ONG Oralidade e Cultura Escrita Cap04

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  • 8/7/2019 ONG Oralidade e Cultura Escrita Cap04

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    4A ESCRITA REESTRUTURA A CONSCIENCIA

    o novo mundo do discurso aut6nomoUm conhecimento mais profundo da oralidade primitiva ou prima-

    r ia permite-nos compreender melhor 0novo mundo da escrita, 0que eleverdadeiramente e e 0que os seres humanos funcionalmente letradosrealmente sao: seres cujos processos de pensamento nao nascem decapacidades meramente naturais, mas da estruturac;:ao dessas capacida-des, direta ou indiretamente, pela tecnologia da escrita. Sem a escrita, amente letrada nao pensaria e nao poderia pensar como pensa, nao apenasquando se ocupa da escrita, mas normalmente, ate mesmo quando e_gacompondo seus pensamentos de forma oral. Ma1sdo que qualquer outrainvencao individual, a escri ta transformou a consciencia humana.

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    da do mundo da velha vida cotidiana oral, movel, calorosa, individual-mente interativa (representada pelos poetas, a quem ele expulsara de suaRepublica). 0 termo idea, "forma", esta fundado no visual e procede damesma raiz que 0latim video, "ver", assim como os derivados em linguapor tuguesa "visao" , "visivel" ou "video". A forma platonica foi concebidapor analogia a forma visivel. As ideias platonicas sao mudas, imoveis,desprovidas de todo calor, nao sao interativas, mas isoladas, nao saoabsolutamente partes do mundo cotidiano humano, estao inteiramenteacima e alem dela. Platao, e claro, nao se tinha dado totalmente conta dasforcas inconscientes que atuavam em sua psi que para produzir essareacao, ou reacao exagerada, do individuo letrado a oralidade subsistente,tardia.

    A escrita e uma tecnologiaPlatao estava pensando na eScrita como uma tecnologia externa,

    hostil, COfuo~11uitaspessoas atualmente fazem em relar;;ao ao computador_:_Em VIrtude de termos hoje interiorizado a escrita, absorvendo-a taocompletamente em nos mesmos, de uma forma que a era de Platao aindanao fizera (Havelock 1963), julgamos dif icil consjderi -Ia uma tecnologiatal como aceitamos fazer com 0 computador. No entanto, a escrita (eespeclalmeriie a alfabetica) e uma tecnologia, exige 0usa de ferramentase outros equipamentos: est iletes, pinceis ou canetas, superf icies cuidado-samente preparadas, peles de animais, tiras de madeira, assim comotintas, e muito mais. Em seu capitulo "A tecnologia da escrita", Clanchy(1979, pp. 88-115) discute detalhadamente a questao no contexto medie-val ocidental. A escrita e, de certo modo, a mais drastica das trestecnologias. ~ iniciou 0que a impressao e os computadores apen~scontinuam, a redur;;ao do som dinamico a um espaco mudo, 0afastamen-to da palavra em relar;;ao ao presente vivo, unico lugar em que as palavrasfalaaas podem eXlshr.

    Ao contrario da linguagem natural, oral, a escrita e inteiramenteartificial. Nao hi como escrever "naturalmente". A linguagem oral ecompletamente natural aos seres humanos no sentido de que todo serhumano que nao seja fisiologica ou psicologicamente deficiente aprendea falar, em qualquer cultura. A fala completa a vida consciente, poremchega a consciencia emanando das profundezas inconscientes, embora ,e claro, com a cooperacao tanto consciente quanta inconsciente dasociedade. As regras gramaticais vivem no inconsciente no sentido de quepodemos saber como usa-las e ate mesmo como construir outras novassem ser capazes de definir 0que elas sao.

    A escrita, ou re istro escrito como tal dque nao bro a lOevitavelmente do inconsciente. 0erocesso de regis~r alingua gem falada e governado por regras conscientemente planejadas einter-reladonadas: por exemplo, um certo pictograma significara umacer ta palavra especffica, ou a representara um cer to fonema, b um outroe assim por diante. (Nao estou negando que a situacao escritor-leitorcriada pela escrita afete profundamente os process os inconscientes envol-vidos na composicao na escrita, uma vez que ji se tenham aprendido asregras explicitas, conscientes. Voltaremos a essa questao posteriormente.)

    Essas consideracoes alertam para os paradoxos que cercam asrelacoes entre a palavra falada original e todas as suas transformacoestecnologicas. 0 motivo para as complexidades torturantes aqui e obvia-mente que a inteligencia e inexoravelmente reflexiva, de modo que atemesmo as ferramentas externas que ela usa para implementar seusprocedimentos se tornam "internalizadas", isto e, parte de seu proprioprocesso reflexivo.

    Um dos mais notaveis paradoxos inerentes a escrita e sua associa-cao intima com a morte. Essa associacao e insinuada na acusacao dePlatao de que a escrita e inumana, coisificada, e de que ela destroi amemoria. E tambem muito evidente em imimeras referencias a escrita(e/ou a impressao), encontravel em dicionarios impressos de ciracoes, de2 Corintios 3:6 - "A letra mata, mas 0espirito da vida" - e da referenciade Horacio a seus tres livros de Odes como um "monumento" (Odesiii.30.I) - em que pressagia a propria morte - ate a afirmacao de HenryVaughan a sirThomas Bodley, e alem dela, de que na Biblioteca Bodleian,em Oxford, "cada livro e teu epitafio". Em Pippapasses, Robert Browningchama a atencao para a pratica ainda difundida de pressionar flores vivasate a morte entre as paginas de livros impressos, "faded yellow blos-soms/twixt page and page'. A flor morta, outrora viva, e 0equivalentepsiquico do texto verbal. 0 paradoxo esta no fato de que a mortalidadedo texto, seu afastamento do mundo da vida cotidiana, sua rigida fixidezvisual, garante sua durabilidade e seu potencial para ser ressuscitado emcontextos vivos ilimitados por um rnimero potencialmente infinito deleitores vivos (Ong 1977, pp. 230-271).

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    Dizer que a escrita e artificial nao e condena-Ia, mas elogia-la,Como outras criacoes artificiais e, na verdade, mais do que qualqueroutra, ela e inestimavel e de fato fundamental para a realizacao depotenciais humanos rnais elevados, interiores. As tecnologias nao consti-tuem meros auxflios exteriores, mas, sim, transforrnacoes interiores daconsciencia, e mais ainda quando afetas a palavra. Tais transformacoespodem ser enaltecedoras. A escrita aumenta a consciencia. A alienacaode um meio natural pode ser boa para n6s e, na verdade, e em muitosaspectos fundamental para a vida humana plena. Para viver e compreen-der plenamente, necessitamos nao apenas da proximidade, mas tambemda distancia. Essa escrita alimenta a consciencia como nenhuma outraferramenta.

    As tecnologias sao artificiais, mas - novamente um paradoxo - a~ artificialidade e natural aos seres humanos. A tecnologia, adequadamenteI interiorizada, nao rebaixa a vida humana, pelo contrario, acentua2_. A! orquestra moderna, por exemplo, e resultado de alta tecnologia. Um

    violino e um instrumento, isto e, uma ferramenta. Um orgao e umamaquina enorme, com recursos de forca - bombas, foles, geradoreseletricos - inteiramente exteriores a seu operador, A partitura de Beetho-ven para sua Quinta Sinfonia consiste em instrucoes muito precisas atecnicos altamente treinados, que especificam exatamente como usar asferramentas. Legato: nao tire seus dedos de uma tecla ate que tenhatocado a seguinte. Staccato: toque a tecla e tire seu dedo imediatamente.E assim por diante. Os music6logos sabem muito bem que e inutil fazerobjecao a cornposicoes eletronicas como The wild bull, de MortonSubotnik, sob a alegacao de que os sons provern de um dispositivomecanico, De onde se julga virem os sons de um orgaor Ou os sons deum violino ou ate mesmo de um apito? 0 fato e que, usando umdispositivo mecanico, um violinista ou um organista podem exprimir algopungentemente humane que nao pode ser expresso sem aquele disposi-tivo. Para conseguir tal expressao, obviamente, 0violinista ou 0organistaprecisam ter interiorizado a tecnologia, feito da ferramenta ou da maquinauma segunda natureza, uma parte psicol6gica de si mesmos. Isso exigeanos de "pratica", de aprendizado de como obrigar a ferramenta a fazero que ela pode fazer. Essa adaptacao de uma ferramenta a si pr6prio, 0aprendizado de uma habilidade tecnol6gica, e altamente desumanizante.o usa de uma tecnologia pode enriquecer a psique humana, ampliar 0

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    espirito humano, intensificar sua vida interior. A escrita e uma tecnologiaainda mais profundamente interiorizada do que a execucao de uminstrumento musical. Mas, para compreender 0que ela e - 0que significacompreende-la em relacao a seu passado, a oralidade -, 0fato de que elae uma tecnologia deve ser encarado com honestidade.

    o que e "escrita" ou "registro escrito"?A escrita, no sentido estrito da palavra, a tecnologia que moldou e

    capacitou a atividade intelectual do homem moderno, foi um desenvol-vimento muito tardio na hist6ria humana. 0 Homo sapiens esta no planetatalvei: ha cerca de 50 mil anos (Leakey e LeWin 1979, pp. 14 1 e IMCo. -primeiro registro escrito, ou verdadeira escrita, que conhecemos, foidesenvolvido entre os s!lme~a Mesopotamia apenas por volta do ana3500 a . c . (Diringer 1953; Gelb 19635.

