sobre/! ( .. )
Essa conversa introdutória faz com que o leitor ao localizar o
texto já comece a contextualizá-lo. Cremos que alguma representação
mental se forma e direciona as expectativas do leitor em relação ao texto.
Continuando, a professora aborda a organização do texto e o tema que
será desenvolvido.
119
(.) A 1 - Caparaól P2 • agora/ tem um título afl que que vocês imaginam que ele vai falá? A 1 - sobre a paisagem da Caparaó/ P2- psiu/fala outra vez/ele vai falá sobre o quê? A2 - Caparaól abriga o pico da montanha/ o Pico da Bandeira/ P2 - Pico da Bandeira/ você sabia que o Pico da Bandeira ficava lá? A2-eu? P2-é! A2-nãol P2 -o que que o titulo original/ o título principal sugere?! como é que tá escrito ai? A 1 - Caparaó/ Minas GeraiS/ paisagens e montanhas(.,.)
A atitude da professora na interação é sempre a de dar
oportunidade ao aluno de busca e descoberta. Nesse sentido, o aluno vai
ampliando a contextualização a partir do direcionamento da conversa que
vai se tomando mais específica.
(. . .) P2 - então/ paisagens e montanhas! então agora eu quero perguntar o seguínte/ o que que esse titulo sugere? o que que vocês imaginam que ele vai falar? A3 - ahl que tem turismo lá em Caparaó/ P2- heín? A3 ~ que tem turismo fá em Caparaól P2 ~mas! por quê? A3 ~ pra conhecer a paisagem do Caparaóll P2 ~ e como serão essas paisagens? A2 - montanhosas? (,..) P2 - agora/ se é um lugar turfstico/ você acha que tem condição de chegar até lá? A4 -tem! P2 - temi e af o autor/ será que ele vai falá sobre o quê então? A 1 ~ sobre como chegar lá/ A4 ~ sobre as belezas (. . .)
Nesse terceiro momento, a professora dlreciona as perguntas a
fim de que os alunos tivessem oportunidade de perceber os subtemas
originados do tema geral.
As hipóteses levantadas foram confirmadas. O objetivo desse
procedimento conforme as palavras de Kleiman (op. cit.: 1993), "é a
120
elaboração de uma espécie de mapa textual, ( ... )o que facifffaria a entrada
no texto". (p. 59) O levantamento de hipóteses possibilita a interação em
vários níveis e o texto passa a ser um objeto mais conhecido, porém ainda
com desafios de compreensão a serem transpostos, de acordo com o que
comentaremos em outra parte.
Os procedimentos que adotamos para o desenvolvimento da
leitura nos autoriza a considerar três tipos de interação, em consonância
com os critérios da estratégia visados: leitor X texto; leitor X autor, leitor X
leítOL
Na interação leitor X texto, o leitor toma conhecimento do assunto
veiculado pelo texto, se torna seu interlocutor e, de maneira virtual, penetra
no texto para dele fazer parte. O leitor se insere no contexto com que se
defronta. Comparando-se essa interação com a interação face-a-face, é
como se o leitor fizesse parte da conversa, porém numa relação dialógica
manifestada apenas em sua percepção. O leitor passa a conhecer o mundo
criado pelo texto e a fazer parte dele.
Na interação leitor X autor, locutor e interlocutor se encontram e
partilham seus esquemas com suas crenças, seus saberes, suas idéias,
enfim, seu conhecimento armazenado. Isso permite ao leitor compartilhar e
assimilar, naquele momento, o modo pragmático da linguagem utilizado pelo
autor. Se os fatores apontados, pertencentes a dois ou mais conjuntos de
conhecimentos, simultaneamente se transformam em conjunto partilhado,
podemos dizer que ~ conseqüentemente, houve um cruzamento e o ponto de
intersecão pode se traduzir em compreensão.
Consideramos o terceiro tipo de interação -leitor X leitor- como
intermediária e que vai ocorrer em situação de sala de aula. Este tipo de
interação ocorre entre alunos envolvidos com a leitura. No levantamento de
hipóteses e ativação do conhecimento prévio, a interação que vai se
processando simula a interação face-a-face, em que está presente a relação
dialógica, porém com uma dinâmica diferenciada, pois o contexto em que
ocorre propicia a solução de problemas ligados à compreensão e à
formulação de novos conceitos. Poderíamos caracterizá-la como semântico-
121
pragmática por dirigir-se ao(s) sentido(s) emergente(s) e ao uso da língua
em situação específica.
5.2.1.3.Compreensão de detalhes por meio de inferências
Um outro ponto a destacar nesse nosso trabalho são as
inferências que também podem ser insinuadas ou estimuladas como
estratégias reflexivas, tendo em vista a compreensão do texto.
No trabalho com o texto de Geografia já citado, a professora
orientou os alunos para que o lessem silenciosamente, sem nada
perguntarem, nem mesmo sobre o vocabulário. Eles leram conforme a
orientação, mas as perguntas foram inevitáveis, inclusive algumas não
relacionadas ao texto. Logo de inicio um dos alunos disse alto:
"- "íanosfera/1 desculpa/
Dois outros alunos perguntaram:
- "tíal a a gente pode te perguntá as resposta/ e ·se não soubél pode procvr{J no livro? - "que que é dinâmico/f/ DINAMICO?
A orientação da professora foi para continuarem lendo, depois
fazerem uma segunda leitura , marcando a parte mais difícil de ser
entendida. A seguir, deveriam formar duplas para discutirem o texto,
conversarem sobre ele e tentarem resolver o trecho que não foi
compreendido. Mas isso deveria ser feito sem consultarem o livro. Com
algunía dificuldade, a orientação foi seguida. Logo, logo, surgiram as
primeiras dificuldades:
122
A 1 - estrastofera/ A2 - é a estratosfera/ A3 - lroposferal P1 -e vocél entendeu/ POR PLO?" A4- eu/ fessora? P1- é/ A4 - ahl eu entendV por causa que é onde acorre as chuvas/ geadas/ e um monte de outras coisa assim/ as principais que o homem precisa/ e e e é lá/ onde que tem oitenta por cento de gases/ que o homem precisa pra sobreviver/
Inicialmente, com insegurança e depois mais seguros,
continuaram a fazer perguntas e as respostas foram surgindo, algumas
vezes com a mediação da professora, outras vezes nas tentativas que os
próprios alunos faziam no sentido de resolverem as dificuldades.
Pressupomos que a elucidação de alguns pontos obscuros do
texto para o leitor (vocabulário, parágrafos, trechos) por um dos alunos ou
pelo professor, funcionando aí como mediadores, 18 subsidiam a
compreensão do texto. O vocabulário desconhecido não pode ser previsto,
pois dependerá da carga de conhecimentos que o leitor tem a respeito do
assunto veiculado pelo texto que, também, é imprevisível.
Em relação a este nosso ponto de vista, poderíamos acrescentar
um outro exemplo, citando o que ocorreu em relação ao texto: ucaparaó tem
altas paisagens e montanhas" em que apareceu a palavra 'Tranqueira"
como denominação de um locaL
"A partir da Tronqueira, ou o visitante faz o percurso a pé ou aluga um cavalo ou burro. Dois quilômetros de trilha e já se pode avistar pela primeira vez o pico da Bandeira"
A palavra chamou a atenção dos alunos e quiseram saber o que
significava, o que era. A dúvida era de todos. Eles perceberam que se
tratava de um objeto e, mesmo estando a palavra escríta com letra
1SV. a concepção de ZDP, segundo Vygotsky, já mencionada neste trabalho.
123
maiúscula, não a associaram com o nome de um determinado lugar.
Depois de resolvida a questão do nome próprio, insistiram em saber o que
era tranqueira. Só após solucionado esse problema é que prosseguiram
com a leitura e levantaram outros problemas de vocabulário. A nossa
percepção é de que o desconhecimento da palavra, logo no início da
leitura, já constituía um impedimento para a compreensão tanto do
parágrafo, quanto da totalidade do texto. Para atender as suas
necessidades naquele momento, os alunos auto-determinam seus
objetivos de leitura, fazem uma auto-monitoração de suas dúvidas, ou seja,
refletem sobre a sua dificuldade de leitura. Eles fazem perguntas em cima
de perguntas até saberem exatamente o que é tranqueira. Eles começam a
dar sinais de independência para atingirem. a compreensão do texto.
Reforçamos, ainda, a idéia de que o texto oral produzido em tais
situações pode se transformar numa mensagem recriada na escrita, ou seja,
no texto para onde o aluno se voltará momentos depois a fim de dar
prosseguimento à sua leitura. Além do mais, nesse tipo de interação, um ou
mais alunos terão uma resposta substancial que integrará ou que formará
novas informações. É um momento de soma e de síntese. É o intercâmbio
social que a leitura proporciona e de que faz parte.
Do nosso ponto de vista, consideramos que a interação leitor X
leitor, a que nos referimos precede e subsidia as demais. Em outras
palavras, este tipo de interação advinda da formulação dê hipóteses e da
ativação do conhecimento prévio, abre caminho para a interação texto X
leitor e leitor X autor por meio da palavra do aluno que se faz presente e
cresce em importância tanto para o processo pedagógico, quanto para o
processo social e o cognitivo. No primeiro processo, o aluno se torna o ser
ativo tão pretendido pela Educação, através da verbalização, em que ele
pode expressar sua experiência vivencial e manifestar até mesmo sua
sensibilidade e suas emoções. Enfim, ele participa verdadeiramente da
atividade. No segundo abre-se um espaço para a socialização dos
conhecimentos. No terceiro há um contexto propício para o seu
desenvolvimento e aprendizagem, pois como afirma Vygotsky (op. cit. 1993)
a fala organiza o pensamento verbal. O autor diz mais: " ... o desenvolvimento
124
do pensamento é determinado pela linguagem, isto é, pelos instrumentos
linguísticos do pensamento e pela experiência sócio-cultural da criança."
(p.44)
Por outro lado, é na interação que o leitor chega às
representações mentais ou, de acordo com Van Dijk (op. cit::1992) a
modelos de situação. Sabemos que esses modelos muitas vezes não estão
disponíveis na memória ou mesmo nem formados, devido, entre outros
fatores, à variedade e à imprevisibilidade de informações prévias retidas na
memória do leitor, ao ambiente cultural que o circunda, ao desenvolvimento
cognitivo que ele detém. Na interação, o leitor pode criar modelos de
situação desconhecidos e aos quais não teve acesso até então.
