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ano 1 – número 3 – novembro 2005 ano 1 – número 3 – novembro 2005 ano 1 – número 3 – novembro 2005 ano 1 – número 3 – novembro 2005 ano 1 – número 3 – novembro 2005 ARTE & CULTURA ARTE & CULTURA Como as manifestações artísticas e culturais promovem o desenvolvimento pessoal e social dos jovens brasileiros Como as manifestações artísticas e culturais promovem o desenvolvimento pessoal e social dos jovens brasileiros

Onda Jovem #3

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Como as manifestações artísticas e culturais promovem o desenvolvimento pessoal e social dos jovens brasileiros Como as manifestações artísticas e culturais promovem o desenvolvimento pessoal e social dos jovens brasileiros ano 1 – número 3 – novembro 2005ano1–número3–novembro2005ano1–número3–novembro2005ano1–número3–novembro2005ano1–número3–novembro2005

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O Instituto Votorantimapóia essa causa.

E quer ver muitos jovensfazendo sucesso na capa.

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ARTE & CULTURAARTE & CULTURAComo as manifestações artísticas e

culturais promovem o desenvolvimentopessoal e social dos jovens brasileiros

Como as manifestações artísticas eculturais promovem o desenvolvimento

pessoal e social dos jovens brasileiros

Page 2: Onda Jovem #3

50% das escolas públicas não têm professores de arte

Cerca de 1% do PIB brasileiro

MAIS DE 80% DAS CIDADES BRASILEIRAS NÃO TÊM

Cada R$ 1 milhão investido na área cultural

é gerado pela cultura

MUSEUS, TEATRO, SALA DE CINEMA

gera 160 postos de trabalho

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Platéia do Master Crews, no Centro Cultural Aiti-Ken (Brasil/Japão), em São PauloFOTO

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Educadores usam teatro, artes plásticas e música em

O grupo Afro Reggae, do Rio, tira jovens do

A CULTURA HIP HOP SE ORGANIZA CADA VEZ MAIS NAS

As políticas públicas estão priorizando as ações coletivas e

São Paulo, João Pessoa e Manaus pág. 14

tráfico e já é quase auto-sustentável pág. 22

PERIFERIAS DAS CIDADES BRASILEIRAS PÁG. 60

profissionalizantes pág. 64

A B.Girl Wal, da equipe GBCR, do Rio de Janeiro, na festa King of the Circle, em Sorocaba (SP)

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âncoras

“A arte na educação, como expressão pessoal e como produção cultural, éum instrumento para a identificação social e o desenvolvimento individual.”

Ana Mae Barbosa,

professora da Universidade de São Paulo, especialista em ensino da arte

“A criatividade é uma habilidade de sobrevivência, um recurso precioso,especialmente neste momento da história humana, marcado porinstabilidades.”

Eunice Soriano de Alencar,

professora da Universidade Católica de Brasília, autora do livro “Criatividades Múltiplas”

“A ligação com a cultura me transformou emuma pessoa melhor, mais aberta aos problemasdo mundo.”

William da Silva Mota, 20 anos,

músico do Projeto Charanga, em São Paulo

“Nossa cultura tem valores que merecem serpreservados.”

Délio Firmo Alves,

índio da etnia Desano, de São Gabriel da Cachoeira (AM)

“Hoje, os jovens têm mais autonomia para construir seu acervocultural.”

Paulo César Rodrigues Carrano,

do Observatório da Juventude da Universidade Federal Fluminense

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“É incrível, mas o cinema e o teatro mederam mais responsabilidade que o próprioserviço militar.”

Leandro Firmino da Hora,

ator, vice-presidente da ONG Nós do Cinema

“Tem muita gente que não considera a arte umaprofissão e não topa pagar o valor que ela merece.Pedem muitas apresentações gratuitas.”

Ana Lucia da Silva Campos,

16 anos, estuda artes circences no Circo Lahetô, em Goiânia (GO)

“O planejamento de um desenho cultural brasileiro deveria ter comopremissa a heterogeneidade e a diversidade culturais, que constituem amarca de nossa nacionalidade.”

Tião Rocha,

antropólogo e fundador do Centro Popular de Cultura e Desenvolvimento, em Minas Gerais

“A cultura abre os horizontes das pessoas, faz comque elas conheçam outros mundos, aprendam a seexpressar e a reivindicar seus direitos.”

Nadia Barbosa Accioly, 19 anos,

estuda poesia no Cria, em Salvador

“A peça clássica “Opus 26”, de Max Bruch, é puraadrenalina, igual à de pichar em cima do viaduto ouno alto do prédio.”

L. F. A. C. , 17 anos,

ex-pichador, toca violino no Projeto Guri, em São Paulo

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expediente

ano 1 – número 3novembro 2005/fevereiro 2006

Um projeto de comunicação apoiado peloInstituto Votoratim

Projeto editorial e realizaçãoFátima Falcão e Marcelo NonatoOlhar Cidadão – Estratégias para oDesenvolvimento Humanowww.olharcidadao.com.br

Direção editorialJosiane Lopes – MTb 2913/12/13

Secretaria editorialLélia Chacon

Projeto gráficoArtur Lescher e Ricardo van Steen(Tempo Design)

Colaboradorestexto: Ana Mae Barbosa, Aydano André Motta,Cecília Dourado, Daniela Rocha, Ferreira Gullar,Flávia Oliveira, Iara Biderman, Jane Soares,Leonardo Brant, Karina Yamamoto, Katia Canton,Leusa Araujo, Marco Roza, Ricardo Rizzo, RuthCardoso, Tião Rocha, Yuri Vasconcelos

foto: Anderson Oliveira, Andréa Agraiz, Andréa deValentim, Antônio Lima, Arnaldo Carv alho, AugustoPessoa, Beatriz Assumpção, Bruno Garcia, CelsoPacheco, Davilym Dourado, Francisco Andrade Neto,

Francisco Campos, Gustavo Lourenção, GyancarloBraga, Henk Nieman, Isaiaz Medeiros, KátiaLombardi, Márcia Zoet, Marcos Fernandes, MaykoPereira, Paulo Gonçalves da Silva, Penna Prearo,Ratão Diniz, Rodrigo Castro, Viviane Pereira

ilustração: Flávio Castellan, Grupo Dragão da Gra-vura, Gustavo Rates, Jotapê, Rodolfo Herrera

Capa: grafite de rua fotografadopor Henk Nieman

Apoio editorial: Vinicius Precioso(Instituto Votorantim)Revisão: Eugênio Vinci de Moraes

DiagramaçãoSilvina Gattone LiutkeviciusD’Lippi Editorial

FotolitoD’Lippi Editorial

ImpressãoGráfica Sag

Como entrar em contato com Onda Jovem:E-mail: [email protected]ço: Rua Dr. Neto de Araújo, 320 - conj. 403,São Paulo, CEP 04111 001.Tel. 55 11 5083-2250 e 55 11 5579-4464www.ondajovem.com.br um portal para quemquer saber de juventude

Agradecimentos: Andi – Agência de Notícias dosDireitos da Infância e da Adolescência

ONDA JOVEM SUGERE PLANOS DE AULAOs educadores que já usam o conteúdo de Onda Jovem para subsidiar seu trabalho comjovens agora contam também com os Planos de Aula disponibilizados na seção Sala do Pro-fessor, no site da revista (www.ondajovem.com.br). Os Planos de Aula são sugestões – for-muladas por pedagogos exclusivamente para o site – de como dinamizar com os jovens asanálises e discussões de reportagens e ensaios publicados pela revista. A primeira edição,que abordou o tema Projeto de Vida – e cuja íntegra permanece acessível no site – gerou

dois Planos: um que explora a relação entre Mídia e Projetode Vida, a partir de texto do psiquiatra Jairo Bouer, e outrosobre Trabalho e Projeto de Vida, baseado em ensaio de An-tonio Carlos Gomes da Costa, discutindo os princípios doempreendedorismo. Na segunda edição, que tem o Traba-lho como tema, estarão disponíveis quatro Planos de Aula,baseados em textos sobre vocação, valores do trabalho, asnovas formas de ocupação e a relação entre tempo e traba-lho. Ainda na Sala do Professor, podem-se conhecer as pro-postas de trabalho de educadores, na seção Mestres, e tam-bém fazer contato e trocar informações, na seção Colegas.

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8 - NavegantesA relação juvenil com a arte e a cultura, segundo os jovens14 - MestresTrês educadores fazem da arte a sua ferramenta pedagógica18 - Banco de PráticasO futuro e o passado inspiram quatro iniciativas culturais22 - Caminho das PedrasComo o Grupo Cultural Afro Reggae, do Rio, disputa jovenscom o tráfico26 - Horizonte GlobalO MuseoVivo coloca jovens chilenos em contato com suacultura ancestral

28 - SextanteFerreira Gullar responde: para que serve a arte?

30 -90 GrausArte&Cultura e Sociedade: como se forma a identidadecultural34 - 180 GrausArte&Cultura e Educação: os desafios da escola formal parao ensino da arte

38 - 270 GrausArte&Cultura e Mercado: as relações entre produçãocultural e desenvolvimento econômico

42 - 360 GrausArte&Cultura e Contexto: como entender a artecontemporânea

46 - Sem BússolaO poder de inclusão da arte passa pelas formas decomunicação que ela oferece

52 - O Sujeito da FraseO ator Leandro Firmino da Hora explica por que “a arte nostorna responsáveis”

56 - CiênciaCriatividade: a juventude é mesmo um período de muitacriação e flexibilidade

60 - Luneta 1Hip Hop: os elementos da forma de expressão queconquistou a juventude brasileira

64 - Luneta 2Artesanato: a força social e econômica da arte feita com as mãos

68 - .Gov.comA tendência das políticas culturais juvenis é investir emações comunitárias

72 - Chat de RevistaQuatro jovens discutem o efeito da arte e das manifestaçõesem suas vidas

Sonar 02

Pistas do todo e de algumas

partes da situação do jovem

Âncoras 04

Uma coleção de conceitos

sobre arte&cultura

Links 76

Notícias sobre juventude e

sobre o terceiro setor

Fato Positivo 78

A mentalidade do ensino da arte

no Brasil está evoluindo

Cartas 80

A palavra do leitor

Navegando 82

A poesia de Ricardo Rizzo

28é o número de

projetos com jovens que você

verá nesta edição

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navegantes

OPÇÃO:

ARTE Etexto_ Jane Soares

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Jovens descobrem no envolvimento com asmanifestações artísticas e culturais uma forma deampliar horizontes e transformar a realidade

Guilherme é bailarino em Londrina(PR). Délio e Márcio lutam para res-gatar e preservar a cultura dos índiosdo Amazonas e dos caboclos do MatoGrosso do Sul. Márcia participa de umgrupo folclórico em Canoas (RS).Nadia faz poemas em Salvador (BA)e Tatiana grafita os muros abando-nados de São Paulo (SP). Tiago é atorno Rio de Janeiro e Kelly, agente cul-tural em Belo Horizonte (MG). Williamfaz parte de uma banda que cultivaritmos brasileiros, em São Paulo. Re-presentantes de realidades diversas,esses jovens se envolveram com aarte e as manifestações culturais pordiferentes motivos, mas experimen-tam, todos, os efeitos transformado-res das opções que fizeram e enca-ram com otimismo as dificuldades deexercê-las. Passaram de consumido-res a produtores de bens culturais,num movimento muito característi-co da juventude, época de revelaçãode tendências e interesses pessoais,e também de descobertas do mun-do e dos valores dos grupos, a redefundamental pela qual ecoam seusgostos, gestos, atitudes.

A pesquisa Perfil da Juventude Bra-sileira, realizada no fim de 2003 peloProjeto Juventude, com 3.500 entre-vistados em 198 municípios, detectaesse envolvimento dos jovens com acultura. Entre os assuntos que mais

interessam a esse público, a cultura e o lazer vêm emterceiro lugar, com 27% das indicações, atrás apenas daeducação e o emprego. Dos assuntos que gostam dediscutir, 46% dos entrevistados indicaram as drogas; 45%,a sexualidade; 43%, os esportes; e 34%, as artes. O le-vantamento mostra ainda que 15% participam de gru-pos de jovens. Entre as atividades desenvolvidas neles,as mais importantes são as religiosas e as musicais.

A relação entre grupos e cultura é direta. O professorPaulo César Rodrigues Carrano, do Observatório da Ju-ventude da Universidade Federal Fluminense, explicaque os grupos permitem aos jovens realizar um exercí-cio de mão dupla entre a cultura que herdaram e a queconstroem. “Hoje, os jovens têm mais autonomia paraconstruir seu acervo cultural”, diz. Para ele, é impor-tante que as diferentes manifestações culturais sejamvalorizadas. “É preciso evitar o dualismo entre bom emau para que se possa entender essas manifestações.”

Transformação cidadã“A cultura abre os horizontes das pessoas, faz com

que elas conheçam outros mundos, aprendam a se ex-pressar e a reivindicar seus direitos”, diz Nadia BarbosaAccioly, 19 anos, estudante do ensino médio, que fazparte do grupo de poesia do Cria, Centro de ReferênciaIntegral do Adolescente, de Salvador. Seu objetivo já estádefinido: ser atriz e professora de teatro. Antes de che-gar ao Cria, ela participou de um grupo de teatro de ruano Liceu de Artes e Ofícios. Com uma irmã e outrosjovens do bairro de Nova Brasília, onde mora, Nadia estáestruturando também um trabalho social na escola es-tadual, com foco na saúde. É uma forma de repassaros conhecimentos obtidos.

“A necessidade de passar a experiência adquiridaadiante é um traço muito forte entre os jovens ligados

TATIANA GARRIDO,24 ANOSé artista visual e grafiteira

CULTURA

a movimentos culturais”, observa apsicanalista e atriz Maria EugêniaMilet, coordenadora do Projeto Cria.Segundo ela, os integrantes das ca-madas mais pobres, até por terempouco acesso aos bens culturais tra-dicionais, criam sua própria cultura:“Quando têm oportunidade de pas-sar por um processo de aprendiza-do, eles deixam de ser pessoas leva-das pela maré e tornam-se cidadãos,agentes de transformação de suascomunidades”. Paulo Carrano concor-da. “A cultura da escassez geracriatividade até para superar a pró-pria escassez, como acontece com orap e o hip hop, que podem ser en-tendidos como uma forma de parti-cipação política.”

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rais. “Assim, eles começam a enxergar a vida de umaperspectiva mais ampla, pois têm contato com outrasrealidades, conseguem construir uma nova identida-de, aumentar sua auto-estima e adquirir instrumentospara mudar sua realidade”, diz.

O efeito é multiplicador. Tanto Kelly quanto Nadia ci-tam seus próprios exemplos. Elas se transformaram emreferências positivas importantes em suas comunida-des. “Outros jovens me procuram para saber como po-dem participar de movimentos”, conta Nadia.

navegantes

KELLY CHRISTIANLOUIZE DA SILVA,

23 ANOSé agente cultural em Belo

Horizonte e se envolveu com osetor por causa do hip hop

DÉLIO FIRMO ALVES,21 ANOS

índio da etnia amazônicaDesano, luta pela preservação

da memória indígena

Foi assim com Kelly Christian Loui-ze da Silva, 23 anos, residente nobairro de Teresópolis, em Betim, re-gião metropolitana de Belo Horizon-te. Ela trabalha com movimentos cul-turais há cinco anos, desde que co-meçou a freqüentar o hip hop e foiconvidada a integrar um projeto deformação de agentes culturais. Kellydestaca a importância de os jovensparticiparem de movimentos cultu-

PROJETO CRIAÁREA DE ATUAÇÃO CAPITAL E TRÊS CIDADES DA REGIÃO METROPOLITANA DE SALVADOR, 15 CIDADES NO INTERIORDO ESTADO, ALÉM DE CONVÊNIO COM PROJETOS DE PIPA (CE), NÁPOLES (ITÁLIA) E MOÇAMBIQUEPROPOSTA Programa de educação para a cidadania centrado no teatro e na poesiaJOVENS ATENDIDOS 96APOIO UNICEF, CESE, FUNDAÇÃO MACARTHUR, AVINA, COFIC, INSTITUTO CREDICARD, FUNDAÇÃO FORD, WORLDCHILDHOOD FOUNDATIONCONTATO Rua Gregório de Matos, 21 – 40025-060 – Pelourinho – Salvador (BA) – tel.: 71/3322-1334 –www.criando.org.br – e-mail: [email protected]

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PROJETO CHARANGA, DA ASSOCIAÇÃO COMUNITÁRIA DESPERTARÁREA DE ATUAÇÃO ZONA SUL DE SÃO PAULOPROPOSTA Oferecer cursos profissionalizantes, de capacitação e geração de rendaJOVENS ATENDIDOS 146CONTATO Rua Antonio Machado Sobrinho, s/n. – 04416-170 – Cidade Adhemar – São Paulo (SP) –tel.: 11/5621-0901 – e-mail: [email protected]

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Vocação e sustentoA transformação pessoal diante da

descoberta de um talento artístico éfato. E gera desafios. GuilhermeFloriano Silva, 15 anos, nunca tinhavisto um espetáculo de balé clássicoantes de conhecer a Fundação Cul-tura Artística de Londrina. Morandocom a madrinha em Alexandre Urba-no, bairro de classe média baixa dacidade, o garoto fazia parte da Guar-da Mirim. Sua expectativa era se pre-parar para conseguir um emprego eajudar a família. Como gostava dedançar, um de seus professores o en-caminhou para a Fundação. Foi a des-coberta de um mundo inteiramentenovo. Com apenas quatro meses deaula, fez sua estréia no palco. “Ape-sar do medo de errar, foi uma emo-ção muito forte”, conta. Deixou aGuarda Mirim, certo de que seu des-tino profissional está ligado à dança.Cursando a 8ª série, treina sete ho-ras por dia, na esperança de conquis-tar uma vaga no Balé de Londrina e,

NADIA ACCIOLY,19 ANOS

é aluna do ensino médio, estudapoesia em Salvador e quer ser

atriz e professora de teatro

MÁRCIA ALMEIDA,23 ANOS

é administradora de empresas eintegra um grupo de preservação

das tradições gaúchas,em Canoas

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FUNDAÇÃO CULTURA ARTÍSTICA DE LONDRINAÁREA DE ATUAÇÃO LONDRINA (PR)PROPOSTA Criação de um curso regular e profissionalizante de dança, com duração de oito anos. Nos últimoscinco anos, em parceria com a Secretaria de Cultura, criou a Rede de Cidadania, que faz iniciação à dança emcinco bairros da cidade para identificar talentosJOVENS ATENDIDOS 600APOIO PREFEITURA MUNICIPAL DE LONDRINACONTATO Rua Souza Naves, 2.380 – 86015-430 – Londrina (PR) – tel.: 43/3342-2362 – e-mail:[email protected]

PROGRAMA NÓS DO MORROÁREA DE ATUAÇÃO MORRO DO VIDIGAL, NO RIO DE JANEIROPROPOSTA Formar atores para o teatro e o cinemaJOVENS ATENDIDOS 300APOIO PETROBRASCONTATO Rua Dr. Olinto de Magalhães, 54 – 22450-250 – Vidigal – Rio de Janeiro (RJ) – tel.: 21/3874-9411 –www.nosdomorro.com.br – e-mail [email protected]

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Estudos apontam a grandeimportância que os jovens conferemaos temas culturais. Na relação com ogrupo, eles fazem um exercício demão dupla entre a cultura queherdam e a que constroem

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quem sabe, no futuro, ganhar umabolsa para estudar fora do país. “Que-ro me profissionalizar, passar o queaprendi para outras pessoas e ganhardinheiro para ajudar minha famíliafazendo o que gosto”, sonha.

Meta semelhante tem o paulistanoWilliam da Silva Mota, 20 anos. Ele querganhar a vida como músico, tocandoinstrumentos de percussão e ensinan-do. Com o 2º grau concluído, ele en-frenta, porém, a resistência da famí-lia, que o pressiona para conseguir umemprego formal. Mas não se dá porvencido. Participa de um coral e de umgrupo de dança do Projeto Charanga,na Associação Comunitária Despertar,em Americanópolis, bairro periféricona zona sul de São Paulo. Nos fins desemana, trabalha como assistente dediscotecário e de palco. William afir-ma ter se encontrado no Charanga,idealizado pelo músico Maurício Alves,da banda Mestre Ambrósio, e que tra-

locando sua arte nos muros da cida-de. “É uma forma de causar impacto,de mudar a visão das pessoas em re-lação ao ambiente em que vivem, dealegrar a cidade”, diz Tatiana, quecriou, com o marido e um amigo, aGrafiteria, uma galeria para expor asobras dos artistas urbanos.

Memória e tradiçãoMas o resgate das culturas tradicio-

nais de determinadas regiões tambémé fator que tem motivado muitos jo-vens. Foi o que aconteceu com MárciaAlmeida, uma administradora de em-presas de 23 anos, residente em Por-to Alegre (RS), e Márcio Roberto da Sil-va Oliveira, 23 anos, professor de Físi-ca que mora em Campo Grande (MS).

Quando se mudou de Santa Catarinapara Porto Alegre para trabalhar emuma empresa argentina de equipa-mentos hidráulicos, Márcia ingressouno Grupo Folclórico Tropeiros da Tra-

navegantes

balha com vários ritmos brasileiros. “A ligação com a cul-tura me transformou em uma pessoa melhor, mais aber-ta aos problemas do mundo”, conta.

Renovação democráticaA socióloga Maria Virgínia de Freitas, integrante do

Conselho Nacional da Juventude, destaca a importân-cia dos movimentos populares culturais para definir aidentidade de seus participantes e o seu lugar no mun-do. Ela defende a criação de espaços mais democráti-cos para que os jovens possam se afirmar não só comoconsumidores de cultura, mas como criadores de bensculturais, que possibilitem o autoconhecimento e a va-lorização pessoal. Maria Virgínia destaca a grande re-novação que está ocorrendo nas periferias, com a mul-tiplicação de estações de rádios livres, dos grafiteiros eda criação de fanzines.

Tatiana Garrido, 24 anos, faz parte desse grupo. Elasempre gostou de desenhar. Tanto que fez um cursotécnico de desenho para comunicação. Ainda na esco-la, juntou-se a um grupo de grafiteiros do bairro doTatuapé, bairro de classe média na zona leste de SãoPaulo. Não parou mais. Agora, mesmo pilotando suaprópria empresa de comunicação visual, continua co-

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Faltam espaços mais democráticospara que a juventude possa se afirmarnão só como consumidora, mas comocriadora de bens culturais, quepossibilitem o autoconhecimento e avalorização pessoal

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“Minha paixão pelo teatro começou quando fui assistir auma peça na qual meu irmão trabalhava, no grupo Nósdo Morro, do Vidigal, no Rio de Janeiro. Era um garoti-nho. Fiquei deslumbrado com as luzes, o texto, a movi-mentação dos atores e resolvi fazer parte do projeto. Naprimeira vez que subi em um palco, chorei de emoção comos aplausos do público. Eles são o melhor prêmio que umator pode desejar. Depois de nove anos de dedicação, osresultados começam a aparecer. Faço parte do elenco doNós do Morro e já atuei em peças como “Eles contra Eles”,“Sonhos de uma Noite de Verão”. Também participei danovela “Da Cor do Pecado”, da TV Globo, na qual fiz opapel de um menino de rua que era engraxate. Agora,estou escalado para atuar na novela “Belíssima”,inclusive gravando cenas na Grécia. A cada trabalho, aemoção se renova, reafirmando minha certeza de que,sem arte, a vida não é nada. Quero fazer faculdade deCinema e ensinar a outros jovens, para que eles possamter as oportunidades que eu tive e para que possam fazerum trabalho que não é apenas uma forma de ganhardinheiro, mas que é pura paixão.”

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TIAGO MARTINS, 16 ANOSé ator no Rio de Janeiro, do Grupo Nós do Morro

dição, de Canoas. “Conhecer a cultura de nosso povo nosfaz entender o significado de nossos valores”, diz ela.Márcio, por seu lado, se considera um grande consumi-dor de cultura alternativa. Trabalhando em sua tese demestrado na área de eletroquímica, ele é também dan-çarino do grupo Sarandi Pantaneiro, que tem por objeti-vo resgatar e preservar a música e a dança do Mato Gros-so do Sul. Márcio participa ainda do movimento NegrasRaízes, que recentemente editou um livro reunindo poe-mas de poetas negros. “Resgatar a cultura é vital paranão perdermos nossa identidade como povo”, diz.

Esse também é o entendimento de jovens índios de SãoGabriel da Cachoeira, na Amazônia, onde 90% dos 35 milhabitantes são descendentes de várias etnias indígenas.Délio Firmo Alves, de 21 anos, da etnia Desano, estudantedo curso técnico de Enfermagem, lembra que, ao entrarem contato com os índios, os missionários brancos impu-seram sua cultura. Assim, costumes, tradições, a próprialíngua foram esquecidos. “Com isso, os índios também per-deram seus valores, sua identidade.” A nova geração de-senvolve esforços para resgatar mitos, música, dança, cos-tumes, linguagem das diferentes etnias e luta pela criaçãode centros de cultura indígena. “Nossa cultura tem valoresque merecem ser preservados”, diz.

