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Oliveira dos Santos Direito Administrativo.pdf

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  • Direito Administrativo E

    Sciencia tia Administrao

    TYP. DA EMPR. LlTTER. E TYPDGRAPHICA 9./ (Ollicinas movidas a eJectricidade) ~ RUA DA BOA VISTA, 321 PORTO. 1818

  • , ..

  • Direito Administrativo E

    . Sciencia da Administrao POR

    OLIVEIRA SANTOS (Da Academia de Altos Estudos, hoje Faculdade de Phllosophla e Letras)

    Prefacio do Conde de Affonso Celso, membro da Academia de Letras

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    EDITOR ,' .. JACINTHO RIBEIROPOS SANTOS

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  • PREfACIO

    DIREITO ADMINISTRATIVO

    Materia ardua e complexa - Excellente livro sobre o assumpto

    rudimClltar para os cultores da sciencia juridica que o Direito Politico, ou Direito Publico, no seu sentido mais lato, - JUs quod ad statum rei publicae spectat-, segundo a definio das lnstitutas, divide-se, de ordina-rio, em tres partes' principaes :

    Direito Constitucional; Direito Publico propria-mente dito, ou organico, e Direito Administrativo.

    Este ultiino o que regula a aco' dos grandes po-deres do Estado e abrange o conjundo de medidas ne-cessarias para chegar-se execuo do Direito politico, privado e pCllal.

    Ha uma relaao intima, - diz P. Namur, no seu Curso de EncycIopedia de Direito, - entre o Direito Constitucional, o Direito Publico, ou organico, e o Di-reito Administrativo.

    A Constituio estabelece os principios fundamentaes da o/'ganizaosocial,' o Direito Publico os organiza em

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    seus pormenores,' o Direito Administrativo procura rea-lizar o Direito na vida pratica

    Formula-se, principalmente, em decretos, regulamen-tos, posturas, avisos, instruces, despachos, emanados de diversas auctoridades competentes e determinando as medidas necessarias para assegurar o servio publico, o jogo regular das instituies do Estado.

    Innumeros so esses decretos, regulamentos, postu-ras, avisos, instruces, despachos, o que torna muito dilficil o estudo de Direito Administrativo, sobretudo nos paizes em que esse Direito no foi ainda codificado em seu conjuncto, codificao que alguns auctores julgam quasi impossivel, no actual e.stado da sciencia.

    Para comprehender aquella dijJicu lda de, basta con-siderar as subdivises que se costuma fazer no Direito Administrativo:

    Direito Administrativo propriamente dito e Direito Administrativo judiciario.

    Tem por objedo o primeiro a execuo das leis con-cernentes ao interesse geral ou collectivo; regulamenta o segundo as leis de interesse privado e tambem as leis penaes.

    Ora, conforme a citada Encyclopedia, o Direito Administrativo propriamente dito comprehende tres objectos principaes:

    1.0 - A organizao da administrao, isto , das auctoridades administrativas, encarregadas da execuo das leis de interesse geral, assim como as aftribuies das diversas ordens de funccionarios que disso se occupam; 2.0 -0 direito de policia; 3.0-0 direito de finana.

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    o direito de policia abrange o conjuncto das regras que teem por objecto a interveno do Estado com o fim de proteger os individuos e lhes favorecer o cumprimento do destino: o seu desenvolvimento physico, moral e inteUectua!.

    O direito de finana regula o que diz respeito s rendas publicas, s despezas publicas e. contabilidade do Estado.

    Quanto ao Direito Administrativo judiciario, com-prehende tambem tres objectos principaes:

    1.0 - A organizao judiciaria, isto , a composio e a hirarchia das crtes e tribunaes, bem como as attri-buies dos funccionarios respectivos;.

    2.0 - A jurisdico e a competencia das crtes e tri-bunaes; a determinao dos poderes de cada um delles;

    3. - O processo, isto , as regras que se devem observar para obter-se justia, quer em materia civil, quer em materia penal.

    Como se v desta rapida e incompleta synthese, o Direito Administrativo materia ardua, complexa, a exi-gir em quem a estuda, e, sobretudo, em quem a lecciona, especiaes faculdades de applicao, discernimento, expe-riencia, de par com amplo conhecimento de todos os ra-mos de actividade juridica.

    Essas qualidades revelou-as, de modo cabal e bri-lhante, o Dr. Manuel Porphirio de Oliveira Santos, que, nomeado professor cathedratico da cadeira de Direito Administrativo (3. 0 anil o do curso administrativo e finan-ceiro da Academia de Altos Estudos, hoje Faculdade de Philosophia e Letras), deu ali magnificas lie's, publica-das no Diario Official e hoje colligidas em volume.

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    Havendo exercido. com a maior competencia espiri-tual e moral, elevado cargo na magistratura da Unio; o/ficial de gabinete do Cons~lheiro Joo Alfredo, no mi-nisterio que realizou a abolio do captiveiro " provecto advogado; profundo conhecedor das questes de ensino; inspector fiscal do Governo junto Faculdade de Direi-to, ha mais de vinte annos; o Dr. liveira Santos possuia os melhores elementos, o mais solido preparo, para per-feitamente desempenkar, como desempenhou, a pesada tarefa, em boa hora a elle confiada.

    A notaveis -dotes intellectuaes, .reune S. Ex.a eximios predicados de cara.ct e corao: a sisudez, a circum-speco, o zeLo no cumprimento do dever, o escrupulo, a

    delica~eza de consciencia, o profulldo amor da familia e da Patria, tudo realado por inexcedivel modestia e rc.-rissimo desprendimento das vanglorias sociaes.

    Dahi o manifestar-se, em pouco tempo, emerito pro-fessor, desses que ellsinam com o dOidrinamento e o exem-plo, impondo-se estima e venerao dos collegas e discipulos.

    As preleces do Dr. Oliveira Santos recommen-dam-se por muitos e variados motivos: o methodo, a cla-reza, a sobriedade, a elegancia da exposio, a um tempo substanciaes e attralzentes, leves e ponderosas.

    Versando multiplos, controvertidos e relevantes pro-blemas, quaes, por exemplo, os atti!lentes s relaes entre o Estado e o individuo, ou entre a Unio e os Estados; s responsabilidades do Estdo; diviso dos poderes; aco do Estado !lO domlnio economico; illstruco publica; ao dominio dos bens publicos; historiei' da

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    administrao brasileira e dos paizes mais cultos, etc., o Dr. Oliveira Santos sempre se manteve em levantado ni-vel, esclarecendo duvidas, discutindo theses, expond6~factos, suggerindo solues, de evidente acerto.

    Em certos pontos, procedeu a investigaes originaes, fez obra inteiramente nova, porque pouco, ou mesmo nada se havia anteriormente escripto sobre a materia.

    Mas o maximo valor do trabalho est no tom de inexcedivel probidade e independena com que foi conce-bido e executado.

    Jamais dissimula.o auctor o seu pensamento; expen-de-o constantemente, com a franquezl!, dignidade e isen-o de um homem de bem, que tem a coragem das suas apreciaes, smellte sabe falar a verdade e cultivar a justia.

    Todo livro belio, bom e util didactico, afJirmou um . critico.

    Por mais de um titulo, merece esse nobre qualifica-tivo o do Dr. Oliveira Salltos.

    AFFONSO CELSO.

    Rio,' Junho -11- 919.

  • INSTITUTO HISTORICO Academia de Altos Estudos

    CADEIRA DE DIREITO ADMINISTRATIVO

    PRIMEIRi LICO .

    Conceito do direito em these. O direito precede lei, na qual assenta principalmente a organizao politica e administra-tiva do Estado. Sciencia da administrao.

    :Meus senhores: Na regencia da cadeira onde me collocou a generosidade

    da douta Congregao desta Academia, eu me proponho a es-tudar com os meus condiscipulos um dos mais vastos e inte-ressantes ramos da sciencia juridica - o direito administra-tivo como complexo de leis e como s~iencia da administrao.

    Ensinando-se tambem se aprende, tanto que alguem j disse que ensinar aprender duas vezes.

    N otae, em primeiro logar, que a Academia de Altos Es-tudos, tendo sido instalada em 25 de Maro de 1916, s no

    . 3. anno da sua existencia podia inaugurar o ensino do di-reito administrativo, ohjecto da 1.'" cadeira do 3. anno, na frma dos seus Estatutos.

    Por este motivo, smente agora aqui se inaugura este curso.

    Grande honra, de certo, para mim, a coincidencia do ini-cio. de minhas lies com eE>ta inaugurao.

    Desajuda-me, entretanto, o receio de no corresponder

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    vosea expectativa no desempenho do _ encargo, que tant me eleva.

    Enchem-me, porm, de coragem estas confortantes pala-vras de Picard:

    cc necessa1'io, de resto, liga?' mais importancia s idas juridicas do que aos nomes humanos. Mais 1'ale O pensamento do que a erudio.

    Eu no sei se me farei bem comprehender na interpre-tao do pensamento da Academia quanto ao objectivo do seu ensino e ao methodo nelle a seguir.

    Se bem comprehendo o destino, os nns, a natureza toda especial dos estudos que aqui se professam, penso que no devo restringir. me, em minha lio inaugural (e nas que se lhe seguirem) simples propedeutica do direito adminis trativo e da sciencia da administrao.

    Com razo pondera Marnoco C) : E' um ponto muito melindroso do ensino livre a rien-

    tao a dar aos curS08. Digladiam-se (lous methodos sobre cste assumpto) defendendo um a exposio de todo o pro-gramma da cadeira, embora ligei?'amente, e pronunciando-se o outro pela exposio de uma parte s do programma, mas com, todo o desenvolvimento, estudandose as matel'ias sob todos os seus aspectos. li ~

    c( O unico melhodo admis5ivel no ensino do direito e das scienciwI 80ciaes aquelle que,' no estudo dum problema, no deixa na sombra nenhuma das questes que este problema 8ltS-cita. O ensino muito elementar do dir~to no d resultado algum, corno mostram as tentativas feita8 para ministrar no-esjuridicas geraes aos alumnos dos institutos secundarios.

    A meu ver, esta Academia, alm de ser uma brilhante irradiao do ensino superior e livre no Brasil, uma escola de especializao de estudos.

    (1) A Faculd. de Dir., pags. 140 e 14.1.

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    'Seu objectivo, portanto, no pde nem deve ser- repe-. tir aqui o que em outros instituto.s superiores se tem ensinado.

    Outro deve ser, em todos os sentidos, o escopo do seu ensino, o qual, visando a diffuso d sciencia, da philosophia e das letras, permitta, ao mesmo tempo, as mais altas inves-tigaes, no dominio do pensamento, a que possa attingir a capacidade do professor.

    bem de ver que no se explicaria c menos se justifi. caria o seu titulo, se aqui se ensinassem, na mesma medida, as mesmas cousas que antes se tm: aprendido noutras Facul-dades officiaes ou equiparadas.

    Esta Academia no positivamente uma escola que se possa chamar universitaria; no um estabelecimento de conferencias didactical.', correspondente, por exemplo, aos se-minarios allemes e aos colloquios italianos; mas, tal como foi organizada, um mixto dessas instituies, que tanto ho contribuido para a diffuso, preparo e aproveitamento do en-sino nos paizes que hoje, com justa razo, se consideram mais cultos.

    , por consequencia, o quo se pde affirmar - uma ins-tituio des~nada a levar maior culminanciao ensino supe-rior no Brasil.

    O seu fim deve ser aprofundar o estudo das mais altas questes que possam ser comprehendidas no quadro do seu ensino.

    preciso, alm disso, no esquecer que a maioria dos que aqui vm estudar no se compe smente de simples as-pirantes ao curso secundario como preparo para estudos mais elevados.