O texto mencionado acima serve bem para ilustrar a questão da
representação mentaL Sabemos que Minas Gerais é um estado entrecortado
de montanhas. A topografia de Minas se compõe de morros, serras e
montanhas. No próprio texto temos:
"A visão se perde num horizonte onde (.Jm "mar de montanhas"- tão tiplco de Minas Gerais - se mistura com as nuvens."
Mas, Uberlândia não apresenta essa característica topográfica,
apesar de ser uma cidade mineira. Nem Uberlândia, nem a maioria das
cidades do Triângulo Mineiro.
O texto, apesar de nos parecer bem simples, suscitou muitos
questionamentos. Ficou bem claro que os alunos não tinham um modelo de
situação para sustentar a compreensão do texto, pois o tipo de paisagem
apresentada não era do seu conhecimento. Durante a interação,
provavelmente, os alunos puderam construir o modelo de que necessitavam.
Focalizando, ainda, a questão da inferência lexical queremos
mencionar outro tipo de atividade desenvolvida. No decorrer da pesquisa,
procuramos substituir uma prática com que os alunos estavam acostumados:
o uso abusivo do dicionário, pois observamos que, muitas vezes, os
conceitos dos verbetes desconhecidos, tornam o leitor mais confuso . Não
125
raramente, a conceituação é complexa, não muito esclarecedora, e o leitor,
que já tem a dificuldade de compreender o texto, em vez de solucionar um
problema, ele arranja mais um. Com dois problemas, não consegue
compreender o sentido da palavra desconhecída
A prática substitutiva foi a seguinte: a fim de evitar o uso do
dicionário de maneira rotineira, os alunos marcavam na primeira leitura
silenciosa do texto as palavras que constituíam dificuldade. A seguir, eram
orientados e monitorados para procurarem o sentido da palavra no próprio
texto. As palavras não resolvidas eram levadas ao quadro-de-giz para
receberem a explicação de colegas que porventura as conheciam.
Para ilustrar esse procedimento, podemos citar as palavras
destacadas pelos alunos como desconhecidas do texto "Caparaó tem altas
paisagens e montanhas~:, íngreme, retorcidas, despendido, compensado,
líqüens, musgo, Terreirão, diminutas. Na interação, os alunos conseguiram
explicar o que significavam, através de deduções e associações. Por
exemplo, para "íngreme" o racíocínio foi o seguinte:
"se o Pico da Bandeira é alto, então o caminho para chegar lá é assím,
em pé."
Restaram poucas palavras sem solução, praticamente palavras
técnicas e as muito pouco usuais. Dentre as palavras acima citadas
restaram: líqüens e musgo que foram consultadas no dicionário.
Na mesma atividade com o texto HPuberdade: já não sou mais
criança", o significado das palavras selecionadas como desconhecidas foi
encontrado no próprio texto, pois se tratavam de palavras específicas que
eram esclarecidas no decorrer da leitura. Eram palavras estreitamente
relacionadas ao assunto e algumas já conhecidas de alguns alunos. Era só
prestar atenção no texto que se tinha a explicação, conforme observou um
aluno, lendo uma das partes do texto em relação a uma das palavras
listadas: ~testosterona".
126
"No menino, eles agem sobre os testículos, onde estimulam a
produção de um honnónio próprio do sexo masculino - a
testosterona".
A prática de fazer o levantamento de palavras desconhecidas, os
alunos a transferiram para leituras de outras matérias, conforme observação
feita pelos professores, o que evidencia que eles estavam já se
acostumando com o monitoramento lexical ao utilizarem a estratégia, que
em princípio foi sendo modelada.
No nosso entender, esse fato teve dois significados: o primeiro é
que foi apreendida a estratégia e o segundo é que a transferência para
outras leituras, dava sinais mais uma vez de que os alunos iam se tomando
mais reflexivos e independentes em relação à leitura. Por conseguinte,
cabe-nos acrescentar que o desenvolvimento das estratégias conscientes se
ampliava a cada leitura na perspectiva cognitiva. Era um processo que já
mostrava seus reflexos e suas conseqüências para a compreensão de textos
escritos.
Depois de resolvida a questão do vocabulário desconhecido,
passávamos para detalhes do texto não compreendidos. Os alunos
selecionavam passagens que julgavam mais difíceis de serem entendidas.
Faziam nova leitura silenciosa e levantavam os problemas que, também,
eram resolvidos na interação. No início da pesquisa, o número dessas
passagens era bem grande, depois foram se tomando menores. No dizer de
Kleiman (op. cit.: 1993): "Uma concepção clara do processo cognitivo (. . .)
permfte reproduzir em saia de aula, mediante tarefas que imitam o
comportamento de feitor proficiente, aquelas estratégias que caracterizam o
comportamento reflexivo, de nlvef consciente do leitor". (p.61 ).
Ressaltamos, ainda, que o procedimento citado é um passo a
mais em direção às estratégias conscientes. Trata-se de um suporte
temporário, mas que pela própria dinâmica e característica cognitiva,
propícia condições para que o leitor desenvolva as estratégias necessárias a
um bom desempenho na leitura pessoal. Esse fato foi notado em relação a
todos os alunos e mais precisamente em relação a dois deles (os que
127
apresentavam maiores problemas relativos à leitura) que foram se
engajando nas atividades num visível crescendo. A recusa em falar, em ler
em voz alta, a inibição gerada pelo receio de serem ridicularizados pelos
colegas foi, aos poucos, dando lugar à participação e à confiança em si
mesmos. No final do semestre, eles queriam mostrar que não tinham
dificuldades em discutir os assuntos veiculados pelos textos, nem vergonha
de falarem ou lerem. Mostraram que estavam superando as dificuldades em
leitura, tanto na aula de Português quanto nas provas do terceiro e quarto
bimestres, de acordo com a avaliação de seus professores das diversas
matérias.
Em meio às aulas planejadas dentro da pesquisa, sugerimos à
professora que desse uma aula "normal", a pa,rtir do livro didático adotado. A
interação estabelecida foi breve. Ela pediu que os alunos dessem o nome
de profissões. Falou, a seguir, lígeiramente, sobre a derivação de palavras,
aproveitando os sufxos que surgiram como em: dentista, policial, fazendeiro,
bombeiro e outras. Chamou a atenção dos alunos para os sufixos
formadores dessas palavras. Ao anunciar o texto que seria lido "Meninos
carvoeiros", os alunos formularam imediatamente duas hipóteses: aque
vende carvão" e "que trabalha com carvão". Mesmo sem a mediação da
professora surgiram alguns "causas~ associados a carvão, o que demonstra
que eles já haviam assimilado o tipo de procedimento prévio adotado para a
leitura, ou seja, eles mesmos estabeleceram a interação. A leitura silenciosa
que se seguiu foi rápida, talvez por ser o texto bem curto. Fizeram o
levantamento de palavras desconhecidas. Um dos alunos observou que pelo
texto dava para perceber o significado de uma das palavras ~aniagem" que
foi escrita no quadro-de-giz. Esse procedimento, parece ter-se tomado um
recurso consciente auxiliar para a compreensão de textos, apesar de a
prática da consulta ao dicionário não ter sido abandonada Entretanto pelas
palavras dos alunos RFL e POR, (exemplos I e 11) na entrevista final,
percebe-se que eles recorrem também ao texto para resolver algumas
dificuldades;
128
I - A - que também! por exemplo! a gente lia/ aí perguntava qual é a passagem do texto que a gente não entendia/ as palavras que a gente não conhecia/ E- ah/ isso aí cê aprendeu a fazê? cê hoje/ você presta atenção nisso I quando uma palavra você num sabe/ o que que você faz? A - é/ eu escrevo ela no caderno/ se é muito dificiV só depois vou olhá no dicionário/ E- mas/ e no texto/ cê aprendeu a olhá também! A - no texto também/ é por exemplo/ dependendo da palavra/ né? você lendo assim a frase/ né? dá pra você entendél
11 - E - e/ e esse vocabulário? é/ antes vocês tinham o hábito de olhar/ ir direto no dicionário/ né? A -é/ E- mas e agora/ que que vocé descobriu? A - agora/ a gente pega as palavras/ tenta entendê o significado pelo texto mesmo/ ou vé os outros colegas/ se tem o significado/ se nem desses dois tiverem a gente olha no dicionário/
Para nós ficou bem nítido o uso de estratégias
independentemente do texto, demonstrado pela atitude dos alunos em outro
momento desta mesma aula. Eles levantaram hipóteses a partir de sua
experiência vivencial, quando a professora leu uma pequena biografia de
Manuel Bandeira, complementando-a com um comentário sobre a
tuberculose que o poeta contraiu aos 19 anos. Quando se referiu à doença,
os alunos logo hipotetizaram que se tratava da AIDS. Embora a hipótese dos
alunos não tenha sido confirmada, vemos nesse momento um aspecto
cognitivo de relevância, uma vez que devido aos seus conhecimentos
prévios eles provavelmente associaram a doença na juventude com a
doença atualmente tão propagada. Houve um momento de síntese, de
recriação da leitura que estava sendo feita pela professora, de acordo com a
ótica do interlocutor ou com seus esquemas.
Na continuidade da aula, de acordo com as orientações do livro
didático, foram abordados os seguintes itens pela professora: identificação
da obra de onde foi retírada a poesia, tipo de texto quanto à estrutura
129
textual, tipo de narrador, personagens, forma de apresentação do texto,
algumas características da poesia moderna. A atitude dos alunos foi de
desinteresse pela atividade. Parece-nos que a receptividade não foi
favorável, pois eles tinham que apenas ouvir. Fica claro que já haviam se
acostumado a participar do processo da leitura e naquele momento, a
participação deles foi negligenciada. Mas, de uma certa maneira, impuseram
a sua presença quando a professora leu o texto com expressividade.
Um aluno, durante a leitura, fez associação de uma das estrofes
(refrão):
"eh, caNoero-" com "Quem quer gás"
Apesar de a aula ter seguido o rumo normal ou o padrão escolar
de leitura, algumas estratégias se fizeram notar como hipóteses, inferências
- de duas ordens: lexical e morfo-semêntica - , recurso ao conhecimento de
mundo. Provavelmente, o novo contexto da leitura, foi propiciado pelo
desenvolvimento de estratégias conscientes que foram sendo assimiladas e
mobílizadas. Há de se considerar que, uma vez apreendidas, os alunos
fazem uso das estratégias em outras situações, até menos favoráveis. Há
uma nítida transposição de um tipo de aprendizagem que se ajusta
adequadamente no momento necessário.