GUILHERME FLORIANO DA SILVA, 15 ANOSestudante da 8ª série e aluno de balé em Londrina, treina sete horaspor dia para ser bailarino profissional

MÁRCIO ROBERTO DA SILVA OLIVEIRA, 23 ANOSé professor de Física em Campo Grande, onde participa de umgrupo de música e dança típicas do Pantanal

WILLIAM MOTTA, 20 ANOSé percussionista e quer viver de música em São Paulo, mas enfrentaa resistência da família

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por_Marco RozaNa Amazônia, jovens ajudam a pre-servar a floresta aprendendo músicae fabricando instrumentos musicais.Na Paraíba, a estamparia e a serigra-fia elevam a auto-estima de meninose meninas, e, em São Paulo, o teatroreduz a discriminação entre estudan-tes. Mestres nessas artes, três edu-cadores usam seu talento para mos-trar que a expressão artística ajuda atransformar os jovens em cidadãoscapazes de reconhecer os outros, asi mesmos e de assumir seus sonhos.Mostram que a arte faz pensar, edu-ca, inclui. E que não por acaso ela setorna ferramenta cada vez mais va-lorizada na educação.

Para o músico e luthier Rubens Go-mes, que trabalha na região amazô-nica desde a década de 80, só há sal-vação para a floresta se salvarmos,ao mesmo tempo, os jovens que lávivem. Motivado por essa idéia, hásete anos ele criou a Oficina Escolade Lutheria da Amazônia (Oela), nobairro de Zumbi, em Manaus, unindoa arte e a preservação ambiental.“Transformei minhas habilidades ar-

tísticas em um meio para estimular o uso racional dosrecursos naturais”, diz.

Na Oela, ensina música e profissionaliza jovens inte-grantes de uma população em que 60% estão desem-pregados, 94% têm no máximo o primeiro grau e maisde 15% dos que têm acima de 10 anos nunca estuda-ram. “As populações vivem abandonadas à própria sor-te. No Zumbi, os jovens se organizavam em galeras ese matavam uns aos outros”, conta Gomes.

Sintonia com a florestaA Oela oferece alternativa. Os jovens são capacita-

dos a transformar recursos naturais em bens. Além dasaulas de música, cursam informática e participam degrupos de discussão sobre assuntos como sexualida-de, violência e drogas. Recebem educação ambiental,discutindo, por exemplo, o manejo indiscriminado dasespécies em extinção. Como o pau-brasil, insubstituívelpara o arco de violino; o mogno, usado para a confec-ção de braços de violões clássicos; e o jacarandá daBahia, a “Daubergia nigra”, que é referência mundial paraas laterais e fundos de violões e muito valorizado no

mestres

exterior. “A partir desse aprendizado,os jovens são envolvidos com a arteda manufatura de instrumentos mu-sicais de alta qualidade e se abre paraeles uma alternativa de vida emsintonia com a conservação da flores-ta”, diz Gomes.

O projeto está indo além deManaus. “Nas regiões ribeirinhas, en-sinamos aos jovens o processamen-to da madeira e a marchetaria, que jáé uma tradição na região.” A principalpopulação beneficiada fica em BoaVista do Ramos, no baixo Amazonas,a 18 horas de barco de Manaus. Asmadeiras são todas certificadas e ascomunidades estão montando enti-dades que permitam encaminhar aprodução até para o exterior. Comu-nidades com jovens que, segundoGomes, antes “viviam de costas paraa floresta”.

PELA ARTEA EDUCAÇÃO

mestres

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COM A MÚSICA, AS ARTES VISUAIS E OTEATRO, TRÊS EDUCADORES INDICAM AOSJOVENS NOVOS CAMINHOS PARA ODESENVOLVIMENTO PESSOAL E SOCIAL

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A professora universitária Lívia Marquesimplantou projetos de arte-educação na Casa

Pequeno Davi, em João Pessoa (PB)

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Foco na auto-estimaEm João Pessoa, o maior desafio de Lívia Marques

Carvalho é lidar com o sentimento de desvalia que tomaconta da juventude atendida na Casa Pequeno Davi e naCasa Menina Mulher. Ela diz que só depois que os jovensse integram é que se percebem como pessoas. Eles semotivam e são devolvidos ao mercado, geralmente de-sempregados, quando completam 18 anos. O que setorna mais um desafio. “Ensinamos a pescar, mas paradar certo o rio tem de ter peixe”, observa.

Lívia é professora de Artes Visuais na Universidadeda Paraíba, em João Pessoa. Nas proximidades do Ter-minal Rodoviário da cidade fica o bairro Baixo Roger. A

população infantil e adolescentevive espalhada pelas ruas. Em 1985,os padres da Irmandade SãoVicente de Paulo criaram a CasaPequeno Davi. Em 1989, quando sedecidiu trabalhar com atividades ar-tísticas, Lívia foi fisgada para o pro-jeto. “Não consegui sair mais”, diz aatual dirigente.

“Aproveitamos o envolvimento coma arte, que não tem isso de certo ouerrado, para ajudar os jovens de baixarenda a aprender o que é a auto-esti-ma”, explica. Os jovens aprendem es-tamparia, impressão de camisetas emserigrafia, fazer bijuterias e cangas,que a entidade coloca à venda. “O focodeles, na rua, é a subsistência. Pelaarte, percebem que podem se colocarno que fazem, ganham confiança edescobrem que são cidadãos.”

Ligado ao mesmo projeto está aCasa Menina Mulher, inaugurada em1998. “Queremos que as meninasaprendam a gostar de si mesmas ea entender os riscos do ambiente emque vivem”, diz a professora. Alémdo aprendizado artístico, elas discu-tem saúde e higiene, sexualidade,drogas, violência e gravidez.

Segundo Lívia, o mais animador é veros garotos e garotas conseguiremcompletar o ensino médio. “Trata-sede um esforço excepcional do adoles-cente da região, que enfrenta a faltade estímulo e a pressão da família paraa busca de renda no mercado infor-mal”, orgulha-se a educadora.

Integração pelo teatroA arte é poderosa também para

mudar visões de mundo e combatera discriminação. Com essa certeza, apaulistana Patrícia Teixeira, professo-ra do ensino médio, criou o Teatro daInclusão. Tudo começou em 1999, apartir de contato que teve com alu-nos com necessidades especiais, naEscola Estadual Benjamin Constant.“Eles viviam em pequenos guetos,eram discriminados e discriminavamos demais alunos”, diz. Formada emEducação Artística e pós-graduanda

CASA DO PEQUENO DAVI E CASA MENINA MULHERÁREA DE ATUAÇÃO JOÃO PESSOA (PB)PROPOSTA Contribuir para a promoção dos direitos da criança e do adolescente em situação de risco social por meio deações de educação integralJOVENS ATENDIDOS 300 crianças e jovens entre 7 e 17 anosAPOIO UNICEF, IRLAND AID, IRISH BANK (DA IRLANDA), EMPRESA SKN, FRANK DER LINDERE CORDAID, UNIVERSAL CONCERN (DAHOLANDA), CSCF (DO GOVERNO DA GRÃ-BRETANHA), COMUNIDADE LUTHERANA (ALEMANHA), EUROPEAN COMMUNITY CONCERN(UNIÃO EUROPÉIA), SECRETARIA DE EDUCAÇÃO MUNICIPAL, SECRETARIA DO TRABALHO E DE PROMOÇÃO SOCIAL DE JOÃO PESSOACONTATO Rua João Ramalho, 195 – 58020-200 – João Pessoa (PB) – tel.: 83/3241-526 – www.pequenodavi.org.br

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O músico Ruben Gomes criou a Oela,uma oficina-escola de instrumentosmusicais que ensina a preservar afloresta, em Manaus (AM)

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OFICINA ESCOLA DE LUTHERIA DA AMAZÔNIAÁREA DE ATUAÇÃO AMAZONAS, PARÁ, AMAPÁ, ACRE E RORAIMAPROPOSTA Promoção do uso racional dos recursos naturais para a geração de ocupação e renda com o intuito decombate à pobreza, por meio da lutheria e da machetariaJOVENS ATENDIDOS EM MANAUS, 592 por semestreAPOIO ASHOKA EMPREENDORES SOCIAIS, UNESCO (CRIANÇA ESPERANÇA), ICCO (INSTITUIÇÃO ECLESIÁSTICA DA HOLANDA),PRO-MANEJO/IBAMA/MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE, CORREIOSCONTATO Rua 22, Quadra O, Casa número 8, conjunto São Cristóvão – 69084-580 – Bairro do Zumbi 2 – Manaus (AM) –tels.: 92/3644-5449 e 92/3638-2667 – www.oela.org.br

TEATRO DA INCLUSÃOÁREA DE ATUAÇÃO ESCOLAS PÚBLICAS ESTADUAIS DE SÃO PAULOPROPOSTA Trabalhar com jovens o tema das diferençasJOVENS ATENDIDOS 100 estudantes de ensino médioAPOIO JFA ENGENHARIA (EVENTUAL). EM BUSCA DE APOIO PERMANENTECONTATO Rua Pelotas, 523, apto. 103 – 04012-002 – Vila Mariana – São Paulo (SP) – tel.: 11/9742-1553 –e-mail: [email protected].; Escola Estadual Maestro Fabiano Lozano – tels.: 11/5549-6006 e 11/5082-2206

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tato com seus personagens internos, percebem a simesmos e o outro como pessoas completas. O teatroos faz responder, principalmente, com atitudes”, diz.

Patrícia já envolveu mais de 100 jovens em suas pe-ças, apesar das dificuldades para manter o projeto. “Àsvezes ensaiamos no parque do Ibirapuera”, conta. Nestesemestre, o esforço é para apresentar a peça “Esconde-rijo de Judeus”. Na preparação da turma, contou comamigos voluntários. Um professor de história ajudou adar contexto às leituras que os alunos fizeram do “Diáriode Anne Frank”, garota judia que se escondeu com afamília durante a Segunda Guerra Mundial e que inspiraa peça. Outro amigo apresentou aos jovens um seminá-rio sobre a cultura judaica. Patrícia fez um laboratóriocênico sobre as relações de poder. “Vivemos pequenosholocaustos todos os dias e é importante discutir o res-peito às diferenças, o direito à permanência das pes-soas no mesmo mundo em que vivemos”, diz.

O tema tem especial pertinência para a adolescênciae a juventude, segundo a professora. É quando as dife-renças entre gerações e entre os próprios companhei-ros começam a ser mais notadas e os jovens precisamde orientação para lidar com elas de forma positiva. “Otrunfo do teatro é levar os jovens a vivenciar experiên-cias. O resultado é surpreendente”, diz Patrícia, referin-do-se a uma de suas grandes recompensas, que veio naforma de conclusão de uma estudante sem deficiênciavisual, durante discussões sobre preconceito: “Eu aprendia ver o que os olhos não podem ver”.

A professora de ensino médio PatríciaTeixeira fundou o Teatro da Inclusão paradiscutir preconceitos com os alunos de SãoPaulo (SP)

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em Psicologia Analítica, na PUC deSão Paulo, ela decidiu usar as artescênicas para incluir jovens cegos nasatividades escolares.

A experiência deu tão certo que,em 2000, Patrícia a levou, num tra-balho voluntário, para a Escola Es-tadual Caetano de Campos. Aprovei-tou o teatro disponível na escola einiciou o projeto Teatro da Inclusão,com a peça “Retratos de Gerações”,que ela escreveu. “Discutir as dife-renças promove a inclusão. Três jo-vens cegos atuaram. O trabalho eli-minou as diferenças de visão, pois,no palco, os alunos entram em con-

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banco de práticas

por_Flávia Oliveira

QUATRO PROJETOS SE IDENTIFICAMPOR PERPETUAR O PASSADO EDAR SENTIDO AO FUTURO

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ENCONTROS CULTURAISA cultura é o fim e o meio desses projetos sociais, seja

para perpetuar experiências seculares de lugarejos ou darsentido ao futuro de crianças e jovens de cidades grandes.E foi quase por acaso que seus mentores embarcaram naidéia de que tambores, brinquedos, jongo, histórias seriamcapazes de mudar a vida de jovens. O maestro Flávio Pi-menta, por exemplo, tinha decidido trocar o Brasil por umavida no exterior. A três meses da partida, se flagrou obser-vando adolescentes nadando em poças d’água sujas nosarredores de sua casa, no bairro do Morumbi, em São Pau-lo. Resolveu agir. Convidou os jovens à sua casa, apresen-tou-os à música. Desistiu da viagem, convocou amigos,estruturou e deu à luz a Associação Meninos do Morumbi,que hoje envolve 4 mil crianças e jovens.

Macau Góes era colecionadora de brinquedos e encan-tou-se com a obra de artesãos do Recife quando visitavauma feira da Fundação Joaquim Nabuco. Consultora daONG Artesanato Solidário, aproximou jovens do programa,dando o pontapé inicial para a fundação da AssociaçãoBrinquedos Populares do Recife, que já qualificou uma cen-tena de artesãos.

Noutro improviso do destino, Paulo Dias, da AssociaçãoCultural Cachuera, de São Paulo, conheceu a comunidade dejongueiros do bairro Jardim Tamandaré, na periferia deGuaratinguetá. Em parceria com a TV Cultura, produziu o fil-me “Feiticeiros da Palavra – O Jongo do Tamandaré” e apre-sentou o grupo ao país. Daí veio a criação da AssociaçãoJongueira de Guaratinguetá, que leva os jovens a se envolve-rem com a dança e a música deixadas pelos escravos.

O casal Alemberg Quindis e Rosiane Limaverde estavadeterminado a preservar a herança cultural dos Kariri, tri-bo indígena que batizou um pedaço do Ceará, o Vale doCariri. Em Nova Olinda, abrigaram os artefatos pré-históri-cos recuperados na região. Apresentavam o tesouro a tu-ristas, quando foram surpreendidos por meninos da vizi-nhança com os textos na ponta da língua. Assim expan-diu-se a Fundação Casa Grande – Memorial do HomemKariri, que capacita jovens em várias áreas.

Conheça melhor os frutos desses encontros:

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Foi da aproximação com a Associação CulturalCachuera que Lúcia Maria de Oliveira, jongueira por nas-cimento, enfermeira por profissão, deu início ao Proje-to Bem-te-vi, no Jardim Tamandaré, na periferia deGuaratinguetá, em São Paulo. A idéia é perpetuar ojongo, uma tradição na comunidade, entre as criançase jovens, que recebem os ensinamentos dos adultos eidosos. Lúcia gosta de dizer que tem o jongo no san-gue, porque é neta do velho Antonio Henrique, que trou-

Guaratinguetá, SP

Projeto Bem-te-vida Associação deJongodo Tamandaré

O projeto começou com meia dúzia de garotos, ummaestro e uma professora de dança. Quase uma déca-da depois, são 4 mil, e uma lista de espera com 2 milnomes. A Associação Meninos do Morumbi atende acrianças e adolescentes interessados em experimentaro gosto de “poder ser o que quiserem”, como diz o fun-dador Flávio Pimenta. “A música se mostrou uma exce-lente armadilha para atrair os jovens”, brinca. O alvo ini-cial do projeto eram comunidades populares, mas hojenão é exclusivo de alunos pobres – eles ocupam 70%

Recife, PE

Formação de jovensartesãosno ProjetoBrinquedosPopulares do Recife

O projeto que inicialmente se restringia à preservaçãoantropológica dos índios Kariri transformou-se numa ins-tituição dedicada também à formação profissional dosjovens da região. A Fundação Casa Grande oferece hojea 70 jovens qualificação em quatro áreas: memória, co-municação, arte e turismo. O primeiro programa temcomo foco o resgate da memória da pré-história do ser-tão, por meio da mitologia e da arqueologia: forma re-cepcionistas, guias de campo e relações-públicas paraatuar na instituição e nos sítios arqueológicos da região.

Nova Olinda, CE

Fundação CasaGrandeMemorial doHomem Kariri

Desde os anos 80, a Fundação Joaquim Nabuco man-tinha contato com um grupo de oito artesãos que fa-ziam brinquedos populares na Região Metropolitana deRecife. As peças acabaram descobertas pelo ArtesanatoSolidário, que propôs a criação do projeto BrinquedosPopulares do Recife. Iniciado em março de 2004, o pro-grama é multiplicativo: “Os mestres repassam seus co-nhecimentos aos jovens e, com isso, é possível preser-var técnicas populares de produção de brinquedos”, ex-plica Julio Ledo, gerente regional do Artesanato Solidá-

São Paulo, SP

AssociaçãoMeninos doMorumbi

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A oficina de comunicação apresentaaos alunos as técnicas de elaboraçãode programas de rádio, TV e trabalhosde editoração. A rádio comunitária jáprotocolou no Ministério das Comuni-cações um pedido para transformá-laem emissora educativa. O braço dasartes tem laboratório de teatro, cine-

rio. O projeto capacitou primeiro oitomestres, que aprenderam a melhorara apresentação e a qualidade de suascriações, elaborar planilhas de custos,entender o mercado consumidor, aolado de aulas de cidadania e relaçõesinterpessoais. Em contrapartida, elesdeveriam destinar 10% da renda de

das vagas. Cumprida a condição decursar o ensino regular, eles podemescolher entre artes (balé, dança, es-cultura, fotografia, moda, teatro), mú-sica (bateria, canto, percussão, cava-co) e esportes (capoeira, futsal, jiu-jitsu), mas são obrigatoriamente apre-sentados ao inglês e à informática. A

xe a música e a dança dos negros es-cravos para a região. Um filme, pro-duzido por Paulo Dias e apresentadoBrasil afora, foi o estopim de uma sé-rie de convites para apresentaçõesem São Paulo e no Rio de Janeiro ealimentou a necessidade de profissio-nalização do grupo e levou à criaçãodo Bem-te-vi, que hoje conta com 40

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ASSOCIAÇÃO JONGUEIRA DE GUARATINGUETÁÁREA DE ATUAÇÃO GUARATINGUETÁ (SP)PROPOSTA Repassar a crianças e jovens os ensinamentosdo jongo e reforçar neles a importância da educaçãoformal regularNÚMERO DE JOVENS ATENDIDOS 40 pessoas, incluindotambém os idososAPOIO SECRETARIA DE CULTURA DE GUARATINGUETÁ,PREFEITURA MUNICIPAL E ASSOCIAÇÃO CACHUERADE SÃO PAULOCONTATOS Rua Tamandaré, 661, Fundos – JardimTamandaré – Guaratinguetá – SP – Tel.: 12/3133-3408

para fazer em suas casas suítes paraabrigar turistas. Por R$ 40 diários, ovisitante tem pernoite, café, almoçoe jantar. “Todo o projeto funciona compedagogia própria: os jovens mais ex-perientes repassam os conhecimen-tos aos mais novos”, ensina Alemberg,o mestre.

toda peça vendida a um fundo paracustear a legalização da associação deartesãos e compartilhar seus conhe-cimentos em Oficinas do Saber, comturmas de até 20 alunos escolhidosentre os residentes na Vila Esperan-ça, comunidade pobre do Recife. Osartesãos foram remunerados pelas

entidade acaba influenciando na esco-lha da carreira deles, como conta a ex-aluna, agora monitora, Luciana Fernan-des, de 20 anos: “Entrei com 14 anos.Aprendi capoeira, jiu-jitsu e percussão.Decidi seguir na música. Se não tivessepassado por aqui, nem imaginaria essavida”. Das oficinas culturais foi criado o

participantes. “Queremos ensinar ojongo às crianças e aos jovens, mastambém reforçar neles o quanto aeducação é importante. Vamos pre-servar o passado e estimular o futu-ro dos meninos”, planeja Lúcia, de 50anos, mãe de Hebert e Erica, avó deCauê. Os jongueiros do Tamandarérecebem apoio da prefeitura e da Se-

ma e escola de música, na qual se co-meça com a banda de lata e segue comgrupos cover e instrumental. O labora-tório de turismo funciona em parceriacom a cooperativa de pais e amigos daCasa Grande. Os pais dos alunos man-têm a loja de souvenirs da Fundação ea cantina, além de serem orientados

horas de aula e, dentre os 100 jovensque já receberam a qualificação, váriosjá produzem brinquedos para vendere três, de tão talentosos, integram aAssociação. Estão sendo orientados acriar sua série de produtos, tal comoaconteceu com os mestres de quemeles aprenderam.

grupo artístico Meninos do Morumbi.Desde 1996, foram mais de 500 apre-sentações. A banda já se exibiu com IveteSangalo, Lulu Santos e os grupos Cida-de Negra e Olodum. A ousadia de mis-turar o erudito e o popular num espetá-culo com o pianista clássico MarceloBratke conquistou cidades européias.

cretaria de Cultura de Guaratinguetá.No ano passado, participaram da or-ganização de três oficinas de vídeodirigidas aos jovens da comunidade.Durante boa parte deste 2005, dedi-caram-se a organizar legalmente a as-sociação. Agora, buscam um terrenopara instalar a sede do projeto e sairseduzindo futuros jongueiros.

FUNDAÇÃO CASA GRANDE – MEMORIAL DO HOMEM KARIRIÁREA DE ATUAÇÃO NOVA OLINDA (CE)PROPOSTA Oferecer qualificação profissional a criançase jovens sertanejos por meio de atividades de resgateda memória local, arte, comunicação e turismoNÚMERO DE JOVENS ATENDIDOS 70APOIO INTERAMERICAN FOUNDATIONCONTATOS Rua Jeremias Pereira, 444 – Centro – NovaOlinda (CE) – Tel.: 85/3546-1333 –[email protected]

BRINQUEDOS POPULARES DO RECIFEÁREA DE ATUAÇÃO GRANDE RECIFE (PE)PROPOSTA Qualificar artesãos e incentivá-los a repassarseus conhecimentos a jovens de comunidades pobrespor meio das Oficinas do SaberNÚMERO DE JOVENS BENEFICIADOS 100APOIO FUNDAÇÃO JOAQUIM NABUCO, MINISTÉRIOS DAEDUCAÇÃO E DA INTEGRAÇÃO REGIONAL, ARTESANATOSOLIDÁRIO (ARTESOL) E SEBRAECONTATOS Rua Alves Guimarães, 436 – Pinheiros – SãoPaulo (SP) – Tel.: 19/3246-2888 – www.artesol.org.br

ASSOCIAÇÃO MENINOS DO MORUMBIÁREA DE ATUAÇÃO BAIRROS DA REGIÃO SUDOESTE DACAPITAL PAULISTA E MUNICÍPIOS VIZINHOS, COMOTABOÃO DA SERRA, ITAPECERICA DA SERRA E EMBUPROPOSTA Oferecer cursos de artes, música, dança,esportes, informática e língua estrangeira a criançase adolescentes, dos 5 aos 18 anos, reforçando aimportância da formação escolar regularNÚMERO DE JOVENS ATENDIDOS 4 milAPOIO PREFEITURA DE SÃO PAULO, CÂMARA DECOMÉRCIO ELETRÔNICO, PÃO DE AÇÚCAR, CULTURAINGLESA, BRITISH AIRWAYS, HP, LAUREUS SPORTS, BITCOMPANY, SADIA, ENTRE OUTROSCONTATOS Rua José Jamarelli, 485 – Morumbi – SãoPaulo (SP) – Tel.: 11/3722-1664 –www.meninosdomorumbi.org.br

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PERTO DE SE TORNAR AUTO-SUSTENTÁVEL, O GRUPO CULTURAL AFROREGGAE ENSINA QUE COERÊNCIA É FUNDAMENTAL PARA TIRAR JOVENS DOTRÁFICO CARIOCA

Dia desses, um e-mail aterrissou na caixa-postal sempre congestionada deJosé Junior, o coordenador-executivo do Grupo Cultural Afro Reggae, no Riode Janeiro. No título, uma solitária palavra: Resgate. O texto: “A sogra deleestá superfeliz que o mesmo saiu do tráfico e veio nos pedir que fizéssemoso currículo dele, pois a filha dela e o filho também fizeram currículo no AfroReggae e tiveram a sorte de arrumar emprego muito rápido. Ela falou que eletem diploma de ascensorista”, escreveu Vitor Onofre, coordenador do Núcleode Vigário Geral e, assim como Junior, um dirigente, ou “puro-sangue”, nodialeto da organização. Ele previa nova deserção no exército do tráfico dedrogas carioca – que se consumou logo no dia seguinte.

Menos um traficante, mais uma vitória – mera rotina, no surpreendente tra-balho que o Afro Reggae desenvolve, a partir da disseminação da cultura afro,em comunidades populares do Rio de Janeiro há 12 anos. A salvação de jovensdecididos a viver (e morrer) na guerra das favelas materializa-se, sobretudo, naformação cultural e artística que pavimenta a construção de cidadania.

As vagas nas oficinas são disputadas pelos moradores de Vigário Geral, Pa-rada de Lucas (favelas cujos traficantes sustentam uma guerra háinacreditáveis 22 anos), e Cantagalo, áreas onde o Afro Reggae mantém nú-cleos. Hoje, são ao todo 60 projetos culturais, outras três unidades em siste-ma de parceria, nove bandas, uma trupe de teatro e duas de circo, na ONGque conta com 176 funcionários (incluindo bolsistas e estagiários) e está bemperto de se tornar auto-sustentável.

O alicerce de tamanho sucesso chama-se coerência. O Afro Reggae tem comofundamento inegociável não aceitar patrocínios da indústria do tabaco e de fá-bricas de bebidas. Sem álcool, cigarros nem drogas. “E os puros-sangues tam-bém não fumam nem bebem, muito menos usam drogas”, diz o coordenador.

Nascido na dorA luta contra a violência é a gênese do Afro Reggae.

Em janeiro de 1993, Junior era um produtor iniciante debailes funk, quando o ritmo foi banido da cidade, por causado arrastão na Praia do Arpoador (como se chamou oconflito entre gangues de Vigário Geral e Parada de Lucas,que se enfrentaram na areia famosa do canto deIpanema). Ele trocou de ritmo e começou a promoverfestas de reggae – “a contragosto”, como lembra.