    So, pelo contrario, homens instruidos e cultivadol'. Muitos delles j so diplomados, e se aqui vm para

    adquirirem, sobre determinado ramo de direito, de philosopbia ou de sciencia, conhecimentos no comprehendidos em estudos anteriores, e, portanto, complementares de sua educao sden-tHica. .

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    Preciso , pois, que, na direco deste curso, a par de seu. objecto, eu attenda principalmente conveniencia do me-thodo a seguir em minhas preleces.

    S assim (penso eu) se justificar a frma, talvez dema-siado complexa, do programma que organizei.

    A este respeito, devo accrescentar que o desenvolvimento que lhe dei obedece natureza, toda especial, da organizao dada aos Estatutos desta Academia.

    Contrariei assim, por fora das razes que acabo de ex-pender, idas que antes eu propugnra em favor da simplici-dade dos programmas na Faculdade que tenho a honra de inspeccionar.

    No ha, entretanto, contradico de minha parte entre o que ento defendi e o programma que formulei.

    Indubitavelmente, na regencia desta cadeira, eu ficaria quem da minha misso se limitasse o ensino quillo que or-dinariamente se aprende noutras escolas de direito.

    Tenho, portanto, que tratar das questes no que ellas offeream de mais interessante ao estudo dos factos sociaes, a cujo respeito doutrina :M:arnoco:

    ([ O direito um cOlljullcto de princpios que unica-ment.e adquire vida em face dos factos,

    Na exposio de minhas lies, eu as submetterei, por np.cessidade, a uma filiao logica de principios e idas, sem a qual a explanao dos pontos a discutir no poder ser facilmente comprehendida, clara e "adequada, como convm.

    Questo de metJ!odo, que, em materia de ensino, a pri-meira . condio da sua proficuidade c efficacia.

    Sendo esta a orientao a que terei de obedecer na re-'gencia desta cadeira, devo accrescentar:

    O professor, especialmente de direito, deve ser mais do que um simples commentador de textos e expositor (por conta dos autores consultados) das suas theorias e doutrinas.

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    Deve ter em tlJ.do opinio propria o direito de critica. Reservo-me, por isso, o direito de manifestar livremente

    a minha opinio em todas as questes de que me occupar. No comprehendo, senhores, o exercicio do magisterio

    sem esta liberd~de. a. La haute science ne 8' allie bien qu' la libel't D; diz

    Bluntschli (2). Feitas estas cODsideraes, que julguei opportunas ao

    inaugurar este curso, passarei a occupar-me do conceito do direito em tliese, da precedencia deste em 1'elao lei, da organizao politica e administrativa do Estado, e, por ultimo, da sciencia da administrao.

    I - Para bem se determinar o conceito do direito em these, preciso primeiro considerai-o subjectivamente; isto , como direito-faculdade.

    Ser o ponto de partida do nosso estudo, por meio do qual' procuraremos conhecer a genesis desse direito at o mo-mento de objectirar-se e subdividir-se em direito admini8-trati1'o como complexo de leis e como sciencia da adminis-trao.

    Ides ver que no uma indagao puramente especu-lativa o objecto do nosso estudo.

    Ha neHe, de certo, outros pontos de vista, outros aspe-ctos talvez mais curiosos e interessantes a examinar.

    Esse estudo, visando o conhecimento da origem do ~ireito, s pde ser feito no vasto campo de sua PhiloBophia, modernamente substituida por tres novas I!ciencias, que for-mam, por assim .dizer, uma trilogia dos conhecimentos huma-nos, abrangendo o cosmos; isto , todo o universo, conside-rado no seu conjuncto o1'ganizado e llarmonico.

    (S) Bluntschli - Droit Publ., pag, 310.

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    Mafl, nenhuma dessas scienciafil, que so o positivismo, o evolucionismo e o monismo, nem todas conjunctamente se avantajam Philosophia do direito no exame do caso de que nos occupamos (2 a).

    Sciencias extranhas especialidade do . mesmo, nunca nos poderiam dar o conhecimento exacto e perfeito do que seja o direito DO sentido subjectivo em que aqui o consideramos.

    Donde provm e como se define o direito-faculdade? Esta questo , para ns, de importancia capital, mr-

    ment'3 quando, na Republica, as reformas do ensino superior supprimiram a cadeira de philosopbia do direito nos cursos juridicos, para mais tarde (evidt:Dciado o erro), ser a mesma restaurada pelo decreto n. 11.b30, de 1915, art. 177. (App. n.O 1)

    Nada menos de quinze definies se encontram em um recente livro de Edmond Picard - (cO Direito Purol), que eu considero uma especie de encyclopedia desta soiencia. (3)

    Nenhuma deIlas, porm, d o conceito do direito na accepo que aqui tenho em vista e tal como eu o com-pl'ehendo na sua origem.

    Entre tantas definies discordantes, e, no gera], pouco intelligiveis, debtacarei a do D. Romano, a quem cabe a pri-mazia, j pelo seu grande valor historico, j pela poderosa influencia por elle exercida na moderna legislao dos povos mais cultos.

    Vem do Direito Romano a distinco entre o direito po-sitivo, que o direito tal como se manifesta nos costumes, nas leis e nas decises judiciarias (') e O direito natural,

    (2 a) Vide A.ppenso n.O l' n fim deste volume. (3) Ed. Pical'd, obro cit., pago 30. (4) Lui~ Bridd, Encyc. Jur., pago 35.

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    que as Institutas de Justiniano definem: Jus naturali est fjuod natura' omnia animalia docet.".

    S(', pois, o direito natural realmente o que a natureza ensina a todos os animaes, como affil'ma a definio, o que se conclue que no s o homem, mas todos os animaes, so susceptiveis desse direito.

    Se, antes dOe tudo, o direito subjecti'Co um poder mo-ral,. sp, no mundo, como bem pondera Bridel (illustre Pro-fessor da Universidade Imperial de Tokio), exceptuando,se a humanidade, no ha moral, fallar do direito dos ces, das formigas ou dllS abelhas ml~r:t insemmtez (5).

    A meu ver, pois, o direito, antes de ser a creao da lei, pela necessidade da coexistencia dos homens em sociedade, uma condio ingenita natureza humana.

    lht>ring, em um dos seus ditos memoraveis, proclamou esta grande verrlade: cada qual, ao nascer, traz o seu di-reito comsigoD (Picard, obro cit., pago 39); e Cicero, antes deUe, com extraordinaria agudeza de entendimento, j' havia dito:

    fIE' pela natureza do homem que devemos aprender a natureza. do direito.

    Isto explica o facto de comear o direito desde a conce po do nascituro, para se integrar com o nascimento deste com vida (6); nasce, portanto, o direito com a pesl'oa, sendo, por isso, originariamente, a razo das leis impostas pelo po-der publico e o fundamento de toda a justia.

    Delle deriva o sentimento do justo e do injusto, que todo o homem possue. .

    Na accepo em que aqui considero o Direito, ninguem o cr a pela. vontade, pela lei, pela interferencia do Estado, nem de ninguem (7).

    (~) Luiz Bridel, obro cit., pago 36. (6) Cod. Civ. Brasil., art. 4.0 (Vide ApP(,llso n. O 1.) (7) Pical'd, obr. cit., pago 96.

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    E' um poder, uma forl, que existe latente e brota ex-pontanea em todos os periodos da existencia do homem e e3-tdios da vida facial.

    Correspondendo a todo o direito uma obrigao, nasce dahi o respeito, que todos lhe devem, bem como (; dever que tem o Estado de proteger o mjeito desse direito, primeiro, antes de vir luz; depois (se nascido com vida), na sua me-noridade, e d'ahi at depois de sua morte.

    Em todo homem, poi~, existe o germen, a causll, o prin-cipio fundamental do direito; de modo que, considerado sob este ponto de vista, a existencia do direito n!ltllral um facto, antes do mais, attestado pela consciencia humana.

    E, seno, eu pergunto: Que fora mysteriosa estll, que impe no E re!'peito,

    como obrigaes quer para comnosco, quer pam com os nos-sos semelhante!', a ponto de ser o homem con~iderado uma causa sag1'ada para. o homem?

    Depois, de Kant este pensamento: O homem llIn fim em si: no pdc, po1"lanlo, ser

    tratad como um meio. Pertence-se a I

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    de facto no existiu em todos os tempo!", apesar disso, hoje todo o mundo a reconhece e a prodama ~

    Que denominao se deve dar ao direito de conservao; isto , o de no ser atacado na vida e no corpo; o de mo-ver-se de um logar para outro; o de ser livre e no escravo; o de pensar como entender; o de trabalhar; o de fruir os bens de sua propriedade; o de constituir famlia e tantos ou-tros?

    Essa denominao s pde ser a de direitos naturaes, alguns dcUes impl'escl'iptiveis e inviolaveis, como,_ por exem-plo, os primigenios de vida e de liberdade!

    IIl\lstremos ainda com outro exemplo esta affirmao. Se eu supponho, diz Paul Janet, que tenho nas mos um

    martello e deaDte de mim uma creana adormecida, indu-bitavcl que, com esse martello, posso quebrar a cabea dessa creana. No o farei todavia. E porque? Porque, embora disponha eu de superioridade de fora, alguma cousa existe perante mim que me detem; um obstaeulo invisi vel, ideal, mais forte que toda a. minha fora; um poder mais poderoso que todo o meu poder, que bastante pra desarmar o meu brao. Este poder, do qual aquella creana nem siquer tem consciencia, este poder o direito, que tem toda creatura vi-vente da minha especie de conservar a vida, emquanto no ataca a dos outros; Phil., voI. 2., pago 88.

    D'ahi, affirmar Ahrens que esses direitos so os primi-tivos, natUl'3.es ou absolutos, e que os mesmos se distinguem perfeitamente dos direitos derivados ou secundarios, tambem chamados condicionaes ou hypotheticos.

    Professando estes principios, no vos devo occultar, que alguns autores combatem a denominao de direitos do ho-mem, dada pela Revoluo Franceza aoS direitos naturaes, vendo nisso como que o desconhecimento do muito que o Christillnismo fez em prl dos direitos do homem e em bene-Bcio da humaI,lidade.

    Francamente, no vejo em" que possa merecer censura *

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    aquella denominao, ou o facto de ter a Revolu!o Frauceza feito derivar a sobredita especie de direitos de wn elitado de natweza.

    Longe de negar e desconhecer a grande, a poderosa in-fluencia do Christianismo, fazendo volver o homem ao Ser Absoluto, como doutrina Ahrem:, 'fendo nelle o membro ","pi-".itual de uma ordem superior e eterna e ele1 lUlI.do-o arima de todas as formas tariaveis da sociedade civil e politica, eu pemo que exactamente porque, at ento, era descul,he-cida essa dignidade do homem, fui que o Chrietianismo com bateu e reformon os barbaros costumes da antiguidade, abrin io uma nova era de tolerttncia e respeito, de justia e dc paz para todos os povos.

    A censura, portanto, cabe ao syr:;tema, qne, esquecendo o principio divino e eterno da personalidade humana, antepe ao mesmo o da primazia e da omnipoteneia do Etltado!

    Desse principio, a conseqllencia a sujeio absoluta, quasi eseravizador, do individuo a esse poder absorvcnt"I que, desde a origem, apenas o meio e no o fim da exis-tencia humana, principio superior ao da existencia do mesmo Estado.