Uma outra mudança se fez notar. Isso ocorreu na leitura da
poesia ~o leilão da lata de lixo~, pois a acharam muito engraçada. Todos os
alunos, espontaneamente, quiseram lê-la em voz alta e se mostraram
criativos: uma aluna que no início da pesquisa tinha vergonha de ler por
causa de suas deficiências o fez expressivamente; um outro leu imitando a
voz e os gestos de Gil Gomes ( um repórter de casos policíais de um canal
de TV ) ; outro leu imitando o Cascão; outro leu imitando o Geléia; os
demais inventaram um modo próprio de ler. Um dos alunos, o mais
problemático de todos, fez a leitura com voz cavernosa e no lugar do último
verso ueu sou o cascão", leu "eu sou o capelinha".
130
Podemos dizer que a espontaneidade e a criatividade dos alunos
ao fazerem a leitura apontam para uma mudança na relação com o texto. A
leitura passou a ser significativa ou os alunos descobriram por eles próprios
a estética da linguagem manifestada no uso das rimas e no aproveitamento
dos elementos selecionados em meio ao mundo infantil, feita com graça e
leveza. Tiveram a oportunidade de apreciar a poesia e de construir de
maneira particular a sua própria leitura.
Não resta dúvida, pelo exposto, que os nossos leitores
aprendizes já tinham assimilado estratégias de leitura e as tornaram
explícitas pelo comportamento verificado. Parece-nos que as estratégias
serviram-lhes de apoio para a compreensão de textos, tomando-os mais
seguros nas atividades. Essas, por sua vez, fizeram com que a vontade de
ler em voz alta se manifestasse.
Cabe-nos ressaltar que foram perceptíveis as transformações do
comportamento dos alunos em relação à leitura. Se, por um lado teve a
influência de fatores cognitivos e sociais, não nos escapa a relevância de
aspectos afetivos envolvidos em todo o processo que presenciamos. Servem
de exemplo as palavras de GLM na entrevista final:
E - por que que você aprendeu? porque a leitura é uma aprendizagem não é? então de repente você faz a leitura de um jeito e segundo você falou/ cé aprendeu coisas novas! aprendeu conforme você disse a perguntar né? ao texto etc! por que que ocê acha que você aprendeu isso? A • achei/ porque achei o texto interessante/ fícava mais entusiasmado/ com vontade de lê pra sabê coisas novas! num sei/ quer dizê/ eu acho/
Torna-se pertinente dizer que o envolvimento cognitivo vai se
construindo na interação e que a interação não ocorre apenas em situação
de sala de aula. A sala de aula é um dos espaços em que ela pode ocorrer,
se forem criadas condições propícias para tal. Na sala de aula reproduzem
se as inter~relações pessoais que ocorrem incessantemente nos contextos
sociais. Essas inter-relações são marcadas por manifestações afetivas. É a
relação entre intelecto e afeto que Vygotsky menciona, quando destaca a as
131
relações entre funções ou entre a consciência como um todo e suas partes"
(op. cit.:1993, p.6). O autor postula a existência de um sistema dinêmico de
significados em que o afetivo e o intelectual se unem, mostrando que cada
idéia contém uma atitude afetiva transmudada com relação ao fragmento de
realidade ao qual se refere. Na visão do autor, o homem é um ser pensante.
E por ser assim, ele raciocina, deduz, abstrai, mas também sente, se
emociona, deseja, sensibiliza-se. A sua abordagem, nesse sentido é
abrangente, pois busca entender o sujeito como uma totalidade, observando
que no seu pensar existe uma trajetória de ída e volta, pois ela parte das
necessidades e impulsos de uma pessoa até a direção específica tomada
por seus pensamentos e faz o caminho inverso, a partir de seus
pensamentos até seu comportamento e sua atividade. Sígnífica então, de
acordo com a interpretação de Rego (1995: 122), que "são os desejos,
necessidades, emoções, motivações, interesses, impulsos e inclinações da
indivíduo que dão origem ao pensamento e este, por sua vez, exerce
influéncía sobre o aspecto afetivo-volitivo".
Considerando a questão do liame existente entre o intelecto e a
afetividade ressaltado por Vygotsky, nos é dado ressaltar que a afetividade
se manifesta como favorecedora do envolvimento desencadeado, tendo
origem no momento em que a leitura passa a ser uma resposta aos
interesses do leitor e, portanto, se torna significativa para ele.
5.2.1.4.Atribuição de intencionalidade ao texto
Merece ser destacada a ampliação do conhecimento textual dos
alunos e a percepçêo da intencional idade neles contida.
Observamos em outra parte deste trabalho a importância de a
leitura ser decorrência de objetivos. O professor pode e deve traçar objetivos
para a leitura de qualquer texto. Os objetivos cumprem o papel de
direcionador das atividades, por um lado e, por outro, proporcionam o
monitoramento consciente da leitura pelo leitor. A atividade deixa de Sér
132
inconseqüente e circular {a atividade encerrada em si mesma), passando a
ser obíeto de uma exploração em que se espera seía evidenciado algum
resultado. Vista desse modo, logicamente ela serve de pano de fundo para o
funcionamento cognitivo, tendo em vista algum aspecto mais relevante.
Entretanto, nos foi dado observar que um obíetivo pode comportar outros
nem sempre previstos. Ou pode apresentar o resultado pretendido acrescido
de outro.
Ao trabalharmos com dois textos explicitados a seguir: "Limpe a
sua casa cuidando da natureza", da Revista CORPO A CORPO e "Usinas de
reciclagem de lixo", da revista MANCHETE, a nossa intenção era enfocar
textos de propaganda, para que os alunos assim os identificassem. Ligada à
leitura está a maneira como focalizamos o texto para a condução do
processo dentro daquilo que nos interessa. O suporte para a atividade
pensada foi a interação estabelecida antes da leitura propriamente dita. A
professora direcionou a conversa para o aspecto selecionado: o
reconhecimento do texto de propaganda. Abordando os dois textos
distribuídos para uma primeira leitura, teve início a conversa:
P1 ~pronto? Que tipo de texto é esse MMN? (referindo-se ao primeiro texto)
A1 otexto? P1-é/ A1-é ... P1 ~aquilo que você faló? A 1 - a h! de fazê propaganda! P1 - ffpol ele é dali! A 1 - descritivo A2- ahltá fazendo isso aí só pra ganhá dínheiro/ ( ... ) P1 -que tipo de texto é esse/ CML?
(referindo-se ao segundo texto) A3- qual? P1 - esse outro aí/ A4 - é do lixo/ P1 -pois é! mas o tipo/ olha lá! que tipo de texto que é? A3 -propaganda!
Sempre com a mediação da professora, os alunos reconheceram que ambos os textos eram de propaganda, mas observaram alguma diferença, como veremos depois. A professora continua, procurando a contextualização ao colocar em destaque a localização e, por outro lado, quer que os alunos encontrem o porquê daquela propaganda.
133
P1 -de qual cidade? A3 - do Rio de Janeiro/ Pt -que maís CML? A3 - pra falá! é!! eles estão preocupados com a preservação do meio ambiente/ P1 - que mais? éll então gente/ ai a prefeitura tinha/// queria ganhar dinheiro? A3- não/ P1 -então/ propaganda é só pra ganhá dinheiro/ MMD? A5 -não/
A percepção de A2 não é aceita pela professora porque não preenche as suas expectativas em relação à mensagem que está explícita no texto relacionada á preocupação da prefeitura do Rio de Janeiro com os prejuízos ambientais. A3 e AS, no momento a seguir, sintetizam a propaganda que cada um dos textos veiculam
A3 - já seV aquele texto lá! o primeiro é pra vendê o produto/ os produtos da Opção Verde/ e esse aqui é pra falar que o Río é! é! uma cidade limpai que tem usinas de reciclagem de lixo/ A5 - é I pro carioca ficá mais preocupado com o lixo/ A2 - é pra ganhá dinheiro/
A2, entretanto não desiste da intencionalidade que atribui ao texto deduzida nas entrelinhas. A professora aceita e acaba por socializar a faladeA2.
P1 - MMNI se por acaso ele mostra que o Rio fá limpo! o que que vai acontecê? com o Rio? A4 ~ o Rio vaí ser mais visitado pelos turistas/ P1- hein? A4 - vai ser mais visitado pelos turistas/ P1 - ah/ bom/ e o turista/ o que que ele traz para uma cidade? A5- lixo/ A2 - DINHEIRO! P1 - dinheiro/ A2- então a propaganda É pra ganhá dinheiro .... ( ... )
Ficou evidenciado que os textos faziam propaganda de maneiras
diferentes como observado por A3, mas a fala de A2 demonstra, na sua
reiteração, que ele percebeu a intencionalidade do texto que é de uma forma
ou de outra a de obter lucros. O conhecimento da realidade ou o
conhecimento de mundo provocou a inferência, subsidiando um tipo de
134
compreensão que foi além do que os textos diziam, não prevista, porém
adequada.
Ao concluirmos nossa análise, fica-nos a segurança de que o
enfoque psicolingüístico deve ser levado em consideração, visto que
possibilita um tratamento diferenciado para o ensino da leitura. Os aspectos
cognitivos abordados foram restritos, mas sentimos que podem ser
expandidos e mais explorados num trabalho continuado na sala de aula.
Apesar das limitações da pesquisa, nos foi dado perceber alguns resultados
animadores em termos das relações estabelecidas entre o leitor e o texto,
transformando a leitura em uma atividade mais consciente e significativa.
135
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este trabalho não pretende ser conclusivo. Na verdade, o que
deixamos registrado é uma continuação de outras falas, de enfoques ou a
visão de uma das faces da leitura. É continuação e pode ser um princípio
que se abre para outras colocações, para outras investigações.
Como se trata de continuação, a concretude deste nosso trabalho
partiu de algumas reflexões antigas sobre os desafios que a leitura dos
alunos nos apresentavam desde os nossos antigos tempos de professora do
curso primário. Fizemos muitas coisas certas, pois pudemos verificar alguns
resultados positivos. Sem dúvida, ajudamos a formar bons leitores. Mas,
algumas vezes, sentimos que a leitura estava deslocada, mal conduzida,
pois com grande frustração colhemos resultados inesperados, negativos. A
nossa noção sobre leitura era puramente intuitiva, mas o nossa relação com
a leitura sempre foi marcada por um intenso envolvimento. A leitura nos
trouxe momentos prazerosos, tanto como leitura pessoal quanto conteúdo
de aula.
Com o passar dos anos, assistimos com desagrado a uma
decrescência do interesse dos alunos pela leitura. Começamos a perceber
vozes, vindas de toda parte, cada vez mais altas - talvez porque os ouvidos
ficaram mais atentos -, criticando os leitores que saíam da escola: unão
sabem ler, não gostam de ler". Ou talvez porque a realidade de leitura nos
mostrava uma face bem diferente da que concebíamos: a falta de
compreensão. Ler é compreender. Alguma coisa deveria ser feita no sentido
de reverter a situação, mesmo sabendo dos ambientes restritos em que
poderíamos atuar e das nossas limitações. Poderia ser feita? Ou poderia ser
tentada?