Um par de bailes bem-sucedidos depois, Junior en-xergou no gênero a possibilidade de promover a cultu-ra afro, seu projeto de vida. Criou, com três amigos, ojornal “Afro Reggae Notícias”, para difundir essas e ou-tras manifestações. Em agosto daquele ano, o Rio foisacudido pela chacina de Vigário Geral, na qual 21 mo-radores da favela foram assassinados por um bandode policiais militares. “Senti que tínhamos de fazer algopor lá”, relembra Júnior, carioca, 37 anos. Um mês de-pois do massacre, eles entraram na favela, para “fazeralguma coisa, de um jeito meio kamikaze”, como des-creve o “arrastão do bem”, do bloco afro Tafaraogi, quetomou as ruas da comunidade.

O passo seguinte foi instalar no morro o Núcleo Comu-nitário de Cultura, com as primeiras oficinas: dança, per-cussão, reciclagem de lixo, futebol e capoeira. Os 12 ins-trumentos levados pelo grupo eram disputados a tapa porjovens que enxergavam horizonte onde a olho nu haviaapenas diversão. “Ninguém pensava em ser artista, mas

RESGATEPELO REGGAE

caminho das pedras

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por_Aydano André Mottafotos_Rodrigo Castro

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Jovem diante de cartaz com osprincípios do grupo Afro Reggae: a música

é o meio de atração para umamplo trabalho de conscientização

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apenas em ter perspectiva”, confirma Altair Martins, 24anos, nascido em Vigário, formado na turma 01 e hoje co-ordenador de operacionalização do Afro. Ele cresceu emmeio a paredes furadas à bala e vizinhos assassinados, eagora é emblema – “puro-sangue”, ajuda a salvar outros,ao som de funk, reggae, soul e hip hop.

Da salada de ritmos nasceu o filhote mais famoso, abanda AfroReggae, aclamada Brasil afora e no exterior.Os padrinhos, Junior lembra orgulhosamente, são Cae-tano Veloso e Regina Casé, que conheceram o grupo doisanos depois e foram os primeiros a incentivar os jovensda favela a conquistar o mundo com sua música.

Em 1997, foi inaugurado na comunidade o Centro Cultu-ral Afro Reggae Vigário Legal, para melhorar, num espaçobem estruturado, a formação cultural e artística dos jovensmoradores. “Uma fábrica de sonhos”, resume Junior. De lá,eles escapam do tráfico e do subemprego e se transfor-mam em multiplicadores da paz e da integração social. Hoje,existem outros oito grupos musicais: Banda Makala Músicae Dança, Afro Lata e Afro Samba, além dos subgrupos AfroMangue, Tribo Negra, Akoni, Kitôto e uma banda de rockainda sem nome, exclusivamente de meninas.

Na trilha da autonomiaO sucesso artístico deixa a ONG a um passo de se

sustentar, com a renda dos shows e da venda de pro-

RECUSAR PATROCÍNIO DE CIGARRO EBEBIDA, MESMO ESTANDO SEM DINHEIRO,FOI UMA DAS FORMAS DO AFRO REGGAETRADUZIR PARA AS COMUNIDADES AFORÇA DE SEUS VALORES

Aprendizes descansam junto dos instrumentos;abaixo, garota com tambor; na página oposta,

garotas ensaiam coreografia; um jovempercussionista e rapazes durante ensaio de uma

das bandas: apresentações e venda de CDs sãofonte de renda do grupo

Onda Jovem 22-29 (nº3) 10/20/05, 8:51 PM24

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25tréguas em guerras a que a polícia apenas assiste, impotente e derrotada.A interferência em batalhas sangrentas inspirou-se em outro projeto social,

o Rompendo Fronteiras, que desde 2001 busca levar o trabalho social ondeele é necessário, independentemente de conflitos. Em Parada de Lucas, asarmas são cursos básicos de informática. No Cantagalo-Pavão-Pavãozinho, aisca é a linguagem do circo – malabares, trapézio, acrobacias. De lá saíramdois meninos para o Ringling Bros., o maior circo de picadeiro do mundo.

O prestígio do Afro Reggae também se estende a endereços antes exclusi-vos da elite. O Prêmio Orilaxé, entregue a personalidades que contribuíramcom a divulgação e promoção da cultura afro, teve como palco, em 2005, oCanecão, a mais famosa casa de shows do Rio. Com a presença do ministroda Cultura, Gilberto Gil, um público diferente ocupou a platéia para aplaudiriniciativas incríveis, como o Juventude e Polícia, espetáculo de dança em par-ceria com a Polícia Militar de Minas Gerais. Isso mesmo: PMs fardados dan-çando com jovens do Afro, num espetáculo de inesperada harmonia.

As histórias do Afro Reggae chegam agora ao cinema, em cincodocumentários que devem ser lançados em breve. O primeiro a ficar prontofoi o americano “Favela Rising”, premiado em três mostras. A produção contaa história de Anderson Sá, sobrevivente da chacina de Vigário Geral, que per-deu parentes na carnificina, tentou ser traficante, foi baleado, chegou a ficarparaplégico mas se recuperou, e hoje é mais um “puro-sangue”.

“Temos a cultura do perdedor que deu certo. Sabemos como é o fracasso”,diz Junior. “Queremos preparar as pessoas para ter poder. A sociedade brasilei-ra tinha outro destino para elas. Isso precisa mudar.” E assim vai-se alterando atriste ordem das coisas na desigualdade brasileira. No ritmo do Afro Reggae.

dutos como CDs e camisetas. Sem perder a coerênciamesmo nas tempestades mais pesadas. “Quatro anosatrás, recusamos um cachê de R$ 40 mil para tocar emum festival patrocinado por uma empresa de tabaco”,relembra Junior, orgulhoso. “Estávamos com quatromeses de salários atrasados, mas resistimos.”

Para sair do buraco financeiro, muita conversa embusca de outros parceiros e todo o pragmatismo possí-vel no dia-a-dia. O Afro Reggae hoje supera em prestí-gio o tráfico de drogas, antigo sinônimo de poder e pros-peridade nas comunidades populares. O fenômeno ex-plica-se, entre outras razões, pelo trabalho junto à mídia.“A TV Globo é muito importante para nós. Podemos apa-recer lá sem ter o rosto desfocado. E nos shows faze-mos saudações a favelas independentemente das fac-ções que as dominam”, ensina ele.

Mas na batalha que nunca termina, popularidade é ape-nas uma arma. “Nesse momento, no caos, o que resolve éemprego. Educação só não basta”, diz Junior, citando oexemplo de um gerente do tráfico que o abordou, mesesatrás. “Se tiver uma oportunidade, eu saio agora”, avisou.Teve. Novo desfalque no exército das drogas.

Ultrapassando fronteirasO prestígio levou Júnior e outros sete “puros-sangues”

a formar um comitê de mediação de conflitos que ator-mentam os milhões de moradores honestos das favelasdo Rio. O acesso privilegiado permite a eles negociar

GRUPO CULTURAL AFRO REGGAEÁREA DE ATUAÇÃO COMUNIDADES POPULARES DO RIO DE JANEIRO, ENTRE ELAS VIGÁRIO GERAL, PARADADE LUCAS E CANTAGALO, EM PROJETOS PRÓPRIOS, E OUTRAS EM PARCERIAPROPOSTA Desviar jovens do caminho do narcotráfico e do subemprego por meio da inclusão e justiçasocial. Como ferramentas, a arte, a cultura afro-brasileira e a educaçãoJOVENS ATENDIDOS 972APOIO AVINA, FUNDAÇÃO FORD, FUNDAÇÃO KELLOG, HP, INSTITUTO CREDICARD, INSTITUTO DESIDERATA,SUPERMERCADOS EXTRA, PREFEITURA DO RIO, REDE GLOBO E SESC-RIOCONTATO Av. marechal Câmara, 350/703 – Centro – 20020-080 – Rio de Janeiro (RJ) –Tel.: 21/2532-0171 – www.afroreggae.org.br

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horizonte global

por_Cecília Douradoilustração_Jotapê

DIÁLOGOS

DE ERASOnda Jovem 22-29 (nº3) 10/20/05, 8:51 PM26

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O MuseoVivo promove conexões virtuais,geográficas e de idéias para que os jovenschilenos conheçam melhor sua cultura ancestral

O que um homem que viveu há 3mil anos pode ter a dizer a um jovemque mora numa cidade moderna? Oque um habitante das míticas e re-motas ilhas de Chiloé, no sul do Chi-le, tem a dar para um jovem que vivena capital, Santiago? Para respondera essas e outras indagações, a Fun-dação MuseoVivo propõe o diálogosocial e cultural entre diversas gera-ções, etnias, comunidades e culturasdo Chile. Essa fusão de elementosculturais diversos já começa nos pró-prios meios utilizados pela organiza-ção para propagar seu trabalho: ou-tros museus e espaços, da internet apraças públicas e bibliotecas ao re-dor de fogueiras indígenas.

A fundação desenvolve uma sériede atividades dinâmicas por meio deconexões virtuais, geográficas e deidéias, diz sua fundadora e diretora,a psicóloga Margarita Ovalle. Inicial-mente, ela pensava em fazer “ummuseu com conteúdos virtuais vivos”,mas logo se deu conta de que nãohavia necessidade de mais um mu-seu. “Os museus já existiam, mas fal-tava ocupá-los com vida”, diz. Pres-cindindo então de um espaço físicofixo, ela decidiu reunir um acervo “da-quilo que é importante para uma so-ciedade” e levar “esses tesouros ao

conhecimento público de diversas formas”.Pós-graduada em Antropologia, Ovalle parte do prin-

cípio de que o jovem, principalmente, deve ter contatocom culturas múltiplas, em particular com aquelas quecontribuíram para a formação da identidade de seu paísou região. Na época da globalização, é preciso ter cons-ciência da riqueza cultural local para avançar, rumo aofuturo, munido de identidade, dignidade e auto-esti-ma: “O conhecimento e a convivência com diversosmodos de vida resultam na tolerância e no enriqueci-mento cultural”, observa.

Espaços de interaçãoA fundação promove exposições e conferências em

“museus aliados” e mantém atividades em escolas e uni-versidades, estações de metrô, praças e ruas. Os “proje-tos artísticos e lúdicos”, por exemplo, buscam atrair jo-vens para a diversidade cultural com a criação de jogosem espaços públicos. É o caso da instalação, em par-ques, de “quebra-cabeças gigantes” – estruturas de 1,80m de altura formadas por quatro cubos de madeira so-brepostos, que lembram totens, mas que são móveis.As faces dos cubos são pintadas com figuras mitológi-cas e históricas do Chile. A idéia é que, ao manipulá-los,a população, sobretudo crianças e jovens, tenha umaexperiência lúdica com a sua própria história e mitos.

Outro projeto é o das “fogontecas”, iniciadas em2003 nas ilhas de Chiloé. “Fogon” é uma construçãotradicional indígena: casa pequena, de madeira e, àsvezes, teto de palha, onde as pessoas se reúnem paracontar histórias ao redor de uma fogueira. A MuseoVivocriou as “fogontecas” – mistura de “fogon” com bibli-oteca. Nesses espaços – que já são cinco, alguns dos

FUNDAÇÃO MUSEOVIVOREGIÃO DE ATUAÇÃO CHILE, ESPECIALMENTE EM CHILOÉ E SANTIAGOPROPOSTA Enriquecer a identidade cultural por meio da interação de etnias, visões de mundo e modos de vidadiferentes, num ambiente de respeito; criar diálogo entre diferentes gerações e culturasJOVENS ATENDIDOS 1.800 por ano, nas comunidades, e outros milhares pela internetAPOIO JOSEPH CAMPBELL FOUNDATION, AVINA, DEPARTAMENTO DO LIVRO E CULTURA, EMPRESAS CHILENASCONTATO Tels.: 56 02/2286427 e 56 09/2272647 – www.museovivo.cl – [email protected];[email protected]

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Squais substituem fogueiras poraquecedores –, as pessoas podemretirar livros, e jovens e velhos fazemrodas de conversas. A idéia é resga-tar a bagagem ancestral chilena, nãono sentido de tentar inutilmente de-ter o tempo, mas de perceber a “ri-queza que existe numa cultura quecorre o risco de extinção e, assim,chegar ao futuro com referênciasmulticulturais”, diz Ovalle.

Segundo a psicóloga, os resultadostêm sido animadores. Os jovens se in-teressam pelo que os mais velhos têma dizer e descobrem uma grande ri-queza cultural no meio de comunida-des pobres. As gerações passaram ase encontrar também em outroseventos, como as festas populares.Na comunidade de Coldita, em Chiloé,os moradores editam um boletim, queé encartado na “Revista MuseoVivo”,publicada com apoio do Departamen-to do Livro e Cultura. “A postura dosjovens que trabalham na publicaçãomudou”, conta. “Eles se tornarammais seguros e confiantes.”

Para Ovalle, o encorajamento do diá-logo entre culturas é útil e desejávelpara toda a América Latina e seria fácilrepetir a experiência chilena em outrospaíses, “porque estamos trabalhandocom a essência do humano”.

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SEXTANTE

A REFLEXÃO DO ARTISTA SOBRE A SERVENTIA DAARTE DESCREVE COM APARENTE SIMPLICIDADE OENCANTAMENTO DA MAIS ENIGMÁTICA PRODUÇÃOHUMANA E SEU EFEITO SOBRE O MUNDO

Confesso que, espontaneamente,nunca me coloquei esta questão:para que serve a arte? Desde meni-no, quando vi as primeiras estampascoloridas no colégio (que estavammuito longe de serem obras de arte)deixei-me encantar por elas a pontode querer copiá-las ou fazer algumacoisa parecida.

Não foi diferente minha reaçãoquando li o primeiro conto, o primeiropoema e vi a primeira peça teatral. Nãose tratava de nenhum Shakespeare,de nenhum Sófocles, mas fiquei en-cantado com aquilo. Posso deduzir daíque a arte me pareceu tacitamentenecessária. Por que iria eu indagarpara que serviria ela, se desde o pri-meiro momento me tocou, me deuprazer?

Mas se, pelo contrário, ao ver umquadro ou ao ler um poema, eles medeixassem indiferente, seria natural

que perguntasse para que serviam, por que razão oshaviam feito.

Então, se o que estou dizendo tem lógica, devo ad-mitir que quem faz esse tipo de pergunta o faz por nãoser tocado pela obra de arte. E, se é este o caso, cabeperguntar se a razão dessa incomunicabilidade se deveà pessoa ou à obra. Por exemplo, se você entra numasala de exposições e o que vê são alguns fragmentosde carvão colocados no chão formando círculos ou umpedaço de papelão de dois metros de altura amarrotadotendo ao lado uma garrafa vazia, pode você manter-seindiferente àquilo e se perguntar o que levou alguém afazê-lo. E talvez conclua que aquilo não é arte ou, se éarte, não tem razão de ser, ao menos para você.

Na verdade, a arte – em si – não serve para nada.Claro, a arte dos vitrais servia para acentuar atmosferamística das igrejas e os afrescos as decoravam comotambém aos palácios. Mas não residia nesta função arazão fundamental dessas obras e, sim, na sua capaci-dade de deslumbrar e comover as pessoas.

Portanto, se me perguntam para que serve a arte,respondo: para tornar o mundo mais belo, maiscomovente e mais humano.

SEXTANTE

A BELEZADO HUMANO,NADA MAIS

por_Ferreira Gullarilustração_Flávio Castellan

Ferreira Gullar, um dos maiorespoetas brasileiros, nascido noMaranhão (1930), é tambémcronista, ensaísta, teatrólogo ecrítico de arte. É autor de livros depoesia como “Dentro da Noite Veloz”,“Poema Sujo” e “Na Vertigem doDia”, e de ensaios como“Vanguarda e Subdesenvolvimento”e “Argumentação Contra aMorte da Arte”

Flávio Castellan, 27 anos, é artistaplástico e integra o elenco do ateliêpaulistano Espaço Coringa

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TODOS TÊMCULTURA ETRATA-SE DE UMBEM UNIVERSALPORQUE É AREDE DERELAÇÕESQUE DEFINE ODESENHODE UMACOMUNIDADE

por_ Tião Rocha

ARTE&CULTURA E SOCIEDADE

AS TRAMAS

90º

entre si, constroem desenhos, padrões,símbolos e valores do grupo humanoque aí vive e que podemos conceituarde Cultura.

Encontramos os indicadores so-ciais em qualquer comunidade – ricaou pobre, urbana ou rural. No entan-to, eles só se tornam um indicadorcultural quando, em contato com ou-tros indicadores, produzem um novodesenho, uma teia de relações dinâ-micas, novas tramas e padrões deconvivência, gerando novos valoresou sendo influenciados pelos valoresuniversais presentes na comunidade.

A cultura, este desenho, trama oupadrão dinâmico e interrelacional, éalgo humano e social, público e visível,mas às vezes microscópico. Podemos,dentro de uma macrotrama, percebermicrodesenhos simbólicos e repletosde significantes, como nas festas po-pulares e de rua ou nos “rituais da or-dem” que simbolizam e mantêm o sis-tema político. E é nesse mar de tra-

DA IDENTIDADETodo e qualquer ser humano tem cultura. Esta é uma

das poucas “verdades” da Antropologia. Apesar disso,muita gente ainda pensa que alguns seres humanosnão têm cultura. Uma minoria crê, firmemente, que suacultura é superior à dos outros. Outros, por se julgaremsuperiores, resolveram eliminar e subjugar os diferen-tes, tratando-os como inferiores. E uma grande maio-ria acostumou-se a pensar que não tem cultura algu-ma, ficando à mercê das elites ditas “cultas”.

Outro equívoco que rodeia a cultura é quanto ao usoque se faz do conceito. As definições variam do extre-mamente amplo (“cultura é tudo aquilo que o homemacrescenta à natureza” ou “cultura é toda maneira depensar, agir e sentir dos homens”) ao extremamenteespecífico (“cultura é erudição”). Com o usoindiscriminado ou interesseiro, a palavra cultura tornou-se expressão esvaziada. Foi o que nos levou a construirum novo conceito, que fosse ao mesmo tempooperacional, palpável, mensurável, observável, ético ecorreto.

Para isso, buscamos outra contribuição da Antropolo-gia: em toda e qualquer comunidade humana existem einteragem diversos componentes substantivos (que nósdenominamos “indicadores sociais”) que podem ser iden-tificados, medidos e observados e que, quando interagem

Nesta página, trançado de palha decarnaúba, de Parnaíba, no Piauí; napágina oposta, uma aplicação“Relógio”, renda feita em SãoSebastião, em Alagoas: a produçãode bens pode ser um indicadorcultural de uma comunidade

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Tião Rocha é antropólogo, educador efolclorista. Foi professor da PUC-MG,da Universidade Federal de OuroPreto e membro do ConselhoUniversitário da UniversidadeFederal de Minas Gerais. Épresidente do CPCD – Centro Popularde Cultura e Desenvolvimento, quefundou em 1984, em Minas Gerais

mas, micro e macroscópicas, que na-vegamos durante nossa vida.

A seguir, comentamos esses indi-cadores.

As formas organizativas – Incluem afamília, a vizinhança, os amigos, o gru-po de oração, os companheiros de fu-tebol, o pessoal do pagode, as coma-dres da esquina, os meninos da pelada,a galera do funk etc. Esse indicador éfundamental para o moderno conceitode “capital social”. Estudos demons-tram que quanto mais espaços ouoportunidades de convivência socialforem oferecidos aos habitantes deuma comunidade, mais formas e pos-sibilidades de participação estarão sen-do geradas, ampliando os espaços e osmomentos de protagonismo social e oacúmulo de capital social.

Nossa experiência nos autoriza afir-mar que onde não há oferta de for-mas organizativas em quantidade (epor isso há poucas oportunidades de

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90º

OS INDICADORES SOCIAIS SE TORNAM CULTURAIS QUANDOAFETAM A TRAMA DE RELAÇÕES E VALORES DOS GRUPOS.ONDE OS ESPAÇOS DE INTERAÇÃO SÃO POUCOS, O TEMPO DEMUDANÇA TAMBÉM É LENTO

“O talento da periferia não pode serdescartado. É isso que os jovens do

Jardim Rosana querem mostrar.Fazemos parte do Jovens Urbanos,

um projeto em parceria com o Cenpec,Itaú Cultural e organizações de base

das zonas Norte e Sul da capital deSão Paulo. Descobrimos, em ativida-des com os moradores da região, que

tínhamos muita história para contar.Nossa gente escreve livros, faz poesia,jornalzinho, música, tem lembrançasricas da vida no bairro que precisam

ser conhecidas e ficar registradas.Tomamos então a iniciativa de criar a

Rádio Busão e uma biblioteca.Estamos buscando a doação de um

ônibus para tornar esses projetositinerantes. Queremos divulgar nossaprodução cultural no próprio bairro e

também levar para outros bairros eaté outros estados. Queremos

promover novos talentos. Acreditoque valorizar a própria cultura criaum caminho diferente de identidadepara os jovens, eleva a auto-estima,

cria reflexos para um futuro melhor.O pessoal da periferia tem

criatividade e precisa ter esperançanela, não pode ter vergonha de

mostrar o que sabe fazer.”

AMANDA VIEIRACAVALCANTI, 18 ANOS,

participante do projeto Rádio Busão,que integra o programa Jovens Urbanos

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participação e de protagonismo), otempo de resposta aos problemas émuito lento. O tempo de rotinas au-menta e o tempo de desejos e desa-fios decresce. A lentidão é observadana falta de vontade e ambição daspessoas, principalmente dos jovens,na baixa estima social da coletivida-de, no comodismo e atraso em rela-ção a outras comunidades.

Isso explica por que as jovens do“sertão das gerais”, aos 17 ou 18anos, começam a ficar “desespera-das” porque ainda não se casaram,“porque já passaram da época”. Éque, na percepção delas, o tempo dejuventude e de sonho já se realizou.Elas vivem em cidades que não têmcinema, grupo de teatro, biblioteca,festas populares, locadora de vídeos,grupos de jovens, coral ou banca dejornais. Não acontece nada nos finsde semana e muito menos no meioda semana. O mundo externo entrafiltrado pela tela da TV ou pelas on-das do rádio. Por isso a maioria temna própria TV (ou rádio) o seu instru-mento de formação de “capital so-cial”, ou seja, há um crescente pro-cesso de terceirização do desejo e ali-enação da vontade, gerando a não-participação e o não-protagonismo.

As formas do fazer – São as respos-tas produzidas pelos homens às múl-tiplas necessidades humanas. Umaresposta bem-sucedida significa incor-poração de um resultado. Assim sur-ge o “uso” que, de caráter pessoal,passa a ser um “hábito” ao tornar-se

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de domínio de um grupo maior. A prá-tica de um hábito cria o “costume”,uma das marcas de uma coletividade.A permanência do costume no tempocria a “tradição”, marca registrada dofazer e do saber fazer de uma comu-nidade ou de um povo.

Esse processo de acumulaçõessucessivas, sistemáticas e sempreatualizadas (porque contemporâ-neas), constitui a base da produçãodo conhecimento, seja de cunho ci-entífico (porque usa métodos para acompreensão de variados objetos),seja de caráter tecnológico (porqueproduz materiais, soluções e técnicasfacilitadoras), seja de essência artís-tica (porque atende a valores estéti-cos, sentimentais e não-tangíveis dahumanidade, por meio de música,teatro, poesia, pintura etc.).

Os sistemas de decisão – Referem-se ao político, à autoridade, à liderança,aos poderes de decisão – macro emicroinstitucionais e não instituciona-lizados. Aparecem ostensiva (como noscaso das lideranças políticas, jurídicas,militares etc.) ou subliminarmente,como no ambiente familiar, em que paie mãe têm poderes de decisão.

As relações de produção – Trata-se do econômico, do mundo do tra-balho, das forças produtivas – quemproduz o que e para quem – de umgrupo social. É observável nas formasconvencionais de relações de produ-

ção e de trabalho, assalariadas ou formais, e em todasas esferas da rede produtiva e reprodutiva de bens eserviços, remunerados ou não.

O meio ambiente – Ou o contexto, o entorno, o ecoló-gico. O homem é produtor e produto, processo e resul-tado do meio onde vive, parte integrante do ecossistema.Considerar o meio ambiente como um indicador social écompreendê-lo além de sua face meramente física enatural, como um elemento substantivo na constituiçãodas expressões simbólicas, relações e processos huma-nos que serão o pano de fundo sobre o qual se construi-rá o desenho cultural de uma comunidade.

A memória – Refere-se ao passado, à origem. Todosnós recebemos, desde o nascimento, uma carga de in-formações sobre o nosso passado recente ou remoto,guardado pela história ou pelo inconsciente coletivo oupela tradição familiar. A memória de um grupo social seexpressa em seus rituais sacros e profanos, repletosde elementos simbólicos perpetuadores dos vínculos edas matrizes geradoras desta comunidade.

A visão de mundo – É o religioso, o filosófico, o depois, ofuturo, o sonho. É movido pela idéia do porvir que o ho-mem investe seu tempo e energia para aprender, domi-nar, transformar e se apropriar do mundo à sua volta. Existeuma ligação entre a memória e a visão de mundo: quantomais pudermos voltar no passado e na memória, mais lon-ge poderemos chegar em direção ao futuro, ao estabele-cermos links e passagens de força, equilíbrio e coerênciaentre o ontem e o amanhã. Mas é preciso cuidado paranão se ficar preso ao passado. Quem não consegue ligá-lode forma coerente ao seu presente, não consegue cons-truir uma perspectiva de futuro de seu próprio mundo.

Com esses indicadores construímos o “nosso” mo-delo de Cultura: esta rede e trama de relações que for-ma um padrão ou um desenho definidor da identidadeda comunidade ou grupo social. E podemos pensar em

processo cultural como a interação eas dinâmicas que afetam o padrão oudesenho. Assim, entendemos que um“projeto de desenvolvimento” (dequalquer natureza) é uma ação-inter-venção planejada no desenho cultu-ral (e suas relações) de uma comuni-dade. O planejamento de um desenhocultural brasileiro – seja local, regio-nal ou nacional –, que constitui ocerne das propostas e políticas de de-senvolvimento, deveria ter entãocomo premissa e ênfase a heteroge-neidade e a diversidade culturais, quede fato constituem a marca de nossanacionalidade, o caráter de nosso paíse sua verdade histórica.