    Examinae e vereis, que o principio da omnipoteneia do Estado, modernamente erigido em dogma poli'tico por Bodin, Loyseau, Lebret, Domat e outros, no s desvirtua, como tende a anniquilar o direito, que passa a ser substituitlo pelo imperio da fora nas sociedades actuaes.

    Esta questo uma das mais transcendentaes do Direito Publico, com o qual, como estaes vendo, tem intimas ligaes a Philosophia do Direito, e tambem o proprio Direito Adminis-trativo, que, embora autonomo, no deixa de ser um ramo, todo especial, daquelle Direito.

    Della terei de occupar-,mc opportunamente na explana-o do 3. ponto do nosso programma.

    Por emquanto, bastar dizer-vos que os poderes do Es,. tado, levados ao extremo pretendido pelo~ seus defensore8, '

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    uma das maiores aberraes, que tal doutrina pde pro-duzir.

    A prova est na pavorosa dbacle, que ha quasi quatro annos convulsiona o mundo, na qual se debatem as sociedades actunes, vendo seus direitos cerceados, sendo delles espolia-das, na paz como na guerra, pelo poder sem contraste do Es-tado, que tudo avassala, Elubvertendo principios, tanto de or-dem moral como de ordem social e politica, conflagrando os povos e ameaando a existencia dessas mesmas sociedades, que j no parecem Naes civilizadas, mas povos dementa-dos pela ida de dominao, que se obstinam no erro, masca-rando as suas intenes, que s attendem s suggestes de sua ampio e egoismo, e que assim se engalfinham numa lucta de extermnio, nesse espantoso regresso de todos ao es-tado da barbaria.

    E deante desta verdade, como teve razo Hobbes, quando affirmou que o homem o lobo do homem!

    Deixemos, pois, que os pseudo-defensores do desenvol-vimento social e do seu progresso neguem ao individuo a . posse de direitos inviolaveis.

    Seus argumentos no convencem. As suas objeces se resumem no seguinte: a diversidade das Zels e dos costumes entre os differentes povos e a difficuldade de determinar esses direitos, 1Jor estarem em constante opposio uns aos outro!!.

    A primeira dessas objeces responde com extraordina-ria vantagem Fustel de Coulanges, qUe diz:

    A famlia no 1ecbeu as suas leis da cidade. Se a ci-dade tivesse estabelecido o direito privado, pro~avel que o

    ~statuisse inteiramente di.1ferente daquelle que temos visto. .......................... . ", ...................... .

    fi Quando ella principiou a escrever as su.as leis, j achou o direito estabelecido, vivendo enraizado nos costumes, forte (:omo a adhe.'lo ltniversa. Acceitou-o, no podendo fazer de O1ltro modo, e nu ousou modifical-o sen(io muito tempo

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    dep01:s. O antigo direito no obra de um legislador; pelo contrario, irnpoz-se ao legislador. Nasceu expontaneamente e completamente formado dos anNgos p1'incipios, que o cons-tituiam. Derivou das cre?1as religiosas, que eram admitti-das univC'rsalmente na edade pn:miti1:a dos poros e que exer-dam imperio sobre as inielligendas e sobre as vontades; Cid. Ant. tom. 1.0, pag, 142. .

    Qnanto 2 .. '" objeco, simplesmente imaginaria a n~cessidade de determinao dos direitos, de que ee trata.

    Sabendo-se que so direitos anteri01'es a qualquer con-'Ceno social, 1,01' se baseM'em nas leis eternas da 1'ozo e da moral, elles logo se manifestam nas relaes de individuo para individuo, no trato da familia e da vida social.

    No teem, portanto, que ser prescriptos ou determinados pelo Estado.

    E se algum delles se encontrasse em opposio a outros direitos, no seria isto razo para que se negasse a sua exis-. .

    tenCla. Procederia. a objeco se, dada a supposta opposio de

    um direito a outro direito, no houvesse meio de conciliaI-os. Alm disso, o argumento, podendo ser tambem appli-

    . lado ao direito positivo, prova de mais. Chegarseia assim negao de todo o direito.

    Mas, si o direito. o que acabamos de ver, como se ex. plica o facto de no ser elIe o mesmo em toda parte e entr.e todos os povos?

    J no seculo XVII, Pascal- o celebre mathematico, physicoe philosopho fran3ez, fazia esta profunda observao:

    cc Quasi nada se encorl;tra de jltstO ou de injusto, que no mude de qualidade, mudando de clima. Tres gr08 de elevao do plo destroem toda jurisprudencia, Um meri-diano decide da verdade, ou poucos armas de posse.

  • 23-

    As lcis fundamcntacs mudam,' o direito tem as ms pocas,

    Singular justia, que um 1'io ou uma montanha limi-tam / Verdade aquem do,~ Pyrineu,'?, erro alm /

    Ainda agora, para muitos dos mais abalizados juristas, que vem as cousas sem ph:lnta~ias e devaneios,

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    Como quer que seja, Fustel de Cou1anges,' tratando do direito, refere um facto caracterizante, contado por C+aio : cc Era um homem, a quem o vizinho tinhf1, cortado videi-"as.; elle pronunciou a lei,' ma, a lei dizia an'Q?'es, . e e lIe pronunciou videiras; perdeu o pl'oce.'IIw. A Cid. Ant., tom. 1.0, pago 338,

    J aqui estaes vendo: 1.0) o erro do Juiz na interpre-tao da lei, em contravcno desta e em prejuizo do direito; 2.) A consequente injustia do julgamento; 3,) A letra da lei sobrepondo. se ao seu pensamento contra o principio Bcire leges non est verba ea1'ltm te'l'fere, sed vim ac potestatem; 4.), finalmente, o erro de interprctao, ou o sophisma, dando ganbo de causa a quem no tinha por si o direito.

    Por factos desta natureza, parece ter razo quem dise : (C Nas sociedades actuaes o direito apenas Um termo

    denominativo, Sem esposar nenhuma dessas opinies, devo comtudo

    dizer, que no conheo regra ou preceito mais arbitrario e fal-livel, mais incerto, variavel e inconstante do que o direito.

    Em comparao deste asserto, alm dos factos da vida quotidiana, abundam' os exemplos na historia. .

    bem conhecido o facto de dous homens disputarem.sc uma herana, allegando cada um delles uma lei em seu fa-vor; as duas lei.s so absolutamente contrarias e igualmente sagradas.

    Em Rhodesa lei prohibia fazer a bar La; cm Bysancio punia-se com uma multa quem possuisse uma navalha de barba.

    Em Sparta, pelo contrario, eXigia-se que se rapasse o bigode; Foust. de Coul., obro cit., pago 39f1.

    Na Grecia a crealo e a educao dos filhos no era encargo pesado, porque os paes os expunham com a maior facilidade e impudencia.

    Sparta tinha no Taygetes um abysmo em que se lana-vam as creanas, 'que nasciam aleijadas.

  • Thebas vendia os engeitados em beneficio do Estado; Ces. Canto Hist. Univ., vol. 4., pago 216.

    Explica o que acabo de expr a di\Tersidade do modo de entender e de praticar o direito pntre os differentes povos nas tres edades antiga, mdia e mOderI,l8.

    V Il.ria,com effeito, o direito positivo, como varia a lei de cada paiz; mas immutavel o direito natural, attributo do 'homem.

    E se, apezar disso, nem sempre ) espeitado esse dirtito, a razo porque o homem ainda no attingin a tal estado

    . de perfeio, qne, a seu resppito, se possa dizer: O homem, na convi vencia com seus semelhantes, tendo

    conseguido dominar os instinctos mos e abrandar seus cos-turnos, no mai!! o rude ambicioso, egoista e hypocrita, dos tempos da barbaria.

    Venceu todas as suas ms inclinaes o nperfeioamento por ellealcanado; graas ao polimento de sua natureza pelos beneficios da civilizao.

    De feroz e brutal, que elle era, tornotlse o re!'opeitnor consciente do direito de seu semelhante; o cnmpridor rigoro-so dos mandamentos da lei, o dominador, emBm, dos' inte-resses subalternos em todas as condies e rela ~s de sua vida em sociedade.

    At que esta aspirao se converta em realidade, no nos admiramos de ver postergados os direitos natUl'aes do homem.

    Foi sempre assim ~odos os tempos; mas a verdade que os mesmos continuam immutaveis como um attributo, romo um poder immanente do homem.

    O mesmo, porm, no se d em relao aos direitos de-rivados ou. positivos. Estes variam sempre; e, nesta accepo, eu os considero um producto cultural do espirito humano, concretizado em preceitos estabelecidos 'pela lei no interesse da collectividade social.

    Relativamente a esta ultima especie de direitos,. eu vos

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    darei, em um enthymema, a ida que se me afigura exacta na pratica dos mesmos.

    O direito no tem um f critero para todas as intelli gencias; lo~o vrio. Nunca entendido do mesmo modo; logo sempre variayel e controvertido. ,

    E' sempre incerto na, sua applicao; logo nem sempre garante ao seu sujeito.

    Devemos por isso dl'spsperar do direito? Seria um erro! 1\ O mundo, diz um grande philosopho, no bom, mas

    pde ser melhorado pelo esforo dos homens. E' perfectivel, e isto basta, para dar vida a sua ra-

    zo de ser: o esforo para o melhor. 11 Alonguei-me talvez de mais, na explanao desta pri-

    meira parte do nosso programma, pela necessidade de dar quelles dos meus condiscipulos, no formados em sciencias juridicas, pelo menos uma noo, fiel e exacta, quanto possi-V('J, do direito em these, assento principal do direito adminis-trativo, que temos de estudar.

    *

    II - Reza a 2.& parte do nosso ponto, que - o direito precede lei, na qual assenta principalmente a organixao poltica e administrativa do Estado.

    E, com effeto, assim se deve entender, como procurarei demonstrar.

    Na propria exposio que vos fiz, para estabelecer o CO[1. ceito do direito em these, tendes a prova de que o direito precede lei.

    A lei, como regra de aeo, vem depois, e assenta, prin-cipalmente, sobre esse direit9.

    A lei, portanto, que aqui consideramos a escripta, em contraposio no escripta, ou lei natural.

    A primeira, ,tambem conhecida por lei positiva, obra

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    do homem, variando, por isso, de accrdo com os usos, ha-bitas, costumes e tradies dos diversos povos.

    A segunda, porm, uma e a m e~ma em toda a parte; no dijJerente hoje do qUA ser amanh; immutavel, uni-versal, inflexivel e sempre a mesma, abrangendo o mundo, todas as naes e todos Os seculos.

    Feita, dest'arte, a necessaria distinco entre a lei natu-ral e a lei escripta, resta llccrescentar que Montesquieu aflir-mau que todos os seres teem suas leis.

    No devendo, por isso, viver o homem sino em socie-dade, preciso que o mE'smo se submetta. ao irnperio natural das leis a que est sujeito. .

    Est na consciencia de cada povo a origem das suas institllit's sociaell. Da crena deriva a religio, na qual, por sua vez, se inspiram todos os seus usos e costumes.

    Eis, em synthese, a genesis de todas as sociedades actuJ.es.

    Vale a pena demonstrar com a historia a verdade deste asserto.

    Falle por ns Fustel de Coulanges: ~

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    forte do que ns. Est em ns; no nos del:xa; a todo o momento nos faUa. Si nos manda obedecel', obedecemos; si nos indica deveres, submettemo-nos.

    Dahi, a principio, as regras da organizao domestica; ou, noutros termos, da organizao dos varios agrupamentos humanos, por ~nde sempre comearam as organizaes 50-' ciaes, taes como a familia, a gens, a tribu, etc.