O trabalho que desenvolvemos nesta pesquisa ao lado de outros
constituíram uma tentativa de mostrar a possibilidade de acudir em dado
momento algumas deformidades de leitores ou alguns desvios e desvãos da
leitura, por meio da proposição de mudanças. Estas mudanças, entretanto,
deveriam estar respaldadas por alguma teoria. O enfoque das teorias
136
psicolingüfsticas relacionadas à leitura nos chamou a atenção desde os
primeiros contatos , a começar pela relação desenvolvimento-aprendizagem,
no âmbito mais geral, passando depois pelos aspectos cognitivos e tendo
como ponto mais saliente as estratégias metacognitivas relacionadas à
leitura. O estudo e a compreensão das teorias não nos bastavam. Era
preciso testá-las, encontrar alguma forma de ação para verificar seus
efeitos. O caminho pensado foi: escola - leitura - aluno. Mas, nosso aluno
era proveniente de classe média que é considerado na escola como menos
problemático em termos de aprendizagem. A pesquisa nos mostrou que a
realidade não é bem essa. O aluno de classe média, também, revela
inúmeras falhas que devem ser alvo de investigação.
O caminho foi percorrido e o ponto de chegada aqui está Nas
considerações que se seguem , nossa fala será entremeada com a fala de
professores, dos alunos, assujeitados à nossa pesquisa, mas sujeitos do
processo com suas reações e avaliações.
Nas primeiras entrevistas os alunos deixaram claras algumas
dificuldades de leitura ao responderem à pergunta: "você entende tudo o
que lê?
A 1 - "não/ depende das palavras que estão no texto''.
A2 - unão/ às vezes fala/ tem vez que fala uma coisa que vem no fim I a
palavra não tem no vocabulário/ ai eu não entendo/ a história tem mistério/ muito
místério/ aí eu não entendo/'
A3 - "direito não/ (INJNT) eu não entendo/''
Os primeiros contatos que tivemos com a sala de aula nos
mostraram um desinteresse acentuado dos alunos pela leitura, o que
obviamente compunha um ambiente desfavorável para o seu
137
desenvolvimento. Observamos que a leitura oral era cheia de problemas.
Estava claro que eles tinham dificuldade em ler, conforme observa a
professora em sua fala que ressalta aspectos importantes em relação ao
desempenho precário dos alunos. O primeiro deles se refere à fragmentação
da leitura oral , o segundo estaria ligado à transferência para outros
momentos desse tipo de leitura desenvolvida e percebida e o terceiro ao
desconhecimento do vocabulário com suas conseqüências desastrosas para
o entendimento do texto,
"P - eles /éem picado/ eles lêem quase que juntando pedaços/ eles não têm muito uma// leitura/ direta/ eles vão de pedacinho em pedacinho/(. . .)
mas a dificuldade tal! na leitura oraV conseqüentemente a leitura silenciosa! me parece que fá/ligada a esse mesmo processo/ porque/ até que eles juntam! as sílabas pra montar/ a palavra/ pra montar a sentença/ o conteúdo de trás fica perdido/ tá? então eles não conseguem/ ver no globav ( .. .)
fora a dificuldade de/ de vocabulário que às vezes está fora/ da sítuação deles! atrapalha um pouco/ nesse sentido ai que eu observo mais o problema ( inint) eles não entendem o enunciado da questão/ não entendem/ não conseguem responder ou entender o que que foi perguntado! há uma seqüêncía/ de dificuldades!
Nosso trabalho teria que ser corretivo, objetivando ser também
formativo, uma vez que os alunos na sa série haviam adquirido pouca ou
quase nenhuma habilidade de leitura.
Entendemos que a leitura deveria estar dentro da perspectiva
social e cognitiva e para que fosse desenvolvido o processo nos valemos
dos pressupostos de Kleiman (op.cit.) a começar pelo estabelecimento da
interação. Esta é, sem dúvida, a condição basilar para o engajamento
cognitivo do leitor, pois é um momento que dá início à reconstrução e
síntese de um saber prévio que vai ajudá-lo a percorrer o texto em busca
de um sentido. Mas, esse percurso não se dá de imediato. É necessário um
tempo, é necessário sobretudo a intervenção mediadora do professor na
condução do processo, a fim de que os alunos descubram estratégias que
138
os ajudem a ver o texto como objeto de investigação, às vezes parecido
com um quebra-cabeça, requerendo a colocação das peças em lugares
adequados. O percurso é contínuo e deve ser construído de etapas
sucessivas, merecendo sempre, cada uma, um olhar atento para a
verificaçao dos progressos que se mostram ou não.
Estratégias são mecanismos psicológicos, cujo
desenvolvimento precisa ser estimulado, a fim de que possam ser
utilizadas. É certo que os alunos desenvolvem algumas delas, mas não são
percebidas como um recurso importante a ser explorado na leitura escolar.
Na nossa pesquisa elas foram o enfoque principal e pela .análise dos
dados, ficou evidenciada como positiva e produtiva a contribuição dessas
estratégias, porque a leitura entendida como_ compreensão se dá quando
temos um leítor que procura monitorá-la, associando seus conhecimentos
prévios -o de mundo, o lingüístico, o textual -à atividade. Quando dizemos
atividade, nos referimos àquelas desenvolvidas em sala de aula, pois
dentro de nossa cultura, a escola é o lugar institucionalizado e formal
destinado ao aprendizado da leitura.
As estratégias permitem ao leitor encontrar saídas para as suas
díficuldades como pudemos constatar. Podemos dizer que o nosso trabalho,
fundamentado na concepção do processo cognitivo, provocou a busca
constante e nesse desenrolar, os alunos descobriram utilidade ou um
significado para a leitura. O significado, por sua vez, despertou-lhes o
interesse, manifestado quando a leitura passou a criar a necessidade e a
opção de outras leituras.
Mais uma vez, a fala é dos alunos:
A 1 -aprendi/ é/ interpretá melhor um texto/ é/! falá sobre ele/ é/1 falá sobre o que que fava acontecendo nél no momento/
A2 - porque antes eu não sabia a hora certa assím de pará! de/ a virgula/ eu falava tudo certo! náol tudo errado! agora já aprendí assim! tem de dá um espaço na vfrgulal ponto/ parágrafo/ antes eu não fazia isso não/
139
A3 - em casa eu tenho vontade de lê/ uhnl eu peço pra minha mãe comprá livros! revistas! aí eu vou feno/ e aí quando eu tenho dificuldade eu faço o vocabulário/
Não podemos garantir que chegamos a formar leitores
eficientes, porque a nossa pesquisa não foi longitudinal, mas podemos
dizer que vimos os nossos leituristas do início da pesquisa irem adquirindo
e somando habilidades de leitura bastante positivas e adequadas. É
provável que a leitura que passaram a fazer os tenha ajudado pelo menos
na seqüência de seus anos escolares.
Pelo que nos foi dado notar. o trabalho corretivo pretendido
dividiu o espaço com o trabalho formativo. E as falas devem continuar para
preencherem algumas ou muitas lacunas que, certamente, ainda
permanecem.
140
O anjo da noite
Cecilia Meireles
O guarda-noturno caminha com delicadeza, para não assustar,
para não acordar ninguém. Lá vão seus passos vagarosos, cadenciados,
cosendo a sua sombra com a pedra da calçada.
Vagos rumores de bondes, de ônibus, os últimos veículos, já
sonolentos, que vão e voltam quase vazios. O guarda-noturno, que passa
rente às casas, pode ouvir ainda a música de algum rádio, o choro de
alguma criança, um resto de conversa, alguma risada. Mas vai andando. A
noite é serena, a rua está em paz, o luar põe uma névoa azulada nos jardins,
nos terraços, nas fachadas: o guarda-noturno pára e contempla.
À noite, o mundo é bonito, como se não houvesse desacordos,
aflições, ameaças. Mesmo os doentes parece que são mais felizes: esperam
dormir um pouco à suavidade da sombra e do silêncio. Há muitos sonhos em
cada casa. É bom ter uma casa, dormir, sonhar. O gato retardatário que volta
apressado, com certo ar de culpa, num pulo exato galga o muro e
desaparece: ele também tem o seu caminho para descansar. O mundo podia
ser tranqüilo. As criaturas podiam ser amáveis. No entanto, ele mesmo, o
guarda-noturno, traz um bom revólver no bolso, para defender uma rua. ..
E se um pequeno rumor chega ao seu ouvido e um vulto parece
apontar na esquina, o guarda-noturno torna a trilar longamente, como quem
vai soprando um longo colar de contas de vidro. E recomeça a andar, passo
a passo, firme e cauteloso, dissipando ladrões e fantasmas. É a hora muito
profunda em que os insetos do jardim estão completamente extasiados, ao
perfume da gardênia e ã brancura da lua. E as pessoas adormecidas
sentem, dentro de seus sonhos, que o guarda-noturno está tomando conta
da noite, a vagar pelas ruas, anjo sem asas, porém armado.
142
Caparaó tem altas paisagens e montanhas
Nos anos rebeldes, a regiáo entre Minas Gerias e Espírito Santo
foi ocupada por movimento guerrilheiro
No inverno, a vista é bem mais nitida
Free-Lance para a Folha
A partir da Tranqueira, ou o visitante faz o resto do percurso a
pé ou aluga um cavalo ou burro. Dois quilômetros de trí!ha e já se pode
avistar pela primeira vez o pico da Bandeira.
Pouco depois, chega-se ao Terreirão, o último- e mais alto
local de acampamento. Ali existe uma casa de pedra, banheiros e pias.
Tomando-se um caminho à direita, depois de 1 ,5 quilômetro de descida, está
o vale do Caparaó. A paisagem é mística: montanhas de vegetação escassa,
quase sempre envolvidas por névoa, com formações minerais que refletem o
sol e nascentes de água que brotam nas encostas. Parece que a qualquer
momento se cruzará com um dinossauro ou qualquer criatura do tipo "mundo
perdido". Há também muitas piscinas naturais, de águas menos frias que no
vale Encantado.
De volta ao Terreirão, são mais 4,5 quilômetros para se
alcançar o pico da Bandeira. Esse é o trecho mais difícil e íngreme da
excursão. Muitas pedras estão soltas ou escorregadias no terreno
encharcado. A vegetação é típica dos campos de altitude e lembra a tundra
ártica. As plantas são diminutas e retorcidas, há grande quantidade de
musgos e liqüens e nenhuma árvore.