    Os seres humanos haviam desenhado durante incontaveis milenios~E varies ispositivos e registro, ou aides-memo ire, haviamsldo usados por varias sociedades: uma vara entalhada, fileiras de seixos,outros dispositivos de controle como 0quipu dos incas (uma vara comcordas suspensas nas quais outras cordas erarn atadas), os calendarios de"contagem do inverno" dos indios nativos das planicies norte-americanase assim por diante. Porern, um registro escrito e mais do que um auxiliomnemonico. Ate mesmo quando e pictografico, um registro escrito e maisdo que desenhos. Os desenh~~sentam objetos. 0 desenho de umhorrlefil,liiilaCsa e uma arvore por si mesmo nada diz. (Se um c6digoapropnado ou um conjunto de convencoes sao acrescentados, poderiadizer; mas um c6digo nao e desenhavel, salvo se auxiliado por um outroc6digo nao desenhavel. Os c6digos, em ultima analise, precisam serexplicados por algo majs do que desenhos, isto e, ou em palavras ou emum contexto inteiramente humano, humanamente compreensivel.) Umregistro escri , no sentido de uma escrita genuina, tal como entendidoaqu , nao consiste em meros desenhos, em representacoes de coisas, e arepresentacao de uma elocu(:iio, de palavras que alguem diz ou seim~z.

    Obviamente, e possivel considerar como "escrita" qualquer marcasemi6tica, isto e, qualquer marca visivel ou perceptivel que um individuo

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    \"escrita"?Usar 0termo "escrita" nesse sentido ampliado, de forma a incluirqualquer marcas:ao semiotica, banaliza seu significado. A entrada criticaeSingular em novos mundos do conhecimento foi realizada dentro da

    Com a escrita ou registro escrito tornados nesse sentido amplo, asmarcacoes codificadas visiveis envolvem palavras na integra, de modoque estruturas e referencias notavelmente complexas evoluidas em sompodem ser registradas visualmente, podem implementar a producao deestruturas e referencias ainda mais notaveis, ultrapassando em muito aspotencialidades da enunciacao oral. A escrita, em seu sentido comum, foie e a mais importante de todas as invenc5es humanas. Nao e urn meroapendice da fala. Em virtude de mover a fala do mundo oral-auricularpara urn novo mundo sensorial, 0da visao, ela transforma tanto a falaquanto 0 pensamento. Entalhes em varas e outros aides-memoire levama escrita, mas nao reestruturam 0mundo da vida cotidiana humana comoo faz a escrita genuina.

    as verdadeiros sistemas de escrita podem se desenvolver e geral-mente se desenvolvem, gradativamente, de urn usa mais tosco de auxiliosmnemonicos, Existem est:igios intermediaries. Em alguns sistemas codifi-cados, 0escritor pode prever apenas aproximadamente 0que 0leitor iraler, como no sistema desenvolvido pelos vai, na Liberia (Scribner eCole1978) ou ate mesmo nos antigos hieroglifos egipcios. a controle maisestrito de todos e0realizado pelo alfabeto, embora ate mesmo ele nuncaseja intelfamente perfeito em todos os casos. Seanoto em urn documento:reiid, isso poderia ser urn participio passado (pronunciado para rimar com

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    red), indicando que 0documento foi inteiramente lido, ou poderia serurn imperativo (pronunciado para rimar com reed), indicando que deveser lido ate 0fim. Ate mesmo com 0alfabeto, 0contexto extratextual asvezes e necessario, mas somente em casos excepcionais - 0 quantadependera do grau de adaptacao do alfabeto a uma dada lingua.

    Muitos registros escri tos, apenas urn alfabetoMuitos registros escritos em todo 0mundo foram desenvolvidos

    independentemente uns dos outros (Diringer 1953; Diringer 1960; Gelb1963): 0cuneiforme mesopotamico, 3500 a.C. (datas aproximadas segun-do Diringer 1962); os hieroglfficos egipcios, 3000 a.C. (talvez sob algumainfluencia do cuneiforme); 0"Linear B" minoico ou micenico, 1200 a.C.;o registro do vale do Indo, 3000-2400 a.Ci; 0chines, 1500 a.C.; 0maia, 50d.C.; 0asteca, 1400 d.C.

    as registros escritos tern antecedentes com lexos. A maioria~ senao a tota idade, dos registros remonta direta ou indiretamente a algumaespecie de escrita pictorica, ou ~s vezes, talvez, em um nivel ainda maiselementar, aa lisa de sjnajs Sugeriu-se que 0registro cuneiforme dossumerios, 0 primeiro de todos os registros conhecidos (c. 3500 a.C'),originou-se, pelo menos em parte, de urn sistema de registro de transa-coes economicas, usando-se sinais de barro encerrados em recipientes oubulas semelhantes a vagens, pequenos, ocos, mas totalmente fechados,com identiflcacoes no lado de fora representando os sinais de dentro(Schmandt-Besserat 1978). Desse modo, os slmbolos do lado de fora dabula _ digamos, sete entalhes - indicavam, dentro da bula, 0 querepresentavam - digamos, sete pequenos artefatos de barro inconfundi-velmente moldados para representar vacas, ovelhas ou outras coisas aindanao decifraveis - como se as palavras fossem sempre proferidas emconexao com seus significados concretos. A moldura economica desseusa pre-quirografico de sinais poderia ajudar a associa-los a escrita, poiso primeiro registro cuneiforme, da mesma regiao que as bulas, quaisquerque tenham sido seus antecedentes exatos, serviam a objetivos economi-cos e administrativos praticos nas sociedades urbanas. A urbanizacaoforneceu 0incentivo para desenvolver a manutencao de registros. Usar aescrita para criacoes imaginativas, como as palavras faladas tern sidousadas em contos ou na llrica, isto e, usar a escrita para produzir literatura

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    no sentido mais especffico desse tenno, ocorreu bem mais tarde nahistoria do registro.

    Os desenhos podem servir simplesmente como aides-memo ire, oupodem ser equipados com um codigo que Ihes permita representarpalavras mais ou menos exatamente especificas em diferentes relacoes

    \

    gramaticais entre si. A escrita de caracteres chineses e ainda hoje basica-mente composta de desenhos, mas aesenhos estilizados e codificados pormeios complexos, gue os tornam cer tamente 0majs complexo sistemadeescrita que 0mundo jamais conheceu. A cornunicacao pictografica, comoa encontrada entre os indios americanos e muitos outros (Mackay 1978,p. 32) nao se desenvolveu em verdadeiro registro porque 0 codigopermaneceu demasiado vago. As representacoes pictograficas de variesobjetos serviam como uma especie de memorando alegorico para gruposque estavam lidando com certos assuntos restritos, memorando queajudava a determinar previamente como esses desenhos especificos serelacionavam. Mas, frequenternente, ate mesmo naquela epoca, 0signifi-cado pretendido nao fica inteiramente claro.

    Dos kt ramas 0desenho de uma arvore representa a palavra paraarvore os registros desenvolvem outras especies de sim olos. Uma especiee 0 ideo ama no al 0 si ni icado e um conceito nao diretamente

    resentado pelo desenho, mas estabelecido por codigo: por exemplo, nopictograma chines, um dese . zado de duas arvores r l f u ; re resentaas palavras "duas arvores", mas a palavra "floresta'; esenhos esti lizados deuma mulher e uma crianca lado a lado representam a palavra "born" e assimpor diante. A palavra falada para "mulher" e [n)1, para "crianca" [dzal, para"born" [haul: a etimologia pictografica, como aparece aqui, nao precisa ternenhuma relacao com a etimologia fonologica. Escri tores de chines relacio-nam-se com sua lingua de modo muito diferente dos falantes de chines quenao sabem escrever. Em um sentido especial, numerais como 1, 2, 3saoideogramas interlingufsticos (embora nao sejam pictogramas): representamo mesmo conceito, mas nao 0mesmo som em Iinguas que possuempalavras inteiramente diferentes para 1, 2, 3. E ate mesmo dentro do lexicode uma dada lingua os signos 1, 2, 3 e assim por diante estao, de certomodo, antes ligados diretamente ao conceito do que a palavra: as palavraspara 1 ("um") e 2 ("dois") relacionam-se aos conceitos "1Q" e "2Q", mas naoas palavras "primeiro" e "segundo".

