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Obstrução Intestinal por "Ascaris lumbricoides" ORLANDO JORGE MARTINS TORRES Professor assistente de Clínica Cirúrgica da Universidade Federal do Maranhão. Mestre em Clínica Cirúrgica. Chefe da Residência Médica em Clínica Cirúrgica UFMA. TCBC-MA. JOSÉ APARECIDO VALADÃO Professor auxiliar de Clínica Cirúrgica da Universidade Federal do Maranhão. AILTON JOSÉ RODRIGUES SILVA ANTÔNIO GONÇALVES FILHO MARILENE MENDES COSTA Residentes de Clínica Cirúrgica UFMA. JEAN CARLOS ANTUNES CINTRA Estudante de Medicina UFMA. Resumo Os autores apresentam estudo retrospectivo de 17 pacientes sub- metidos a tratamento cirúrgico por obstrução intestinal provocada por Ascaris lumbricoides. Clinicamente os pacientes apresentavam dor e distensão abdominal, vômitos e pa- rada de eliminação de gases e fezes. Os procedimentos cirúrgicos realiza- dos foram enterotomia com retirada dos vermes, mobilização distai por ordenha e ressecção com anas- tomose intestinal. Ocorreram dois óbitos (11,8%). Os autores discutem a necessidade de avaliação cuidado- sa destes pacientes. Unitermos: Ascaridíase; obstrução intestinal; doença intestinal. Trabalho realizado no Serviço de Cirurgia de Urgência do Hospital Municipal Djalma Marques São Luís-MA. Introdução Ascaris lumbricoides são nema- tóideos que residem na luz do jejuno e porção média do íleo. A infestação ocorre por via oral após ingestão de água e alimentos contendo ovos embrionados. Os vermes adultos atingem a maturidade sexual após 60 dias, aproximadamente, da infes- tação (2, 6). A ascaridíase é um significante problema de saúde pública, acome- tendo aproximadamente 900 milhões de pessoas em todo o mundo. É uma doença benigna — comum em áreas tropicais — observada mais freqüen- temente na população desnutrida de países em desenvolvimento. Apre- senta baixa incidência em regiões desenvolvidas e com tratamento adequado da água. A maioria dos in- divíduos infestados são assintomáti- cos (1,12) . As mais sérias conseqüências da infestação por Ascaris lumbricoides são aquelas que requerem interven- ção cirúrgica, particularmente obstru- ção intestinal causada por bolo de vermes. O diagnóstico deve ser pre- coce e o tratamento, efetivo (4, 8). Este estudo tem por objetivo ana- lisar de forma retrospectiva os pa- cientes com obstrução intestinal por Ascaris lumbricoides submetidos a tratamento cirúrgico. Material e métodos No período de maio de 1991 a fevereiro de 1995 foram atendidos no Serviço de Cirurgia de Urgência do Hospital Municipal Djalma Mar- ques — São Luís-MA, 17 pacientes apresentando quadro clínico de obs- trução intestinal por Ascaris lumbri- coides, submetidos anteriormente a tratamento com medidas clínicas sem sucesso. Destes, 14 eram do sexo masculino (82,3%) e três do sexo feminino (17,7%), com idades variando de um a 35 anos (média de 10,3 anos). Clinicamente 13 pacientes (76,4%) apresentavam queixa de ab- dome agudo obstrutivo clássico, com dor abdominal, náuseas e vômi- tos, distensão abdominal com para- da de eliminação de gases e fezes. Seis pacientes (35,2%) apresenta- vam massa palpável no abdome, correspondendo ao bolo de vermes. Apenas um paciente (5,8%) apre- sentou vômitos com vermes. O tem- po de início do quadro variou de dois a nove dias (média de 3,6 dias). A radiografia simples de abdome foi realizada em 15 pacientes (88,2%) e contribuiu para o diagnóstico etiológico, mostrando imagem em "miolo de pão" em seis pacientes (35,2%). O hemograma mostrou leu- cócitos acima de 15.000/mm 3 em oito pacientes (47,0%). A indicação cirúrgica com diag- nóstico etiológico de abdome agudo obstrutivo por Ascaris lumbricoides ocorreu em 15 pacientes (88,2%) e por peritonite em dois pacientes (11,8%). Resultados Todos os pacientes foram subme- tidos a exploração abdominal após preparo pré-operatório com hidra- tação venosa e sonda nasogástrica. A conduta operatória variou de acor- do com os achados abdominais (Ta- bela 1). Tabela 1 Condutas operatórias Enterotomia e enterorrafia Mobilização distal (ordenha) Enterectomia e enterorrafia 10 5 2 % 58,8 29,4 11,8 A sonda nasogástrica permane- ceu por mais de 48 horas em sete pacientes (41,1 %) e em dois pacien- tes (11,8%) permaneceu por período superior a cinco dias. Foram utiliza- dos drenos tipo Penrose em oito pacientes (47,0%), que permanece- ram por 48 a 72 horas. Todos os pacientes fizeram uso de antibióticos, sendo os mais utili- JUNHO, 1996 VOL. 70 • N.° 6 133

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Obstrução Intestinal por "Ascaris lumbricoides"

ORLANDO JORGE MARTINS TORRES Professor assistente de Clínica Cirúrgica da Universidade Federal do Maranhão. Mestre em Clínica Cirúrgica. Chefe da Residência Médica em Clínica Cirúrgica — UFMA. TCBC-MA.

