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FAE CENTRO UNIVERSITÁRIO PROGRAMA DE MESTRADO INTERDISCIPLINAR EM ORGANIZAÇÕES E DESENVOLVIMENTO LINHA DE PESQUISA: POLÍTICAS PÚBLICAS E DESENVOLVIMENTO LINDSAY PILATTI ARAÚJO ONDE MORAM OS POBRES? POLÍTICAS PÚBLICAS DE HABITAÇÃO EM CURITIBA, PR: UM ESTUDO SOBRE A FORMAÇÃO DA VILA NOSSA SENHORA DA LUZ. CURITIBA 2011

Onde Moram Os Pobres

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FAE – CENTRO UNIVERSITÁRIO

PROGRAMA DE MESTRADO INTERDISCIPLINAR EM

ORGANIZAÇÕES E DESENVOLVIMENTO

LINHA DE PESQUISA: POLÍTICAS PÚBLICAS E DESENVOLVIMENTO

LINDSAY PILATTI ARAÚJO

ONDE MORAM OS POBRES?

POLÍTICAS PÚBLICAS DE HABITAÇÃO EM CURITIBA, PR:

UM ESTUDO SOBRE A FORMAÇÃO DA VILA NOSSA SENHORA DA LUZ.

CURITIBA

2011

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LINDSAY PILATTI ARAÚJO

ONDE MORAM OS POBRES?

POLÍTICAS PÚBLICAS DE HABITAÇÃO EM CURITIBA, PR:

UM ESTUDO SOBRE A FORMAÇÃO DA VILA NOSSA SENHORA DA LUZ.

Qualificação da Dissertação apresentada como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Organizações e Desenvolvimento. Programa de Mestrado Interdisciplinar em Organizações e Desenvolvimento da FAE – Centro Universitário. Orientador: Prof. Dr. Lafaiete Santos Neves. Co-orientador: Prof. Dr. Nilson Cesar Fraga.

CURITIBA

2011

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Dedico este trabalho à memória de minha

mãe, Jeanine Pilatti Araújo, que me ensinou lutar por tudo que acredito e soube me incentivar para que eu nunca

desistisse.

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AGRADECIMENTOS

Aos dias de sol...

Ao meu pai Edwy e minha madrinha Betinha, pelo amor incondicional desde sempre.

Aos meus orientadores, Lafaiete e Nilson, essenciais neste processo, por

compartilharem não só seus conhecimentos científicos e acadêmicos (o que já não

seria pouco), mas também, e principalmente, histórias de vida e amizade.

Aos demais professores e equipe do Mestrado, em especial Mariana e Monica, pela

atenção e gentileza cotidianas.

À dupla Irina e Simas, por compartilharem dúvidas e descobertas nesta nossa

jornada tornando-a bem mais interessante.

Aos meus colegas de trabalho, em especial à Luciane, por agüentar meus surtos

praticamente rotineiros, por me mostrar o valor da família e espiritualidade.

Aos amigos da lista de e-mails, do facebook, ao porteiro do prédio, à diarista, à

minha manicure, a todos que ajudaram fazer meu dia-a-dia mais fácil e divertido,

combatendo meu stress e angústia.

À minha amiga Beatriz, por estar comigo para o que der e vier, incentivando a

construção deste trabalho desde o início.

À Ellen e seu lindo exemplo de determinação, pelas traduções à distância e amizade

sem fronteiras.

Ao Fábio Domingos, por me lembrar que estudar é ótimo.

Ao Fabionez, por nunca duvidar, por sempre estar.

A todos que contribuíram direta ou indiretamente para que este trabalho fosse

concretizado, muito obrigada!

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RESUMO ARAÚJO, Lindsay Pilatti. Onde moram os pobres? Políticas públicas de habitação em Curitiba, PR: um estudo sobre a formação da Vila Nossa Senhora da Luz. Dissertação (Mestrado em Organizações e Desenvolvimento) – FAE – Centro Universitário. Curitiba, 2010.

Alinhado ao tema Políticas Públicas, este estudo tem como objetivo principal analisar

a aplicação da legislação urbanística no processo de ocupação da Vila Nossa

Senhora da Luz, em Curitiba, Paraná, da sua gênese aos dias atuais. Trata-se de

um caso único, porém, representativo de uma tendência de planejamento já

amplamente multiplicada. Com isso, são descritos os supostos vínculos causais das

intervenções efetuadas na Vila e na vida de seus moradores, com a possibilidade de

chegar a generalizações baseadas em evidências deste estudo. Para tanto, inicia-se

fazendo a exposição das questões citadinas, enfatizando os problemas decorrentes

da rápida urbanização a partir da Revolução Industrial. Em seguida, mostra-se a

dinâmica da estrutura intra-urbana das metrópoles, o déficit habitacional resultante e

os parâmetros ditados pela legislação urbanística. Ainda, um breve histórico do

crescimento de Curitiba, seus planos diretores e suas implicações em relação aos

assentamentos na metrópole.

Palavras-chave: Políticas Públicas, Urbanização, Habitação, Curitiba.

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ABSTRACT ARAÚJO, Lindsay Pilatti. Onde moram os pobres? Políticas públicas de habitação em Curitiba, PR: um estudo sobre a formação da Vila Nossa Senhora da Luz. Dissertação (Mestrado em Organizações e Desenvolvimento) – FAE – Centro Universitário. Curitiba, 2010. In accordance with the Public Policies theme, this study analyses the application of

city planning legislation in the irregular occupation process of Vila Nossa Senhora da

Luz, in Curitiba, Parana, from its genesis to the present day. This is a unique case,

however, and represents a planning trend, nowadays largely multiplied. Thus, it is

describes the supposed causes and links of interventions made in the township, and

the lives of its residents, aiming at making generalizations based on evidence from

this study. To do so, it's necessary to expose the statements and issues of the

population, emphasizing the problems arising from the rapid urbanization

commencing with Industrial Revolution. Then the dynamics of intra-urban structure of

cities, the housing shortage and resulting parameters dictated by urban legislation is

highlighted. And a brief history of the growth of Curitiba, its master plans and their

implications on the settlements in the metropolis.

Key words: Public Policies, Urbanization, Curitiba.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 01 Gráfico sobre o trâmite de regularização de imóveis.................... 45

Figura 02 Posição geográfica de Curitiba...................................................... 54

Figura 03 Livro Tombo da Câmara da Vila de Curitiba................................. 55

Figura 04 Provimento do Ouvidor Pardinho, 1721........................................ 56

Figura 05 Planta de Curitiba em 1830........................................................... 58

Figura 06 Planta de Curitiba em 1857........................................................... 60

Figura 07 Mapa de Curitiba em 1915............................................................ 62

Figura 08 Rua XV de Novembro final da década de 1920............................ 63

Figura 09 Capa da Revista Ilustração Paranaense, de João Turim (1928)... 64

Figura 10 Ordem Paranaense, de João Turim (1929)................................... 64

Figura 11 Manoel Ribas analisando o Plano Agache.................................... 65

Figura 12 Plano de Urbanização de Curitiba de 1943................................... 66

Figura 13 Plano de avenidas. Plano Agache................................................. 67

Figura 14 Plano Agache................................................................................ 68

Figura 15 Plano Preliminar de Urbanismo, 1965........................................... 69

Figura 16 Zoneamento de Curitiba – Lei nº 4199 e 4773/ 1974.................... 74

Figura 17 Esquema de zoneamento de uso do solo em Curitiba, 1974........ 78

Figura 18 Plano Habitacional da CIC.......................................................... 80

Figura 19 Mapa com o crescimento populacional por bairro......................... 81

Figura 20 Foto da ocupação Alto Barigui/ Bolsão Rose - CIC....................... 81

Figura 21 Fotos de residências em áreas de risco, CIC............................... 82

Figura 22 Moradias à beira do rio Barigui já interditadas pela Defesa Civil.. 82

Figura 23 Moradores recusam-se a deixar suas casas interditadas............. 83

Figura 24 Vazios Urbanos em Curitiba, 1983................................................ 84

Figura 25 Conectora 5 no início da década de 1980..................................... 85

Figura 26 Área do atual Loteamento Horizonte (nome comercial Neoville).. 86

Figura 27 Foto aérea da ocupação da calçada na Rua Theodoro Locker.... 86

Figura 28 Trecho da Rodovia Juscelino Kubitschek. Ao fundo, Vila Sabará. 87

Figura 29 Mapas mostrando a formação da RMC......................................... 89

Figura 30 Vista aérea da Vila Nossa Senhora da Luz dos Pinhais................ 102

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Figura 31 Foto da inauguração do loteamento em 1966................................. 103

Figura 32 Foto aérea da Vila Nossa Senhora da Luz..................................... 104

Figura 33 Entrevistado Israel Muniz................................................................ 105

Figura 34 Caixa d‟água que abastecia a Vila............................................................. 110

Figura 35 Planta e corte do modelo de casa CT-1-21..................................... 113

Figura 36 Foto das unidades - modelo CT-1-21................................................ 114

Figura 37 Foto interna do sótão....................................................................... 114

Figura 38 Planta e corte do modelo de casa CT-5-25..................................... 115

Figura 39 Foto das unidades - modelo CT-5-25.............................................. 115

Figura 40 Fotos da residência de Israel Muniz e família........................................ 116

Figura 41 Israel Muniz em frente da escada de acesso ao sótão................... 117

Figura 42 O sótão mobiliado utilizado como quarto ........................................ 117

Figura 43 Foto do Pres. Mal. Castello Branco visitando um sótão.................. 118

Figura 44 Algumas casas as quais se pode identificar o projeto-origem......... 121

Figura 45 Algumas casas que ampliaram no recuo ........................................ 121

Figura 46 Foto de uma das ruas da Vila – estreita e emparedada.................. 122

Figura 47 Residências antigas ao lado de grandes ampliações...................... 122

Figura 48 Residências e comércios ampliados............................................... 122

Figura 49 Edificações completamente descaracterizadas.............................. 123

Figura 50 Edificação com três pavimentos no recuo frontal............................ 123

Figura 51 Obras em andamento...................................................................... 123

Figura 52 Quadro extraído da Lei 9.800/2000 com parâmetros de SEHIS..... 124

Figura 53 Mapa mostrando levantamento realizado em 2000......................... 126

Figura 54 Mapa indicando levantamento atual de lotes regularizados............ 127

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

BADEP Banco de Desenvolvimento do Paraná S/A.

BNH Banco Nacional de Habitação

CAP Caixa de Aposentadoria e Pensões

CEF Caixa Econômica Federal

CIC Cidade Industrial de Curitiba

CODEPAR Companhia de Desenvolvimento Econômico do Paraná

COHAB/CT Companhia de Habitação Popular de Curitiba

COMEC Coordenação da Região Metropolitana de Curitiba

CVCO Certificado de Vistoria de Conclusão de Obras

FCP Fundação da Casa Popular

IAP Instituto de Aposentadoria e Pensões

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

IPARDES Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social

IPPUC Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba

IPTU Imposto Predial Territorial Urbano

ISS Imposto sobre Serviços

LAURB Laboratório de Arquitetura e Urbanismo

LDO Lei de Diretrizes Orçamentárias

LOA Lei do Orçamento Anual

OGU Orçamento Geral da União

PDI Plano de Desenvolvimento Integrado

PNH Política Nacional de Habitação

RIT Rede Integrada de Transportes

RMC Região Metropolitana de Curitiba

SERFHAU Serviço Federal de Habitação e Urbanismo

SFH Sistema Financeiro de Habitação

SMU Secretaria Municipal de Urbanismo

UFPR Universidade Federal do Paraná

UFRJ Universidade Federal do Rio de Janeiro

URBS Companhia de Urbanização e Saneamento

USP Universidade de São Paulo

VNSL Vila Nossa Senhora da Luz

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO......................................................................................... 12

2 A CIDADE NÃO PÁRA........................................................................... 17

2.1 INDUSTRIALIZAÇÃO E URBANIZAÇÃO................................................ 18

2.2 ONDE MORAM OS POBRES.................................................................. 22

2.2.1 As partes de um todo: estrutura intra-urbana.......................................... 23

2.3 A QUESTÃO DA HABITAÇÃO................................................................ 26

2.3.1 Políticas Públicas..................................................................................... 31

2.3.2 Destaques das Políticas Públicas habitacionais no séc. XX.................... 32

2.3.3 Atual Política Nacional de Habitação e demais programas vigentes....... 38

2.4 A LEI E A ORDEM................................................................................... 44

3 QUANTAS CURITIBAS........................................................................... 51

3.1 DAS “AGRESTES CABANAS CURITIBANAS”....................................... 52

3.2 PLANO: PRA QUÊ TE QUERO?............................................................. 65

3.3 UMA CIDADE DENTRO DE OUTRA CIDADE........................................ 71

3.4 METRÓPOLE POPSTAR........................................................................ 88

4 A LUZ SEM LUZ...................................................................................... 101

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS..................................................................... 134

REFERÊNCIAS....................................................................................... 138

ANEXOS.................................................................................................. 145

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1 INTRODUÇÃO

Isso é pra você que é um desses caras

fumando o último cigarro do maço

antes de atravessar a

Rua dos Pinguins Tristonhos.

é pra você que insiste esquecer o guarda-chuva

só pra ter a esperança de um dia voltar atrás.

é pra você que come cheeseburguers com

recheio de neve e catchup

esperando a noite chegar

num banco qualquer de

uma praça chamada No Meio do Nada.

é pra você que cruza a Rodovia do Café

dentro de um ônibus

voltando da Cidade Industrial por

volta das 23:45, carregando uma

sacolinha cheia de desilusão.

é pra você que é aí das quebradas e

tem o tórax inchado e

os olhos melados ganindo pra lua com

intervalos peripatéticos de tosse.

é pra você que espera os créditos acabarem

antes de sair do filme.

isso é pra você em quem os

analgésicos não fazem mais efeito.

(“Balbucios de blues”, Luiz Felipe Leprevost, 2009)

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A Revolução Industrial transformou para sempre a relação entre o homem e

a natureza. Seja do ponto de vista humano, econômico ou ecológico, não é

necessário conhecimento acadêmico para perceber os problemas deste modelo de

desenvolvimento urbano: distribuição perdulária e arbitrária, impermeabilização do

solo, erosão, congestionamentos, ruídos, especulação imobiliária, desaparecimento

de grandes áreas da paisagem aberta, alteração do micro-clima etc. O paradigma

civilizatório resultante traçou o caminho da humanidade em direção à crise

ambiental. Entre tentativas e erros, a busca de um desenvolvimento inclusivo e

harmônico – dos homens entre si e com a natureza – aparece como meta do mundo

contemporâneo.

A construção civil é responsável por um grande consumo energético e

poluição em seus diversos tipos. O simples ato de morar deixou de ser simples. À

função básica da casa – abrigar-se – agregaram-se novas incumbências como, por

exemplo, a determinação do status de seu proprietário. Pode-se definir casa como

“um invólucro seletivo e corretivo das manifestações climáticas, enquanto oferece as

mais variadas possibilidades de proteção. [...] Palco permanente das atividades

condicionadas à cultura de seus usuários” (LEMOS, 1996, p.9)

Destacando-se a questão mais pura da habitação imbricada em um forte

contexto de industrialização, tem-se em Curitiba um marco urbano com a

inauguração em 1966 do primeiro conjunto habitacional do estado do Paraná – a

Vila Nossa Senhora da Luz (VNSL). A Vila está localizada na Cidade Industrial de

Curitiba – CIC: bairro concebido para abrigar o distrito industrial de Curitiba, criado

posteriormente à VNSL, em 1973, como resultado de um convênio entre a

Companhia de Urbanização e Saneamento (URBS) e o governo do Estado do

Paraná. Condizendo com o “milagre econômico” brasileiro, a política adotada era

para atrair mais e mais indústrias já que o antigo bairro industrial – o Rebouças – já

estava saturado e somava problemas devido à sua proximidade ao centro urbano.

Trata-se do maior bairro em extensão de Curitiba e sua ocupação tem crescido

muito nessas quase quatro décadas de existência, não só na parte industrial como

também nas zonas habitacionais.

Atualmente, considerando a totalidade dos lotes da Vila, a VNSL possui uma

quantidade significativa de edificações irregulares (sem alvará de construção). Em

sua grande maioria, tais construções são irregularizáveis, pois fogem muito da

legislação atual, somando infrações. A lei de uso e ocupação do solo existente em

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termos pragmáticos tornou-se impraticável em algumas regiões da cidade devido ao

monitoramento insuficiente do crescimento dessas áreas.

A literatura específica sobre urbanização no Brasil retrata um processo de

crescimento desigual e que permanece construindo áreas segregadas. Isso se

reflete na ação do Estado, tanto na execução de infra-estrutura quanto na

elaboração de leis urbanísticas. Curitiba é tida como uma cidade de planejamento

urbano exemplar. Questiona-se, então: são pertinentes os parâmetros da legislação

urbana vigente, especificamente em Setores de Habitação de Interesse Social tais

como a VNSL?

Sendo assim, este estudo tem como objetivo principal analisar a aplicação

da legislação urbanística enquanto Políticas Públicas no processo de ocupação dos

setores de habitação de interesse social, em Curitiba, Paraná, utilizando como

exemplo a Vila Nossa Senhora da Luz. Para tanto, alguns objetivos específicos

deverão ser preenchidos tais como: averiguar o processo de formação socioespacial

e ambiental de Curitiba; caracterizar impactos ambientais do meio construído e

relações sociais; verificar o processo do planejamento urbano de Curitiba em relação

às Políticas Públicas Habitacionais; levantar dados atuais sobre as edificações

existentes na VNSL; e, por fim, identificar adaptações na legislação atual visando à

regularização das edificações.

Faz-se importante mencionar que o presente trabalho encontra-se vinculado

ao tema das Políticas Públicas, mais precisamente ao Plano Diretor da cidade e às

Políticas de Habitação de Interesse Social, buscando investigar as Políticas Públicas

para loteamentos populares, a adaptação dos moradores ao empreendimento e a

apropriação do espaço.

A pesquisa caracterizada como um estudo de caso, que para alguns se

caracteriza em princípio como estudo exploratório, permite uma investigação

empírica das mudanças ocorridas em certas regiões urbanas, ao passo que

preserva as características holísticas e significativas dos acontecimentos da vida

real, “especialmente quando os limites entre o fenômeno e o contexto não estão

claramente definidos” (YIN, 2005, p. 20). Ainda sob tal perspectiva, baseado em

Godoi (2007), que aponta em Stake (1994), quando falamos em estudo de caso, não

se está referindo a uma escolha metodológica mas, fundamentalmente, à escolha de

um determinado objeto a ser estudado, que pode ser uma pessoa, um programa,

uma instituição, uma empresa ou um determinado grupo de pessoas que

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compartilham o mesmo ambiente e a mesma experiência. Da mesma forma aponta

que estudo de caso é “‟um método de olhar a realidade social‟ que utiliza um

conjunto de técnicas de pesquisa usuais nas investigações sociais como a

realização de entrevistas, a observação participante, o uso de documentos pessoais,

a coleta de histórias de vida. (GOODE, HATT, 1968, apud GODOI, 2006, p. 154)”.

Trata-se de um caso único, porém, representativo de uma tendência de

planejamento já amplamente multiplicada. Com isso, pretende-se descrever e

explicar os supostos vínculos causais das intervenções efetuadas na Vila e na vida

de seus moradores, com a possibilidade de chegar a generalizações baseadas em

evidências deste estudo.

Por se tratar de uma pesquisa qualitativa são utilizadas várias fontes de

evidências tais como: documentação (livros, revistas, jornais), registros em arquivos

(registros organizacionais, mapas e gráficos resultantes de levantamento in loco já

realizado), observação direta (não-participante/ como funcionária da Secretaria de

Urbanismo do núcleo regional o qual atende à Vila Nossa Senhora da Luz) e

entrevista individual em profundidade.

Procurando intensidade nas respostas, e não quantificação ou

representação estatística, o uso das entrevistas qualitativas em profundidade como

recurso metodológico conjuga dinamicidade e flexibilidade. No caso, utilizou-se o

modelo de entrevista semi-aberta, realizadas a partir de um roteiro-base (uma lista

de questões-guia relativas ao problema de pesquisa), mas visando alcançar a

amplitude do tema (GODOI, MATTOS, 2006, p. 303).

A seleção dos entrevistados em estudos qualitativos é um processo não

probabilístico, pois é importante que estes tenham envolvimento com o assunto, dis-

ponibilidade e disposição em falar. São preferíveis poucas fontes, mas de qualidade,

a muitas, que não acrescentem relevância ao estudo. Trabalha-se, então, com dois

tipos de amostras: por conveniência ou intencional. A seleção dos entrevistados

nesta pesquisa uniu conveniência e intencionalidade, recolhendo a contribuição de

um informante-chave (fonte de informação fundamental por estar profunda e

diretamente envolvida com os aspectos centrais do problema de pesquisa) e outros

informantes-padrões (entrevistados envolvidos com o tema de pesquisa, mas que

poderiam ser substituídos por outros sem que se tivesse prejuízo na qualidade das

informações obtidas).

A presente dissertação está estruturada em 05 (cinco) capítulos, sendo que

Page 16: Onde Moram Os Pobres

16

esta Introdução corresponde ao capítulo 1. O próximo capítulo (2) é intitulado “A

cidade não pára” e fará a exposição das questões citadinas, enfatizando os

problemas decorrentes do “progresso” avassalador. Dentro deste, a primeira

subseção trará uma síntese da urbanização a partir da Revolução Industrial.

Posteriormente, a subseção “Onde moram os pobres” colocará as questões

sobre a estrutura intra-urbana das metrópoles: como o centro funcional de cada

cidade se desloca em relação às forças imobiliárias, como as elites determinam o

posicionamento dos assentamentos populares e o sentido do crescimento urbano.

Em seguida, “A questão da habitação” propriamente dita entra em pauta:

expõe-se o déficit habitacional e variações sobre o tema das ocupações irregulares;

mostra-se um histórico das Políticas Públicas habitacionais desde a era Vargas até a

extinção do Banco Nacional de Habitação (BNH); e finalizando esta subseção, são

citados os programas vigentes do Ministério das Cidades em parceria com a Caixa

Econômica Federal.

A subseção “A lei e a ordem” discutirá a relação entre legislação urbanística,

os parâmetros de uso e ocupação do solo e a grande porcentagem de edificações

ilegais. Faz a exposição ampla do problema de pesquisa.

O capítulo 3 “Quantas Curitibas” inicia com um histórico da ocupação do

primeiro planalto paranaense, “das agrestes cabanas curitibanas” até o movimento

Paranista de Romário Martins. É fundamental entender toda a evolução da cidade

em foco para que transpareçam as similaridades entre as Políticas Públicas

praticadas no decorrer do tempo.

A próxima subseção, “Plano: pra quê te quero?”, trará os Planos Diretores

que se sucederam, do francês Agache ao Plano Serete.

A subseção seguinte – “Uma cidade dentro de outra cidade” – é específica

para apresentar a Cidade Industrial de Curitiba – com forte influência no

planejamento urbano geral da metrópole, é o bairro onde se situa o objeto de

estudo.

Posteriormente, a subseção “Metrópole Popstar” discute a importância em

se trabalhar com a Região Metropolitana integrada e como a publicidade sobre a

capital acarretou problemas na área de abrangência dos municípios do entorno.

O capítulo 4, “A luz sem luz”, pretende apresentar a Vila Nossa Senhora da

Luz – o objeto de estudo em análise. Mostrará sua formação e posterior ocupação

através de depoimentos do próprio arquiteto e engenheiro do empreendimento

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17

(Alfred Willer) e do Frei Miguel Botacin – religioso que acompanhou todo o processo.

Conclui-se com uma visão sobre a situação atual através de mapas, fotos e tabelas,

assim como algumas entrevistas com pessoas da região ou com influência sobre a

mesma.

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2 A CIDADE NÃO PÁRA

O sol nasce e ilumina as pedras evoluídas

Que cresceram com a força de pedreiros suicidas

Cavaleiros circulam vigiando as pessoas

Não importa se são ruins, nem importa se são boas

E a cidade se apresenta centro das ambições

Para mendigos ou ricos e outras armações

Coletivos, automóveis, motos e metrôs

Trabalhadores, patrões, policiais, camelôs

A cidade não pára, a cidade só cresce

O de cima sobe e o de baixo desce

A cidade não pára, a cidade só cresce

O de cima sobe e o de baixo desce

(“A cidade”, Chico Science, 1994)

Page 19: Onde Moram Os Pobres

19

2.1 INDUSTRIALIZAÇÃO E URBANIZAÇÃO

O pensamento humano busca classificar, diferenciar e ordenar não só o

espaço, mas também o tempo, as atividades, o status, os papéis e o

comportamento. A edificação nem sempre corresponde ao ideal almejado pelo

construtor ou usuário, mas com certeza é representativa de sua época e realidade

sócio-econômica.

(...) os homens ao longo da história criam normas, regras e instituições não

para evitar cair no estado de natureza. Ao contrário, eles o fazem

desenvolvendo a sua própria natureza não somente em função dos

estímulos advindos do meio ambiente, mas também das relações que os

homens estabelecem entre si. (GONÇALVES, 1989, p.95)

Embora seja representada por uma base material, a cidade carrega um

conceito abstrato, pois diariamente, é retro-alimentada pelas relações socioculturais

que sustenta. Funciona como um espetáculo, onde o cenário interage com os atores

– patrões e empregados, punks e yuppies, artistas e cientistas, analfabetos e

intelectuais são a representação da sua diversidade e complexidade. Sem tais

elementos múltiplos, a cidade não seria cidade na época em que se vive, seria um

não-lugar.

Segundo Ana Fani Carlos, a cidade revela as possibilidades do processo

civilizatório, pois nada mais é do que um produto social, trabalho humano

materializado enquanto formas de ocupação. “O modo de ocupação de determinado

lugar da cidade se dá a partir da necessidade de realização de determinada ação,

seja de produzir, consumir, habitar ou viver” (CARLOS, 2008, p.45).

Nos últimos 160 anos, a população urbana aumentou numa porcentagem

muito superior ao crescimento populacional mundial, transformando a cidade no

habitat humano predominante. Segundo dados do CENSO (IBGE, 2000), 82% dos

brasileiros (e 65% dos habitantes do planeta) vivem em centros urbanos. Contudo, a

cidade de hoje, herança de arranjos humanos sobrepostos com a história, está longe

de oferecer a oportunidade almejada pela massa migratória. Principalmente as

cidades dos países subdesenvolvidos e em desenvolvimento (como o Brasil), que

sofreram um processo de industrialização recente, oferecem uma baixa qualidade de

vida apoiada na falta de sustentabilidade da gestão pública. A ineficiência dos

serviços prestados, o abandono e ignorância da população, a destruição do

Page 20: Onde Moram Os Pobres

20

patrimônio edificado e a crescente agressão ambiental formam um quadro

preocupante da situação atual.

Embora algumas cidades da Antigüidade Clássica1 já apresentassem

problemas similares decorrentes da urbanização – no século I a.C., Roma já possuía

um milhão de habitantes – essas apareciam como casos isolados. Foi a

industrialização, entendida aqui como traço da sociedade contemporânea, que

empregou um novo ritmo à vida urbana.

A cidade finita, tal como chegou a existir na Europa ao longo dos quinhentos

anos precedentes, foi totalmente transformada, no lapso de um século, pela

interação de uma quantidade de forças técnicas e socioeconômicas antes

desconhecidas, muitas das quais emergiam pela primeira vez na segunda

metade do século XVII (FRAMPTON, 1997, p.13).

Durante a Idade Moderna2, as cidades mantiveram-se quase como

organismos autônomos, com forte base no mercado local e regional, ainda que

houvesse um destacado comércio ultramarino. O mercantilismo, como primeira fase

do capitalismo, foi o responsável pelo grande acúmulo de riqueza nas cidades

comerciais européias que, por conseguinte, veio a patrocinar o desenvolvimento

técnico-científico denominado Revolução Industrial. Nos anos seguintes, a

industrialização traria o crescimento numa proporção e numa velocidade implacáveis

(BENEVOLO, 2007, p.552)

A cidade recebeu diretamente as conseqüências dessa expansão

populacional e sofreu muitas transformações na estruturação de seu espaço interno.

A crescente especialização funcional, e a ampliação dos mercados que o modelo de

produção em série exigiu, reforçou a divisão social do trabalho, que, por sua vez,

definiu a nova divisão territorial. O espaço foi sendo produzido para atender esta

nova realidade, fortalecendo a articulação entre os lugares.

O crescimento dos aglomerados tornou centro a área antes compreendida

por todo o núcleo urbano, formando-se ao seu redor uma faixa nova. A periferia era

entendida como uma espécie de território livre da iniciativa privada, onde, de forma

independente, surgiram bairros de luxo (para abrigar os ricos emigrados do centro),

bairros pobres (onde moravam mais assalariados e recém-emigrados do campo),

unidades industriais maiores e depósitos (BENEVOLO, 2007, p.565)

1 Do século VIII a.C ao século V d.C.

2 Do século XV ao século XVIII.

Page 21: Onde Moram Os Pobres

21

A acomodação de tão volátil crescimento levou à transformação dos velhos

bairros em áreas miseráveis e, também, à construção de moradias baratas

e de cortiços, cuja finalidade principal, dada a carência geral de transporte

municipal, era proporcionar, da forma menos onerosa possível, a máxima

quantidade de alojamento rudimentar dentro da distância a pé dos centros

de produção (FRAMPTON, 1997, p.14).

As pequenas casas, muitas vezes, continham as mesmas acomodações das

moradias do campo, mas a falta de espaço ao redor se constituía em séria

dificuldade para a eliminação de resíduos, para a ventilação e a insolação. Os

pátios, quando havia, eram reduzidos e estavam cercados por construções de todos

os lados. Com condições sanitárias tão precárias, doenças se alastraram

rapidamente (BENEVOLO, 2007, p.566).

Contribuiu para esta desordem na paisagem e na malha urbana o fato de

que houve um abandono das formas de controle público sobre o espaço construído.

Só na segunda metade do século XIX, com o fim dos regimes liberais e com a

ascensão de Napoleão III na França, Bismark na Alemanha e os conservadores na

Inglaterra, a política de não-intervenção do Estado acabou (BENEVOLO, 2007,

p.573).

O poder público estabeleceu regulamentos e executou obras: a

administração passou a gerir/planejar os espaços urbanos. Houve a aprovação de

leis sanitárias, implantação de redes de água e esgoto e melhorias nos percursos

(ruas, praças, estradas de ferro). Paralelamente, desenvolveu-se o transporte

coletivo, possibilitando percorrer distâncias intra-urbanas um pouco maiores.

O maior exemplo das reformas urbanas dessa época aconteceu em Paris,

com o governo ambicioso e autoritário do imperador francês Napoleão III e o prefeito

do Sena, o Barão Haussmann. Em 1870 eles já haviam praticamente recriado a

capital francesa, substituindo boa parte de seu antigo e congestionado centro por

avenidas largas e retilíneas, ladeadas por lojas – cujos lucros, segundo a correta

previsão dos planejadores, tornavam o imenso projeto totalmente autofinanciado.

Também foram implantados novos cemitérios e parques, um novo sistema padrão

de mobiliário urbano, plantas residenciais e fachadas regularizadas (BENEVOLO,

2007, p.589)

Durante o século XX, houve o fortalecimento do modelo capitalista,

incrementando a dinâmica natural dos aglomerados urbanos. A Segunda Grande

Page 22: Onde Moram Os Pobres

22

Guerra havia mudado a sociedade e se iniciavam os novos tempos – de produção e

consumo, de moda e gosto, de TV e brilho (STROETER, 1987, p.50). Há, então, a

inversão da predominância entre o modo de vida rural e o urbano. Na década de

1960, a qualidade do meio ambiente urbano produzido, tanto pela iniciativa privada

quanto pelo poder público, sofre críticas e protestos dos mais diversos segmentos.

“Criticava-se tanto o impacto dos empreendimentos sobre o meio ambiente e a vida

das comunidades quanto à própria qualidade dos espaços urbanos e da arquitetura”

(DEL RIO, 1990, p. 19). O Brasil passa pelo mesmo processo de industrialização e

urbanização ocorrido no século anterior nos países do Primeiro Mundo – e sofre as

conseqüências.

O processo de industrialização/urbanização, sob o lema positivista da ordem

e progresso, parecia representar um caminho para a independência de

séculos de dominação da produção agrária. A evolução dos acontecimentos

mostrou que, ao lado de intenso crescimento econômico, o processo de

urbanização com crescimento da desigualdade resultou numa inédita e

gigantesca concentração espacial da pobreza (MARICATO, 1996, p. 55).

O século XXI iniciou com problemas socioambientais graves a serem

enfrentados, oriundos do processo histórico de urbanização. É o século das

megalópoles (concentrações urbanas com mais de dez milhões de habitantes) com

desafios à sua gestão de mesma proporção: miséria, violência, falta de

equipamentos e serviços públicos, contaminação das águas, extinção de espécies

nativas, produção excessiva de calor e mais:

(...) megalomania das construções, espaços com micro-climas específicos

(sem condições de ventos, sol ou chuvas), contaminação e enfermidades,

sombreamento de áreas de encontro e convívio, revestimentos e

impermeabilização do solo, comprometendo a qualidade de vida urbana;

este modus vivendi, legou às cidades, ou a trechos do tecido urbano, uma

dimensão desumana, retirou a presença do verde, do sol e por fim, do

próprio homem dos espaços urbanos. (ADAM, 2001, p. 18)

Há numerosas formas de conexão dentro da urbe – um centro aglutinador e

difusor onde os fluxos se cruzam – mas cada vez mais as pessoas estão solitárias.

Esvazia-se o sentido de vizinhança, de pertencimento, de cuidado. O cidadão torna-

se apenas um voto. A cidade oferece uma dinâmica à vida de seus habitantes

deveras intensa.