Percebê-las em seus microcosmos– escola, família e comunidade – tor-na-se uma das tarefas dos educado-res. Canalizá-las para construçõespedagógicas que favoreçam novosprocessos de apropriação de conhe-cimentos, geradores de “oportunida-des-e-de-opções”, pode ser o princi-pal trabalho da escola.

Esta é, cremos nós, a finalidade dacultura: ser instrumento eficaz do co-nhecimento, possibilitando leituras maisdensas, mais ricas, mais sábias, maisabrangentes e mais humanas da nos-sa “travessia”, nessa busca permanen-te e vocação natural para ser feliz.

Aplicação “Espinha de Peixe”, rendafeita em São Sebastião (AL)

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180ºARTE&CULTURA E EDUCAÇÃO

A ARTE-EDUCAÇÃO ESTIMULA ODESENVOLVIMENTO CULTURAL E COGNITIVO,MAS AS AMARRAS DA ESCOLA FORMAL LIMITAMO PRAZER NECESSÁRIO À APRENDIZAGEM

por_Ana Mae Barbosafotos_Henk Nieman

No Brasil, muitas das ONGs que têm obtido sucessona ação com os excluídos, esquecidos ou desprivilegiadosda sociedade estão trabalhando com arte e até vêm en-sinando às escolas formais a lição da arte como cami-nho para recuperar o que há de humano no ser humano.

Entretanto, um problema está se criando. As ONGs,sem compromisso com a camisa-de-força representa-da pelo currículo, desenvolvem nos participantes fora dosistema escolar a capacidade de aprender, levando-os adescobrir suas habilidades e a ter alegria com as desco-bertas. Enfim, recuperam crianças e jovens para devolvê-las a uma escola cujo maior valor é hoje a obediência aum currículo nacional e aos instrumentos de controle doEstado – os testes e exames –, como manda o credoneoliberal, e não o estímulo para aprender a aprender.As chances de essas crianças e esses jovens seremrejeitados pela escola e voltar à rua, que é muito maisatraente, são muitas.

O desejo de aprender é análogo ao desejo ficcional.Por meio da arte, o sujeito, tanto nas relações com oinconsciente como nas relações com o outro, põe emjogo a ficção e a narrativa de si mesmo. Nisto reside oprazer da arte. Sem a experiência do prazer da arte,por parte de professores (ou mediadores) e alunos,nenhuma teoria de arte-educação será reconstrutora.

LIÇÕESDE LIBERDADE

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Desenvolvimento cognitivoNo Modernismo, falava-se em arte na educação para

o desenvolvimento da sensibilidade, mas poucos ten-taram conceituar esta sensibilidade, deixando-se do-minar pela “lamúria psicologizante” e pelo sentimenta-lismo. Hoje, principalmente, se aspira influir positiva-mente no desenvolvimento cultural e cognitivo dos es-tudantes por meio do ensino/aprendizagem da arte. Nãopodemos entender a cultura de um país sem conhecersua produção artística. A arte, como uma linguagemaguçadora dos sentidos, transmite significados que nãopodem ser veiculados por nenhuma outra linguagem,como a discursiva ou a científica. Dentre os gênerosartísticos, os visuais, tendo a imagem como matéria-prima, tornam possível também a visualização de quemsomos, onde estamos e como sentimos.

A arte na educação, como expressão pessoal e comoprodução cultural, é um importante instrumento para aidentificação social e o desenvolvimento individual. Pormeio da arte, é possível desenvolver a percepção e aimaginação para apreender a realidade do meio am-biente, desenvolver a capacidade crítica, permitindo ana-lisar a realidade percebida e desenvolver a criatividadede maneira a mudar a realidade que foi analisada.

O conceito de criatividade também se ampliou. Para aeducação modernista, dentre os processos mentais en-volvidos na criação, a originalidade era o mais valorizado– daí o apego do Modernismo à idéia de vanguarda. Nosdias de hoje, a flexibilidade e a elaboração são os fatoresda criatividade mais ambicionados pela educação.

Em Nova York, nos anos 80, uma pesquisa com de-linqüentes juvenis concluiu que eles tinham a capaci-dade de elaboração muito pouco desenvolvida. Era,dos fatores criadores, o menos desenvolvido entre osjovens em conflito com a lei. Tinham muita dificulda-de em reelaborar o seu meio ambiente para melhoradaptá-lo aos seus desejos e necessidades. Essa in-capacidade freqüentemente gerava violência. Envol-vida em projetos artísticos, a grande maioria deles foicapaz de sobrepujar suas limitações conjunturais ereconstruir suas vidas.

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180º

Desafios na escolaDesconstruir para reconstruir, se-

lecionar, reelaborar, partir do conhe-cido e modificá-lo de acordo com ocontexto e a necessidade, são pro-cessos criadores desenvolvidos pelofazer e ver arte, fundamentais paraa sobrevivência no mundo cotidiano.E muitos projetos com crianças e jo-vens, no Brasil, estão mostrandoesse poder da “ordem oculta daarte”. Há muito educador, herói anô-nimo no Brasil, se dedicando às suascomunidades.

O trabalho de arte nas comunida-des vem confirmando que arte não éapenas uma mercadoria, como que-rem os capitalistas, nem quadro parapendurar na parede, como dizem commenosprezo os preconceituosos queacham que arte é um luxo sem o qualum país endividado como o nossopode passar. Essa é a desculpa queescolas estão dando para retirar asdisciplinas de Arte do ensino médiono Estado de São Paulo. A idéia é co-locar Computação no lugar da Arte.Por que não, em vez disso, arte pormeio do computador?

Outra estratégia para burlar a Leide Diretrizes e Bases da Educação(que exige arte no currículo) é deixarArte para os professores de Litera-tura ensinarem, com a manipuladoradesculpa da interdisciplinaridade.Sim, literatura é arte, mas não de-senvolve as linguagens visuais, so-noras e gestuais.

“Participo há pouco mais de doisanos do projeto Dança Comunidade,desenvolvido pelo coreógrafo Ivaldo

Bertazzo, em São Paulo. Nãoaprendo só a arte da dança, mas

coisas que vou usar para o resto davida. O trabalho com o corpo inclui,

por exemplo, aulas de fisioterapia,música, percussão rítmica, artes

circences e de origami - que éimportante pois é uma arte

introspectiva, que faz surgir o queestá dentro de você assim como na

dança. A gente também participa dereuniões com médicos, que falam

sobre saúde, e de grupos de reflexão,com psicólogo, assistente social e

pedagogo, onde se conversa sobre avida pessoal e as atividades do

projeto. Isso deixa a cabeça maisaberta para se expressar e receber

críticas. Enfim, o que ganho noprojeto é ouro em pó, e procuro

agarrar tudo. Estou sempreaprendendo sobre culturas diferentese percebo que isso torna a gente maisversátil. A gente se dá conta de que a

arte não está só no palco, mas emtudo. Ela é importante para sentir o

conhecimento. Se tivesse mais artena escola, seria mais legal. Do jeitoque é o ensino hoje, você só vê alunocom sono e professor desestimulado.

A arte devia fazer parte de todoaprendizado.”

CESAR DIAS CIQUEIRA,16 ANOS,

é bailarino, estudante do 2º ano doensino médio e integrante do projeto

Dança Comunidade(www.ivaldobertazzo.com.br)

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POR MEIO DA ARTE É POSSÍVELDESENVOLVER A PERCEPÇÃO, AIMAGINAÇÃO, A CAPACIDADE CRÍTICA E ACRIATIVIDADE, PARA MUDAR A REALIDADE

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Democracia e marketingÉ por essas e outras que as ONGs, com muito menos

dinheiro do que os governos vêm gastando em Educação,conseguem educar melhor e combater muito mais eficien-temente a exclusão e a violência. Sobretudo quando não setrata de marketing empresarial, mas de projeto comunitá-rio mesmo, em que os participantes têm poder de decisão.

É muito importante democratizar o poder nos proje-tos sociais. Que direito temos nós de decidir o que é maisimportante para uma comunidade, se não fazemos par-te dela? Dar voz aos oprimidos deveria ser o primeiromandamento dos projetos ditos sociais. Decidir semouvir, o governo já faz continuamente. Para compensar,o poder do terceiro setor deveria ser mais dialogal.

Há também artistas ditos voluntários (mas algumasvezes com gordas verbas de terceiros), que apenas ex-ploram os participantes, fazendo-os trabalharem de gra-ça em projetos totalmente definidos e controlados pe-los próprios artistas. Muitas vezes, apesar das boas in-tenções, porque não sabem lidar com comunidade oucom aprendizagem de arte, voluntários e artistas acres-centam mais um nível de exploração aos já tão explora-dos. É necessário conhecer e analisar o processo de tra-balho em comunidade para avaliar e julgar sua proprie-dade. Nos trabalhos desenvolvidos por Rachel Mason naInglaterra e no programa Quietude da Terra, do ProjetoAxé, de Salvador, por exemplo, os artistas trabalharamassistidos por arte-educadores, o que garantiu um pro-cesso realmente educacional a favor da inclusão.

Lidar com os excluídos, levando-os a se verem comopessoas plenas, apesar da exclusão, não é tarefa fácil.Qualquer deslize potencializa a exclusão.

O cineasta Sergio Bianchi, em entrevista acerca de seuúltimo filme, “Quanto Vale ou É por Quilo?”, que enfoca o“marketing social”, lembrava que está se criando umanova escravidão: a escravidão comandada pelo chama-do terceiro setor que só quer propaganda. Realmente,

para muitas organizações que desen-volvem “trabalho social”, o marketingda empresa vem em primeiro lugar.

Outras instituições só apóiam econo-micamente projetos que possam seauto-sustentar em determinado prazo.Mas há práticas sociais, como o MajêMolê, grupo de dança da periferia po-bre do Recife, que nunca poderão se fi-nanciar, a não ser que se comercializem,o que resulta sempre em exclusão dosmenos dotados e talentosos, que tam-bém muito necessitam do contatoreconstrutor com a arte.

Mas, apesar de algumas vezes sub-metido a um certo marketing sangues-suga, o movimento de arte para a re-construção social vem demonstrandoa necessidade da arte para todos osseres humanos, por mais inumanasque tenham sido as condições que avida lhes impôs.

Ana Mae Barbosa é professora daUniversidade de São Paulo, pioneirados estudos de arte-educação noBrasil e autora de vários livrossobre o tema. Dirigiu o Museu deArte Contemporânea daUniversidade de São Paulo em 1987 eelaborou a proposta de arte-educação apoiada no tripé: ver arte,contextualizar o que se vê, e fazer

Sem a experiênciado prazer da arte,por parte deeducadores ealunos, nenhumateoria dearte-educaçãoserá reconstrutora

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270ºARTE&CULTURA E MERCADO

A INCORPORAÇÃO DE ELEMENTOS DA ECONOMIA DE MERCADOPARA ALAVANCAR AS CULTURAS LOCAIS É LEGÍTIMA. OS RISCOSSÃO A MERCANTILIZAÇÃO E O PODER CONCENTRADOR DASGRANDES INDÚSTRIAS CULTURAIS

por_Leonardo Brantfotos_Henk Nieman

É válido pensar que a atividade cultural é essencial-mente econômica. Ou até imaginar que o pensamentoeconômico, em si, parte de processos culturais. Discor-do da dicotomia entre cultura e economia. Contesto,porém, qualquer argumento que insira a cultura numadinâmica meramente mercadológica e economicista,avaliando-a pelo número, pelo indicador, pelos empre-gos e pela pujança da sua cadeia produtiva.

A globalização tem nos mostrado que o crescimentodesenfreado da atividade cultural traz efeitos nem sem-pre favoráveis para as culturas locais. O Relatório do PNUD(Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento)de 2004, intitulado “A Liberdade Cultural no Mundo Di-versificado” traz o seguinte: “O comércio mundial de bensculturais – cinema, fotografia, rádio e televisão, materialimpresso, literatura, música e artes visuais - quadrupli-cou, passando de 95 bilhões de dólares em 1980 paramais de 380 bilhões em 1998”. Mas faz a ressalva: “naindústria cinematográfica, as produções dos Estados Uni-

dos representam, normalmente, cer-ca de 85% das audiências de cinemaem todo o mundo”.

O documento da ONU também nosalerta para a excessiva concentraçãodo dinheiro provindo das indústriasculturais. Se, por um lado, tememosseu efeito nas culturas locais, por ou-tro, observamos um enorme poten-cial alavancador dessas culturas. Daía minha empolgação com o desafio,também de origem, de acreditar queos elementos da economia de mer-cado são passíveis de incorporaçãopor toda uma gama de produtoresculturais e artistas, trazendo possi-bilidades reais de auto-sustenta-bilidade. E, por que não dizer, detransformação social.

O NEGÓCIODA CULTURA

Peças da exposição 100 latas,com intervenções de váriosartistas em latas de spray e queinaugurou a Grafiteria, espaçodedicado à arte de rua, em SãoPaulo: há novidades nasprateleiras do mercado cultural

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270º

Estava prevista para o mês de ou-tubro a 33ª Conferência Geral daUnesco, ocasião em que seria pro-mulgada uma Convenção Internacio-nal sobre diversidade cultural. Costu-mo apelidá-la de “Protocolo de Kyotoda Cultura”, dada a sua importâncianesse cenário de riqueza e desigual-dade. O documento traz uma série derecomendações aos países-mem-bros, no sentido da adoção de políti-cas próprias para a cultura, bemcomo a outros organismos interna-cionais, como Organização Mundialdo Comércio e demais órgãos das Na-ções Unidas.

Não podemos nos esquivar dianteda mais evidente – e trágica – cone-xão entre cultura e economia, senãoa da intencional transformação dehábitos e costumes culturais em di-nâmicas meramente mercadológicas.“Pesquisas de mercado identificaramuma ‘elite mundial’, uma classe mé-dia mundial que segue o mesmo esti-lo de consumo e prefere ‘marcas mun-diais’. O mais impressionante são os‘adolescentes mundiais’, que habitamum ‘espaço mundial’, com uma únicacultura pop mundial, absorvendo osmesmos vídeos e a mesma música eproporcionando um mercado enormepara tênis, t-shirts e jeans de marca”,reflete ainda o relatório do PNUD.

E esse não é um único viés da“mercantilização” da cultura. NaomiKlein, autora do excelente “No Logo”,traz algumas indagações a respeito deprocesso de apropriação da culturapelo mundo corporativo. O foco é o pa-trocínio. “Embora nem sempre seja a

PESQUISAS MOSTRAM QUE NO BRASIL ARELAÇÃO ENTRE INVESTIMENTO E VAGASGERADAS NA ÁREA É MUITO GRANDE E AOFERTA CULTURAL, MUITO PEQUENA

“Sempre gostei de música e umprofessor me encaminhou ao

Instituto Criar de TV e Cinema,em São Paulo, para fazer uma

oficina de audiovisual. Foi um anode curso, que terminou em junho, euma superexperiência, porque me

envolvi com as outras oficinas,aprendendo um pouco de câmera,computação gráfica, iluminação,

edição. Além do aprendizadotécnico, tive aulas de inglês,

história do cinema, criatividade eexpressão e sobre os meios de

comunicação. Eu era leigo em tudoisso, hoje tenho conhecimentos e

uma visão bem mais crítica. Querounir música e cinema. A participa-

ção nesse projeto está me abrindoas portas para o mercado de

trabalho, mas principalmenteabrindo minha cabeça para

valorizar a produção culturalbrasileira. Virei monitor de áudio

no projeto e, com os monitores deoutras oficinas, estamos criando

uma produtora do Instituto Criare também um núcleo jovem para

levar nossas experiências paraoutras instituições sociais. Serão

novas idéias, novos olhares, novostalentos e cabeças pensando, e tudoisso só pode enriquecer a arte e ser

bom para o Brasil.”

GUILHERME RAMOS DE SOUZA,18 ANOS,

é estudante do 3º ano do ensino médio e monitorno Instituto Criar de TV e Cinema

(www.institutocriar.org)

BEAT

RIZ

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intenção original, o efeito do“branding” avançado é empurrar a cul-tura que a hospeda para o fundo dopalco e fazer da marca a estrela. Issonão é patrocinar cultura, é ser cultura.E por que não deveria ser assim? Seas marcas não são produtos, mas con-ceitos, atitudes, valores e experiências,por que também não podem ser cul-tura? Esse projeto tem sido tão bem-sucedido que os limites entre patroci-nadores corporativos e a cultura pa-trocinada desaparecem completa-mente.” Esse processo consolida a“coisificação do ser e a humanizaçãodas coisas”, segundo o antropólogoitaliano Massimo Canevacci, autor dolivro “Culturas Extremas”.

A International Network for CulturalDiversity (www.incd.net) promove essapauta junto aos associados em maisde 50 países. Trabalha pelo desenvol-vimento cultural local em face do pro-cesso de homogeneização da cultura,impetrado sobretudo pela voracidadedos conglomerados globais da indús-tria cultural. Fruto desse trabalho depesquisa e discussão e pressão juntoa organismos internacionais comoUnesco, OMC e demais células do sis-tema ONU, está a criação no Brasil doInstituto Diversidade Cultural (www.diversidadecultural.org.br) e a publica-ção do livro “Diversidade Cultural”, lan-çado recentemente pela editora Escri-turas, em parceria com o InstitutoPensarte. A tônica geral da publicação,que traz 17 textos de especialistasinternacionais, volta-se para a análisee a proposição de mecanismos inter-nacionais que auxiliem a salvaguarda

dessas culturas, tanto quanto sua promoção nos am-bientes internos.

Pesquisa da Fundação João Pinheiro, publicada em1998 pelo Ministério da Cultura, aponta que 1% do PIBbrasileiro seria gerado pela cultura. A cada 1 milhão dereais investido, teríamos 160 postos de trabalho. A re-lação emprego/investimento seria a melhor do Brasil,mesmo em comparação com a indústria automotiva ede tecnologia. Num país em que o desafio de geraçãode trabalho e renda para os jovens em idade de ingres-sar no mercado de trabalho é enorme, isso poderia sig-nificar um grande potencial.

Dados de uma pesquisa realizada pelo IBGE em 1999demonstram, por outro lado, a ausência da oferta cul-tural no Brasil: 82% dos municípios brasileiros não pos-suíam museus, 84,5% não tinham teatro, 92% não ti-nham sequer uma sala de cinema e cerca de 20% nãotinham bibliotecas públicas. Mesmo aqueles municípiosque contavam com bibliotecas, 69% deles possuíamapenas uma e, nos municípios com até 20 mil habitan-tes, 935 não tinham nenhuma.

Nos municípios com até 5 mil habitantes, a presençade livrarias e lojas que vendem discos, fitas e CDs eramuito rara, com percentuais de 13,6% e 5,6%, respec-tivamente. E em termos de território brasileiro, dos5.506 municípios pesquisados, 65% não possuíam essecomércio. Nos municípios com mais de 50 mil habitan-tes, 90% tinham esse tipo de loja e, como já era de seesperar, todos os grandes centros urbanos possuíamesse gênero de comércio, com destaque para a RegiãoSul, onde em 60% dos municípios se identificaram li-vrarias e em 40% lojas de discos, fitas e CDs.

Esses dados apontam para um estrangulamento dacapacidade econômica, com uma grande concentraçãonos grandes centros, que obviamente não é capaz deabsorver a grande miríade criativa da cultura brasileira.Por outro lado, mostra a oportunidade de se investirnum mercado promissor e necessário para a própriavalorização das manifestações culturais locais e para odesenvolvimento de nossas crianças e jovens. Nessecaso, bom negócio para o Brasil.

Leonardo Brant é presidente da BrantAssociados e do Instituto DiversidadeCultural, autor dos livros “MercadoCultural, Políticas Culturais”, vol.1(org.) e “Diversidade Cultural” (org.)

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360ºARTE&CULTURA E CONTEXTO

A PULSAÇÃO DONOSSO TEMPO

por_Katia Canton Já dizia o crítico brasileiro Mario Pedrosa que “arte é oexercício experimental da liberdade”. Eis uma ótima de-finição, sobretudo se entendermos que o conceito deliberdade depende de um contexto para se definir. O queé considerado um ato ou um pensamento de liberdadeem um determinado momento histórico não o é neces-sariamente em outro. Em se tratando de arte, então, éimportante que prestemos atenção nos sinais dos tem-pos e em seus significados.

Bem, e qual é o significado da arte? Para começar, po-demos dizer que ela provoca, instiga, estimula nossos sen-tidos, de forma a descondicioná-los, isto é, a retirá-los deuma ordem preestabelecida, sugerindo ampliadas possibi-lidades de viver e de se organizar no mundo. Como escreveo poeta Manoel de Barros: “Para apalpar as intimidades domundo é preciso saber: / a) que o esplendor da manhã nãose abre com faca / b) o modo como as violetas preparam odia para morrer / c) por que é que as borboletas de tarjasvermelha têm devoção por túmulos / d) se o homem quetoca de tarde sua existência num fagote tem salvação (...)Desaprender 8 horas por dia ensina os princípios (...) / As

A ARTE CONTEMPORÂNEA SUPERA AS DIVISÕES DOMODERNISMO E REFLETE O ESPÍRITO DE NOSSA ÉPOCA,OCUPADA COM AS QUESTÕES DA IDENTIDADE: O CORPO, OAFETO, A MEMÓRIA

Katia Canton é PhD em Artes pelaUniversidade de Nova York, docente ecuradora de arte do Museu de ArteContemporânea, da Universidade deSão Paulo, autora de vários livros,entre eles “Retrato da Arte Moderna”

coisas não querem mais ser vistas por /pessoas razoáveis:/ Elas desejam serolhadas de azul — / que nem uma crian-ça que você olha de ave”.

A arte ensina justamente a desapren-der os princípios do óbvio que é atribuí-do aos objetos, às coisas. Ela parece es-miuçar o funcionamento das coisas davida, desafiando-as, criando para elasnovas possibilidades. Ela pede um olharcurioso, livre de “pré-conceitos”, mascheio de atenção. Os jovens já têm essadisponibilidade, mas é preciso estimu-lar seu convívio com arte para facilitar eaprimorar essa percepção.

Agora, ao mesmo tempo em que senutre da subjetividade, há outra im-portante parcela da compreensão daarte que é constituída de conheci-mento objetivo, envolvendo a histó-ria - da arte e dos homens -, para que,

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com esse material, se possa estabe-lecer um grande número de relações.Para contar essa história, a arte pre-cisa ser plena de verdade, refletindoo espírito do tempo, com a visão, opensamento e o sentimento das pes-soas em seus momentos.

Parece complicado? Pois pensar naarte como um conhecimento vivo, umtecido onde se costuram diariamentefios que compõem a vida, é uma formade entender por que razão a maneira deencará-la também se modifica no de-correr dos contextos sócio-históricos. Émais que desejável, então, que os jovensse acostumem a pensar também sobrea arte de seu próprio tempo.

Arte moderna e vanguardasDe modo geral, podemos afirmar que a arte moderna,

que se iniciou a partir da segunda metade do século 19e abarcou todo o século 20, teve como mola propulsorao conceito de vanguarda. E o que isso significa?

O termo vem do francês “avant-garde”, que quer di-zer “à frente da guarda”. É um termo de guerra, quepressupõe duas idéias básicas: a de se estar “à fren-te”, isto é, de fazer algo novo, e a de “guarda”, que seliga à luta, à ruptura. Eram esses os desejos dos artis-tas modernos. As bases de todos os movimentos queeles criaram, independente de suas singularidades,estão ligadas às noções de novo e de ruptura.

Buscando criar obras cada vez mais inovadoras e quepudessem romper com a ordem vigente é que os artistasmodernos elaboraram seus movimentos. Afinal de con-tas, esses artistas pertenceram a uma era tremendamente

Espécimes da Flora, um óleo sobretela e napa, obra da artista plásticabrasileira Adriana Varejão

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intensa, que, no rastro da Revolução In-dustrial, urbanizou cidades, promoveuespantosas inovações tecnológicas,mas também produziu duas guerrasmundiais, além da Revolução Russa,que acabaram por separar o mundo emblocos capitalista e socialista. Era pre-ciso que a arte se tornasse tão inova-dora e radical quanto a própria vida.

Uma das invenções do século 19 eque teve um impacto fenomenal sobrea arte foi a fotografia. Ela liberou os ar-tistas, até então incumbidos de regis-trar em suas telas pessoas, paisagense fatos históricos para a posteridade. Afotografia poderia cumprir essa função,dando ao artista mais liberdade paracriar, pesquisas e experimentar.

No Modernismo, diversos projetosuniam artistas em diferentes movimen-tos, muitas vezes endossados por ma-nifestos – textos que os explicavam evalidavam. A opção pelo novo manifes-tou-se de maneiras muito diversas eparticulares, ampliando enormementeas possibilidades artísticas que o sécu-lo 20 trouxe para o mundo ocidental.

No Impressionismo, por exemplo,os artistas queriam se liberar da re-presentação realista e cheia de regrasimpostas pelas academias de belas-artes. No Cubismo, a fragmentaçãodas imagens projetava simbolica-mente a própria fragmentação domundo da industrialização. Na arteabstrata, procurava-se uma sínteseque transcendesse uma realidade deguerras, destruições e desigualdades.

O que os unia era um posicionamen-to diante das mudanças trazidas pelasociedade industrial. Impressionismo,Pós-Impressionismo, Fauvismo, Ex-pressionismo, Simbolismo, Cubismo,Futurismo, Surrealismo, Minimalismo...todos buscavam liberdade e autono-mia para a obra de arte.