143
Uma vez no topo do pico da Bandeira, percebe-se que todo o
esforço despendido foi compensado pela fantástica vista, de quase 3. 000
metros de altura. É como estar dentro de um avião. A visão se perde num
horizonte onde um "mar de montanhas~ - tão típico de Minas Gerais - se
mistura com as nuvens. Em cima há um marco geográfico, uma cruz e as
ruínas de uma retransmissora de TV.
Essa é a melhor época para subir o pico e observar a
paisagem. No verão, há muitas nuvens- pela maior umidade atmosférica
e há o risco de, na chegada só se conseguir ver entre a massa branca e
compacta apenas as outras duas grandes formações rochosas do parque, o
pico do Cristal (2. 790 m) e o pico do Calçado (2. 766 m).
Folha de São Paulo -Seção Turismo 13/08/92 - p. 7
144
O SISTEMA SOLAR
A organização do
Sistema Solar
O Sol é a estrela central de um
conjunto formado por nove
planetas, satélites e outros corpos
menores, como os asteróides,
cometas e meteoros, que giram ao
seu redor. Esse conjunto é
denominado Sistema Solar.
Os planetas
Os planetas são astros sem luz
própria. Movimentam-se em torno
do Sol, seguindo um caminho
definido (órbita) quase circular, e
também giram em tomo de si
mesmos.
Orbitando em tomo de alguns
planetas podem existir astros
menores e opacos: os satélites.
A Lua é o satélite natural da
Terra. Ela aparece tão clara à
noite porque reflete a luz do SoL
Os planetas do Sistema Solar
diferenciam-se essencialmente por
sua distância em relação ao Sol.
Os mais próximos tiveram que
suportar um imenso calor, o que
fez com que certos gases leves se
espalhassem pelo espaço. Assim
Mercúrio, Vênus, Terra e Malte
são pequenos globos rochosos e
compactos constituídos por mate
riais_ semelhantes.
Por outro lado, longe da
fornalha solar, até mesmo gases
muito leves podem ser mantidos
em um planeta. Por isso, os
planetas gigantes- Júpiter, Satur
no, Urano e Netuno - são forma
dos basicamente por gases e líqui
dos.
Plutão, o mais distante do Sol e
o menos conheCido, tem uma
estrutura bem diferente desses
dois grupos de planetas. É um
planeta-anão que possui gases
congelados em sua superfície.
Eclipse Solar
Talvez o mais espeta
cular de todos os
acontecimentos celestes
seja um eclipse do Sol.
145
Nessas ocasiões, a Lua
nova passa em frente do
sol e cobre todo o disco
solaL De repente, o céu
fica bastante escuro, de
modo que as estrelas bri
lhantes podem ser vistas. A
temperatura cai 1 O ou mais
graus e um espectro es
tranho aparece no céu. Em
poucos momentos, o Sol
reaparece e tudo volta ao
normal.
Era uma experiência as
sustadora para o homem
primitivo que achava que
um demônio ou um dragão
havia consumido o Sol. Ele
podia ter levantado os
olhos acidentalmente e vis
to a fase parcial do eclipse
jâ em andamento. Quando o
Sol desaparecia, via um
buraco escuro rodeado por
raios de luz brilhantes,
incandescentes, nebulosos.
O disco escuro é a lado
obscuro da Lua e o clarão
perolado é a coroa, que é a
atmosfera externa do Sol. A
coroa só pode ser vista
quanto o 9isco brilhante do
Sol fica ~scondido, artifi-
cíalmente, por instrumentos
como o coronógrafo ligado
a um telescópio, ou natu
ralmente, pela Lua durante
um eclipse.
Os eclipses do Sol são
raros e não podem ocorrer
mais do que quatro vezes
por ano. Nem todos os
eclipses são totaís, com o
Sol inteiramente escondido;
alguns são parciais, quanto
a Lua Nova e o Sol não
estão exatamente alinhados
com um ponto na Terra e,
embora a Lua atinja a
conjunção não pode cobrir
toda a face do Sol.
( sune Engelbrektson, Estrelas.
Planetas e Galáxias, Série Prisma, São
Paulo, Melhoramentos, 1981,p. 68-69.)
Os asteróides
e os cometas
Entre os planetas rocho
sos e os gasosos existe um
grande espaço, onde se
movem milhares de pe
quenos corpos conhecidos
por asteróides. Estes, como
os planetas, descrevem
uma órbita em torno do Sol.
146
Os cometas estão entre
os menores corpos do Sis
tema Solar. São compostos
de aglomerados de par
tículas rochosas, gelo e
gases que possuem órbitas
muito alongadas.
Distantes do Sol os co
metas são corpos opacos,
mas iluminam-se rapida
mente ao se aproximarem
dele. Isso porque o gelo e
outros materiais começam a
derreter, deixando um ras
tro de poeira que reflete a
luz e tem sempre direção
contrária à do Sol.
Quanto mais vezes os
cometas passam perto do
Sol, mais material perdem e
dessa forma mais rapi
damente se aproximam do
fim.
O cometa Hal/ey
Muitos cometas têm-se
aproximado da Terra
uma ou mais vezes, porém
nenhum chegou a ser tão
famoso quanto o Halley, o
primeiro ~ ter sua '
dicidade cpnhecida.
perio-
o astrônomo inglês
Edmond Halley, depois de
muitos estudos, chegou à
conclusão de que o cometa
que observara em 1682 era
o mesmo que Kepler, astrô
nomo alemão, havia obser
vado em 1607 e que o
matemático Peter von
Benewitz vira em 1531.
Então, Edmond calculou a
órbita desse cometa, con
cluindo que seu retorno ao
Sol ocorreria a cada 76
anos aproximadamente. As
sim previu sua próxima
aparição para o ano de
1758 ou 1759.
Edmond morreu em 17 42,
mas de fato, no Natal de
1758, um fazendeiro em
Dresden, Alemanha, pre
senciou a volta do cometa.
Desde então ele recebeu a
denominação de cometa
Halley. Esse cometa voltou
a aparecer em 1835 e 191 O.
Na passagem de 1910, o
cometa Halley causou gran
de alvoroço e até mesmo
pânico, pois anunciou-se
que a Terra atravessaria a
cauda do cometa, com
147
grande perigo para a huma
nidade. Chegou-se a anun
ciar o fim do mundo. Por
causa disso o número de
suicídios aumentou e muita
gente enriqueceu vendendo
pílulas e máscaras espe
ciais, que protegiam contra
os gases venenosos do
cometa. Nada aconteceu.
Em abril de 1986, o
cometa Halley esteve de
volta, sendo visível a olho
nu em algumas localidades
do Brasil. Porém sua ima
gem já estava sendo re
gistrada desde outubro de
1982, por potentes te
lescópios, quando o cometa
estava se aproximando da
órbita de Saturno.
Agora para tornar a vê-lo
só em 2062.
Os meteoros
Os meteoros são minús
culos corpos sólidos, às
vezes da tamanha de grãos
de areia, que podem ser
atraídos pelos planetas.
As conhecidas estrelas
cadentes são meteoros que
se incendeiam por causa do
atrito com a atmosfera ter
restre.
Podem ocorrer chuvas de
meteoros decorrentes da
desintegração de um co
meta.
Os meteoritos
Chamamos de meteoritos os grandes blocos de rocha
que orbitam em torno do
Sol e que algumas vezes
podem chegar à superfície
dos planetas ou de seus
satélites.
Os meteoritos são rela
tivamente raros. Como em
nosso planeta há mais água
da que terra, a maioria de
les cai no mar.
Na lua, as crateras são o
resultado do choque de me
teoritos com sua superfície.
A vida no
Sistema Solar
Durante muito tempo os
cientistas e os escritores
de ficção científica consi-
148
deraram a possibilidade de
existir vida semelhante à
terrestre em outros pla
netas do Sistema Solar.
Para analisarmos essa
possibilidade temos que le
var em conta dois fatores:
as condições da Terra que
favoreceram a ocorrência
de vida e as condições de
cada planeta.
A Terra
A Terra apresenta três
condições favoráveis à
sobrevivência dos orga
nismos vivos:
• Temperatura com médias
em torno de 20° C, Esse
fator é importante, pois
uma temperatura muito
elevada desintegra os
seres vivos e tempe-
raturas muito baixas
impedem que eles se
desenvolvam. No entanto,
há regiões do planeta
que apresentam tempe-
raturas extremas, atin-
gindo 60° C em algumas
e -90° q em outras.
• Presença de água no
estado líquido em grande
parte do planeta, devido
à temperatura.
• Camada gasosa que
envolve o planeta, res
pirável pelos seres vivos,
composta de gases
como o oxigênio - e de
vapor de água. Essa
camada - a atmosfera -
é suficientemente densa
para proteger os orga
nismos dos meteoritos e
das radiações mortais,
em especial o raio ultra
violeta.
Mercúrio
Mercúrio está muito
próximo do Sol e a tem
peratura de sua superfície
atinge 400' C. É um planeta
muito pequeno. Por isso,
não consegue conservar
uma atmosfera, assim como
a Lua e outros pequenos
satélites.
149
V~nus
Vênus tem quase o mesmo tamanho da Terra e
está mais próximo do Sol.
Na década de 60, cien
tistas norte-americanos e
soviéticos enviaram sondas
a Vênus e tiveram infor
mações mais precisas sobre
esse planeta.
Sua espessa atmosfera,
mais densa do que da Ter
ra, é composta quase que
inteiramente de nuvens de
gás carbônico e ácido sul
fúrico, com pouquíssimo
oxigênio e vapor de água.
Esses elementos absorvem
o calor do Sol e elevam a
temperatura da superfície
de Vênus até 400' C, fa
zendo dele um planeta
incrivelmente quente e se
co.
Explorando Vênus
Em 1988, a sonda
espacial norte-america
na Píoneer-1, também cha-
ma da Pioneer Vênus-1,
completou dez anos em
órbita de Vênus. Segundo
os cientistas responsáveis
pela análise de dados, ela
ainda deverá continuar
enviando informações du
rante mais quatro anos.
A sonda entrou em órbita
de Vênus em 4 de de
zembro de 1978, depois de
uma viagem de sete meses.
Sua trajetória se estende
desde a atmosfera até uma
altura de 65 000 Km. A
Pioneer-1 carrega 362 kg
de equipamentos e deve
mergulhar sobre Vênus até
1992.
Distante 56 milhões de
quilômetros da Terra, o
planeta é envolvido por
uma densa atmosfera que
dificulta sua observação a
distância. Os cientistas têm
curiosidade em descobrir
por que sua
diferente
atmosfera é tão
da atmosfera
terrestre. Vênus é um pla
neta que começou como
irmão-gêmeo da Terra e
''deu errado~.