Page 23: Onde Moram Os Pobres

23

A sucessão de acontecimentos desconexos parece envolver a vida

cotidiana num turbilhão de sensações desconexas. A velocidade impõe uma

revolução à continuidade, a queda de referenciais urbanos impõe a

estranheza das relações entre habitante e a cidade – como se a vida

estivesse sendo determinada ou manipulada por um elemento mágico que

seguimos, cegamente, sem nos dar conta do feitiço. O efêmero e o

amnésico se impõem redefinindo e requalificando a relação espaço-tempo

no mundo moderno, reorientando a prática sócio-espacial na metrópole

(CARLOS, 1999, p.14).

“Violenta em seu gigantismo” (CARLOS, 1999, p.13), a fúria metropolitana

às vezes indecifrável, outras vezes tão simples: quanto maior a cidade, mais

complexa a problemática da urbanização.

2.2 ONDE MORAM OS POBRES

O processo de urbanização brasileiro teve como um traço marcante o rápido

crescimento das camadas populares urbanas. Com a abolição da escravatura e o

declínio das lavouras no último quarto do século XIX, ocorreu um grande

deslocamento campo-cidade, intensificado com o passar dos anos. A criadagem da

elite rural que também migrara não teve espaço no cotidiano citadino de seus

patrões, sendo então dispensada. A esta criadagem excedente juntaram-se os

operários imigrantes estrangeiros recém-chegados, principalmente portugueses e

espanhóis, participando da produção dos bairros residenciais populares nas grandes

cidades (VILLAÇA, 1998, p. 226).

A princípio permaneceram nas áreas centrais criando suas aglomerações

nos interstícios das áreas nobres, vivendo de suas migalhas. Ao mesmo tempo, os

centros, que até então eram predominantemente cívicos e religiosos, começaram a

serem gradualmente constituídos por lojas, confeitarias, restaurantes, hotéis,

escritórios de profissionais liberais, órgãos públicos, etc. E o aparecimento ou

crescimento de determinadas atividades que só as camadas de mais alta renda

podiam desfrutar - tanto para compras e serviços quanto como seus locais de

emprego - valorizou o preço da terra na zona central, levando à expulsão das

camadas de baixa renda que ali moravam para os subúrbios ou periferias.

(VILLAÇA, 1998, p. 227)

Pobre e subequipada, a periferia prevalece como forma de inserção no

Page 24: Onde Moram Os Pobres

24

espaço urbano típica das camadas de mais baixa renda até a década de 1980. No

entanto, nas últimas duas décadas, uma combinação de fatores vem transformando

o padrão de distribuição de grupos sociais e atividades econômicas no espaço da

cidade. O centro tradicional e a estrutura monocêntrica hierárquica começam a

perder sua importância devido à criação de novas centralidades, evoluindo para uma

estrutura policêntrica de territórios ligados em rede (SALGUEIRO, 1999, p. 247). Ao

mesmo tempo em que aumentaram as ocupações irregulares pelas camadas de

baixa renda em áreas não tão distantes dos antigos centros, a periferia é permeada

por “ilhas” de conforto das elites, “um mundo exclusivo de prazer entre pares”

(CALDEIRA, 1997, p.160). Trata-se de um processo de auto-segregação das elites:

um afastamento em busca de áreas verdes mais espaçosas, configurando

condomínios fechados, murados, gradeados, monitorados 24 horas e, em alguns

casos, incluindo dentro de sua fortificação equipamentos como escolas, shoppings,

clínicas, etc. Assim, “as distâncias físicas entre ricos e pobres diminuíram, ao

mesmo tempo em que os vários mecanismos para separá-los tornaram-se mais

óbvios e complexos” (CALDEIRA, 1997, p.156).

2.2.1 As partes de um todo: estrutura intra-urbana.

Flávio Villaça define o funcionamento da estrutura urbana como “um todo

articulado de partes que se relacionam, no qual alterações em uma parte, ou em

uma relação, acarretam alterações nas demais partes e relações” (VILLAÇA, 1998,

p. 327). Consideram-se como elementos dentro deste todo (a metrópole): o centro

principal (a maior aglomeração de comércio e serviços), os subcentros (réplicas em

menor escala do centro principal), as áreas industriais e os bairros residenciais

(geralmente agrupados em conjuntos segundo as classes sociais) (VILLAÇA, 1998,

p. 12). E para entender a morfologia resultante – novos bairros, novos usos,

adensamentos, sentido do crescimento, etc. – é imprescindível considerar as

relações de determinado ponto com todos os demais pontos da urbe.

O espaço urbano é produto do trabalho social despendido na construção de

algo socialmente útil. Esse trabalho produz dois valores a considerar: o primeiro diz

respeito aos edifícios em si, as ruas, as praças, as infra-estruturas, etc.; o outro é o

valor dado pela localização desses edifícios, ruas e praças (VILLAÇA, 1998, p. 72).

Page 25: Onde Moram Os Pobres

25

Quando uma indústria é construída, há ao mesmo tempo consumo (não só

de terreno, mas de todo o espaço urbano) e produção do espaço (idem). O

mesmo ocorre quando se reforma uma antiga mansão e nela se instala, por

exemplo, uma clínica; quando se constrói um shopping center, se arboriza

uma praça, se implanta uma rede de esgotos, ou quando se loteia uma

gleba... E não se confunda espaço com terreno. O espaço que se produz e

consome é muito mais que o terreno. É o de toda a metrópole, mesmo que

apenas um milionésimo dela seja alterado, pois ela é um todo (uma

estrutura é, antes de tudo, um todo) constituído de milhões de milionésimos.

Quando se constrói um edifício de apartamentos ou uma casinha operária

na periferia, o espaço que está sendo produzido e consumido é o da

totalidade da cidade. (VILLAÇA, 1998, p. 332)

A estrutura intra-urbana exerce influência direta sobre o preço dos imóveis,

pois estes são calculados tomando como base sua localização na cidade: a

legislação urbanística de uso do solo, as características da vizinhança e aspectos

simbólicos. Ao adquirir um imóvel, o valor pago é resultante da soma do volume

habitável com uma determinada forma de uso e uma distância do seu ponto a outros

pontos de interesse (VILLAÇA, 1998, p. 73). Para as metrópoles latino-americanas,

uma das forças mais poderosas agindo sobre a estruturação do espaço origina-se

na “luta de classes pela apropriação diferenciada das vantagens e desvantagens do

espaço construído e na segregação espacial dela resultante. [...] Trata-se de uma

disputa em torno de condições de consumo” (VILLAÇA, 1998, p. 45).

E importante para se fechar a conta do que está sendo consumido é calcular

o tempo perdido ao se alcançar determinado local. O tempo, como o bem mais

precioso não renovável que a humanidade possui, é determinante da estruturação

do espaço urbano. A acessibilidade ao centro – seja ele o centro geográfico ou de

serviços – é ponto comum para o pertencimento à urbanidade. E não se trata de

procurar proximidade (melhoria de acessibilidade) à cidade: procura-se a cidade

(VILLAÇA, 1998, p. 80). Afinal, “esse interesse na centralidade é a própria razão de

ser das cidades como organismo espacial” (VILLAÇA, 1998, p. 329).

Assim, mais do que a disponibilidade de equipamentos e infra-estrutura ou a

própria qualidade das edificações, as condições de deslocamento do ser humano

determinam a articulação do espaço urbano, enfatizando a polarização centro x

periferia. O resultado é a reprodução da desigualdade.

Cada homem vale pelo lugar onde está; o seu valor como produtor,

consumidor, cidadão depende de sua localização no território. Seu valor vai

Page 26: Onde Moram Os Pobres

26

mudando incessantemente, para melhor ou para pior, em função das

diferenças de acessibilidade (tempo, freqüência, preço) independentes de

sua própria condição. Pessoas com as mesmas virtualidades, a mesma

formação, até mesmo o mesmo salário, têm valor diferente segundo o lugar

em que vivem: as oportunidades não são as mesmas. Por isso, a

possibilidade de ser mais ou menos cidadão depende, em larga proporção,

do ponto do território onde se está (SANTOS, 1987, apud VILLAÇA, 1998,

p. 75).

O economista indiano Amartya Sen afirma em seu livro “Desenvolvimento

como liberdade” que a pobreza não pode ser considerada apenas como baixo nível

de renda, o que é um critério usual para essa classificação, embora seja um fator

determinante para tal. A pobreza deve ser vista como privação das capacidades

básicas e liberdades substantivas, o que faz com que pessoas de mesma renda

tenham situações de vida mais ou menos miseráveis dependendo de um somatório

de especificidades problemáticas em cada cultura como idade, sexo, local de

moradia, assistência pública, etc.

O que a perspectiva da capacidade faz na análise da pobreza é melhorar o

entendimento da natureza e das causas da pobreza e privação desviando a

atenção principal dos meios (e de um meio específico que geralmente

recebe atenção exclusiva, ou seja, a renda) para os fins que as pessoas têm

razão para buscar e, correspondentemente, para as liberdades de poder

alcançar esses fins. (SEN, 2000, p.112)

A visão de liberdade adotada por Sen envolve tanto os processos, ou formas

como as pessoas buscam os fins almejados, quanto às oportunidades reais destas

pessoas em termos sociais e pessoais. Mesmo separando em cinco tipos de

liberdades instrumentais: (1) liberdades políticas, (2) facilidades econômicas, (3)

oportunidades sociais, (4) garantias de transparências e (5) segurança protetora –

Sen reafirma sempre o alto grau de conectividade entre os tipos e como a privação

de um pode influenciar negativamente a obtenção dos demais. (SEN, 2000, p.112)

A casa e, mais do que isso, o bairro de residência entram no conjunto de

bens que oferecem reconhecimento. A homogeneidade social dos bairros e

a sua defesa dos intrusos pode radicar em razões culturais e sociais, mas

adquire rapidamente uma tradução econômica em termos de valorização ou

desvalorização do solo. O resultado destes processos, favorecido aliás pelo

papel de árbirtro e regulador do estado, principalmente atuante no domínio

do planeamento do território, é uma cidade “arrumada” com os grupos

sociais e as atividades econômicas cada um no seu lugar, na qual se

Page 27: Onde Moram Os Pobres

27

desenvolvem trocas entre espaços desiguais, se tecem interdependências,

e multiplicam solidariedades (SALGUEIRO, 1999, p. 246).

Essa passagem de Tereza Salgueiro exprime resumidamente a valorização

territorial versus segregação e pincela o poder estatal como gerente deste processo.

A subseção a seguir, trará o problema quantitativo do déficit habitacional.

2.3 A QUESTÃO DA HABITAÇÃO

A questão da problemática que envolve o morar na cidade por aqueles que

para ela foram atraídos tem se mostrado constante desde o advento da

industrialização. Algo ainda não superado.

A chamada crise da habitação, que ocupa hoje um lugar tão destacado na

imprensa, não consiste em que a classe operária em geral viva em más

habitações, superpovoadas e insalubres. Esta crise de habitação não é

peculiar do momento presente; nem sequer é uma das misérias próprias do

proletariado moderno, diferentemente de todas as classes oprimidas do

passado. Ao contrário, afetou de uma maneira quase igual todas as classes

oprimidas de todos os tempos. Para acabar com esta escassez de

habitação não existe senão um meio: abolir a exploração e a opressão da

classe operária pela classe dominante. O que hoje se entende por escassez

de habitação é o particular agravamento das más condições de moradia dos

operários em conseqüência da afluência repentina de população para as

grandes cidades; é um formidável aumento dos aluguéis, uma maior

aglomeração de inquilinos em cada casa e, para alguns, a impossibilidade

total de encontrar abrigo. E esta penúria de habitação dá tanto o que falar

porque não afeta somente a classe operária, mas igualmente a pequena

burguesia. A penúria de habitação para os operários e uma parte da

pequena burguesia de nossas grandes cidades modernas não é mais que

um dos inumeráveis males menores e secundários originados pelo atual

modo de produção capitalista (ENGELS, 1976 [1887], p.50)

É notório como o texto de Engels permanece atual mais de um século

depois. Tanto faz chamar de habitação popular, habitação de interesse social,

habitação de baixo custo ou habitação para população de baixa renda – o desafio

em vencer a problemática habitacional permanece. No Brasil, tal problema avançou

no tempo e em magnitude desde os mocambos (casebres de palha e barro que os

ex-escravos fizeram para morar após a abolição) e sua alegada ameaça à saúde

pública, atravessando a crise da classe média dos anos 1950 e 1960, até a

Page 28: Onde Moram Os Pobres

28

rivalidade atual entre erradicar o grande déficit habitacional das camadas populares

versus os interesses financeiros e da especulação imobiliária (BRANDÃO, 1980, p.

125).

Arquiteta e urbanista, Raquel Rolnik atua também como relatora especial do

Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU) para o

Direito à Moradia Adequada, sendo reconhecida como uma das principais

autoridades mundiais sobre o assunto. Raquel afirma que o conceito de moradia

adequada vai muito além da idéia da casa de quatro paredes: implica na

possibilidade de acesso, a partir do local onde se vive, não apenas à infraestrutura e

equipamentos, mas também às oportunidades de trabalho, oportunidades

econômicas, ou seja, aos meios de sobrevivência (ROLNIK, 2010, p.14).

Durante o Fórum Urbano Mundial 5, realizado em março de 2010 no Rio de

Janeiro, foi anunciada pelo Ministério das Cidades a redução do déficit habitacional

brasileiro – nem por isso menos assustador. O estudo elaborado pela Fundação

João Pinheiro aponta queda de 08% entre os anos 2007 e 2008 - de 6,3 milhões

para 5,8 milhões de domicílios. Deste montante, 82% estão localizados nas áreas

urbanas. As principais regiões metropolitanas do país abrigam 1,6 milhão de

domicílios representando 27% das carências habitacionais do país. Em relação ao

total dos domicílios, o déficit representa 10,1% do país, sendo 9,7% nas áreas

urbanas e 11,9% nas rurais. A metodologia de pesquisa englobou tanto as

habitações faltantes quanto as que necessitam de incremento ou requalificação

(FÓRUM URBANO MUNDIAL 5, 2010, s.p.).

No entanto, houve piora no indicador que mede o total de moradias com

infraestrutura inadequada – aquelas com restrição de acesso a pelo menos um dos

serviços básicos: iluminação elétrica, abastecimento de água com canalização

interna, rede geral de esgoto ou fossa séptica e coleta de lixo – aumentando em 500

mil unidades, chegando a 11 milhões, ou 22% dos domicílios urbanos.

Como já visto nas subseções anteriores [2.1 e 2.2], a industrialização

acelerou o crescimento urbano e este se configurou de forma desordenada – ou

através de uma ordem perversa e excludente onde prevaleceu um inchaço das

periferias e dos núcleos de favelamento. Mesmo internamente, Bolaffi (1980, p.168)

afirma que houve um empobrecimento de parte da população residente em outros

bairros da cidade, onde os cidadãos se forçaram à mudança de outras formas de

habitação para a favela, não sendo a migração a responsável exclusiva do

Page 29: Onde Moram Os Pobres

29

crescimento de favelados. Mas e o que é definido como “favela”?

A origem etimológica da palavra favela está relacionada à volta ao Rio de

Janeiro dos soldados que serviram na Guerra de Canudos e foram ocupar um morro

carioca, já que não tinham mais o soldo para sustentá-los. O local, antes Morro da

Providência, foi popularmente sendo chamado de Morro da Favella, em referência a

uma planta arbustiva típica da caatinga nordestina abundante na região de Canudos.

(VALLADARES, 2000, s.p.). Corriqueiramente, favela caracteriza-se por ocupar uma

área degradada, com moradias precárias, falta de infraestrutura e sem regularização

fundiária. Hoje em dia, o conceito tornou-se um estigma sendo que muitos

moradores preferem utilizar o termo “comunidade”.

O dicionário Novo Aurélio define favela simplesmente como “conjunto de

habitações populares toscamente construídas e com recursos higiênicos deficientes”

(FERREIRA, 1999). Já Alex Kenya Abiko inclui em seu conceito a questão da

propriedade:

[...] conjunto de unidades domiciliares, construídas de madeira, zinco, lata,

papelão ou até mesmo em alvenaria, distribuídas desordenadamente em

terrenos cuja propriedade individual do lote não é legalizada para aqueles

que os ocupam. Na maioria das vezes ocupam áreas com declividade

acentuada ou inundáveis (ABIKO, 1995, p.13).

O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE (2010, s.p.) utiliza-se

da expressão “aglomerados subnormais” e quantifica essa relação definindo-a como

um conjunto de, no mínimo, 51 unidades habitacionais dispostas, em geral, de forma

densa e desordenada em terrenos de propriedade alheia (pública ou particular) e,

em sua maioria, carentes de serviços públicos essenciais.

Para a Organização Não Governamental – ONG – OBSERVATÓRIO DE

FAVELAS (2010, s.p.), o tema não pode ser simplificado. Favela é então

caracterizada, em parte ou em sua totalidade, pela insuficiência histórica de

investimentos do Estado e do mercado formal, principalmente o imobiliário,

financeiro e de serviços; forte estigmatização sócio-espacial; alta densidade;

ocupação de sítios urbanos marcados por um alto grau de vulnerabilidade ambiental;

edificações predominantemente caracterizadas pela autoconstrução, sem cumprir os

parâmetros definidos pelo Estado; uso predominante para fins de moradia; níveis

elevados de subemprego e informalidade nas relações de trabalho; indicadores

educacionais, econômicos, ambientais e grau de soberania por parte do Estado

Page 30: Onde Moram Os Pobres

30

inferior à média do conjunto da cidade; relações de vizinhança marcadas por intensa

sociabilidade, com forte valorização dos espaços comuns; alta concentração de

pardos, negros e descendentes de indígenas, de acordo com a região brasileira; e

grau de vitimização das pessoas, sobretudo a letal, acima da média da cidade.

Para Marcelo Lopes de Souza, assim como para o também já citado

Amartya Sen, é notável a relativização dos níveis de pobreza – como a mesma

renda pode gerar pobrezas diferentes, amenizada ou amplificada dependendo do

local e assistência governamental.

A pobreza de sua população é, sem dúvida, uma característica distinta

muito comum, mas o nível de pobreza é bastante variável não só entre

favelas [...], mas também no interior de favelas grandes e consolidadas,

especialmente quando situadas em áreas valorizadas. A carência de infra-

estrutura, assim como a pobreza, é, igualmente, uma característica muito

comum, mas, não menos que a pobreza, variável (SOUZA, 2003, p.173).

Com isso, pode-se afirmar que uma moradia digna não se restringe ao

conforto, à segurança e à salubridade da própria edificação. As suas funções só se

completam quando há uma troca benéfica com seu entorno, com o ambiente que a

cerca (ABIKO, 1995, p. 03).

Até a década de 1970, as habitações de interesse social implantadas no

Brasil acabaram aumentando a segregação. Além da padronização tipológica e o

número excessivo de unidades repetidas, ocupavam áreas tão distantes do centro

que iniciavam a formação de novos guetos de abandono. Com altos custos de infra-

estrutura, aumentaram a dispersão urbana e a agressão ao meio (CARDOSO,

ABIKO, 2006, p.5).

No livro “Morte e vida de grandes cidades”, Jane Jacobs faz uma crítica

contundente à arquitetura e urbanismo modernistas e, em seu clamor pela

diversidade, ao se referir à maior parte dos conjuntos habitacionais de baixa renda,

enfatiza que “[...] se tornaram núcleos de delinqüência, vandalismo e desesperança

social generalizada [...] são verdadeiros monumentos à monotonia e à padronização,

fechados a qualquer tipo de exuberância ou vivacidade da vida urbana” (JACOBS,

2003, p. 02).

O Pós-modernismo trouxe uma revisão ideológica da forma de implantação

dos programas habitacionais para a população de baixa renda. A questão deixou de

ser “quanto menor o valor da terra, melhor” – devendo existir equilíbrio entre os

Page 31: Onde Moram Os Pobres

31

gastos com o terreno, a infra-estrutura, construção, reintegração social e qualidade

de vida. A preferência deveria ser por áreas de diversos tamanhos, próximas a eixos

de transporte, equipamentos e pólos de emprego, mesclando faixas de renda e

tipologia das habitações - casas, sobrados, apartamentos. O novo modelo primaria

pelo fortalecimento de uma identidade que unisse o usuário ao seu edifício, e ao

respectivo entorno, incentivando programas de autogestão e mutirão. Entretanto,

embora a teoria tenha evoluído, na prática as leis de mercado ainda são mais fortes

que as leis constituintes.

A Constituição Federal (BRASIL, 1988), Capítulo II - Dos Direitos Sociais,

teve a redação do seu artigo 6º alterada pela Emenda Constitucional nº 26 de 2000

para que se fizesse constar “moradia” como direito de todos os brasileiros – e em

2010, foi novamente alterada pela Emenda Constitucional nº 64 acrescentando

“alimentação” – ficando assim:

Art. 6º _São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho,

a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à

maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta

Constituição.

O artigo 5º, incisos XXII e XXIII, Dos direitos e deveres individuais e

coletivos, dispõe ser garantido o direito de propriedade em todo o território nacional,

contudo também estabelece que toda propriedade deve atender a sua função social.

No caso, a “função social” fala sobre o direito de utilização do imóvel. Souza faz a

distinção entre “direito de propriedade” e o “direito de utilização”: “se a propriedade

privada em si, no âmbito do capitalismo, não se pode ser por demais restringida, o

direito de utilização [...] pode ser, em nome do bem comum, severamente limitado”.

(SOUZA, 2005, p. 280).

Para tanto, a Lei nº 10.257/ 2001, conhecida como o Estatuto das Cidades,

trouxe uma nova visão do planejamento urbano, oficializando a utilização de

instrumentos específicos como o Imposto Predial Territorial Urbano (IPTU)

Progressivo ou o Solo Criado, influindo na forma de utilização do terreno para que

seja alcançada a dita função social da cidade.

Assim, é legítima a participação do Estado na supressão dos problemas

habitacionais, subsidiando ou minimizando o impacto negativo na vida dos cidadãos.

“[...] o conjunto de sub-habitações e sua população devem ser realmente integrados

Page 32: Onde Moram Os Pobres

32

às estruturas urbanas, pois o fato da sua locação imprópria é o atestado das falhas

governamentais, desde os níveis das macro-políticas até as intervenções locais”

(LIMA, 2000, p.274).

E como grande parte do crescimento rápido dos núcleos de favelamento se

deu em decorrência do êxodo rural, com a mecanização das lavouras e a

impossibilidade de sustento do homem no campo, a reforma urbana não pode ser

pensada isoladamente, mas sim como “uma complementação necessária de uma

reforma agrária” (SOUZA, 2005, p. 287).

A essência da questão é política – não só no que diz respeito à habitação,

mas a todos os grandes problemas sociais. Isto porque a solução ou a permanência

tolerada do problema implicam em opções que ressaltam forças sociais

contraditórias. E esbarrando em interesses muito antes políticos do que técnicos, a

definição das prioridades foge ao controle dos arquitetos, sociólogos e economistas

enquanto planejadores (BOLAFFI, 1980, p.168).

2.3.1 Políticas Públicas

O que é “público” é “relativo ou destinado ao povo, à coletividade, ou ao

governo de um país” (FERREIRA, 1999). Política vem do grego “polis” – a cidade-

estado. De acordo com o dicionário Aurélio, Política é a “ciência dos fenômenos

relativos ao Estado”, mas também é a “arte de bem governar os povos”, e ainda:

“habilidade no trato das relações humanas” (FERREIRA, 1999). As duas últimas

definições parecem um tanto poéticas comparadas com a adoção popular do termo

política como “politicagem”: política mesquinha, estreita. (FERREIRA, 1999).

Para Weber, entende-se como Política “o conjunto de esforços feitos com

vistas a participar do poder ou a influenciar a divisão do poder, seja entre Estados,

seja no interior de um único Estado” (WEBER, 2011, p.56). Sendo que: “[...] o Estado

consiste em uma relação de dominação do homem sobre o homem, fundada nos

instrumento da violência legítima (isto é, da violência considerada como legítima)”

(WEBER, 2011, p.57).

Na Europa, os estudos e pesquisas se concentravam mais na análise sobre

o papel do Estado e suas instituições. Já nos EUA, sem estabelecer relações com as

bases teóricas sobre o papel do Estado, enfatizando diretamente os estudos sobre a

Page 33: Onde Moram Os Pobres

33

ação dos governos, a área de conhecimento e disciplina acadêmica “Políticas

Públicas” nasce como uma subárea da Ciência Política. Era necessário entender

como e por que os governos optam por determinadas ações, distinguindo entre o

que o governo pretende fazer e o que, de fato, faz (SOUZA, 2006, s.p.).

Celina Souza faz em seu artigo uma compilação de diversos autores

definindo políticas públicas e então resume como sendo:

(...) o campo do conhecimento que busca, ao mesmo tempo, "colocar o

governo em ação" e/ou analisar essa ação (variável independente) e,

quando necessário, propor mudanças no rumo ou curso dessas ações

(variável dependente). A formulação de políticas públicas constitui-se no

estágio em que os governos democráticos traduzem seus propósitos e

plataformas eleitorais em programas e ações que produzirão resultados ou

mudanças no mundo real. (SOUZA, 2006)

A autora ainda coloca que se trata de um campo holístico, o que “não

significa que careça de coerência teórica e metodológica, mas sim que comporta

vários „olhares‟". Ou seja, não se limitando a leis e regras, engloba participantes

formais e informais: “indivíduos, instituições, interações, ideologia e interesses

contam, mesmo que existam diferenças sobre a importância relativa destes fatores”.

(SOUZA, 2006, s.p.)

2.3.2 Destaques das Políticas Públicas habitacionais no séc. XX

O tema habitação social ganha grande destaque no cenário nacional com a

Revolução de 1930 e a ditadura populista de Vargas. O clima político, econômico e

cultural da época desloca a questão central da salubridade dos cortiços para a

viabilização do simples acesso à casa própria. Influenciando no dia-a-dia e formação

ideológica dos trabalhadores, o problema da moradia emergiu como aspecto crucial

das condições de vida do operariado, pois absorvia porcentagem significativa das

remunerações (BONDUKI, 1998, p. 73). Buscavam-se novas formas de alojamento a

fim de reduzir ou até eliminar o custo da moradia no orçamento familiar – o salário

era destinado somente à alimentação, medicamentos e o transporte para o trabalho.

Algumas favelas nasceram e cresceram porque os cidadãos não tinham dinheiro

mais para pagar alugueis, dividindo a ocupação com outras famílias conhecidas e

improvisando casebres com materiais não próprios para a construção definitiva.

A crise não atingia somente a classe baixa, mas também a classe média que

Page 34: Onde Moram Os Pobres

34

morava predominantemente de aluguel (BONDUKI, 1998, p.76). Não havia na época

linhas de financiamento populares sendo muito difícil para qualquer assalariado

adquirir um bem cujo valor absoluto ultrapassava em muito seus rendimentos

mensais.

O período foi marcado por uma crescente intervenção do estado na

economia. O governo Vargas cria, então, os Institutos de Aposentadoria e Pensões

(IAP) – nos moldes das já existentes Caixas de Aposentadoria e Pensões (CAP)

formuladas para atender às reivindicações dos ferroviários no governo de Artur

Bernardes (WERNA et al., 2001, p.110). Os IAP‟s tinham como objetivo primordial

administrar benefícios previdenciários e garantir a assistência médica. Os recursos

arrecadados deveriam ser aplicados em investimentos que garantissem a

rentabilidade do fundo.

Com o Decreto 1749/37, ficaram estabelecidas as condições para a atuação

dos IAP‟s na área habitacional, podendo destinar até metade de suas reservas para

o financiamento das construções. Tal financiamento poderia contar com uma

reduzida taxa de juros (de 08 para 06%), ampliação dos prazos de pagamento de 10

para 25 anos, elevação do valor financiado e a autorização do benefício para

associados que já possuíam casa própria (o que permitia o acesso para os

segmentos de renda mais elevada, caracterizando o caráter coorporativo e não de

apelo social do sistema) (BONDUKI, 1998, p.104).

A forma de atuação dos IAP‟s estava dividida em três planos: o Plano A

consistia na locação ou venda de unidades habitacionais aos associados, em

conjuntos residenciais adquiridos ou construídos pelo próprio instituto, sem prejuízo

da remuneração mínima do capital investido; o Plano B, no financiamento aos

associados da aquisição da moradia ou construção em terreno próprio; e o Plano C,

empréstimos hipotecários a qualquer pessoa física ou jurídica a fim de garantir a

máxima rentabilidade para as reservas acumuladas das instituições previdenciárias,

mantendo sempre a sua estabilidade financeira (BONDUKI, 1998, p.104).

Entretanto, como combatente da escassez de moradia, a solução proposta

pelos institutos se mostrou frágil uma vez que só os membros coligados a alguma

associação poderiam participar – ampliando as desigualdades entre os empregados

formais e os do mercado informal. Também fracassou a tentativa do governo de

então em unificar os institutos, a fim de gerar uma política habitacional integrada e

consistente.

Page 35: Onde Moram Os Pobres

35

Em 1941, é formada uma comissão para estudar alternativas de extinção

dos assentamentos favelados. Uma das propostas do grupo foi a construção de

casas populares em conjuntos denominados “parques proletários” – uma espécie de

habitação transitória onde a população removida das favelas permaneceria

temporariamente até sua reintegração ao mercado habitacional formal. Até a queda

do Estado Novo em 1945, apenas quatro “parques” tinham sido construídos, sem

alcançar os objetivos almejados (LIMA, 2000, p.272).

No ano seguinte, é lançada a Fundação da Casa Popular (FCP) pelo

governo do Presidente Eurico Gaspar Dutra como mais uma tentativa de erradicar os

núcleos favelados existentes e evitar o surgimento de novos. A FCP foi o primeiro

órgão de âmbito federal criado exclusivamente com esta atribuição. O

funcionamento da instituição patinhou entre os fins eleitoreiros e não conseguiu

emplacar muitos projetos face à magnitude do problema. Interesses corporativos,

econômicos e/ou políticos agiram com eficiência para desarticulá-lo, como, por

exemplo, os representantes da construção civil que temiam que a proposta de

construir 100 mil casas populares dificultasse ainda mais a obtenção de materiais de

construção para os empreendimentos privados. Com apenas 18.132 unidades

construídas em 18 anos de funcionamento, em 1964 tem sua extinção (BONDUKI,

1998, p.115).

O crescimento econômico dos anos 1950, com a substituição de

importações e a produção dos bens duráveis, foi acompanhado de uma maior

concentração da renda, favorecendo a consolidação da classe média à qual se

dirigia o mercado imobiliário privado. O automóvel foi o bem de consumo que trouxe

mudanças significativas para a sociedade brasileira, deslocando o investimento das

políticas públicas de outros setores para as obras viárias. Houve então um

agravamento da crise habitacional principalmente pelo crescente êxodo rural em

direção às principais capitais do país.

Após o golpe de estado, sentindo a pressão do crescente déficit

habitacional, uma das primeiras ações das forças armadas foi, em 21 de agosto de

1964, a promulgação do Plano Nacional de Habitação, através da Lei 4.380/64,

instituindo a correção monetária nos contratos imobiliários de interesse social, o

sistema financeiro para aquisição da casa própria, criando o Banco Nacional da

Habitação (BNH), e Sociedades de Crédito Imobiliário, as Letras Imobiliárias e o

Serviço Federal de Habitação e Urbanismo (SERFHAU). Baseado em uma política

Page 36: Onde Moram Os Pobres

36

de crédito, objetivava fomentar a construção civil e promover o planejamento urbano

através do financiamento para aquisição da casa própria. Com isso, as atribuições

da FCP passaram ao BNH (WERNA et al, 2001, p.100).

Fato relevante em relação à história da habitação social no Brasil foi a

criação, pelo governo de Carlos Lacerda no extinto Estado da Guanabara, da

primeira Companhia de Habitação Popular – COHAB-GB, dando início a uma política

intensa de remoção de favelas. Carlos Lacerda já havia implantado em 1963 o

primeiro conjunto habitacional popular do Brasil – a Vila Kennedy – o qual passou a

ser administrado e reproduzido pela COHAB-GB. Em 1965, houve a criação de

Companhias de Habitação em outros estados, como no Paraná (em maio), Minas

Gerais (julho) e São Paulo (novembro).

Os militares também formaram uma comissão para reformular o sistema

previdenciário, culminando com a extinção dos IAP‟s e centralizando a previdência

no Instituto Nacional de Previdência Social – INPS, em 1966.

Criado como entidade de regime autárquico, o BNH tinha por função a

realização de operações de crédito, sobretudo imobiliário, funcionando como um

banco de segunda linha, ou seja, não operando diretamente com o público. Sua

finalidade principal era gerir o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), por

intermédio de outros bancos privados e/ou públicos e de agentes promotores, como

as companhias habitacionais e companhias de água e esgoto (WERNA et al, 2001,

p.112).

A partir da metade da década de 1970, surgem novos programas federais

elaborados pelo BNH, os quais adotaram, pela primeira vez, a autoconstrução e o

mutirão como opções para a produção habitacional (ABIKO, 1995, p.20). O

Programa de Financiamento de Lotes Urbanizados (PROFILURB) foi concebido em

1975, com a finalidade de atender famílias de baixa renda destinando-lhes um lote

com infraestrutura urbana mínima – luz, água e esgoto. A partir disso, o próprio

morador seria responsável pela construção da casa. Em alguns dos projetos, o lote

foi entregue com uma unidade sanitária ou parede hidráulica.

O Programa de Erradicação de Sub-Habitações (PROMORAR) teve início

em 1979, sendo pioneiro no que hoje se conhece por “urbanização de favelas”. Seu

foco era acabar apenas com a sub-habitação, promovendo a melhoria dos núcleos

habitacionais de ocupações irregulares, sem implicar na remoção da população para

as periferias distantes, como era a prática adotada até então. Atuava implantando

Page 37: Onde Moram Os Pobres

37

infra-estrutura urbana nessas áreas e legalizando a posse das mesmas.

Em 1979, foi promulgada a Lei nº 6766/79 que dispõe sobre o parcelamento

do solo urbano. Esta legislação trouxe a princípio uma contradição em relação à

estrutura fundiária: ao mesmo tempo em que criminalizou o loteador clandestino (ao

promover uma ocupação extensiva sem serviços nem infra-estrutura mínima muitas

vezes sobre áreas ambientalmente frágeis), proporcionou um crescimento nos

núcleos de favelamento ao passo que restringiu a oferta de terrenos baratos à

população de baixa renda, fortalecendo o mercado imobiliário formal (MARICATO,

1996, p.48).