JOSÉ APARECIDO VALADÃO Professor auxiliar de Clínica Cirúrgica da Universidade Federal do Maranhão.

AILTON JOSÉ RODRIGUES SILVA ANTÔNIO GONÇALVES FILHO MARILENE MENDES COSTA Residentes de Clínica Cirúrgica — UFMA.

JEAN CARLOS ANTUNES CINTRA Estudante de Medicina — UFMA.

Resumo

Os autores apresentam estudo retrospectivo de 17 pacientes sub­metidos a tratamento cirúrgico por obstrução intestinal provocada por Ascaris lumbricoides. Clinicamente os pacientes apresentavam dor e distensão abdominal, vômitos e pa­rada de eliminação de gases e fezes. Os procedimentos cirúrgicos realiza­dos foram enterotomia com retirada dos vermes, mobilização distai por ordenha e ressecção com anas-tomose intestinal. Ocorreram dois óbitos (11,8%). Os autores discutem a necessidade de avaliação cuidado­sa destes pacientes.

Unitermos: Ascaridíase; obstrução intestinal; doença intestinal.

Trabalho realizado no Serviço de Cirurgia de Urgência do Hospital Municipal Djalma Marques — São Luís-MA.

Introdução

Ascaris lumbricoides são nema-tóideos que residem na luz do jejuno e porção média do íleo. A infestação ocorre por via oral após ingestão de água e alimentos contendo ovos embrionados. Os vermes adultos atingem a maturidade sexual após 60 dias, aproximadamente, da infes­tação (2, 6).

A ascaridíase é um significante problema de saúde pública, acome­tendo aproximadamente 900 milhões de pessoas em todo o mundo. É uma doença benigna — comum em áreas tropicais — observada mais freqüen­temente na população desnutrida de países em desenvolvimento. Apre­senta baixa incidência em regiões desenvolvidas e com tratamento adequado da água. A maioria dos in­divíduos infestados são assintomáti-c o s ( 1, 12).

As mais sérias conseqüências da infestação por Ascaris lumbricoides são aquelas que requerem interven­ção cirúrgica, particularmente obstru­ção intestinal causada por bolo de vermes. O diagnóstico deve ser pre­coce e o tratamento, efetivo (4, 8).

Este estudo tem por objetivo ana­lisar de forma retrospectiva os pa­cientes com obstrução intestinal por Ascaris lumbricoides submetidos a tratamento cirúrgico.

Material e métodos

No período de maio de 1991 a fevereiro de 1995 foram atendidos no Serviço de Cirurgia de Urgência do Hospital Municipal Djalma Mar­ques — São Luís-MA, 17 pacientes apresentando quadro clínico de obs­trução intestinal por Ascaris lumbri­coides, submetidos anteriormente a tratamento com medidas clínicas sem sucesso. Destes, 14 eram do sexo masculino (82,3%) e três do sexo feminino (17,7%), com idades variando de um a 35 anos (média de 10,3 anos).

Cl in icamente 13 pacientes (76,4%) apresentavam queixa de ab­dome agudo obstrutivo clássico, com dor abdominal, náuseas e vômi­

tos, distensão abdominal com para­da de eliminação de gases e fezes. Seis pacientes (35,2%) apresenta­vam massa palpável no abdome, correspondendo ao bolo de vermes. Apenas um paciente (5,8%) apre­sentou vômitos com vermes. O tem­po de início do quadro variou de dois a nove dias (média de 3,6 dias).

A radiografia simples de abdome foi realizada em 15 pacientes (88,2%) e contribuiu para o diagnóstico etiológico, mostrando imagem em "miolo de pão" em seis pacientes (35,2%). O hemograma mostrou leu-cócitos acima de 15.000/mm3 em oito pacientes (47,0%).

A indicação cirúrgica com diag­nóstico etiológico de abdome agudo obstrutivo por Ascaris lumbricoides ocorreu em 15 pacientes (88,2%) e por peritonite em dois pacientes (11,8%).

Resultados

Todos os pacientes foram subme­tidos a exploração abdominal após preparo pré-operatório com hidra-tação venosa e sonda nasogástrica. A conduta operatória variou de acor­do com os achados abdominais (Ta­bela 1).

Tabela 1 Condutas operatórias

Enterotomia e enterorrafia

Mobilização distal(ordenha)

Enterectomia e enterorrafia

10

5

2

%

58,8

29,4

11,8

A sonda nasogástrica permane­ceu por mais de 48 horas em sete pacientes (41,1 %) e em dois pacien­tes (11,8%) permaneceu por período superior a cinco dias. Foram utiliza­dos drenos tipo Penrose em oito pacientes (47,0%), que permanece­ram por 48 a 72 horas.

Todos os pacientes fizeram uso de antibióticos, sendo os mais utili-

JUNHO, 1996 VOL. 70 • N.° 6 133

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