O projeto Píoneer contou
também com mais uma
sonda,
lançou
150
a Pioneer-2,
quatro robôs
que
à
superfície do planeta em 9
de dezembro de 1978. Após
enviarem informações mais
detalhadas sobre a atmos
fera, esses robôs arreben
taram-se contra a superfí
cie venusiana.
As primeiras informações
de Vênus chegaram em
1971, enviadas pela sonda
soviética Benera. A NASA
Administração Nacional
de Aeronáutica e Espaço
dos Estados Unidos en-
viou várias sondas a Vê
nus, durante o programa
Mariner nos anos de 1962,
1967 e 1974.
A NASA pretende lançar
mais uma sonda para o pla
neta. Trata-se da Magel/an,
que será enviada por um
ônibus espacial. A Magel/an
deverá ser lançada em abril
de 1989 para mapear a
superfície do planeta. A in
tenção dos cientistas norte
americanos é fazer mapas
melhores do que os for
necidos pela Pioneer-1 e
pelas sondas soviéticas,
hoje inativas.
(Adaptado de art!go publicado na
Folha de S. Paulo, em 611211988.)
Marte
Marte é bem menor do
que a Terra. Possui uma
atmosfera constituída prin
cipalmente de gás nitro
gênio, muito pouco oxigênio
e vapor de água. Sua
atmosfera é bem menos
derisa do que a terrestre,
mas oferece alguma pro
teção contra os meteoros e
as radiações nocivas.
Esse planeta fica mais
longe do Sol, portanto é
mais frio. Sua temperatura
varia de 0° C a- 100° C.
Nos pólos existem calotas
de gás carbôni.co congelado
- gelo seco - e, sob a
superfície, água congelada.
Explorando Marte
Marte - apelidado de
planeta vermelho por
causa de sua cor
diferente de todos os ou-
151
tros astros - é o planeta
que maior interesse tem
despertado nos homens. A
prova disso é o grande nú
mero de filmes e livros de
ficção científica que têm
explorado o tema de mar
cianos invadindo a Terra.
O acontecimento ligado a
este assunto que mais pro
vocou repercussões foi o
programa transmitido pelo
rád ia em 30 de outubro de
1938, nos Estados Unidos,
pelo ator e diretor de ci
nema Orson Welles.
Com base no livro de H.
G. Wells, A Guerra dos
Mundos, Orson Welles fez
uma dramatização radio-fô
nica, como se tratasse de
uma reportagem verdadeira,
em que noticiava a invasão
da Terra pelos marcianos.
Isso causou pânico nas ci
dades americanas. Muitas
pessoas abandonaram suas
casas, o trânsito da cidade
ficou congestionado e che
garam a ocorrer mortes por
ataque cardíaco, tal a an
gústia e a tensão que as
pessoas sentiram naquela
noite.
Hoje, porém, a situação é
diferente. É o homem que
dentro de pouco tempo de
sembarcará em Marte. O
ano previsto para isso é
201 O.
Ao contrário das outras
conquistas espaciais, a de
Marte poderá ser uma vi
tória da cooperação inter
nacional. Nesse sentido o
Instituto de Pesquisas Es
paciais da União Soviética
promoveu em Moscou, em
março de 1987, um en
contro entre 450 cientistas
de todo o mundo para uma
troca de idéias sobre as
futuras viagens espaciais.
A proposta soviética de
uma viagem a Marte com a
participação de vários paí
ses foi aceita pelos cien
tistas. Doze nações já se
associaram à União So
viética na etapa explo
ratória, Mas os parceiros
mais cortejados os
americanos - permanecem
indecisos.
152
O início do período atual
de exploração espacial de
Marte se deu em 1971, com
o lançamento da sonda
americana Mariner 9, o
primeiro satélite artificial a
orbitar em torno de outro
planeta. Em 1976 chegaram
a Marte outras duas son
das, a Viking 1 e 2, que
pousaram em sua super
fície.
Através dos dados forne
cidos por esses aparelhos,
hoje podemos saber como é
a superfície de Marte, a
composição e a pressão de
sua atmosfera, sua tempe
ratura, a circulação dos
ventos e a natureza dos
pólos.
A maior
Marte -
montanha de
O Monte Olimpo
- eleva-se a 20 000 metros
de altura, fazendo com que
o Everest pareça um
pequeno morro. Desfila-
deiros escarpados rasgam
quilômetros de superfície.
Um deles é dez vezes maior
do que o Gran Canyon que
atravessa o Arizona, no
sudoeste dos Estados
Unidos. As paisagens são
desérticas, secas e frias,
recortadas por sulcos que
no passado teriam sido ríos
caudalosos. O Sol se põe
no horizonte cor-de-rosa
por causa da poeira em
suspensão das rochas aver
melhadas.
Como modernos Sherlock
Holmes, os geólogos do
espaço procuram no relevo
acidentado de agora as
pistas daquilo que Marte foi
no passado - um planeta
um pouco mais quente e
úmido, com atmosfera mais
densa. Naquela época, a
água estaria cobrindo 15%
da supe'rfície do planeta e
talvez formasse um grande
oceano, além de lagos e
rios. E onda havia água,
especulam os cientistas,
pode ter existido vida.
(Adaptado de artigo pub!lcado em
Superintere5sante, n• 3, março/1968.}
153
Os planetas gigantes
Os quatro planetas
maiores do Sistema Solar
-Júpiter, Saturno, Urano e
Netuno são muito
parecidos em sua estrutura.
Possuem um pequeno nú
cleo sólido, envolto por
uma atmosfera excessiva
mente densa. Essa atmos
fera é constituída princi
palmente por gases como o
hidrogênio, a amônia e o
metano. Como você vê,
esse tipo de atmosfera é
bem diferente da nossa.
São planetas muito frios,
com temperaturas que vão
de -140' C a -200' C.
Plutão
Plutão, o último dos
planetas, é um pouco maior
que Mercúrio. Está tão dis
tante do Sol que sua
temperatura varia em torno
de -245' C. Sua superfície
é coberta por gases con
gelados.
Recentemente descobriu
se que esse planeta possui
uma atmosfera bem rare
feita, composta principal
mente de gás metano.
A origem do
Sistema Solar
Um dos mistérios mais
intrigantes para o homem é
a formação do Sistema
Solar.
A idéia mais aceita
atualmente entre os cientis
ta é a de que o Sol e os
planetas foram todos for-
mados praticamente ao
mesmo tempo, a partir de
um redemoinho de nuvem
de gás e poeira há mais ou
menos 5 bilhões de anos.
Essas nuvens são muito co
muns no Universo.
Durante muitos milhões
de anos, as partículas fo
ram atraidas para o centro
do redemoinho que girava
constantemente.
Enquanto o Sol ficava
mais luminoso, a nuvem de
gás tornava-se menos
forme. Isso porque
154
uni-
co-
meçavam a se formar es
feras menores que eram
muito pequenas para atingir
elevadas temperaturas e
transformarem-se em es
trelas. Com o passar do
tempo essas esferas, gi
rando ao redor da estrela
central, deram origem aos
planetas.
O centro do redemoinho foi,
então, tornando-se ca-da
vez mais denso e sua
temperatura, devido ao
movimento das partículas,
foi aumentando até tornar
se incandescente. Dai se
originou o Sol que começou
a liberar sua energia,
transformando-se numa
estrela.
BARROS, Carlos - Ciências: meio ambiente, programas
de Saúde, ecologia. 5' série. S.Paulo, Ática, 1991, 48'
ed.
155
Um show planetário
Oitocentos milhões de terráqueos assistem ao eclipse
do Sol, que nas metrópoles brasileiras foi apenas
parcial, mas rendeu um bom espetáculo.
o espetáculo durou poucos
minutos, mas foi visto por
uma platéia planetária.
Oitocentos milhões de pessoas
espalhadas pelo mundo olharam
para o céu na última quinta-feira
para observar o eclipse total do
Sol, um fenômeno raro em que a
Lua se coloca exatamente entre a
Terra e o astro que aquece e
ilumina o planeta tapando-lhe
completamente o disco luminoso.
O show foi visível numa faixa que
se estendeu do Havaf à
Amazônia, passando pelo México.
Nas demais regiões do Brasil, o
fenômeno foi apenas parcial e o
Sol perdeu apenas um pedaço de
sua circunferência - como se
fosse a Lua em sua fase
minguante. Para a maioria das
pessoas, o eclipse foi um prêmio
de consolação significativo. Depois
da fracassada passagem do
cometa Halley em 1986, a
astronomia estava com suas
previsões um tanto descreditadas.
O Halley só passa rente ao planeta
a cada 76 anos, compareceu como
se calculava, mas se esqueceu de
brilhar, frustando toda uma
geração.
O eclipse total de quinta-feira
não foi apenas um espetáculo
popular. Ele aguçou a curiosidade
dos astrônomos. Pesquisadores do
mundo inteiro se dirigiram para as
regiões do globo onde o eclipse
seria total. Sem o brilho ofuscante
do Sol, fica bem mais fácil
observar seus raios por um
período prolongado de tempo.
Aprende-se muito sobre as
radiações e o campo magnético
solar nos períodos de eclipse, mas
ninguém esperava, contudo,
nenhuma grande revelação a
respeito do Sol. Hoje, a ciência
manda sondas ao espaço para
observar os astros - e não
depende mais da ajuda da
natureza para dar impulso à
156
astronomia. Até algumas décadas
atrás, no entanto, os pes
quisadores empurravam as fron
teiras do conhecimento ao
observar eclipses solares - e
essa mística ainda se mantém
entre os astrônomos.
Em 1919, uma expedição
internacional enviada ao Ceará
comprovou, durante um eclipse, a
parte da teoria da Relatividade de
Albert Einstein que diz que a
gravidade dos corpos tem efeito de
atração sobre a luz. Os jornalistas
correram até o físico para lhe dar a
notícia da comprovação de sua
teoria. Einstein não mostrou
entusiasmo. ~se os raios não
tivessem se vergado, Deus que me
desculpe, mas Ele estaria errado",
disse Einstein. "O homem hoje já
conta com meios mais eficazes de
estudar o Sol do que através de
um eclipse visto da Terra", diz o
astrônomo carioca Ronaldo
Rogério de Freitas Mourão.
Sem sair à janela - Apenas uma
faixa estreita do planeta assistiu ao
eclipse totaL Pouco depois das 2 e
meia da tarde (horário brasileiro) a
sombra da Lua encobrindo o Sol
se projetou sobre o Havaí - o
primeiro lugar a ver o fenômeno.