Símbolo histórico da política nacional de habitação, o BNH, no decorrer de

sua existência, foi a principal instituição federal de desenvolvimento urbano brasileiro

e impulsionou a expansão do mercado imobiliário em todo o país. Entretanto, é de

fácil constatação a ineficiência deste modelo em atender a população demandante.

Entre os anos de 1964 e 1986, o Sistema Financeiro de Habitação (SFH) financiou

4,8 milhões de moradias. Contudo, apenas um terço deste total foi destinado aos

moradores com renda inferior a cinco salários mínimos (MARICATO, 1996, p.44).

O BNH foi criado muito mais para atender aos requisitos políticos,

econômicos e monetários dos Governos que conduziram ao “efêmero”

milagre brasileiro, do que para solucionar o verdadeiro problema da

habitação. Realmente, hoje não há como negar que o BNH e os vastos

capitais postos à sua disposição serviram apenas para estimular certos

setores estratégicos da economia e beneficiar as classes de alta renda que

constituíram um dos suportes sobre os quais se apoiou o pacto hegemônico

que legitimou o regime brasileiro até o Governo Geisel (BOLAFFI, 1980,

p.167).

Segundo Eva Blay em “A luta pelo espaço”, foi uma estratégia conveniente

vincular a compra da casa própria ao FGTS, pois tornava aparentemente

“concretizável a utopia de que todos poderão ter sua casa própria”; mantendo o

sistema da propriedade privada sem tocar nos problemas fundamentais que geram o

desequilíbrio econômico (BLAY, 1979, p.85).

Lafaiete Santos Neves reforça que o BNH estava voltado aos segmentos de

rendas médias e altas em condições de consumir, pois se focava na produção de

moradias dentro de uma ótica lucrativa, priorizando:

[...] o financiamento, a produção e a comercialização da casa própria aos

agentes financeiros credenciados, que por seu lado estavam articulados

Page 38: Onde Moram Os Pobres

38

com os interesses das empresas da construção civil. Portanto, não havia

interesse do BNH em priorizar a função social para qual foi criado. Logo,

não havia por parte do Sistema Financeiro de Habitação prioridade para a

produção e comercialização de habitação para as famílias de baixa renda,

exatamente porque essas não tinham condições de cumprir os contratos de

financiamento. Pelo contrário, um número expressivo delas de tornaram

inadimplentes com o BNH. Por isso, a partir de 1971, o BNH atuou

principalmente operando com agentes financeiros credenciados e não mais

diretamente com mutuários e construtoras. Os órgãos públicos voltados

para a habitação em nível municipal passaram também a operar com o

BNH, recebendo recursos e contratando empresas privadas na construção

civil para produzir as unidades habitacionais. Isso elevou os custos de

produção, tornando ainda mais difícil o acesso e cumprimento dos contratos

assinados entre o poder público e os mutuários (NEVES, 2006, p.48).

Numa tentativa vã em resolver a questão da inadimplência e possibilitar o

acesso à moradia para uma população cada vez mais empobrecida, o BNH buscou

reduzir os custos das unidades optando pela diminuição das metragens e

rebaixando a qualidade da construção. O financiamento de obras precárias e ainda

mais distantes deixou “saudades da qualidade dos conjuntos residenciais dos IAP‟s”

(BONDUKI, 1998, p. 320).

Além do comprometimento financeiro de parte importante do orçamento

familiar, outro problema consistia na rejeição por parte da população realocada pelas

novas instalações, pois prejudicava um vínculo social, econômico e cultural já

consolidado no local da moradia anterior.

O BNH foi liquidado definitivamente em 20 de novembro de 1986. Com sua

extinção, a responsabilidade pela fiscalização das atividades do Sistema Financeiro

de Habitação (SFH) foi substituída pelo Banco Central e as funções bancárias pela

Caixa Econômica Federal – CEF. Ao final da década de 1980, inicia um constante

remanejamento das políticas públicas habitacionais, alternando vários Ministérios e

Secretarias. Houve também uma diminuição dos programas convencionais e a

predominância de programas alternativos, como o mutirão e a autoconstrução, com

destaque para o “João-de-barro” e o “Habitar-Brasil” (WERNA et al., 2001, p.113).

O Programa João-de-barro foi criado ainda sob a tutela do BNH, em 1984,

mas teve sua continuidade posteriormente à extinção. Em ação integrada entre o

BNH, COHAB‟s e demais órgãos municipais, tinha o objetivo de financiar a produção

de infra-estrutura e processos de autoconstrução de unidades habitacionais.

Pretendia-se desfrutar das tecnologias alternativas, com a finalidade de diminuir

Page 39: Onde Moram Os Pobres

39

custos de implantação, e priorizava-se a execução de empreendimentos em centros

urbanos de pequeno e médio porte, contribuindo para a sua interiorização. Porém, a

produção demonstrou que esta era uma política insuficiente, apresentando apenas

7.000 moradias construídas.

O Programa Habitar-Brasil, no final da década de 1990, foi um dos primeiros

indícios da atuação direta do governo federal na urbanização e regularização de

assentamentos informais (WERNA et al., 2001, p.113).

2.3.3 Atual Política Nacional de Habitação e demais programas vigentes

Criado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 1º de janeiro de 2003, o

Ministério das Cidades representa um novo marco político-institucional para o setor

habitacional de forma a articular a área de interesse social e o setor de mercado,

eixos importantes da política de desenvolvimento urbano no país. Além disso,

competem ao Ministério às questões de saneamento ambiental, transporte urbano e

trânsito. Tem por missão “combater as desigualdades sociais, transformando as

cidades em espaços mais humanizados, ampliando o acesso da população à

moradia, ao saneamento e ao transporte” (MINISTÉRIO DAS CIDADES, 2010, s.p.).

Através da Caixa Econômica Federal, operadora dos recursos, o Ministério busca

trabalhar de forma articulada com os estados e municípios, além dos movimentos

sociais, organizações não governamentais, setores privados e demais segmentos da

sociedade.

A nova Política Nacional de Habitação – PNH, aprovada em 2004 pelo

Conselho das Cidades (ConCidades) – órgão colegiado de natureza deliberativa e

consultiva do Ministério das Cidades, definiu de forma prioritária a integração urbana

de assentamentos precários como um de seus principais componentes. A

responsável pela formulação de propostas, acompanhamento e avaliação dos

instrumentos de implementação da PNH é a Secretaria Nacional de Habitação

(MINISTÉRIO DAS CIDADES, 2010, s.p.).

A Política Nacional de Habitação conta com um conjunto de instrumentos: o

Sistema Nacional de Habitação, o Desenvolvimento Institucional, Sistema de

Informação, Avaliação e Monitoramento da Habitação, e o Plano Nacional de

Habitação.

Page 40: Onde Moram Os Pobres

40

O Sistema Nacional de Habitação (SNH) estabelece as bases do desenho

institucional que se propõe participativo e democrático, prevê a integração entre os

três níveis de governo e com agentes públicos e privados envolvidos na questão, e

define as regras que asseguram a articulação financeira, de recursos onerosos e

não onerosos, através de dois subsistemas - Habitação de Interesse Social e

Habitação de Mercado. O Desenvolvimento Institucional trabalha com a estruturação

institucional de Estados, Distrito Federal e Municípios, bem como a capacitação de

agentes públicos, sociais, técnicos e privados. O Sistema de Informação, Avaliação

e Monitoramento da Habitação (SIMAHAB) visa a permanente revisão dos projetos e

programas. E o Plano Nacional de Habitação (PlanHab), publicado em dezembro de

2009, é o resultado de um trabalho de 2 anos da SNH com o Consórcio PlanHab,

formado pelo Instituto Via Pública, Fupam-LabHab-FAUUSP e Logos Engenharia. O

principal objetivo do PlanHab é formular metas de médio e longo prazo para

equacionar as necessidades habitacionais do país. Para isso, pretende direcionar as

linhas de financiamento e os programas de provisão, urbanização e modernização

da produção habitacional a serem implementados a partir das prioridades regionais

de intervenção e critérios para a distribuição regional de recursos, de acordo com

perfil do déficit habitacional no âmbito nacional (MINISTÉRIO DAS CIDADES, 2010,

s.p.).

Também parte importante da PNH foi a aprovação da Lei 11 124/2005, que

dispõe sobre o Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social – SNHIS, cria o

Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social – FNHIS e institui o Conselho

Gestor do FNHIS.

Atualmente, a Caixa Econômica Federal conta com diversos programas de

financiamento e repasse nas áreas de infra-estrutura, saneamento e meio ambiente,

como transporte público, gestão de recursos hídricos, resíduos sólidos, preservação

do patrimônio histórico, implantação de centros esportivos e restaurantes populares

públicos (CAIXA ECONÔMICA FEDERAL, 2010, s.p).

No caso de financiamento, o recurso é retornável, sendo pago em parcelas

para a Caixa – podendo ser efetuado diretamente por Pessoa Física, Pessoa

Jurídica ou órgãos públicos que se enquadrem no regulamento de cada programa.

Como opções para financiamento têm-se:

a) Carta de crédito FGTS - Operações Coletivas: trabalha com famílias de

Page 41: Onde Moram Os Pobres

41

renda mensal bruta de R$ 200,00 até R$ 2.325,003, oferecendo linhas de

financiamento com garantia e condições diferenciadas de acordo com a renda

familiar. É um programa com recursos do FGTS, formalizado mediante parceria com

Entidade Organizadora (cooperativas, sindicatos, associações, condomínios,

pessoas jurídicas voltadas à produção habitacional, o poder público representado

por prefeituras municipais, governos estaduais ou companhias e empresas estaduais

ou municipais de habitação vinculadas ao poder público) com vistas à concessão de

financiamento ao beneficiário final para aquisição, construção ou reforma de unidade

habitacional (CEF, 2010, s.p.).

b) Programa Crédito Solidário - FDS: linha de crédito destinada a famílias

com renda de até R$ 1.125,00, com recursos do Fundo de Desenvolvimento Social -

FDS. O crédito é efetuado diretamente ao beneficiário Pessoa Física indicado pela

Entidade Organizadora, cuja proposta tenha sido selecionada pelo Gestor de

Aplicação - Ministério das Cidades (CEF, 2010, s.p.).

c) Programa de Arrendamento Residencial (PAR): destina-se a famílias com

renda mensal de até R$ 1.800,00 para aquisição de unidades habitacionais a serem

construídas, em construção, concluídas a recuperar ou reformar para arrendamento

residencial. Ao final do prazo de arrendamento, de 15 anos, existe a opção de

comprar a casa ou apartamento. Tudo o que foi pago é considerado, cabendo ao

morador o saldo residual, se houver, e as taxas de transferência do imóvel para o

seu nome. Há algumas exceções para rendas superiores de famílias de militares ou

alguns empreendimentos inseridos em programas de requalificação de centros

urbanos ou recuperação de sítios históricos (CEF, 2010, s.p.).

d) Programa Nacional de Crédito Fundiário – PNCF: é o financiamento

oferecido aos trabalhadores rurais com pouca ou sem nenhuma terra, com o objetivo

de facilitar a compra de um imóvel rural. Coordenado pela Secretaria de

reordenamento Agrário do Ministério do Desenvolvimento Agrário em parceria com

os governos estaduais, movimento sindical rural e uma grande quantidade de

parceiros. O programa possibilita, além da terra, a construção das instalações

básicas para a casa (luz, água e esgoto) e investimentos produtivos, como a

preparação do solo, compra de implementos, acompanhamento técnico, etc (CEF,

2010, s.p.).

3 Trata-se de valores estipulados no site da Caixa Econômica Federal para julho de 2010.

Page 42: Onde Moram Os Pobres

42

e) Crédito Solidário: programa de financiamento habitacional com recursos

do Fundo de Desenvolvimento Social – FDS, criado pelo Conselho Curador –

CCFDS, conforme Resolução 93/2004 e regulamentado pelo Ministério das Cidades

nas disposições da Instrução Normativa 39 de 28 de dezembro de 2005 e suas

posteriores alterações. Utiliza-se para aquisição de terrenos, de unidade concluída

ou para construção, reforma e ampliação de unidade habitacional pré-existente.

Podem participar famílias organizadas de forma associativa, com renda bruta mensal

de até R$ 1.125,00 (hum mil cento e vinte e cinco reais). Admite-se, também, a

participação de famílias com renda bruta mensal entre R$ 1.125,01 (hum mil cento e

vinte e cinco reais e um centavo) até R$ 1.900,00 (hum mil e novecentos reais), para

alguns casos excepcionais de associação ditados na regra (CEF, 2010, s.p.).

f) Programa Pró-Moradia: financiamento a Estados, Municípios, Distrito

Federal e empresas públicas não dependentes. Mescla recursos do FGTS e da

contrapartida do solicitante. As famílias a serem atendidas devem possuir

rendimento mensal de até R$ 1.395,00. É utilizado para a urbanização e

regularização de assentamentos precários (com obras e serviços voltados à

segurança, salubridade e condições básicas de moradia das habitações, e ainda à

regularização jurídico-formal de sua ocupação e uso), produção e aquisição de

conjuntos habitacionais e desenvolvimento institucional (a fim de aumentar a eficácia

na gestão urbana e na implementação de políticas públicas no setor habitacional,

com ações que promovam a capacitação técnica, jurídica, financeira e

organizacional da administração pública) (CEF, 2010, s.p.).

g) Imóvel na planta: linha de crédito vinculada ao Programa de Carta de

Crédito Associativo, destinada à produção de empreendimentos habitacionais,

reabilitação de empreendimentos urbanos e produção de lotes urbanizados.

Financiamento efetuado diretamente às pessoas físicas, agrupadas em

condomínios, sindicatos, cooperativas, associações, pessoas jurídicas voltadas à

produção habitacional, companhias de habitação ou órgãos assemelhados, Estados,

Municípios, Distrito Federal ou órgãos da sua administração direta ou indireta, com a

participação ou não, de Construtora (CEF, 2010, s.p.).

h) Programa de Subsídio à Habitação de Interesse Social – PSH: é uma

linha de crédito direcionada a subsidiar a produção de empreendimentos

habitacionais para populações de baixa renda, nas formas de conjunto ou de

unidades isoladas. Em parceria com o setor público, sob a forma de recursos

Page 43: Onde Moram Os Pobres

43

financeiros, bens ou serviços, o PSH viabiliza a aquisição e/ou produção de casas

populares para a população de baixa renda. Complementa a capacidade financeira

do proponente para o pagamento do preço de imóvel residencial e assegura o

equilíbrio econômico e financeiro das operações realizadas pelas instituições

financeiras (CEF, 2010, s.p.).

Já o repasse constitui transferência voluntária de recursos federais definidos

pelo Orçamento Geral da União (OGU) para estados, municípios, instituições

públicas e entidades não governamentais sem fins lucrativos, por meio de

programas e ações previstos na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e Lei do

Orçamento Anual (LOA). Os recursos são não-onerosos, ou seja, não exigem

retorno, apenas contrapartida. A LOA autoriza a aplicação dos recursos nos estados

e municípios e a seleção das propostas específicas é realizada pelos Ministérios

Gestores dos Recursos. Como mandatária, a Caixa representa a União,

acompanhando todas as ações necessárias ao cumprimento dos contratos de

repasse e verificando a sua regularidade conforme exigências normativas, legais e

técnicas. Para obter o repasse, o administrador após identificar as necessidades e

prioridades do seu município/estado busca enquadrar-se em um dos programas a

seguir:

a) Reabilitação de áreas urbanas centrais: com foco nas capitais e nos

demais municípios integrantes de Regiões Metropolitanas, o programa visa

promover o uso e a ocupação democrática das áreas urbanas centrais, objetivando

a permanência da população residente e a atração da população não-residente, com

promoção da diversidade funcional e social, a identidade cultural, a vitalidade

econômica e a preservação do patrimônio histórico e cultural. Trabalha com cinco

modalidades: elaboração de planos de reabilitação de áreas urbanas centrais;

elaboração de projetos urbanísticos de infra-estrutura e requalificação de espaços

de uso público; elaboração de projetos arquitetônicos de requalificação de imóveis;

execução de obras de infra-estrutura e e requalificação de espaços de uso público; e

execução de obras de requalificação de imóveis para uso habitacional de interesse

social e para transformação em uso público (CEF, 2010, s.p.).

b) Apoio à construção de habitação de interesse social: oferece acesso à

moradia adequada aos segmentos populacionais de renda familiar mensal de até

três salários mínimos, em localidades urbanas e rurais, por meio da produção ou

aquisição de unidades habitacionais e lotes urbanizados em conformidade com as

Page 44: Onde Moram Os Pobres

44

diretrizes de planejamento urbano municipal. Também permite a requalificação de

imóveis – intervenções, obras e serviços voltados à reabilitação de prédios

existentes, ocupados ou não, para fins de moradia; reurbanização ou re-

parcelamento de terrenos ou reconstrução de edificações, que resultem em lotes ou

unidades habitacionais (CEF, 2010, s.p.).

c) Respostas aos desastres: programas que visam promover ações

preventivas e de preparação para reduzir a ocorrência de danos e prejuízos

provocados por desastres naturais. Em situações de emergência e estado de

calamidade pública, trabalham com o restabelecimento das atividades essenciais e a

recuperação de danos causados por tais desastres (CEF, 2010, s.p.).

d) Programa Urbanização, Regularização e Integração de Assentamentos

Precários: com o objetivo de intervir em assentamentos locados em áreas sócio-

ambientalmente vulneráveis, bem como de efetuar os procedimentos necessários à

regularização fundiária de assentamentos informais (CEF, 2010, s.p.).

e) Pró-Municípios: engloba os Programas de Apoio ao Desenvolvimento

Urbano de Municípios de Pequeno Porte (até 100.000 habitantes) e de Apoio ao

Desenvolvimento Urbano de Municípios de Médio e Grande Porte. As ações são

operacionalizadas por meio das seguintes modalidades: implantação ou melhoria de

infra-estrutura urbana; acondicionamento, coleta e transporte, disposição final e

tratamento de resíduos sólidos urbanos, incluindo a inserção social de catadores

associada à erradicação de lixão; abastecimento de água; esgotamento sanitário;

drenagem urbana, como a canalização de cursos de água e redes de galerias

pluviais; elaboração de Planos Diretores; mobilidade urbana e transporte público;

produção ou aquisição de unidades habitacionais e urbanização de assentamentos

precários somente em caráter emergencial (CEF, 2010, s.p.).

f) Programa Morar Melhor: visa promover ações conjuntas de

desenvolvimento urbano nas regiões de maior concentração de pobreza do país,

buscando a universalização da cobertura dos serviços de saneamento básico e

ambiental, um aumento na oferta de habitações e promovendo a melhoria das

condições de habitabilidade e da infra-estrutura urbana (CEF, 2010, s.p.).

g) Programa de infra-estrutura e serviços de reforma agrária: tem por

objetivo propiciar condições para a melhor adequação das comunidades alvo de

projetos de assentamento oriundos da reforma agrária, mediante a implantação de

infra-estrutura e serviços (CEF, 2010, s.p.).

Page 45: Onde Moram Os Pobres

45

h) Programa Habitar Brasil – BID (Banco Interamericano de

Desenvolvimento): por meio de dois subprogramas – de Desenvolvimento

Institucional (DI) e de Urbanização de Assentamento Subnormais (UAS) – busca o

fortalecimento institucional dos municípios, incentiva a geração de renda e o

desenvolvimento em assentamentos de risco ou favelas, promove melhorias nas

condições habitacionais, construindo novas moradias, implantando infra-estrutura

urbana, saneamento básico e recuperando áreas ambientalmente degradadas (CEF,

2010, s.p.).

i) Programa Minha Casa Minha Vida – PMCMV: lançado em 25 de março de

2009, é um programa do Governo Federal, gerido pelo Ministério das Cidades e

operacionalizado pela CEF. Tem como objetivo garantir o acesso à moradia digna

com padrões mínimos de sustentabilidade, segurança e habitabilidade, incentivando

a produção e a aquisição de novas unidades habitacionais por famílias com renda

de até dez salários mínimos. A execução das obras do empreendimento é realizada

por Construtora contratada pela Caixa, que se responsabiliza pela entrega dos

imóveis concluídos e legalizados. Com esse programa o Governo Federal tem como

meta construir um milhão de casas, divididas em três grandes grupos: são 400 mil

casas para aqueles que recebem de zero a três salários mínimos, outras 400 mil

para quem tem renda de até seis salários mínimos e 200 mil casas para os que

possuem uma remuneração de seis a dez salários mínimos. Cada uma das três

faixas de rendimento trabalhará com pacotes que envolvem juros diferenciados. O

governo estabelece um valor máximo para que as construtoras produzam as

unidades. Por sua vez, o custo para os compradores é de até 10% da renda mensal,

sendo, no mínimo, R$ 50,00 (CEF, 2010, s.p.).

2.4 A LEI E A ORDEM

Há duas principais formas de irregularidade das moradias: quanto à

irregularidade fundiária e quanto à irregularidade urbanística. Pode-se dizer que as

duas irregularidades estão vinculadas a uma condição de pobreza urbana – em

maior grau no caso fundiário e em menor grau no caso urbanístico. A irregularidade

fundiária, na impossibilidade das famílias pobres terem acesso a terra pela via

tradicional do mercado imobiliário, vale-se de uma estratégia popular conhecida

como "ocupação" voluntária de terrenos públicos ou privados. A irregularidade

Page 46: Onde Moram Os Pobres

46

urbanística, seja em favelas ou loteamentos aprovados, caracteriza-se pelo processo

de construtibilidade das moradias sem obedecer aos preceitos definidos nos códigos

urbanísticos (ABRAMO, 2001, p.1578).

Para que um imóvel participe dos programas de financiamento e repasse

descritos na subseção anterior, é pré-requisito que estes atendam a legislação de

uso e ocupação do solo vigente em cada município. Mesmo no caso das unidades já

existentes: para que possam receber a requalificação ou obter um financiamento

comum para venda – seja na Caixa ou em qualquer outra instituição financeira – é

necessário que as edificações estejam integralmente averbadas no cartório de

Registro de Imóveis. E assim o desejando, dentre outros documentos pessoais, a

edificação deve possuir Certificado de Vistoria de Conclusão de Obras (CVCO)

fornecido pela Secretaria Municipal de Urbanismo (SMU), que nada mais é que a

comprovação de que a obra está de acordo com o projeto aprovado sendo atendida

a legislação atual.

Figura 1. Gráfico sobre o trâmite de regularização de imóveis.

Fonte: Dados trabalhados pela autora, 2010.

Como parte do Plano Diretor ou mais diretamente dentro do Código de

Obras e Posturas de cada município, os parâmetros urbanísticos de uso e ocupação

do solo determinam a morfologia limite que cada edificação poderá apresentar em

relação à região ocupada da cidade. Como já citado na subseção 2.3, trata do

“direito de utilização” de cada lote. Para VALADARES:

Page 47: Onde Moram Os Pobres

47

Denomina-se, comumente, organização (aménagement) do território tudo

que se faz e que modifica a realidade do espaço, em direção ao urbano, à

urbanidade, ou seja, à cidade (seja urbis ou pólis). E, portanto, ao que

transforma o cotidiano de seu habitante direcionando desejos, através do

encaminhamento do movimento dos corpos. Falamos aqui de dispositivos

(einrichtungen), os planos, as leis, os desenhos e também de disposições

que, mais que legais, correspondem a ações, a cuidados, acolhimentos,

manejos, visando à sustentação dos sujeitos. (VALADARES, 2000, p.88)

A fim de que a ordem pré-estabelecida pelos atores envolvidos no

planejamento prevaleça, o Estado atua através de leis, decretos e portarias na

regulamentação urbanística. Definições de quais atividades são permitidas ou

proibidas em cada terreno, coeficiente de aproveitamento, área de projeção, taxa de

permeabilidade, densidade habitacional, número de pavimentos, faixas de

preservação, recuos e afastamentos: são formas legais de controlar a ocupação.

Algumas determinações apenas de ordem estética atravessaram o tempo e ainda

permanecem, entretanto grande parte das regras está associada a questões de

ordem ambiental ou funcional, visando à racionalização de equipamentos públicos.

Isto porque, na escala de vida humana, as edificações aparecem como algo

permanente a médio ou longo prazo, gerando modificações no meio ambiente

irreversíveis.

Salvo por fatores acidentais específicos ou catástrofes (e.g. terremotos, etc.)

não ocorrem mudanças dramáticas todo dia neste ambiente construído.

Edifícios tendem a durar bem mais de cinqüenta anos, pessoas

permanecem em torno de nove anos em suas moradias, um ano de boom

imobiliário dificilmente adiciona mais de 5% de novas unidades ao estoque

preexistente, grandes intervenções que implicam alterações significativas

em vastas áreas ocorrem apenas de quando em quando.

Conseqüentemente, problemas ambientais não só não emergem da noite

para o dia, como também não podem, em geral, ser resolvidos rapidamente.

Decisões quanto ao ambiente construído, tomadas em um passado

irrevogável, constrangem o presente, e nem sempre podem ser facilmente

revertidas. (SMOLKA, 1996, p.136)

E, ao considerar o conjunto de dispositivos legais reguladores do uso e

ocupação do solo, zoneamento, parcelamento do solo e edificação, mais de 50%

das construções nas grandes cidades brasileiras podem ser consideradas

irregulares (MARICATO, 1996, p.21).

Uma das questões que fere a possibilidade de atendimento aos parâmetros

Page 48: Onde Moram Os Pobres

48

é que, mesmo em se tratando de taxas proporcionais à dimensão dos lotes, algumas

exigências são incompatíveis com a realidade sócio-econômica e até cultural da

população de baixa renda – diferentemente dos requisitos e padrões urbanísticos

voltados a solucionar os problemas dos bairros de classe média e acima da média.

A legislação urbana “é feita pela e para as burguesias” (VILLAÇA, 1998, p. 338).

O tamanho dos terrenos impostos pelo mercado em loteamentos populares

dificulta a execução de projetos de baixo custo (no caso, construções com um

pavimento apenas as quais dispensam um estrutural mais complexo) condizentes

com a tipologia familiar e as solicitações edílicas legais de recuos, afastamentos,

ventilação, iluminação e demais taxas. Em alguns bairros ou vilas, a clandestinidade

é tamanha que não se percebe a legislação. Tais leis, “nos bairros populares,

quando existem, elas são exatamente permissivas (como exige o mercado),

portanto, inócuas. Isso significa que, em tais bairros, tudo se passa como se elas

não existissem, mesmo que existam” (VILLAÇA, 1998, p. 338).

Assim, além do valor agregado aos lotes pela infra-estrutura implantada,

também a formalidade (a produção da cidade dentro da legislação urbana) dentro de

um contexto de excessiva regulamentação acaba por afastar ou excluir grande parte

da população (MARICATO; TANAKA, 2006, p.21). “É por isso que os investimentos

públicos e a legislação urbanística são objeto de uma luta surda, agressiva e pouco

transparente nos governos e câmaras municipais” (MARICATO; TANAKA, 2006,

p.20)

Um estudo realizado em 2001 pelo Laboratório de Arquitetura e Urbanismo

(LAURB) da Universidade Federal do Paraná (UFPR) constatou que terrenos em

ocupação irregular valem mais do que lotes formais em regiões similares. Os

pesquisadores concluíram que a possibilidade de adensar construções clandestinas

no mesmo terreno, alheias às imposições urbanísticas, sem alvará e sem o

recolhimento de impostos, flexibiliza o uso dos terrenos sendo incorporada essa

“vantagem” ao valor dos imóveis (PEREIRA, SILVA, 2009, p. 311).

Outro estudo baseado nos conjuntos habitacionais do Kitungo e do Guaporé

– originalmente construídos para abrigar a população da favela da Catacumba

removida da Zona Sul do Rio de Janeiro no final da década de 1960 – comprova que

a “mudança de domicilio implicava em uma alteração profunda na relação dos

pobres com a sua territorialidade” (ABRAMO, 2001, p.1582). Das entrevistas com os

moradores, principalmente com as famílias que vivem em condições de grande

Page 49: Onde Moram Os Pobres

49

incerteza em relação aos seus rendimentos correntes, concluiu-se que a rigidez do

conjunto habitacional impõe um constrangimento nas estratégias de investir no

patrimônio domiciliar (lógica da auto-expansão do espaço da casa) e/ou utilizar o

espaço da moradia como forma complementar de renda. “Na favela a gente pode

fazer uma laje e construir para os nossos filhos. Aqui no conjunto isso é impossível."

E: “Lá na favela é possível fazer um puxado e alugar para ajudar nas despesas"

(ABRAMO, 2001, p.1582).

Sobre os custos e benefícios da legislação regulatória dos parâmetros

urbanísticos, Klaus Frey coloca:

(...) as políticas regulatórias trabalham com ordens e proibições, decretos e

portarias. Os efeitos referentes aos custos e benefícios não são

determináveis de antemão; dependem da configuração concreta das

políticas. Custos e benefícios podem ser distribuídos de forma igual e

equilibrada entre os grupos e setores da sociedade, do mesmo modo como

as políticas também podem atender a interesses particulares e restritos. Os

processos de conflito, de consenso e de coalizão podem se modificar

conforme a configuração específica das políticas. (FREY, 2009, p.224)

Tomando como exemplo o estudo efetuado em São Paulo – uma cidade

com concentração histórica de riqueza e poder –, Raquel Rolnik em “A cidade e a

lei” (1997) demonstra que a ineficácia em regular a produção da cidade é a

verdadeira fonte do seu próprio sucesso político, financeiro e cultural. Raquel Rolnik

é determinante:

Mais além do que definir formas de apropriação do espaço permitidas ou

proibidas, mais do que efetivamente regular a produção da cidade, a

legislação urbana age como marco delimitador de fronteiras de poder. A lei

organiza, classifica e coleciona os territórios urbanos, conferindo

significados e gerando noções de civilidade e cidadania diretamente

correspondentes ao modo de vida e à micropolítica familiar dos grupos que

estiveram mais envolvidos em sua formulação. Funciona, portanto, como

referente cultural fortíssimo na cidade, mesmo quando não é capaz de

determinar sua forma final. Aí reside, talvez, um dos aspectos mais

interessantes da lei: aparentemente funciona, como uma espécie de molde

da cidade ideal ou desejável. Entretanto, [...] ela determina apenas a menor

parte do espaço construído, uma vez que o produto – cidade – não é fruto

da aplicação inerte do próprio modelo contido na lei, mas da relação que

esta estabelece com as formas concretas de produção imobiliária na cidade.

Porém, ao estabelecer formas permitidas e proibidas, acaba por definir

territórios dentro e fora da lei, ou seja, configura regiões de plena

Page 50: Onde Moram Os Pobres

50

cidadania e regiões de cidadania limitada (ROLNIK, 1997, p.13, grifos da

autora).

A elite burguesa espera que o Estado faça cumprir as normas e penalizem

aqueles que as contrariam. Entretanto, quando a exceção vira regra, incluindo aqui

as próprias edificações das classes mais abastadas, estabelece-se um “faz-de-

conta” geral das instituições. “A construção ideológica hegemônica da representação

do urbano procura ignorar a articulação contraditória entre norma e infração”

(MARICATO, 1996, p.21).

Esse descolamento do que a urbe é e do que deveria ser de acordo com a

regulamentação oficial acarreta problemas para a própria máquina estatal. “A

legislação detalhista e „rigorosa‟ contribui para a prática de corrupção e constitui

exemplo paradigmático da contradição entre a cidade do direito e a cidade do fato”

(MARICATO, 1996, p. 23). Ao invés de buscar uma redefinição dos parâmetros,

adaptando as leis para uma realidade mais próxima ou, ao menos, instruindo os

cidadãos para que estes exerçam os direitos e deveres urbanísticos em prol da

coletividade, alguns vereadores e deputados preferem atuar em casos isolados

atendendo seus eleitores e futuros eleitores. Para Weber, “em todos os lugares a

empresa política se põe, necessariamente, como empresa de interesses” (WEBER,

2011, p.84). Ermínia Maricato evidencia a questão do clientelismo:

O Legislativo também tira partido dessa situação. Em vez de buscar

adequar a legislação à realidade ou à realidade à lei, podemos afirmar que,

mais como regra do que como exceção, parlamentares se aproveitam desse

descolamento entre norma e conduta na produção e uso do espaço, para

“beneficiar” vastas camadas da população com anistias periódicas para os

imóveis ilegais. Aliás, o assentamento ilegal residencial constitui inesgotável

fonte de clientelismo político que é historicamente praticado no Brasil pelo

Legislativo e também pelo Executivo (MARICATO, 1996, p. 24).

Também merece destaque a verticalização entre os níveis hierárquicos dos

que pensam a cidade: entre os técnicos e executivos planejadores da equipe

operacional, os quais aplicarão os instrumentos de controle.

Os projetos que são submetidos à análise para aprovação ainda que não

reflitam o cenário por completo (pior), dão uma boa idéia deste “descolamento” -

entre o plano e o real – mostrando de um lado ações de planejamento alienadas e

de outro, “a ação dos „pragmáticos‟ fiscais, cuja prática é bastante mediada pela

Page 51: Onde Moram Os Pobres

51

corrupção” (MARICATO, 1996, p. 23).

Com isso, Ermínia Maricato questiona:

Qual é o papel das leis que pretendem regulamentar procedimentos

detalhados do universo individual do interior da moradia, quando a maior

parte das moradias e do contexto urbano constituem imenso universo

clandestino que ignora normas mais gerais e básicas? (MARICATO, 1996,

p. 23)

O intenso crescimento das cidades, como já visto nas subseções anteriores

2.1 e 2.2, deixou transparecer um Estado fragilizado, sem repertório para atender às

necessidades demandadas. Por outro lado, a “ocupação anárquica do solo está

coerente com a lógica do mercado fundiário capitalista, restrito, especulativo,

discriminatório e com o investimento público concentrado” (MARICATO, 1996, p. 66).

Quando se trabalhou as leituras trazidas dos exemplos sobre a cidade e a

lei, e sobre as relações políticas que envolvem a cidade neste capítulo, buscava-se

trazer um sentido de entendimento a partir de outras realidades complexas que

envolvem o urbano e suas periferias como em outros casos estudados no Brasil.