    Mas notae bem que, sendo esta exactamente a origem de todos os povos, nem por isso deixa de caber lei a tarefa. de estabelecer regras e preceitos (sempre de accrdo com a crena de cada povo) para serem seguidos e observados pelo homem na vida em sociedade.

    NeUa, portanto, assenta principalmentE", como refere a segunda parte do nosso ponto, a organizai'1o politica e admi-nistrativa do Estado.

    Della resulta a formao do Estado, que se torna, desde logo, uma creao necessaria coexistencia dos homens em sociedade.

    Do Estado deriva o principio fundamental da autoridade, sem a qual no haveria ordem jurdica, sob cuja proteco precisam viver o homem; a fdmilia, a sociedade, a Nao e o proprio Estado.

    A ordem juridica, portanto, a base de toda a existen-cia social.

    Pur sua vez, o Estado uma entidade essencialmehte poltica, que, para attingir aos fins que lhe ~o destinados, p,recisa de uma organizao, que deve ter principalmente como fundamento a lei.

    Aqui temos, pois, a lei como acto posterior ao direito, nascendo delle, por fora da necessidade de sua observancia e manuteno.

    Essa organizao comp'ete ao governo do Estado, que, pela multiplicidade de suas funces, reconhece, desde logo, a necessidade de confiar a div61'SOS funccionarios ou agentes, distribudos em diversos pontos do territol'io do paiz, a exe-

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    cuo das leis votadas pelo poder competente, o governo e a dil'eco dos negocios publiros.

    Exercendo essa fnneo, o Esta80 age como orgo, que tem por funco exprimir e applical' a ida do direito, para o bem da collectividade.

    Exerce, por isso, uma funco especialmente regulada pelo Direito Constituci~nal e Publico, do qual, pela necessi-dade da separao de funces, se destaca como subdiviso ou ramo do seu tronco -- o Direito Administrativo.

    Assim que, o poder administrativo, assim instituido, en-trando logo em funco, ?'ecebe o cidado desde que comea a viver, d,lI/e um estado civil; p,'oporciona,lhe instrllco adequada sua existencia. socidl; no pe?'mWe que seja perseguido P01' motivo de 1'eligio, umavex que respeite a dos out1'OS cidados e no offenda moral publica .. assegu-ra-lhe o livre exe"cicio dos Sel/R di1'eitos polticos: impelhe o cumprimento de deveres pam com o Estado, e, depoii5 que {aUece, ainda lhe presta as ultimas honras,. V. Cab., Dir. Adm. Bras" pago 28.

    Evidencia o exposto que, em tudo, se differenciam as funces propriamente politicas do Estado das qUe compe-tem Administrao.

    Poderes distinctos e 'independentes so, comtudo, intima e substancialmente ligados entre si, a ponto de se considera-rem - orgos componentes de um se?' unico e vivo; Rib., Dir. Adm., pago 53.

    III - Passemos !i terceira e ultima parte do noss(l ponto - a Bciencia da administrao.

    Oomo dev~ ser a mesma entendida? Antes de tudo~ convm no confundir o .direito adminis-

    trativo com essa sciencia. O direito administrativo, objecto do curso desta cadeira,

    assenta, em todos sentidos, sobre o~ princpios basicos dos di-

  • - 30 ~

    reitos orginario~,attribtltos do homem e de toda a sociedade politicamente organizada. .

    E', portanto, um complexo de leis, destinadas a regular as relaes dos direitos e deve1'es reciprocas da administra-flo e dos administrados.

    Esse direito, assim definido, principalmente conside-rado em sua accepo objectiva.

    A sciencia da administrao , pois, como se vae ver, cousa diversa.

    Sciencia (ensinam os mestres) tudo o que se pde re-duzir a regras e preceitos; sempre o fructo do raciocinio e da observao.

    Noutros termos: asciencia um conJuncto de conheci-mentos coordenado.'!, 1'elativo8 a um objecto determinado. E' al:!sim que se consideram as sciencias no s physicas como moraes e polticas, . em cujo numero figura a sciencia da admi nistrao.

    E' exactartlente esta a sciencia que minitra aos diri-gentes do Estado os conhecimentos necessarios para b~m go-vernai-o.

    E' ,de accrdo com ella, que se estabelecem as frmas de que se devem revestir os actos dos executores da lei e dos investidos de qualquer parcella de autoridade na publica administrao.

    E' ainda de accrdo com

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    nomenos que regem esses factos, a' sua pa~te regulamentar e technica.

    Depois disso, desnecessario encarecer ,aqui a utilidade e a importanca desta sciencia.

    O regimen administl'ativo, pelo que acabo de expender (logo o estaca vendo), uma necessidade de toda sociedade politicamente constituda e organizada, qualquer que seja o systema de scu goV'crno.

    Escrcvendo a respeito deste regimen, diz Houriout: Todos os paizes da Europa continental esto comple-

    tamente nesse 1'egimen, ai/Ida que em gros desegltaes. A Frana parece ser o paiz onde a administrao tem mais fora, 7/laior repercusso Nobre a vida geral, e onde, ao

    11le.~mo tempo, a organixao do regimen a mais aper-feioada; Prcis du Droit Adm., pago 2.

    Francamente, no Vf'jo que tenha razo o eminente Pro-fessor da Univ~rsidade de 'l'oulouse, para presumir tanto da excellencia do regimen administrativo do seu paiz.

    O regimen administrativo francez, alm de resentir-se de grandes defeitos, pelos quacs tem soffrido justas e mere ddas censuras, . um regimen muito complicado, no podendo, por isso, ser adoptado como modelo a seguir.

    Por tal modo se multiplicaram os vi

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    por :Missadaglia, JIorpllrgo, Ferraris e outros, muito diffe-rente dos estudos administrativos dos professores e autores francezesl. que deixaram em obras informes bem assignado o . seu critpl;io e~treito e empyrico ; Clov., Dir. e Econ. Polit. pago 127 e segs:

    Guardemo-nos, pois, em o nosso estudo, de imbuir-nos das idas de Houriout e de outros publicistas francezes, que ainda agora doutrinam e sustentam principias, que no me parecem verdadeiros, como no correr de minhas preleces terei occasio de demonstrar.

    Occupando-se da enorme extenso, vasta e complexa, do direito adminisirativo em suas relaes com o Direito Cons-titucional e Publico, com a EconolJlia Politica, com o Di .. reito Privado, e ainda com eutras sciencias que lhe so au xiliart:>s, pondera Bride!:

    So tantas as materias, de que o direito administrativo se occupa, que o mesmo se me afigura um extranho caphar-nam!

    E ento illquire Bridel: no haver um meio de selec-cionar, deste cOlljuncto heteroclito, certas partes 8ufficiente-mente independentes, para constituirem ramos distinctos do Direito Publico?

    Penso que sim! Mas, ao meu vr, o grande inconveniente, que o illustre

    Professor procura remediar com o alvitre que prope, po-deria ser mais facilmente removido por outro meio.

    Seria o de abster- se o Estado de opprimir o povo com tantas reformas superfluas e infructuosas.

    Jean Cruet tem, a este respeito, uma phrase digna da meditao de todos os governos.

    EVe diz: V - se todos os dias a sociedade reformar a. lei; nunca se viu a lei reformar a sociedade.

    E Gustave Le Bon, tanbem se occupando das illuses legislativas na Frana, muito acertadamente pondera:

    O dogma sagrado do poder das leis talvez o umco

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    que subsiste de p e que os theoricos veneram. Si o ?'deal de um partido politico pcrmittisse definira, poder-8e-ia dixe}' que no existe em Frana sentia um partido.

    Todos possuem, com ejJeifo, um mesmo ideal: refo/'mar a sociedade a golpr::s de decl'cto,, e pedir ao Etado sua constante interveno na vida social dos cidados, La Psych. Polit" pag .. ,

    Sendo este tambem o mal do Brasil, cada anno que passa augmenta consideravelmente, em propores extraordinarias, o numero de leis, que hoje se contam aos milhares, formando montes de duras obriga~R para o povo, e constituindo o tormento dos que, pelos deveres da profisso, no podem dei-~~U~~~ .

    A consequencia, meus senhores, que todos sentem incommodo, a presso, o vexamE', o poder aspbyxiante de tantas rebrmas imponderadas, hoje feitas, para amanh se-rem logo desfeitas, ou substituidas por outras ainda peores, sem coII;1 isso melhorarem as condies de liberdade, deinde-pendencia e de bem-estar do povo, apesar das intenes pa-trioticaa, com que nos procuram felicitar os nossos legisla-dores!

    .

    DIREITO ADMINISTRATIVO . 3

  • SEGUNDA LIAO

    1. Fundamento dos poderes poli ticos do Estado. -lI. Como se dividem esses poderes. - I lI. Logar que compete, enlre os mesmos, ao poder administrativo. - IV. Deveres . primor-diaes do Estado extensivos Administrao Publica.

    Meus senhores: O ponto que constitue ohjecto da lio de hoje mate-

    ria nwis de direito pu\)lico e constitucional do que de direito administrativo, propriamente dito.

    A pesar disw, logo se comprehende, pelas intimas ligaes deste com aquelles outros raUlOS de direito, ou antes, pela connex?b que existe entre os mesmos, a consequente necessi-dade de aqui estudarmos o fund(tmento dos poderes politicos elo E .. dado, dos quaes o poder administrativo faz parte.

    E' uma questo sobre a qual, no nos sendo possiyel erear causa alguma, apenas nos dado explanal-a no terreno de theorias conhecidas, fazendo um trabalho de simples con-densBZio.

    Mas, antes de indicar com exactido os fundamentos po-liticm; do Estado, cumpre dizer o que pelo mesmo se deve entender,

    Que o Estado? Onde reside o fundamento do poder, que eIle exerce?

    So multi pias, como S'dbeis, as accepes da palavra Es-tado. EUa deriva do latim - status, e litteralmente significa situao das cousas.

    E' neste sentido que se diz - uma nao em estado de

  • ---.:.. 35 ......;,

    guer'ra; uma casa em mo estado; um homem em estado de demencia; o estado de ,mude, etc.

    l\fas, no neste sentido que aqui consideramos q Es-tado.

    Por uma verdadeira homonymia, alis muito commum na lngua portugueza, a palavra estado tem" muitas outras 81-gnificaes.

    No sentido do nosso ponto, eIla deve ser tomada na accepo poltica, e, como tal, significa - o poder gove1'-, 'na mental.

    lUas, alm disso, ainda em politica, a palavra Estado exprime tambem - todo um paiz representado pelo seu go-ve1no. e)

    No 1.0 caso, o Estado, assim constituido, considerado uma entidade moral, investida dos necessarios poderes, para o governo ele uma Nao.

    No 2., o vulgo, estabelecendo verdadeira synonymia en-tre os dous vocabulos de significaes differentes, confunde Paiz com Estado, a ponto de, por vezes, indistinctamente em-pregar uma expressso pela outra, como succede no segundo exemplo citado.

    Ainda em relao ao primeiro caso, v'se bem que o Es-tado, como simples entidClde moml e tambem politica, no poderia por si exercer o governo.

    A~sim, entretanto, se considera por uma fico de direito. Na realidade, s nas pessoas naturaes, escolhidas para

    exercerem a autoridade e dirigirem os publieos negocios, por fora dos poderes, que, para isso, a Nao lhes outorga, que se encarna o principio rep1'fscntativo do Estado, em cujo nome elIas agem.

    'remos, portanto, que o Er,tado, tal como eu aqui o con-sidero, o que se pde dizer - a Nao soberana, constitu-

    (I) Diel. de la Convers.,v. tat. *

  • - 36 --:-

    cionalmente governada por frma e poderes pela mesma esta-belecidos, em territorio por ella occupado.

