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46 Bahia Agríc., v.8, n. 1, nov. 2007 SOCIOECONOMIA Rosilene Aparecida de Oliveira* Fernando Faustino de Oliveira** Célio Kersul Sacramento *** *Professor Titular do Departamento de Ciências Exatas e Tecnológicas, Universidade Estadual de Santa Cruz – UESC, Ilhéus - BA; e-mail: [email protected] **Professor Adjunto do Departamento de Ciências Exatas e Tecnológicas, Universidade Estadual de Santa Cruz – UESC, Ilhéus - BA; e-mail: [email protected] ***Professor Titular do Departamento de Ciências Agrárias e Ambientais, Universidade Estadual de Santa Cruz – UESC, Ilhéus - BA; e-mail: [email protected] Óleos essenciais: perspectivas para o agronegócio de especiarias na Bahia ÓLEOS ESSENCIAIS E SUA IMPORTÂNCIA Óleos essenciais são líquidos de apa- rência oleosa a temperatura ambiente, de fácil volatilidade e aroma agradável, e normalmente são também chamados de essências. São geralmente incolores ou ligeiramente amarelados, sendo raros os óleos essenciais azuis e normalmen- te apresentam o sabor geralmente acre (ácido) e picante. Quimicamente os óle- os essenciais são constituídos principal- mente de compostos terpênicos. Os óle- os essenciais podem estar armazenados em certos órgãos vegetais, tais como nas flores (laranjeira, bergamateira), folhas (capim-limão, eucalipto, louro) ou ainda nas cascas dos caules (canela), madeiras (sândalo, pau-rosa), raízes (vetiver), rizo- mas (gengibre), frutos (anis-estrelado, funcho, erva-doce) ou sementes (noz- moscada) (SIMÕES et al., 2003). Conforme Ferrão (1993), os óleos es- senciais são produtos obtidos por arraste a vapor de água ou pela água quente e são constituídos por substâncias voláteis. As suas composições estão fortemente dependentes das matérias-primas ob- tidas e dos processos de extração. Em pequena escala, emprega-se o processo denominado hidrodestilação (SIMÕES et al., 2003). Os óleos essenciais diferem dos óle- os vegetais (óleos fixos). O óleo vegetal é uma gordura extraída quase exclusiva- mente das sementes e pode ser extraído de culturas como soja, girassol, milho, dendê e mamona, dentre outras. O pro- cesso de extração usado normalmente é a prensagem, podendo ser a frio ou a quente (WIKIPEDIA, 2006). Segundo dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC), a participação brasileira no cenário das exportações mundiais cresceu de 0,97% em 2003, para 1,06% em 2004. No ano de 2005, a balança co- mercial do Brasil registrou, no período de janeiro a outubro, para o mercado de óleos essenciais os valores de US$ 80.006 em exportação e US$ 30.266 para a im- Foto: Acervo Biblioteca SEAGRI-BA

Óleos essenciais: perspectivas para o agronegócio de especiarias

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Page 1: Óleos essenciais: perspectivas para o agronegócio de especiarias

46 Bahia Agríc., v.8, n. 1, nov. 2007

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Rosilene Aparecida de Oliveira*Fernando Faustino de Oliveira**

Célio Kersul Sacramento ***

*Professor Titular do Departamento de Ciências Exatas e Tecnológicas, Universidade Estadual de Santa Cruz – UESC, Ilhéus - BA; e-mail: [email protected]**Professor Adjunto do Departamento de Ciências Exatas e Tecnológicas, Universidade Estadual de Santa Cruz – UESC, Ilhéus - BA; e-mail: [email protected] ***Professor Titular do Departamento de Ciências Agrárias e Ambientais, Universidade Estadual de Santa Cruz – UESC, Ilhéus - BA; e-mail: [email protected]

Óleos essenciais: perspectivas para o agronegócio de

especiarias na Bahia

ÓLEOS ESSENCIAIS E SUA IMPORTÂNCIA

Óleos essenciais são líquidos de apa-rência oleosa a temperatura ambiente, de fácil volatilidade e aroma agradável, e normalmente são também chamados de essências. São geralmente incolores ou ligeiramente amarelados, sendo raros os óleos essenciais azuis e normalmen-te apresentam o sabor geralmente acre (ácido) e picante. Quimicamente os óle-os essenciais são constituídos principal-mente de compostos terpênicos. Os óle-os essenciais podem estar armazenados em certos órgãos vegetais, tais como nas fl ores (laranjeira, bergamateira), folhas (capim-limão, eucalipto, louro) ou ainda

nas cascas dos caules (canela), madeiras (sândalo, pau-rosa), raízes (vetiver), rizo-mas (gengibre), frutos (anis-estrelado, funcho, erva-doce) ou sementes (noz-moscada) (SIMÕES et al., 2003).