Neste sentido, na seqüência estudar-se-á o processo de formação sócio-

espacial ambiental e cultural de Curitiba, para que se possa elucidar a trajetória da

capital paranaense, que perpassa pela industrialização e conseqüente periferização,

tendo como o objeto analítico a Vila Nossa Senhora da Luz neste contexto de

complexidade.

Page 52: Onde Moram Os Pobres

52

3 QUANTAS CURITIBAS

Me diga quando

Essa gente inerte abre a matraca

Vamos discutir política e poesia, no passeio publico

Será que alguém pagaria um tratamento para os dentes da boca maldita?

Pois a cidade anda rota e cárie já chegou nos ossos da mandíbula

Tua propaganda não te dá pai ou pátria

Você continua uma menina órfã

E eu não sigo andando por tuas ruas

Tuas vielas não encantam mais

Vamos nos lembrar:

Houveram negros chicoteados no largo da ordem

A Cruz Machado é um submundo, tem viciado, tem pedofilia...

É só você que não enxerga,Curitiba:

Teu sangue é preto, branquelinha.

(“Tratamento Dentário”, música de Carlito Birolli, 2010)

Page 53: Onde Moram Os Pobres

53

3.1 DAS “AGRESTES CABANAS CURITIBANAS”.

Os habitantes dessa região pronunciam o português sem as alterações a

que já me referi e que são um dos sinais de mistura da raça caucásia com a

raça indígena; são eles geralmente altos e bem feitos; têm cabelos

castanhos e tez rosada; as suas maneiras são corteses e a fisionomia

franca, e não têm absolutamente nada dessa basófia que, com muita

freqüência, tornam insuportáveis os empregados e os negociantes da

capital do Brasil. [...] Em suma, têm os curitibanos alguns traços de

semelhança com os seus vizinhos, os habitantes do Rio Grande do Sul;

mas, permita-me dizê-lo, são mais brasileiros que os riograndenses. A sua

hospitalidade não é ultrapassada pela dos mineiros; e se não possuem a

inteligência destes, são, entretanto, mais perseverantes e participam mais

pronunciadamente da natureza de seus antepassados europeus (SAINT-

HILAIRE, [1820] 1993, p. 118).

O botânico francês Auguste de Saint-Hilaire veio para o Brasil em 1816 e

aqui permaneceu até 1822, visitando várias cidades inclusive a ainda tímida Curitiba

em 1820. Seus relatos são preciosos uma vez que mostram uma visão estrangeira e

rica em detalhes da vida colonial no Novo Mundo.

As origens de Curitiba são similares a tantas outras vilas seiscentistas: a

princípio uma “terra de todos” (MARTINS, 1993, p. 07), ocupada de maneira

transitória por diversos grupos indígenas (guarani, caingangue e xokleng), por

bandeirantes que aqui chegaram pelos caminhos de Peabiru para caçar índios e

procurar ouro, por povoadores anônimos, em arraiais mais ou menos estáveis, “de

quantos nele se estabeleciam para minerar ou mascatear víveres com garimpeiros”

(MARTINS, 1993, p. 07).

De fato, a ocupação portuguesa dos campos de Curitiba teve início em 1649,

quando, a mando do governador do Rio de Janeiro, o Administrador das Minas,

Eleodoro Ébano Pereira, organizou uma expedição a partir de Paranaguá em

direção ao planalto curitibano, com o objetivo de encontrar novas minas de ouro,

devido à escassez das existentes no litoral. Em 1650, durante sua segunda

inspeção, Ébano Pereira registrou a criação de um pequeno povoado – a Vilinha –

às margens do rio Atuba, dando conhecimento da pequena localidade às

autoridades portuguesas (FUNDAÇÃO CULTURAL DE CURITIBA, 2000, p. 02).

Não há registros do local exato desse povoamento nem das suas reais

condições, mas se sabe que a população buscou outro lugar mais a oeste para a

vila definitiva.

Page 54: Onde Moram Os Pobres

54

Dizia-se por ocasião de minha viagem, que os primeiros moradores dessa

região se haviam estabelecido a princípio em um lugar denominado Vila

Velha, pouco distante da Serra de Paranaguá, e onde levantaram algumas

palhoças. Ignoro se a permanência nesse lugar lhes era inconveniente; o

certo é que nêle ficaram pouco tempo. Segundo velha lenda, a imagem de

Nossa Senhora da Luz, sua padroeira, amanhecia todos os dias com os

olhos voltados para o local em que atualmente se acha Curitiba, e, por êsse

motivo, diz a mesma lenda, para ali se transladaram os povoadores de Vila

Velha (SAINT-HILAIRE, [1820], 1993, p.107).

À lenda descrita acima por Saint-Hilaire soma-se outra onde o núcleo

definitivo da povoação teria sido escolhido com a intermediação do cacique dos

Campos de Tindiqüera. Este, a pedido dos colonizadores, que sofriam com a fome e

estavam insatisfeitos com a mineração, teria ajudado a encontrar o novo espaço no

qual seria construída a capela de Nossa Senhora da Luz dos Pinhais. Após muito

procurar, o cacique parou em uma planície repleta de pinheiros e disse: – Taki keva,

Kur’yt’yba (Aqui, muito pinhão), indicando um bom local onde os colonos não

passariam fome (FRAGA, 2003, p.35).

Também há dúvidas se o local inicial do novo povoado tenha sido

precisamente onde hoje se encontra a Praça Tiradentes, uma vez que há autores

que divergem indicando o Alto do São Francisco para tal. De qualquer forma, a partir

de determinado momento, concorda-se que “à Praça Tiradentes coube a condição,

planejada ou não, de ser a praça central da vila, na qual acabou se estabelecendo a

capela de louvor à Santa padroeira” (FRAGA, 2003, p.36).

Hoje, Curitiba, a capital do estado do Paraná (Região Sul do Brasil), localiza-

se nas coordenadas geográficas médias de 25°25‟48‟‟ de latitude e 49°16‟15‟‟ de

longitude oeste (Fig. 2). Ocupa uma área de 432,17 km², sendo sua extensão de

20km na direção leste-oeste e de 35km na direção norte-sul (IPPUC, 2010, s.p.).

A história oficial de Curitiba inicia-se em 1668 quando, em nome do donatário

da capitania Marquês de Cascais, ocorreu a tomada de posse da povoação por

Gabriel de Lara, então Capitão Mór de Paranaguá, “nela encontrando dezessete

moradores representativos da sociedade que aí se estava constituindo, e que lhe

requereram a instituição da Vila” (MARTINS, 1993, p. 08). Nesse mesmo ano,

Mateus Martins Leme, morador da povoação desde 1661, foi nomeado Capitão-

Povoador e levantado o Pelourinho como símbolo da autoridade regional.

Page 55: Onde Moram Os Pobres

55

Figura 2. Posição geográfica de Curitiba.

Fonte: IPPUC, Banco de dados, 2010.

Esses “moradores representativos” moravam em sítios dispersos no

planalto, porém muitos deles tinham casas na praça da Capela para as quais

vinham, principalmente, por ocasiões de práticas e solenidades religiosas. Além

desses, encontravam-se pela região aventureiros errantes, índios, negros e seus

mestiços, que a princípio foram úteis ao trabalho servindo aos primeiros portugueses

Page 56: Onde Moram Os Pobres

56

que ali se estabeleceram, mas que se tornaram elementos perturbadores ou

inconvenientes à comunidade curitibana (MARTINS, 1993, p.9,10 e 11).

Assim, em 29 de março de 1693, respondendo aos apelos da população que

requeria que se contivesse “essa desmandada gente” e que assim houvesse “paz,

quietação e bem do povo”, com “temor a Deus e a El Rei” e assim “se porem as

cousas em bom caminho”, foi fundada a Vila de Curitiba através da eleição da

Câmara de Vereadores (Fig. 3), como exigiam as Ordenações Portuguesas

(MARTINS, 1993, p.11).

Figura 3. Livro Tombo da Câmara da Vila de Curitiba, com sua data de criação e a assinatura de

alguns signatários.

Fonte: FUNDAÇÃO CULTURAL DE CURITIBA, Acervo da Casa da Memória, 2010.

Para Romário Martins [1874-1948], um dos fundadores do Instituto Histórico

e Geográfico Paranaense e um dos principais articuladores do movimento Paranista,

em seus escritos sobre o nascimento de Curitiba, dizia ser fácil imaginar como era a

sociedade local nos tempos da criação da Vila:

Um reduzido núcleo central de povoadores em torno de uma érmida tão

tosca como os demais casebres em que o pau-à-pique e a taipa constituíam

as mais avançadas conquistas da arte de construção predial e em que o

sapé e as plantas de butiazeiro sobrepostas formavam os agrestes telhados

(MARTINS, 1993, p.13).

Em 1721, com uma população de cerca de 1.400 habitantes, Curitiba

recebeu a visita do Ouvidor Raphael Pires Pardinho, ao qual coube reunir o conjunto

Page 57: Onde Moram Os Pobres

57

documental composto pela ata de fundação e pelas primeiras ordenações (Fig. 4),

detalhar as indicações precisas que orientassem o crescimento da vila, bem como

dar instruções para o correto funcionamento da justiça e estabelecer normas de

bem-viver (FUNDAÇÃO CULTURAL DE CURITIBA, 2000, p. 03).

Figura 4. Provimento do Ouvidor Pardinho, 1721.

Fonte: FUNDAÇÃO CULTURAL DE CURITIBA, Acervo da Casa da Memória, 2010.

Tais regulamentações proibiam a construção de moradias sem a autorização

prévia da Câmara, delimitavam áreas para o corte de árvores e exigiam que, nas

novas propriedades, somente fossem construídas casas cobertas com telhas e

outras benfeitorias. Ainda determinavam o dever das novas casas em continuar as

ruas já iniciadas para que a vila crescesse uniformemente e gerasse vizinhança.

Outra exigência, interessante ambientalmente, era que os moradores limpassem

todos os anos o Rio Ribeiro, atual Belém, para evitar o banhado que se formava em

frente à igreja-matriz (FRAGA, 2003, p. 37).

Em 1738, foi aberto o Caminho do Viamão, ligando o estuário do Guaíba, no

Rio Grande do Sul, a Sorocaba, em São Paulo, onde se realizavam as grandes

Page 58: Onde Moram Os Pobres

58

feiras de animais. Curitiba ficava no entroncamento deste roteiro com a ligação ao

litoral paranaense tornando-se um centro de atração de povoamento do sertão

(FRAGA, 2003, p.37). Neste período, os fazendeiros alugavam suas fazendas aos

tropeiros, para que esses utilizassem seus campos na recuperação dos animais, e

se mudavam para o centro com a finalidade de abrir lojas, armazéns e escritórios de

negócios ligados ao transporte de gado. A “Vila de Nossa Senhora da Lux dos

Pinhais de Curytiba”, à segunda metade do século XVIII, era formada, em sua

maioria, por famílias de poucas posses às voltas com a agricultura de subsistência,

com vínculos primordiais com o tráfico de gado, não podendo ser descrita como um

núcleo urbano de porte (CAVAZZANI, 2002, p.1).

O distrito de Curitiba, já em 1780, possuía 3.194 habitantes (dos quais 848

eram escravos), conforme consta no Livro Tombo da Matriz (FUNDAÇÃO

CULTURAL DE CURITIBA, 2000, p. 04). Com o esgotamento do ouro nas Minas

Gerais e conseqüentemente diminuição da demanda pelo transporte animal, a

economia paranaense voltou-se novamente à agricultura, principalmente com o

plantio de trigo, mandioca e arroz, garantindo inclusive tímidas exportações ao final

do séc. XVIII.

Em 1812, a cidade passa à condição de sede da recém-criada comarca de

Paranaguá e Curitiba. Cinco anos depois a população do distrito somava

aproximadamente 10.500 habitantes (FUNDAÇÃO CULTURAL DE CURITIBA, 2000,

p. 04).

Em 1820, o já citado francês Auguste de Saint-Hilaire visita Curitiba e assim

a descreve:

Tem ela a forma mais ou menos circular, e compõe-se de duzentos e vinte

casas de pequenas dimensões cobertas de telhas, quase todas de um só

pavimento, sendo muitas, porém, construídas em pedra. [...] As ruas são

largas e bem traçadas; umas foram inteiramente calçadas, e outras, apenas

defronte das casas. A praça pública é quadrada, espaçosa e coberta de

grama. [...] É reduzidíssimo em Curitiba e seus arredores o número de

pessoas abastadas. Estive nas principais casas da cidade e posso dizer

que, nas outras sedes de comarcas e até termos, não encontrei nenhuma

pertencente a homens respeitáveis, que fosse, como aquelas, tão despida

de adornos. As paredes eram simplesmente caiadas e o mobiliário das

salas em que me recebiam constava apenas de uma mesa e alguns bancos

(SAINT-HILAIRE, [1820], 1993, p.109 e 110).

Com o passar dos anos, houve o crescimento da economia da vila devido à

exploração do mate e da madeira e, em 05 de fevereiro de 1842, o então presidente

Page 59: Onde Moram Os Pobres

59

da Província de São Paulo, Barão de Mont‟Alegre, elevou Curitiba à categoria de

cidade (Fig. 5). Uma década mais tarde, em 29 de agosto de 1853, através da Lei

Imperial nº 704, o Paraná tornou-se Província, emancipando-se política e

administrativamente de São Paulo, e assumindo como seu primeiro presidente

Zacarias Góes e Vasconcellos. Com isso, Curitiba eleva-se à condição de capital da

nova Província (FRAGA, 2003, p.40).

Figura 5. Planta de Curitiba em 1830.

Fonte: IPPUC, Banco de Dados, 2010.

A simples titulação de „capital‟ não bastava, pois a cidade ainda sofria dos

mesmos problemas de quando era uma vila: muita lama, pouco calçamento,

escassez de água e falta de saneamento e iluminação. A capital contava na época

com cerca de 30 lampiões de iluminação pública a base de azeite de peixe, 308

casas e 5.819 habitantes; e, logo, Góes e Vasconcellos propõe a construção de

escolas, teatros e clubes, mas não chega a criar uma legislação específica sobre os

problemas urbanos (FRAGA, 2003, p.41).

Em relação às áreas privadas – as construções propriamente ditas –, pode-

se constatar a permanência, estanque ou em alguns casos pouco adaptada, das leis

Page 60: Onde Moram Os Pobres

60

herdadas dos códigos portugueses e da matriz paulistana, isso até o final do século

XIX.

No centro da urbe, mantinha-se a solução colonial, com os paredões sólidos

das residências térreas bordejando o alinhamento da rua e ocupando toda a

frente do lote. Não havia calhas e cada residência encostava,

necessariamente, na sua vizinha. Por isso, a cobertura das residências era

voltada para frente do lote, para a rua. Ao exigir que as obras coincidissem

com o alinhamento da rua, tal legislação urbana impedia a existência de

jardins. O pensamento era que o meio urbano existia em oposição ao meio

campestre. A vegetação era mantida longe do núcleo urbano, e os

eventuais galhos de árvores que se projetassem sobre as ruas deveriam ser

extirpados (DUDEQUE, 2001, p. 248).

Em se tratando da questão urbana em si, em 1855, é contratado o

engenheiro francês Pierre Taulois, como inspetor geral de mediação das terras

públicas, o qual propôs uma série de mudanças, inclusive desapropriações, a fim de

criar uma cidade com forma regular, quadrilátera, com cruzamentos em ângulos

retos e bem definidos, já demonstrando alguma preocupação com a circulação (Fig.

6). “Suas obras foram decisivas na interferência do espaço urbano curitibano, feitas

a partir de critérios técnico-científicos” (FRAGA, 2003, p.41).

Em 1873, foi concluída a Estrada da Graciosa, ligando Curitiba a Paranaguá

e dando início a um período de numerosas novidades e intensas transformações: em

1882, é aberta a Rua da Liberdade em direção ao Largo da Estação; em dezembro

de 1884 acontece a chegada do primeiro trem; também em 1884, foi inaugurado o

Teatro São Theodoro; em 08 de agosto de 1886, abria-se o Passeio Público; em 19

de dezembro do mesmo ano acendia-se a primeira lâmpada elétrica de Curitiba; e

em 08 de novembro de 1887, inauguravam-se as linhas pioneiras dos bondes

puxados a mula (FRAGA, 2003, p.43).

A primeira eleição direta para prefeito em Curitiba foi vencida pelo

engenheiro Cândido Ferreira de Abreu, o qual trabalhou com temas relevantes para

a vida urbana, revisando o Código de Posturas Municipais até então em vigor: novas

determinações quanto aos edifícios em ruínas, comércio, fábricas, oficinas e

curtumes, casas de jogos e divertimentos públicos, cemitérios, limpeza da cidade

(criou multas para quem não mantivessem capinados ou limpos jardins e quintais) e

obrigou a todos a caiarem as fachadas de suas moradias (FRAGA, 2003, p.44).

Após seu curto mandato de dois anos, nos três anos seguintes, outros seis

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61

Figura 6. Planta de Curitiba em 1857.

Fonte: IPPUC, Banco de dados, 2010.

prefeitos revezaram o poder. A população crescia vertiginosamente e a cidade

permanecia com carência de infraestrutura sanitária e com ruas sem pavimentação,

inclusive para o núcleo central. A imigração fez a população de Curitiba triplicar em

menos de 20 anos: foram cerca de 28 mil imigrantes entre 1890 e 1896 e mais 27

mil entre 1907 e 1914, sendo a corrente polonesa a majoritária. O Censo de 1900

revelou uma população curitibana com 50.124 habitantes (FUNDAÇÃO CULTURAL

DE CURITIBA, 2000, p. 06).

Com esse forte crescimento populacional, o quadro urbano foi ampliado

consideravelmente, dando início a um processo de hierarquização da cidade. Em

1905, a segregação socioespacial sai da subjetividade e ganha o respaldo

Page 62: Onde Moram Os Pobres

62

legislativo. Tal lei criava uma espécie de zoneamento por classes sociais,

determinando: a Rua da Liberdade, para órgãos da administração pública; as

regiões do Alto da Glória e do Batel, para residências da aristocracia (como os

Barões do Mate, por exemplo) e as regiões do Rebouças e Portão, para as

atividades industriais e as moradias operárias (FUNDAÇÃO CULTURAL DE

CURITIBA, 2000, p. 06). E ainda, visando concretizar a elitização do espaço, a partir

daquela data, não se poderiam construir casas de madeira na zona central, sendo

permitidas somente construções em alvenaria com dois ou três pavimentos. Isto

porque, nessa época, a quantidade de madeira disponível, bem maior do que a

necessidade, fez com que o preço do material no Paraná fosse ínfimo. Ao redor de

Curitiba havia dúzias de serrarias contrastando com a falta de mão-de-obra

qualificada para a construção em tijolos e a necessidade de trazer até o cimento de

outras regiões do país. Sendo assim, uma casa de alvenaria tornava-se cerca de

quatro a cinco vezes mais cara do que uma de madeira.

Por isso, o bom-tom da burguesia da cidade rezava que a madeira devia ser

evitada. Os argumentos sobre as virtudes climáticas, psicológicas ou

culturais da madeira não existiam. Usava-se porque era barato. E por muito

tempo, entrando pelos anos 1970, em Curitiba, construção de madeira

significaria falta de dinheiro e posição social inferior. (DUDEQUE, 2001, p.

249).

Curitiba possuía cerca de 55.000 habitantes ao final da primeira década do

século XX (Fig. 7); os lampiões a gás começam a ser trocados pela luz elétrica e,

com o segundo mandato do engenheiro civil Cândido de Abreu (entre 1912 e 1916),

a cidade assiste uma série de obras consideradas audaciosas para a época. Com

um empréstimo de 6.000 contos, a prefeitura irrompe vários projetos

modernizadores, destacando-se: a construção do Paço Municipal (atual centro

cultural Paço da Liberdade gerenciado pelo SESC-PR), o Mercado Provisório,

calçamento e alinhamento de ruas, a canalização do rio Ivo, a retificação do rio

Belém, a reforma do Passeio Público (projeto de dois arquitetos franceses), a

substituição do transporte em bondes puxados por animais por bondes elétricos e a

doação do terreno onde Victor do Amaral e Nilo Cairo fundaram a Universidade do

Paraná. As ruas centrais da cidade, então pavimentadas, tornam-se palco de uma

nova disputa: velhas carroças lado a lado com os primeiros automóveis importados

pelos barões do mate (FUNDAÇÃO CULTURAL DE CURITIBA, 2000, p. 07).

Page 63: Onde Moram Os Pobres

63

Figura 7. Mapa de Curitiba em 1915.

Fonte: FUNDAÇÃO CULTURAL DE CURITIBA, Acervo da Casa da Memória, 2010.

Com intuito de regularizar o tráfego de veículos (incluindo aí os de tração

animal), em 1919, o prefeito João Antônio Xavier sancionou uma reformulação no

antigo Código de Posturas, inserindo normas quanto à circulação, à sinalização, ao

estacionamento, ao limite de velocidade, ao registro do automóvel e à habilitação do

condutor. Outros novos capítulos foram incluídos, como o referente aos hotéis,

casas de pensão e internatos e outro quanto à produção de leite (FUNDAÇÃO

CULTURAL DE CURITIBA, 2000, p. 07). Houve também uma delimitação mais

precisa das zonas da cidade, mencionadas nas Posturas anteriores, porém não

explicitadas, dificultando ainda mais as possibilidades em se construir com madeira.

Page 64: Onde Moram Os Pobres

64

Curitiba foi dividida em 3 círculos concêntricos. O primeiro círculo deveria

ser um mostruário da civilidade curitibana, e todas as construções deveriam

ser de alvenaria, no alinhamento das ruas, com alturas idênticas (como a

preocupação era impossibilitar que as mazelas fossem vistas da rua, muitas

residências de madeira foram toleradas atrás da fachada de alvenaria). No

segundo círculo, as construções em madeira eram permitidas, desde que

fossem pintadas a óleo, não tivessem mais de um pavimento, o recuo frontal

tivesse pelo menos 10m e os recuos laterais tivessem 2m, até as cercas. No

terceiro círculo da urbe as obras de madeira deveriam seguir as mesmas

regras, mas, como eram imunes a visitantes de outras plagas, podiam ser

pintadas de cal (DUDEQUE, 2001, p. 249).

De 1920 a 1928, com dois mandatos consecutivos, o engenheiro civil

Moreira Garcez assume a Prefeitura. Até então, o desenvolvimento urbano e o

sistema viário seguia os caminhos naturais entre as ocupações. Garcez, com sua

formação de urbanista, investiu na atração do crescimento para a região sul de

Curitiba, planejando, criando ou remodelando ruas e avenidas nesta direção tais

como: Visconde de Guarapuava, Sete de Setembro, Silva Jardim, Iguaçu e Getúlio

Vargas; bem como suas transversais, Alferes Poli, 24 de Maio, Dr. Pedrosa, Buenos

Aires, Nunes Machado, Lamenha Lins, Brigadeiro Franco e Desembargador Mota.

Também o centro da cidade mereceu atenção com reformas em praças e o

alargamento da Rua 15 de Novembro (Fig. 8), no trecho compreendido entre a Rua

Dr. Muricy e a Avenida Luiz Xavier (FUNDAÇÃO CULTURAL DE CURITIBA, 2000,

p. 07).

Figura 8. Rua XV de Novembro final da década de 1920. Foto João Baptista Groff.

Fonte: FUNDAÇÃO CULTURAL DE CURITIBA, Acervo da Casa da Memória, 2010.

Page 65: Onde Moram Os Pobres

65

Em 1927, Romário Martins funda o “Centro Paranista”. Responsáveis

também pela publicação da revista “Ilustração Paranaense”, Martins e seus colegas

do Centro passam a promover um movimento ufanista intitulado “Paranismo”, cujo

objetivo era “promover e estimular todas as iniciativas úteis ao progresso e à

civilização do Estado do Paraná” (FRAGA, 2003, p.47). O movimento tinha como

meta mais abrangente a construção de uma identidade cultural para o Paraná,

visando elaborar uma história regional, exaltando os heróis locais e buscando

identificar símbolos característicos (Fig. 9 e 10). Em 1930, Curitiba contava então

com cerca de 93.000 habitantes.

Figura 9. Capa da Revista Ilustração Paranaense, de João Turim (1928)

Fonte: DUDEQUE, 2001.

Figura 10. Coluna com detalhe em pinha. Ordem Paranaense, de João Turim (1929)

Fonte: DUDEQUE, 2001.

Page 66: Onde Moram Os Pobres

66

3.2 PLANO: PRA QUÊ TE QUERO?

Na década de 1940, com o declínio da atividade ervateira e a incipiente

produção cafeeira no Estado, aumenta o êxodo rural e, por conseqüência, aumenta

o crescimento populacional na capital chegando, segundo censo demográfico, em

140.656 habitantes (MENEZES, 1996, p.65). A administração pública vê então a

necessidade de um grande plano para a estruturação urbana da cidade e contrata a

empresa paulista Coimbra Bueno & Cia, que por sua vez, encomendou o plano ao

arquiteto francês Alfred Agache.

Quando o interventor do Paraná Manoel Ribas e o prefeito de Curitiba

Alexandre Beltrão solicitaram seus serviços (Fig. 11), Donat Alfred Agache [1875–

1959] já tinha em seu currículo a criação de Camberra, capital da Austrália, e

experiências brasileiras de planejamento no Rio de Janeiro e Santos. Foi membro-

fundador da Sociéte Française dês Urbanistes e também membro da Section

D’ygiene Urbaine et Rurale du Musée Social de Paris. Seus membros defendiam

princípios urbanísticos baseados em uma visão sistêmica, comparando as

aglomerações urbanas a organismos vivos. O zoneamento funcional era o indicado

como solução (remédio) para os problemas: assim devendo ser atribuída a cada

zona (órgão) uma função específica – moradia, circulação, recreação, trabalho – e

nos casos mais graves, intervenções diretas sobre determinados setores (as

cirurgias) (MENEZES, 1996, p. 64 e 65).

Figura 11. Manoel Ribas analisando o Plano Agache.

Fonte: FUNDAÇÃO CULTURAL DE CURITIBA, Acervo da Casa da Memória, 2010.

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67

De certa maneira, a utilização de um zoneamento funcional já tinha sido

aplicada em Curitiba, mas com um intuito de higienização e/ou segregação social.

Agora a proposta seguia as orientações do Movimento Modernista, o qual pensava o

zoneamento monofuncional como forma de disciplinar, induzir e, principalmente,

socializar o processo de desenvolvimento urbano4.

Concluído e aprovado em 1943, o Plano de Urbanização de Curitiba (Fig.

12), conhecido como Plano Agache, foi construído sobre três pilares fundamentais.

Figura 12. Plano de Urbanização de Curitiba de 1943.

Fonte: IPPUC, Banco de dados, 2010.

O primeiro dizia respeito ao saneamento – esgoto e rede de abastecimento

de água, canalização de rios e drenagem dos banhados. O segundo tratava do

descongestionamento do tráfego urbano, através do Plano de Avenidas (Fig. 13), o

qual estabelecia os princípios de circulação, interligando os diversos centros e

fazendo a comunicação com as áreas externas da cidade. Tal sistema resultaria em

4 Empenhados na resolução da crise em que o capitalismo industrial lançou a organização metropolitana,

apareceram vários movimentos de vanguarda modernista. De 1922 em diante, essas diversas vanguardas tentaram, com aparente pressa, unificar suas posições sobre a arte moderna e a metrópole associando-se aos CIAM - Congressos Internacionais de Arquitetura Moderna [de 1928 até meados da década de 1960, os CIAM constituíram o mais importante fórum internacional de debate sobre o assunto]. No CIAM IV, de 1933, surgiram os artigos da Carta de Atenas – um diagnóstico e análise comparativa de trinta e quatro cidades européias, com propostas que se tornariam um verdadeiro manifesto da urbe moderna. Um dos artigos da Carta propõe a definição de um rígido zoneamento monofuncional dividindo a cidade em cinco regiões: Moradia, Lazer, Trabalho, Circulação e Edifícios Públicos (FRAMPTON, 1997, p.328).

Page 68: Onde Moram Os Pobres

68

uma conformação radiocêntrica à cidade – 4 vias perimetrais em forma de anéis

concêntricos cruzadas por vias radiais (MENEZES, 1996, p. 66). O terceiro pilar

propunha a divisão da cidade em zonas especializadas, com a implantação de

setores monofuncionais: militar (Bacacheri), esportivo (Tarumã), de abastecimento

(Mercado Municipal), da educação (Centro Politécnico), industrial (Rebouças),

administrativo (Centro Cívico) e alguns centros de recreação e lazer (Parque Rio

Barigüi, Parque Ahú, Parque Capanema, entre outros). (Fig. 14)

Figura 13. Plano de avenidas. Plano Agache.

Fonte: IPPUC, Banco de dados, 2010.

Page 69: Onde Moram Os Pobres

69

Figura 14. Plano Agache.

Fonte: IPPUC, Banco de dados, 2010.

Embora desde os anos 40 do século XX Curitiba já convivesse com os

primeiros núcleos de favelamento, o Plano Agache não apresentou nenhuma

medida especial em relação à questão habitacional. As orientações ficavam apenas

em extirpar qualquer indício de formação de núcleos informais, pois “uma única

habitação de favela que apareça será o gérmen e a proliferação deste vírus é

espantosa” (BOLETIM PMC, 1943, p.57 apud MENEZES, 1996, p. 67).

Nem todas as diretrizes propostas pelo Plano Agache vieram a se

concretizar por motivos alternados de ordem jurídica, política e econômica. No

entanto, algumas delas foram executadas e o resultado é perceptível ainda hoje

como, por exemplo, os Centros Cívico, Militar do Bacacheri e Politécnico (campus da

UFPR).

Nos anos seguintes, Curitiba continuava ter taxas anuais de crescimento

demográfico muito acima da média brasileira, muito devido ao enorme crescimento

da produção do café no norte paranaense o qual expulsou os pequenos proprietários

e trabalhadores de outras especialidades. Tentando adaptar a cidade ao aumento

expressivo populacional, em julho de 1953, foi aprovada a primeira Lei de

Zoneamento propriamente dita (Lei nº 699/53), que dividia a cidade em quatro áreas

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70

distintas: Residencial, Comercial, Industrial e Agrícola. A zona Residencial era

subdividida em principal (ZR-1), com duas subzonas: Centro Cívico (ZCC) e Centro

Esportivo (ZCE), média (ZR-2), secundária (ZR-3) e rural (ZR-4). A zona Comercial

também possuía uma subdivisão entre zona principal (ZC-1) e secundária (ZC-2)

(FRAGA, 2003, p.64).

Em 1956, com a assessoria do Instituto Brasileiro de Administração

Municipal (IBAM), o prefeito Ney Braga implantou uma reestruturação administrativa

na Prefeitura, criando o Departamento Municipal de Planejamento e Urbanismo, com

o objetivo de exercer o controle urbanístico da cidade, aplicar a recente Lei de

Zoneamento e rever o Plano Agache (MENEZES, 1996, p. 70). Em 1963, foi criada a

Companhia de Urbanização de Curitiba – URBS – sociedade de economia mista que

tinha como finalidade inicial a administração do Fundo de Urbanização e

Saneamento e como objetivo promover estudos para a formulação de um Plano

Diretor para Curitiba.

No ano seguinte, a PMC solicitou a Companhia de Desenvolvimento do

Paraná – CODEPAR – um financiamento para algumas obras na cidade. Esta, por

sua vez, informou que só poderia financiar se as ditas obras estivessem incluídas

em um plano urbanístico geral. Assim, foi aberta uma concorrência nacional para a

seleção do futuro Plano Preliminar de Urbanismo (PPU), a qual foi vencida pelo

consórcio paulista Sociedade Serete de Estudos e Projetos Ltda. e o escritório Jorge

Wilheim Arquitetos Associados (MENEZES, 1996, p. 77 e 78). Em 1965,

paralelamente à elaboração desse Plano (Fig. 15), foram criadas duas instituições

que tiveram fundamental importância na sua implementação: a Companhia de

Habitação Popular de Curitiba – COHAB-CT; e a Assessoria de Pesquisa e

Planejamento Urbano de Curitiba – APPUC, posteriormente rebatizada de Instituto

(IPPUC).

A COHAB-CT é uma empresa de economia mista que tem como acionista

majoritário a Prefeitura de Curitiba. Foi criada para atuar como agente do Sistema

Financeiro de Habitação – SFH e conduzir a política habitacional do Município

(assim como, também em 1965, foi fundada a Companhia de Habitação do Paraná –

COHAPAR – para execução dos programas habitacionais do governo estadual).

Aprovado pela Câmara de Vereadores em 1966 (Lei n. 2.828/66), o PPU ou

Plano Serete – como ficou conhecido – pautava três transformações básicas na

cidade: a cultural, a física e a econômica.

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71

Figura 15. Plano Preliminar de Urbanismo, 1965.

Fonte: IPPUC, Banco de dados, 2010.

Em se tratando da questão cultural, o plano fazia uma crítica ao

“esvaziamento e à despersonalização dos espaços públicos” (FRAGA, 2003, p.66).

Page 72: Onde Moram Os Pobres

72

Por isso, trabalhou na preservação do patrimônio histórico e ambiental da cidade,

criando parques e bosques e revitalizando o núcleo central de formação da cidade, o

qual foi interditado ao tráfego de veículos (a Rua XV de Novembro foi o primeiro

calçadão do país). No bairro do Prado Velho, foi transformado em teatro de arena

um velho depósito de pólvora, o Teatro Paiol, em 1971. No Parque São Lourenço,

uma fábrica de cola e adubos desativada foi transformada no Centro de Criatividade

de Curitiba. E em 05 de janeiro de 1973 foi criada a Fundação Cultural de Curitiba

(MENDONÇA, 1998, p. 20).