    Estabelecida, por este modo, a noo do Estado, e conhe-cidos a origem e o fundamento dos seus poderes, resta saber como se limitam esses poderes.

    Modernamenta, nos paizes constitucionaes, t'ldos os poderes do Estado so limitados pelos direitos q'~e as Constituies asseguram a todos os cidados.

    No Brasil, por exemplo, a sua Constituio tem uma se-co especialmente consagrada declarao desses direitos; arts. 72 a 78. (Vide Appenso lI). .

    Alm desses limites, os poderes do Estado s. podem ser exercidos na circumscripo territorial do paiz.

    Fra dahi, s por excepo se admitte, de accrdo com os principios do Direito Internacional, a exterritorialidade das leis brasileiras noutro paiz.

    Tem sido sempre este o conceito do Estado? Pelo contrario. No tempo da dominao romana cabia ao imperante a

    personificao do Estado. Nelle se resumiam, por effeito da lex 1egia, os podere!>,

    que ento se denominavam - imperium e pote.'Jtas, signHi-cando, no primeiro caso, o poder do mando, o exercicio da autoridade, e no segundo - a fora de que devia dispr essa autoridade pora mandar e ser obedecida. (2)

    O imperador era o unico titular desse direito. Anteriormente Revoluo Franceza, Luiz XIV chegou

    a dizer: L' tat c' est m.oi! Conscio do poder, de que se achava investido, o seu go-

    verno, todo pessoal, a exemplo dos imperadores romanos, tor-nara-se, em pouco tempo, despotico e absoluto.

    E, dahi, o seu dito meIP,.oravel, que a historia registra

    '(2) Duguit, - Les Transf. du Dl'. Pub., pago 3.

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    S elIe dictava a lei; tanto que, pelo vigor do seu espi-rito, como pelo brilho de sua gloria, foi appellidado o Rei-Sol.

    Sobrepujou a tudo o 'poder sem contraste de sua vontade: deante deHa, de nada valeu a influencia dos homens de genio, que ento possui a a, Frana, e que tanto illustraram o reinado daquelle Rei nas letras, nas artes e nas sciencias.

    A sua ambio desmedida exgotou os recursos da Nao e augmentou a mis~ria do povo.

    Luiz XIV, tomando a si a direco suprema do governo, s teve, depois disso" uma preoccupao: banir do reino toda a seita reformadora, inimiga de todo o poder absoluto. (3)

    E assim, dominado por essa ida, no via que, governando sem peias, preparava a revoluo, com que o povo francez, cansado do jugo, em luta de vida e de morte pela reivindi-cao de seus direitos, devia mais tarde levar ao cadafalso Luiz XVI, e, com eEse tragico successo, apressar a queda da monarchia em Frana.

    Variou, depois disso, o conceito do Estado por efIeito das idas de Locke, Mably, Rousseau, Montesquieu e da Consti-tuio votada em 1787 pelo Congresso de Philadelphia, na America do Norte.

    Por essa Constituio a Nao passou a ser une per-80nne titula ire du droit sltbjectif de puissance publique, du pou?;oir de commandement ou 8oltverainet. (')

    Apenas decorrera um seculo, e j arguciosas theorias e doutrinas de innovadores reaccionarios subvertiam os princi. pios fundamentaes do Direito Publico, que ainda agora re-presentam a mais bella conquista da razo esclarecida pelos eminamentos da philoE:ophia christam sobre o obscurantismo dos povos barbaros da edade de ferro e medievaes.

    Dahi, a profunda divergencia dospublicistas, na actua-

    (3) Dict. cit., voI. 12, pago 451. (4) Dug., obro cit., pago 13.

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    li,jade, ~.cerca dos podet'es do Estado e do papel, que .lhe compete no governo do mesmo.

    l\[uitos deHes (felizmente ainda em minoria) so acerri-mos defensores do Estado senhorio, "do Edtado omnipotente, do Estado patrimonial.

    Esta concepo, baseada na mais abstrusa de todas as theorias, h~ie principalmente positivista.

    Duguit d-nos da mesma uma ida exacta e perfeita nos seguintes termos: ( As dltas idas que lhe se?'vem de apoio (diz Dll.rJlliT), (t soberania do Estado e o direito natural do individuo, desappareceram. Uma e outra so conceitos meta-physicos, que no podem servi?' de fundamento ao s,1j$tema iuridico de uma sociedade toda penetrada de positivismo,

    E assim conclue esse publicista, affirmando que a dele-gao nacional uma fico; ob. cit., pags. XIV e XVI.

    Deixemos Duguit, meus senhores, com o seu erro de apreciao a respeito das cousas metaphysicas, com as suas preferencias pelas idas positivistas, e no esqueamos que tudo isso se reduz a nada ante as pl'oprias contradices da escola a que elle filiado.

    No soil eu quem o diz; foi Littr quem sustentou que as duas partes da doutrina de Comte - uma politica e outra religiosa -esta!'am em contradicao.

    E assim , realmente. Comte rejeita as idas universaes at hoje Receitas como

    _principios fundamentaes dos nossos conhecimentos, por serem .cousas metaphysicas; considera fico o principio universal-. mente admittido da delegao nacional, sobre que assenta o direito publico moderno, e no v que muitos dos principios, em que se baseia a sua doutrina, sendo, por igual, a fonte d~ seus conhecimentos, ou de sua sciencia, tllmbem so metaphy-sicos.

    No rigorismo dos seus principios, Ri no chega a negar em absoluto a existencia de uma causa primaria, declara, com-tudo, que a mesma no constitue objecto de suas cogitaes.

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    E, sem embargo disso, em todo o longo desenvolvimento dado sua doutrina, Comte no s allude aos principios abs-tractos, que condemna, como repetidamente o;; invcca como fundamento da organizao positiva da sociedade, a ponto de avanar esta affirmao contradictl)ria: E' preciso crear um poder espiritual (nota e bem!) distincto do poder politico, que assegure a superioridade do direito sobre a fora (5).

    Como vdes, Comt", alm de contradictorio, pretenci080, desde que se arroga o poder de crear aquillo que nega e que nunca lhe fOl dado conseguir - o intitulado poder espiritual, com que sonhara, a ponto de divinizar o homem, fazendo delle objecto de um culto - o da Humanidade! Mug, que esse poder espiritual, seno o reconhecimento formal de uma ver-dade assente principalmente na metaphysica, que Com te com-batia como um erro da orthodoxia christ? Que necessidade tem o positivismo desse poder, se elle encara a vida unica-mente pelo lado pratico, pelo lado uta, pelo lado do interesse, sendo este o principio utilitario e basic:o de sua doutrina?

    Tenhamos, portanto, como certo, o que eu j tive occa-sio de vos affirmar :

    No Brasil, como nos paizes mais cultos, como na propria Frana, onde se deu ao positivismo a frma de um I'ystema, os poderes do Estado provm do povo, const.ituido em Nao.

    Conforme o nosso regimen instituido pelo movimento de 15 de Novembro de 1889 e consolidado pdo Pacto Federal de 24 de Fevereiro de 1891, a Nao Brasileira, que antes vi.via sob um regimen inteiramente diverso (il monarchico) adaptou, como irma de [!overno, sob regimen representativo, a Re-publica federtiva, proclamada na primeira das referidas datas (15 de Novembro de 1889); e assim se constituiu, pOI" unio perpetua e indis80luvel das antigas pl"ovincias, em Estados Unidos do Brasil; Consto Fed., art. 1.0 (Appenso n.o II).

    ri) Encycl. Port., vol. 8, pago 842.

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    Como estaes vendo, neste artigo da nossa Constituio te-mos ns o conceito scientifzco do Estado Federal j assim como a ex&cta discriminao de sua frma politica. (6).

    Segundo ella, o povo brasileiro, no uso de sua soberania~ organizou o seu regimen politico actnal, dividindo o antel'iOl' Estado unittJ.rio do Brasil em Estados particulares, dando s antigas p1'ovincias eS8e novo caracter. (1).

    Vem a proposito dizer-vos, que Duguit, filiado escola positivista, sustenta que o dogma da soberania nacional est em contradico com 08 transflJl"rnaues 80ciaes e politicas, por que teem passado 08 E8tados, nlm de que tem pel'dido sua effzcacia, e, p01'vezes, a 8ua aco nociva (8).

    No cabe aqui a refutao de to extranha theoria

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    dos negocios do Estado, s pde ser legitimamente exercido por via de delegao pelai:! poderet publicas c0115tituidos pela Nao; (9)

    4.) E' um poder inherente. ao povo, por meio do qual elle determina no F o modo por que qner ser governado, como o meio pel" qual se devem regular as frmas, condies e ga-rantias com' que deve ser exercido o poder publico; J. Barb. obro cit., pago 8. E to legitimo esse poder que, apesar das objeces que lh so oppostas, a verdade a 8eguinte, dou-trinada por um escriptor emineLte:

    A pri meira condio de 11 ma N aro uma ida pratica commum: um fim de activida,de commuln

    Todo o POt'O que se tem feito G instrumento de uma rpa lizao social (como o Brasil, por exemplo, em 15 de no-vembro de 18.SS); que tem contribudo para a manutenno da independencia nacional na ubra do progresso geral e que assim tem occlll'ado o SClt pusto na historia, tem o direito de c(mscrvar este posto, e do mesmo s podel'ia ser expulso pela violenda e pela iniquidade.D

    5.) Ma!', a delegao (de que ha pouco fallavamotl) no pde ser :-.bsoluta e incondicional. Smente dada para o exer-cicio de poderes soberanos, o povo com isso no demitte de 81, no abdica nos representantes a soberania. (9)

    E se no, eis a prova: Supponhamos que os delegados do povo, abusando ou

    exorbitando, no exercicio do mandato, dos poderes que lhes foram conferidos, t!'ahem a causa do povo em assumpto to grave, ~ ponto de comprometterem no E a integridade, como at apropria existencia do phiz.

    A hypothese no inverotimil e nem irrealizavel; digna, portanto, de ponderao.

    Haver, em tal caso, quem possa negar ao mandante o

    (9) J. Ba~b., obro cit., pago 8.

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    direito, o p01er (le ca"sar o mandato por elIe conferido aos seus mandatarios?

    O que logo se v, meus f'enhores~ e facilmente se com-prehende que, no caso, o povo teria niio fl o direito de reti-rar a delegao, como de punir leg'l.lmente o crime dos seus delegados.

    ?\o podendo ser outro o princi pio regulador da hypothese, responde triumphalmente o 'mesmo principio a esta affirmao de DUg"nit:

    Roj~ no mais se explica uma delegno nacional, que n') seno uma fico.

    Na realidade ella no existe; e, quando assim no fosse, mesmo que exprimisse uma vontade unanime, no seria seno a vontade de uma S'lmma deindivid'llos; isto , uma vontade indl:vidual, que no terig, o direito de impl'-se quelle que contra ella se insurgisse.))

    Admiro, senhores, o talento de Duguit, cuja autoridade, como publicista, reconheo e proclamo; mas no sei si se encon-trar no seu livl'o-Les T'ransfol'mations du Droit Publique (l0) argumento mais destituido de fundamento, ou, por outra, mais dissonante com as suas proprias razes do que este!

    No v Duguit, que, nomeando o povo seus delegados, sem demittir de si os poderes que lhes confere, e isto Sll; conditz'one, no lhes faz cesso ou doao de um siquer dos seus poderes!

    No vos passe despercebida a contrdico de Duguit, considerando unaninie a somma de vontades individuaes, da qual se destaca uma vontade divergente!