Devido ao movimento de rotação
da Terra, esta sombra, que tinha
220 quilômetros de largura por 620
de comprimento, se movimentava a
uma velocidade de 25600
quilômetros por hora. A Amazônia
brasileira também pode observar o
eclipse totaL Pesquisadores se
concentraram nas cidades de T efé
e Manicoré, no Amazonas.
O grosso da assistência
brasileira estava nas grandes
cidades e só pôde ver par
cialmente o eclipse. Em Brasília,
onde o fenômeno foi observado
com grande nitidez,
superfície do Sol ficou
pela Lua. Quem
92% da
encoberta
perdeu o
espetáculo vai ter que esperar três
anos para ver outro. No dia 3 de
novembro de 1994, na Região Sul
do país, será visível um novo
eclipse total do SoL
Revista Veja
17107191- p. 68
157
AS SETE PRAGAS
Para não sumir do planeta, agora só resta
ao homem investir todo seu engenho
na tecnologia da salvação: desmontar as armadilhas
fatais que criou para sua própria espécie
O buraco
ozônio,
das
na camada de
que nos protege
radiações solares,
escudo que se poderia
chamar de "sistema imunológico" da
Terra, lembra o tipo de dano causado
pelo vírus da Aids no corpo humano.
Imagine o planeta como uma célula.
Rompem-se as defesas naturais, o
escudo, e algo fica exposto à flechada
fatal.
A comparação entre esses dois
dramas que afligem a humanidade
seria um mero exercício de
imaginação se não servisse para
revelar algo inquietante: o homem
está se portando em relação ao seu
planeta, a Terra, exatamente como o
diminuto inimigo que quer decifrar e
exterminar, o temível vírus HIV. Claro
que não é das coisas mais agradáveis
nem das mais elegantes nos
compararmos a um vírus, mas muito
pior é nos eximirmos das
responsabilidades que nos cabem.
Vale lembrar que o buraco na camada
de ozônio, que pode causar càncer de
pele em nós próprios, não foi obra de
demônios nem de seres extra
terrestres. Tudo partiu daqui. Nossos
sprays, nossas comodidades.
Mas essa ruptura no ozônio é
apenas uma das sete macropragas
que a humanidade produziu ou
incrementou ao longo do século 20, e
que agora, no limiar do 21,
configuram os principais desafios de
tecnologia ambiental para as novas
gerações do mundo inteiro. As outras
são a desertificação, a chuva ácida, o
efeito estufa, os acidentes nucleares,
a extinção de espécies e o lixo. A elas
se poderia juntar o inchaço das
cidades e a miséria em massa, mas
isso é outra história.
O que está em jogo, desta vez, não
são mais idéias políticas nem
hegemonias momentâneas. É o nosso
158
valor existencial máximo: a própria
longevidade biológica do homem na
Terra. Mais do que nunca, precisamos
ter claro que espécies passam, como
as gerações e os indivíduos - o
planeta não tem donos, só inquilinos.
Os seres surgem, cumprem o seu
papel cósmico e um dia desaparecem.
O estranho é que somos a única
espécie que desenvolveu a capa
cidade de se auto-exterminar.
No período pós-Chemobyl, o
renomado psiquiatra britânico Ronald
David Laing (1927-1989), um dos
criadores da chamada antipsiquiatria,
detectou nos espíritos um certo
estado de alerta geral ao qual
denominou H ansiedade da espécie".
Não se trata de algo doentio ou irreal,
não indica disfunção ou adaptação
deficiente. A "ansiedade da espécie''
seria um umedo saudável", na medida
em que dá a dimensão exata de um
perigo sem precedentes.
Apesar da gravidade da
advertência, Laing não é um espírito
catastrofista, ao contrário: u Acho que
esta é uma reação extremamente
saudável ante uma situação holística:
o fato de que nós, como espécie,
tenhamos colocado em perigo a nós
próprios. Quanto mais se espalhe
essa idéia entre nós, tão rápido
quanto possível (o prazo acabou
ontem), maiores serão as
probabilidades de que não nos auto
exterminaremos".
De qualquer modo, agora não
basta parar de destruir. Temos de
investir todo o nosso engenho para
aprimorar os instrumentos para
restaurar danos; orientar nossa mais
refinada tecnologia para a tarefa
inadiável de recompor a natureza e
neutralizar as sete pragas de fim de
século. Este número, sete, traz a
carga bíblica do apocalipse e um
certo ranço cabalístico, mas podemos
tirar partido disso. Talvez sua mística
sirva para consagrar um conjunto de
fenômenos graves e lembrar, a cada
momento, que nenhum deles pode ser
relegado a segundo plano. Podemos
até ser otimistas: sete haverá de ser o
número de vitórias que, por fim, vão
unir a humanidade na causa maior, a
sobrevivência da espécie.
Ruptura no Ozônio
A camada de ozônio na
estratosfera terrestre, a 17
quilômetros de altitude, filtra os
raios solares ultravioleta, que podem
causar mudanças climáticas e até
159
câncer de pele. No final dos anos 70,
uma expedição científica britânica á
Antártida constatou que o buraco
nessa camada protetora era uma
ameaça real á vida do planeta. Ele é
causado por grandes concentrações
de compostos químicos industriais,
denominados em conjunto de
clorofiuorcarbono (CFC), conhecido
também como gás freon. Ele é usado
em grande escala na produção de
aerossóis, refrigeradores e produtos
de limpeza, mas nos últimos anos
vêm surgindo medidas restritivas.
Reagindo com o ozônio da
estratosfera, o cloro contido no cFc
transforma-o em oxigênio que não
bloqueia os raios ultravioleta. Não se
discute que esses raios sejam
nocivos, mas os cientistas ainda
divergem sobre se o buraco na
camada de ozônio estaria aumen
tando ou diminuindo.
Efeito Estufa
um contingente expressivo de
especialistas em climatologia
admite que a média da
temperatura planetária subiu de
maneira anormal nos últimos 100
anos - e pode subir mais ainda
daqui em diante. Basta, para isso,
que a poluição do ar continue no ritmo
atual, e essa é uma hipótese
perfeitamente aceitável.
Embora ainda não existam provas
irrefutáveis, acredita-se que esse
fenômeno de aquecimento da
superfície do planeta resulta do
chamado efeito estufa, expressão
adotada para indicar o aprisio
namento do calor por gases
atmOsféricos como o metano, vapor
d'água, óxido de nitrogênio,
clorofluorcarbono (CFC) e, espe-
cialmente, o gás carbônico.
Produzidos em larga escala nas
atividades urbanas e industriais, eles
formam uma espécie de parede de
vidro ou saco plástico que retém junto
ao planeta uma parte dos raios
solares que, em .condições normais,
seriam rebatidos para o espaço.
Quanto mais moléculas permaneçam
flutuando no ar, mais calor ficará
retido. Se a atmosfera não existisse, a
temperatura média sobre a Terra
seria de 18 graus negativos. A média
anual é de 15 graus positivos, mas
ela poderá subir vários pontos em
poucas décadas se o planeta não
reduzir drasticamente a produção de
poluentes. Entre os resultados
160
desastrosos do efeito estufa
estariam distúrbios climáticos como
secas, furacões, aumentos das
chuvas e nevadas, derretimento do
gelo dos pólos (com a conseqüente
elevação do nível do mar, provocando
inundações) e diminuição na
produção de alimentos. Apesar de
tudo, entre tantas mazelas, há quem
enxergue vantagens no degelo
glacial, argumentando que esse
processo facilitaria a exploração de
reservas de petróleo hoje
inacessíveis. O que fica sem resposta
é até onde poderíamos chegar, sem
morrermos sufocados, se queimás
semos mais essa carga de
combustível fóssil que está lá, quieta
sob o gelo, naqueles recantos em que
o solitário Amyr Klink travou amizade
com os pingüins.
Revista Globo Ecologia.
161
PUBERDADE:
JÁ NÃO SOU CRIANÇA
O corpo muda, a expectativa é grande, surgem novos sentimentos
em relação à vida. É hora de muita conversa entre pais e filhos.
talvez você nem
tenha se dado
conta, mas por
volta dos 9 anos
seu filho está se
despedindo da
infância. É o inicio da
puberdade, quando o
corpo começa a se
preparar para o
momento da vida em
que o menino ou a
menina poderão ter um
filho ..
Essa idéia pode a ter
surpreendido, mas é
isso mesmo o que
acontece a partir desta
idade. A glândula
hipófise, localizada no
cérebro, começa a
produzir certos hormô
nios em maior quan
tidade. No menino, eles
agem sobre os testí
culos, onde estimulam a
produção de um hor
mônio próprio do sexo
masculino - a testos
terona. Na menina, os
hormônios hipofisários
atuam sobre os ovários,
para fabricar o hor-
mônio feminino o
estrogênio.
Ao contrário das
garotas, que logo per-
cebem as trans-
formações de seu cor
po, alguns meninos
ficam surpresos ao des
cobrir o crescimento
dos testículos.
É bom saber, porém,
que o pênis em geral só
cresce lá pelos 13
anos. Antes disso, os
pais não devem ficar
preocupados e correr
ao pediatra porque seu
filho continua com o
pênis pequeno. É assim
162
mesmo. São raríssimos
casos de micropênis.
A revolução horrnonal
A largada dos hor
mônios pelo organismo
vai fazer o corpo da
criança ir adquirindo
aos poucos
contamos e
os
as
características típicos
da puberdade. Na
menina, o primeiro sinal
é o aparecimento de um
"morrinho" debaixo de
cada mamilo. Eles ficam
sensíveis e doloridos,
mas não é preciso se
preocupar. É natural.
Nessa época também
começam a aparecer os
primeiros pêlos pubia
nos. Mas nem sempre
os seios e os pelinhos
surgem ao mesmo
tempo. Cada menina
tem um ritmo diferente.
Como já vimos, nos
garotos o hormônio da
hipófise passa a
intensificar sua ativi
dade também aos 9
anos. Lentamente seus
testículos crescem e o
saco escrota! se alon
ga, fica mais baixo.
Alguns meninos come
çam a ter pêlos
pubianos nessa época,
mas em geral eles só
aparecem mais tarde.
As transformações
do corpo, tanto nos
meninos como nas
meninas, não seguem
fases rígidas. Muitos
jovens ficam ansiosos
ao perceber
coleguinha
que o
já está
ficando com o corpo de
adulto enquanto o seu
continua infantiL Os
pais devem lembrar os
filhos que o corpo da
gente tem uma evo
lução própria. Um dia
as mudanças tão espe
radas vão acontecer.