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    Uma outra especie de pictograma e a escrita rebus (0 desenho dasola - ingTes sale - de um pe poderia representar em ingles tambern 0peixe chamado sale [solha], sale no sentido de "apenas", ou soul [alma]associada a "corpo"; desenhos de um moinho [milll, um carninho [walk]e uma chave [klry] , nessa ordem, poderiam representar a palavra "Mil-waukee"). Uma vez que aqui 0s imbolo representa fundamentalmente umsom, urn rebus e uma especie de fonograma (som-simbolo), mas apenasde modo mediate: 0 som e designado nao por urn signo codificadoabstrato, como uma letra do alfabeto, mas por urn desenho de uma dasvarias coisas que 0proprio som significa.

    Todos os sistemas pictograficos, a te mesrno no caso dos ideogra-mas e dos rebus, requerem uma espantosa quantidade de simbolo~chines e 0maior, mais complexo e mais rico deles: 0dicionario K'anghside chines, em 1716 da nossa era, arrola 40.545 caracteres. Nenhum chinesou sinologo conhece, ou ja conheceu, todos eles. Po,:cos chineses queescrevem sabem escrever todas as palavras chinesas faladas que oderncompr en er. Tornar-se su iclentemente versa 0no sistema de escritachi~ormalmente cerca de 20 anos. Urn tal registro exige tempoe e fundamentalmente elitista. Indubitavelmente, os caracteres seraosubstituidos pelo alfabeto romano logo que 0povo da Republica Popularda China domine a mesma lingua chinesa ("dialeto"), 0mandarim, queagora esta sendo ensinado em toda parte. A perda para a literatura seracolossal, mas nao tanto quanta 0numero de caracteres (mais de 40 mil)que um datil6grafo chines teria de dominar,

    Uma vantagem do sistema basicamente pictografico e que os indivi-duos que falam diferentes "dialetos" chineses ( linguas chinesas realmentediferentes, mutuamente incompreensiveis, embora basicamente possuido-ras da mesma estrutura), incapazes de compreender 0que os outros dizem,podem compreender a escri ta. Leem diferentes sons pelo mesmo caractere(desenho), algo Como um frances, urn luba; urn vietnamita e um Inglessaberem 0que cada um quer dizer com os numerais arabicos 1, 2, 3 e assimpor diante, mas nao reconhecerem 0numeral se pronunciado por um dosoutros. (Todavia, os caracteres chineses sao fundamentalmente desenhos ,embora primorosamente estilizados, 0que 1, 2, 3 nao sao.)

    Algumas linguas sao eseritas em silabarios, nos quais cada signorepresenta uma consoante e urn som vocalico seguinte. Desse modo, 0

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    silabario japones katakana tern cinco sfrnbolos separados, respectiva-mente, para ka, ke, ki, ko, l eu , cinco outros para rna, me, mi, rna, mu. eassim por diante. Ocorre que a lingua japonesa e constituida de tal modoque pode utilizar urn registro silabario: suas palavras sao compostas departes que consistem sempre de urn som consonantal seguido de urn somvocalico (n funciona como uma semi-silaba), sem grupos consonantais(como em "perspicacia", "claustro"), Com suas muitas especies de silabase seus frequentes grupos consonantais, 0Ingles [assimcomo 0portugues]nao poderia ser eficazmente arranjado em urn silabario. Alguns silabariossao menos desenvolvidos do que 0 japones, No do vai, na Liberia, porexemplo, nao existe uma correspondencia plena entre os simbolos visuaise as unidades de som. A escrita fornece apenas uma especie de mapapara a elocucao que registra, e e muito dificil de ler, ate mesmo para urnescriba habil (Scribner eCole 1978, p. 456).

    Muitos sistemas de escrita sao na verdade sistemas hibridos,m~sclando dois ou mais prindpios. 0 sistema'a ones e luorido (alem dosilabario, ele usa caracteres chineses, ronunciados a sua pr6pria maneiranao-chinesa); 0sistema coreano e hibrido (alern do hangul, urn alfabetogenuino, talvez 0mais eficiente de todos os alfabetos, ele usa caractereschineses, pronunciados a sua pr6pria maneira); 0antigo sistema hierogli-fico egipcio era hibrido (alguns simbolos eram pictogramas, algunsideogramas, outros rebus); a pr6pria escrita de caracteres chineses ehibrida (pictogramas mesclados, ideogramas, rebus e varias combinacoes,muitas vezes extremamente complexas, culturalrnente ricas e poeticamen-te belas). Na verdade, em virtude da tendencia que tern os registrosescritos em comecar com pictogramas e se desenvolver para ideogramase rebus,Taivez a maioria dos sistemas de escrita que nao 0alfabetosejaate certo ponto luorida. E ate mesmo a escrita alfabetica se torna ilii3ru:taquando escreve 1 em vez de urn.

    o fato mais notavel sobre 0alfabeto e, sem duvida, 0de que foiinventado apenas uma vez. Ele foi criado por urn povo semitico ou porpOVQSsemiticos por volta de 1500 a.c., na mesma area geografica ondesurgiu 0primeiro de todos os registros escritos, 0cuneiforme, mas 2 milanosdepois dele. (Diringer 1962, pp. 121-122, discute as duas variantesdo 'alfabeto original, 0semitico do norte e 0semitico do suI.) Todos osalfabetos do mundo - hebraico u aritico re 0 romano, cirmco, arabico,tarni , malabarense, coreano - derivam, de uma forma ou e outra, do

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    desenvolvimento semitico original, embora, como nos registros ugar~e core;no 0desenho fisico das letras nem sempre possa ser relacionadoao~. ". ,o hebraico, assim como outras linguas serniticas, como 0arabe,ate hoje nao possuem letras para vogais. Urn jornal ou livro hebraicoainda hoje imprimem apenas consoantes (e as chamadas semivogais ~j]elwl, que sao na verdade formas de [i] e [u]: se tivessemos de seguir 0costume hebraico em portugues, escreveriamos e imprimiriamos "cnsnts"em vez de "consoantes". A letra aleph, adaptada peIos antigos gregos paraindicar a vogal "alfa", que se tornou nosso "a" romano, nao e uma vogal,mas uma consoante no hebraico e em outros alfabetos semiticos, querepresenta uma oclusiva glotal (0 som entre dois sons voc~li:~s noportugues "ah-ah", que significa "nao"). Posteriormente, n~ hlstona. doalfabeto hebraico, "pontos" vocalicos, pontinhos e hifens abaixo ou acimadas letras para indicar a vogal adequada, foram acrescentados a muitostextos, frequentemente para criancas muito pequenas em fase. de alfabe-tizacao - ate 0 terceiro ano, mais ou menos. As Iinguas orgamzam-se dediferentes maneiras, e as semlticas sao constituidas de tal modo quefacilitam a leitura quando as palavras sao escritas apenas com consoantes.

    Esse modo de escrever apenas com consoantes e semiconsoantes(y como em you; w) levou alguns lmguistas (Gelb 1963; HaveI~ck 1963,p. 129) a chamar de silabario ou talvez urn silabario nao vocaltzado. ou"reduzido" 0 que outros linguistas chamam de alfabeto hebraico.Todavia, parece urn tanto inadequado pensar na letra hebraic a beth (b)como uma sflaba quando, na verdade, ela simplesmente representa 0fonema [bl, ao qual 0 leitor deve acrescentar qualquer som vocalicoexigido pela palavra ou peIo contexto. Alern disso, qua~do os pon:osvocalicos sao usados, eles sao acrescentados as letras (acima ou abaixoda linha), exatamente como as vogais sao acrescentadas as nossasconsoantes. E israelenses e arabes modernos, discordantes em quasetudo 0mais, geralmente concordam que ambas sao letras escritas. emurn alfabeto. Para uma compreensao do desenvolvimento da escnta apartir da oralidade, parece no minirno indiscutivel pensar no registroescrito sernitico sirnplesmente como urn alfabeto de consoantes (esemivogais) que os leitores, a medida que leem, simples e facilmentecomplementam com as vogais adequadas.

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    Ap6s tudo 0que se disse sobre 0alfabeto semitico no entanto ficamuito claro que os gregos fizeram algo de grande im o~ncia pSicol~~icaquando desenvolveram 0pnmeiro a a eto completo com vo ais. Have-lock (1976) ac~ ta que essa trans ormaS;ao crucial. quase total. da pal~~de sonora para visual deu a antiga cultura grega sua ascendencia inteiectual,-- .sob~ outras culturas antigas. 0 leitor da escrita semitica precisava lancarmao de dados tanto textuais quanto nao textuais: precisava conhecer aIingua que estava lendo para saber que vogais colocar entre as consoantes.A escrita semitica estava ainda muito imersa no mundo da vida cotidiananao textual. 0 alfabeto vocalico grego estava mais distante daquele mundo(como as ideias de Platao iriam estar). Ele analisava 0som de modo maisabstrato, em componentes puramente espaciais. Podia ser usado paraescrever ou ler palavras ate mesmo em Hnguas que nao se conhecia (salvopor algumas imprecisoes devidas a diferencas fonol6gicas entre linguas).Uma crianca poderia aprender 0alfabeto grego ainda muito pequena e comvocabulario lirnitado. (Observou-se ha pouco que, para os escolares israe-lenses, ate0terceiro ano, os "pontes" vocalicos precisam ser acrescentadosao registro hebraico tradicional.) 0 alfabeto grego foi democratizante nosent~ de que era f:'icilpara qualquer urn aQrender. Era tambem "interna-cionalizante", pelo fato de que fornecia urn meio de lidar ate mesmo comlinguas estrangeiras. Essa realizacao grega de analisar abstratamente 0indefinivel mundo do som em equivalentes visuais (nao de modo perfeito,com certeza, mas na verdade pleno) tanto pressagiou quanto implementousuas outras exploracoes analiticas.