Conforme Ferrão (1993), os óleos es-senciais são produtos obtidos por arraste a vapor de água ou pela água quente e são constituídos por substâncias voláteis. As suas composições estão fortemente dependentes das matérias-primas ob-tidas e dos processos de extração. Em pequena escala, emprega-se o processo denominado hidrodestilação (SIMÕES et al., 2003).

Os óleos essenciais diferem dos óle-os vegetais (óleos fi xos). O óleo vegetal

é uma gordura extraída quase exclusiva-mente das sementes e pode ser extraído de culturas como soja, girassol, milho, dendê e mamona, dentre outras. O pro-cesso de extração usado normalmente é a prensagem, podendo ser a frio ou a quente (WIKIPEDIA, 2006).

Segundo dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC), a participação brasileira no cenário das exportações mundiais cresceu de 0,97% em 2003, para 1,06% em 2004. No ano de 2005, a balança co-mercial do Brasil registrou, no período de janeiro a outubro, para o mercado de óleos essenciais os valores de US$ 80.006 em exportação e US$ 30.266 para a im-

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portação. Os principais óleos exportados foram: óleo de laranja (51,00%), subpro-dutos terpênicos (29,40%), óleo de es-sência de limão (4,30%), solução aquosa de óleos essenciais (2,94%) e óleo essen-cial de pau-rosa (2,64%). Os mercados destinados à exportação de óleos essen-ciais brasileiros foram EUA (40,25%), Paí-ses Baixos (11,23%), Reino Unido (6,15%), França (4,36%), Espanha (3,49%) e China (3,47%). Os principais estados brasileiros exportadores foram São Paulo (91,42%), Rio Grande de Sul (2,36%), Amazonas (1,19%), Minas Gerais (1,17%) e Sergipe (0,86%) (MDCT, 2006). Os principais óle-os essenciais importados pelo Brasil, no período de janeiro a setembro de 2005, foram de menta japonesa (13,00%), limão (12,30%), outros cítricos (8,17%) e menta “speciment” (7,00%). As principais origens desses óleos foram a França (23,55%), o EUA (12,47%), o Paraguai (11,84%), a Ar-gentina (9,42%) e o Vietnam (4,18%) (FER-NANDES, 2006).

Entre os óleos essenciais comercia-lizados no mundo, os provenientes de especiarias representam um nicho de mercado crescente. Dentre esses óleos, merecem destaque aqueles ricos em eu-genol, pois apresentam um elevado valor de mercado.

ESPECIARIAS E SUA IMPORTÂNCIA

As especiarias são produtos vegetais naturais ou em misturas, utilizados para dar sabor e aroma e para temperar os alimentos. Dentre as especiarias mais im-portantes cultivadas no mundo estão a pimenta-do-reino, cravo-da-índia, gengi-bre e pimenta-hortícola e, em menor es-cala, canela, noz moscada, cardamomo, pimenta-da-jamaica, açafrão e baunilha. Dessas especiarias, o Brasil exporta as três primeiras e importa parte das restantes. No Brasil, a região sudeste da Bahia, pro-duz, em maior ou menor escala, todas as especiarias citadas, sendo a única região do Ocidente a produzir comercialmente o cravo-da-índia e destaca-se como ter-ceiro Estado na produção de pimenta-do-reino. Possui, ainda, pequenos plan-tios de canela e pimenta-da-jamaica.

O agronegócio de especiarias na região Sul da Bahia, segundo dados do

Centro de Extensão da CEPLAC, envolve mais de 5.000 propriedades rurais e uma área estimada de mais de 10.000 ha, sen-do explorada, principalmente, em siste-ma de agricultura familiar (SACRAMENTO et al., 2001).

As especiarias produzidas naquela re-gião são comercializadas como matéria-prima e, por serem produtos inelásticos, fi cam sujeitas às oscilações de preços do mercado, competindo muitas vezes com produtos importados de países onde o custo de produção é menor, devido prin-cipalmente à inexistência de obrigações trabalhistas.