A fabricação dos
hormônios testosterona
e estrogênio aumenta
durante toda a puber
dade. Eles também irão
provocar as mudanças
internas que farão
surgir na menina a
primeira menstruação e
no menino a polução
noturna.
Polução: o que é isso?
Há um aconte-
cimento que na vida
dos garotos equivale,
de certa forma, à
primeira menstruação
das meninas. É a
polução noturna. Ao
estar dormindo (de dia
ou de noite), seu filho
apresenta uma eja
culação. Muitos garotos
têm sua primeira eja
culação desse jeito. É
algo que eles não
podem evitar, uma
forma de o corpo se
livrar de seu estoque de
espermatozóides, para
dar lugar ao novos.
É frequente os meni
nos ficarem enver
gonhados quando têm 163
sua primeira polução
noturna, mesmo que já
estivessem sabendo
que isso acontece por
volta dos 13 ou 14
anos. É também a
época mais comum
para aparecerem os
pêlos pubianos e os
primeiros sinais de
barba. Mas, como já
dissemos, cada um tem
seu ritmo próprio e
essas idades são
apenas uma referência.
As vacinas dessa fase
Nesta fase, com
tantas transformações,
é provável que você até
tenha esquecido uma
das grandes preo
cupações da primeira
infância: as vacinas.
Entre 10 e 12 anos é
preciso fazer algumas
revacinações, como a
BCG, poliomielite, difte
ria e tétano. No caso
dos garotos, é bom
verificar se já tomaram
ou ainda deverão tomar
vacina contra a caxum
ba - essa doença em
homens adultos pode
provocar a inflamação
dos testículos e levar à
esterilidade. Para a
menina, é importante a
vacina contra a rubéola
- uma doença que
numa mulher grávida
pode trazer sérias
complicações para o
futuro bebê.
Q.s órgãos sexuais
internos da
menina crescem e
se desenvolvem.
A vagina se
alonga, o útero e os
ovários aumentam de
tamanho. Nessa época,
a mulher começa a
produzir óvulos total
mente maduros. Desde
que nasce ela já tem
todos os óvulos, mas o
primeiro só amadurece
depois que nascem os
pêlos pubianos e os
seios se desenvolvem.
A primeira menstruação
pode acontecer entre 9
e 16 anos.
Talvez você se
lembre bem de tudo
isso, mas é bom
reavivar os detalhes.
Afinal, embora seja
comum pensarmos que
nessa idade nossos
filhos já sabem tudo,
muitas vezes não é bem
assim. Não se pode
esquecer que a
puberdade é um
período difícil, cheío de
dúvidas. O menino e a
menina já não são mais
crianças, e ainda não
são adultos. É uma
transição, em que é
comum a incerteza:
serei normal? Como
vou ficar?
Para aliviar essa
ansiedade nada como
uma boa conversa.
Garotos e garotas que
rem saber sobre todas
essas transformações:
tanto as suas como as
da sexo oposto.
Durante a puberdade
surgem as incômodas
espinhas - e mais uma
vez trata-se do resul-
164
tado da ação dos
hormônios. A pele fica
mais oleosa porque a
testosterona - e de
forma menos intensa o
estrogênio - faz com
que as glândulas sebá
ceas produzam uma
quantidade excessiva
de gordura. Os poros
ficam obstruídos.
Resultado: cravos,
espinhas, quistos, acne.
Os mesmos hormô
nios agem nas glându
las sudoríferas, provo
cando uma transpiração
de cheiro mais forte. Se
seu
ficar
filho começar a
com cheiro
insuportável ao tirar o
têni!?, não é só por falta
de banho. Os pés,
mãos, axilas e órgãos
genitais são os mais
atingidos por essa
mudança: um
fenômeno menos
acentuado nas
meninas. É hora de
sugerir aos seus filhos
que comecem a usar
desodorante.
Os meninos no início
da adolescência (14
anos), também tendem
a mudar de voz. Isso
ocorre por causa da
testosterona: a laringe
aumenta de tamanho e
as cordas vocais
tornam-se grossas e
mais compridas.
Também podem
acontecer mudanças
nas mamas dos me
ninos. É comum haver
um pequeno cres
cimento, que tende a
desaparecer antes do
final da puberdade. "É
extremamente raro o
crescimento das mamas
dos meninos não re
gredir", informa o pe
diatra Oráuzio Viegas,
professor titular de
Pediatria e Puericultura
da F acuidade de
Medicina do ABC.
A puberdade também é
época da arrancada do
crescimento. A menina
começa a crescer mais
rápido - uns dois anos
antes dos meninos. Por
isso, existe a falsa
crença de que sua
puberdade começa
antes. É freqüente, aos
11 anos, ela ser mais
alta que os garotos de
sua idade. Dois anos
mais tarde é a vez dos
meninos crescerem
rápido, al-cançando as
cole-guinhas. Depois,
em geral, eles ficam
mais altos.
Entre os 8 e 12 anos,
as meninas crescem em
média 4,75 em por ano
e os meninos 3.80. (ver
quadro).
O crescimento é
acompanhado do au
mento de peso. As
165
meninas, nesta fase,
saem mais uma vez na
frente, ganhando em
média 4,02 quilos por
ano; os meninos 3,22.
Para garantir o
crescimento saudável
são essenciais certos
cuidados com a
alimentação. "Para for
talecer os crescimento
ósseo, nessa idade eles
precisam comer ali
mentos ricos em cálcio,
como leite e seus
derivadosn, recomenda
o pediatra Dráuzio
Viegas. "O ferro é
importante para evitar a
anemia, aumentar a
massa muscular e
prevenir as perdas
menstruais.
É preciso fazer refei
ções ricas em carne,
peixe, grãos, ovos,
vegetais."
Tudo certo com as medidas deles?
IDADE
IDADE
Fonte: Estudo Antropornétrico de Crianças Brasileiras de O .12 anos de Idade • Eduardo Marcondes.
~u'1ta atenção
também para
as vitaminas: A, para
evitar alterações na
pele; complexo B, sua
deficiência contribui
para a anemia; C, sua
falta afeta o
crescimento, provoca
alterações na gengiva;
D, estimula o apro
veitamento do cálcio e
do fósforo e mineraliza
os ossos; E, contribui
para o crescimento
celular.
O dr. Dráuzio alerta
as pais adeptos das
dietas vegetarianas:
"Elas são pobres em
cálcio e ferro e ricas
166
em filatos e oxa!atos
substâncias que
dificultam a absorção
de ferro pelo intes
tinoH.
A garotada nessa
época sente muita
necessidade de ati
vidade física. E como
essa atividade contri
bui para aumentar a
circulação de oxigênio
no organismo, de certa
forma estimula o cres
cimento ósseo e mus
cular, diz o dr.
Dráuzio Viegas.
Mas é necessário
tomar alguns cuidados
para escolher os es
portes adequados a
cada idade. Não são
recomendados na pu
berdade esportes mui
to competitivos ou
com choques físicos
violentos. As estru
turas ósseas e mus
culares, bem como as
cartilagens, ainda não
estão suficientemente
amadurecidas - isso
só vai acontecer aos
14 anos.
Fazer uma ativi
dade física inadequa
da pode trazer conse
qüências, como o
crescimento exagera-
167
do de alguns mem
bros, tanto no com
primento como na
largura. Ou, então,
problemas cardíacos
ou respiratórios. Em
caso de dúvida, é
melhor consultar o
pediatra.
Revista
Clãudia.Julho/92,
pp. 133-136
MENINOS CARVOEIROS
Os meninos carvoeiros
Passam a caminho da cidade.
- Eh, carvoero!
MANUEL BANDEIRA
E vão tocando os animais com um ralho enorme.
Os burros são magrinhos e velhos.
Cada um leva seis sacos de carvão e lenha.
A aniagem é toda remendada.
Os carvões caem.
(Pela boca da noite vem uma velhinha que os recolhe, dobrando-se
com um gemido.)
- Eh, carvoero!
Só mesmo estas crianças raquíticas
Vão bem com estes burrinhos descadeirados.
A madrugada ingênua parece feita para eles ...
Pequenina, ingênua miséria!
Adoráveis carvoeirinhos que trabalhais como se brincásseis!
- Eh, carvoero!
Quando voltam, vêm mordendo um pão encarvoado,
Encarapitados nas allmárias,
Apostando corrida,
168
Dançando, bamboleando nas cangalhas como espantalhos
desamparados!
(BANDEIRA, Manuel. Ritmo dissoluto. In: ESTRELA DA VIDA INTEIRA 8 ed. Rio
de Janeiro, José Olympio, 1980, p.85-€)
169
O LEILÃO DA LATA DE LIXO
Quem compra esta lata com um monte de sucata?
Tem papel amarelo, vermelho e azul!
Tem lagarta e surucucu! Tem sapo e tem Gia
Tem osso de peixe e um gato na fria!
Tem cachorro-quente sem salsicha
E tem um monte de lagartixa!
Tem plástíco e palitinho!
Tem azeitona com chífrinho!
Tem mosquito sem narizinho!
Tem sapato sem cordãozinho!
Tem relógio sem ponteirinho!
Tem sino sem barulhinho!
Este é o meu lixinho, gostaram?
Eu sou o cascãozinho ...
Autor: Daniel Sócrates de Castro, 2a série
Escola de Educação Básica da U.F.U.,
Uberlãndia-MG
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175
ABSTRACT
The maín focus of thís study has been on school reading since its
precaríous development has always worríed us. This has caused a seríes of
deficiences concerning the acceptance of written texts. Reading without clear
goals and whithout a theorical support is tiecoming an activity whithout the
necessary significance that it shoud have. Based on these assumptions, we have
conducted our study to reading in the classroom in arder .to verity the effects of an
alternativa pedagogícal direction inspired on psycholinguistic principies.
For six months, with a weekly meeting of four classes, we developed
our study the main objective of which was the development of cognitiva aspects
related to reading, emphaslzing the metacognitive strategies.
Upper -midldle-class students from lhe fifth grade of a private school in
Uberlandia were chosen for this study. They showed clear and different reading
problems.
We can say that we obtained stimulating results. During class time, the
students showed through their behavior and their class participation that they have
overcome various problems. They became more confident and, above ali, more
conscious in the sequence of actvities. The lnterest for readlng.was awakened and
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it grew as the reading became meaningful to them. The proof of this change was
revea!ed through the analysis of interaction in the classroom, the pedagogical
procedures developed and lhe interviews with the participants.
lt is evident thal ali lhe work involving lhe formation of a reader is
possible, and is necessary in order to avoid the increase of the "reading crísis"
lhat were observed.
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