    Parece que a estrutura da lingua grega, 0fato de que nao estavabaseada em urn sistema como 0semitico, que admitia a omissao de vogaisna escrita, acabou sendo talvez uma vantagem intelectual acidental,porern crucial. Kerckhove (1981) sugeriu que, mais do que quaisgueroutros sistemas de escrita, 0 alfabeto inteiramente fonetico estimula aatividade do hernisferio esquerdo do cerebro e, desse modo, sobre basesneurofisiol6gicas, favorece 0pensamento analitico, abstrato.--A razao de 0alfabeto ter sido inventado tao tarde e apenas umavez pode ser entendida se refletirmos sobre a natureza do som, pots,calfabeto opera mais diretamente sobre 0som como som do que os outros

    \

    re~iSfrO.S escr~os, r~uzindo 0 som diretamente a equivaleotes espaciaise a uOldades menores, mais analiticas, mais mani ulaveis d urnsilabario: em vez e urn simbolo para 0 som ba, temos dois, b mais a. -__,---106

    o som, como ja explicamos anteriormente, existe somente quandoesta desaparecendo. Nao posso ter presente uma palavra inteira ao mesmotempo: ao dizer "desaparecendo", quando chego ao "-cendo", 0"desapare-"ja acabou. 0 alfabeto implica que as questoes sao diferentes, que umapalavra e uma coisa, nao urn evento, que ela esta presente imediatamentee que pode ser cortada em pedacinhos que podem ate mesmo ser escritospara a frente e pronunciados para tras: "amora" pode ser pronunciada"aroma". Se gravarmos em uma fita a palavra "amora" e a tocarmos paratras, nao obteremos "aroma", mas urn som completamente diferente, nem"amora" nem "aroma". Urn desenho, digamos, de urn passaro, nao reduz 0som ao espaco, pois representa urn objeto, nao uma palavra. Sera 0equivalente de qualquer quantidade de palavras, dependendo da linguausada para interprera-lo: oiseau, uccello, pdjaro, Vogel, sae, tori, "passaro",

    Todo registro escrito representa as palavras como se, de algummodo, elas fossem coisas, objetos mudos, marcas im6veis para a assimi-lacao pela visao. Rebus ou fonogramas, que ocorrem irregularmente emalgumas escritas pictograficas, representam 0som de uma palavra pelodesenho de uma outra (a sale [sola, em portugues) de urn pe repre-sentando soul [alma] em referencia ao corpo, como no exemplo ficticiousado acima). Mas0rebus (fonograma), embora possa representar variascoisas, ainda e urn desenho de uma das coisas que ele representa. 0alfabeto, nao obstante derivar provavelmente de pictogramas, perdeutoda a ligacao com as coisas como coisas. Ele representa 0som em sicomo uma coisa, transformando 0mundo evanescente do som 00mundoespacial mudo, serni-permanente.

    o alfabeto fonetico inventado eios anti os semitas e aperfeicoadopelos an gos gregos e, sem duvida, 0mais adaptavel de todos os sistemasde escriti,'""por converter 0som.a ~~1....E ~lvez, igualmente,o menos estetlco de to~als sistemas de escnta: pode ser postoem bela caligrafia, mas nunca tao refinada quanto os caracteres chineses.Constitui urn registro democratizante, facilmeote apreodido por qualquerpessoa. A escrita de caracteres chineses, como muitos outros sistemas deescrita, e intrinsecamente elitista: domina-la completamente exige urn 6cioprolongado. A qualidade democratizante do alfabeto pode ser percebida naCoreia do SuI. Nos livros e [ornais coreanos, 0 texto e uma mescla depalavras soletradas alfabeticamente e de centenas de diferentes caractereschineses. Porern, todos os sinais publicos sao sempre escritos apenas no

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    I

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    I II'I I ~

    alfabeto, que todos podem virtualmente ler, uma vez que e dominado nosprimeiros anos da escola fundamental, ao passo que os I.S00 han oucaracter~s chineses, ~ue sao 0rninimo exigido - alern do alfabeto _ paraler a rnaior parte da l iteratura em coreano, nao sao cornu mente dominadosna sua totalidade antes do fim da escola secundaria.

    Talvez a realiza~ao isolada rnais notavel da historia do alfabeto tenhaocorrido na Coreia, onde, em 1443 d.C., 0rei Sejong da dinastia Yidecretouque urn alfab~to ~everia ser inventado para 0coreano. Ate aquela epoca,o coreano havia sido escrito apenas em caracteres chineses, primorosamen-te trabalhados para se adequar ao vocabulario do coreano (e interagir comele~, uma lingua nao inteiramente relacionada ao chines (embora possuamuitas pa~avras de em~restimo do chines, a rnaioria e tao coreanizada quese torna mcompreensive] para qualquer chines). Milhares e milhares decoreanos - todos coreanos que sabiam escrever - haviam passado ouestavam passando a melhor parte de suas vidas aprendendo a dominar acomplicada quirografta sino-coreana. Seria pouco provavel que saudassemurn novo sis tema de escr ita que tornaria obsoletas suas habilidades ardua-~ente adquiridas. Porem, a dinastia Yi era poderosa e 0decreto de Sejong,diante da prevista resistencia macica, sugere que ele possula estruturas deego igualmente poderosas. A acornodacao do alfabeto a uma dada linguageralmente demanda muitos anos ou muitas geracoes. A comissao de sabiosde ~ejong ~erminara 0 alfabeto coreano em tres anos, uma realizacaomag~stral, virtualmente perfeita na sua adaptacao a fonologia coreana eeste~ca~lente destinada a produzir um registro alfabetico com algo daaparencia de um texto em caracteres chineses. Porem, a recepcao dessafa5anha notavel era previsivel. a alfabeto foi usado apenas para objetivosnao acadernicos, praticos, vulgares. as escritores "series" continuaram ausar a escri ta de caracteres chineses que haviam treinado tao arduamente.A lit :ratura ser ia era elit ista e desejava ser conhecida como eli tista. Apenasno seculo XX, com a democratizacao maior da Coreia, 0alfabeto realmentealcancou sua atual (ainda nao total ) ascendencia.

    o comeco da cul tura escrita_. Quando um registro plenamente formado de qualquer tipo, alfa-

    betico ou outro, abre caminho pel a primeira vez na direcao de uma

    lOS

    sociedade especffica, ele 0 faz necessariamente, no IntCIO, em setoresrestritos e com diferentes resultados e implicacoes. A escrita e muitasvezes considerada, inicialmente, como um instrumento de poder secretoe rnagico (Goody 1965b, p. 236). Traces dessa atitude inicial em relacaoa escrita ainda podem ser vistos na etimologia: a grammarye ou grarnaticado Ingles medic, referente ao aprendizado livresco, acabou por significarconhecimento oculto ou magico e, por meio de uma forma dialeticaescocesa, emergiu no nosso atual vocabulario Ingles como glamor (poderde encantamento). Glamor girls sao, na realidade, garotas de gramatica.a futbark; ou alfabeto ninico da Europa Setentrional medieval, foicomumente associado a magia. Fragmentos de escrita sao us ados comoamuletos magicos (Goody 196sb, pp. 201-203), mas podem tambern serapreciados simplesmente em virtu de da maravilhosa durabilidade queconferem as palavras. a romancista nigeriano Chinua Achebe descrevecomo em uma aldeia ibo 0unico homem que sabia escrever acumulouem sua casa todo pedaco de material impresso que encontrava em seucaminho - jornais , caixas de papelao, recibos (Achebe 1961, pp. 120-121).Tudo the parecia extraordinario demais para ser jogado fora.