“Com 15 anos, eu não sabia nada demúsica. Gostava só de rock e tinhavontade de tocar violão. Aí minha

mãe me falou de um curso demúsica. Era o projeto Acordes Pão de

Açúcar. Como o curso era deinstrumentos de corda, me interessei,

mas não tinha violão, só violino,viola, violoncelo e contrabaixo. Para

começar, eu tinha de ver umaapresentação da orquestra do

projeto. Por ser orquestra, a minhaexpectativa era que o programa

seria chato, coisa erudita. Mas gosteie vi que com aqueles instrumentos

eles também tocavam músicapopular. Comecei aí a aprender quesegregar música, ou qualquer outra

arte, é uma bobagem. Escolhiaprender violino e não deixei de

gostar de rock, agora entendo mais.Hoje toco na orquestra do Acordes,

formada por 40 músicos, e tambémdou aula no projeto. O Acordes me

abriu um horizonte cultural, não sóna música. A gente tem contato com

história, outras línguas e culturas.Encontrei também um horizonte

profissional. Estudo música naFaculdade Santa Marcelina, em SãoPaulo, e estou em vias de acertar um

intercâmbio cultural para estudarem uma universidade na Polônia.”

MATHEUS FRANZ CANADA,21 ANOS,

estudante de música e integrante doprojeto Acordes, do Instituto Pão de

Açúcar (www.paodeacucar.com.br)

CES

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A ARTE DESAFIA O ÓBVIO E SUA COMPREENSÃO EXIGE UMOLHAR CURIOSO, ATENTO E SEM PRECONCEITOS. OSJOVENS JÁ TÊM ESSA DISPONIBILIDADE, MAS PRECISAMDE CONHECIMENTO PARA APRIMORÁ-LA

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A cena contemporâneaCom o passar do tempo, no entan-

to, a arte moderna sofreu um desgas-te. Por um lado, ela tornou-se tão ex-perimental que acabou por afastar-sedo público, que passou a achar suasmanifestações cada vez mais estra-nhas e de difícil compreensão. Issoaconteceu particularmente a partirdos anos 60 e 70, em Nova York, paraonde se transferiu a vanguarda artís-tica dos centros europeus depois daSegunda Guerra, e onde várias noçõesmodernas foram radicalizadas.

No movimento minimalista, criadoali, o lema era “Menos é Mais”; a artenão deveria ter autoria, nem passa-do ou futuro, apenas a ação do mo-mento presente. “O que se vê é o quese tem”, diziam os minimalistas. “Nãohá nada por trás das formas.”

Em meio a isso, as pessoas sentiamfalta de histórias e da possibilidade deserem arrebatadas de emoção pelasobras de arte. Por outro lado, a noçãodo novo, fundamental para a vanguar-da, também se tornou algo imprová-vel, sobretudo num mundo repleto deinformações e estímulos.

Com a mudança global que se deli-neia a partir dos anos 80, torna-se maisgritante ainda a necessidade de umamodificação no conceito de arte. Maisdo que isso: torna-se necessário que aarte se modifique para sobreviver. E éaí que sai de cena a arte moderna esobe ao palco a contemporânea.

Para começar, a organização prévia do mundo entrecapitalismo e socialismo entra em colapso com o fim doregime socialista soviético e a queda do muro de Berlim(1989). As novas realidades políticas provocam um fluxogeográfico internacional, fazendo com que os desloca-mentos humanos instaurem uma nova noção de identi-dade e de nacionalidade.

A virtualização produz uma profunda modificação namaneira como as pessoas se relacionam. A relação tem-po e espaço, que antes obedecia a uma proporcionalidade,agora é instável.

Se os estímulos de informação proliferam sem limitestemporais ou espaciais, tornando-se muitas vezes exces-sivos, a memória torna-se um bem maior. Para o cientistarusso e Prêmio Nobel, Ilya Prigogine, “o fim da humanida-de seria uma sociedade que perdeu sua memória”.Prigogine aponta para uma valorização cada vez maior damemória como um bem ao qual muitas pessoas terãopouco acesso num futuro em que tudo é descartável.

A importância dada à moda, às aparências e à “atitu-de”, aliada a uma tecnologia sofisticada de cirurgias,implantes, aparelhos de ginástica e substâncias quími-cas, além das possibilidades genéticas que se abremcom os seqüenciamentos cromossômicos, fazem docorpo um campo de experimentações futurísticas. Abusca pela originalidade, que caracterizava a vanguar-da modernista do século 20, é substituída pela atitudede busca de reconhecimento, de celebridade. Transfe-re-se o alvo das preocupações da produção para o pro-dutor, da obra para o autor.

Tanta coisa acontece rápida e simultaneamente queafeta nossa capacidade de lidar com a memória, aafetividade, o corpo, a identidade, enfim. Esses, então,passam a ser os grandes assuntos a serem tratadospelos artistas contemporâneos, espécies de radares deseu próprio momento histórico. A arte abstrata conti-nua a existir, mas é na figuração, nas narrativas, nasimagens ligadas à própria história de vida do artista eàs micropolíticas referentes ao mundo em que vive queestá o grande foco da arte contemporânea.

Se fosse convidada a reformular o ensino da arte nomomento contemporâneo, eu substituiria o estudo dosmovimentos que caracterizaram a era moderna por es-ses grandes temas que acompanham a produção e o pen-samento dos artistas contemporâneos, permitindo que aarte continue a fazer sentido e a ecoar nossa essência.

Trabalhando nos sintomas dessecenário, grandes nomes internacionaisparecem confirmar essa tendência.Cindy Sherman fotografa-se assumin-do identidades variadas. A francesaLouise Bourgeois, com mais de 80 anosde idade, é uma das mais radicais ar-tistas da atualidade, construindo uni-versos escultóricos que mesclam au-tobiografia e erotismo. O norte-ameri-cano Mathew Barney cria em seus fil-mes uma mitologia miscigenada, mis-turando tempos e espaços.

No Brasil, Adriana Varejão pinta facha-das de azulejaria portuguesa sangran-do como se em carne viva, criando umpotente comentário sobre a históriacolonial e seus rastros de sofrimento.Ernesto Neto constrói com náilon, es-puma e enchimentos, verdadeiras me-táforas de nossos órgãos e peles.

Em meio a múltiplas possibilidades deusos de materiais, espaços e tempos, aarte contemporânea não separa a ruae o museu. O coreógrafo Ivaldo Bertazzomescla tradições étnicas milenares como gestual urbano de crianças e jovensde favelas brasileiras. O músico NanáVasconcelos utiliza com precisão sonsdo corpo e voz de milhares de pessoase afirma que Vila-Lobos é um “genuínomúsico popular, já que consegue fazerecoar os sons do povo, ainda que de for-ma sinfônica”.

Felizmente, a arte contemporâneatem a liberdade de apontar suas heran-ças e sua história sem precisar ir ao grauzero da originalidade e está cada vezmais infiltrada nas peles da vida. Assimela permanece pulsando.

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OUTRAS LEITURAS

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MENSAGENSCIFRADAS DAJUVENTUDE, ASPICHAÇÕESLEVANTAMQUESTÕESSOBRE O PODERDE INCLUSÃO EOS LIMITES DAARTE URBANA

por _ Iara Biderman

Decifra-me ou devoro-te. No alto dos prédios e via-dutos, nas fachadas das casas e nos muros das gran-des cidades, principalmente, as frases desconexas eletras indecifráveis repetem o desafio da esfinge. Quemensagens são essas, que nos joga na cara perguntasainda sem respostas consensuais: sinais de deteriora-ção urbana ou arte de rua?

Para o fotógrafo profissional Iatã Canabrava, é co-municação visual popular. Convidado para fazer um tra-balho sobre as intervenções visuais urbanas - picha-ções, grafites, anúncios, faixas -, Canabrava chamoujovens fotógrafos e grafiteiros para realizarem juntosuma leitura da cidade. O resultado foi a exposição“Spray - Tatuagens Urbanas”, que ficou à mostra nasede do Instituto GTech, em São Paulo, em meadosdeste ano, como “uma reflexão, nem a favor, nem con-tra, sobre essa demarcação visual do espaço urbano”,segundo o fotógrafo.

Mas é difícil não ser “contra ou a favor” nessa questão.“A cidade é o suporte para a pichação e o grafite, e muitagente não gosta. Muitas vezes, é a situação de um outroagredindo diretamente algo que é seu”, diz DanielFernandes, o Badah, educador de oficinas do InstitutoGtech. A busca desesperada por qualquer espaço de ex-pressão leva os excluídos da arte e da cultura a marcarterritório de forma ostensiva, por vezes agressiva. “Se ti-vessem outras oportunidades de atividades culturais, ospichadores talvez escolhessem outras formas de expres-são. Poderia ser o grafite, mas poderia ser qualquer outracoisa”, acredita Badah.

BAD

AH

Para L. F. A. C., 17, a escolha foi ou-tra. O garoto era “invocado”, bastava al-guém olhar torto para ele partir para abriga. “Minha mãe vivia preocupada. Euandava com uma turma de gente maisvelha, ‘me achava’. Vivia na rua, era mui-to rap e pinga com groselha. Subia emcarro, escalava muro e pichava em unslugares incríveis”, conta. O que deu “umrumo” para L.F., segundo suas própriaspalavras, foi o encontro com a músicaclássica. Há quatro anos, participa doProjeto Guri, e toca violino na orquestrado projeto, que surgiu no âmbito do go-verno do Estado e hoje é uma organi-zação social na área de cultura que pro-move inclusão por meio do ensino co-letivo da música.

A foto de uma construçãopichada em rua de São Paulointegrou uma mostra em quefotógrafos e grafiteiros fizeramuma leitura visual da cidade

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A escolha de L.F. não significou umrompimento com o rap e a “turma dopiche”, mas, hoje, o ajuda a ter umareflexão mais elaborada sobre essetipo de manifestação. “Quem vê defora acha que é vandalismo. Nada aver. A gente está mostrando o quesente, mas não estão entendendo.Estamos dizendo: ‘olhem, estamosaqui!’”, conta, acrescentando que, an-tes de tocar na orquestra, pichavaporque não era notado. “Agora, tocoviolino e sou notado, me aplaudem.”

Mensagem para poucosPara o antropólogo Alexandre Bar-

bosa Pereira, autor da tese “De Rolêpela Cidade – os Pichadores de SãoPaulo”, a lógica do pichador é ser re-conhecido e ganhar notoriedade den-tro do grupo. “A mensagem, em ge-ral, não é para a população, é para elesmesmos.” Dentro dessa lógica, quan-to mais arriscado for o local ou a situa-ção da pichação, mais status o autorganha dentro dos grupos. É uma for-ma de ser conhecido e valorizado porturmas que circulam por todas as par-tes da cidade, algo difícil de aconte-cer se não for por meio da interven-ção gráfica no espaço público ou napropriedade privada. “Alguns, em cer-tos momentos, até admitem que évandalismo. Outros defendem comouma forma de expressão. E há os queconsideram como um protesto políti-co. Em geral, o pessoal mais politizadoé o ligado aos movimentos do hiphop”, diz Pereira.

O psiquiatra Auro Danny Lescherencontrou no hip hop o sangue bomque faz bater forte o coração do Pro-jeto Quixote. Ligado ao departamen-to de psiquiatria da Unifesp (Universi-

dade Federal de São Paulo), o Quixote busca criar al-ternativas para crianças e jovens em situação de riscosocial. “Mas é preciso oferecer uma alternativa de so-ciabilidade suficientemente criativa e interessante. Nãodá para ficar apenas fazendo vaso com palito de fós-foro. Tem de ser hip hop na veia”, receita Lescher.

Movimento iniciado nos Estados Unidos na décadade 60 e que se disseminou pelos centros urbanos bra-sileiros no início dos anos 80, o hip hop inclui manifes-tações artísticas como música (rap), dança (breake) etambém o grafite, que se torna recurso contra a ex-clusão. “A opção entre uma arma e uma latinha de tin-ta é questão de oportunidade”, acredita Lescher.

O Quixote amplia essas oportunidades criando, porexemplo, eventos que unem manifestação de cidada-nia com grafite. Como uma grande grafitagem reali-zada no Carandiru. A pintura do ex-complexo presidiá-rio foi feita simultaneamente pelos jovens reunidospelo Quixote, do lado de fora, e os internos do presí-dio, de dentro. “É a arte comunicando dois mundos”,analisa Lescher. Também canaliza possibilidades ofe-recendo formação e oportunidade de geração de ren-da por meio do Quixote Spray Arte. Ali, jovens desen-volvem técnicas de grafite e podem ganhar dinheirocom sua arte, oferecendo produtos como oficinas degrafite, pinturas decorativas ou de divulgação em fa-chadas e camisetas grafitadas. A formação possibilitaque muito pichador se descubra como artista. “Todopichador quer ser grafiteiro um dia; e quase todografiteiro já foi um pichador”, diz Lescher.

Rampas de acessoWagner, dos Pigmeus, ou “Wag...”, seu nome de guerra

e de muros, faz intervenções urbanas há pelo menosdez anos: “Picho desde os 15”, conta, com o orgulho dequem se autodenomina “escritor de rua”. Ele acreditaque se todos os pichadores pudessem fazer algum tipode curso, pelo menos 50% mostrariam “que são artis-tas mesmo. Todo pichador vira grafiteiro no final”.

Wagner, que já foi motoboy e hoje está desempre-gado, vive no limite entre a arte e a ilegalidade. Já es-capou por pouco de levar tiros quando pichava casasalheias e já foi entrevistado por jornalistas dinamar-queses, encantados com o desenho sofisticado das

É PRECISO CRIARRAMPAS DEACESSO PARAQUEM ESTÁEXCLUÍDO PODERENTRAR PELAPORTA DA ARTE EDA CULTURA.QUEM VIVE EMSITUAÇÃO DERISCO SOCIALTAMBÉM TEMNECESSIDADESESPECIAIS

letras que picha. Ele organiza even-tos para transformar vielas deterio-radas do bairro periférico de CapãoRedondo, onde mora, em “museus acéu aberto”. Os Pigmeus – “a galera”de pichadores de Wagner – organi-zam esses eventos por conta própria,chamando pichadores de várias regi-ões e buscando patrocínio na comu-nidade. O plano de Wagner é trans-formar os Pigmeus em uma ONG paraformar e apoiar artistas de rua.

O que o ex-motoboy quer, na defini-ção mais elaborada do psiquiatra AuroLescher, é criar rampas de acesso paraquem está excluído poder entrar pelaporta da arte e da cultura. “Assim comoé necessário construir rampas de

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acesso físicas para o portador de ne-cessidades especiais poder chegar a de-terminado local, é preciso construir ram-pas de acesso que envolvem relaçõeshumanas. Quem vive em situação derisco social também tem necessidadesespeciais”, diz Lescher.

De certa forma, a Associação RodrigoMendes surgiu como uma união dossentidos literal e metafórico do concei-to exposto por Lescher. Aos 19 anos,depois de ser baleado durante um as-salto, Rodrigo entrou para o grupo deportadores de necessidades especiaise subiu a rampa da arte quase por aca-so. “Comecei a fazer reabilitaçãomotora e encontrei um artista, que mepropôs um trabalho com pintura. Nun-ca tinha feito antes, fui sem nenhumapretensão, mas logo tomei gosto pelacoisa. Ao ver os resultados positivosda arte, tive a idéia de ampliar essapossibilidade para um público maior”,conta Rodrigo.

A Associação Rodrigo Mendes foiinstituída em 1994 como uma escolavoltada aos deficientes físicos, com aproposta de usar a arte como ferra-menta de acesso à cultura. Mas, em1996, Rodrigo decidiu que a escoladeveria ser inclusiva: aberta a defi-cientes ou não, de diferentes origense idades. “As experiências de segre-gação não deram certo. A arte, por suaamplitude, pode agregar a todos.”

A inserção na arte e na cultura vemjunto com a possibilidade de supriruma necessidade bastante especialpara boa parte dos alunos da asso-ciação: gerar renda. Além de os alu-nos aprenderem a transitar com pro-priedade na história e nos conceitosda arte, a Associação Rodrigo Mendestem parcerias com empresas para a

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Fotos de grafitagem no complexopresidiário do Carandiru, cominterferências realizada por integrantesdo Projeto Quixote

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VISTO COMOVÂNDALO OUCOMO AUTORDE UMA FORMAPRÓPRIA DEEXPRESSÃO, OPICHADOR ÉUM JOVEM QUEACABA VIRANDOGRAFITEIRO

PROJETO QUIXOTEÁREA DE ATUAÇÃO MUNICÍPIO DE SÃO PAULOPROPOSTA Atendimento de crianças e adolescentes em situação de risco social por meio de oficinas lúdicas eartísticas, formação de multiplicadores e pesquisa científica para ampliar e aprofundar a compreensão darealidade vivida por sua população-alvoJOVENS ATENDIDOS 3.000APOIO PROJETO PETROBRÁS FOME ZERO E UNIFESP (UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO PAULO)CONTATO Rua Prof. Francisco de Castro, 92 – Vila Clementino – 04020-050 – São Paulo (SP). Tel.: 11/5572-8433– e-mail:[email protected]

PARA

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PROJETO GURIÁREA DE ATUAÇÃO ESTADO DE SÃO PAULOPROPOSTA Inclusão social e cidadania através do ensino coletivo da músicaJOVENS ATENDIDOS Aproximadamente 25 milAPOIO GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULOCONTATO [email protected]

PARA

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AISSOBRE

venda de produtos, como linhas de material escolar,porcelanas, cosméticos e brindes ilustrados com pin-turas dos alunos.

Questão de sobrevivênciaPoder viver de sua arte, comercializá-la, é um dos

grandes dilemas dos pichadores e grafiteiros. Ninguémquer se render ao mercado ou aos interesses do poderpúblico – que às vezes oferece muros a serem deco-rados e o material necessário, sem remuneração – mastodo mundo quer e precisa de grana. Até para com-prar a tinta. O pichador Wagner imagina uma solução“institucional” para o que os órgãos públicos e a maio-ria da população consideram um problema: “As prefei-turas cadastram todos os pichadores, dão um curso, eregistram como artistas de rua. Então, eles podem dei-xar a cidade mais bonita, todos ganham”, sonha. Maslogo questiona a eficácia dessa sua idéia: “Tem um efei-to colateral. Ninguém vai se contentar em grafitar sóonde querem que seja pintado. Está na alma da picha-ção e do grafite ser ilegal. E é muito bom fazer algoarriscado”, diz ele, que tem atração especial por esca-lar prédios e pintar letras de cabeça para baixo nas al-turas mais improváveis. “É uma adrenalina muito boa.”

O surpreendente, para o garoto L. F., do Projeto Guri,foi descobrir em outras formas de expressão artísti-ca uma adrenalina tão poderosa quanto a vertigemda pichação ilegal: “Tem uma peça clássica que, sóde ouvir, fico tremendo. É o “Opus 26”, do composi-tor alemão Max Bruch. Pura adrenalina, igual à de pi-char em cima do viaduto ou no alto do prédio”.

Letras típicas de pichaçãopintadas, isoladamente , sobreazulejos aplicados num muro:novas possibilidades de leituras

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“A pauta ficou martelando na minha cabeça.Eu tinha algumas idéias esparsas e muitas

dúvidas. O que é arte? Qual a diferença entrepichação e grafite? Minhas referências só

aumentavam as contradições. Meus amigosgrafiteiros, há vinte e muitos anos, justificavam

suas ações: bem-nascidos, estavam levando aarte das galerias para as ruas. E a pichação,

naquele finzinho dos anos 70, não era nemqueria ser arte. Eram do tipo “abaixo a

ditadura”, salvo uma ou outra poesia indepen-dente. O que eu não sabia é que, naquela época,

já começava a pulsar nas periferias ummovimento artístico-cultural que viria a

utilizar o piche e o grafite de novas maneiras.Demarcar território e gritar “eu existo” são

algumas delas. O caminho natural foi percorri-do: ir da periferia ao centro, para ganhar o

máximo de visibilidade – às vezes, com omáximo de ilegibilidade, invertendo o jogo da

exclusão. Os incluídos não participam daleitura significativa dessa escrita. Portanto,

para essa reportagem, era preciso ir atrás dosgrafiteiros e pichadores de hoje. Fui a um

encontro deles me sentindo um ET. Mas nãotive dificuldade para estabelecer contato –

adoram falar do que fazem. Todos se apresen-tam como grafiteiros e só depois de alguma

conversa é que assumem que também fazempichações. Quando perguntei o porquê, aresposta foi: ‘Porque pichador vai preso,

grafiteiro não.’ Mas os protagonistas dasintervenções visuais urbanas não oferecemexplicações claras sobre as diferenças entre

pichação e grafite. Talvez não precisem, mesmo.O negócio deles é ‘se expressar’ – de forma tortaou consciente, como agressão ou transgressão.”

VIDA DE REPÓRTER

IARA BIDERMAN, 44 ANOS,é jornalista há 22 anos

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ASSOCIAÇÃO RODRIGO MENDESREGIÃO DE ATUAÇÃO GRANDE SÃO PAULOPROPOSTA Possibilitar que o indivíduo desfrute dos benefícios de conviver com a arte, comprometidaem garantir o acesso de pessoas portadoras de deficiência e/ou de baixa renda a seus programasJOVENS ATENDIDOS 101APOIO TILIBRA, D PASCHOAL E BAUDUCCOCONTATO Rua Tenente Aviador Mota Lima, 85 – Vila Caxingui – São Paulo (SP) – CEP 05517-030 –Tels.: 011/3726-4468 e 3726-8418 – e-mail: [email protected]

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o sujeito da frase

“A ARTE NOS TORNA

O ator Leandro Firmino da Hora diz que nãoé a obrigação mas o desejo de fazer queaumenta nosso compromisso

RESPONSÁVEIS”

AE

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por_Cristiane Ballerinifoto_Deise Lane Lima

O artista, que estreou no papeldo traficante Zé Pequeno, nofilme “Cidade de Deus”, diz quea arte mudou o roteiro de suavida e pode transformar muitasoutras histórias

O ator também é vice-presidente daNós do Cinema, organização que aten-de a 60 jovens, criada a partir da ofi-cina de atores de “Cidade de Deus” ecujo nome se inspira no Nós do Mor-ro, um pioneiro grupo de teatro domorro do Vidigal. “Infelizmente, amoçada está desacreditada de si, davida. Nos cursos de cinema, eles es-crevem roteiros, representam, colo-cam suas idéias na tela. Isso tem umpoder e tanto para elevar a auto-esti-ma”, diz Leandro, que continua circu-lando de ônibus pelo Rio e se man-tém fiel às origens: “Só quem vive emcomunidade sabe do que estou falan-do. A vida é dura, existe a pobreza, aviolência, mas as pessoas se ajudamo tempo todo. Tem sempre um climade festa e solidariedade no ar”.

A seguir, o ator fala de sua trajetória.

Onda Jovem: Como você se tornouator?

Leandro: Se eu disser que sonhavaem estar na tela do cinema desdecriança, é mentira. Nunca planejei se-guir esse caminho. Prestei serviçomilitar e fiquei um ano no Exército.Quando saí, me arrependi. Pensavaque devia entrar para a Aeronáutica eseguir carreira. Acho que ainda nãotinha despertado de verdade parauma profissão. Queria mesmo era terum emprego, estabilidade.

AE

PARA

SAB

ER M

AISSOBRE NÓS DO CINEMA

ÁREA DE ATUAÇÃO COMUNIDADES POBRES DO RIO DE JANEIRO NAS OFICINAS PERMANENTES DE CINEMA.VÁRIAS CIDADES DO PAÍS E EXTERIOR NOS PROJETOS QUE ENVOLVEM EXIBIÇÃO DE FILMES E DEBATESPROPOSTA Possibilitar novas perspectivas profissionais e pessoais a jovens de baixa renda por meio docinema e outras expressões audiovisuaisJOVENS ATENDIDOS cerca de 60 jovens por ano, nas oficinas permanentesAPOIO FURNAS, LUMIÈRE, GRUPO LUNDI, FIRJAN, KLABIN, MIRAMAX FILMES, DILER & ASSOCIADOS, O2 FILMES,GLOBO FILMES, URCA FILMES, VIDEOFILMES, TV ZERO, CDICONTATO Rua Voluntários da Pátria, 53/2º andar – 20000-000 – Rio de Janeiro (RJ) – tel.: 21/2226-0668– www.nosdocinema.org.br

Ele cresceu na Cidade de Deus, no Rio de Janeiro, eaté os 15 anos não saía de casa desacompanhado. Seuspais tinham tanto medo da proximidade com o tráficode drogas que nem brincar na rua era permitido a ele eseus três irmãos.”Por isso, até hoje não sei soltar pipa”,lamenta Leandro Firmino da Hora. Ironicamente, foi napele de um violento traficante que o rapaz tímido, de falamansa, se tornou ator, e de sucesso. O papel de Zé Pe-queno, no filme “Cidade de Deus”, de Fernando Meirelles(2001), foi parar nas mãos de Leandro aos 20 anos, de-pois de um teste que só fez por insistência de um ami-go: “Eu pensava em seguir a carreira militar. Queria umemprego seguro, mas descobri na arte um caminho derealização”. O êxito mundial do filme – quatro indicaçõesao Oscar – projetou o garoto, que não parou mais. Atuouem curtas e no longa “Cafundó”, de Paulo Betti e ClóvisBueno, e co-dirigiu o filme “Um Crime Quase Prefeito”.Na tevê, participou de “Cidade dos Homens” e “CargaPesada”, e no teatro atuou em “Woyzeck”.