Com relação à estrutura física da urbe, o plano deu continuidade ao

zoneamento monofuncional já em prática, porém visando uma maior integração

entre uso do solo, transporte coletivo e sistema viário. Aproveitando, em alguns

casos, a caixa de avenidas projetadas por Garcez e posteriormente Agache, foi

proposto um sistema estrutural trinário - com duas vias rápidas e uma via central,

com canaleta para o transporte de massa e vias vicinais lentas - indutor da expansão

urbana no sentido norte-sul. Ao longo dessas estruturais foram implantados novos

terminais aos quais convergem além dos ônibus Expressos (hoje bi-articulados) que

passaram a circular pelas canaletas, os Interbairros (com rotas circulares) e os

Alimentadores (que fazem a conexão dos bairros mais distantes até os terminais),

configurando a nova Rede Integrada de Transportes – RIT.

A transformação econômica proposta pelo plano estava vinculada à criação

de um novo distrito industrial para a cidade – o qual será tratado na subseção

seguinte.

3.3 UMA CIDADE DENTRO DE OUTRA CIDADE.

Como já visto no histórico anteriormente trabalhado, até a década de 1960, a

maioria das indústrias existentes na cidade estava instalada no Rebouças. As

primeiras empresas de porte que surgiram na região, no final do século XIX, foram a

fábrica Paranaense de Phósphoros de Segurança e o engenho de erva-mate de

Nicolau Maeder; seguidas das cervejarias Glória e Atlântica (posteriormente

adquirida pela Brahma para se tornar sua sede paranaense) (BARACHO, 2000,

p.17). Optaram por imóveis no Rebouças por questões de ordem prática, devido à

presença da estação ferroviária – facilitando tanto a chegada de matéria-prima

Page 73: Onde Moram Os Pobres

73

quanto o escoamento da produção. Agache em seu planejamento monofuncional

decidiu manter e incentivar que as indústrias se instalassem no local, confirmando a

tendência natural.

Espalhadas por outros bairros e cidades periféricas, existiam algumas

indústrias como olarias, madeireiras, moveleiras, frigoríficos e torrefadoras de café.

Mesmo assim, Curitiba caracterizava-se por seu perfil de economia terciária e

administrativa.

Em 1966, de 20 a 28 de março, aconteceu na CODEPAR (Companhia de

Desenvolvimento Econômico do Paraná) o I Seminário de Desenvolvimento

Industrial de Curitiba. Nesse Seminário foi concluído que o lugar ideal para abrigar

um distrito industrial seria o Prado de São Sebastião, na parte oeste da cidade. Tal

área era plana o suficiente para abrigar construções (com um declive médio de 0,5

por cento) e possuía uma boa situação com relação aos ventos predominantes (que

não se direcionavam para zonas habitadas, assim incólumes aos resíduos gasosos)

(MENDONÇA, 1998, p. 26).

Na seqüência, em 10 de janeiro de 1967, através de um decreto municipal

assinado pelo então prefeito Ivo Arzua Pereira, a área citada no Seminário foi

declarada improdutiva e inexplorada, delimitando assim o novo distrito industrial:

Inicia na confluência do Rio Passo do França com a BR-116, segue pelo

Arroio do Pulador até a confluência com o Rio Barigui, seguindo à

confluência com o Arroio do Andrade e por este até seu cruzamento com a

Rodovia do Xisto, segue até a BR-116, prosseguindo com esta até o ponto

inicial, perfazendo um total de 700 hectares (MENDONÇA, 1998, p. 26).

Entretanto, após fixar o limite da área nada foi feito – nenhum trabalho de

infraestrutura nem um programa de atrativo para as empresas. Assim, o decreto de

Ivo Arzua ficou esquecido até 1971, quando o prefeito Jaime Lerner determinou que

os estudos da futura Cidade Industrial – que não deveria mais parecer um distrito

segregado – fossem retomados pelo IPPUC.

Em 19 de janeiro de 1973, nascia a Cidade Industrial de Curitiba – CIC –

como resultado de um convênio entre a URBS e o governo do Estado do Paraná,

quando o projeto foi lançado pelo governador de então, Pedro Viriato Parigot de

Souza, no auditório do BADEP (Banco de Desenvolvimento do Paraná S/A.). Sua

inauguração na própria área ocorreu somente em 05 de março de 1975, mas seus

limites para fins de desapropriação foram logo definidos através do Decreto nº

Page 74: Onde Moram Os Pobres

74

30/1973, o qual declarava seus 43,7 milhões de metros quadrados de utilidade

pública:

Inicia na BR-116, em Tatuquara, no cruzamento com a nova estrada de

ferro - trecho Engº. Bley - Curitiba, por esta até o Rio Barigui, por esta a

montante até o córrego que é divisa dos Municípios de Curitiba e Araucária,

por este numa distância de 850,00 metros até a estrada velha do Barigui (1-

1.040), por esta em direção norte numa distância aproximada de 1.750,00

metros até o cruzamento com uma estrada carroçável, desse cruzamento

por uma linha seca rumo 19ºNO, numa distância de 1.900,00metros até a

estrada código ligação 1041, por esta em direção norte até a Rua Raul

Pompéia, antiga estrada da Colônia Augusta, por está até a estrada da

Irradiação, por esta em direção norte até a estrada de código 1131 1, por

esta até a Rua Pedro Cruzeta, por esta até a Rua Eduardo Sprada (antiga

estrada de Campo Largo), desse cruzamento por uma linha seca até o

marco quilométrico nº 6 (seis) da BR-277, por esta até o quilômetro 4 no

cruzamento com a Rua João Falarz, por esta até o loteamento Domingos

Zanlorenzi e Planta Campo Comprido, contorna esses loteamentos a oeste

e segue ao sul pelo Rio Campo Comprido até o Rio Barigui, por este

ajusante, até o contorno ao sul dos loteamentos Francisco Klentz, Santa

Amélia e Santa Ana até o Cemitério Jardim da Saudade, pelo sul até a Rua

João Betega, por esta a Rua General Potiguara, por esta até a Rua Pedro

Gusso, por esta até o início do córrego Capão Raso, por este até o Ribeirão

do França, por este, a montante, até uma estrada carroçável, daí por esta

contornando terras do Ministério do Exercito até a BR-116, por esta Rodovia

até a nova estrada de ferro ponto de partida.

A Lei nº 4773/1974 alterou o zoneamento existente para incorporar a área

da CIC, até então tida como zona de expansão urbana, definindo as zonas

industriais e conectoras, porém sem estabelecer nenhum parâmetro de uso e

ocupação do solo (Fig. 16). A Lei nº 774/1975, que criou os 75 bairros que existem

hoje em Curitiba, confirmou a configuração acima descrita para o bairro CIC.

Sozinha, essa região representa 10% da área de Curitiba: uma extensão muito

significativa com impacto proporcional. Em entrevista por ocasião dos 25 anos de

criação da CIC, o engenheiro Cássio Taniguchi – ex-prefeito de Curitiba e presidente

da URBS na época – exprime uma contradição em sua fala sobre o que existia na

área oeste de Curitiba:

Nada, absolutamente nada. Existia um vazio. Eram fazendas e havia um

único assentamento naquela região, a Vila Amureiros. Era um loteamento

de adventistas que praticavam, inclusive, agricultura sem agrotóxicos, algo

muito interessante. Calculo que havia umas 55 famílias, onde hoje está a

Bosch (MENDONÇA, 1998, p. 23).

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75

Figura 16. Zoneamento de Curitiba – Lei nº 4199 e 4773/ 1974.

Fonte: URBS, 1974, apud POLUCHA, 2010.

Na região também se encontravam imigrantes poloneses e italianos (embora

estes mais ao Norte, nas imediações de Santa Felicidade e Rondinha). E no

intervalo entre o decreto de Ivo Arzua Pereira e o decreto de Jaime Lerner, aquele

lugar, antes dito inexplorado, passou a uma ocupação de 12,5 milhões de metros

quadrados – entre residências e algumas indústrias madeireiras e de alimentos.

Contudo, como seis anos antes, 32,54% das propriedades ainda permaneciam nas

mãos de poucos nomes: João Lourenço Taborda Ribas, a família Athayde, a Igreja

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76

Adventista do 7º Dia, Moysés Lupion de Tróia, Pretextato Pena Forte, Brasílio de

Araújo Neto, os Zugman, a Técnica Florestal, Ricardo Burgel, Oscar Ermínio Ferreira

Filho e Jayme Canet Jr. (MENDONÇA, 1998, p. 27).

Assim, iniciaram-se as desapropriações dos terrenos optando-se pelo preço

de mercado na época (US$ 0,10 por metro quadrado) (MENDONÇA, 1998, p. 32).

Entretanto, transformar bens privados em públicos é uma coisa muito complicada,

um processo lento e custoso, que passaria a ser uma das principais fontes de gastos

do projeto. Uma verdadeira bola de neve, pois para que as empresas viessem e a

CIC se tornasse um sucesso, era necessária a implantação da infraestrutura

prometida; e com os melhoramentos na área, as sentenças judiciais aumentavam o

valor das indenizações, arrastando ainda mais pendências judiciais.

Outra grande despesa do projeto girou em torno do marketing efetuado para

que o empresariado enxergasse a CIC como algo viável. Embora o país estivesse

passando pelo chamado “Milagre Brasileiro” e os investidores internacionais à

procura de novas praças (com o excesso de eurodólares e petrodólares no

mercado), as vantagens comparativas de Curitiba eram praticamente nulas aos

olhos estrangeiros. Houve um intenso programa de divulgação do empreendimento

em vários idiomas, utilizando os meios mais sofisticados da época e os mais

apelativos – o que incluía gentilezas às missões empresariais visitantes como

passeios à Foz do Iguaçu e litoral paranaense. Além dos incentivos padrões como

isenção de ISS (Imposto sobre Serviços) e IPTU (Imposto Predial Territorial Urbano)

por até dez anos, terraplenagem e demarcação das áreas, Jaime Lerner conta

estratégias de convencimento adotadas:

“Nós nos agarramos à qualidade de vida como argumento essencial para

convencer os empresários de fora que queríamos atrair e, quando

sentíamos que isso não os sensibilizava, escrevíamos cartas às suas

esposas contrapondo as facilidades da vida em Curitiba às dificuldades dos

grandes centros” (MENDONÇA, 1998, p. 22).

A primeira indústria a se instalar na CIC foi a curitibana Plastipar. Das

estrangeiras, a pioneira a fechar acordo para a instalação foi a alemã

Siemens/Equitel seguida da New-Holland, as quais acabaram por atrair outras

empresas por gravidade.

Outro gasto somado aos de obra de infra-estrutura, desapropriações e

divulgação foi a necessidade de contratação de serviços terceirizados para o

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77

cadastramento dos imóveis e a elaboração dos projetos, inclusive do sistema-viário,

uma vez que a URBS não dispunha de quadro funcional próprio.

A URBS também não contava com um fundo ou algum outro dispositivo legal

municipal para o financiamento do empreendimento. E de onde vieram todos esses

recursos? O Município efetuou empréstimos junto a instituições financeiras como o

Bamerindus, o Banco Nacional e em menor escala o Banco do Estado do Paraná.

Houve um acordo – sem ser efetivado em formato legal – que o Estado repassaria

mensalmente o equivalente a 30% do acréscimo na arrecadação do então ICM

(Imposto sobre Circulação de Mercadorias - hoje, ICMS: Mercadorias e Serviços)

obtido com as novas indústrias. Também as estatais – Telecomunicações do Paraná

S/A - TELEPAR, a Companhia Paranaense de Energia - COPEL e a Companhia de

Saneamento do Paraná - SANEPAR – se engajaram no projeto apoiando com

serviços. E ainda houve uma linha especial de crédito do BNH financiando as obras

de infra-estrutura, uma vez que o projeto incluía áreas habitacionais. “A CIC deve ter

sido a única cidade industrial do país a ser financiada pelo BNH”, afirmou Cássio

Taniguchi (MENDONÇA, 1998, p. 33).

Através de lei de 20 de junho de 1980, a Prefeitura desvincula a

administração da CIC da URBS, passando a função para uma empresa de economia

mista específica – a CIC S.A. É o início de um período de grande recessão

econômica em todo o país. Não há mais o Milagre Brasileiro, o Estado interrompe o

repasse do ICM e a crise assola a CIC, com uma dívida que ultrapassava a cifra de

US$ 110 milhões (MENDONÇA, 1998, p. 55).

A nova gestão da CIC inicia então uma política agressiva de venda de

terrenos, subdividindo áreas de qualquer maneira visando atrair empresas de

pequeno porte. Também foi proposta a desistência de algumas ações, já que os

custos dos processos ultrapassavam o valor dos lotes. “[...] como não tínhamos

dinheiro pra pagar os advogados, pagávamos em lotes”, afirmou Luiz Groff, primeiro

presidente da CIC S.A. indicado ao cargo por Jaime Lerner (MENDONÇA, 1998, p.

55).

Em 10 de junho de 1991, nova alteração interna e a companhia mista “CIC

S.A” passa a ser “CIC Companhia de Desenvolvimento de Curitiba”, destinada a

atrair investimentos em toda a cidade. Em 30 de setembro do mesmo ano, quase 20

anos após a largada, é assinado um convênio para pagamento da dívida da CIC,

onde o Estado compromete-se com 60% e o Município, com 40% (MENDONÇA,

Page 78: Onde Moram Os Pobres

78

1998, p. 56).

O projeto foi e ainda é muito questionado sobre sua necessidade, sobre a

escala do empreendimento, sobre a forma como foi administrado e implantado,

sobre a dívida gerada e a qualidade do espaço produzido.

[...] foi através da criação da Cidade Industrial de Curitiba que se forjou uma

autêntica aliança entre os profissionais do urbanismo local com os grandes

interesses privados que, talvez, seja o traço mais importante no desenho da

estrutura do poder contemporâneo no Paraná (OLIVEIRA, 2000, p. 106).

Com o propósito de interligar a área industrial à malha urbana, no PPU

foram projetadas cinco vias Conectoras (Fig. 17), com distâncias médias de 11

quilômetros (MENDONÇA, 1998, p. 28). As vias Conectoras seriam extensões dos

eixos estruturais e, assim como eles, deveriam aliar sistema viário, transporte

coletivo e adensamento habitacional:

Cada Conectora é composta de 3 vias: 2 de tráfego rápido em sentidos

únicos e a central, de tráfego lento, segundo a mesma concepção do

sistema trinário das vias Estruturais. A faixa compreendida entre as vias

componentes das Conectoras é destinada à construção de conjuntos

habitacionais, de alta densidade, bem como, à fixação de atividades

terciárias (IPPUC, 1975, s.p.)

Em 1974 foi elaborado o “Plano Massa das Vias Conectoras da Cidade

Industrial de Curitiba” pelo escritório dos arquitetos Joel Ramalho e Leonardo Oba.

Entretanto, os parâmetros de uso e ocupação do solo para as Conectoras só foram

oficializados através do Decreto nº 857/1975, o qual dividia as Conectoras em duas

faixas: uma industrial, localizada na CIC, e outra habitacional, localizada entre a CIC

e as vias estruturais (POLUCHA, 2010, p.73)

A construção das Conectoras teve início de forma integrada ao processo de

implantação da CIC, sendo as Conectoras 1 e 2 as primeiras a serem implantadas

devido ao adiantamento das obras na porção sul. No entanto, sua execução não

seguiu o planejado, principalmente em relação à via central, que deveria ter uma

canaleta exclusiva para o ônibus. As Conectoras 3 e 4 nunca foram implantadas.

Apenas o projeto da Conectora 5 teve prosseguimento devido ao “Programa de

Obras da Prefeitura de Curitiba no Setor de Transporte e Circulação para o triênio

1976/1978” que previa a criação do Eixo Estrutural Oeste.

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79

Figura 17. Esquema de zoneamento de uso do solo em Curitiba, 1974.

Fonte: URBS, 1974, apud POLUCHA, 2010.

Page 80: Onde Moram Os Pobres

80

A expansão da ocupação industrial na área norte da CIC, a implantação

dos respectivos setores habitacionais, com a construção de 12.000

casas populares, a ocupação rápida do oeste da cidade e o grande

adensamento verificado com a implantação parcial da Estrutural Norte

(ramal noroeste), acarretam a necessidade da execução de acessos viários

e de uma canaleta exclusiva para a implantação do sistema de transporte

de massa da zona – o Expresso Oeste, o que será conseguido através da

execução da Conectora 5, à semelhança das demais conectoras e das

estruturais, é um trinário composto de uma via central e de duas vias

externas. A via central se destina a abrigar a canaleta exclusiva do sistema

expresso e as pistas de tráfego contínuo ao longo do setor, além de

servirem como linhas limítrofes dessa zona que permite um grande

adensamento (IPPUC, 1977, apud POLUCHA, 2010, p. 79, grifos do autor).

A criação da CIC era vista por seus idealizadores como uma estratégia

fundamental da cidade no aspecto da geração de empregos – o que realmente

aconteceu, mas em termos absolutos e não relativos à população atraída para o

foco. O zoneamento interno do bairro (Fig. 18) reservava aproximadamente sete

milhões de metros quadrados (dos 43,7 milhões do total) à implantação de

habitações (MENDONÇA, 1998, p. 27), especialmente as habitações de interesse

social, habitações dos operários conforme ditava o histórico do planejamento

curitibano. Houve sim uma grande produção de conjuntos habitacionais populares

na área, mas que não deram conta de atender a demanda dos migrados. Muitos

destes passaram a ocupar áreas irregulares, consolidando ou gerando novas

favelas. Tem-se que, nos anos de 1980, o crescimento populacional da CIC

prosseguiu com taxas geométricas anuais superiores à média da RMC, com

extremos de 19,69% a.a. (DELGADO, DESCHAMPS, MOURA, 2004, s.p.).

Trata-se, hoje, do bairro mais populoso da cidade. De acordo com o CENSO

2000, a CIC possuía 157.461 habitantes, representando 9,92% da população total

curitibana. São 43.890 domicílios (média de 3,59 pessoas por domicílio)

configurando uma densidade demográfica de 36,30 hab/ha. De acordo com a

estimativa do IBGE, seriam 176.762 habitantes em 2008 e de acordo com projeções

do IPPUC, 180.291 em 2010 [ano desta pesquisa] (IPPUC, 2010, s.p.). Se fosse um

município seria o nono maior do Paraná (Fig. 19).

Page 81: Onde Moram Os Pobres

81

Figura 18. Plano Habitacional da CIC.

Fonte: IPPUC, 1975 apud POLUCHA, 2010.

Page 82: Onde Moram Os Pobres

82

Figura 19. Mapa com o crescimento populacional por bairro.

Fonte: IPPUC, Banco de dados, 2010.

Em se tratando exclusivamente das ocupações irregulares, a CIC abriga 54

áreas onde moram 12.872 famílias, o que representa aproximadamente 51 mil

pessoas (28,3% da população total do bairro) (Fig. 20, 21, 22 e 23).

Figura 20. Foto da ocupação Alto Barigui/ Bolsão Rose - CIC.

Fonte: Arquivo pessoal da autora, 2010.

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83

Figura 21. Fotos de residências em áreas de risco, CIC.

Fonte: Arquivo pessoal da autora, 2009.

Figura 22. Moradias à beira do rio Barigui já interditadas pela Defesa Civil.

Fonte: Arquivo pessoal da autora, 2007.

Page 84: Onde Moram Os Pobres

84

Figura 23. Moradores recusam-se a deixar suas casas interditadas pela Defesa Civil.

Fonte: Arquivo pessoal da autora, 2007.

Entretanto, algumas áreas permaneceram como vazios urbanos como os

terrenos lindeiros à Conectora 5 (Fig. 24 e 25). A região, definida pelo zoneamento

Nova Curitiba (Z-NC), começou a ser explorada somente a partir dos anos 90 e hoje

o Ecoville – como ficou conhecida – tem um dos metros quadrados mais caros da

cidade (OLIVEIRA, 2000, p. 180). Ricardo Polucha avalia em seu trabalho

especificamente a questão da Conectora 5, o surgimento do Ecoville e com isso a

ocupação desigual da CIC:

Observa-se, portanto, no processo de ocupação da Conectora 5 a

contradição de que houve um enorme investimento estatal na execução da

infra-estrutura urbana com o objetivo de induzir uma determinada ocupação

do espaço, mas que esse investimento acabou beneficiando uma pequena

parcela da população. [...] a principal causa desse fenômeno foi a ação de

uma coalizão de interesses, que se apropriou das vantagens localizacionais

oferecidas pela Conectora 5. [...] Ainda que a denúncia de que grupos

específicos souberam antecipadamente do projeto da Conectora 5 e com

isso adquiriam terras a preços irrisórios não possa ser comprovada, é

possível verificar a influência dessa coalizão de interesses em diversos

Page 85: Onde Moram Os Pobres

85

momentos. A execução da Conectora 5 coube à URBS, cujo presidente

nesse período era um empresário do ramo imobiliário que já havia sido

favorecido pelo poder público em outros empreendimentos. Mais tarde, foi

elaborada uma legislação urbanística que direcionou a ocupação da

Conectora 5 para as camadas de alta renda, favorecendo o setor imobiliário

(POLUCHA, 2010, p. 153).

Figura 24. Vazios Urbanos em Curitiba, 1983.

Fonte: COHAB-CT, 1983 apud POLUCHA, 2010.

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86

Figura 25. Conectora 5 no início da década de 1980.

Fonte: COHAB-CT, apud POLUCHA, 2010.

Do outro lado da Cidade Industrial, na parte sul, é lançado em 2010 um novo

empreendimento sugestivamente chamado de Neoville (oficialmente Loteamento

Novo Horizonte). Aparece como um novo eixo de exploração imobiliária da capital,

localizado junto à divisa com o Capão Raso – área valorizada muito mais após a

instalação da Administração Regional da CIC nas adjacências (em 29 de março de

2005). O terreno com aproximadamente um milhão de metros quadrados,

pertencente à família do ex-governador Jayme Canet Júnior, foi usado como fazenda

de gado antes da criação da CIC e desde então permaneceu intocado. Em

entrevista a um jornal local, Jayme Canet, o neto do ex-governador e diretor

financeiro da Canet Júnior Desenvolvimento Imobiliário S.A., afirmou que a área foi

alvo de propostas por parte de grandes indústrias, mas a família recusou as ofertas,

pois já vislumbrava o crescimento do mercado e a possibilidade de investir na

incorporação imobiliária do local (RIOS, 2010, s.p). O Neoville será voltado

principalmente a famílias de classe média, com renda de R$ 3.750 a 7mil, alternando

casas, sobrados, condomínios fechados horizontais e verticais (até oito pavimentos)

– o que difere do padrão de habitações operárias. A área em questão é vizinha da

Vila Nossa Senhora da Luz, a qual será estudada por essa dissertação. (Fig. 26)

Em 2009, um grande terreno com testada para a Rua Theodoro Locker – na

continuação do que seria a Conectora 4 - passou por uma tentativa de ocupação por

sem-tetos apoiados pela União Nacional pela Moradia Popular. A proprietária do lote

de aproximadamente 170 mil metros quadrados – Varuna Empreendimentos

Page 87: Onde Moram Os Pobres

87

Imobiliários – conseguiu uma ordem de reintegração de posse em 15 de setembro.

O despejo forçado foi efetuado em outubro. Algumas dezenas de manifestantes se

transferiram para a calçada em frente (Fig. 27) e por lá permaneceram até maio de

2010, mesmo após a Justiça determinar a reintegração de posse da calçada a

pedido da prefeitura de Curitiba (KÖNIG, 2008, s.p).

Figura 26. Área do atual Loteamento Horizonte (nome comercial Neoville) ao lado VNSL.

Fonte: GOOGLE EARTH, 2010.

Figura 27. Foto aérea da ocupação da calçada na Rua Theodoro Locker.

Fonte: GOOGLE EARTH, 2010.

Neoville

Page 88: Onde Moram Os Pobres

88

Outro superlativo que merece destaque é a criminalidade. Atualmente, a CIC

é o bairro mais violento da capital, contabilizando 66 homicídios (das estatísticas

oficiais) só no primeiro semestre de 2010. Neste ano, a prisão do chefe do tráfico de

drogas da região, ao invés de melhorar a segurança local, desencadeou uma série

de crimes numa disputa dos pequenos traficantes para assumir o comando. Tanto as

ocupações irregulares quanto os loteamentos legais da prefeitura foram, aos

poucos, dominados pelo tráfico de drogas. O policiamento encontra dificuldades

devido à extensão do bairro e suas barreiras tanto socioeconômicas quanto físicas

(PERES, 2010, s.p.).

O coronel da Polícia Militar Roberson Bondaruk, autor do livro Arquitetura

contra o Crime, clama por um projeto de reurbanização que propicie melhor

acessibilidade. Segundo Bondaruk, o principal problema é a “inversão de controle de

acesso”. Ele cita como exemplo a Vila Nossa Senhora da Luz onde as vias estreitas,

becos, construções irregulares e imóveis abandonados (os populares ”mocós”)

dificultam a visão dos policiais e facilitam para quem está dentro da Vila ver quem

chega (RIBEIRO, 2010, s.p.).

A CIC é cortada por três rodovias federais– o que para as indústrias significa

facilidade de acesso e escoamento da produção, mas para o grande número de

moradores caracteriza barreiras de acessibilidade (Fig. 28). Possui três terminais de

transporte urbano rodoviário e uma Administração Regional própria.

Figura 28. Trecho da Rodovia Juscelino Kubitschek. Ao fundo, Vila Sabará.

Fonte: Arquivo pessoal da autora, 2010.

Page 89: Onde Moram Os Pobres

89

3.4 METRÓPOLE POPSTAR

Paralelamente à criação da CIC, em 1973, a Lei Federal Complementar nº

14/73 estabeleceu as primeiras oito regiões metropolitanas brasileiras, “ato

condizente com a ação militar-ditatorial do Estado brasileiro na época: a

necessidade de controlar o desenvolvimento urbano parece associar-se ao controle

da sociedade” (MENDONÇA; CASTELNOU, 2006, p.27).

A Região Metropolitana de Curitiba (RMC), a princípio, era composta por 14

municípios: Curitiba, Almirante Tamandaré, Araucária, Bocaiúva do Sul, Campo

Largo, Colombo, Contenda, Piraquara, São José dos Pinhais, Rio Branco do Sul,

Campina Grande do Sul, Quatro Barras, Mandirituba e Balsa Nova. Esses sofreram

desmembramentos posteriores, dando origem a novos cinco municípios: Campo

Magro, Fazenda Rio Grande, Itaperuçu, Pinhais, Tunas do Paraná. Além desses,

passaram a integrar os limites regionais, outros sete municípios do entorno mais

distante (Doutor Ulysses, Cerro Azul, Adrianópolis, Lapa, Quitandinha, Agudos do

Sul e Tijucas do Sul), conforme legislações estaduais. (Fig. 29)

Embora o modelo desenvolvimentista brasileiro tenha iniciado com o Plano

de Metas do governo Juscelino Kubitschek na década de 1950, foi o regime

autoritário iniciado em 1964 que selou a aliança com o mercado financeiro

internacional, conseguindo financiamentos para a modernização da agricultura e

industrialização – e ampliando o endividamento externo. Um dos instrumentos

criados pelo governo federal para esta empreitada foi o crédito agrícola subsidiado,

“que beneficiou especialmente os grandes produtores rurais na aquisição de

modernas tecnologias, sementes e insumos para a agricultura de exportação, em

especial a soja, principal produto na pauta de exportação agrícola do país” (NEVES,

2006, p. 32).

No Paraná, a cultura da soja foi responsável pela introdução de novas

tecnologias, as quais exigiam altos investimentos monetários, incluindo a aquisição

de terras, o que resultou em uma maior concentração fundiária. O estado sente os

efeitos desta modernização agrícola e sofre uma transição demográfica, vendo sua

população, até então basicamente rural, migrar para a capital. (NEVES, 2006, p. 31)

Page 90: Onde Moram Os Pobres

90

Figura 29. Mapas mostrando a formação da Região Metropolitana de Curitiba.

Fonte: COMEC, 2010.

Page 91: Onde Moram Os Pobres

91

Assim, a RMC nasceu e cresceu num ritmo acelerado de urbanização, com

uma migração muito intensa devido à mecanização do campo e a criação da CIC, o

que efetivou um deslocamento sentido interior-capital dos postos de trabalho. “A

capital do Estado sofreu, dessa forma, um crescimento vertiginoso com os

problemas comuns percebidos no modelo de desenvolvimento adotado pelo regime

militar, como no caso do ABCDM Paulista, por exemplo.” (FRAGA, 2003, p.03).

Desde sua criação, a população da RMC, oficialmente instituída, cresceu de 869.837

(12,55% da população paranaense) até 2.767.282 habitantes, em 2000,

respondendo por 28,94% da população paranaense, caracterizando-se como uma

das regiões metropolitanas com o mais expressivo crescimento populacional no

Brasil (sendo o crescimento da periferia o dobro do crescimento da capital)

(DELGADO, DESCHAMPS, MOURA, 2004, s.p.).

Em 1974, foi criada a Coordenação da Região Metropolitana de Curitiba –

COMEC – para formular diretrizes que orientassem os municípios nesta nova

realidade legal. A instituição produziu então o primeiro plano regional denominado

Plano de Desenvolvimento Integrado – PDI – sendo apresentado em 1978. O Plano,

embora de grande valia na orientação dos Planos Diretores de cada município,

funciona apenas como diretriz uma vez que a entidade não possui poderes

deliberativos sobre a gestão do território (MENDONÇA; CASTELNOU, 2006, p.27).

Por exemplo, o PDI definia a região leste, em função da presença dos

principais mananciais de abastecimento de água, como área a ser preservada da

ocupação urbana mais intensa. Entretanto, no período 1970-94 foram aprovados

89.089 novos lotes na RMC, a grande maioria localizada entre sudeste e norte do

Aglomerado Metropolitano (PEREIRA, SILVA, 2009, p. 300).

O impactante crescimento populacional metropolitano não foi absorvido pelo

processo de planejamento urbano da capital. A prefeitura da cidade desde a criação

da RMC passou a incorporar a teoria do desenvolvimento integrado à sua agenda,

porém, na prática, o foco permaneceu em ações centrais, empurrando a massa

migratória de baixa renda para fora de sua fronteira administrativa. Os municípios

limítrofes ao pólo, que “formam com Curitiba um fato urbano único”, tiveram uma

intensificação no uso do solo, inclusive sobre áreas ambientalmente frágeis,

aumentando a disparidade entre núcleo e periferia (DELGADO, DESCHAMPS,

MOURA, 2004, s.p.).

Embora o objetivo de todo o planejamento fosse melhorar a qualidade de

Page 92: Onde Moram Os Pobres

92

vida da população, induzir a ocupação próxima aos eixos estruturais, favoreceu a

especulação imobiliária, aumentando o valor dessas áreas e assim tornando

inacessíveis à baixa renda. As taxas de elevação dos preços alcançaram números

expressivos. “Em dez anos – do lançamento do Plano Preliminar até a efetiva

construção das estruturais, os imóveis tiveram uma valorização para o Setor Norte

de 555,55% e o Setor Sul de 603,54%” (ZAMBERLAN, 2006 apud POLUCHA, 2010,

p.35). A análise efetuada pela COMEC em seu PDI aponta:

Os preços altos da terra coincidem com as áreas que apresentam maior

mobilidade, garantida pela infra-estrutura viária e acessibilidade, ou seja,

onde o sistema de transporte coletivo garante, ao longo dos principais eixos

de comunicação, tempos menores de deslocamento até o centro (COMEC,

2006, p.140)

Uma pesquisa do LAURB (Laboratório de Arquitetura e Urbanismo da

Universidade Federal do Paraná) demonstrou que a estruturação do espaço na RMC

tem e continua tendo uma forte participação do mercado imobiliário. Constatou-se,

ainda, que a relação entre distância do centro de Curitiba, preço da terra e renda da

população residente, parte de um processo de segregação socioespacial, são

fatores presentes tanto na dinâmica do mercado formal quanto na do informal.

(PEREIRA, SILVA, 2009, p. 314)

Marcelo Lopes de Souza afirma que “o planejamento urbano de Curitiba foi

sempre comandado a partir do núcleo, tendo sido um planejamento municipal e não

metropolitano”, enfatizando que a pobreza na RMC, “mais claramente que em outra

qualquer, é periférica (franjas do município-núcleo e município periféricos)” (SOUZA,

2005, p. 304).

Durante a década de 1980, este modelo de planejamento urbano sofreu

oposição no período político das duas gestões do Partido do Movimento

Democrático Brasileiro (PMDB) com Maurício Fruet (de 1983 a 1985) e Roberto

Requião (de 1986 a 1989). O IPPUC, principalmente dentro da gestão de Requião,

deixou de ter o papel centralizador que vinha exercendo até então, perdendo sua

hegemonia sobre a administração da cidade. No governo de Fruet, o IPPUC

elaborou um novo Plano Municipal de Desenvolvimento Urbano (PMDU) o qual

propunha um sistema policêntrico, com cinco subcentros dentro de uma

configuração radial. O PMDU não chegou a ser implantado, porém houve uma

reorientação da ação estatal para as áreas periféricas, através da execução de infra-

Page 93: Onde Moram Os Pobres

93

estrutura urbana e equipamentos públicos (POLUCHA, 2010, p.30).

Em 1989, eleito sob a legenda do PDT (Partido Democrático Trabalhista),

Jaime Lerner retorna à prefeitura, reiniciando uma nova hegemonia. Todos os

prefeitos subseqüentes, eleitos com apoio direto de seu antecessor, de certa forma

deram continuidade ao modelo de desenvolvimento baseado na prática de

planejamento urbano: Rafael Greca, também eleito pelo PDT (1993-1996); Cássio

Taniguchi (1997-2000 e 2001-2004), pelo PFL (Partido da Frente Liberal); Beto

Richa, pelo PSDB (Partido da Social Democracia Brasileira), com um mandato e

meio devido à sua saída para concorrer ao governo estadual (2005-2008 e 2009-

2010) e o atual prefeito Luciano Ducci (vice de Beto).

Nas gestões de Lerner e Greca os destaques ficaram para o programa de

coleta seletiva do lixo (Lixo que não é lixo), a criação das estações de ônibus de

embarque antecipado (estações-tubo) e pela construção de diversos equipamentos

comunitários: Ópera de Arame, Pedreira Paulo Leminski, Rua 24 horas, Faróis do

saber, Ruas da Cidadania, parques e bosques.