    Algumas sociedades de cultura escr ita limitada consideram a escritaperigosa para 0leitor desavisado, exigem uma figura semelhante a urn gurupara servir de mediador entre 0leitor e 0texto (Goody e Watt 1968, p. 13).A cultura escrita pode estar restrita a grupos especiais como 0 clero(Tambiah 1965, pp. 113-114). as textos podem dar a impressao de possuirvalor religioso intr inseco: os iletrados tiram proveito do ato de esfregar 0livro em suas frontes, ou de fazer girar rodas de oracoes que sustentamtextos que nao podem ler (Goody 1968a, pp. 15-16). as monges tibetanoscostumavam sentar-se nas margens de riachos "imprimindo paginas deencantamento e de f6rmulas na superficie da agua com blocos de madeira"(Goody 1968a, p. 16, ci tando R.B. Eckvall) . as ainda f lorescentes "cultos decarregamento" em algumas ilhas do Pacifico SuI sao bern conhecidos:iletrados ou semiletrados julgam que os documentos comerciais - encomen-das, conhecimentos de embarque, recibos etc. - que sabem que existemem operacoes de embarque sao instrumentos magicos para fazer com quenavios e carregamentos cheguem pelo mar, e criam varies rituais pelamanipulacao de textos escri tos, na esperanca de que aquele carregamentoapareca para dele tomarem posse e fazerem usa (Meggitt 1968, pp.300-309). Na cultura da ant iga Grecia, Havelock descobre um padrao geral

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    ~e cultu=a escrita .restrita aplicavel a muitas outras culturas: l~o apos.3introducar, da escnta, desenvolve-se urn "offcio de escrita" (Havelock 1963;cf. Havelock e Herschell 1978). Nesse estagio, a escrita e urn comercioprat icado par profissionais que sao contratados para escrever uma carta ouurn do~umento, do mesmo modo que se contrata urn pedreiiOparaconstruir uma casa, ou urn construtor naval para fazer urn barco. Era esseo estado de coisas nos reinados a a Africa Octdental, como 0Mali da IdadeMed.ia . ate ~ s~culo XX. (Wilks 1968; Goody 1968b). Nesse ~sragio deproftsstonaliza~ao da escnta, nao ha mais necessidade de lieurn' . iduosaiba ler e escrever do que e ominar outra atividade comerciaJ Qualauer.Apenas por volta da epoca de Platao na Grecia antiga, mais de tres seculosdepo~ da i.nt.rodu~ao do alfabeto grego, esse esragio foi superado. qU~a e~~fl~_fot fmalmente difUndtda entre a popula~ao grega e interiorizad; 0suftcten~para afetar os processos mentais de urn modo geral (Havelock1963).

    As propriedades fisicas do material escrito inicial estimularam apermanencia da cultura tribal (ver Clanchy 1979, pp. 88-115, sobr; "Atecnologia da escri ta"). Em vez do papel de superficie uniforme fabricadoem maquinas e das canetas esferograficas relativamente duraveis 0eS2itor antigo possuia urn equipamento tecnologico mais rebelde. Co~superficies para a escnra, e1e possofa blocos De barro molhado, peles dean~s (perganJ1n1lo, velino) desb:rstaaas de gordura e pelos, muitas- -vezes ~ com}5ectra-pomes eorariqueadas com giz, freqiiente-' .nle~te r~processadas pela raspagem de urn texto anterior (paHmpsestos).Ou entao cascas de arvores, papiros (melhor do que a- maioria dassuperficies, mas ainda aspero para os padroes de alta tecnologla), folhassecas ou outros vegetais, cera derramada sobre mesas de madeira muitasvezes dobradas para formar urn diptico usado em urn cinto (essastabuletas de cera eram usadas para notas e a cera era polida repetidasvezes para reut ilizacao), bastoes de madeira (Clanchy 1979, p. 95) e outrassuperfic.ies de madeira e de pedra de varies tipos. Nao havia papelariasde esquina vendendo blocos de papel. Nao existia papel. Como ferramen-tas para esc.rever, os escribas possuiam varies tipos de estilete, penas deg~nso que tinharn de ser carta~as e apontadas repetidas vezes com 0queainda chamamos de pen knife, pinceis (particularmente na Asia Oriental) "Canivete" em por tugues. Em Ingle s, l it era lmente, " faca de pena". (N.T .)

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    ou varies outros instrumentos para riscar superficies ou espalhar tintas.Tintas fluidas eram misturadas de varias maneiras e preparadas para usaem chifres ocos de bois (tinteiros de chifre) ou em outros recipientessolidos, ou, comumente na Asia Oriental, pinceis eram molhados eesfregados em blocos cobertos de tinta seca, como na aquarela.

    Exigiam-se habilidades mednicas ara trabalhar com esse materialde escrita, e nem to os os "escritores" as tinham no grau adequado parauma com~ denIUfada. 0 paper tornou a escrita fislcamente maisfacil, Mas, manufaturado na Chma, provavelmente por volta do seculo IIa.c., edifundido pelos arabes no Oriente Medio por volta do seculo VIIId.C., 0rapel foi produzido pela primeira vez na Europa apenas no seculoXII. .---Habitos mentais ha muito existentes de pensar em voz alta favorecemo ditado, mas 0estado da tecnologia da escrita tarnbem 0faz, No ato fisicode escrever , diz 0 Ingles medieval Orderic Vitalis, "0 corpo todo trabalha"(Clanchy 1979, p. 90). Durante a Idade Media, na Europa, os autores muitofrequentemente empregavam escribas. Compor a medida que se escreve,produzir urn pensamento com a pena na mao, particularmente em cornpo-sicoes breves, era, evidentemente, algo praticado ate certo ponto desde aAntiguidade, mas isso se tornou mais comum em relacao a cornposicaoliteraria ou outras composicoes mais longas em diferentes epocas nasdiversas culturas, Ainda era raro na Inglaterra do seculo XI e, quandoocorria, ate mesmo entao, podia ser feito em uma moldura psicologica taooral que nos e diffcil imagina-lo. Eadmer de Saint Albans, na Inglaterra doseculo XI, quando compunha par escrito, sentia que estava ditando a simesmo (Clanchy 1979, p. 218). Sao Tomas de Aquino, que escreveu seusproprios manuscri tos, organiza sSa Summa lheo/ogiae em urn Formatoquas-; oral: cada secao ou "questao" comeca com uma recitacao de objecoesco~posi~ao que assumira Aquino; entao, ele de clara sua posicao efinalmente responde as objecoes, pela ordern, De modo semelhante, urnantigo poeta escreveria urn poema irnaginando-se declamando-o para urnpublico. Poucos romancistas hoje escrevem urn romance imaginando-sedecia~ndo-o em voz alta - se e que algum 0faz -, embora possam serexcepcionalmente conscientes dos efeitos sonoros das palavras. 0alto graude cultura escrita ali rnenta a composicao verdadeiramente escrita, na qualo autor compoe urn texto que e exatamente urn texto, junta suas palavrasno papel. Isso confere ao pensamento contornos diferentes daqueles do

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    pensamento baseado na oralidade. Voltaremos a falar (isto e, escrever) maisadiante sobre os efeitos da cultura escrita nos processos mentais.

    Da memoria aos registros escri tos

    Muito tempo depois de uma cultura ter comecado a usar a escrita,ela pode ainda nao the dar muito valor. Urn letrado de hoje geralmenteda como certo que os registros escritos tern mais forca do que as palavrasfaladas como prova de urn estado de coisas ha muito existente, especial-mente em urn tribunal. As culturas mais antigas, que conheciam a escrita,mas nao a haviam interiorizado 0suficiente, muitas vezes davam comocerto exatamente 0oposto. a grau de credito atribuido a registros escritosindubitavelmente variou de cUIi:urapara cultura porern aliist6ria cuiaa-- 'dosa, elaborada por Clanchy, de exemplos do uso da escrita paraobjetivos adrninistrativos praticos na Inglaterra dos seculos XIe XII (1979)fornece uma amostra instrutiva de quanto a oralidade podia se prolongarna presen~a da escrita,ate mesmo em urn meio administrativo.

    I No periodo estudado, Clanchy descobre que "os documentos naoinspiram confian~a imediatamente" (Clanchy 1979, p. 230). As pessoasprecisavam ser convencidas de ue a escrita aperfei~oava os metodosorais 0 bastante para compensar todos os custos e as tecnicas 1Iceisque ela envolvia. Antes do uso de documentos, 0 testemunho oralcoletivo era cornu mente usado para estabelecer, por exemplo, a idadede herdeiros feudais. Em 1127, para resolver uma disputa relativa adestinacao dos impostos devidos no porto de Sandwich (se deveriam irpara a Abadia de Santo Agostinho -ern Canterbury ou para ChristChurch), selecionou-se urn juri de doze homens de Dover e doze deSandwich, "pessoas de idade, sabias e maduras, de born testemunho".Cada jurado jurou que, como "recebi de meus ancestrais e vi e ouvi emminha juventude", as taxas pertenciam a Christ Church (Clanchy 1979,pp. 232-233). Eles estavam lembrando publicamente 0que outros antesdeles haviam lembrado.