O cultivo do craveiro-da-índia (Syzygium aromaticum L.), planta da família Mirtaceae, constitui a principal atividade das especiarias nas regiões do Baixo Sul e Sul da Bahia, extensão compreendida entre os municípios de Valença e Una, ocupando uma área de aproximadamen-te 8.000 ha, envolvendo cerca de 3.800 propriedades rurais e gerando emprego para inúmeras famílias, principalmente na época da colheita. A produção anual é estimada em 2.500 toneladas. Os princi-pais municípios produtores na Bahia são: Valença, Taperoá, Nilo Peçanha, Ituberá, Camamu, Igrapiúna, Tancredo Neves e Una. O cravo-da-índia é colhido na forma de botão fl oral maduro e comercializado na forma de botão fl oral seco, sendo a qualidade do produto (cravo com cabe-ça proveniente de botão colhido antes da antese) primordial para a obtenção de melhores preços no mercado nacional e internacional. Os botões fl orais do cravei-ro-da-índia são colhidos com pedicelo, e estes são eliminados durante o processo de destalamento. Além disso, grande quantidade de folhas é derrubada duran-te o processo de colheita, seja ele manu-al ou químico. Tais resíduos provenientes da colheita também constituem fonte de óleos essenciais. Conforme Ferrão (1993), o eugenol e o cariofi leno são os consti-tuintes dominares do óleo essencial do cravo-da-índia e em menor escala o óxi-do de cariofi leno, humuleno e acetato de eugenol.

A pimenta-do-reino (Piper nigrum L.), planta da família Piperaceae, é a mais importante especiaria cultivada e co-mercializada no mundo. No Brasil, a pi-menta-do-reino é cultivada nos estados

do Pará (40.000 ha), Espírito Santo (2.000 ha) e Bahia (500 ha), entretanto, devido ao seu caráter não perene, tais áreas se expandem ou reduzem de acordo com os preços do produto no mercado. O principal produto da pimenteira-do-rei-no são os grãos, os quais são colhidos quando completamente desenvolvidos, possuindo, assim, o máximo de matéria seca para produção de pimenta preta ou completamente maduros, para pro-dução de pimenta branca. A qualidade do produto e o preço estão relacionados com a densidade dos grãos (kg/l) e com o ponto de colheita. Desse modo, grãos chochos, dependendo do preço, podem ser juntados a outros resíduos como ra-que e folhas para extração de óleo essen-cial (FRAIFE FILHO et al., 2006).

A pimenteira-da-jamaica (Pimenta dióica), planta da familia Mirtaceae, conhecida como “allspice” por reunir as caracterís-ticas do aroma da pimenta-do-reino, cravo-da-índia, noz-moscada e canela, é uma especiaria em expansão na região Sul da Bahia, cultivada principalmente em sistema agrofl orestal. O principal pro-duto são os grãos comercializados após a secagem, semelhante à pimenta-do-rei-no. O óleo essencial pode ser obtido da casca, folhas e frutos, sendo o rendimen-to industrial bastante variável devido, principalmente, a qualidade do material e do processo de extração. De acordo com Ferrão (1999), o tratamento pode ser feito tanto em folhas frescas, como em folhas secas. Os principais constituintes do óleo essencial da pimenta-da-jamaica são o eugenol e o chavicol. O óleo essen-cial da pimenteira-da-jamaica é utilizado na aromatização de alimentos e perfu-maria. Constitui também matéria-prima importante para a extração de eugenol,

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utilizado na fabricação de vanilina. O óleo essencial das folhas da pimenteira-da-ja-maica concorre no mercado internacio-nal com o óleo das folhas do craveiro-da-índia (CASALI et al., 2006).

Considerando o potencial para pro-dução de especiarias na região Sul da Bahia e visando principalmente fortale-cer esse agronegócio, uma das alterna-tivas, para agregação de valor à matéria-prima, seria a extração e comercialização de óleos essenciais existentes em folhas, frutos e ramos dessas espécies. Atual-mente, a maior parte dos óleos essenciais utilizados no Brasil é importada a preços bastante altos e, desse modo, a dispo-nibilidade da tecnologia para extração poderia constituir numa fonte adicional de renda para os produtores da região. Pela utilização crescente nas indústrias de alimentos, cosméticos e produtos farmacêuticos, o cultivo de espécies aro-máticas e a obtenção de óleos essenciais se constituem importantes atividades econômicas.