No governo de Cássio Taniguchi foi efetuada a revisão do Plano Diretor de

1966. O novo Plano Diretor aprovado em 2000 seguiu os mesmos princípios de

ordenação do crescimento, entretanto criando alguns novos eixos de adensamento

na cidade (nas Av. Marechal Floriano Peixoto, Comendador Franco, Pres.

Wenceslau Braz, Pres. Affonso Camargo, Rua Engenheiro Costa Barros e BR-116).

Estudiosos do IPARDES – Instituto Paranaense de Desenvolvimento

Econômico e Social – apontam o paradoxo do planejamento urbano de Curitiba,

associado à lógica do mercado imobiliário, como o principal provocador e viabilizador

das ocupações das áreas fronteiriças ao pólo. O controle do uso do solo e as

intervenções urbanísticas na capital serviram tanto para conter os efeitos negativos

quanto para valorizar a ocupação no espaço intra-urbano – o que inibiu a ocupação

justamente de quem mais precisava da infra-estrutura proporcionada, deslocando a

população financeiramente desfavorecida para os municípios vizinhos, onde

encontravam legislações mais flexíveis e ofertas de terras ilegais (muitas vezes em

áreas de mananciais parceladas antes da lei federal 6.766/76). “A pequena

arrecadação financeira desses municípios reduz as condições de atendimento à

demanda crescente que se instala, mal permitindo responder às exigências mínimas

de sobrevivência de seus moradores” (DELGADO, DESCHAMPS, MOURA, 2004,

s.p.). Surgem, assim, as cidades-dormitório ligadas umbilicalmente com a capital,

Page 94: Onde Moram Os Pobres

94

dependendo dos seus serviços modernos e de qualidade e oferecendo mão-de-obra

barata.

Em entrevista à Revista “RMC em Debate”, Rosa Moura, uma das principais

pesquisadoras do IPARDES, explica que em Curitiba sempre foi notória a distinção

entre o pólo metropolitano e os municípios periféricos e, mesmo internamente, entre

as porções Norte e Sul da cidade. “A história da capital como um modelo que deu

certo encobriu a existência desse entorno metropolitano muito pobre, acentuando ao

longo do tempo uma absurda desigualdade” (RMC EM DEBATE, 2009, p. 09).

Em 1995, Jaime Lerner assume o governo do Estado do Paraná e dá

continuidade à política publicitária desenvolvida no âmbito municipal. Assim como

aconteceu com a criação da CIC, o poder público trabalhou estratégias de

convencimento e marketing junto a grandes empresas, visando ao mesmo tempo à

manutenção e expansão de investimentos privados existentes e a

internacionalização da economia da Região. Marcelo Lopes de Souza aponta ainda:

Com certeza, o nível razoável de educação e qualificação de mão-de-obra

não é um dos fatores principais que têm atraído um número crescente de

novas indústrias para a Região Metropolitana de Curitiba, com destaque

para as montadoras de automóveis (Audi/Volkswagen e Renault, em São

José dos Pinhais; Chrysler, em Campo largo); fatores outros, como a boa

infra-estrutura e a localização estratégica no coração do MERCOSUL, as

menores politização e organização dos trabalhadores e – em

primeiríssimo lugar – generosíssimos incentivos fiscais e facilidades

logísticas diversas têm tido, seguramente, um peso

incomparavelmente maior. (SOUZA, 2005, p. 303, grifos nossos).

A vinda das montadoras de automóveis contribuiu para a industrialização

paranaense, transformando a RMC no segundo pólo automotivo brasileiro.

Entretanto, a forte promoção da cidade não atraiu somente os investidores, mas

também um número sensível de migrantes de toda procedência, dando maior

amplitude às deficiências socioambientais, econômicas e culturais pré-existentes.

[...] Curitiba é uma cidade típica dos países não desenvolvidos. Isso significa

que ela exibe as contradições próprias da „urbanização corporativa‟,

expressão cunhada pelo geógrafo Milton Santos (1926-2001) no livro A

urbanização brasileira (1993). Nessa forma de urbanização, o espaço da

cidade é marcado pela concentração da riqueza e do ordenamento

funcional e, ao mesmo tempo, pela existência de extensas áreas caóticas,

dominadas pela pobreza e pela insuficiência ou ausência de serviços

públicos. A cidade rica e a pobre, a cidade formal e a informal, a cidade

Page 95: Onde Moram Os Pobres

95

organizada e a desordenada, a cidade planejada e a „espontânea‟, todas

coexistem no espaço urbano curitibano. (MENDONÇA; CASTELNOU, 2006,

p.25)

Um levantamento efetuado pela Fundação João Pinheiro, em parceria com o

Ministério das Cidades, o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e o

Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), através do

Programa Habitar-Brasil/BID, mostrou que em 2006 o déficit habitacional no Paraná

era de 354.280 domicílios, sendo 115.330 (32%) na RMC. Como déficit habitacional

na pesquisa foi considerado os domicílios precários, parte da coabitação familiar, o

ônus excessivo com o aluguel (quando este compromete mais de 30% de uma renda

familiar de até três salários mínimos) e o adensamento excessivo nos domicílios

alugados (MINISTÉRIO DAS CIDADES, 2009, s.p.).

Segundo estudos do IPPUC aliando dados da COMEC e do IBGE, em 1998

foram identificadas 242 áreas de ocupações irregulares em Curitiba e outras 531

espalhadas nos outros municípios da Região. Eram 81.380 domicílios em situação

irregular abrigando 329.105 pessoas em toda RMC. Descontando os dados da

capital, a mesma pesquisa mostra 29.338 domicílios irregulares abrigando 110.529

pessoas em contrapartida aos 8.754 domicílios com 36.857 pessoas levantados em

1993 – em cinco anos um crescimento periférico de 27,36% ao passo que o

crescimento das ocupações irregulares no mesmo período dentro da capital ficou em

8,76% (IPPUC, 2010, s.p.).

Esses números exemplificam a série de ocupações irregulares de terras na

região, fenômeno, até então esparso intensificado na década de 1990, que ampliou

significativamente a complexidade da gestão metropolitana, pois além da demanda

por reposição ou incremento do estoque de moradias atingiu áreas de mananciais

de abastecimento público de água.

Assim a materialidade da ação do planejamento urbano envolta em um

discurso ideológico permite ocultar as contradições produzidas em torno da

valorização da terra. A análise desse processo desmitifica a eficiência do

planejamento urbano de Curitiba, revelando a parcialidade da ação estatal.

Ou seja, a prática do planejamento urbano não é por si só suficiente para

reduzir a desigualdade no espaço urbano. Ao não confrontar os interesses

fundiários ele acabou por direcionar a segregação espacial (POLUCHA,

2010, p. 155).

Marcelo Lopes de Souza adverte que a administração curitibana trabalha

Page 96: Onde Moram Os Pobres

96

com uma superestimação da dimensão do embelezamento, onde os progressos

estéticos e o combate de problemas ambientais difusos ficam mais evidentes do que

os avanços no que diz respeito ao combate à pobreza, à segregação sócio-espacial

e aos problemas ambientais a elas vinculados (SOUZA, 2005, p.131). Cabe aqui

uma passagem escrita por Engels em 1887, porém permanecendo extremamente

pertinente, que exemplifica e metaforiza essa forma de intervir na questão das

moradias precárias:

Em realidade, a burguesia não conhece senão um método para resolver à

sua maneira o problema da habitação, isto é, para resolvê-lo de tal sorte

que a solução crie sempre de novo o problema. Esse método chama-se

Haussmann. Entendo aqui por “Haussmann” não somente a maneira

específica bonapartista do Haussmann parisiense de abrir ruas amplas,

largas e certas através dos bairros operários construídos estreitamente e

enfeitá-las de cada lado com edifícios luxuosos; sua finalidade, ao lado da

de caráter estratégico visando tornar mais difícil a luta de barricadas, era

formar um proletariado da construção especificamente bonapartista e

dependente do governo, assim como transformar Paris numa cidade de

luxo. Entendo por “Haussmann” a prática generalizada de abrir brechas nos

bairros operários particularmente os situados no centro de nossas grandes

cidades, quer isso corresponda a uma medida de saúde pública ou de

embelezamento, quer a uma procura de grandes locais comerciais no

centro, quer a necessidades de comunicação, como ferrovias, etc. O

resultado é o mesmo em toda parte, qualquer que seja o motivo invocado:

as travessas e os becos sem saída desaparecem e a burguesia se glorifica

com um resultado tão grandioso; mas... travessas e becos sem saída

aparecem em outra parte, e com enorme freqüência em lugares muito

próximos (ENGELS, 1976 [1887], p.93)

Claro que não se pode dizer que intervenções urbanísticas sejam

desnecessárias, principalmente quando estão intrinsecamente ligadas à questão de

higiene, às questões sanitárias. E mais básico do que isso: pobreza não precisa

rivalizar com beleza. Porém tem que ser mais que uma intervenção de prancheta;

mais do que uma operação cirúrgica paliativa. Não pode ser bonito pra se ver

apenas. Tem que envolver os demais sentidos. As pessoas que vivem – e não

apenas as que passam por ou que conhecem através de fotografias – precisam

fazer parte do processo e se sentirem confortáveis com o espaço produzido: para e

por elas. Marcelo Lopes de Souza complementa:

Embora menos evidentes ou conhecidas que as suas virtudes, os pontos

negativos da filosofia de planejamento e gestão do “Grupo de Lerner”,

Page 97: Onde Moram Os Pobres

97

todavia, não deveriam passar despercebidos ao observador atento. O

principal deles, e ao qual se vinculam outros, é precisamente o traço

tecnocrático desse estilo de gestão. Obviamente, falar de “tecnocratismo” a

propósito de uma administração indiscutivelmente criativa e eficiente, e em

uma época dominada por um espírito pseudopragmático voltado para

“resultados”, pode soar como um discurso rançoso de quem não tem

melhores argumentos. [...] A questão é que o risco, não apenas de

corrupção, mas também de medidas e intervenções antipopulares, aumenta

à proporção que diminui o nível de abertura da administração local a

uma efetiva participação popular. (SOUZA, 2005, p. 300, grifos do autor).

E por que isso não é visto? Realmente os agentes do poder público e a

própria população curitibana costumam minimizar a repercussão do problema ou

ignorá-lo com o intuito de não macular a imagem vendida. Curitiba não possui

construções históricas tão antigas, bem preservadas e ricas como as cidades

mineiras e, com exceção do Pinheiro-do-Paraná (araucaria angustifolia) elevado a

símbolo da cidade desde a época do movimento Paranista, também não há belezas

naturais como as praias e morros cariocas ou o Rio Guaíba em Porto Alegre. Com

isso, os curitibanos se apegaram aos cenários construídos para garantir seu

ufanismo municipal. Para Souza, não se pode ignorar o fato de que Curitiba, “tanto

através de seu poder público, quanto sob o estímulo do próprio imaginário local,

significativamente conservador, antes busca „esconder‟ a pobreza, por vergonha,

que superá-la, por convicção crítica” (SOUZA, 2005, p.133).

Como já visto [subseções 3.1 e 3.2] no histórico do planejamento adotado

em Curitiba, durante os últimos 40 anos os planos que se sucederam trabalharam

com a lapidação e, posterior, contemplação da imagem positiva da cidade. Foram

planos macro a fim de disciplinar o crescimento urbano permeados por intervenções

pontuais, as quais Jaime Lerner intitula “acupuntura urbana” (LERNER, 2003).

Inegavelmente, a “acupuntura” converte-se em uma idéia extremamente feliz onde

se tenta maximizar um investimento, focando numa obra para que essa repercuta e

irradie seus benefícios para um raio máximo de abrangência, incentivando a

iniciativa privada do entorno. Alguns projetos inspirados em casos europeus bem

sucedidos foram importados para que aqui pudessem ser convertidos, adaptados e

revendidos para outros países com um toque abrasileirado. Aparece assim a

“cidade-modelo”: um produto categoria exportação.

Fernanda Sánchez García em seus trabalhos sobre a sociologia da cultura,

imagens urbanas, city marketing, planejamento regional e políticas urbanas, afirma:

Page 98: Onde Moram Os Pobres

98

[...] observa-se que cada nova intervenção urbana constitui-se também em

ação e comunicação simbólicas, pois Curitiba hoje se fixou ao nível nacional

como espaço condensado, por excelência, dos anseios das classes

dominantes relacionados a modo de vida e usufruto da cidade. A absorção

acrítica dos novos “produtos” urbanísticos e os rápidos processos de

adesão social a idéias, valores e mitos associados à “cidade moderna”,

“cidade de Primeiro Mundo” são indicadores da cristalização da imagem

urbana construída. A obtenção e manutenção deste padrão dominante

expressa, por sua vez, a agilização dos elos entre meios técnicos de

comunicação, esfera cultural e aparelhos de poder. (RIBEIRO, SÁNCHEZ

GARCÍA, 1997, p.106)

Afinal, meias verdades repetidas numerosas vezes tornam-se verdades

inteiras. Fernanda Sánchez coloca em seus estudos que, permeando os êxitos reais

do planejamento urbano, há atrelado um city marketing intenso, fornecendo uma

idéia – não de todo falsa, mas sim exacerbada – de se viver o politicamente correto.

Para Marcelo Lopes de Souza, a capital paranaense, a despeito de suas

características positivas concretas acumuladas no decorrer de sua história, possui

um trunfo: “a capacidade de persuadir o mundo e o resto do país de que ela é

melhor do que de fato é em matéria de desenvolvimento sócio-espacial” (SOUZA,

2005, p.305).

A partir de 1990, conforme cada novo mandato, os slogans propagandeados

alcançaram enorme repercussão no Brasil e, dentro de algumas áreas específicas,

também em alguns países do exterior. A "Capital Ecológica" alardeava sua

abundância em áreas verdes, multiplicando o batismo de parques e bosques como

forma de melhoria da qualidade de vida seguindo a onda ambiental incipiente (há

duas décadas já em debate na Europa, mas que chegava aqui como uma nova

proposta salvadora). Contudo, grande parte desses recém-inaugurados

equipamentos públicos de lazer concentrava-se na zona norte da cidade, distante da

população com menor concentração de renda residente ao sul. Márcio de Oliveira,

explica que:

(...) parques e bosques preservam a natureza e criam áreas de lazer

melhorando a qualidade de vida dos habitantes da cidade, é claro. Mas os

de Curitiba, in fine, contribuíram para preservar fontes de água, disciplinar o

uso do solo (impedindo a favelização e seus problemas sanitários e sociais),

preservar fundos de vale/afluentes do rio Iguaçu, sanear áreas urbanas,

valorizar os novos bairros que se formaram em seu entorno (cooptando

empreendedores imobiliários) e – last but not the least – até mesmo para

Page 99: Onde Moram Os Pobres

99

homenagear homens públicos e etnias, numa perspectiva temática.

(OLIVEIRA, 1996, p.50)

Na seqüência, com a descomedida expansão das áreas faveladas na

periferia, adotou-se o título de "Capital Social", enfatizando a preocupação com as

áreas carentes, aumentando as intervenções e implantação de equipamentos em

tais locais – ações que identificam coerência, mas não propriamente pró-atividade,

justiça social ou eqüidade, visto os dados de permanência/aumento da miséria

metropolitana.

Outro fator que contribuiu para a publicidade curitibana foram os prêmios

angariados. Já em 1956, a cidade recebeu do presidente Juscelino Kubistchek o

título de “Curitiba: um dos Dez Municípios de Maior Progresso do Brasil”, conferido

pelo Instituto de Administração Municipal – IBAM, em conjunto com a revista O

Cruzeiro. Entretanto, foram nas duas últimas décadas que estes se multiplicaram.

De 1990 até hoje, foram mais de 30 premiações distribuídas entre programas de

saúde como o “Mãe Curitibana”, informática pelo site da Prefeitura, transporte

público e gestão de resíduos sólidos com os programas “Lixo que não é lixo” e

“Câmbio verde”. Recebido em abril de 2010, teve grande destaque na mídia o

Prêmio “Globe Award Sustainable City”, laureando Curitiba a cidade mais

sustentável do mundo neste ano (IPPUC, 2010, s.p.). O interessante é que os títulos

levam em consideração as campanhas apresentadas de projetos pontuais – mas

desconsideram a empacada questão do “lixão” que permanece ilegalmente em

atividade ou do transporte público operando durante anos sem licitação.

Curitiba também figurou nas revistas especializadas do país como um dos

melhores locais para se fazer negócios e até como uma das três melhores cidades

do mundo para se viver (juntamente com São Francisco e Roma). A ênfase dada por

tais prêmios e listas serviu como chamariz para mais e mais migrações, não só

decorrentes do êxodo rural, mas também como uma alternativa ao eixo Rio-São

Paulo.

“As imagens-síntese e os discursos sobre as cidades referem-se a

estratégias baseadas na racionalidade dos processos de reprodução da economia

global” (SÁNCHEZ GARCIA, 2001, s.p.). O mercado mundial de cidades tem uma

relação simbiótica com alguns outros mercados como o imobiliário; de consumo

(tanto interno quanto externo); de turismo; de consultoria em planejamento e

Page 100: Onde Moram Os Pobres

100

políticas públicas; mercado para empresas com interesses localizados; e o mercado

das chamadas “boas práticas” – onde as agências multilaterais perseguem a

reformatação do campo da administração pública e do Estado mediante a

legitimação de “administrações urbanas competentes”, “gestões competitivas” ou

“planejamento urbano estratégico” (SÁNCHEZ GARCIA, 2001, s.p.). E os arranjos

de interesses originados em tais mercados impulsionam alguns prefeitos e governos

de cidade a comercializarem seus sucessos.

Sínteses e imagens fazem parte da retórica oficial que acompanha os

processos de reestruturação. Subjacente a essas sínteses encontra-se a

proposta de uma ordem urbana que pretende fazer impensáveis e

impossíveis outras formas de viver na metrópole, conflitivas com os

parâmetros da cidade-mercadoria e da cidade-empresa que se busca

consolidar. Tudo aquilo que não adere a essa dinâmica é interpretado como

ingovernabilidade, como perturbação da ordem urbana que deve ser

desalojada do panorama da modernização (SÁNCHEZ GARCIA, 2001, s.p.).

O próprio cidadão curitibano é incluído na promoção das imagens-síntese

recorrentes, transitando entre consumidor e alimentador da “cidade perfeita”,

ressaltando, além da frieza popularmente conhecida, o seu lado de exigência crítica

e boa educação. No final da década de 1990 veiculava um filme comercial com o

famoso jogador de basquete Oscar Schmidt que errava ao arremessar um copo no

cesto jogando-o no chão enquanto todos os curitibanos sempre acertavam a cesta.

O bordão - “Você não é daqui, não é?” – deixava nítido como seriam (ou deveriam

ser) os cidadãos-modelo. Realmente era algo muito interessante do ponto de vista

publicitário e que teve grande repercussão atingindo sua meta educativa. Entretanto,

torna-se persecutória essa idéia de cidadão exemplar, aquele que vive como um

clichê de felicidade de uma família em propaganda de margarina, formalizando o

mito como “um cimento social indispensável” (RIBEIRO, SÁNCHEZ GARCÍA, 1997,

p.111). Feitos à imagem e semelhança da cidade, como poderia um cidadão

produzir uma crítica ao desempenho citadino uma vez que estaria se auto-

criticando? “[...] a face perversa da modernização é que enquanto se instauram e

agilizam condições extremamente favoráveis para os grupos mais fortes também se

instauram as condições para a alienação dos cidadãos” (RIBEIRO, SÁNCHEZ

GARCÍA, 1997, p.121).

Também merece destaque no quesito controle, quanto à manipulação do

processo de debate, o caso das associações de moradores. Assim como em outras

Page 101: Onde Moram Os Pobres

101

partes do Brasil e do mundo, as associações deveriam trabalhar na representação

da sociedade civil organizada perante o Estado e demais entidades da própria

sociedade civil, ocupando a posição de força de articulação crítica e contestadora.

Entretanto, ambiguamente, em Curitiba as associações recebem verba da prefeitura

tendo que, em contrapartida, prestar contas ao poder público. “Se sua legitimidade

vem, teoricamente, de sua vinculação com sua base social, sua sustentação material

passa a vir do estado, que as coopta massiva e sub-repticiamente” (SOUZA, 2005,

p.144). Aliando-se financeiramente as associações à administração pública

municipal fica difícil dissociar a oposição, desestabilizando-as enquanto movimentos

populares. “[...] mais do que uma participação ativa, uma participação contemplativa

da cidade” (SÁNCHEZ GARCIA, 2001, s.p.) Para Souza, o “modelo Curitiba”

desnuda, com isso, um lado esclarecedor: “eficiência gestora, assistencialismo social

e cooptação política e ideológica da sociedade civil, erodindo os fundamentos de

uma organização mais autônoma desta e minando a sua capacidade de elaborar

contradiscursos e contraprojetos” (SOUZA, 2005, p.144).

Se o crescimento – muito diferente de desenvolvimento – deve ou não ser

freado e, se sim, como fazê-lo ainda é uma incógnita. O que se torna evidente é a

urgência de se considerar a gestão integrada da região metropolitana, refletindo os

processos de planejamento em suas mais variadas instâncias:

[...] avaliando suas limitações – a desestruturação institucional, a fragilidade

de instâncias administrativas, a escassez e o descompromisso na

priorização de recursos –, seus anacronismos físicos – a cidade que

transcende a unidade municipal criando um espaço assentado sobre várias

unidades político-administrativas autônomas, ou que invade áreas

ambientalmente vulneráveis -, as estratégias que transformam a cidade em

produto – o empresariado urbano, o city marketing – e a ilegitimidade de sua

construção – por governos e não pela governança. (MOURA, 1999, p.34)

Por mais atraente que pareça, a “metrópole popstar” precisa ser

desmitificada. É necessário desligar as câmeras e os microfones e buscar em sua

essência – caetaneando – “a dor e a delícia de ser o que é”.

Chega-se a um ponto crucial deste trabalho com a congregação do marco

teórico e sua ligação no entendimento da formação sócio-espacial de Curitiba - a

Vila Nossa Senhora da Luz. Por ser ela o objeto analítico, ou um estudo de caso,

corrobora na busca do território habitado pelos pobres no espaço urbano.

Page 102: Onde Moram Os Pobres

102

4 A LUZ SEM LUZ

(quantas curitibas cabem numa só Curitiba?)

Cidades pequenas,

como dói esse silêncio,

cantilenas, ladainhas,

tudo aquilo que nem penso,

esse excesso

que me faz ver todo o senso,

imprecisa premissa,

definitiva preguiça

com que sobe, indeciso,

o mais ou menos do incenso.

Vila de Nossa Senhora

da Luz dos Pinhais,

tende piedade de nós.

(“Imprecisa Premissa”, LEMINSKI, 2002, p.59)

Page 103: Onde Moram Os Pobres

103

Desde os anos de 1940, Curitiba convivia com núcleos de ocupações

irregulares. Seguindo o programa de desfavelamento proposto pelo regime militar,

em 13 de novembro de 1966 foi inaugurada, pelo então presidente da República,

Humberto Alencar Castello Branco, a Vila Nossa Senhora da Luz – VNSL: o primeiro

conjunto habitacional do Paraná, e um dos pioneiros do país (Fig. 30, 31 e 32).

Criada pela COHAB-CT com financiamento do BNH, tinha como objetivo suprir o

déficit habitacional da cidade e erradicar os núcleos de favelamento existentes.

Figura 30. Vista aérea da Vila Nossa Senhora da Luz dos Pinhais.

Fonte: Acervo particular Alfred Willer, GONÇALVES, 2008.

Para tal, o conjunto foi planejado a partir de um levantamento que calculou

aproximadamente duas mil famílias a serem relocadas. Entretanto, a extinção das

favelas não aconteceu. Como já mencionado na subseção 2.3, para a maioria dos

moradores que retirava seu parco sustento do mercado de trabalho informal,

permanecia impraticável o financiamento proposto pelo BNH. Para adquirir um lote

na Vila, o comprador arcava com cerca de 24 cruzeiros mensais, o equivalente a

10% do salário mínimo, durante 20 anos (FERNANDES, 2006a, s.p.). O engenheiro

Page 104: Onde Moram Os Pobres

104

e arquiteto Alfred Willer, um dos diretores da COHAB-CT na época da implantação

do empreendimento, conta que apenas 20% dos moradores da Vila eram oriundos

de favelas, sendo que estes representavam “a elite de uma favela que tinha a sorte

de ter um emprego fixo” (WILLER, 1991, p.133). A VNSL acabou por atender uma

demanda habitacional de pessoas que preenchiam os requisitos do BNH com uma

faixa salarial de três salários mínimos. Alfred Willer, embora afirme que o conjunto

tenha cumprido sua função social na época, expõe:

Se olharmos o presente e o futuro da habitação popular, estou convencido

de que enquanto não for erradicada a miséria e não houver uma melhor

distribuição de renda, sempre teremos favelas. Na busca de soluções

habitacionais, sempre vamos esbarrar na falta de poder aquisitivo. Não se

pode esperar que alguém, ganhando salário mínimo, encontre uma forma

de pagar uma prestação, por menor que seja. O problema não é

urbanístico, é sobretudo sócio-econômico (WILLER, 1991, p.133, grifos

nossos).

Figura 31. Foto da inauguração do loteamento em 1966. Em destaque no círculo, Presidente

Marechal Castello Branco.

Fonte: DUDEQUE, 2001.

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105

Figura 32. Foto aérea da Vila Nossa Senhora da Luz.

Fonte: GOOGLE EARTH, 2010.

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106

Israel Muniz, 61 anos, funcionário aposentado da Prefeitura Municipal de

Curitiba, atualmente é presidente da Associação de Moradores da VNSL (Fig. 33). E

não ganha nada por isso: trata-se de um trabalho voluntário. Faz parte também do

Conselho Local de Saúde. Em 1964, veio de Figueira (norte do Paraná) morar com

sua família em uma ocupação irregular junto ao Rio Belém. Ao ser entrevistado para

esta pesquisa, relembrou:

[...] tinha o rio Belém ali, tinha o valetão da Vila Lindóia, Vila Guaíra, e tinha

o inferninho do Santa Quitéria. E nós „se‟ alojamos ali no rio Belém. Hoje

seria perto do Jardim Botânico. E dali meu pai fez inscrição aqui na COHAB.

Até a COHAB foi na época lá pra tentar regularizar as favelas de Curitiba.

Mas não acabou com as favelas – só aumentou. [Sobre a VNSL] na

verdade foi feita pra „acabar‟ um pouco as favelas, mas daí abriu também

pro pessoal de baixa renda na época. Porque o pessoal vinha pra cá...

vinha aquele “exôdo” de gente.

Desde os nove anos de idade, Israel trabalhava junto ao pai como

pipoqueiro, continuando seu ofício em Curitiba até sua mudança para a VNSL ao

completar 16 anos.

Eu vendia pipocas na igreja do Perpétuo Socorro; vendia ali perto do antigo

campo do Ferroviário – hoje o Paraná – ali tinha um ponto. Até quando

minha família veio morar na Vila, a mudança veio no caminhão e eu vim de

lá pra cá empurrando o carrinho de pipocas e vendendo. Os 15 km!

Figura 33. Entrevistado Israel Muniz – atual presidente da Associação de Moradores.

Fonte: Arquivo pessoal da autora, 2011.

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107

E como já apontado na subseção 2.2, a segregação espacial forçada à

população de baixa renda amplia a segregação social da mesma. A VNSL foi

implantada no antigo bairro denominado Barigüi do Portão, onde hoje se localiza a

Cidade Industrial de Curitiba (inclusive foi um dos argumentos que Ivo Arzua utilizou

para justificar a escolha da região como o futuro distrito industrial, pois assim reuniria

as funções moradia e trabalho) (MENDONÇA, 1998, p. 28).

Willer, em depoimento de 1991, relatou como foi a escolha da área a qual

seria locado o conjunto. Após diálogo com a equipe do Plano Diretor em construção

[Plano Serete já descrito na subseção 3.2], chegaram à conclusão de que a “correta

localização” seria justamente na direção de expansão prevista pelo Plano (sentido

Bacacheri – Portão). Os técnicos da COHAB começaram então a investigar ofertas

de terrenos nesse eixo – algum relativamente plano, seco, alto, argiloso – e

acabaram se interessando por uma área junto à estrada velha de Araucária, numa

região de serrarias.

Era um grande pasto cercado por pinheirais, com uma vista bonita, uma

declividade suave de uns três por cento, às margens da ferrovia e de

propriedade da família Taborda Ribas. Pedimos ao prefeito Ivo Arzua a

desapropriação, o que foi imediatamente aceito. Logo foi delimitada a área

necessária, uns oitocentos mil metros quadrados, mas a desapropriação

demorou muito para acontecer. [...] Na época, a obra foi muito criticada,

como sendo muito afastada do centro, mas, hoje, pelo contrário, está muito

bem localizada. (WILLER, 1991, p.130).

Afirmar que a vila está “muito bem localizada” é algo muito relativo – são 15

quilômetros de distância da zona central. Pode-se dizer, sim, que hoje a VNSL

encontra-se completamente integrada à cidade no que diz respeito ao transporte

coletivo. Ônibus do tipo Convencional (que fazem uma ligação até o centro da

cidade) e Alimentador (aqueles que distribuem a partir dos terminais) permeiam a

Vila. No extremo sul foi implantado o terminal da CIC em 1980, onde há embarque e

desembarque de ônibus tipo Expresso (bi-articulados entre terminais) e o

Interbairros. Possui escolas, hospital, creche, associações de moradores e uma

administração regional (uma espécie de sub-prefeitura) próxima. Seu entorno é

composto por outros conjuntos habitacionais, sejam casas ou apartamentos, e

algumas indústrias. Entretanto, esta expansão é de certa forma recente e os

moradores da VNSL ficaram isolados por anos: sem infraestrutura, sem vizinhança,

sem água encanada muito menos sistema de coleta de esgoto. “[...] a paisagem se

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108

resumia a um núcleo de moradores da Rede Ferroviária, próximo da Estação

Barigüi, pequenos agricultores, bois pastando na imensa área de 800 mil metros

quadrados e o céu que nos protege” (FERNANDES, 2006a, s.p.).

Além de optarem por um terreno completamente isolado da malha urbana

central, o conjunto foi projetado seguindo os princípios modernistas da Carta de

Atenas. A idéia é que fossem totalmente auto-suficientes, com equipamentos

urbanos próprios (comércio, escolas, mercado, igreja, centro de saúde, etc.). As

obras resultantes de tais princípios “eram consideradas pequenas ilhas, como se um

disco voador que descia e se implantava ali” (WILLER, 1991, p.130). Contudo,

refletindo a realidade socioeconômica do “Terceiro Mundo”, apenas o isolamento se

configurou – e não a autonomia. A não-integração com a vizinhança gerou muitos

problemas, reproduzindo ou até intensificando a estigmatização sofrida nas favelas.

As primeiras impressões quanto à chegada à Vila são bastante similares:

desbravamento. O pioneiro Israel Muniz relatou em sua entrevista:

Parecia que a gente tava indo pra outra cidade. Só mato. Daqui o asfalto

vinha só até o Portão. Nem era asfalto, era paralelepípedo a República

Argentina. Então, vinha até mais ou menos por perto da São Jorge, por ali,

na descida da João Bettega. [...] Aqui tinha muita madeireira. A madeireira

que acabou com a floresta aqui no Paraná. Eles acabaram com a vegetação

do Paraná e depois foram se alojando no Mato Grosso, pra cima... Mas aqui

ficou muita madeireira mesmo.

Sobre a acessibilidade deficiente ao centro da cidade – ou à própria cidade

como já visto na subseção 2.2 – Israel recordou:

E no começo da VNSL o transporte era meio precário aqui. O ônibus

entrava só no começo da Vila nem entrava na Vila, entrada ali perto de

onde é o Portal. Depois de um ano mais ou menos. No começo nem ônibus

tinha. O pessoal pegava ônibus lá no Barigui. E tinha um trem que passava.

Tinha uma linha de trem que passava no Portão. E tinha uma estação

ferroviária aqui no Barigui. Chamava-se estação do Barigui mesmo. Esse

trem ia até Araucária, Contenda. O pessoal chamava esse trem de subúrbio.

Então ele parava de manhã cedo ali, apitava e os funcionários que iam

trabalhar na capital, no centro, embarcavam nesse trem às 6h30 e ia até a

estação central.

Para a doceira Iolanda Xavier Cazura não foi diferente. Em 1967, recém-

casados, Iolanda e seu marido deixaram o barraco na beira do trilho da Vila Guaíra e

foram morar na VNSL. Iolanda, em depoimento por ocasião dos 25 anos da CIC,

Page 109: Onde Moram Os Pobres

109

relatou a dificuldade de acesso nos primórdios da VNSL. Era necessário pegar o

trem na “Ponte Preta” [Rua João Negrão], descer na Estação Barigui [hoje extinta] e

andar alguns quilômetros a pé até a vila (MENDONÇA, 1998, p. 25). E, por fim,

Iolanda desabafou: “E lembrar que eu achava que ônibus nunca ia vir para nossos

lados, pois nem médico, farmácia, luz, asfalto e água tinha”. (MENDONÇA, 1998, p.

29).

João Marreiro fez parte da guarda-de-honra de Castello Branco quando da

inauguração. Depois de décadas vivendo na mesma casa, tornou-se um líder local.

“Castello Branco mal sabia – mas estava sendo protegido pelo sujeito que não só

acreditava no programa habitacional como seria uma espécie de presidente vitalício

da vila inaugurada com a pressa de quem tira o pai da forca” (FERNANDES, 2006a,

s.p.). João Marreiro relembrou: “Quando vim pra cá era só terra” (MENDONÇA,

1998, p. 50).

Júlia Patachi chegou à Vila em 1969 e também se assustou com o barro, já

que o pasto que protegia o solo foi capinado pelos primeiros moradores. “Eu levava

um calçado comigo para ir à cidade” (FERNANDES, 2006a, s.p.).

Elícia da Costa Pereira nasceu no dia 22 de agosto de 1933, na Bahia. Com

seu marido e filho de seis meses, veio tentar uma vida melhorar no norte do Paraná.