    A . primeira vista, as testemunhas erarn mais confiaveis do que ostextos, parque podiam ser questionadas e defender suas afirmacoes, aopasso que os textos, nao (isso, devemos lembrar, era exatamente uma dasobjecoes de Platao a escrita). Metodos notariais de autenticar documentos

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    tentam construir mecanismos de autenticacao por documentos escritos,mas os metodos notariais se desenvolvem tarde nas culturas letradas, emuito mais tarde na Inglaterra do que na Italia (Clanchy 1979, pp.235-236). as pr6prios documentos escritos eram muitas vezes autentica-dos nao par escrito, mas por objetos simb6licos (como uma faca, presaao documento por uma correia de pergarninho - Clanchy 1979, p. 24).De fato, os objetos simb6licos por si s6s podiam servir como instrumentosde transferencia de propriedade. Por volta de 1130, Thomas de Mus-champs transferiu sua propriedade de Hetherslaw aos monges de Durhamoferecendo sua espada sobre urn altar (Clanchy 1979, p. 25). Ate mesmodepois do Domesday Book (1085-1086) e 0 resultante aumento dedocumentacao escrita, a hist6ria do conde Warrenne mostra como 0estado mental oral ainda persistia: diante dos juizes encarregados dosprocedirnentos deterrninados pelo estatuto Quo Wan"anto, no reinado deEduardo I (entre 1272 e 1306), 0Conde Warrenne exibiu nao uma carta,mas "uma espada antiga e enferrujada", argumentando que seus ances-trais haviam chegado com Guilherme, 0 Conquistador, para tomar aInglaterra pela espada e que ele defenderia sua~ terras com a espada.Clanchy chama a atencao (1979, pp. 21-22) para 0fato de que a hist6riae urn tanto discutivel em virtude de algumas incoerencias, mas observatambem que sua persistencia testemunha urn estado mental mais antigo,conhecedor do valor testemunhal de prendas simb6licas.

    As antigas escrituras de transferencia de terra na Inglaterra nao eramoriginalmente nem mesmo datadas 0979, pp. 231, 236-241), provavelmentepar diversos motivos. Clanchy sugere que 0mais profundo deles eraprovavelmente que "adatacao exigia que 0escriba expressasse sua opiniaosobre seu lugar no tempo" 0979, p. 238), 0que requeria que escolhesseurn ponto de referenda. Que ponto? Ele deveria localizar esse documentopor referencia a criacao do mundo? A . Crucificacaor Ao nascimento deCristo?as papas datavam assim os seus documentos, do nascirnento deCristo, mas nao seria uma presuncao datar urn documento secular como ospapas datavam os seus? Na~ culturas de alta tecnologia, atualmente, todosvivemos, todos 0 dias em uma nioldura de tempo computado abstrata-mente, imposto rnilhares de ca en rios irnpressos, rel6gios de paredee rel~los de pulso. Na Inglaterra 0seculo XII, nao avia rel6gios de. . . . . .parede ou rel6gios de pulso ou calendarios de mesa.

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    Antes que a escri ta fosse profundamente interiorizada pela impres-sao, as pessoas nao se sentiam situadas, a cada momento de suas vldas,em qualquer tipo de tempo computado abstratamente. Parece improvavelque-; maioria das pessoas na Europa Ocidental medieval ou ate mesmorenascentista estivessem comumente conscientes do mimero do anacalendario corrente - contado a partir do nascimento de Cristo ou dequalquer outro ponto no passado. Por que estariam? A indecisao quantaa partir de que ponto computar 0 tempo atestava as trivialidades daquestao. Em uma cultura sem jornais ou outro tipo de material corrente-mente datado para ser impingido a consciencia, qual a utilidade, para amaioria das pessoas, de saber 0ana calendario corrente? 0 mimero docalendario abstrato nao estaria relacionado a nada na vida rea l. A maioriadas pessoas nao sabia nem mesmo tentava descobrir em que ana havianascido.

    Alem disso, as escrituras eram indubitavelmente associadas dealgum modo a prendas simb6licas, como facas ou espadas. Elas eramidentificaveis por sua aparencia , E, de fato, as escrituras eram com muitafrequencia forjadas para se assemelhar ao que um tribunal (emboraequivocadamente) achava que devia parecer (Clanchy 1979, p. 249,citando P.H. Sawyer). "Os falsificadores", sublinha Clanchy, nao consti-tuiam "desvios ocasionais nas periferias da pratica legal", mas eram"peritos entrincheirados no centro da cultura literaria e intelectual doseculo XII." Das 164 escri turas ainda existentes de Eduardo, 0Confessor,44 sao certamente falsificadas, apenas 64 com certeza genuinas e 0restonao se sabe em qual dos cas os se encontra.

    Os erros verificaveis resultantes dos procedimentos economicos ejuridicos ainda radicalmente orais que Clanchy cita eram rninimos, porqueo passado mais remoto era, em sua maior parte, inacessivel a consciencia."A verdade lembrada era ... flexivel e recente" (Clanchy 1979, p. 233).Como vimos em exemplos de Gana e da Nigeria modernas (Goody e Watt1968, pp. 31-34), em uma economia de pensamento oral, questoes dopassado sem qualquer relevancia presente comumente caiam no esque-cimento. A lei consuetudinaria , desbastada de material nao mais em uso,era automaticamente sempre atualizada e, portanto, jovem - um fato que,paradoxalmente, faz com que a lei consuetudinaria pareca inevitavel e,portanto, muito velha (cf. Clanchy 1979, p. 233). As pessoas cuja visao demundo foi formada por uma cultura escrita elevada tern a necessidade de

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    lembrar que, nas culturas funcionalmente orais, 0passado nao e perce-bide como um terreno especificado em itens, salpicado de "fatos" ouinformacoes verificaveis e discutidas. E 0dominic dos ancestrais uma,fonte ressonante de consciencia renovadora da existencia presente, queem si mesma nao e um terreno especificado em itens. A oralidade naoconhece listas, tabelas ou mimeros.

    Goody (1977, pp. 52-111) examinou detalhadamente a importan-cia noetica de tabelas e registros, dos quais 0 calendario e um dosexemplos. A escrita torna possivel tais aparatos. De fato, a escrita foi,em certo sentido, inventada em boa medida para fazer coisas comoregistros: a grande maioria dos escritos mais antigos que conhecemosos de escrita cuneiforme dos sumerios, que comecam por volta de 350~a.c., sao registros de calculos. As culturas orais primarias comumentesituam seus equivalentes de registros em narrativas, como no catalogodos barcos e dos chefes na lliada (ii.461-879) - nao um registro decontas objetivo, mas uma exposicao operacional em uma hist6ria sobreuma guerra. No texto da Tora, que registrou por escrito formas depensamento ainda basicamente orais, 0equivalente da geografia (esta-belecendo a relacao de um lugar com outro) e posto em uma narrativade acao formular (Numeros 33: 16 ss.): "Partindo do deserto do Sinaieles acamparam em Quibrote-Ataava. Partindo de Quibrote-Ataava:acamparam em Hazerote. Partindo de Hazerote, acamparam em Rit-rna . .. " e assim por muitos versos mais. Ate mesmo as genealogias dessatradicao de mol dura oral sao na verdade comumente narrativas. Em vezde uma recitacao de nomes, encontramos uma sequencia de "gerou",de afirrnacoes do que alguern fez: "Irade gerou Meujael, Meujael gerouMetusael, Metusael gerou Lameque" (Genesis 4:18). Esse tipo de acu-rnulacao deriva parcialmente da tendencia oral para explorar 0equili-brio (a recorrencia de sujeito-predicado-objeto cria um ritmo que auxiliana recordacao, um ritmo de que careceria uma mera sequencia denomes), em parte da tendencia oral para a redundancia (cada individuoe mencionado duas vezes, como gerador e como gerado), e parcialmen-te da tendencia oral para antes narrar do que simplesmente justapor (osindividuos nao sao imobilizados, como em um alinhamento militar masestao fazendo algo, isto e, "gerando"). '

    Essas passagens biblicas obviamente sao registros escritos, masprovem de uma sensib ilidade e de uma tradicao oralmente constitu idas.

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    Nao sao percebidas como uma coisa, mas como reconstituicoes deeventos no tempo. Sequencias oralmente apresentadas sao sempre ocor-rencias no tempo, impossiveis de "examinar", parque nao sao apresenta-das visualmente, sao antes enunciados que sao ouvidos. Em uma culturaoral primaria ou em uma cultura com forte residuo oral, nem mesmo asgenealogias sao "registros" de dados, sao antes "memoria de cancoescantadas". Os textos sao coisas, imobilizados no espaco visual, sujeitos aoque Goody chama de "esquadrinhamento retrospectivo" (1977, pp. 49-50). Goody mostra em detalhes como, quando os antropologos expoemem uma superficie escrita ou impressa registros de varies itens encontra-dos em mitos orais (clas, regioes do planeta, tipos de ventos e assim pordiante), eles na verdade deformam 0mundo mental no qual os mitos ternsua propria existencia, A satisfacao proporcionada pelos mitos e essen-cialmente nao "coerente" numa forma tabular.