PESQUISA DE EXTRAÇÃO DE ÓLEOS ESSENCIAIS DE ESPECIARIAS

Desde 2003, na Universidade Esta-dual de Santa Cruz (UESC), em Ilhéus, o Grupo de Pesquisa em Produtos Natu-rais do Sul da Bahia, através do projeto “Estudo da Potencialidade dos Óleos Es-senciais do Agronegócio de Especiarias da Região Sul da Bahia”, desenvolve tra-balhos buscando avaliar o teor de óleos essenciais das especiarias cultivadas na região. Para esse estudo foram coletadas, em 2005, na região de Una, as especiarias pimenta-da-jamaica e pimenta-do reino e, em 2006, na região de Ilhéus, o cra-vo-da-índia. Foi utilizado o processo de hidrodestilação, usando um adaptador Clevenger para extração de óleos es-senciais das especiarias (SIMÕES, 2003). O tempo mínimo para extrair o maior volume de óleo variou de acordo com a especiaria: cravo-da-índia (quatro ho-ras), pimenta-da-jamaica (cinco horas) e pimenta-do-reino (onze horas). Os óleos essenciais foram separados do hidrolato através de extração por partição líquido-líquido com solvente orgânico. A fase orgânica foi separada, seca com sulfato

15,1

1,1 1,8

0

5

10

15

20

%m

/v

Cravo-da-Índia Pimenta-da-Jamaica Pimenta-do-Reino

Gráfi co 1Teor de óleo das especiarias

de sódio e concentrada. Foi determinada a percentagem massa/massa (% m/m), usando balança analítica, e a percenta-gem massa/volume (% m/v), com auxílio de pipeta graduada. Para esse experi-mento foi usado cerca de 40g de cravo-da-índia, 50g de pimenta-da-jamaica e 50g de pimenta-do-reino. Todos os óleos apresentaram uma coloração ligeiramen-te amarelada, sendo cada um de aroma bem característico. Os seguintes teores de óleos (% m/v) foram determinados para as especiarias com base nos valores de material seco utilizado nas extrações. O cravo-da-índia apresentou o maior teor de óleo e, de acordo com Tainter e Grenis (1993), essa especiaria é conside-rada de boa qualidade quando produz cerca de 15% de óleo, o que evidencia a boa qualidade do material que é produzi-do na Bahia (Gráfi co 1).

Embora em quantidades menores, também é viável a extração do óleo es-sencial da pimenta-da-jamaica e pimen-ta-do-reino, principalmente, ao se con-siderar que normalmente as espécies aromáticas produzem pouca quantidade de óleo, com valores abaixo de 1%. Das pimentas estudadas, a pimenta-da-ja-maica mostra-se mais promissora, pois necessita de um menor tempo de extra-ção. A constituição química desses óleos pode ser determinada através da análise por cromatografi a gasosa acoplada a es-pectrometria de massas.

CONCLUSÃO

Das especiarias estudadas, o cravo-da-índia fornece o maior teor de óleo essencial, cerca de 15%. Esse valor, se-gundo dados da literatura, sugere que

essa especiaria é de boa qualidade. As pimentas estudadas também são pro-missoras como fontes de óleos essenciais, sendo que dessas a pimenta-da-jamaica forneceu maior teor de óleos. Esses resul-tados são promitentes e evidenciam que as especiarias apresentam um excelente potencial como fonte de óleos essenciais, podendo surgir como uma opção de agregação de valor às especiarias.

REFERÊNCIAS

CASALI, B. L. et al. Pimenta-da-jamaica: radar técnico.

Ilhéus: CEPLAC, 2006. Disponível em < http://www.

ceplac.gov.br/radar.htm >. Acesso em: out. 2006.

FERNANDES, I. F. O desempenho do comércio exterior

brasileiro de óleos essenciais. Brasília: Secretária de Co-

mercio Exterior, 2006. Disponível em < www.desen-

volvimento.gov.br >. Acesso em 20 out. 2006.

FERRÃO, J. E. M. Especiarias: cultura, tecnologia, comér-

cio. Lisboa: Instituto de Investigação Tropical, 1993.

413p.

FRAIFE FILHO, G. de A. et al. Pimenta-do-reino: ra-

dar técnico. Ilhéus: CEPLAC, 2006. Disponível em <

http://www.ceplac.gov.br/radar.htm >. Acesso em:

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SACRAMENTO, C. K., CASALI, B. L., PEREIRA, E. C. Gro-

wing spices in Brazil. International Pepper News Bulle-

tin, Jakarta, p.60-70, 2001.

TAINTER, D. P.; GRENIS, A. T. Especias y aromatizantes

alimentarios. Zaragoza: Acribia, 1993.

SIMÕES, C. M. O. et al. Farmacognosia: da planta ao

Medicamento. 5ed. Porto Alegre: UFRS, 2003. p.1102.

WIKIPÉDIA: a enciclopédia livre. Disponível em

<http://pt.wikipedia.org/wiki/Lamiaceae>. Acesso

em: 9 nov. 2006.