Após o nascimento de outros dois filhos, vieram para Curitiba. Moravam numa

pensão na Rua Comendador Araújo onde, segundo ela, viviam mais famílias pobres.

Fez sua inscrição na COHAB em 1964. “As irmãs da igreja falaram da Vila, que ia ter

uma vila, que era para a gente fazer inscrição e vir pra cá, que era mais para os

pobres. A gente foi e fez a inscrição e Deus ajudou, porque deu tudo certo”

(ANDONI, HIRATA, IKEDA, 2010, p.22).

Quanto à chegada na Vila, ela relembra: “Nossa, foi uma tristeza, „né‟.

Chegar numa vila que não tinha água, não tinha luz, não tinha morador nenhum, só

a gente, naquele mato, na escuridão. A gente sentiu que estava perdido. [...] Tinha

medo, muito medo. Meu marido ia trabalhar, levantava às quatro horas para ir

trabalhar, e eu ficava dentro de casa só com um lampiãozinho aceso. Dava graças a

Deus quando o dia amanhecia e o sol saía pra gente ver a luz do dia. É ruim ficar

sem luz”. Outras adversidades: “Tinha cobra, eles falavam que tinha cobra, eu

morria de medo, „né‟. Ficava em cima da cama com medo de pisar no chão, com

medo de vir um escorpião e morder”. E sobre a quitação do imóvel: “Nossa, nós

sentimos assim que nós „tava‟ no céu, que recebemos uma benção muito grande.

Page 110: Onde Moram Os Pobres

110

Porque eu gosto muito da Vila, o único lugar que eu consegui ter a nossa casa foi

aqui na Vila, „né‟” (ANDONI, HIRATA, IKEDA, 2010, p.23).

“Era um mundo sem ninguém”, classificou Pasqualina Paula de Lima. Ela e

o marido Agenor trabalhavam na lavoura, tornaram-se favelados e, quando tiveram a

oportunidade, passaram a residir à Rua Santo Ulrico nº 36 da VNSL. Entre as

recordações do passado, Pasqualina resgatou: “a gente tinha que andar tanto que

inchava o pé. Era muito sacrifício pra cuidar dos filhos e Frei Miguel era nosso

médico, nosso professor, nosso santo”. (MENDONÇA, 1998, p. 50).

Citado por Pasqualina, Frei Miguel Botacin foi um religioso com formação em

Psicologia o qual dedicou grande parte de sua vida a essa comunidade. Figura

carismática, com uma paciência digna de um Capuchinho, foi um guia não só

espiritual como também cultural dos moradores. O entrevistado Israel Muniz contou

sobre a devoção popular:

O Frei Miguel era padre e era exorcista. Vinha gente do interior, do Norte,

de Ponta Grossa. Ele tinha autoridade do Arcebispo e do Papa pra fazer

exorcismo. E ele benzia as crianças. O pessoal acreditava. O pessoal „tinha

ele‟ como um santo. Então, se alguém ficava doente, levavam pro Frei

Miguel benzer.

Para entender melhor o processo de ocupação da área e a relação entre

seus moradores é essencial levar em consideração os relatos de Frei Miguel. Este

expunha que o povoamento do conjunto habitacional foi feito sem preparação prévia

das famílias e também não houve acompanhamento posterior (BOTACIN, 1991,

p.316). Por exemplo, as casas possuíam todas as instalações hidráulicas, mas nos

primeiros anos a água não saía pelas torneiras: tinham que ir buscar água no

Barigui. O vaso sanitário virou artigo de decoração quando não era arrancado e

vendido. As casas também foram entregues com um fogão de duas bocas, mas

alguns tiveram que, ironicamente, vendê-lo para ter o que comer. Arrancavam a

porta ou os tacos do assoalho para fazer lenha. Sobre a batalha pela água, Israel

Muniz narrou:

Quando foi instalada a VNSL criou-se aqui uma Companhia, chamava-se

SUVILUZ. A SUVILUZ era uma autarquia municipal pra gerenciar a Vila, pra

começar a organizar a vida do pessoal da Vila, arborizar a Vila, trabalhar

nas praças – porque a Vila tem 12 praças. São 12 espaços que o pessoal

chamava de praça. Hoje são praças mesmo porque tem cancha de futebol,

tem equipamentos. Mas antigamente „era‟ um descampado essas praças aí.

Page 111: Onde Moram Os Pobres

111

E essa SUVILUZ recebia o dinheiro que a Prefeitura repassava e ela

gerenciava aqui. E ela cuidava também da distribuição de água. Porque a

água aqui na VNSL não era ligada, não existia a SANEPAR naquele tempo,

era uma outra companhia no lugar. Era uma tal de COMISA – Companhia

Mista de Saneamento de Curitiba. Isso mais ou menos em 66 ou 67 por aí.

Daí tinha uma caixa d‟água que a própria COHAB construiu. Onde hoje é a

associação beneficente do seu João Marreiro. Essa água era canalizada do

rio Pulador. O rio Pulador no Barigui onde hoje tem um Porto Seco ali. Ali

passa um córrego. Daquele rio ali era coletada a água e era usada na

VNSL. E quem fazia o tratamento dessa água era um dos funcionários

dessa companhia mista. [...] Foi nessa caixa d‟água que o presidente da

república veio inaugurar a vila. (Fig. 34) Existia a rede de encanamento,

mas como a água era por nível, a água acabava não chegando „em‟ todas

as casas. Então o pessoal ia buscar a água ali, onde é a associação do Seu

João Marreiro. Ali tinha uma cerquinha de arame e os tratadores, os

funcionários da casa distribuíam de mangueira. E dava muita briga, a

mulherada ia buscar de balde, outros iam com tambor. Muitas brigas de

mulherada que queriam lavar roupa ali. [...] O meu pai mesmo trabalhava de

carroceiro. Ele arrumava uns tambores, colocava na carroça e saía

vendendo água pro pessoal aí. Ele que ia buscar água pro pessoal.

Figura 34. Caixa d‟água relatada por Israel.

Fonte: Arquivo pessoal da autora, 2011.

Page 112: Onde Moram Os Pobres

112

Assim também, reforçando o depoimento de Frei Botacin, o roubo de vasos

sanitários ou torneiras passavam pelo relatório de Israel:

Eu cheguei aqui na vila e trabalhei um mês de pipoqueiro e daí um senhor

que trabalhava nessa SUVILUZ me convidou pra trabalhar lá. Daí eu

comecei a trabalhar. Eu que entreguei as chaves das casas para os

moradores. Eu tenho muito conhecimento da Vila Nossa Senhora da Luz

porque eu fui um dos primeiros. O povo chegava „na‟ COHAB, pegava a

requisição pra receber a casa e eles vinham aqui na Vila. Essa

superintendência designou um funcionário pra mostrar as casas. Então eu ia

com uma guia e anotava, antes da pessoa entrar na casa, se os tacos não

estavam soltos, se as torneiras estavam lá, uma vistoria, „né‟?! Tirava uma

guia e enviava para a COHAB porque as pessoas vinham daqui a uma

semana pra ocupar a casa. E a própria COHAB, se alguém tinha roubado o

vaso, tava sem torneira, ou a própria construtora tinha deixado de colocar os

acessórios da casa, eles acabavam colocando.

De acordo com documento do IPPUC na década de 1970: “A resistência, a

rejeição, a revolta transfigurada em violência por parte dos moradores da Vila Nossa

Senhora da Luz, convenceu os técnicos de que estes sujeitos não estão preparados

para decifrar na nova casa às reais necessidades do homem urbano” (SOUZA,

2001, p. 1612). Realmente, algumas atitudes eram condizentes com o despreparo

para a vida urbana de alguns recém migrados do campo. Entretanto, cabe ressaltar

o analfabetismo generalizado, a revolta pelo isolamento e, principalmente, falta de

condições materiais. “A origem dos problemas da Vila foi a política de segregação de

uma população homogênea, do ponto de vista social e cultural” (BOTACIN, 1991,

p.318). O abandono fez crescer a violência.

Embora com o advento da CIC o destino dos moradores tenha melhorado,

pois, desde que alfabetizados, muitas oportunidades de trabalho foram abertas para

eles, a Vila permaneceu como presença constante no noticiário policial, sendo mais

conhecida por seus bandidos do que por seus problemas de infraestrutura.

(MENDONÇA, 1998, p. 49). Sobre a questão da criminalidade, Israel Muniz

desabafou:

A Vila sempre foi marginalizada. Até um pouco dessa culpa é a culpa da

imprensa também. Porque o que acontece na Vila acontece também em

outros lugares, às vezes até com maior intensidade que a gente sabe. Eu

não gostaria de citar. Mas a gente sabe – como é o caso da Vila Trindade

ou outras vilas que são muito mais violentas que a VNSL. Mas como aqui

sempre teve esse perfil de vila violenta. Então acontecia tipo um crime lá no

Page 113: Onde Moram Os Pobres

113

Barigui ou um crime no Vitória Régia e o jornal colocava: “crime na CIC”. E

como a VNSL foi o início da CIC, o pessoal já ligava. A própria imprensa

gosta de relacionar. Aconteceu crime na CIC e as pessoas ligam muito a

VNSL à CIC. Não que a gente esconda. A gente tem problema e grande. A

gente não encobre. Mas é muito diferente das outras.

Contudo, a violência sempre fez parte do cotidiano da VNSL. Segundo Frei

Miguel, em média, duas pessoas eram assassinadas por dia na Vila. (BOTACIN,

1991, p. 314). Assim, o medo que as pessoas tinham dos vilanos era até justificável.

“Quando algum morador daqui ia à „cidade‟, não falava que era da Vila Nossa

Senhora da Luz, falava que era de São Jorge, do Portão, porque era „feio‟ ser da

Vila” (BOTACIN, 1991, p. 316). Da mesma forma, Israel confirmou:

Você sabe que a VNSL sempre foi muito marginalizada até pelos próprios

moradores. Porque as pessoas se envergonhavam de morar na VNSL. Eu

conheci amigo meu que, às vezes, pra fazer inscrição numa firma, ou fazer

um cadastro, eles tinham vergonha de dizer que moravam na Vila. E eu

como líder sempre procurando dizer: “ó, vocês tem que valorizar o teu lugar.

Vocês têm que resgatar a tua cidadania...”

E a história de insegurança da VNSL sempre esteve associada às drogas –

hoje as ilícitas, no passado o álcool. De acordo com Frei Miguel, naquele tempo

quase um quarto da população residente sofria de alcoolismo. Muitas atitudes

descabidas foram impulsionadas por graus etílicos. O Frei relata ironicamente: “E

não se podia contar nem com a polícia, porque ela não entrava na Vila, ficava com

medo. A única coisa que a polícia fazia era buscar aqueles que tinham sido mortos.

Hoje a polícia já vem à Vila, depois de dois dias de ter sido avisada ela vem”

(BOTACIN, 1991, p.313). Israel lamentou as conseqüências atreladas ao uso de

entorpecentes:

Eu conheci muitos amigos meus que foram presos; muitos se regeneraram,

outros morreram mesmo. Outros acabaram sendo bandido. Muitos filhos de

amigos meus. Na época era o alcoolismo; hoje, as drogas, o crack – que é

muito mais violento. [...]. Hoje o que „tá‟ morrendo é jovem. Eu „tava‟ fazendo

uma média no jornal. Agora esses dias aí. Os jovens com 23 anos, 19, 17

anos tão tudo morrendo. Eu tive uma entrevista com um tenente da polícia

que veio tomar café aqui comigo. Ele mesmo falou que a VNSL não era a

mais violenta. No ranking, era a sétima vila. Eles tinham esse trabalho,

tinham uma pesquisa interna da policia. E ele me contando, fiquei até meio

horrorizado, que dessa clientela quase 80% dos jovens morrem. Quando

não morrem na mão do traficante, morrem na mão da polícia ou morrem de

Page 114: Onde Moram Os Pobres

114

AIDS porque faz uso de seringa compartilhada, „né‟?! Então é duro. Num

universo de 100, oitenta não chega a viver. Então... Mas a gente sempre

conviveu com esse tipo de coisa aqui na vila, sabe?! Eu criei meus filhos

todos aqui. Tenho duas filhas que „é‟ formada. Tenho um filho que „tá‟

estudando. Nunca se envolveram. Meus filhos não bebem, não fumam.

Então acho que vai muito também da criação familiar.

Para Frei Miguel é impossível apontar vilões isolados: a criminalidade foi

decorrência de um fracasso da política habitacional vigente.

Então, havia e com certa razão, um estigma sobre a Vila. Acontece que não

houve nenhuma preparação para essa pobre gente. As pessoas culpam

diretamente essa gente que veio morar aqui: eu, porém, dou culpa às

autoridades, porque se tivessem preparado um pouco. Imagina, em vinte e

quatro horas se coloca dentro de um lugar 15.000 pessoas. É aquela velha

história: tinha-se que fazer a inauguração porque vinha o Presidente

Castelo Branco. (BOTACIN, 1991, p.316)

Foram 18 meses de obras até a conclusão do conjunto. Ao todo, eram 2115

lotes de 10x20m já com as unidades habitacionais construídas sendo estas apenas

de dois tipos – uma com 21 e outra com 50m². O primeiro modelo de casa (CT-1-21)

possuía um quarto, sala, cozinha e banheiro (Fig. 35 e 36); o segundo (CT-5-25),

dois quartos, sala, cozinha, banheiro e um sótão habitável (Fig. 37, 38 e 39).

Figura 35. Planta e corte do modelo de casa CT-1-21.

Fonte: DUDEQUE, 2001.

Page 115: Onde Moram Os Pobres

115

Figura 36. Foto das unidades - modelo CT-1-21.

Fonte: Acervo particular Alfred Willer, GONÇALVES, 2008.

Figura 37. Foto interna do sótão - casa CT-5-25.

Fonte: DUDEQUE, 2001.

Page 116: Onde Moram Os Pobres

116

Figura 38. Planta e corte do modelo de casa CT-5-25.

Fonte: DUDEQUE, 2001.

Figura 39. Foto das unidades - modelo CT-5-25

Fonte: Acervo particular Alfred Willer, GONÇALVES, 2008.

Israel enfatizou que, naquele tempo, as coisas eram bem difíceis na Vila.

Não havia infra-estrutura implantada – apenas os dois tipos de casa: as pequenas e

as grandes. “Que nunca foi casa grande. O pessoal chamava de casa grande”.

Apenas algumas casas finalizadas com recurso norte-americano da USAID (Agência

Norte-Americana para o Desenvolvimento Internacional) tinham um acabamento

diferenciado.

Page 117: Onde Moram Os Pobres

117

Às vezes a mulher vinha com a família e o marido ficava trabalhando ainda.

Chegava à noite ele não sabia nem onde era a casa dele. Tinha que ficar

procurando. Como as casas eram todas iguais, um acabava entrando na

casa do outro.

Israel e sua família ocuparam uma das casas menores, de 21m². “Só tinha

uma cozinha pequenininha, uma sala, um quartinho e um banheirinho. Era pra morar

umas duas pessoas e tinham dez pessoas morando numa casa dessas. [...] Já

naquela época.” Após seu casamento, Israel passou a habitar uma das “casas

grandes” (com o sótão) situada à Rua Orlando Luis Lamarca, nº 745. (Fig. 40, 41 e

42)

Os técnicos da COHAB tentaram criar uma arquitetura “genuinamente

paranaense” inspiradas nas casas de colonos da periferia. A parte debaixo era de

tijolo caiado de branco e os sótãos em madeira, como um reflexo simplificado dos

métodos construtivos mais corriqueiros em Curitiba. A madeira pré-cortada

proporcionava a construção de residências em larga escala e com custo reduzido. A

princípio, o BNH não queria financiar o projeto por julgar que “o uso da madeiras era

um luxo desnecessário que encareceria as construções” (DUDEQUE, 2001, p. 244).

Contudo, os técnicos provaram que a madeira era um material ainda abundante e

barato na capital paranaense e o financiamento foi liberado.

Figura 40. Fotos da residência de Israel Muniz e família.

Fonte: Acervo particular da autora, 2011.

Page 118: Onde Moram Os Pobres

118

Figura 41. Israel Muniz em frente da escada de acesso ao sótão.

Fonte: Acervo particular da autora, 2011.

Figura 42. O sótão mobiliado utilizado como quarto de um dos filhos de Israel.

Fonte: Acervo particular da autora, 2011.

Alguns problemas foram detectados pelos técnicos já na fase projetual,

como o tamanho reduzido das unidades e a monotonia tipológica – “Fazer 2.100

casas de dois tipos só não fica satisfatório” (WILLER, 1991, p.130) –, porém eram

limitações impostas pelo BNH. Willer relembra:

Page 119: Onde Moram Os Pobres

119

Veio o presidente inaugurá-las. O Marechal Castello Branco fez questão de

subir ao sótão de uma delas. A escada não era nada confortável. Como eu

estava ciceroneando me mandaram subir junto. O espaço era muito

pequeno e não foi possível os seguranças subirem também (WILLER, 1991,

p.131). (Fig. 43)

Figura 43. Foto do Presidente Marechal Castello Branco visitando o sótão de uma das unidades.

Fonte: DUDEQUE, 2001.

A alegação era que as casas representavam apenas o mínimo necessário

para uma família se instalar, já contando com a parte mais cara pronta – as

instalações hidráulicas. As origens sanitaristas do urbanismo moderno ditavam aos

planejadores curitibanos que a célula “mínima desejável” seria o recinto sanitário, a

partir do qual tudo poderia evoluir (SOUZA, 2001, p. 1613). Assim, as unidades

entregues deveriam funcionar como embriões para o desenvolvimento particular.

Além do mais, na imaginação dos técnicos, tais embriões habitacionais conteriam

em estado rudimentar o potencial normativo, funcionando como “um anticorpo,

curando o órgão afetado por patologias e o integrando ao corpo social saudável”.

(SOUZA, 2001, p. 1613). Alfred Willer conta:

[...] ela servia de um elemento inicial para um crescimento simétrico

futuro da casa, então tinham terrenos com tamanho suficiente, tinha lotes

com tamanho suficiente para a casa crescer. Então, a idéia era: o

morador se instalava lá, ganhava o embrião, que era a parte mais complexa

da casa, e ele, com seus próprios recursos, a ampliava, puxava mais um

quarto, puxava uma área de serviço, aumentava a sala e assim por

diante. (WILLER, 1991, p.131, grifos nossos)

Page 120: Onde Moram Os Pobres

120

Um relatório do IPPUC de 1978 sobre Política Habitacional de Interesse

Social expunha, sob a ótica da administração de então, a experiência curitibana no

assunto:

"[...] as casas não foram construídas de acordo com a concepção que se

tem a respeito do que seja uma moradia completa. Elas foram projetadas e

realizadas a partir da ótica e das possibilidades do morador. (...) assim, em

principio, o morador recebe apenas um embrião de residência, dotado, é

claro, do que é mais essencial. Depois, e em decorrência do processo

natural de integração - ele amplia essa unidade básica" (IPPUC, 1978,

apud SOUZA, 2001, p. 1612, grifo do autor)

De fato as alterações vieram. Era necessário expandir. “Reformar o

„predinho‟” tornou-se uma espécie de atestado de que “os tempos de penúria

passaram” (FERNANDES, 2006a, s.p.). Israel corroborou com esta afirmação:

Hoje o pessoal tem orgulho de morar aqui. Então passaram a respeitar, a

melhorar seus imóveis. É que os primeiros moradores não tinham nem

condição financeira e também não procuravam investir nos seus imóveis.

Hoje a VNSL é outra Vila. O perfil de construção é outro. E com o tempo

então, como a maioria das pessoas que veio pra cá, financeiramente tinham

poucas condições, quando o filho casava acabava fazendo uma casinha

nos fundos. Casava outro filho, mais uma pecinha. Então a VNSL virou três

Nossa Senhora da Luz. E tudo irregular, ninguém tirava alvará. Uma

situação que não era regularizada. „Se chega em‟ lote que eu conheço que

tem duas a três „meia-água‟ com três filhos morando ali. Até porque não

tinha condições. Mais difícil adquirir imóvel ainda. Então em terrenos de 9 x

18 tem 2 ou 3 casas.

Muitas modificações foram efetuadas também por não assimilação da

linguagem das residências criadas, principalmente as com sótãos habitáveis, uma

vez que referenciavam uma identidade rural (a origem de grande parte dos

moradores, porém aspirantes de um reconhecimento urbano) (DUDEQUE, 2001,

p.246). Nos relatos de Frei Miguel também se encontra referência às ampliações:

Depois a Vila foi crescendo, cada família foi se multiplicando e continuando

a morar na mesma casa. Fazia um puxadinho, um quartinho, e casava o

filho e a filha. Em algumas casas se encontravam, às vezes, até quatro

famílias. Mas, felizmente, quando isso começou, a vida na Vila já tinha

melhorado um pouquinho. E nós demos nossa contribuição; trabalhamos

como porta-vozes da Vila. Fui várias vezes falar com os prefeitos. Uma vez

fui falar com um prefeito (não vou dizer o nome) e ele disse: “a Vila tem até

demais”. Então eu disse: “por que você não vem morar lá; venha morar e

Page 121: Onde Moram Os Pobres

121

veja quanto tempo o senhor agüenta”. Ele me olhou um bocadinho e disse:

“sabe que o senhor tem razão, eu não teria coragem de morar na Vila”.

(BOTACIN, 1991, p.317)

Contudo as ampliações não saíram exatamente como o imaginado pelos

técnicos: seguindo o potencial normativo do embrião. Como visto no capítulo 3, já

existia um Código de Obras e Posturas vigente para o restante do município.

Entretanto, as casas concebidas como unidades-embrião foram ampliadas ao gosto

do proprietário, caracterizando uma expansão desordenada. Não houve um

monitoramento estreito em seu crescimento e evolução. “Olha, eu não sei como isso

aconteceu na Nossa Senhora da Luz: tudo fora, „né‟?!”, constatou com certo ar de

conformismo o senhor Israel Muniz.

Realmente são raras as casas que mantiveram o desenho, a metragem

original, ou outros elementos do projeto inicial como as janelas de madeira, as

taramelas, o forro dos primeiros tempos (Fig. 44, 45, 46, 47, 48, 49, 50 e 51). Com

isso, a situação atual é que a imensa maioria dos lotes encontra-se em situação

irregular considerando os parâmetros atuais de uso e ocupação do solo: muitos com

processos fiscalizatórios e outros tantos com inventários e financiamentos

bloqueados devido à irregularidade. Sobre a questão da paisagem resultante, o

doutor em Planejamento Urbano, Eduardo Yázigi afirma:

Ninguém disse, mas parece estar no inconsciente cultural coletivo, neste

Brasil pelo menos, aquela conhecida expressão de anúncios imobiliários,

identificando e separando o “lado nobre” do “resto”. Resto são os pobres, a

feiúra e o desleixo para com a cidade, que não exclui, também, grande

proporção de pessoas bem postas. No “resto” incluem-se lugares

considerados indignos de nobreza, que não respeitam a si próprios. Desde

então, zonas industriais, comerciais, portuárias, atacadistas e muitas outras

especializações, por não serem lugar de moradia, são tratadas com

desprezo, tanto quanto bairros operários. Somadas, essas áreas ocupam

imensas superfícies subtraídas de ambientação, justamente porque não se

realiza que ambiente é relação e relação não deve ser deteriorada, mesmo

numa área industrial! (YÁZIGI, 2003, p.294, grifo nosso)

Não que a simples regularização dos imóveis resulte em uma melhora na

paisagem global, mas sim, uma mudança de foco, uma atenção maior por parte do

poder público, um embasamento mais consistente na exigência de seus direitos uma

vez que seus deveres foram cumpridos.

Page 122: Onde Moram Os Pobres

122

Figura 44. Foto de algumas casas as quais se pode identificar o projeto-origem e as ampliações.

Fonte: VIANNA, 2010.

Figura 45. Algumas casas que ampliaram no recuo à frente do projeto-origem.

Fonte: VIANNA, 2010.

Page 123: Onde Moram Os Pobres

123

Figura 46. Foto de uma das ruas da Vila – estreita e emparedada.

Fonte: Arquivo pessoal da autora, 2011.

Figura 47. Residências antigas ao lado de grandes ampliações diretamente no recuo.

Fonte: Arquivo pessoal da autora, 2011.

Figura 48. Residências e comércios ampliados.

Fonte: Arquivo pessoal da autora, 2011.

Page 124: Onde Moram Os Pobres

124

Figura 49. Edificações completamente descaracterizadas.

Fonte: Arquivo pessoal da autora, 2011.

Figura 50. Edificação com três pavimentos no recuo frontal.

Fonte: Arquivo pessoal da autora, 2011.

Figura 51. Obras em andamento.

Fonte: Arquivo pessoal da autora, 2011.

Page 125: Onde Moram Os Pobres

125

A figura 52 mostra um quadro referente ao Setor Especial de Habitação de

Interesse Social – SEHIS – presente na Lei nº 9800/2000, que dispõe sobre o

zoneamento, uso e ocupação do solo no município.

Figura 52. Quadro extraído da Lei 9.800/2000 com parâmetros de SEHIS.

Fonte: CURITIBA, 2011.

Em SEHIS, o que engloba a VNSL, é permitido construir edificações para

habitações unifamiliares (no caso, até três unidades por lote) e comércios e serviços

vicinais, de bairro ou setoriais (atendendo ao porte máximo de 100m²). O coeficiente

de aproveitamento é limitado a 1 – ou seja, é permitido construir uma vez a área do

lote. Quanto à taxa de ocupação, a qual determina a proporção entre cheios e vazios

dos lotes, calculada com base na área de projeção da edificação, o limite é de 50%.

A altura máxima está limitada em dois pavimentos (10 metros – sendo que subsolos,

sótãos e áticos não contam como pavimentos, mas devem atender os 10 metros).

Não há taxa de permeabilidade mínima. Dos parâmetros vigentes para o setor,

apenas o recuo frontal mínimo foi alterado (de 5m para 3m) em relação ao início da

Vila. De acordo com Israel, foi uma reivindicação dos proprietários locais:

Até a área de recuo aqui da Vila é toda complicada. Os comércios estão

todos fora de padrão. Através da associação comercial uma época nós

tentamos trazer o recuo pra frente. Nem sei como ficou. O recuo era de 5m

agora parece que é 3m. [...] Porque tava tudo fora das normas.

Page 126: Onde Moram Os Pobres

126

Embora raros, também é permitido construir habitação institucional

(albergue, alojamento estudantil, asilo, convento, seminário, internato e orfanato) e

comunitário 01 (berçário, creche, pré-escola, escola especial e espaços para

assistência social), porém para tais usos os parâmetros são reduzidos (coeficiente

de aproveitamento de 0,6, taxa de ocupação de 30%, recuo frontal de 5m,

afastamento das divisas de 2,50m e taxa de permeabilidade mínima de 25%).

Um estudo5 realizado pelo IPPUC em 2000 levantou dados sobre a

ocupação da Vila em relação aos parâmetros básicos exigidos [Anexo 1]. Lote a lote,

verificou-se a disparidade entre o projeto inicial, a legislação proposta e a situação

real. Em apenas 55% dos lotes levantados, mesmo que parcialmente, podiam-se

identificar as casas-embrião como remanescentes. Menos da metade dos lotes

atendia o recuo frontal obrigatório sem construção – não entrando no mérito se

ajardinado (exigido por lei) ou não. Em nove unidades havia um terceiro pavimento

já construído. De 451 lotes pesquisados, apenas 23 atendiam a taxa máxima de

ocupação de 50% - 174 estavam entre 50 e 75% e o restante com taxa de ocupação

superior (Fig. 53).

Tomando o mesmo recorte dos 451 lotes (no caso, 450, pois dois deles

foram unificados) situados nas quatro principais ruas da Vila, onze anos depois,

efetua-se um novo estudo [Anexo 2]. Por intermédio da análise da existência ou não

de alvarás aprovados pelo Município, comparando-os com as metragens indicadas

pela Secretaria de Finanças (a mesma usada para compor o IPTU). Pode-se

constatar uma leve melhora no número de lotes regularizados (no total, 30 lotes)

(Fig.54). Entretanto, no geral, ocorreu um aumento do volume construído. A

percentagem mínima de lotes regularizados face ao universo amostrado remete à

constatação da enorme dificuldade em se adequar a construtibilidade aos códigos

estipulados pelo Estado – seja por falta de recursos financeiros, seja por falta de

espaço, seja por falta de estímulo.

Como já visto na subseção 2.4, a aprovação da edificação se faz necessária

para a averbação da mesma em matrícula de Registro de Imóveis. Ao averbar a

construção, agrega-se valor ao imóvel; um patrimônio adquirido. E sem a

documentação da edificação, não há como inventariar, financiar nem deixar como

garantia em empréstimos. De certa forma, trata-se de um patrimônio preso.

5 Levantamento realizado na íntegra pela autora em 2000 quando estagiava no IPPUC, Setor de

Política Urbana.

Page 127: Onde Moram Os Pobres

127

Figura 53. Mapa mostrando levantamento realizado em 2000 sobre taxa de ocupação de lotes da

VNSL.

Fonte: IPPUC, 2000.

Figura 54. Mapa indicando levantamento atual de lotes regularizados da VNSL.

Fonte: Levantamento realizado pela autora, 2011.

Page 128: Onde Moram Os Pobres

128

José Dirceu de Matos, administrador da Regional da Cidade Industrial de

Curitiba desde sua inauguração em março de 2005, confirmou que um dos maiores

problemas da Vila é a questão da regularização dos imóveis. Dirceu, como é

normalmente chamado, afirmou que a Vila está consolidada, sem espaços abertos

disponíveis nem para equipamentos públicos. Salientou a necessidade da revisão

dos parâmetros de uso e ocupação do solo principalmente devido ao tamanho

reduzido dos lotes.

No caso da Cidade Industrial, mais especificamente da Nossa Senhora da

Luz, que é mais adensada, eu acho que tinham que ser revistos esses

parâmetros da construção. Primeiro os imóveis são muito pequenos; as

famílias – nós já estamos praticamente na terceira geração de quando foi

ocupado/inaugurado até hoje – as famílias cresceram. Eles já fizeram todas

as ampliações e hoje não tem espaço quase nenhum. Pra implantar

comércio precisa fazer a demolição dessas residências, que é o que a gente

percebe. Então, o que eu vejo é que a legislação, em função do tamanho do

terreno, ela engessa o crescimento da Vila, porque assim não vai mudar a

Vila nunca. Se não houver um avanço na legislação, uma abertura na

legislação, que possa contemplar mais o potencial construtivo, a Vila nunca

vai mudar e, outra, nós vamos estar na verdade contingenciando um núcleo

de pobreza permanente.

José Luiz de Mello Filippetto é diretor de Fiscalização da Secretaria de

Urbanismo de Curitiba há oito anos. Trabalhando diariamente com situações de

irregularidade urbanística, Filippetto afirmou que os parâmetros construtivos hoje já

não cabem mais para o Setor de Interesse de Habitação Social devido às pequenas

dimensões dos lotes rivalizando com o aumento do número de residentes.

Não cabem mais hoje essas famílias dentro daqueles terreninhos de 120 a

180m² com taxa de ocupação de 50% e recuo de 3m. Essa taxa de

ocupação tem que ser revista. A questão do alinhamento predial é um geral

em todas as SEHIS, em basicamente todas elas. Então, são parâmetros

que impossibilitam a regularização das edificações. E é a mesma questão

pro comércio. Não adianta pensar nessas áreas como estritamente

habitacional. Tem que existir aquele pequeno comércio pra dar suporte a

essa comunidade. E mesmo esse comércio com 100m² às vezes tem um

recuo que inviabiliza. E pedir estacionamento ainda em cima disso:

impossível! Então a gente entende que tem que haver realmente uma

revisão da legislação pra absorver a realidade do local. E a realidade do

local é taxa de ocupação de 75% no mínimo, construção no alinhamento

predial, isenção de estacionamento em relação aos pequenos comércios

instalados nessas áreas. [...] Talvez até um terceiro pavimento deva chegar.

Que os dois pavimentos hoje a gente já nota também que já não é mais

Page 129: Onde Moram Os Pobres

129

uma característica isolada, uma situação isolada. O pessoal já está partindo

para um terceiro pavimento. [...] Esse é o meu entendimento. Acho que se a

gente apurar mais a fundo tem coisas que tem que ser mais flexibilizadas.

Após propor parâmetros diferenciados além do que hoje é permitido,

Filippetto mostrou seu entendimento sobre um parâmetro específico, permeabilidade

mínima (que hoje não é exigida em Setores de Habitação de Interesse Social), o

qual deve ser repensado devido à gravidade da questão ambiental assim como do

impacto direto, inclusive danos materiais, para a Vila:

Uma coisa que é importante manter, no meu entendimento, mas é

complicado, eu sei, é a questão de permeabilidade. A permeabilidade eu

acho que é um tópico que tem que ser muito bem avaliado. [...] Qualquer

chuva pode causar alagamentos. Então essa questão da permeabilidade é

uma questão que tem que ser estudada com muito cuidado.

Na opinião de Dirceu de Matos, com o aumento do potencial construtivo da

área haveria automaticamente uma elevação de valor do imóvel, beneficiando a

população local de baixa renda:

Já que ninguém está disposto a dar dinheiro pra ninguém, pelo menos

através da legislação em uma canetada o Prefeito pode autorizar o aumento

do potencial construtivo e aí, ao mesmo tempo, é como se você tivesse

dando dinheiro direto praquela família. A gente está melhorando a condição

de vida daquela família.

Dessa forma, os moradores poderiam usufruir desta edificação ampliada ou

vender o imóvel possibilitando a construção de algo diferente, segundo o

administrador regional, favorecendo uma diferenciação tipológica das unidades.