    Registros do tipo discutido par Goody sao obviamente iiteisquando estamos conscientes da distorcao que eles inevitavelmente criam.A apresentacao visual do material verbalizado no espaco possui suapropria economia, suas proprias leis de movimento e de estrutura. Ostextos, em varies registros em todo 0mundo, sao lidos diferentemente daesquerda para a direita, ou da direita para a esquerda, ou de cima parabaixo, ou todos esses modos ao mesmo tempo, como em uma escritabustrofedon, mas nunca em lugar algum, pelo que se sabe, de baixo paracima. Os textos assimilam a enunciacao ao corpo humano. Eles introdu-zem urn gosto por "cabecalhos" em acumulacao de conhecimento:"capitulo" deriva do latim caput, que significa "cabeca" (como a do corpohumano). As paginas nao possuem apenas "cabecas", mas tambem "pes",para notas de rodape. Fazem-se referencias ao que esta "acima" e "abaixo"em urn texto, quando 0que se quer dizer sao varias paginas arras ouadiante. A importancia do vertical e do horizontal em textos merece urnestudo serio. Kerckhove (1981, pp. 10-11) sugere que 0desenvolvimentodo hemisferio esquerdo do cerebro governou a tendencia, na escritagrega antiga, para 0movimento da direita para a esquerda, para 0movimento bustrofedon (padrao "arado de boi", uma linha indo para adireita, depois uma volta na ponta para a outra linha, que vai da direitapara a esquerda, sendo as letras invertidas segundo a direcao da linha) ,para 0estilo stoichedon (linhas verticais) e, finalmente, para 0movimentodefinitivo da esquerda para a direita, em uma linha horizontal. Tudo isso

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    constitui urn mundo de ordem, totalmente diferente de tudo 0que existena sensibilidade oral, que nao tern como operar com "cabecalhos" ou comlinearidade verbal. Em qualquer lugar do mundo, 0alfabeto, 0implaca-velmente eficiente redutor do som ao espaco, e posto a service imediatodo estabelecimento das novas sequencias definidas espacialmente: ositens sao marcados com a, b, c e assim por diante, para indicar asequencia, e ate mesmo os poemas, nos primeiros tempos da culturaescrita, eram compostos com a primeira letra da primeira palavra deversos sucessivos seguindo a ordern do alfabeto. 0 alfabeto como umasimples sequencia de letras constitui uma ponte importante entre amnem6nica oral e a mnem6nica letrada: geralmente a sequencia das letrasdo alfabeto e memorizada oralmente, e depois usada para a recuperacaovisual do material, como nos indices.

    As tabelas, que ordenam elementos de pensamento nao simples-mente em uma linha de categoria, mas simultaneamente em ordenshorizontais e entrecruzadas, representam uma moldura de pensamentoainda mais distante do que os registros em relacao aos processos noeticosque devem representar. 0uso extensivo de registros e particularmente detabelas, tao comum em nossas culturas de alta tecnologia, e resultado naoapenas da escrita, mas da profunda interiorizacao da impressao (Ong1958b, pp. 307-318 e passim), que implementa 0usa de tabelas diagra-rnaticas fixas de palavras e outros usos informativos do espaco neutromuito alem de qualquer coisa factivel em qualquer cultura escrita.

    Sobre a diruimica da textualidade

    A situacao das palavras em urn texto e muito diferente da suasituacao na lingua gem falada. Embora se refiram a sons e nao tenhamsentido ate que possam ser relacionadas - externamente ou na imagina-~ao - aos sons ou, rnais precisamente, aos fonemas que codificam~ ipalavras escritas estao isoladas do contexto pleno no qual as palavrasfaladas nascem. A palavras, em seu habitat natural, oral, sao parte de urnpresente real, existencial, A enunciacao oral e dirigida por urn indivi~ !real,.~vo, a outro individuo real, vivo, ou mdividuos reais, vivos, em urnIerne- espedfico em urn cenario real que inclui sempre muito mais doque meras palavras. As palavras faladas constituem sempre modificacoes- 117

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    de uma situacao que e mais do que verbal. Elas nunca ocorrem sozinhas,em urn contexto simplesmente de palavras.

    No entanto, as palavras estao sozinhas em urn texto. Alern disso,ao compor urn texto, ao "escrever" algo, aquele que produz a enunciacaoescrita esta igualmente sozinho. Escrever e uma opera~ao solipsfstica.Estou escrevendo urn livro que, espero, sera lido por centenas de milharesde pessoas; portanto, devo estar isolado de todos. Enquanto escrevo 0preserrte1iVro, deixo urn aviso de que estou "fora" durante horas e dias-='para que ninguem, incluindo indivfduos gue irao presumivelmente ler 0livro, possa interromper minha solidao.

    Em urn texto, ate mesmo as palavras care cern de suas qualidadesplenamente foneticas, Na lingua gem falada, uma palavra deve ter esta ouaquela entoacao ou tom de voz - animado, excitado, calmo, irado,resignado ou qualquer que seja. E impossivel pronunciar uma palavraoralmente sem qualquer entoacao. Em urn texto, a pontuacao podesinalizar urn tom de forma minima: urn ponto de interrogacao ou umavfrgula, por exemplo, geralmente requerem que a voz se eleve urn pouco.A tradicao letrada, adotada e adaptada por critic o s habilidosos, podetambem prover algumas pistas extratextuais para as entoacoes, mas elasnao serao completas. 0 atores gastam horas decidindo como realmentepronunciar as palavras do texto que esta diante deles. Urna determinadapassagem poderia ser pronunciada por urn ator em urn brado; por outro,em urn sussurro.

    o contexto extratextual esta ausente nao apenas para os leitores, mastarneem p:i7a 0escritor. A falta de urn contexto veri ficavel e 0que torna aescrita normalmente uma atividade tao mais angustiante do que a apresen-tacao oral para urn publico real. "0 publico do escri tor e sempre uma ficcao"(Ong 1977, pp. 53-81). 0 escritor precisa construir urn papel ao qualleitoresausentes e muitas vezes desconhecidos possam se moldar. Ate mesmo aoescrever a urn antigo Intimo preciso construir uma ficcao de estado deespirito para ele, ao qual ele deve se moldar. 0 leitor precisa tambemconstruir uma ficcao para 0escritor. Quando meu amigo ler minha carta,posso estar em urn estado de espirito totalmente diferente do momento emque a escrevi. De fato, posso muito bern estar morto. Para que urn textocomunique sua mensagem, nao importa que 0autor esteja vivo ou morto.

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    A maioria dos livros existentes hoje foi escrita por pessoas que estao agoramortas. A enunciacao falada vern apenas dos vivos .

    Ate mesmo em urn diario pessoal dirigido a mim mesmo precisoconstruir uma ficcao de destinatario. De fato, 0diario requer, de certomodo, 0 maximo de ficcionalizacao do enunciador e do destinatario, Aescrita e sempre uma especie de imitacao de conversa, e em urn diario,por tanto, f injo estar falando comigo mesmo. Mas eu nunca falo realmentecomigo mesmo desse modo. Nem poderia, sem a escrita e, na verdade,sem a impressao. 0 diario pessoal constitui uma forma literaria muitotardia, na verdade desconhecida ate 0seculo XVII (Boerner 1969). 0 tipode devaneios solipsfsticos verbalizados que ele implica sao urn produtoda consciencia moldada pela cultura impressa. E para qual "eu" estou euescrevendo? Eu mesmo hoje? Para 0 eu que penso que serei daqui a dezanos? Como espero ser entao? Para mim mesmo como me imagino ouespero que os outros me imaginem? Perguntas como essas podem encher- e realmente enchem - escritores de diaries de angustias, e muitas vezeslevam a interrupcao dos diarios. 0 memorialista ja nao pode conviver comsua ficcao.

    Os modos como os leitores sao imaginados constituem 0 ladoinferior da historia literaria, cujo cume e a historia dos generos e 0tratamento do personagem e do enredo. Os escritos antigos fornecem aoleitor auxi lios visiveis para que se situe imaginativamente. Eles apresen-tam urn material filosofico em dialogos, como os do Socrates de Platao,os quais 0leitor pode imaginar estar ouvindo por acaso. Ou os episodiosdevem ser imaginados como episodios contados a urn publico ao vivom dias sucessivos. Mais tarde, na Idade Media, os escritos apresentaraotextos filosoficos e teologicos na forma objecao-e-resposta, para que 0leitor possa imaginar urn debate oral. Boccaccio e Chaucer fornecerao aoleitor grupos fictfcios de homens e mulheres contando historias uns paraos outros, isto e, uma "moldura historica", para que 0leitor possa fingirser urn dos membros do grupo ouvinte. Mas quem esta falando com quem( m Orgulho epreconceito ou em 0 vermelho e 0negro, ou em Adam Bede:Os romancistas do seculo XIX salmodiam conscientemente "caro leitor"repetidas vezes para lembrar que nao estao contando uma historia, masescrevendo-a, de modo que tanto 0 autor quanto 0 leitor estao tendodiflculdades em se situar. A psicodinamica da escrita amadureceu muitoI ntamente na narrativa.