    Conforme dizia, o povo confia aos seus mandatarios, ape-nas para proveito commum, as funce,; e faculdades necessa-rias boa gedo da causa publica (l'epublica); mas no se despoja do poder supremo, por fora .do qual os commissionou para o governo ('1).

    (10i Dug., obro cit., pago XV e XVI. (") J. l3arb., oh, cit., pago 8.

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    Conseguintemente: a) a delegao no e nem pde ser perpetua; b) deve, por isso, ser revogada periodicamente, a prazos curtos ; c) distribuida por differentes orgoR, tendo cada um deIles funces definidas e limitadas; d) finalmente, sendo responsaveis no exercicio deIlas todos os agentes do poder publico e~).

    Sem a observancia dessas condies, accrescenta o illustre commentador da nossa Constituio, no haveria systema re-presentativo, que ento se tornaria uma burla, degenerando a representao em despotismo disfarado com as formulas da li-berdade - a peior das tyrannias !

    Tem-se, por consequencia, qu e, tal como aqui eu considero o Estado, de accrdo com a melhor doutrina, os poderes pro-,eem originariamente do povo ou da Nauo, que temporaria-mente os outorga, e se acham expressos e definidos, em syn-these, na Constituio da Republica.

    Pde, portanto, affirmar-se, que o fundamento dos poderes politicos do Estado est primeiro na lJropria m'Ao delenni-nante da sua organizao; depois, na escolha de seus dil'i-gentes pelo povo ou Nao.

    n. Vejamos agora como se dividem os poderes do Estado. Logicamente, logo se percebe, que, para se estabelecer a

    diviso dos poderes referidos, faz-se mister conhecer primeira-mente quaes sejam esses poderes. _

    No Brasil, e na frma da sua Constituio politica. o go-verno geral do paiz confiado Unio, que, como sabeis, formada dos Estados da Republica, constituindo um governo commllm 011 gernl, conhecido por esta denominao (12).

    Esse governo coexiste com o dos Estados, com o qual se no confunde, e assim que, conforme este systema, existem duas qualidades de govl'rno no mesmo tel'1"itOl'io, ou em cada Estado: governo nacional e governo estadual e3).

    (12) J. Bal'b., obr.cit , pago 8. (13) J. Barb., obro cit., pago 8.

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    Apezar, porm, dessa dualidade de governo, no povo, de -que se compe a Nao, que reside a soberania; de modo que smente a esta cabe o poder de constituir, emendar e re-

    ,formar seu systema de governo como lhe aprouver (14). Todo o Estado, pois, politicamente organizado, presuppe

    Governo, e este o poder a quem incumbe gerir e administrar superiormente os negocios da Nao em tudo o que interessa existencia da mesma, ou do proprio Estado.

    Esse poder, considerado no mais alto ponto do seu cara cter institucional, ou exercido por uma s pessoa, ou por um conjuncto de pessoas.

    No 1.0 caso, elle s pde existir nos paizes sujeitos ao re-gimen do absolutismo ou da dictadura, que , como sabeis,o Governo, em que o dictador ou o Rei, no exercicio do supremo poder do paiz, absorve todos os demais poderes, em que se di-vide o Governo do Estado nos regimens constitucionaes.

    Smente ao Rei ou ao dictador, como unico representante da autoridade constituida,' compete o poder supremo do mando, inherente dignidade ou cargo por elle exercido,

    No quer isso dizer,que no tenha auxiliares qualquer desses governos; matl o facto que todos os actos, por e11es praticado!:', o so em nome e por fora unicamente do poder do dictador ou do Rei.

    No 2. caso est precisamente o governo do Brasil, que constiuido por tres poderes, que Be~jamin Constant, membro do Instituto de Frana, e illustre autor do classico livro -Curso de Politica ConstitucionabJ, deno~ina-poderes cons-titucionaes, os 'quaes s.o: legi.Qlativo, executivo e juridicQ.

    Esses poderes so os mais altos representantes do governo da Nao, na frma das. disposies precitadas. de nossa Carta Constitucional.

    O 1.0 desses poderes, .na ordem estabelecida pela CODsti-

    ('4) J. Bal'b. obro eit. pago 8.

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    tuio, o legislativo, exercido pelo CongresEO Nacional, COm a sanco do Presidente da Republica (Constituio citada, art. 16). Appenso n.O n.

    Por sua vez, o Congresso Nacional se compe de dous ramos: a Camara dos Deputados e o Senado

    Depois, er:ttre os investidos das attribuies do Poder Executivo, figura em primeiro logar o Presidente da Republil:a como Chefe electivo da Nao (Constituio citada, art. 41). Appenso n.O n.

    Finalmente, o terceiro poder o J udiciario da U nirto, tendo por orgo um supremo Tribunal Federal, com sde na capital da Republica, e tantos juizeEl e Tribunaes fede~aeB, dis-tribuidos pelo paiz, quantos o Congresso crear (Constituio citada, art. 55).

    No cabe aqui a explanao theorica e nem doutrinaria de cada uma das di"posiCies, que [Icabo de citar da Constituio da R epublica em relao a esses poderes.

    No posso, por eguaI, pela estreiteza do tcmpo, e pelo circulo, asslts limitado do nosso ponto, aqui enumerar as attri-buies desses mesmos poderes.

    Tudo isto pertence mais particularmente ao domini.o do Direito Publico e Constitucional, e, assim passarei a tratar da 3.a parte do nosso ponto, que tem por fim saber qual o loga?' que compete, entre os tres poderes referidos, ao pode)' admi-nistrativo.

    III. Este podcr, conforme eu tive occasio de dizer em minha lio inaugural,' deriva instituc~onalmente do Direito Constitllcional e Publico, do qual, pela necessidade da separa-o de funcel'l, se destaca como subdiviso ou ramo do seu tronco, e , comtudo, autonomo.

    Faz parte, por consequencia, do poder politico em geral, a quem, no dizer de Ribas" incumbe realizar a misso do Es-tado.

    Particularmente, pois, em relao ao poder administrativo, pode-se dizer, que tem por fim regular a aco e a compe-

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    tencia da administrao central, das administraes locaes e dos Tribunaes administrativos em suas rela~s de direitos e interesses tanto dos administrados com o Estado como desto.s com aqnelles.

    No outra a noo, que nos d Cabantous, dos diversos ramos do Direito Publico, quando, estabelecendo a distinco entre este e o direito privado, diz que - o dil'eito pri'vado comprehmde essencialmente o direito civil, o processo civil, o direito commcrcial, e, accessoriamente, o direito criminal, como sanco e ga1'antirt do direito civil,. ao pas150 que o Direito Pu-blico, no seu mais lato sentido, abrange o Direito Internacional, o Direito Constitucional e o Dirto Administratiro.

    IV. Temos, depois disso, senhores, de tratar dos deveres pn:mordiaes do E:stado extensivos Administrai'io Publica.

    No , comO vdes, materia estranha ao o~jecto desta ca-deira. Si esses deveres constituem, de facto, materia de direito publico, nem por isso deixam de interessar igualmente administrao publica, pela inteira ligao desta cum o Estado.

    Partindo do principio (que eu convictamente defendo) de que o Estado no seno nm meio ao ser vio da collectiri-da de social, que o mesmo 7'epresenta (o que significa que no acceito sem restrices este mesmo p:incipio estabelecido como absoluto, pdos autores inglezcs e americanos, que o erigiram em systema; (Bluntschli, Thor. Gner. de l' ~~tat, pago 2) bem de ver que todo o Estado, como personalidade ele natu-reza moral e politica, como poder dirigente da Nao, logil'a-mente deve ter um fim, todo especial, ,o~jecto de sua misso.

    Esse fim varia conforme as tendencias das vrias escolas, em que se ho dividido os tratadistas de direito Publico.

    Mas, a discusso desse thema, que envolve, antes de tudo, uma these de superior importancia, j pelas controversias que suscita, j pelo seu grand,~ alcance social e politico, no cabe aqUI.

    Opportunamente, elle ter logar mais apropriado para ser discutido, e aBsim passo a mostrar-vos quaes so, no meu

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    entender, os deveres primerdiaes do E~;fado extellsil'os admillz'strao publica.

    A respeito desses deveres, cumpre, desde lugo, chamar a vossa atteno para a antiga maxima de Direito Publico-Salus populi sup1'ema lex est.

    No preciso aqui traduzir esta maxima, porque logo estaes vendo qual a sua significao.

    A verdade que, desne Roma, onde foi formulada, a mesma tem sido sempre invertida e sophismada ao talante de todos os governos.

    A interpretao que se lhe tem ado na pratica profunda e !;ubstaneialmente contraria no s letra, como ao s~u pm-samento.

    De"ido a isso, o que sempre se tem visto nas proprias condies communs e ordinarias da ,ida das Naes, os go-vernos confundirem as noes de Povo e de E~tado, para, por este modo, darem um caracter de legitimidade a todos os seus actos, contrarios no s ao principio estabelecido por essa ma-xima, como ao direito e s leis sobre que, sobretudo, assentam todas as sociedades politicamente organizadas.

    Salus populi, diz expressa e positi ,amente a maxima: A salvao, portanto, de que a lDesma cogita, do' povo, e no do Estado, cujo conceito, como sabeis, , em tudo, di-verso daquillo, que se entende por Nao e Povo.

    Por consequencia, entendida a maxima romana, tal COIDO eu a comprehendo, no tenho duvida em acceital-a como a expresso mais synthetica dos deveres primol'diaes do Es-tado.

    De acerdo com ella, eu dividirei esses deveres em tres

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    reitos, possa antepr a esse dever o direito de agir de modl) contrario ao fim para que foi creado.

    Queiram ou no os partidarioR da omnipotencia do Estado, a verdade que o principio fundamental de toda associao poltica a conservao dos direitos naturaes e imprescri. ptiveis do homem, primeiro como indtm:duo, depois como-cidado.

    Antes de mim, j o fim. do Estado; na opinio de dous notabilissimos escriptores allemes (Iant e Fichte) era, como-o ainda agora, a segurana do direito.

    Defendendo esta these, sinto-me bem, principalmente em companhia de Krause, que demonstra, luz de toda a evi dencia, que o homem o resumo da creao; o microcosmo-onde se reflecte, em ponto pequeno, todo o universo; , fi-nalmente, um ser synthetico e harmonco, essencialmente dis-tincto, na escala animal, de todos os outros animaes, de que se differencia. C5). .

    Vem, depois disso, em 2.0 logar, os deveres primordiaes de ord,~m moral e intellectual.

    De ordem moral considero eu, por exemplo, o dever que tem o Estado de prestar o concurso valioso e efficaz de sua assistencia e do seu auxilio ao povo, ou Nao, em todos os casos de calamidade nacional.

    E quanto aos de ordem intellectual, bastar referir, que seria um crime do Estado o esquecimento, o desinteresse de sua parte em tudo o que diz respeito no s ao desenvolvi. mento da sciencia, das letras e das artes, como principal-mente da instruco publica.

    Finalmente, eu considero dever primordial do Estado, ne ordem poltica, o que diz respeito defesa da Nao e dI) proprio Estado, manuteno da ordem social e a sua pro-pria conservao.

    (l5) Ahrens, Cours de Drait, vai 1.0 pago 109.

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    Desses deveres, que no deixam tambem de ser juridicos, decorrem outras muitas obrigaes para o Estado; devere!:', que, pelo adeantado da hora, nem si quer me dado aqui mencionar.