Dirceu colocou que uma alternativa seria a verticalização – aumentar o número

máximo de pavimentos permitidos que atualmente limita-se a dois – desde que

respeitados índices mínimos de iluminação e ventilação. Para tanto, seria necessária

a unificação de dois ou três lotes. Já em relação às construções no alinhamento

predial, rivalizando os três metros obrigatórios para o Setor de Habitação de

Interesse Social e a não obrigatoriedade (recuo zero) para a Zona Central,

questionou:

E quem consegue comprar no centro? Não é gente rica? Então isso é

privilégio de rico? Então, duas pontas antagônicas, rico e pobre, tratados

Page 130: Onde Moram Os Pobres

130

com o mesmo direito. Rico pode. „Tá‟ no centro, pode no alinhamento. Por

que lá na pobreza, esse sim que precisa, não pode?

Após reivindicar igualdade de direitos entre as regiões da cidade ao falar

sobre recuo frontal, seguiu com uma aparente contradição – solicitando tratamento

diferenciado aos diferentes – mas que se enquadra dentro de uma idéia geral de

equidade.

E é diferente você ter uma legislação da Vila Hauer, onde eu moro, e a

mesma – é que lá o terreno tem 15 por 50 – com a mesma legislação dos

terrenos com metragem de 06 por 20, 8 por 20, 10 por 20. É muito diferente.

Não pode ser o mesmo potencial.

Para José Filippetto, ao ser questionado sobre a possibilidade de se realizar

uma “anistia” geral, o diretor se posicionou contrário e defendeu a qualidade de vida

da comunidade em geral, para que os espaços produzidos não sejam insalubres.

Nós temos que fazer adequações à legislação pra propiciar a regularização.

Esse propiciar a regularização não significa que tudo que está de errado

será aceito. [...] Não tem como ter uma taxa de ocupação de 100% e ter

qualidade de vida nessas edificações. Mesmo porque em função do

tamanho do lote você dar uma taxa de ocupação de 100% você ta

confinando aquilo ali num caixote sem condição de nada. É de se chegar

até um nível satisfatório que possibilite a regularização desses imóveis, mas

preserve um mínimo pra condição de habitabilidade, qualidade de vida e até

de planejamento urbano da cidade. Quem extrapolou aquilo vai ter que

rever.

Da mesma forma, colocando-se contra a anistia, Dirceu de Matos fez a

elaboração de uma proposta de contrapartida financeira por parte daqueles que

construíram além do permitido e que necessitam regularizar, uma vez que o não

cumprimento à legislação vê-se em toda a cidade e não somente na CIC. Inclusive

citando a similaridade com um instrumento previsto no Estatuto das Cidades – o

Solo Criado – do qual Curitiba já se utiliza.

Então por que não se pode colocar um pedágio pra contemplar o sistema

ambiental? Então assim, coloca-se um pedágio. Quer regularizar? Construiu

a mais? Regulariza sem problemas só que você vai pagar à Secretaria de

Meio Ambiente para ela comprar áreas verdes. [...] IPTU diferenciado pra

quem construiu além do que é previsto na legislação. Lógico que com um

limite também. Uma flexibilização, não uma anistia. Além dos 50%, você

pode construir 70 só que esses 20 „vão no‟ teu IPTU, vai onerar tanto pra

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131

você. Daí regulariza um monte na cidade inteira. [...] Da mesma forma como

tem hoje o Solo Criado, mesma coisa.

Indagado sobre a possibilidade de se inverter a dinâmica – onerando já o

cidadão irregular no IPTU, como uma forma de notificação, e à medida que ele

regularize, retirar-se-ia esta taxa – Dirceu hesitou:

Eu acho que ainda não é hora. Ainda vai mais uns 05 ou 06 anos pra

chegar nesse caso. Mais uns 05 ou 06 anos nós não vamos ter mais áreas

livres em Curitiba, não vamos ter nada. Quem tem, tem! Daí o valor ta lá em

cima, e daí chega a hora de regularizar. Por enquanto ainda está em

desenvolvimento, em crescimento. Mas daqui uns 05 anos tudo isso acaba.

Tudo pronto, consolidado. Aí é hora de pegar pra regularizar mesmo.

Quanto à argumentação da autora/entrevistadora sobre a dificuldade em se

adquirir através de financiamento um imóvel antigo nos Setores de Habitação de

Interesse Social (devido sua irregularidade urbanística), tendendo à expulsão da

classe baixa da capital para a RMC, ele discordou. Dirceu avalia a situação como

uma forma de investimento a médio ou longo prazo por parte daqueles que se

deslocaram para regiões com pouca infra-estrutura.

Mas isso é muito relativo porque, você veja bem, hoje um imóvel na CIC que

custa 100 e ele tem 300m². Ele pega esse dinheiro e compra na periferia

1000m² e a cidade vai chegar lá também. Então ele cresceu. Porque

quando ele vendeu por 200 reais, porque com o mesmo dinheiro ele compra

1000m² fora e o dia que ele revender ele vai pegar 600, 700, porque a

cidade chega lá também. Então é uma forma que as pessoas têm lá pra

crescer. Investem naquilo que sabem que vai valorizar.

Justificando:

As pessoas não nasceram pra ficar no mesmo lugar a vida inteira. Não é

assim. Elas evoluem. Se ela tem uma possibilidade de fazer um bom

negócio elas vão pra outro lugar e investem em outro lugar e crescem. As

pessoas não nasceram pra ficar sempre no mesmo lugar. Isso é um

engodo.

Já Filippetto, ao ser indagado sobre a mesma questão da tendência de

expulsão das classes baixas da capital, volta-se com o foco para a especulação

imobiliária atrelada ao mercado de lotes populares subsidiados por agentes do

governo, eximindo a população de baixa renda de uma “culpa” uma vez que é a

Page 132: Onde Moram Os Pobres

132

lógica da sobrevivência imperando:

O que acontece: eles estão comprando hoje por dez, mas no dia seguinte

eles já estão tendo oferta de venda por cem. Ou seja, a especulação

imobiliária „tá‟ num ritmo muito acelerado então a COHAB também tem que

criar mecanismos pra conter isso aí. Porque uma vez que se tem um imóvel

financiado, que tem uma série de parcerias, de facilidades, de benefícios,

de redução de impostos e coisa e tal, já „tá‟ servindo pra especulação

imobiliária. Tem que ser criado mecanismo também pra segurar essas

pessoas lá ou até efetivamente vender pra quem tem necessidade. [...]

Logicamente, hoje você compra por dez e amanhã me oferecem cem,

realmente as pessoas de baixa renda balançam.

As infrações dos parâmetros urbanísticos e ambientais na VNSL são tantas

que os técnicos da prefeitura ficaram impossibilitados de intervir. Muitos proprietários

(muitas vezes sem saber que também estão em situação irregular), ao se sentirem

lesados por obras vizinhas acionam a Central 156 (sistema de tele-atendimento

automatizado, integrado e com acompanhamento dinâmico do órgão competente).

Entretanto, devido ao grande número de processos fiscalizatórios sem continuidade

nem sucesso, utiliza-se uma resposta padrão informando que não há legislação

específica para a região (embora exista). Quanto a essa orientação repassada aos

técnicos das pontas, Filippetto explanou:

Mesmo que houvesse uma pressão pra abrir uma ação fiscal tinha que fazer

o máximo possível pra contornar essa situação, porque era um processo

que não vai dar em nada, em função da condição geral daquela

comunidade. O que nós vamos fazer? Vamos tratar casos isolados? A gente

achar um bode expiatório, alguém pra pagar o pato... Ou vamos estender

essa ação de fiscalização pra toda a comunidade, vamos penalizar todo

mundo, com a situação já consolidada. O caos social que a gente vai

implantar.

Filippetto argumentou que o melhor obviamente seria efetuar uma

fiscalização preventiva que se provou ser o melhor caminho, pois as soluções são

mais práticas, mais rápidas, uma vez que o contraditório fica muito reduzido.

Entretanto, para a realidade da Vila, isso não caberia mais. Seria válido um trabalho

de educação, de orientação sobre espaços com maior conforto, quando houvesse a

alteração da legislação.

Na realidade, o que a gente precisa é alterar a legislação pra dar

possibilidade dessas comunidades regularizarem suas edificações, ter

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133

condição de viver naquelas edificações. Então, não adianta só regularizar

que eles começam também a fazer os puxadinhos aleatoriamente sem

nenhum envolvimento técnico e essa edificação se torna no decorrer do

tempo praticamente inabitável. Pouquíssima qualidade de vida lá dentro.

Então é fundamental a gente levar informação, mas dar um

acompanhamento técnico para essas comunidades. Querem fazer um

puxadinho, ó, façam um puxadinho, mas, olha, nessa condição, preservem

isso, vamos lá preservar a condição de iluminação, de ventilação, a questão

de vizinhos...

Por fim, Filippetto desabafou um constrangimento ao se exigir das pessoas

que cumpram a lei urbanística sem o respaldo da legitimidade das próprias

edificações públicas:

O Poder Público tem que ter o mesmo tratamento que o Privado. O

tratamento não pode ser diferente. E isso desde que eu trabalhei no

Estatuto da Cidade que a gente trabalhou em todos os mecanismos pra

serem implantados. Esse sempre foi um ponto que foi muito ressaltado: que

o poder público tem a mesma condição do privado. Se nós obrigamos o

cidadão comum a tirar um alvará de construção, nós temos que dar o

exemplo.

“Pra regularizar isso aqui não é fácil não”, Israel afirmou com certo ar de

desânimo. Entretanto, são pessoas como ele, saudosistas e orgulhosos do local em

que vivem – “Eu tenho muito estima pela Vila. Aqui eu casei, eu tive meus filhos.

Praticamente eu só nasci no Norte, vivi aqui a vida inteira” – que enaltecem o poder

dos vilanos e mostram ser possível melhorar.

Page 134: Onde Moram Os Pobres

134

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

pronto

aqui está

o meu ponto

(LEMINSKI, 2001)

Page 135: Onde Moram Os Pobres

135

Um trabalho cujo objetivo era estudar uma vila, construída em pleno regime

militar para os pobres de uma metrópole em ascensão, não pode ser conclusivo

visto que a cidade desempenha o papel de um organismo vivo, como na ecologia

clássica. Traz consigo conexões, inter-relações e uma complexidade que estão

acima de estudos de políticas públicas que permitam ser analisados de forma

simples e clara. Pois a cidade, e consequentemente a metrópole, vive

ininterruptamente um processo de crescimento que impossibilita encontrar soluções

pontuais e definitivas.

Neste trabalho tais pressupostos ficaram claros, pois as reflexões pautadas

em estudos teóricos não poderiam ser explicadas por uma corrente metodológica

unilateral. Entender a Vila Nossa Senhora da Luz demandou trilhar pelos caminhos

das exclusões e das inclusões que marcam uma metrópole dominada pelo city

marketing a exemplo de Curitiba. Assim, o objeto de estudo dessa dissertação só

poderia ser entendido de forma qualitativa.

Os estudos aqui delineados mostram que no Brasil existe uma crença no

planejamento como salvador de todas as mazelas construídas secularmente neste

país. Porém não se abre mão de afirmar que o papel e a função ideológica de

acobertar as reais causas dos problemas urbanos que afligem milhões de pessoas

estão muito além da problemática mencionada: estão na sua gênese, ou seja, desde

a formação das primeiras vilas brasileiras.

Até a década de 70, as habitações de interesse social implantadas no Brasil

só fizeram aumentar a segregação. Além da padronização tipológica e o número

excessivo de unidades repetidas, ocupavam áreas tão distantes do centro que

acabavam por formar novos guetos de abandono. Com altos custos de infra-

estrutura, só aumentaram a dispersão urbana e a agressão ao meio.

No caso curitibano, explicitado a partir da busca de entendimento por meio

da Vila Nossa Senhora da Luz, não se encontra muita diferença do ocorrido noutras

metrópoles brasileiras. Conforme visto na subseção 2.2 sobre a movimentação das

partes dentro da estrutura intra-urbana, a dita Vila cumpriu o papel clássico

capitalista de expulsar para a periferia os migrantes indesejáveis. Retirados da

região central da cidade e depositados em seus arredores, os depoimentos

coletados dos moradores da VNSL espelham a formação de uma comunidade

totalmente desterritorializada. Isso fica claro principalmente a partir da fala de Israel

Muniz, quando ele menciona a vergonha de outros moradores em dizer onde

Page 136: Onde Moram Os Pobres

136

moravam. Mas, em conformidade com tais relatos, essa população foi lentamente se

territorializando; e hoje já não tem mais vergonha de fornecer seu endereço.

Assim, tem-se no caso estudado uma síntese do apresentado nos capítulos

anteriores: um reflexo do processo de industrialização do Paraná, e com isso a

explosão populacional da capital; uma sociedade excludente, que prioriza a falsa

imagem de que o padrão de vida da classe média é para todos; a acomodação das

elites produzindo um distanciamento dos loteamentos populares; a mudança na

execução dos planos de acordo com os jogos de interesse locais (a implantação

incompleta das conectoras da parte sul da cidade enquanto a conectora ao norte foi

efetuada nos melhores padrões construtivos, favorecendo a especulação

imobiliária);...

Cumpriu-se o objetivo principal dessa pesquisa ao se verificar a quebra da

legalidade urbanística vinculada às necessidades das pessoas – sejam físicas ou

estando no nível da percepção, aqui incluindo a auto-estima. Previstas na

concepção original do projeto, as ampliações das unidades-embrião ocorreram e

continuam a ocorrer, entretanto, alheias às determinações legais.

Por não ter levado em conta as condições específicas da implantação do

loteamento, e pelo fracasso na orientação dos moradores, a legislação existente

tornou-se inviável. E conforme tratado na subseção 2.4, a irregularidade favorece o

clientelismo e a dependência, fazendo uma quebra da relação direta entre o morador

e a moradia. As divergências entre o real e o legal, que impossibilitam a

regularização urbanística das edificações, fazem com que os proprietários

permaneçam “presos” aos seus imóveis (excetuando as transações efetuadas com

base nos chamados “contratos de gaveta”). Afeta/abala as liberdades substantivas

dos indivíduos, impedindo seu desenvolvimento.

Como resolver o empecilho legal desta população? Isso remete ao

questionamento feito por Maricato (1996) “qual é o papel das leis que pretendem

regulamentar procedimentos detalhados do universo individual do interior da

moradia, quando a maior parte das moradias e do contexto urbano constituem

imenso universo clandestino que ignora normas gerais e básicas?”

No caso em questão, acredita-se que uma flexibilização dos parâmetros de

uso e ocupação do solo se faz necessária para que cada proprietário se sinta

realmente dono do que lhes pertence, dispondo de seu bem, tão almejado e

arduamente conquistado, de forma mais coerente com a situação herdada. Assim,

Page 137: Onde Moram Os Pobres

137

urge legislar em prol desta comunidade que nasceu cerceada do direito à cidade. As

adaptações dos parâmetros poderiam transformar os próprios moradores em

agentes do processo de mudança, possibilitando a responsabilização dos mesmos

por novas intervenções não autorizadas. Também a padronização de um serviço

prestado pela Prefeitura Municipal de Curitiba (PMC), diminuiria o grau de

insatisfação dos servidores municipais e possibilitaria uma maior autonomia e pró-

atividade dos mesmos, aumentando assim o grau de eficácia dos atendimentos.

Cabe aqui reportar e parafrasear Ítalo Calvino quando se tem na VNSL uma

paisagem das invisibilidades simbólicas de Curitiba, nas suas cidades invisíveis.

Enfim, Lívia de Oliveira exprime parte do mundo vivido por aquela população de

vilanos quando coloca que: “Talvez o mais relevante é considerar a afetividade

humana para com a natureza e a sociedade; considerar a ética, os direitos naturais e

humanos e quiçá aceitar as diversidades geográficas, que no fundo é que dão cores,

odores, sabores e maciez ou aspereza a toda nossa paisagem”.

Page 138: Onde Moram Os Pobres

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145

ANEXO 1 – TABELAS REFERENTES AO LEVANTAMENTO

EFETUADO PELO IPPUC EM 2000.

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159

ANEXO 2 – TABELAS REFERENTES AO LEVANTAMENTO ATUAL

EFETUADO PELA AUTORA EM 2011.

Rua Shirley Mantovani

quadra indicação fiscal m² ano alvará novo

87.103.004 50,00 1967 x

87.103.005 50,00 1968 x

87.103.006 50,00 1967 x

87.103.007 50,00 1967 x

87.103.008 50,00 1967 x

87.103.009 50,00 1967 x

87.103.010 50,00 1967 x

87.103.011 50,00 1967 x

87.103.012 89,30 1991 x

87.103.013 50,00 1967 x

87.104.002 87,60 1991 x

87.104.003 63,20 1991 x

87.104.004 50,00 1967 x

87.104.005 50,00 1967 x

87.104.006 50,00 1967 x

87.104.007 50,00 1967 x

87.127.004 66,50 1991 x

87.127.005 50,00 1967 x

87.127.006 93,80 1991 x

87.127.007 73,50 1991 x

87.127.008 50,00 1967 x

87.127.009 50,00 1967 x

87.127.010 148,40 1991 140,00

87.127.011 50,00 1967 x

87.127.012 50,00 1967 x

87.127.013 281,50 1995 x

87.128.002 92,00 1995 x

87.128.003 95,00 1995 x

87.128.004 50,00 1967 x

87.128.005 50,00 1967 x

87.128.006 89,20 1991 x

87.128.007 79,50 1991 x

1

2

3

4

Page 160: Onde Moram Os Pobres

160

quadra indicação fiscalm² ano alvará novo

87.147.004 21,07 1967 x

87.147.005 21,07 1967 68,55

87.147.006 105,00 1991 x

87.147.007 31,60 1991 x

87.147.008 59,30 1991 x

87.147.009 21,07 1967 x

87.147.010 21,07 1967 x

87.147.011 92,60 1991 x

87.147.012 21,07 1967 x

87.147.013 97,30 1991 x

87.148.002 74,60 1991 x

87.148.003 45,60 1991 muro

87.148.004 21,07 1967 x

87.148.005 80,10 1991 x

87.148.006 21,07 1967 x

87.148.007 21,07 1967 x

87.167.004 21,07 1967 x

87.167.005 103,50 1991 x

87.167.006 111,40 1991 x

87.167.007 21,07 1967 81,07

87.167.008 67,50 1991 x

87.167.009 95,00 1991 x

87.167.010 21,07 1967 x

87.167.011 67,50 1991 x

87.167.012 183,90 1999 183,90

87.167.013 125,40 1995 x

87.168.002 42,90 1991 x

87.168.003 42,90 1991 x

87.168.004 59,50 1991 x

87.168.005 21,07 1967 x

87.168.006 42,90 1991 x

87.168.007 21,07 1967 x

5

6

7

8

Page 161: Onde Moram Os Pobres

161

indicação fiscal m² ano alvará novo

87.187.005 75,00 1977 60,00

87.187.006 90,00 1979 85,66

87.187.007 174,00 1984 174,00

87.187.008 130,50 1988 x

87.187.009 129,00 2000 x

87.187.010 45,60 1967 x

87.187.011 72,00 1991 x

87.187.012 68,00 1967 x

87.187.013 75,00 1991 x

87.188.002 86,10 1967 x

87.188.003 50,00 1967 x

87.188.004 92,30 1991 x

87.188.005 50,00 1967 x

87.188.006 65,60 1991 x

87.188.007 50,00 1967 x

87.211.004 95,60 1991 x

87.211.005 154,00 1991 x

87.211.006 34,40 1991 x

87.211.007 21,07 1967 x

87.211.008 21,00 1967 x

87.211.009 80,50 1991 x

87.212.002 50,00 1967 x

87.212.003 65,00 1991 x

87.212.004 102,80 1991 x

87.212.005 50,00 1967 x

87.212.006 50,00 1967 x

87.212.007 50,00 1967 x

87.212.008 140,80 1991 x

87.212.009 66,50 1991 x

87.212.010 83,10 1991 x

87.212.011 200,96 1994 200,96

9

10

11

12

Page 162: Onde Moram Os Pobres

162

Rua Humberto Calixto Fruet/ Rua Pedro Gusso

quadra indicação fiscal m² ano alvará novo

87.092.001 50,00 1967 x

87.092.003 72,30 1991 x

87.092.004 50,00 1967 x

87.092.005 50,00 1967 x

87.092.006 50,00 1967 x

87.092.008 50,00 1967 x

87.115.001 50,00 1980 x

87.115.024 69,30 1967 69,36

87.115.023 115,20 1991 x

87.115.022 50,00 1967 x

87.115.021 62,10 1991 x

87.115.020 80,80 1991 x

87.115.019 241,60 1999 x

87.115.018 85,00 1967 x

87.115.017 50,00 1967 x

87.115.016 50,00 1967 x

87.116.001 105,00 1991 x

87.116.003 50,00 1967 x

87.116.004 81,00 1991 x

87.116.005 115,00 1991 x

87.116.006 63,00 1991 x

87.116.008 50,00 1967 x

87.137.001 72,50 1991 x

87.137.024 97,30 1991 x

87.137.023 50,00 1967 x

87.137.022 50,00 1967 x

87.137.021 50,00 1967 x

87.137.020 50,00 1967 x

87.137.019 50,00 1967 x

87.137.018 50,00 1967 x

87.137.017 50,00 1967 x

87.137.016 50,00 1967 x

1

2

3

4

Page 163: Onde Moram Os Pobres

163

Rua Humberto Calixto Fruet/ Rua Pedro Gusso

quadra indicação fiscalm² ano alvará novo

87.138.001 50,00 1967 x

87.138.003 47,30 1991 x

87.138.004 50,00 1967 x

87.138.005 127,60 1991 x

87.138.006 50,00 1967 x

87.138.008 101,80 1991 58,19

87.157.001 50,00 1967 162,00

87.157.024 50,00 1967 x

87.157.023 139,50 1995 x

87.157.022 81,50 1991 x

87.157.021 72,10 1991 x

87.157.020 50,00 1967 x

87.157.019 85,80 1991 x

87.157.018 50,00 1967 x

87.157.017 50,00 1967 x

87.157.016 124,40 1991 x

87.158.001 42,80 1991 x

87.158.003 50,00 1967 x

87.158.004 50,00 1967 x

87.158.005 50,00 1967 x

87.158.006 50,00 1967 x

87.158.008 50,00 1967 x

87.177.001 50,00 1967 x

87.177.024 117,10 1991 x

87.177.023 50,00 1967 34,40

87.177.022 50,00 1967 x

87.177.021 50,00 1967 x

87.177.020 63,20 1991 x

87.177.019 50,00 1967 x

87.177.018 86,00 1967 x

87.177.025 190,00 1995 278,80

5

6

7

8

Page 164: Onde Moram Os Pobres

164

quadra indicação fiscal m² ano alvará novo

87.178.001 111,30 1991 x

87.178.003 91,00 1991 x

87.178.004 50,00 1967 x

87.178.005 106,50 1991 x

87.178.006 50,00 1967 x

87.178.008 104,00 1967 x

87.199.001 88,80 1967 x

87.199.024 140,50 1991 x

87.199.023 81,00 1995 x

87.199.022 100,60 1991 149,87

87.199.021 106,10 1991 80,95

87.199.025 50,00 1967 278,18

87.199.019 161,80 1999 162,00

87.199.018 295,20 1995 x

87.199.017 95,30 1988 x

87.199.016 122,00 1991 x

87.200.001 61,30 1991 x

87.200.003 91,50 1991 225,00

87.200.004 163,60 1995 x

87.200.005 162,00 1995 x

87.200.006 50,00 1967 x

87.200.008 78,40 1991 79,00

87.223.001 90,00 2010 90,00

87.223.024 82,40 1991 x

87.223.023 139,70 1991 x

87.223.022 129,50 1991 x

87.223.021 102,80 1991 x

87.223.020 50,00 1967 x

87.223.019 92,80 1991 x

87.223.018 141,20 1991 x

87.223.017 113,20 1999 x

87.223.016 50,00 1967 162,00

9

10

11

12

Page 165: Onde Moram Os Pobres

165

Rua Davi Xavier da Silva

quadra indicação fiscalm² ano alvará novo

87.215.017 99,60 1991 x

87.215.016 66,60 1991 x

87.215.015 39,00 1991 x

87.215.014 125,00 1991 x

87.216.001 132,70 1991 x

87.216.014 93,40 1991 x

87.216.013 92,20 1991 x

87.216.012 98,00 1991 x

87.216.011 81,00 1967 x

87.207.001 112,50 1991 x

87.207.003 50,00 1967 x

87.207.004 73,70 1991 x

87.207.005 50,00 1967 x

87.207.006 50,00 1967 x

87.207.008 50,00 1967 x

87.192.001 69,70 1991 x

87.192.016 50,60 1991 x

87.192.015 80,60 1991 x

87.192.014 62,60 1967 x

87.192.013 82,50 1991 x

87.192.012 21,00 1967 x

87.183.001 34,80 1967 x

87.183.003 21,00 1967 x

87.183.004 21,00 1967 x

87.183.005 21,00 1967 x

87.183.006 133,30 1991 x

87.183.008 104,30 1991 x

87.172.001 78,30 1991 x

87.172.016 46,00 1967 x

87.172.015 75,10 1991 x

87.172.014 21,00 1967 x

87.172.013 21,00 1967 x

87.172.012 87,00 1991 x6

1

2

3

4

5

Page 166: Onde Moram Os Pobres

166

quadra indicação fiscal m² ano alvará novo

87.163.001 21,00 1967 x

87.163.003 21,00 1967 x

87.163.004 21,00 1967 x

87.163.005 134,10 1991 x

87.163.006 21,61 1967 x

87.163.008 21,00 1967 x

87.152.001 54,00 1967 x

87.152.016 52,50 1991 x

87.152.015 72,00 1967 x

87.152.014 55,50 1991 x

87.152.013 21,00 1967 x

87.152.012 241,60 1991 250,59

87.143.001 45,00 1991 x

87.143.003 21,00 1967 x

87.143.004 84,10 1991 x

87.143.005 89,80 1991 x

87.143.006 21,00 1967 72,00

87.143.008 68,50 1991 x

87.132.001 227,30 1995 x

87.132.016 50,00 1967 x

87.132.015 64,00 1991 x

87.132.014 73,50 1967 x

87.132.013 50,00 1967 x

87.132.012 50,00 1967 x

87.123.001 149,30 1991 x

87.123.003 79,20 1991 x

87.123.004 87,20 1991 x

87.123.005 50,00 1967 x

87.123.006 63,10 1991 x

87.123.008 50,00 1967 x

7

8

9

10

11

Page 167: Onde Moram Os Pobres

167

Rua Davi Xavier da Silva

quadra indicação fiscal m² ano alvará novo

87.108.001 66,50 1991 x

87.108.016 106,00 1991 x

87.108.015 50,00 1967 x

87.108.014 66,50 1991 x

87.108.013 63,00 1967 x

87.108.012 87,00 1967 x

87.099.001 90,30 1991 x

87.099.003 135,90 1994 x

87.099.004 92,40 1991 x

87.099.005 50,00 1967 x

87.099.006 73,20 1991 x

87.099.008 149,30 1991 x

87.098.004 76,30 1991 x

87.098.005 84,10 1991 x

87.098.006 167,60 1991 x

87.098.007 101,90 1991 x

87.098.008 50,00 1967 x

87.098.009 50,00 1967 x

87.098.010 50,00 1967 x

87.098.011 50,00 1967 x

87.098.012 84,90 1991 x

87.109.002 50,00 1967 x

87.109.003 55,40 1973 x

87.109.004 50,00 1967 x

87.109.005 77,00 1967 x

87.109.006 106,00 1991 x

87.109.007 68,50 1973 x

87.109.008 70,50 1973 x

87.109.009 50,00 1967 x

87.109.010 50,00 1967 x

87.109.011 65,00 1973 x

87.109.012 135,00 1973 x

87.109.013 54,00 1991 x

87.109.014 77,00 1967 x

87.109.015 65,00 1967 x

12

13

14

15

Page 168: Onde Moram Os Pobres

168

quadra indicação fiscalm² ano alvará novo

87.122.002 50,00 1937 x

87.122.003 307,00 1981 x

87.122.004 50,00 1967 x

87.122.005 92,80 1991 x

87.122.006 50,00 1967 x

87.122.007 50,00 1967 x

87.122.008 62,00 1991 x

87.193.004 138,00 1991 x

87.193.005 50,00 1967 x

87.193.006 50,00 1967 x

87.193.007 70,20 1991 x

87.193.008 156,50 1991 x

87.206.002 50,00 1967 x

87.206.003 80,00 1991 x

87.206.004 50,00 1967 x

87.206.005 50,00 1967 76,13

87.206.006 50,00 1967 x

87.206.007 99,20 1991 x

87.206.008 77,20 1991 x

87.206.009 50,00 1967 x

87.206.010 50,00 1967 x

87.206.011 85,80 1991 x

87.206.012 50,00 1967 x

87.206.013 50,00 1967 x

87.217.002 70,00 1991 x

87.217.003 79,70 1991 x

87.217.004 50,00 1967 x

87.217.005 50,00 1967 x

87.217.006 50,00 1967 x

87.217.007 50,00 1967 x

87.217.008 63,70 1991 x

87.217.009 50,00 1967 x

87.217.010 50,00 1967 x

16

17

18

19

Page 169: Onde Moram Os Pobres

169

Rua Orlando Luis Lamarca

quadra indicação fiscal m² ano alvará novo

87.218.001 96,40 1991 x

87.218.020 73,20 1991 x

87.218.019 73,80 1991 x

87.218.018 50,00 1967 x

87.218.017 50,00 1967 77,40

87.218.016 100,80 1991 x

87.218.015 66,60 1991 x

87.218.014 94,50 1991 x

87.218.013 110,10 1991 x

87.205.001 90,10 1991 x

87.205.024 50,00 1967 x

87.205.023 113,50 1991 x

87.205.022 50,00 1967 154,52

87.205.021 259,20 1991 x

87.205.020 50,00 1967 x

87.205.019 50,00 1967 x

87.205.018 105,10 1991 x

87.205.017 98,80 1967 x

87.205.016 50,00 1967 x

87.205.015 71,70 1991 x

87.205.014 128,40 1991 x

87.194.001 178,40 1998 x

87.194.012 95,10 1991 x

87.194.011 83,20 1991 x

87.194.010 50,00 1967 x

87.194.009 50,00 1967 vago

87.121.001 50,00 1967 x

87.121.016 63,70 1991 x

87.121.015 80,10 1991 x

87.121.014 118,40 1991 x

87.121.013 50,00 1967 x

87.121.012 69,00 1991 80,00

87.121.011 206,40 1995 x

1

2

3

4

Page 170: Onde Moram Os Pobres

170

quadra indicação fiscalm² ano alvará novo

87.110.001 79,80 1988 79,84

87.110.028 56,00 1973 x

87.110.027 50,00 1967 x

87.110.026 81,40 1991 x

87.110.025 55,00 1973 x

87.110.024 83,00 1973 65,35

87.110.023 90,00 1973 x

87.110.022 94,40 1973 x

87.110.021 90,50 1973 x

87.110.020 80,10 1973 x

87.110.019 74,10 1973 x

87.110.018 62,70 1973 x

87.110.017 77,70 1973 x

87.110.016 71,00 1991 x

87.097.001 70,00 1991 x

87.097.020 167,30 1991 x

87.097.019 70,20 1967 x

87.097.018 135,50 1991 x

87.097.017 50,00 1967 x

87.097.016 50,00 1967 x

87.097.015 50,00 1967 x

87.097.014 86,10 1991 x

87.097.013 50,00 1967 x

87.096.004 50,00 1967 x

87.096.005 130,00 2001 x

87.096.006 50,00 1967 x

87.096.007 81,20 1991 x

87.096.008 50,00 1967 x

87.096.009 50,00 1967 x

87.111.002 62,70 1991 x

87.111.003 82,20 1991 x

87.111.004 50,00 1967 x

87.111.005 50,00 1967 x

87.111.006 50,00 1967 x

87.111.007 65,50 1991 x

5

6

7

8

Page 171: Onde Moram Os Pobres

171

Rua Orlando Luis Lamarca

quadra indicação fiscalm² ano alvará novo

87.120.004 50,00 1967 x

87.120.005 50,00 1967 x

87.120.006 50,00 1967 x

87.120.007 135,70 1991 x

87.120.008 81,90 1991 x

87.120.009 140,30 1991 x

87.133.002 50,00 1967 x

87.133.003 86,20 1991 x

87.133.004 102,90 1991 75,15

87.133.005 50,00 1967 x

87.133.006 81,20 1991 91,45

87.133.007 63,70 1991 x

87.142.004 50,00 1967 x

87.142.005 50,00 1967 x

87.142.006 254,60 1991 x

87.142.007 138,90 1991 x

87.142.008 50,00 1967 x

87.142.009 108,20 1991 x

87.153.002 81,50 1991 x

87.153.003 79,90 1991 x

87.153.004 50,00 1967 x

87.153.005 50,00 1967 x

87.153.006 78,20 1991 x

87.153.007 61,10 1991 x

87.162.004 110,10 1991 x

87.162.005 50,00 1967 x

87.162.006 94,00 1991 x

87.162.007 50,00 1967 x

87.162.008 86,90 1967 x

87.162.009 50,00 1967 x

9

10

11

12

13

Page 172: Onde Moram Os Pobres

172

quadra indicação fiscal m² ano alvará novo

87.173.002 72,00 1991 x

87.173.003 92,30 1991 x

87.173.004 76,20 1991 x

87.173.005 50,00 1967 x

87.173.006 104,60 1991 x

87.173.007 50,00 1967 x

87.182.004 70,50 1991 x

87.182.005 92,00 1991 x

87.182.006 76,60 1967 x

87.182.007 92,90 1991 x

87.182.008 69,00 1991 x

87.182.009 50,00 1967 x

87.195.002 80,30 1991 x

87.195.003 21,00 1967 x

87.195.004 21,00 1967 x

87.195.005 105,00 1991 x

87.195.006 21,00 1967 x

87.195.007 100,10 1991 x

87.204.004 144,00 1998 x

87.204.005 93,00 1991 x

87.204.006 50,00 1967 x

87.204.007 50,00 1967 x

87.204.008 109,00 1991 x

87.204.009 175,00 1991 x

87.219.002 77,10 1991 x

87.219.003 50,00 1967 x

87.219.004 88,00 1991 x

87.219.005 98,00 1991 x

87.219.006 85,30 1991 x

87.219.007 193,90 1991 x

14

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18