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Você cresceu na Cidade de Deus, uma comunidade comomuitas outras, onde os pais procuram manter os filhosafastados da influência do tráfico de drogas. Fazer opapel de Zé Pequeno deu a você uma visão mais clarasobre as razões que levam esses jovens ao crime?

Até os 15 anos, eu não saía de casa desacompanhado.Era sempre com o pai ou a mãe. Era da escola para casa,da casa para a escola. Dessas brincadeiras de menino,só sei mesmo jogar bolinha de gude. Nunca soltei umapipa na rua, tamanho o medo da minha família. Hoje, agra-deço a meus pais por me protegerem. Numa comunida-de carente há poucas perspectivas para o jovem e mui-tos apelos para os caminhos errados. Às vezes, os paissão alcoólatras ou dependentes químicos. Não há diver-são, escola boa, trabalho. Mas acho que já está melhordo que na minha infância. Hoje, há vários projetos so-ciais que trazem alternativas para crianças e jovens.

Muitos desses projetos trabalhamcom arte, caso do Nós do Cinema.Não há o risco de se criar uma ilusãoentre os jovens de que todos se tor-narão artistas profissionais?

É importante tomar cuidado comisso. O Nós do Cinema, por exemplo,tem uma filosofia de trabalho baca-na. Nosso objetivo não é dar um cur-so para o cara virar cineasta. É claroque tem gente que vai trabalhar naárea, é contratada por produtoras,tevês. Mas o mais importante é me-lhorar a auto-estima de nossos alu-nos e trazer outras perspectivas. Ou-tro dia, depois de um ano no Nós, umrapaz decidiu que queria ser profes-sor de Geografia e foi atrás desse so-nho. O trabalho com arte não precisaser um fim em si. A arte despertamuitas possibilidades e pode estar li-gada à qualquer atividade.

Por que a arte interfere de maneiratão positiva na vida das pessoas?

A arte pode mudar radicalmente avida de alguém. Fazendo cinema, porexemplo, a pessoa tem possibilidadede falar de si, avaliar vários assuntospor ângulos diferentes e também co-locar suas idéias em prática. Quandoalguém vê na tela o roteiro que escre-veu, cenas que dirigiu ou nas quaisatuou, é maravilhoso. Isso tem o po-der de mostrar para a própria pessoasua capacidade de realização.

E para a sua vida, qual é a importân-cia da arte?

É incrível, mas o cinema e o teatrome deram mais responsabilidade queo próprio serviço militar. Quando te obri-gam a fazer alguma coisa, não tem im-portância. Agora, quando o seu desejoestá naquilo que você faz, sua respon-sabilidade aumenta. A arte também mefez prestar mais atenção às coisas queacontecem a meu redor, ajudou a en-tender melhor as pessoas e a me en-tender melhor com elas. Sou tímido,

“O trabalho com arte não precisaser um fim em si. A arte despertamuitas possibilidades e pode estarligada à qualquer atividade”

Mas vida de ator nem sempre é es-tável...

É verdade. Mas a vida militar édura. Você é obrigado a seguir or-dens, ser pontual e nem sempre euconseguia. Um dia, o Diogo, meu vi-zinho e praticamente um irmão,anunciou que estava rolando umteste para atores na associação demoradores. Nada a ver, pensei. Masele insistiu e acabei indo. Fui esco-lhido para a oficina de atores do “Ci-dade de Deus”. As cenas eram cria-das com ajuda dos preparadores deatores Gutti Fraga e Fátima Toledo.Era um mundo novo pra mim e to-mei gosto.

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Vice-presidente da ONG Nós do Cinemae já lançando seu primeiro

filme como co-diretor, Leandroacredita que o ensino das técnicas deaudiovisual nas escolas ajudaria no

processo de aprendizagem

tamente dava aula de interpretação. Mesmo assim, foiuma sorte pegar essa época boa. Hoje em dia, não vejoesse empenho da escola pública.

O Nós do Cinema tornou-se ONG há apenas dois anos.Já deu tempo para corrigir possíveis erros de percurso?

Ainda estamos aprendendo e, pelo jeito, vamos apren-der sempre. No início, não estávamos chegando em quemmais precisava. Existem muitas organizações que acabamsó trabalhando com jovens que têm uma boa base: estru-tura familiar forte, oportunidades em outros projetos eescola. Aí é muito fácil. Hoje, temos um departamentosocioeducativo preparado para chegar, durante a seleçãopara os cursos, na moçada em situação de risco. Já con-seguimos criar perspectivas para meninos que, no passa-do, tiveram envolvimento com o tráfico ou passagem pela

polícia. Mas é claro que a gente nãovence sempre.

Antes de ser ator você tinha oportu-nidade de ir ao cinema, shows, tea-tro, exposições?

Meus pais curtem muita música, es-pecialmente samba de roda, black esoul music. Cresci ouvindo JamesBrown, Bezerra da Silva, Dicró. No cine-ma, só ia mesmo com meu pai, umasduas vezes por ano. Hoje, apesar dealgumas promoções para dar acesso àpopulação pobre, como a temporadade teatro a R$ 1,00, a cultura ainda épara a elite. No fim de semana, um in-gresso de cinema custa R$ 18,00.Quem ganha pouco e tem filhos nãopode gastar isso para ver um filme.

“Cidade de Deus” gerou polêmica ealguns moradores declararam que ofilme fazia um retrato prejudicial àcomunidade. O filme teve impactonegativo ou positivo para a Cidadede Deus real?

De um jeito ou de outro, o filmecontribuiu para que a sociedade co-meçasse a pensar sobre esse gran-de problema que é o domínio do trá-fico em algumas comunidades. Con-tou a história da Cidade de Deus, maspodia ser a história da Rocinha, doCantagalo e outras comunidades po-bres do país. O filme foi um soco paraa elite acordar e perceber que a coi-sa existe e está cada vez mais próxi-ma. Com o filme, surgiram vários pro-jetos sociais na Cidade de Deus,como a cooperativa de cinema Bocade Filme. Isso é o mais importante:fazer algo que tem um impacto po-sitivo na vida das pessoas.

mas já fui muito pior. Às vezes, ficavaperdido nas ruas, procurando um en-dereço feito maluco porque tinha ver-gonha de pedir informação. Pode ima-ginar isso?! Ser ator me obrigou a fa-lar com as pessoas.

Esse papel desempenhado por orga-nizações em projetos sociais pormeio da arte e cultura não deveriaser também da escola pública? Comofoi sua experiência como aluno?

Falta vontade aos governos. Umacoisa, por exemplo, que ajudariamuito nos processos de aprendiza-gem seria incluir aulas de técnicasde audiovisual. Eu tive sorte. Estu-dei no Ciep (projeto educacional deDarci Ribeiro no governo Brizola, noRio, 1982-1986). Ficava o dia todona escola, tinha aulas de capoeira,de interpretação. Fazia bagunça naaula da professora Marília, que jus-

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ciência

A HORA DO NOVO

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PESQUISAS CIENTÍFICAS INDICAM QUE O CÉREBRO DO JOVEMTEM CARACTERÍSTICAS QUE O LEVAM A SER MAIS CRIATIVO, MASO ESTÍMULO EXTERNO É ESSENCIAL PARA DESENVOLVÊ-LO

por_Karina Yamamotoilustração_Gustavo Rates

É um enigma que acompanha a neurociência desdeseus primórdios, por volta do século 18. De onde sur-gem as idéias? A criatividade é um dom? Poucas sãoas certezas, mas, aos poucos, alguma luz começa asurgir no fim do túnel. Uma das lâmpadas que se acen-deram clareia a base biológica dessa característicahumana: num estudo recente, surgiram alguns esbo-ços de como funciona o cérebro de pessoas inovado-ras. Associadas a outras pesquisas sobre o comporta-mento cerebral e sobre a importância dos fatores ex-ternos no desenvolvimento humano, essas informa-ções vão traçando um caminho que permite afirmarque a juventude tem, sim, uma relação direta com acriatividade e é, portanto, uma época da vida em que otema merece toda atenção.

A psicóloga americana Shelly Carson e seus colegasJordan Peterson e Kathleen Smith descobriram quepessoas criativas tendem a apresentar índices maisaltos de dopamina - um neurotransmissor geralmenteassociado à sensação de prazer. Algumas evidênciasindicam que essa substância, ao atuar na região entreos hemisférios cerebrais (mesolímbica), estimularia apercepção, deixando a pessoa mais sensível ao novo ea novas formas de ver o mundo. Em outras palavras,quer dizer que uma quantidade mais generosa de in-

formação fica acessível no nível daconsciência. Dotados de mais mate-rial, esses indivíduos encontram maise novas soluções para os problemasque se apresentam.

Por outro lado, já se sabe tambémque o cérebro humano se organizapara descartar as informaçõesirrelevantes – e não para guardaraquelas que nos são caras e impor-tantes. Essa característica se chamainibição latente. Ela nos impede dedesperdiçar nossa capacidade deatenção com o que não é útil. Por issoo ser humano tende a categorizartodas as informações que absorve.Uma vez que classificamos certo es-tímulo – de qualquer natureza – comonão-importante para a nossa sobre-vivência, ele deixa de chamar nossaatenção. É um efeito que se prolon-ga: é mais difícil voltar a prestar aten-ção naquele mesmo dado numa ou-tra ocasião. “Nós poderíamos nos tor-nar confusos se tivéssemos de gas-

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A CRIATIVIDADE SE RELACIONA COM AQUANTIDADE DE INFORMAÇÕESDISPONÍVEIS. O PROCESSO NATURALDO CÉREBRO DE DESCARTARCONTEÚDOS É MAIS INTENSO NO ADULTODO QUE NO JOVEM, QUE TAMBÉM PORISSO PARECE LIDAR MELHOR COMNOVIDADES E MUDANÇAS

tar nosso tempo em tudo que nossos olhos vêem enossos ouvidos escutam”, diz Carson. E mais: estu-dos sugerem que a inibição latente aumenta com aidade. O que indicaria que a mente mais jovem estámais propensa a manter uma maior quantidade deinformação disponível no nível consciente. Isso talvezexplique por que os jovens parecem ser mais dispos-tos a absorver novidades e lidar com mudanças.

Outro esforço dos cientistas tem sido dissecar aanatomia do pensamento criativo. Nessa direção, foiimportante a descoberta do americano Roger Sperry,que lhe rendeu o Prêmio Nobel de Medicina em 1981.Ele descobriu que os hemisférios do cérebro dividemtarefas entre si. Os aspectos da comunicação ficampor conta do lado esquerdo enquanto o lado oposto éresponsável pelo material não-verbal, além de noçõesde espaço e posição do próprio corpo. Com base nes-sa teoria, conhecida entre fisiologistas como “splitbrain” (ou “divisão cerebral”), outros estudos segui-ram além. Descobriu-se que o hemisfério esquerdotrabalha de maneira lógica, analítica, racional e se vol-ta para os detalhes. Já o lado direito é mais intuitivo econcatena as idéias – ali se processam as articula-ções de pensamentos. O hemisfério esquerdo proces-sa as cores de um quadro, as letras impressas numlivro, os sons que chegam aos ouvidos. Mas é o ladodireito que confere sentido a tudo aquilo – é a resi-dência da curiosidade, do prazer de experimentar, dacoragem de correr riscos, da flexibilidade intelectual,do pensamento metafórico e do senso artístico.

Cenário propícioEm termos biológicos, todos nós nascemos prontos

para produzir grandes idéias. No entanto, nossa traje-

tória criativa é influenciada por umaporção de outros fatores. As palavras-chave são: motivação – que dependedos interesses individuais; habilidade– que pode ser adquirida com treino; eambiente estimulante. No último itementramos no território dos educadores.É importante que o adolescente e ojovem encontrem espaços favoráveispara exercitar sua capacidade de criar.“O papel dos pais e professores é pro-mover a independência e a auto-confiança, respeitando a forma de pen-sar da criança ou jovem”, diz a psicólo-ga Eunice Soriano de Alencar, da Uni-versidade Católica de Brasília, auto-ra do livro “Criatividades Múltiplas”.

Os trabalhos da psicóloga america-na Ellen Winner, professora do BostonCollege, nos Estados Unidos, endossamo argumento. Ela faz parte do ProjetoZero – um grupo de pesquisa que bus-ca compreender o processo de apren-dizado, elaboração e criatividade noensino das artes e das ciências. Winnerdefende uma forte presença das artesvisuais como fonte de estímulo para odesenvolvimento do hemisfério criati-vo do cérebro. “Se o ensino for levadoa sério, percebemos que nossos alu-nos aprendem a enxergar, gerar ima-gens mentais, correr riscos e a pensar”,diz a pesquisadora. Essa estratégia,além de adubar as idéias, ainda ofere-ce novas possibilidades de leitura demundo – e aí não importa a idade doindivíduo.

Para a diretora do Museu de ArteContemporânea da Universidade deSão Paulo (MAC-USP), Elza Ajzenberg,os museus deveriam fazer parte donosso cotidiano. E nem sempre é pre-ciso se preparar para o encontro comtrabalhos de grandes artistas. O im-

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portante é desarmar o espírito, sabendoque, quando se trata da expressão hu-mana, sempre há várias interpretaçõespossíveis. Quanto mais obras lhe foremfamiliares, mais repertório o observadorvai adquirir e, assim, melhor será seu re-lacionamento com as obras e mais sen-sibilizado ele ficará em relação à mani-festação artística. E isso vale para todaselas: a música, o teatro, o cinema, a lite-ratura etc.

Para facilitar a construção desse cami-nho, a equipe do MAC-USP está implan-tando um projeto de arte-educação quepretende ajudar a contextualizar asobras, os Roteiros de Visitas. Essa preo-cupação didática das instituições de arte,aliás, vem crescendo no Brasil, e já há vá-rias iniciativas relevantes, principalmen-te nas grandes cidades. É importante per-correr esse tipo de trilha facilitadora, poiso conhecimento da arte se assemelha ànossa apropriação de linguagem. Quan-to mais vocabulário nós tivermos, maisricos ficam a compreensão e os textosque produzimos. Freqüentador de mu-seus, o publicitário brasiliense EduardoVieira, de 23 anos, é conhecido por levarcada idéia às últimas possibilidades. “Leioaté bula de remédio, estou sempre atrásde mais informação”, diz. Ele mesmo nãose acha especialmente inventivo – a opi-nião é dos colegas de trabalho.

Arte de viverAdquirir repertório e se abrir ao novo não

é útil apenas para nosso enriquecimentocultural. Também valem para viver melhor.“Precisamos ter capacidade de nos adap-tar à realidade”, diz o psicoterapeutaRubens de Aguiar Maciel, pesquisador daFaculdade de Saúde Pública da Universi-dade de São Paulo. Uma pessoa mais fle-xível tende a adquirir novos padrões de

comportamentos, a encontrar novas saídas para os ve-lhos problemas. Mais uma vez, o papel dos adultos queconvivem com o adolescente e o jovem é essencial. Essaé uma fase em que rapazes e moças estão se opondoaos modelos que conhecem e buscando novas formasde viver e entender o mundo. “É importante que os adul-tos consigam ser o saco de pancadas e o porto seguroao mesmo tempo”, diz Maciel. Compreensão e disposi-ção para o diálogo são essenciais.

O músico paulistano Sidney Lissoni vive isso na peletodos os dias. Ele é professor de Educação Artística eMúsica na rede estadual de ensino. “Tenho de me colo-car no lugar dos alunos para conseguir me comunicar”,diz. Foi assim, buscando facilitar a comunicação comseus alunos, que o educador se propôs uma tarefa com-plicada: ensinar um jeito simples de ler partituras. De-talhe: para crianças cegas. Abusando da sua criatividade,ele criou o que registrou como Escrita Musical Lissoni,método utilizado também com seus alunos sem ne-cessidades especiais. “Tudo que serve para o portadorde deficiência visual, também serve para o vidente”, diz.Além de músico, Lissoni foi radialista, estuda neurolin-güística e é técnico de precisão. Como explicar tantacuriosidade? “Sempre fui muito estimulado pelos meuspais”, conta.

Para Eunice Alencar, “a criatividade é uma habilida-de de sobrevivência para este milênio”. Por isso, valemesmo a pena investir nela, cultivando valores comoflexibilidade, persistência, autoconfiança e abertura anovas experiências. “É um recurso precioso que pre-cisa ser mais bem aproveitado, especialmente nessemomento da história humana, marcado por instabili-dades, incertezas e fortes pressões competitivas.”Época, enfim, de grandes mudanças.

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A VOZ DAS RUAS

luneta 1 hip hop

O B.Boy Igor, da equipe Street Son, faz um“Top Rock” no evento Master Crews:momento de estrelato

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A juventude tem muitas vozes e quer que elas sejam ouvidas. Uma dessasvozes, cada vez mais articulada, é a do hip hop, um movimento socioculturalcom forte sentimento libertário e que reúne várias manifestações artísticas.Criado nos anos 70 por jovens negros e hispânicos dos bairros pobres deNova York, de lá se espalhou pelo mundo. O termo foi cunhado pelo DJ AfrikaBambaataa, fundador da organização Zulu Nation, e é uma referência aomovimento de quadris dos participantes das festas e dos encontros musi-cais – “hip”, em inglês, quer dizer balançar e “hop”, quadris. No Brasil, elechegou no fim da década de 80, por obra da indústria fonográfica, e nãoparou de crescer. Se no início, em solo norte-americano, esteve envolvidoalgumas vezes com episódios de violência, hoje está presente, com as coreslocais, em quase todo o país, firmando-se como uma legítima alternativa deexpressão, especialmente para os jovens das periferias, privados de ofertasculturais e perspectivas profissionais.

“O hip hop é uma cultura de rua que dá voz à juventude que vive em guetose favelas, à margem da sociedade”, diz Wilson Roberto Levy, vice-coordena-dor da organização não-governamental Zulu Nation Brasil. Sua popularidadese deve ao fato de o hip hop, cujas raízes remontam ao movimento ”blackpower” (poder negro), ser altamente organizado e estar arraigado nasexperiências do dia-a-dia desses jovens. É um movimento de auto-afirma-ção, marcado pela crítica à exclusão social e à desigualdade racial. “Ao entrarpara o movimento hip hop, os jovens passam a ver o mundo de forma dife-rente. Para nós, é preciso nos afastarmos das coisas negativas, como dro-gas, crimes e violência. Isso só traz destruição para o nosso povo”, diz Levy,de 52 anos, que também atua na Casa do Hip Hop, mantida pela Prefeiturade Diadema, na Grande São Paulo. A instituição é uma referência nacional einternacional no universo hip hop.

Elementos e possesO movimento hip hop, cujas expressões artísticas mais conhecidas são o rap

(iniciais de ritmo e poesia, em inglês) e o break (a dança quebrada), se apóia emquatro alicerces, também chamados de elementos: o DJ, que traz a músicapara dançar; o B.Boy (ou dançarino); o MC, mestre de cerimônia, que dialogacom os que dançam; e o grafiteiro, que expressa a ideologia do hip hop pormeio das artes plásticas. “Esses quatro elementos apontam para a mesmadireção. O hip hop quer que o jovem marginalizado tenha consciência da suasituação e busque a libertação dessa opressão”, diz a ativista e rapper ÁureaDejaVu, de 21 anos, integrante do Coletivo Hip Hop Chama, de Belo Horizonte.

Os grupos do hip hop, também conhecidos como pos-ses, não param de crescer. Alguns deles são tão organiza-dos que até já viraram ONGs, como a própria Zulu, o Movi-mento Hip Hop Organizado do Brasil, conhecido pela siglaMH2O, e a Central Única das Favelas (Cufa), entidades quetrabalham em prol da valorização dessa cultura. Com suacapacidade de gerar identificação e sensibilizar seus adep-tos, essa cultura é também uma importante ferramentade arte e educação.

A Casa do Hip Hop, por exemplo, trabalha unindo cul-tura e cidadania. Inaugurada em julho de 1999, a insti-tuição atende mensalmente cerca de 400 jovens, quebuscam formação cultural e querem conhecer a fundo acultura hip hop. Para isso, são promovidas oficinas detrês a seis meses de duração, que usam a difusão dalinguagem dos quatro elementos. Além do viés cultural,as oficinas estimulam a descoberta de valores como acidadania. Como diz o dançarino de break MarcelinhoBack Spin, professor da instituição, “o hip hop faz senti-do somente se ele consegue agregar outras coisas im-portantes, como a noção de respeito, cidadania, refle-xão e educação”.

No Rio de Janeiro, uma das instituições mais ativas nouniverso hip hop é a Central Única de Favelas (Cufa), umaONG que procura difundir, por meio da linguagem pró-pria desta cultura, a conscientização dos moradores dascomunidades carentes, elevando sua auto-estima. Pre-sente em diversos morros e favelas cariocas (Acari, Ja-caré e Cidade de Deus, entre outras), a Cufa promoveatividades nas áreas da educação, cidadania e desen-volvimento humano. Seus cursos capacitam os jovenspara atuar como DJs, grafiteiros, operadores de áudio,cantores e dançarinos.

NASCIDA NOS ESTADOSUNIDOS, A CULTURA HIPHOP GANHOU TONSLOCAIS E VEM SETORNANDO UM DOSPRINCIPAIS MEIOS DEEXPRESSÃO DAJUVENTUDE BRASILEIRA

por_Yuri Vasconcelosfoto_Penna Prearo

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Em parceria com a Produtora Hutúz, a Cufa promove anualmente um impor-tante encontro dos vários segmentos da cultura hip hop. O Festival Hutúz, comoé chamado, é uma grande festa que abrange diversas formas de expressão artís-tica do movimento e outros elementos, como o basquete de rua e a batalhamusical de DJs. Criado em 2000, o Hutúz inclui festival de rap, mostra de cinema,debates e desfile de moda, e condecora os melhores artistas de hip hop do paísem diversas categorias, desde Álbum do Ano até Destaque na Área Social. Nesteano, o Hutúz está marcado para o fim de novembro, no Rio de Janeiro.

Cultura empreendedoraAlém de ser uma forma de expressão artística socialmente engajada, a

cultura hip hop tem outras facetas. Ela também pode servir de apoio aoempreendedorismo e à geração de emprego e renda, ou como prefere dizero rapper cearense Poeta Urbano, do MH2O do Brasil, “ser um instrumento degeração de oportunidades de sobrevivência”. A organização, um dos maioresgrupos de hip hop do Brasil, com sede no Ceará e 6 mil membros em todo opaís, criou o projeto Mercado Alternativo, que tem como finalidade gerar ren-da para os integrantes do movimento.

PARA SEUSADMIRADORES, A ARTEPRODUZIDA NO HIP HOPTEM UM SENTIDOSOCIAL E UM PODERTRANSFORMADOR

MOVIMENTO H2O DO BRASILÁREA DE ATUAÇÃO CEARÁ, BAHIA, RIO GRANDE DO NORTE, PARANÁ, DISTRITO FEDERAL,SÃO PAULO E RIO DE JANEIROPROPOSTA Utilizar os elementos do hip hop para gerar inclusão socioeconômica dejovens e pressionar o Estado para criar políticas públicas de apoio a esse públicoNÚMERO DE JOVENS ATENDIDOS 1.200APOIO MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO, MINISTÉRIO DA CULTURA E ASHOKAEMPREENDEDORES SOCIAISCONTATO Avenida B, 740, 2ª. Etapa, Conjunto Ceará – Fortaleza (CE) –Tel.: 85/3489-3410 – [email protected]

PARA

SAB

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AISSOBRE

CASA DO HIP HOP DE DIADEMAÁREA DE ATUAÇÃO DIADEMA (SP).PROPOSTA Promover formação cultural e de conhecimento da cultura hip hop edespertar na juventude valores como cidadania, respeito e auto-estimaNÚMERO DE JOVENS ATENDIDOS 400 por mêsAPOIO PREFEITURA MUNICIPAL DE DIADEMACONTATO Rua 24 de Maio, 38 – Jardim Canhema – Diadema (SP) – Tel.: 11/4075-3792

PARA

SAB

ER M

AISSOBRE

CENTRAL ÚNICA DAS FAVELAS (CUFA)ÁREA DE ATUAÇÃO RIO DE JANEIRO.PROPOSTA Elevar a auto-estima e conscientizar moradores de comunidades carentes pormeio de atividades que usam como forma de expressão o hip hopNÚMERO DE JOVENS ATENDIDOS 800APOIO UNESCO, GOVERNO FEDERAL, PREFEITURA DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO, REDE GLOBO,INSTITUTO LUCIANO HUCK, PETROBRAS, ELETROBRÁS, CONSULADO AMERICANO, CENTROCULTURAL BANCO DO BRASIL, MTV, FUNDAÇÃO FORD, RITS E MINISTÉRIO DOS ESPORTESCONTATO Rua Carvalho de Sousa, 137, Bloco 4, sala 111 – Madureira – Rio de Janeiro (RJ) –tels.: 21/2458-8035 e 21/3015-7113 – e-mail: [email protected]

RA S

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Ao lado, as garotas do B.Girls, no Brasileiro Individual de B.Girls, em Sorocabae o MC Gallo, de A Trupe, em encontro de MC‘S na Casa do Hip Hop de Diadema

(SP): uma cultura com o poder de agregar os jovens

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Com apoio do Programa Primeiro Emprego, do Ministério do Trabalho, oMH2O lançou uma incubadora nacional de empresas de hip hop em três es-tados (São Paulo, Rio de Janeiro e Paraná) e no Distrito Federal. “Aprendemosna prática uma lição perversa: num país capitalista como o nosso, é impossí-vel falar de inclusão social sem falar de inclusão econômica”, diz Poeta, quetem 28 anos. “Por isso, decidimos criar o Mercado Alternativo, um projetocujo modelo econômico inclui a propriedade coletiva, a auto-gestão e a fabri-cação de produtos socialmente responsáveis.”