    Todos os deveres, que allt,s enumerei como primordiaes do Estado, so, por tal modo, to essenciaes ao EStado vida oa Nao q~e ou eIles so ob~ervados, ou expo~ta. a pl'ri-gos a existencia !ocial; ou o Estado os cumpre fiel e rigoro-sament!', ou trahe crimino~amente a sua mili~()!

    Notae, depois disso, que todos eIleli entendem com o o~jecto degta cadeil'.l - o direito administrativo e a sciencia da administrao.

    De todos ellcli se occupa igualmente a Constituio da Republica, e, portanto, o Dirto Constitucional, de modo que nella. encontrareis, entre outl'llS, a enumerao dos seguintes

    dever.:~ ; 1.) o ue velar na guarda da Constituio e das lei~, e

    providenciar sobre as necessidades de caracter federal; Consto cit., art. 35, 1.0; (Appenso 11. II)

    2.) o de assegurar a bra~ileiros e a estrangeiros resi-',dentes no paiz a inviolabilidade dos direitos concernentes liberdade, scgurana individaal e. propriedade

    . De onde logicamente eu concluo: A misso do Estado deve scr cumprida de modo que a

    Nao ntlo considere um jugo o seu poder, ~mente suppor-. tavel pelo temor, peliz intimidao, pela violencia ou pelo terror, porl~eJltltra por elle empregado.

    A aco, portanto, do Estado deve ser em tudo prote-ctora, amparadora, benefica e bemfazeja, salvo os casos de

    . precisar reprimir ddictos e abusos, manter o respeito lei e ao principio de autoridade.

    E', por outras palavras, o que doutrina Bluntschli quando affirma, que o fim directo e verdadeiro (lo El'tado o desen-volvimento da.~ tilf~ltlI(de.

  • TERCEIRA LIO

    o Estado e o individuo. ThE'orias antagonicas da primazia dos direitos do Estado sobre os do individuo e vice-versa. Cri-tica ao principio exclusivista de cada uma dessas theorias. Formula conciliatoria de ambas, a bem da communidade social. Direitos e deveres do Estado limitados pelos direi-tos c deveres dos administrados, e reciprocamente.

    l\Ieus senhores: J sabei!', pelo q'le tellllO dito nas dltas precedentes l~

    cs, qual , nu entender da cadeira, o verdadeiro conceito do Estado e do individuo, politicamente falIando.

    O ponto de hoje leva-nos indagao: 1.0) das 1'elaues do Estado e do ind;idllo; 2.) das thcorias antlJgonicas da 7!)"ima~;ia dos dinituo'; do ,E.~tad,) sobre 08 dI) illdiDl~],UO, tj vice-ve7'sa; c01n[J/'el,e1/dendo eSse fxalll8 a c/"itiea ao prineipio exclllsivi8ta de wda uma dessas t/teorias;

    3.) da rl'/l/lda conciliat07'ia de ambas, a bem da eom-munid(tde social;

    4.) finalmente, dos direitos e det'ere8 do Estado, li1/lita-do.., pelos di/"eltos e deceres dos a-dlJlim:stratlos, e '!'eciln-oca-meute.

    I. Parece claro que a exacta determinao das relaes ao Eiltado com o individno, e vice-ven;a, est principalmente dependente do principio fundamental, adoptado para o Estado no acto de sua organizao,~

    Esta questo no constitue o~jecto smente do Direito Constitucional e Publico, mas tambem do Direito Adminis-trativo, ramo desse poder, como passamos a demonstrar. .

  • - 51-

    E' de simples intuio que p. aco dirigente d:> poder administrativo e os limites da administrao esto subordi-nado~, por fora de sua propria natureza, ao principio sobl'e que assenta o Estado. .

    ;;;e esse principio liberal; isto , se o Estado admitte plena liberdade para todos, claro que liberal tambem ha de ser a aco da administrao publica. .

    Depende, por consequencia, daquelle principio a natureza das rrlaes do Estado com os administrados e vice-ve1'sa.

    Se, pela Constituio do Estado, a vontade, que deve prevalecer a sua, claro el't que, ncste caso, devendo ser posta em plano secundario a vontade da Nao, esta ~er a unica sacrificada.

    Como vdes, esta. uma das q ue~tes mais transcen-dentaes e complexas, que se teem agitado no vasto campo do Direito Con"titllcionnl e Publico, e tambem do Direito Admi-ni:otrativo, a que a mesma interessa.

    Logicamente, no se pde determinar a priori quaes se-jam as relaes do Estado e do individuo, cuja condio so-cial est dependente da natureza do poder politico do Estado, do qual principalmente dependem o uso e goso de todas as prel'ogativas, attributos do homem, tanto sob o ponto de vista juridico, como Bocial e poltico,

    n. Varias so, meus senhores, as theorias polticas, sobre que asenta a constituio ou a organizao do Estado.

    A meu ver, porm, todas ellas podem, sem inconveniente, reduzir-se a dous typos: o do Estado de poderes illimitados, que eu chamarei - omnipotente, e o do Estado, que tem a consciencia dos limites de seu poder e de 8ellS direitos. .'.

    V-se da historia, que vem da mais alta antiguidade a existencia do Estado omnipotente, ao qual precedeu a theoria do governo paternal e patriarchal.

    O principio predominante, sobre que o mesmo se baseia, o da fora.

    No outra, por exemplo, a 'origem primitiva do Estado *

  • -:~ -

    .segundo os direitos heUenico e romano, egypcio e assyrio e o' propl'io direito medieval.

    Todos cUes, no fundo, consubstanciavam principios, que Spencer resume do seguinte modo:

    Devem ser sl~bmettidos ao poder despotico, que gO~'erna, no s o corpo de combatentes, mas tambem a communirlade que o subvenciona e sustenta C).

    Assim se raciocinava sobre a func~o poltica do Estado, porqlle o rei era, antes de tudo, o chefe de guerra (2).

    Conforme o direito hellenico, todo o 'individuo dece 5er vassallo de uma communidade, o que os gregos exprimiam dixendo, que o individuo no pertence a si proprio, nem sua familia, mas cirJade (3).

    Sparta, o mais militar dos Estados da Grecia, fazia da preparao para a guerra a grande occupao da vida. Assim tambem Athenas ('). .

    Na Republica ideal de Plato, a educao devia adaptar os cidados s necessidades sociaes, sendo a primeira deUas a defe.sa social (5).

    Aristoteles, na sua Politica, recommenda que se tire aos paes a educa)1o dos filhos, e que se eiluquem differentemente as divcrilas classes de cidados, a fim de adaptar cada uma deUas :ts necessidades publiclts (6).

    Socrates imaginou uma organizao social, reputada por elIe como a mais perfeita, e approvada, como tal, por Plato, em que as classes laboriosas fie:! va.m sob a inteira sujeio das classes sup'eriores (1).

    (1) Spencer, A Just., pago 2:l2. (2) Spcncer, obra cit. p:ig. 239. (3) Grotius. A History of Gl'eece, lI, 468. (4) Spencer, obra cit., pago 25(;. (5) Spencer, obra cit., pago 256. (6) Spencer, obra cit., pago 257. (7) Spencer, obra cit., pago ~57.

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    Aristotf'les, ainda na sua Politica, considera a familia como devendo normalmente ser constituida por homens livres' e escravos, e ensina que num Estado bem regulado nenhum trabalhador deve ser cidado, e que todos os cultivadores do slo devem ser reduzidos escravido (d).

    Evidencia o exposto, que o Estado antigo, conforme ob-serva Bluntschli, no reconhecia os direitos pessoaes do homem, nem, por consequencia, os direitos individuaes de liberdade.

    Nelle, a metade da populao era escrava. A agricultura, a industria da creao,. os misteres do-

    mesticos, emfim, eran::i principalmente confiados aos escravos Op~rarios e escravos eram individuo!', aos quaes j pela con-dio, j pl'los misteres que exercia lI! , nenhum apreo se li-gava:

    O Estado absorvia, de todo, o homem, de cuja vida dis-punha.

    No exerci cio do poder absoluto, com que lhe prescrevia o uso dos direitos privados, reduzia-lhe em extremo o goso da liberdade.

    Na participa~o dos direitos politicOEl, s era.comiderado cidado quem, de facto, possuisse os requisitos. exigidos pelo Estado, para gosar dessa regalia.

    O principio dominante era: niliil cum potentiore juris re7inquitur inopi. O fraco, portanto, no tinha justia contra o' poderoso. . .

    Atqui, em synthesf', as theoriasdo direito do Estado, conforme o direito antigo .

    . Na edude mdia', por!D' passaram por grandes transfor m2es essal! theorias.

    E' o que yamos ver.

    (8) Spenccr, obra cit., pag.259 ..

  • Estabeleceu-se ento o regiPlen do Estado assente sobre os principios da theologia.

    Passou, devido a isso, a considerar-se o Estado como de-rivando directamente de Deus; de Deus procediam a sua or-

    . ganiza?io e podt'res. E8S8S poderes j ento no se encarnavam smentc na

    pessoa do Rei. O Principe era o unico representante de Deus sobre a terra; mas, quanto ao exercicio de seus poderes, in-cumbia a um governo sacerdotal (theocratico), tendo por chef~ o Rei, e por sub-chefes as tres classep, em que se dividia a Nao: clero, nobreza e povo.

    Nobreza e povo constituiam, de resto, a maioria da Na-o, governada por leis, que estabeleciam duras obrigaes, embora reciprocaR, entre os vassallos e os senhores de terras.

    Vejamos agora em que se differenciam os principios ex-postos dos principios doutrinados por Hobbes, Rousseau e ou-tros no longo intervaIlo de parte do seculo XVI ao meado do seculo XVIII.

    Para Hobbes, o grande philoso~ho ioglez e original au-tor do Leviathan, todo o homem tem por fim sua felicidade " i,

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    A simples exposio dest~ systema deixa logo ver o absurJo que do mesmo resulta.

    A theoria de Robbes puro sensualismo, que a razo logo rejeita. E', alm disso, o egotismo erigido em systema, o qual no seno o sentimento exagerado da propria per-; Bonalidade, t', portanto, contrario no s ao sentimento da justia, como aos principios da moral e da solidariedade hu-mana.

    E', depois disso, um raciocnio especioso, um sophisma de falsa induco o argumento de que - quem quer os fins, quer os meios.

    Estabelecido como regra este principio, nohaveria di. reito nem moral.

    Su pudesse o homem ser juiz de suas proprias aces, como pretende Robbes, a consequencia seria a negao da sociedade, tal como existe, e, pois, bastaria viverem os povos como 013 africanos de Leste, onde o individuo lesado ora se vinga por si proprio, ora se queixa ao chefti (10).

    Temos, depois dsta, a theoria de Rosseau. Partindo do mesmo principio, estabelecido por Robhes}

    Rousseau diz que o podt:r absoluto no deve ser confiado a um s homem, mas propria sociedade.

    E, nesta conformidade, accrescenta: Republica ou 1110-narchia, sempre o poder absoluto, buperior a toda a condi-o, superior propria Justia ou, antes, fonte da Justia, que deHa deriva.

    Proseguindo na exposio de suas idas absolutistas, Rousseau contradictoriamente accrescenta:

    cNenhum homem tem autoridade moral sobre .seu seme-lhante, de onde se segue que a sociedade resulta de uma conveno.

    O Estado, pois, uma frma de associao, que defende

    (10) Spencer, Obra cit., pago 24~.

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    e protege pela fora a peElsoa e os bens de cada associndo, e, pelo qual, cada um, se u,nindo a todos, no obedece sino a si 'mesmo, continuando to livre como dantt>s (ll).