Em cada uma das regiões escolhidas, o MH2O está incubando seis empre-sas: uma produtora de vídeo, um estúdio de gravação e distribuidorafonográfica, um centro de produção e estilo, com três ateliês integrados(serigrafia, aerografia e grafite, ateliê de bijuteria e adereço e de design àbase de grafite), uma produtora de eventos, uma empresa de confecção euma loja padronizada para escoar a produção. “Em breve, as 24 empresas,de propriedade coletiva, serão unidas em rede. Estamos confiantes no proje-to, mas ainda temos muitas dificuldades para lidar com questões econômi-cas, técnicas e de gestão”, diz o rapper cearense.

Abaixo, o DJ King, no encontro Hip Hopde Rua, no bairro de Vila Madalena,

na zona oeste de São Paulo:a arte cria canais de comunicação entre

a periferia e o centro

É por tudo isso que, para a rapper mineira ÁureaDeJavu, “a arte produzida no hip hop tem um sentidosocial e um poder transformador. Ela dá uma nova pers-pectiva aos jovens que vivem em condições marginali-zadas”. Para o cearense, trata-se da melhor expressãocultural da juventude nos últimos anos. “É um marcohistórico na cultura mundial”, diz o Poeta Urbano.

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luneta 2 artesanato

FEITOÀ MÃO

Porrão de Irará (BA) e, na páginaoposta, pote de Água Branca (AL): a

valorização do artesanato requereducação do consumidor

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Convidada a escrever sobre essa conexão tão inspiradora e sempre discu-tida, que é a da arte, cultura e cidadania, considerei apropriado e atual incitara reflexão, não sobre arte num sentido geral, mas sobre artesanato e suapossibilidade de fomentar toda a riqueza de identidades culturais Brasil afo-ra e seu potencial como gerador de renda para artesãos pobres do país.

A experiência do Artesanato Solidário – programa social criado em 1998 noâmbito da Comunidade Solidária e desde 2002 uma organização da socieda-de civil, sempre com o objetivo de geração de trabalho e renda por meio darevitalização do artesanato de tradição – leva-nos a discutir cotidianamente,nas esferas interna e pública, a necessidade de co-relacionar artesanato,desenvolvimento local e cultura.

Não é de hoje a constatação de que a produção do artesanato de tradiçãoé indissociável de seu contexto cultural, tampouco é assunto para círculosrestritos ou especializados. A idéia do artesanato como bem cultural podedesencadear a reflexão sobre o papel da cultura nas esferas econômica epolítica, por exemplo.

Pensando assim, podemos destacar três aspectos da relação entre arte-sanato e cultura:

Cultura como modo de vidaEste primeiro aspecto tem forte conteúdo antropológico: o artesanato de

tradição faz parte do modo de vida das pessoas que o produzem, e se orga-niza a partir de relações de gênero, com base em valores e conhecimentossobre a manutenção da vida, de regras que norteiam comportamentos naesfera pública e privada etc. Ele se orienta por padrões estéticos próprios e étransmitido espontaneamente, de geração a geração.

A existência desse artesanato – em suas diversas técnicas e matérias-primas– e o seu reconhecimento como expressão da cultura são o ponto de partida deprojetos voltados para o resgate das formas tradicionais de sua expressão e paraa sua revitalização como um patrimônio comum daquela comunidade.

Para resgatar e revitalizar de forma compartilhada o saber-fazer artesanal, pro-movem-se alguns diálogos, ou trocas. Duas são fundamentais: a primeira é a quese realiza entre os próprios artesãos, por meio de uma série planejada de oficinascom o objetivo de incentivar a transmissão do saber-fazer dos mestres aos maisjovens; desenvolver a organização do trabalho; estimular a formação de associa-ções ou cooperativas; e incentivar formas de liderança e de gestão associativa. Asegunda troca acontece entre os artesãos e seus produtos, por meio de oficinasde aprimoramento do produto e de formação de preço.

A IDÉIA DO ARTESANATO COMO BEMCULTURAL PODE DESENCADEAR AREFLEXÃO SOBRE O PAPEL DACULTURA TAMBÉM NAS ESFERASECONÔMICA E POLÍTICA

texto _ Ruth Cardoso

Ruth Cardoso é doutora emAntropologia, professora da Universidadede São Paulo, fundadora e presidente daorganização não-governamental Comunitas,que coordena programas comoAlfabetização Solidária, CapacitaçãoSolidária e Artesanato Solidário

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É claro que não se defende, em nome da manuten-ção das tradições, a preservação de condições de vidainjustas. Trabalha-se, isto sim, para que os artesãos me-lhorem suas vidas, superem suas carências materiais,aumentem suas rendas com a venda de produtos.

Ações que promovem o desenvolvimento da auto-estima dos artesãos e que fortalecem seus sentimen-tos de pertença a um grupo ou a uma comunidade cer-tamente estão alinhadas com a tão desgastada, masnem sempre entendida, relação entre artesanato eidentidade cultural.

Cultura para consumoO segundo aspecto a se considerar refere-se à rela-

ção do artesanato com o mercado consumidor.Como o objetivo é gerar trabalho e renda, é funda-

mental que os produtos de artesanato cheguem aomercado – e com qualidade e preços que garantam asustentabilidade do negócio.

Mas para chegar lá o produto não pode perder suahistória, aquilo que o torna distinto, único.

Na relação do artesanato e cultura para consumo, éfundamental sensibilizar o mercado para os produtosculturais. Comumente se diz que o artesanato deve-seadequar ao mercado (e pergunto: que mercado? Quaismercados?). Não seria o caso pensar quase inversamen-te, ou seja, adequar o mercado ao artesanato?

Assim, torna-se possível ampliar os usos do produtodo artesanato, que variam em razão de sua trajetóriacomo mercadoria nos diferentes segmentos consumi-dores da sociedade. Um pote feito originalmente paraarmazenar água na cozinha conquista o hall de entra-da, a sala de estar ou a biblioteca da família, agora comoobjeto decorativo.

Acredito que quando falamos de expansão do mer-cado, cultura e consumo, temos que vislumbrar a pos-sibilidade de um pote vir a ocupar o lugar de destaquenas prateleiras das lojas ou o canto em nossa casa quemais o ressaltar. Orgulho de nossas raízes, de nossosartesãos, de nossa brasilidade.

Cultura como recursoTerceiro aspecto: cultura como recurso, isto é, o ar-

tesanato de tradição como patrimônio da coletividade,para afirmação e construção de identidade.

Trata-se de uma idéia que vem sendo aplicada (emuito disseminada) para a melhoria social e econômi-ca, ou seja, para que a cultura aumente sua participa-ção em nossa era de envolvimento político decadentee de conflitos na esfera da cidadania. Vários pensado-res da cultura hoje (Young, Rifkin, Iúdice) vêm chaman-do atenção para isso.

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O ESTÍMULO À AUTO-ESTIMADOS ARTESÃOS E SUACOMUNIDADE ESTÁ ALINHADOCOM A TÃO DESGASTADA, MASNEM SEMPRE ENTENDIDA,RELAÇÃO ENTRE ARTESANATO EIDENTIDADE CULTURAL

Por sua vez, agências multilaterais como o Banco Mundial, União Européia,Banco Interamericano de Desenvolvimento, também têm incluído a culturacomo catalisadora do desenvolvimento humano.

Como transformar esse patrimônio – conceito que vem se alargando, seexpandindo, desde Mário de Andrade, passando por Aloísio Magalhães – emdesenvolvimento social? Como traduzir, se estivermos de acordo, essas orien-tações gerais para nossos projetos locais de desenvolvimento, cujo ponto de par-tida é o artesanato de tradição?

Ao promover e estimular trocas ou diálogos entre os artesãos, o que sebusca oferecer são condições para que o artesanato, expressão da culturada comunidade, se torne um ativo para o fortalecimento da identidade dogrupo e para o surgimento de novos atores coletivos, de novas formas departicipação. Só precisamos torná-lo menos árduo e menos excludente paraos artesãos brasileiros.

Por fim, a confirmação de que estamos no caminho certo, nas palavraspassadas, presentes e futuras de Aloísio Magalhães: “A política paternalistade dizer que o artesanato deve permanecer como tal é uma política errada;culturalmente é impositiva porque somos nós, de um nível cultural, que apre-ciamos aquele objeto pelas suas características, gostaríamos que ele ficasseali. Então, é uma coisa insuportável, errada e de certo modo totalitária, vocêimpor a uma coletividade, a um grupo, que permaneça naquele ponto. O re-médio, a coisa que se oferece, é a idéia de que ele repita mais. Que passe ater mais benefício através da repetição reiterada e monótona daquele mo-mento da trajetória. E isso é inadequado porque você corta o fio da trajetória,o fio da invenção, da evolução da invenção, para que ele permaneça paradono tempo. O caminho, a meu ver, não é esse; o caminho é identificar isso, vero nível de complexidade em que está, qual é o desenho do próximo passo edar o estímulo para que ele dê esse passo”.

Acima, maracas e cuias decoradasde Santarém (PA), e baú de couro deJuazeiro do Norte (CE); na páginaoposta, troncos coloridos de Juazeirodo Norte: artesanato de tradição épatrimônio da coletividade

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por_Daniela Rochailustração_Grupo Dragão da Gravura

.gov/.com.gov/.com

O PODERDE MULTIPLICAR

Colagem de obras dos quatro integrantes

do Grupo Dragão da Gravura

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A TENDÊNCIA DAS POLÍTICAS CULTURAIS PARA A JUVENTUDE É

As políticas culturais voltadas para a juventude es-tão mudando seu foco. Em vez de buscar estimularum artista ou a realização de uma obra, elas estãopriorizando o número de pessoas envolvidas, numaperspectiva coletiva, e buscando resultados amplosjunto às parcelas da sociedade com pouco acesso abens culturais. Há uma crescente percepção das ativi-dades do setor como estratégicas em relação à juven-tude , tanto por seu apelo mobilizador como pelo seupotencial econômico. Mas, segundo especialistas, ain-da há um longo caminho a percorrer em relação à qua-lificação e profissionalização na área.

No âmbito do governo federal, o atual carro-chefe nosetor é o programa Cultura Viva, lançado pelo Ministério daCultura (MinC) no ano passado. A idéia é fortalecer açõesculturais já existentes em comunidades populares,quilombolas e indígenas, que visem a promoção da inclu-são social e cidadania, da formação para o trabalho e doprincípio da economia solidária. “A cultura passa a ser umelemento agregador, em conjunto com a assistência so-cial e a educação. A profissionalização dessas ações gerainclusão por meio da cultura”, diz o assessor da secretariaexecutiva do MinC, Alfredo Manevy, de 28 anos.

Ele é o representante do ministério junto ao Conse-lho Nacional de Juventude, formado em agosto desteano. “A juventude é um segmento estratégico, que temduas dimensões: a de risco, que exige ações para evitarque jovens se envolvam com o tráfico de drogas, porexemplo; e a de ação, que busca construir políticas emque a juventude seja protagonista em sua capacidadede reciclagem de valores”, diz. O Conselho, no entanto,ainda está elaborando uma política para a juventude emtodos os setores, inclusive o cultural. Mas a tendência,segundo Manevy, é manter a linha do fortalecimento deações preexistentes. “A cultura precisa ser entendidacomo fundamental agente de desenvolvimento, com im-pacto direto e indireto na economia do país, sobretudose pensarmos nas possibilidades que ela abre na gera-ção de emprego para os jovens”, diz.

Segundo Célio Turino, secretário de Programas e Pro-jetos Culturais do Ministério da Cultura, o Cultura Viva –que neste ano recebe R$ 31 milhões – tem como obje-tivo de fundo restabelecer o vínculo do jovem com acomunidade e sedimentar uma rede de Pontos de Cul-tura, locais onde são desenvolvidos diversos projetos e

INVESTIR NAS INICIATIVAS COMUNITÁRIAS, VINCULADAS ÀGERAÇÃO DE RENDA E À INCLUSÃO DIGITAL

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que já somam 250 em todo o país. Um desses projetos é o Agente Cultu-ra Viva, convênio com o Ministério do Trabalho e Emprego que fornece 50bolsas de 150,00 reais mensais durante seis meses para capacitação dejovens em áreas como grafite, hip hop, desenho animado etc. Outra inici-ativa é a Cultura Digital, convênio com o Ministério das Comunicaçõesque viabiliza a conexão à internet nos Pontos e a distribuição de um kitmultimídia, com dois computadores, câmera de vídeo, ilha de edição eestúdio básico, para produções audiovisuais.

Para participar do programa, as instituições, com no mínimo dois anosde atuação, se candidatam junto ao ministério. Um exemplo de Ponto deCultura é o Centro de Referência Hip Hop, na periferia de Teresina (PI),onde os jovens ganharam computadores do Banco do Brasil, que esta-vam ociosos, e montaram três telecentros em uma escola abandonada.O espaço é aberto à comunidade, com oficinas de hip hop, música,serigrafia e grafite. Mais de 30 jovens, entre 16 e 28 anos, são “oficineiros”,e uma cooperativa presta serviços de serigrafia e grafite. “Temos biblio-teca, sala de leitura e fazemos reforço escolar para crianças, com oficinaspara contar histórias”, diz Gil BV, 25 anos, gestor do projeto.

Abrindo portõesOutro exemplo de política cultural multiplicadora é o do Centro de

Cultura da Universidade Federal de Minas Gerais. Muito antes de ser um

A PERCEPÇÃO DE QUE O SETOR CULTURAL É ESTRATÉGICO NAS POLÍTICAS

Ponto de Cultura, o espaço de participação social na área de cultura jáexistia e foi uma ação inédita a abertura dos portões da universidadepara a comunidade. Criado há 15 anos como centro de exposições, hojeé um pólo gerador, com uma série de projetos em parceria com prefei-turas, governo federal e entidades da sociedade civil.

O objetivo é atuar na democratização do conhecimento, na ampliaçãodo acesso aos meios de produção cultural e na formação de um públicoprodutor e multiplicador de cultura. A ação levou para dentro do campusgrupos culturais da Grande Belo Horizonte, e lançou-se para fora, capa-citando professores da rede pública urbana e de aldeias indígenas. Criou-se um Centro de Convergência de Novas Mídias, que coordena a Rede.Lê– Rede de Inclusão e Letramento Digital, com 18 telecentros no estado.

“Trata-se de uma experiência de produção conjunta, com professo-res da UFMG na coordenação de trabalhos que reúnem estudantes degraduação e pós-graduação e alunos do ensino médio e professores deescolas da periferia”, diz a diretora do Centro, a historiadora Regina He-lena Alves da Silva. Ali, são realizados encontros para fomentar a gera-ção de políticas públicas para a juventude, incluindo questões como otrabalho e a geração de renda, e a ação dos agentes culturais em seusbairros. “O papel da universidade é gerar conhecimento. O Centro Cultu-ral concentra um grande grupo multidisciplinar que abre espaço para aprodução coletiva de professores e alunos e para a pesquisa, por exem-

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plo, para entender redes sociais e culturais urbanas”, diz a diretora. Ainstituição atinge todos os públicos, mas a professora Regina Helenaestima que cerca de 25 mil jovens estejam envolvidos nas atividadesdo centro.

Cultura e gestãoO analista da Célula de Negócios em Turismo, Artesanato e Cultura

do Sebrae de São Paulo, Arlindo de Lima Júnior, concorda que a áreacultural pode ser estratégica como campo de ação de um público jo-vem, mas lembra que, do ponto de vista do mercado, o pré-requisitopara o sucesso é ter qualificação. Para isso é preciso uma postura deempreendedor. No entanto, a idéia da cultura como negócio aindanão está sedimentada no Brasil. “O conceito de cultura como gerado-ra de emprego e renda não é abordado com seriedade e como priori-dade nem pelo governo, nem por empresários que poderiam se tor-nar parceiros e patrocinadores e se beneficiar da cultura e ações cul-turais como valor agregado a sua empresa ou produto”, diz o analista.

O Sebrae propõe o empreendedorismo cultural, um modelo própriode gestão e de organização no setor, que inclui, por exemplo, o traba-lho em parcerias estratégicas em vez de ações isoladas. Mesmo as-sim, segundo Lima Júnior, ainda são poucos os que conhecem e valo-rizam essa postura na área cultural. “Uma das maiores dificuldades é

levar agentes e produtores culturais a perceber a necessidade de bus-car maior profissionalização.” Para ele, enquanto os profissionais daárea não entenderem a necessidade de uma maior capacitação e aimportância de se estudar o perfil das possíveis empresas patrocina-doras antes de enviar seus projetos, a obtenção de apoios tende a serlenta. “Além disso, é preciso se apresentar ao mercado com trabalhosde qualidade e excelência”, diz.

Na área de educação, o Sebrae oferece cursos rápidos, como Inves-timento em Cultura (16 horas de duração) e Mercado Cultural (20 ho-ras de duração). Além disso, apóia algumas iniciativas de fomentaçãocultural, voltadas inclusive ao público juvenil, como a Associação Bra-sileira de Música Independente, a Rede de Agentes Culturais (RAC) e aLIBRE (Associação Brasileira de Editoras). A de maior destaque é aRAC, hoje organizada na Associação Paulista de Empreendedores Cul-turais (APEC). “É um movimento livre, que promove assembléias men-sais, com objetivo de fortalecer as redes de contato que possam au-xiliar os agentes a viabilizar seus projetos.” Os agentes cadastradossão 2.400. A intenção é reunir uma gama de profissionais que já es-tão no mercado, que estão entrando ou que querem ampliar contatospara trocar experiências e gerar oportunidades, explica Lima Júnior.“Essa é nossa estratégia: ações coletivas com foco no desenvolvi-mento de projetos.”

PÚBLICAS JUVENIS ESTÁ CRESCENDO, MAS AINDA HÁ MUITO QUE AVANÇAR

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A ARTE

ANA LUCIA DASILVA CAMPOS, 16

Estudante da 8ª série, curtehip hop e faz artes circenses

em Goiânia (GO)

THALLES DEAGUIAR, 20

Carioca, estuda Física naUniversidade Federal do Rio

de Janeiro e é baterista

DAYANA SILVAGOMES, 20

É atriz, formada pela Escolade Artes Cênicas do Maranhão

FAGNERMONTEIRO, 18

Paulista de Ribeirão Pires, éator e músico dedicado ao

resgate da cultura popular

chat de revista

QUATRO JOVENS CONVERSAM SOBRE OSREFLEXOS DAS MANIFESTAÇÕESARTÍSTICAS EM SUAS VIDAS

NOSSADE CADA DIA

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O contato com a arte e as manifestações culturais podese limitar ao entretenimento e lazer ou ir além: servir comoinstrumento de expressão social e construção da identi-dade, ajudar a promover inclusão social, denunciar umarealidade, resgatar uma tradição, sensibilizar para umaprendizado, e pode até se transformar em profissão.Na sala de bate-papo de Onda Jovem, nesta edição, qua-tro jovens trocaram idéias sobre essas questões:Raimundo Fagner Monteiro Martins, 18 anos, paulista deRibeirão Pires, ator e músico dedicado ao resgate da cul-tura popular e participante da Arca, uma associação deartistas; Ana Lucia da Silva Campos, 16 anos, de Goiânia(GO), estudante da 8ª série, apreciadora de hip hop e en-tusiasta das artes circenses como participante do proje-to Arte, Circo e Cidadania na Escola de Circo Lahetô;Dayana Roberta Silva Gomes, de São Luiz, recém-forma-da na Escola de Artes Cênicas do Maranhão e integranteda Rede Sou de Atitude, o núcleo jovem da ONG Agênciade Notícias da Infância Matraca; e o carioca Thalles Car-valho Giangiarulo Rocha de Aguiar, 20 anos, que cursaFísica na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ),estuda alemão, pratica aikido (uma arte marcial), tocabateria e gosta de todo tipo de música, menos pagode.Onda Jovem propôs as perguntas iniciais e depois os jo-vens fizeram as suas. A seguir, nosso “chat de revista”.

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“A arte amplia a minhavisão de mundo”

ANA LÚCIA CAMPOS

Onda Jovem: O que é arte para você?

THALLES: Acho que arte é uma forma de trans-mitir a outras pessoas o que sentimos e como ve-mos a realidade em que vivemos. Além disso, a artepode ser um meio de inclusão social e também deextravasar sentimentos represados.

FAGNER: Arte é botar para fora aquilo que senti-mos por meio de for-mas, movimentos esons.

DAIANA: É a arte detransformar pequenascoisas em grandes for-mas de expressão.Acho que essa arte defazer a arte vai alémdos limites humanos.

ANA LUCIA: Paramim, arte é aquilo que dá liberdade ao ser huma-no de ir além do pensamento. A arte tem a capa-cidade de oferecer lazer e interação e dessa for-ma envolver todas as classes sociais.

Qual é o contato que você tem com a arte no seudia-a-dia e como ela afeta sua vida?

DAIANA: Participo constante-mente de seminários e oficinas devárias manifestações culturais.Faço dança contemporânea e ado-ro estar num palco. Também gostode ler e de ver comédias, suspensese dramas no cinema. Esses conta-tos com a arte me ajudam a desen-volver habilidades, demonstrar sen-timentos, usar minha criatividade eter sempre um novo olhar para assituações do dia-a-dia.

THALLES: Eu tenho contato diretamente coma música. Toco bateria e meu irmão é baixista. Játoquei em várias bandas. Essa relação com a mú-sica foi a responsável por muitas amizades. Alémdisso, desde pequeno eu gosto muito de desenhar,a ponto de ter chegado a pensar em fazer dissouma profissão.

FAGNER: Meu contato com a arte é por meio do cinema, do teatro, da música e dadança, mas tenho um interesse mais aprofundado no resgate da cultura popular.Nessa área, desenvolvo um trabalho de pesquisa com um grupo chamado Toadas aTrovadas.

ANA LUCIA: Antes eu tinha contato apenas com hip hop, Quadrilha e Folia de Reis,mas agora estou ganhando conhecimentos em artes circenses e também participode um espetáculo chamado “Nascimento do Mundo”. Tudo isso amplia minha visãode mundo, um modo diferente de ver e avaliar situações.

DAIANA

THALLES

ANA LUCIA

Sem arte, como seria o mundo para você?

THALLES: Acho que seria um tanto quanto chato. A arte é a minha principal fontede entretenimento, com o cinema, teatro, exposições, shows e muito mais. E, comojá disse, fiz grandes amigos por meio da música.

FAGNER: A arte faz toda a diferença na minha vida. A arte nos faz ver o mundo deoutra forma. Sem a arte, meu mundo seria uma coisa mecânica.

DAIANA: Eu acho que o mundo seria muito chato, a expressão seria amesma para todos.

ANA LUCIA: Sem a arte eu não teria oportunidade de conhecer pessoas,lugares, ter experiências e situações de criação e participação na vida da minhacidade. Vejo que as meninas da minha idade que não viveram as experiênciascom arte que eu vivi não ampliaram seu mundo, muitas ficam só trabalhandode empregada doméstica ou babá.

Como você vê a situação das manifestações culturais no Brasil, tanto paraquem se envolve como artista quanto para quem só aprecia, como espectador?

FAGNER: Há uma valorização um pouco maior da arte, principalmente da culturapopular, mais ainda é pouco. Alguns artistas se fecham, se dirigem a um público quejá possui uma vivência com arte, quando o interessante seria que eles levassem seutrabalho às pessoas que não têm acesso a essa arte.

ANA LUCIA: As manifestações artísticas brasileiras são muito importantes paraa formação da identidade cultural dos jovens e por isso precisam ser mais valoriza-

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75ARCAÁREA DE ATUAÇÃO GRANDE ABC/SÃO PAULOPROPOSTA Facilitar a inclusão no mercado trabalhoNÚMERO DE JOVENS ATENDIDOS 75 jovensAPOIO AGÊNCIA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO DO GRANDE ABC, PRIMEIRO EMPREGO,MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGOCONTATO Rua Gotardo Botacin, 383, C 4 – Estância Noblesse – Ribeirão Pires (SP) –Tel.: 11/4823-2748 – [email protected]

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REDE SOU DE ATITUDE-MATRACAÁREA DE ATUAÇÃO SÃO LUÍS (MA)PROPOSTA Monitorar políticas públicas do governo federal e mobilizar a mídia para ter umanova perspectiva de crianças, adolescentes e jovensNÚMERO DE JOVENS ATENDIDOS Não há um número específico. A demanda é grande,abrangendo palestras e oficinas em escolasAPOIO COORDENADORIA ECUMÊNICA DE SERVIÇOS (CESE)CONTATO [email protected]

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CIRCO LAHETÔ (ESCOLA DE CIRCO DE GOIÂNIA)/PROJETO ARTE, CIRCO E CIDADANIAÁREA DE ATUAÇÃO ZONA LESTE DA CIDADE DE GOIÂNIA (GO)PROPOSTA Atuar com crianças e adolescentes em situação de risco, utilizando a arte circensecomo principal ferramenta pedagógica, para formar e informar, visando a formaçãohumana e a capacitação de novos artistasNÚMERO DE JOVENS ATENDIDOS 120 crianças e adolescentesAPOIO SECRETARIA MUNICIPAL DE CULTURA DE GOIÂNIA (LEI DE INCENTIVO À CULTURA MUNICIPAL),FACULDADE CAMBURY, FUMDEC – FUNDO MUNICIPAL DE DESENVOLVIMENTO COMUNITÁRIO,FUNDAÇÃO PRÓ-CERRADO, CMS – SCITECHCONTATO Rua 72, esquina com Av H – Parque da Criança – Jardim Goiás – Goiânia (GO) –Tel.: 62/3281-3301 – [email protected]

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das. Elas são cada vez mais raras, pelo menos aqui em Goiânia.A gente quase não vê bonequeiros, repentistas e teatro derua. Tem muita gente, também, que não considera a arte umaprofissão e não topa pagar o valor que ela merece. As pessoaspedem muitas apresentações gratuitas.