    Como vdes, esta theoria no s fal .. a; tambem con-tradictoria: falsa por ter sirio, desde logo, desmentida pelos factos, que nunca mostraram :l existencia do contracto social de Rousseau; contl'dictoria, parqu~, negando que o homem possa ,ter autoridade mora" sobre seu semelhante, admitte, com tudo, que a totalidade. do!'! associ:tdos funde um governo, que possa exercer sobre todos nquelIe poder moral, que negado ao homem individualmente.

    E' dt! simples intuio, qne no s naquelle, como em todos os contractos, ninguem pde transferir a outrem pode-res que no tem: Nemo plU8 juris ad aliurn 11'un.';feire po-test, quam ipse ltabet (12).

    Depois, como binda pondera um ilIustre commentador dessa doutrina, ninguem tem o direito de digpor de sua pos-teridade.

    Falsa e contradictoria, como acabo de u:ostrar, a dou-trina de Rousseau, , com tudo, certo, que o mesmo pde e deve ser considerado um dos mais notaveis propagadores da egualdade humana, mais tarde transformada em democracia.

    Vejamos, depois disso, em que ainda se differencia o Estado moderno dos typos anteriores, que acabei de apontar como um s, isto , do estado antigo propriamente dito e do Estado medieval ou feudal, ambos assentando, principalmente, sobre a fora.

    Bluntschli, em um interessante estudo de confronto, d-nos, numa synthese brilhante, esta demonstrao.

    O Estado moderno (diz eIle) reconh~ce todos os direitos

    (U) Larousse", Dic., cit., v. tat. (U) U1p. 51, De reg, juro

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    do homem; aboliu a escravido, que. era uma injnstia. Como eonsequencia, o homem {leixou de ser propriedndeo homem. passou de cousa. a 8ujeito de direitos. O trabalho tornou se livre, e ao mesmo tempo elitimado. Politicamente, crmceden o Estado a todas classes a participano 110s publicos negocios, Adquiriu, portanto, a consciencia dos limites do. seu poder e dos seus dir'eitos.

    Renunciou, por igual, o poder de suprema autoridade sobre as artes e as sciencias.

    Deixou Egrf'ja a direc?o da rf'ligio p do cult(l, assim como garantiu ao individuo o direito de f'xame e de opinio.

    Como' vdes, profundo o antagonismo entre as theorias que acabam de ser expostas.

    No estado actual da questo, diftlcil uderminar pre-cis:1mente at onde de\Tc ir o poder do Estado na direco dos negodos da Nao.

    Sobe de ponto esta difficuldade no tempo present

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    No comprehendo, S;mhore~, que o direito deva ser s-mente con"iderado pelo lado pratico, pelo lado util, pelo lado do interesse, corno pretende a escola po~itiva.

    :No , no pde ser o. prazer o unico bem da vida, como sustenta Bentham (13), baseado na. doutrina de seus predeces-sores Aristippo, Epicuro, Hobbes e outros.

    No comprt:hendo, que o direito deva ter smente por guia as normas do evolucionitimo que , como se sabe, uma theoria, que esteve em vigor ha cerca de dous seculos, 'at que caducou C4.).

    No creio que stja a unica verdadeira a synthese auda-ciosa de Spencer, qm', partindo da sciencia posittVa, deu nova vida ao evolucionismo de Tllrgot, Condorcet, Kant, Laplace e outros, procurando tudo relacionar no mundo moral, como no mundo physico (15).

    No bastante, para convencer da .verdad~ das idas de Spencer, o symbolismo de sua doutrina, materialmente retra-tado por um animal adulto, que era representado em minia. tura no germen de que provinha (16)

    . Notae que o proprio Spencer, escrevendo a sua Sociolo_ gia, o fez em termos to funestos nas consequencias, que logo os socialistas, como bem pondera Medeiros e Albuquerque, ti-raram da mesma proveito e fora para consolldarem ainda mais o regimen socialista.

    Por tal lUodo favoreceu a causa dos socialistas o "egimen organico do E'ftado, imaginado por Spencer, que este se viu na necessidade de procurar reparar o seu erro, escrevendo outro livro - O Individuo contra o Estado - mostrando que

    (13) M. Guyot, f.a Mot. Angl., pago 6. (11) Encyclop. Pod., vol. pago 842. (1 5 ) EncycJop. Port., vol. pago ~q,8. (16) Encyclop. Port., vo1. pago 848.

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    o papeL deste devia reduzir-s8 ao, minimo, tanio elle era s~mpre nefasto (17).

    Mas, contra a espectativa de Spencer, a; these agradou Jirindpalmente aos nnarchistas, e eilo de novo decepC'ionado com a sua nova obra!

    Que aconteceu, meus senhores? Spencer, completamente desilludido~ teve de retratar-se

    dos principios que defendera, j:!. ento descrendo da infallibi-lidade dos mt smos.

    No ultimo livro, que escreveu-Facts and CcmmentsD -, repudiando as suas proprias idas, acabou por se convencer da inutilidade de sua doutrina.

    lII. Qual, pois, deve ser a frmula conciliatol'ia das tlleorias antagonlcas, de que vos dei noticia, a bem da com-munidade social ~

    Como difficil, senhores, em face da anarchia reinante, mesmo no terreno dos principios, precisar bem este ponto!

    Nos tempos que correm, a -situafi.o dos povos contempo-raneos muito mais difficil, do que a dos povos, que os an-tecederam.

    Nos tempos antigos, a fora predomi'4ante era o princi-pio, que servira de base e continuava a ~ser - o unico funda-mento do Estado. .

    H+~, no! O que, em 'verdadt', se observa a mais chocante con-

    tradico da pratica com os principios ou theorias do Estado. Theoricamente, doutrina-se uma -cousa; praticamente,

    logo se desmente e f:!e deturpa, com a maior facilidade, essa doutrina!

    (11) C. do Manh. -t7 - 6 - 902, arl. do Med. e Alh.

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    Alm de no haver um s principio a respeitar na pra-tica do regimen, asstimos cllda dia ao choque tl'emendo de interesses oppostos, de exploses de descontentamento e des-peito da parte dos vencidos, de embates furiosos de tantas opinies extremadas, que se digladiam!

    E', alis, a na~ural consequeneia da anarchia mental, que reina em todas as sociedades no momento presente.

    Aqui mesmo, ns vemos que. ha quem negue a verdade da theoria sobre que assellta o nosso regimen e sustente que o' Estado superio1' ao individuo, e que este no passa de um seu subordinado.

    No outra a concepo, que parece ter o proprio Go-verno do Brasil a respeito das funces do Estado.

    Para ellp. parece que ha um antagonismo inevita.,;el en-tre a administrao e a legalidade.

    Um jurisc(1nsulto, conforme affirma Jean Cruet, expri-miu-o brutalmente em uma formula celebre:

    1/ A administrao impossil'el, se tem de conformar-se com as leisll ('8).

    E' esta, senhores, a doutrina moderna, umas vezes aber-tamente seguida, outras vezes disfarada por todos os gover-nos dos tempos actuaes!

    No no"so paiz, por exemplo, o Governo contina a ser Tudo, apesar das liberdades outorgadas ao povo pela Consti-tuio da Republica. .

    Devido talvez a isso, o povo tem sido at agora le t1'Oll-peau de moutons, no s dirigido, como tosquiado vontade dos dirigentes!

    Age-s.:', certo, em seu nome, mas pro forma, A politica o grande eixo para onde convergem todos

    os negocios do Estado. Como vdes, a politica tem variado conforme a influen-

    tia do centro.

    (18) Jean Crud - A Vida do Dir., pago 109.

  • - 61

    Se disso se faz mister a prova, vs a tereis na propria :Mensagem Presidt'ncial hoje publicada.

    Com louvavel iseno de espirito e extraordinario des-prendimento de todas as ligaes politicas, diz o Sr. Presidente da Republica:

    (cA poca, a nossa situao para os que te em f c so capazes de aco inttlligente e patriotica.

    ccAnte estes dous poderosos factores, no haver dfficul-dades invencveis. J uma vez combati (e o fao hoje com mais conhecimento de causa) o personalismo de nossa politica, a sua exaggerada precccupa?to partidaria quc a tudo se so-brepe; o esquecimento ou menOl'lprezo dos altos problemas nacionaes, que, ou so consiflerados como nonada, ou so tra-tados; como se fossem questes de segunda ordem.

    Nesta hora angUl,tiosa por que passa o Mundo que se pde bem verificar quanto descuidamos dos interesses ca-ptaes e quanto tempo precioso perdemos' em questiunculas estreitas e irritantes de politica de campanario I)

    aFaamos ponto. Comecemos vida nova. De ns o exige a nossa propria honra. .

    Que os chefes das circumscripes estaduaes voltem as costas aos politiqueiros, prefiram e chamem a postos os ho-mens capazes, os homens de idas ss e de processos dignos. Qne todos aquelrt:s que teem representa'o na politica e na adlIlinistrao concorram para a reform a dos no StlOS per niciosos costumes politicos, causa de serios prejuizos materiaes e mo-racs para a nossa querida Patria e s cuidem de elevaI-a ao posto a que elIa tem seguramente direito pelos seus immen-sos recursos de toda a ordem. I)

    Quando sobreveio a republica, um dos maiores argu-mentos contra o regimen decahido era o do enfeudamento das antigas provncias Crte, que ento era o centro.

    Pouco tempo depois se verificava, que cousa peior trou-xera o novo regimen: o enfeudamento dos E!itados aos indi-viduos.

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    LlCvantaram-se, em consequencia dispo, numerosas e pro-fundissimas quei~cas contra as olygarchias estaduaes, que serviram, entretanto, de baluarte a um dos patlsados governos da Republica, que s conseguiu se manter no podl:r por fora unicamente da politica dos governadores.

    Emqu'lnto isso, os politicos entram em conciliabulos e con_ chavos, visando principalmente a realizao das aspiraes politicas dos Estados por elIes representados.

    E' desnecessario accrescentar, que, nessa lucta de inte-resses, na pratica dessa politica de campanario, os legitimos, os verdadeiros interesses da Nao foram sempre esquecidol', ou postos margem!

    Politicamente, innumeravel a sequencia de erros dos nossos dirigent~s, levando o paiz djfficil situao, grave e arriscadll, em que o mesmo se encontra!

    Administrativamente, o regimen da c~tucha, do favo-ritismo, do empenho e do papelon'o que impera!

    Apesar disso, tudo vae bem no conceito dos optimistas, que so unicamente os que merecem as predileces pessoaes, as graas do poder, e auferem os proventos da situllilo, que apoiam incondicionalmente, por consideraI-a impeccavel, e, portanto, acima de todo o elogio!

    Constitucionalmente, quasi que no ha pisposio do nosso Pacto Fundamental, que no tenha sido flagrantemente yjo-lada!

    Entre tantos exemplos, que eu poderia citar, apenas apontarei um.

    Apesar de assent:'l.l' o nossoregimen poltico na fedma-o dos E'ifarlo8 e na unidade do principio, sobre que se ba-seia o governo central,temos um Estado da Unio franca-mente positivista, eom uma Constituio diametralmente opposta . Constituio da Republica!

    Tudo isso tem dado" logar a que-governo, congresso, justia, administrao, etc., sejam, todos os dias, alvo de accu-saes e censuras, por vezes (diga-se a verdade!) merecidas

  • e justa!!, porque, de facto, ainda no se firmaram de todo no tegimen da legalidade!

    De maneira que, em sitnao, como E'8ta, no facil es-tabelecer uma formula eonciliatO?'ia dos direitos c interesses, tanto da Unio como dos Estados, a bem da communidade