THALLES: A arte em geral é pouco incentivada e difundida.Quem perde é o povo, que deixa de adquirir cultura, e o artista,que não tem condições de crescer no seu trabalho. Por isso,que medidas vocês acham que o governo pode tomar para in-centivar a arte?

DAIANA: Primeiro, acho que nós, jovens, temos de mostraro que queremos, para o governo elaborar e executar programasque atendam às expectativas da juventude. Esse processo po-deria ser feito por meio de discussões de grupo, laboratórios,oficinas, pesquisas, apoio a projetos experimentais. Além disso,o governo precisa intensificar e estimular a arte na escola, parapossibilitar a expressão e a descoberta de novos talentos, fo-mentando o protagonismo infanto-juvenil nas artes.

ANA LUCIA: O governo deveria aprovar leis de apoio aos gru-pos que fazem cultura e criar políticas de incentivo à arte quepermitam o acesso das pessoas de baixa renda.

FAGNER: É preciso que o governo incentive programas dearte-educação e de resgate cultural, além de oferecer estímu-los às empresas para que patrocinem projetos artísticos. Outraresponsabilidade do poder público é fazer com que a verba des-tinada à cultura seja bem aplicada, beneficiando a arte e nãoalguns poucos artistas. Porque a arte, eu acredito, é um meiode fazer inclusão social. Vocês concordam?

THALLES: Para mim, a arte é uma das melhores formas deinclusão social, e trabalhos com essa finalidade deveriam sermais incentivados.

ANA LUCIA: Acho que quanto mais uma sociedade tem con-tato com a arte, mais ela se valoriza e dá valor a suas manifes-tações culturais. A arte promove o desenvolvimento humano e,conseqüentemente, um maior engajamento das pessoas coma vida comunitária.

DAIANA: A arte como engajamento social é muito importan-te, pois trabalha todas as relações pessoais e interpessoais, pro-move a cidadania, a eqüidade social, o conhecimento e a dis-cussão da realidade. Por isso é que as diversas manifestações

“A arte é um meio de fazer inclusão social”RAIMUNDO FAGNER

FAGNER

artísticas precisam ser mais valorizadas e principalmente o artista, que ainda évisto com preconceito, como quem não tem nada para fazer. Vocês acham queum artista consegue viver só da arte como profissão?

THALLES: É possível viver somente da arte, mas acho que apessoa tem de contar um pouco com a sorte também. O talen-to por si só não é decisivo.

ANA LUCIA: Nosso grupo no circo Lahetô vive da arte. Masse a sociedade valorizasse mais a arte e o artista, não seriapreciso “ralar” tanto para manter um grupo. É difícil. Por outrolado, acredito que o artista, assim como qualquer outro profis-sional, tem de conquistar o respeito dos outros.

FAGNER: Concordo. Acho que é possível sim o artista viverda sua arte. Basta ele acreditar no que faz e correr atrás do seuespaço.

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INSTITUTO BACCARELLI:CONCERTOS DA PERIFERIA

Um dos cinco melhores espaços de ensino de música no mundo come-ça a ser construído agora em novembro em São Paulo, com conclusãoprevista para daqui a um ano. Será um equipamento cultural de 6 mil m2,com uma sala de concerto com 600 lugares, 12 camarins, 36 salas deestudo individual, 4 salas de estudo em grupo, sala de informática e bibli-oteca, entre outras áreas de convivência. O projeto acústico está sendodesenvolvido pela mesma equipe responsável pela acústica da Sala SãoPaulo, espaço da Orquestra Sinfônica de São Paulo. Mas a elite culturalque costuma freqüentar a Sala São Paulo, na Estação Júlio Prestes, teráde ir à periferia para usufruir os espetáculos musicais no novo espaço –em Heliópolis, na Zona Sul da capital.

A oportunidade sem precedentes de formar músicos e também públi-co para música acontece exatamente nessa comunidade carente, com120 mil moradores sem acesso a qualquer entretenimento cultural. EmHeliópolis, o Instituto Baccarelli instalará sua nova sede, a escola de mú-sica com capacidade e estrutura para atender 2.500 alunos por ano. “Seráa primeira no Brasil a ser pensada e planejada com essa finalidade”, dizEdilson Venturelli, maestro e vice-presidente do Instituto que, desde 1996,promove o desenvolvimento pessoal e social de crianças e adolescentesde famílias de baixa renda por meio de manifestações artísticas.

Links

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O maestro Zubin Mehta rege os jovens músicos do Instituto Baccarelli

Com a parceria de empresas privadas (comoa Companhia Brasileira de Alumínio, do grupo Vo-torantim, Fundação Volkswagen, Banco Volks-wagen e Petrobras) e com o apoio do Ministérioda Cultura, o Instituto Baccarelli realiza os proje-tos Coral da Gente, Encantar na Escola, Orques-tra do Amanhã e Sinfônica Heliópolis, benefici-ando 550 crianças e jovens entre 7 e 21 anos.Eles fazem constantes apresentações em casasculturais de São Paulo. “Costumo dizer aos alu-nos que eles podem pertencer a uma classe eco-nômica desfavorecida, mas hoje pertencem à eli-te cultural do país”, conta Venturelli.

Sinfônica Heliópolis regida pelo maestro Silvio Baccarelli

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COM ZUBIN METAOs jovens músicos do Instituto Baccarelli

também fazem parte agora de um restrito cír-culo de músicos regidos pelo famoso maestroindiano Zubin Mehta, regente da Filarmônicade Israel. De passagem por São Paulo, em agos-to, Zubin Mehta visitou o Instituto e regeu aSinfônica Heliópolis. Um jovem no contrabaixo,mesmo instrumento tocado por Metha, cha-mou a atenção. Era Adriano Costa Chaves, 17anos, há pouco mais de dois anos no Instituto.Ele foi convidado pelo maestro indiano a estu-dar na Academia da Filarmônica de Israel nopróximo ano. “Eu não esperava essa oportuni-dade. Foi uma bênção. Agora estou me prepa-rando para aproveitá-la da melhor forma pos-sível. Comecei a ter aulas de hebraico, vou es-tudar inglês e me aperfeiçoar mais nocontrabaixo”, diz Adriano, que está concluindoo ensino médio, numa escola pública, e já sededica à música 8 horas por dia – esforço queteve uma bela recompensa.

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CULTURA ATRAI AÇÕES SOCIAIS3O número de empresas que investem em programas

sociais no Brasil é crescente. A última Pesquisa sobre AçãoSocial, de 2004, do Instituto de Pesquisas EconômicasAplicadas (Ipea), vinculado ao Ministério do Planejamen-to, abrange 4 mil empresas com projetos voltados paradiversas áreas nas regiões Sudeste e Nordeste. Sabe-seque a maioria desses projetos, como comprova a pesqui-sa, ainda está voltada para atividades de assistência so-cial e alimentação, mas a boa notícia é que, em certosnichos da cidadania empresarial, áreas como cultura eeducação têm liderado as preferências dos investimen-

O elenco de jovens talentos que colaboram com aprodução de Onda Jovem não pára de crescer. Nes-ta edição, juntam-se ao time fotógrafos e ilustrado-res do Rio de Janeiro e de São Paulo. A carioca DeiseLane Lima, de 22 anos, foi a encarregada das fotosdo ator Leandro Firmino da Hora, na seção O Sujeitoda Frase (pág. 52). Deise começou a fotografar aos15 anos, depois de um curso no Centro de Ação So-cial da Maré, e hoje faz parte da equipe de fotógra-fos do Viva Favela, portal na internet da ONG VivaRio. Já o desenhista Jotapê, 19 anos, criou a ilustra-ção da matéria Horizonte Global (pág. 26). Tatuador,ele integra o elenco da galeria Choque Cultural, pio-neira entre os espaços paulistanos dedicados à pro-dução da arte de rua.

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tos sociais. É o que mostra o censo do Grupo de Institutos, Fundações e Empresas (Gife), feito em 2004 com 71 associados

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que compõem uma rede considerada de referência noinvestimento social privado. Na lista de suas priorida-des para investir recursos com fins sociais, Cultura eArtes ocupam o segundo lugar, com 54% das preferên-cias, atrás apenas de educação, com 87%. Crianças, ado-lescentes e portadores de necessidades especiais sãoo público beneficiado por 73% dos projetos em arte ecultura, envolvendo oficinas culturais, produção literá-ria, teatral ou de audiovisual, atividades de dança e mú-sica, além da manutenção de espaços culturais, doaçãode material, concessão de bolsas e restauração de cons-truções históricas.

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o DE ACESSÓRIO

O ensino da arte está começando a colher os frutosde uma mudança de mentalidade: em vez de ser trata-da nas escolas como “momento cultural” ou atividadelúdica para “alívio das tensões”, a arte reincorpora asua importância como disciplina do conhecimento,ampliadora de consciência e capaz de promover mu-danças no mundo. “Ainda que estes novos ares nãotenham chegado ainda àquela melhoria desejada nasala de aula, é possível dizer que o pior estágio da edu-cação artística, aquele da folha mimeografada paracolorir, está ficando no passado”, afirma Evelyn Iochpe,com o conhecimento de causa de quem fundou e há15 anos preside o Instituto Arte na Escola, a maior re-ferência nacional na capacitação e qualificação de pro-fessores de arte da rede pública.

De fato, no fim dos anos 80, o ob-jetivo da aula de arte era fazer o es-tudante feliz. Essa arte esvaziada deseu conteúdo foi “um efeito danosodas chamadas décadas da livre ex-pressão”, diz Evelyn, referindo-se aofenômeno das Escolinhas de Arte dosanos 60 e 70. Para completar o qua-dro, a disciplina nem sequer era obri-gatória no currículo escolar.

Mas uma pesquisa, realizada em1989 pela Fundação Iochpe para aUniversidade Federal do Rio Grandedo Sul, revelava descontentamentopor parte dos professores. Eles que-

A ESSENCIALpor_Leusa Araujo

Arte-educadoradesenvolve atividade comjovem: qualificação

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INSTITUTO ARTE NA ESCOLAÁREA DE ATUAÇÃO 24 ESTADOS E DISTRITO FEDERALPROPOSTA Incentivar e qualificar o ensino da arte do BrasilJOVENS ATENDIDOS O instituto atende a 20 mil professores, cuja ação atinge 4 milhões de alunos das redespúblicas, do infantil ao ensino médioAGENTES E EDUCADORES ENVOLVIDOS 230, entre professores, bolsistas, estagiários e voluntários universitáriosque atuam nos 55 Pólos da Rede Arte na EscolaPATROCÍNIO FUNDAÇÃO IOCHPE, BNDES, BR PETROBRAS E BANCO BRADESCO, POR MEIO DA LEI DE INCENTIVO ÀCULTURA DO MINISTÉRIO DA CULTURACONTATO Alameda Tietê, 618, Casa 3 – Cerqueira César - São Paulo (SP) – Tel. 11/3060-8388 –www.artenaescola.org.brPA

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A TRAJETÓRIADO PROJETOARTE NAESCOLA INDICAQUE HÁ UMANOVAMENTALIDADENO ENSINO DEARTE NO PAÍS

DESCOBERTAS E SURPRESASHoje, os números da Rede Arte na Escola são expressivos: mais de 4 milhões de alunos da

rede pública, do ensino infantil, fundamental e médio, são atendidos por 20 mil professores,capacitados pelos 55 pólos universitários. Entre eles, o jovem Richard Maus, bolsista do Póloda Universidade Federal do Paraná. Violonista, 22 anos, estudante de música na Universida-de, que atua no projeto “Quarteto de Cordas: uma experiência educativa”, em que músicosentram na sala de aula para ministrar conteúdos peculiares aos instrumentos de corda earco. “É a minha descoberta da música como disciplina didática”, resume Richard, que nuncateve aula de música na escola.

Para quem ainda tem dúvidas sobre a importância desse aprendizado, o resultado de umlongo trabalho de 20 anos, realizado pelo sociólogo da educação Aaron Benavot em 63 paí-ses, mostrou, para surpresa dos próprios pesquisadores, que é o bom ensino das artes e dasciências que resulta na obtenção de índices econômicos maiores para os países em desen-volvimento – e não o ensino da matemática e da língua, como se buscava comprovar. Mas afundadora do Arte na Escola não se surpreendeu. “Nós já sabíamos que o ensino da artemelhora a cognição de forma geral e que não se trata de perfumaria para ricos, como muitasvezes foi tratado”.

riam mais acesso ao conhecimento sobre história da arte e concordavam que era precisopartir da obra de arte para realizar o seu trabalho educacional em sala de aula.

Capacitar esses professores, numa aliança com as universidades públicas, tornou-se umdesafio. O projeto Arte na Escola surgiu, então, como o articulador de uma rede de educaçãocontinuada entre as universidades – o lugar certo para produzir o repertório cultural necessá-rio para que novas metodologias de ensino, como a abordagem triangular de Ana Mae Barbosa(ver, contextualizar e fazer arte), fossem aplicadas, principalmente nas artes visuais.

O passo seguinte foi a criação e a avaliação de materiais didáticos que falassem a línguado professor: milhares de vídeos, kits educacionais com reprodução de obras pertencentesaos museus brasileiros, CDs, DVDs e outros materiais de apoio à visitação de museus, salõese bienais foram desenvolvidos. “Tudo para iluminar a construção da obra de arte”, explicaEvelyn, para quem somente a imagem de segunda mão na sala de aula não basta: “É precisoo contato com a arte dos museus e galerias, no seu original”.

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so Quase uma década depois de se tornar obrigatório no país, o ensino de arte aindanão chegou à metade das escolas. A obrigatoriedade foi uma conquista garantidapela Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) de dezembro de 1996. Mas, naprática, isto ainda não acontece plenamente. “A estimativa do próprio Ministério daEducação é de que 50% das escolas estejam sem o curso regular de arte por falta deprofessores”, diz Evelyn Iochpe. Para reverter esse quadro, o MEC precisa formarnovos docentes - por meio de consórcios com as universidades e de cursos à distância -até 2007. A meta, entretanto, não deverá se cumprir nesse espaço de tempo. “Não hávagas suficientes nas universidades e nem formas de custeio que dêem conta de todosos professores leigos que precisam ser capacitados,” avalia Evelyn.

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DIVERSASJUVENTUDES

Nós, que lidamos diretamentecom o público jovem, necessitamosde fato de um canal, como OndaJovem, capaz de mostrar as váriascaras da juventude. Parabéns pelainiciativa e que o empreendimentode vocês seja um sucesso.

Benedito Maria, São Luís, MA

A juventude está precisando exa-tamente disso, de uma publicaçãoséria e enriquecedora como OndaJovem.

Ida Virgínia Comarin, por e-mail

Onda Jovem é um espaço não só para jovens de baixarenda e sem instrução divulgarem suas idéias, sua indigna-ção e suas aspirações por uma vida melhor, mas tambémpara jovens como eu, lutadores, com nível superior, mas queainda não conseguiram uma posição digna neste mundo. Crieiuma associação ambientalista chamada AUPEC-VP, Associa-ção dos Amigos e Usuários do Parque Ecológico de Vila Pru-dente, e participo da APREV, Associação de Profissionais Res-gatando Vidas, dando cursos de inglês. Além disso, escrevocrônicas e faço artesanato em papel reciclado.

Kleber Pedroso, São Paulo, SP

Parabéns pelo excelente trabalho. A publicação abordaas temáticas voltadas para a juventude de uma forma ex-traordinária, interativa e principalmente atrativa.

Ionara Silva, por e-mail

Receber Onda Jovem é mais que um presente para nósque estamos à frente da elaboração de políticas públicaspara a juventude. É de grande importância compreendere conhecer a realidades desse nosso imenso Brasil, cheiode sonhos e esperanças juvenis.

Nilton Bispo, assessor de Juventude, Prefeitura deEmbu, SP

Acho de suma importância uma revista que fala sobreos jovens, pois trabalho com esse público como assisten-te social na Vila Brasilândia e adjacências. Atuo em umaassociação como educadora de noções de cidadania, ori-entação sexual, prevenção contra o abuso de vícios e dro-gas, liberdade de escolha com responsabilidade e ética.

Ivone S. Garcia, São Paulo, SP

Onda Jovem me interessou muitíssi-mo. Sou assistente social e a revistapode me capacitar e informar para umamelhor intervenção cidadã e profissional.

Ieda, por e-mail

Somos uma ONG que atua na forma-ção e capacitação de jovens e adoles-centes por meio da educação empre-endedora. Onda Jovem poderá contri-buir com nosso trabalho.

Manoel Gouvêa, diretor da Escolade Empreendedores, São Paulo, SP

PROJETO DE VIDA ETRABALHO

Recebi com imenso prazer a notícia deOnda Jovem. O primeiro número, Proje-to de Vida, trata de um tema muito im-portante para nossa instituição de ensi-no. Vai ajudar nossa equipe a entendere lidar melhor com o público jovem noGrupo de Projetos Sociais.

Renata Hespanhol, Universidade deRibeirão Preto - UNAERP, São Paulo, SP

FAÇA CONTATOEnvie cartas ou e-mails para estaseção com nome completo, endereçoe telefone. ONDA JOVEM se reservao direito de resumir e editar ostextos. Endereço: Rua Dr. Neto deAraújo, 320, conjunto 403, CEP04111-001, São Paulo, SP. E-mail:[email protected].

Nós, do Consórcio Social da Juventude da GrandeTeresina, gostamos muito de Onda Jovem.

Narcizo Chagas, Assistente de Inserção no Mercadode Trabalho, Teresina, PI

Gostaria de receber Onda Jovem. Trabalho no Progra-ma Voluntários da OSCIP Comunitas – Parcerias para oDesenvolvimento Solidário.

Adelaide Barbosa Fonseca

Espero receber Onda Jovem. Sou presidente da ONGDesenvolvimento com Justiça Social – DJS (www.djs.org.br). Trabalhamos e incentivamos o protagonismo ju-venil por meio da educação em direitos humanos.

Borny Cristiano, São Paulo, SP

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Agradecemos a menção de nosso Pro-grama em sua revista sobre “A Nova Forçado Trabalho”, aproveitando para dar-lhesos parabéns pelo belo trabalho editorial.

Carlos H. Sampaio, ProgramaIniciativa Jovem/Dialog/Shell

Recebemos os exemplares “Projetode Vida” e “A nova Força do Trabalho” darevista Onda Jovem. Atualmente, a Fun-dação Abrinq está implantando mais doisprojetos de apoio ao jovem: o primeirodiz respeito à discussão do projeto devida dentro das escolas que desenvol-vem educação de jovens e adultos e ou-tro sobre empreendedorismo juvenil emicrocrédito. As duas publicações vie-ram ao encontro dos nossos desafios etêm contribuído muito com o desenvol-vimento de nosso trabalho. Só temos aagradecer e parabenizá-los.

Márcia Quintino e Maria do CarmoKrehan, Programa Prêmio Criança e

Multiprojetos, Fundação Abrinq,São Paulo, SP

Onda Jovem despertou meu interes-se. Trabalho no Centro Pastoral SantaFé, na região noroeste de São Paulo(Perus), com adolescentes em um Pro-jeto de Formação de Lideranças Juve-nis, por meio de atividades esportivas,de artesanato, reforço escolar e dese-nho, entre outras.

Luciana Mizinski, São Paulo, SP

Para o trabalho que realizamos, OndaJovem é de extrema importância. Atuocomo assistente social na ONG Centrode Convivência Menina Mulher, queatende meninas de 7 a 18 anos em si-tuação de vulnerabilidade.

Katia Cristina Novak, Curitiba, PR

PARCEIRA NAEDUCAÇÃO

Nós, da ONG Plugados na Educação,tivemos a imensa boa sorte de receberOnda Jovem. Nossa missão é promo-ver a cultura de paz e o aprimoramen-to ético, cultural e pedagógico em es-colas públicas estaduais e municipaisde Minas Gerais e São Paulo.

César Sousa Reis,Plugados na Educação

Queremos receber Onda Jovem. Estamos iniciando umtrabalho de conscientização, reintegração e auto-estimados jovens de uma escola pública em Belo Horizonte. Fa-zemos parte do Projeto Sempre Um Ato, que em breve setornará associação.

Karla Danitza, Belo Horizonte, MG

Parabéns por Onda Jovem. Sou professora da rede es-tadual de ensino, coordenadora pedagógica do CentroEducacional e Social da Consolata (CESC) e assessora daPastoral da Juventude de Roraima. Conheci a revista pormeio do Conselho dos Direitos da Criança e do Adolescen-te de Roraima e me interessei muito, pois também estouconcluindo o Curso de Especialização em Juventude, naUnisinos – RS.

Vanilsa Pereira de Souza, Boa Vista, RR

Como professora universitária e atuante em trabalhossociais com juventude, apreciei muito a revista.

Esther Alves de Sousa, por e-mail

Sou bibliotecária, no Colégio Marista Palmas, e traba-lhamos com grupos de jovens que atuam em ações so-ciais e solidárias na cidade de Palmas e região. Onda Jo-vem será de grande valia para nós.

Anair Ribeiro Quintanilha Souza, Palmas, TO

Gostaríamos de ter Onda Jovem em nosso acervo.Faculdade Paulista de Serviço Social, São Paulo, SP

Por meio de pesquisadores da juventude, fiquei saben-do da revista, que interessa muito a quem atua, como eu,na área de educação e juventude.

Gilmar Staub, São Miguel do Oeste, SC

Onda Jovem é muito interessante e pertinente para nós,do Lar das Crianças da Congregação Israelita Paulista (CIP).Gostaríamos de receber os exemplares.

Maitá Figueiredo, São Paulo, SP

Parabéns pela iniciativa da revista. Sou diretor da ONGAssociação Crescer, que tem a juventude como público alvo.

Pe. Evando Batista de Morais, Contagem, MG

Nós, Religiosas Concepcionistas Missionárias do Ensino,somos uma entidade religiosa católica que trabalha comeducação de jovens. Gostaríamos de receber Onda Jovem.

Edenilson Coelho, Sede Provincial, São Paulo, SP

Na entidade Lua Nova, atendemosjovens mães e seus filhos. AdoramosOnda Jovem, especialmente a segundaedição, sobre Trabalho, que está muitorelacionada com nossa missão e ações.

Mirthes e Raquel Barros, por e-mail

Nós, da Girassolidário (Agência daRede Andi Brasil), achamos Onda Jovemde excelente qualidade.

Antonio Sardinha, Mato Grosso do Sul

Gostei muito das reportagens deOnda Jovem.

Marcia Wada, A Cor da Letra,por e-mail

SITE ONDA JOVEM

Gostei demais de ter descoberto osite Onda Jovem. Vocês capricharamnos textos. Parabéns. Sou psicóloga,trabalho com prevenção à AIDS com jo-vens e gostaria de colaborar com vocês.

Ana Luiza, psicóloga, por e-mail

Nós, da Comunidade Transformar,gostaríamos de cumprimentá-los pelainiciativa da revista e do site Onda Jo-vem, muito bons, bem feitos e de exce-lente qualidade. É material importantepara nosso Grupo de Estudos e comoinformação qualificada para esta ONG,que concluiu recentemente um proces-so de reestruturação e está iniciandouma nova fase com a implementaçãode projetos que, na sua maioria, têm opúblico jovem como destinatário.

Washington de Bessa BarbosaJúnior, Ribeirão Preto, SP

Parabéns, Onda Jovem, pela bela ini-ciativa, projeto gráfico e editorial. Assimcomo vocês, o InterCidadania comunicasoluções em busca de um mundo melhor.

Equipe InterCidadania, por e-mail

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Foi um artista visual que revelou apoesia ao mineiro Ricardo Rizzo, de24 anos. Quando tinha 13 anos, umabolsa de iniciação artística ofereci-da pela sua escola, em Juiz de Fora(MG), levou-o às leituras visuais doartista plástico Arlindo Daibert sobre

as obras de Guimarães Rosa e Mário de Andrade. “Eu fiquei apaixonado pela literatura”, dizRizzo. A paixão, como tantas, gerou o escritor. Já estudante de Direito, em 2002 publicou olivro “Cavalo Marinho e outros poemas” (Editora Nankin/Funalfa Edições). Em 2004, ganhouo prêmio Cidade Belo Horizonte com o livro ainda inédito “Ao Sul da Esfera”, que inclui ospoemas desta página. Atualmente, Rizzo faz mestrado em Ciência Política na Universidadede São Paulo, mas sem se afastar da literatura: pesquisa os escritos políticos de José Alencare é editor da revista literária “Jandira” (Funalfa Edições).

POR OBRA DA ARTE

poemas_Ricardo Rizzoilustração_Rodolfo Herrera

TARSILA

De meia em meia horameu coração de baleiase derramasobre os cafezais

Noite, chão, terra cheiaoutros mil corações de baleiarespondem iguais

não minto a quem me odeia.

DESCONFORTO

Se ficarmos muito quietospodemos dormir.Respirar pelo narizmalgrado o compactoolor de albume.Consentirque o sujeito ao ladoresmungue umaou duas queixastorcendo-se na poltronaruidosamente.É um bonito trecho de Brasil queatravessamosneste ônibusneste fevereiroe não podia mesmo ser diferente.

Para onde quer que se olhe,desta oudaquela janela,a fuzilaria descansa.

A democracia avançacom seus dentes-de-leite.

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O Instituto Votorantimapóia essa causa.

E quer ver muitos jovensfazendo sucesso na capa.

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número 3 – novem

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ARTE & CULTURAARTE & CULTURAComo as manifestações artísticas e

culturais promovem o desenvolvimentopessoal e social dos jovens brasileiros

Como as manifestações artísticas eculturais promovem o desenvolvimento

pessoal e social dos jovens brasileiros