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    E como 0 leitor deve se imaginar diante de Finnegan's Wake'Apenas um leitor. Porem, de um tipo ficcional. A maioria dos leitores deIngles nao podera ou nao desejara se tomar 0 tipo especial de leitorexigido por Joyce. Alguns fazem cursos em universidades para aprendercomo se imaginar it laJoyce. Embora 0 texto de Joyce seja muito oral, nosentido de que se Ie bem em voz alta, a voz e seus ouvintes nao cabemem qualquer cenario de vida real imaginavel, mas apenas no cenarioimaginativo de Finnegan's Wake, que e imaginavel apenas em virtude daescrita e da impressao que 0precederam. Finnegan's Wake foi compostoem escrita, mas para a impressao: com sua ortografia e seus usosidiossincraticos, seria virtua lmente impossivel multiplica-lo de modoexato em copias manuscritas. Nao ha mimese, aqui, no sentido aristoteli-co, salvo ironicamente. A escrita e de fato a sementeira da ironia, e quantamais durar a tradicao escrita (e impressa), mais forte sera 0desenvolvi-mento ironico (Ong 1971, pp. 272-302).

    Distdncia, exatiddo, grafoletos e magnauocabuldrioso distanciamento que a escrita realiza desenvolve um novo tipo de

    exatidao na verbalizacao, t irando-a do contexte exis tencialmente r ico, mascaotico, de muitas das enunciacoes orais. As apresentacoes orais podem serimpressionantes em sua grandiloquencia e sua sabedoria comunal, quersejam longas, como na narrativa formal, quer sejarn breves e apotegmaticas,como nos proverbios, Todavia, a sabedoria tem a ver com um contextesocial total e relativamente infrangivel. A linguagem e 0 pensamentotratados oralmente nao sao conhecidos por sua exatidao anali tica.

    Evidentemente, toda lingua gem e todo pensamento sao ate certoponto analiticos: eles decompoem 0dense continuum da experiencia, a"grande, maldita, murmurante confusao" de William James, em partesmais ou menos separadas, segmentos significativos. Porem, as palavrasescri tas refinam a analise, pois se exige mais das palavras individualmen-teo Para nos fazermos entender sem gestos, sem expressao facial, sementoacao, sem urn ouvinte real, temos de preyer cuidadosamente todos ossignificados possiveis que uma afirmacao possa ter para qualquer leitor possfvel,em qualquer. situacao possivel, e temos de fazer com que nossa linguagemfuncione de modo a se tamar clara apenas por si, sem nenhum contexto

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    existencial. A necessidade desse cuidado excepcional t ransforma a escritano trabalho angustiante que geralmente e.

    o que Goody 0977, p. 128) chama de "esquadrinhamento retros-pectivo" torna possivel , na escrita, eliminar incoerencias (Goody 1977, pp.49-50), escolher palavras com uma seletividade refletida que investe 0pensamento e as palavras de novos poderes discriminatorios, Em umacultura oral, 0fluxo de palavras, 0correspondente fluxo de pensamento,os copia defendidos na Europa pelos re toricos da Antiguidade Classicaate a Renascenca, tendem a lidar com as discrepancias mediante glosasabundantes - a etirnologia aqui e reveladora : glossa, lingua, "linguando-as" de ponta a ponta. Com a escrita, as palavras, uma vez "proferidas",exteriorizadas, postas na superficie, podem ser elirninadas, apagadas,mudadas. Nao existe um equivalente para isso em uma apresentacao oral,nenhum meio de apagar uma palavra falada: as correcoes nao removemuma frase infeliz ou um erro, elas meramente complernentam-nos comnegat iva e remendo. 0bricolage ou 0 remendo que Levi-Strauss (1966,1970) julga caracteristicos dos padroes mentais "primitives" ou "selva-gens" podem ser vistos aqui como consequencia da situacao noetica oral.As correcoes em apresentacoes orais tendem a ser contraproducentes, atornar 0falante muito pouco convincente. Portanto, nos as reduzimos aum minimo, ou entao as evitamos totalmente. Na escrita, as correcoespodem ser tremendamente produtivas, pois como podera 0leitor saberse foram feitas?

    Evidentemente, uma vez interiorizada a busca quirografica inic ialde precisao e exatidao analitica, ela pode retroagir na fala , e 0faz. Emborao pensamento de Platao seja expresso na forma de dialogo, sua excep-cional precisao se deve aos efeitos da escrita sobre os process os noeticos,pois os dialogos sao, na verdade, textos escritos. Por meio de um textotratado quirograficamente, expresso na forma de dialogo, eles se movemdialeticamente em direcao ao esc1arecimento analitico de questoes queSocrates e Platao haviam herdado na forma mais "totalizada", nao-anali-tica, narrativa, oral.

    Em Tbe greek concept ofjustice: From its shadow in Homer to itssubstance in Plato [0conceito grego de justica: De sua obscuridade emHomero a sua solidez em Platao] (1978a), Havelock tratou do movimentoque Platao levou ao ponto critico. A objetividade analitica com que Platao

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    tratou do conceito abstrato de justica nao pode ser encontrada emnenhuma das culturas puramente orais conhecidas. Analogamente, aobjetividade letal nas questoes e nas fraquezas dos adversaries, presentenas oracoes de Cicero, e obra de uma mente letrada, embora saibamosque Cicero nao compos seus discursos por escrito antes de profert-los,escreveu-os posteriormente, tais como os conhecemos (Ong 1967b, pp.56-57). as debates orais refinadamente analiticos nas universidadesmedievais e na tradicao escolastica posterior ate 0seculo atual (Ong 1981,pp. 137-138) foram obra de mentes afiadas por textos escritos e pelaleitura e comentario de textos, oralmente e por escrito.

    Ao separar 0conhecedor do conhecido (Havelock 1963), a escritaperrnite uma articulas;:ao crescente aa introspecs;:ao, abnndo a psiqueCOlTIonunca antes ao mundo objetivo externo, muito diferente delapr6pria, mas tambem do eu interior com 0 ual 0munao objetivo ecompara o. A escrita torna ossiveis as grandes religioes Iiitrospectivascomo 0budismo. 0judaismo, 0cristianismo e 0ISamismo. To as e aspossuer:n--textos sagrados. as antigos gregos e romanos conheciam aescrita e a usavam, particularmente os gregos, para construir 0conheci-mento filos6fico e cientifico. Porem, nao criaram textos sagrados compa-ravels aos Vedas, a Bfblia ou ao Corao, e sua religiao deixou de seestabelecer nos recessos da psique que a escrita lhes abrira. Ela se tornouapenas um recurso literario elegante e arcaico para escritores comoOvidio e uma moldura para praticas exteriores, carentes de significadopessoal premente.

    A escrita desenvolve c6digos em uma linguagem diferente dosc6digos orais na mesma Hngua. Basil Bernstein (1974, pp. 134-135, 176,181, 197-198) distingue 0 "c6digo Iinguistico restrito" ou a "linguagempublica" dos dialetos ingleses das classes baixas na Gra-Bretanha e 0"codigo Iingulstico elaborado" ou a "linguagem privada" dos dialetos dasclasses media e alta. Walt Wolfram (1972) havia apontado anteriormentedistincoes como as de Bernstein entre 0Ingles dos negros norte-america-nos e0Ingles norte-americano padrao, a c6digo linguistico restrito podeser pelo menos tao expressivo e exato quanto 0c6digo elaborado emcontextos que sao familiares e compartilhados pelo falante e pelo ouvinte.Para lidar com 0nao familiar de modo expressive e exato, no entanto, 0c6digo linguistico restrito nao funcionara; e absolutamente necessario umc6digo Iinguistico elaborado. A origem e 0uSQ do c6digo linguistico

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    restrito evidentemente sao em grande parte orais e, como 0pensamentoe a expressao orais em geral, operam funcionalmente, pr6ximos aomundo da vida humana cotidiana: 0 grupo que Bernstein encontrouusando esse c6digo era composto de meninos mensageiros sem nenhumaescolaridade. Sua expressao possui urn ar de f6rmula e encadeia pensa-mentos nao em uma subordinacao cuidadosa, mas "como contas em umacaixa" (1974, p. 134) - reconhecidamente 0modo formular e acumulativoda cultura oral. a c6digo elaborado e formado com 0auxilio obrigat6rioda escrita e, para uma elaboracao plena, da impressao. a grupo encon-trado por Bernstein usando esse c6digo pertencia as seis principaisescolas publicas que fornecem a mais intensiva educacao em leitura eescrita na Gra-Bretanha (1974, p. 83). as c6digos linguisticos "restrito" e"elaborado" de Bernstein poderiam ser reintitulados "de base oral" e "debase textual", respectivamente. Olson (1977) mostrou como a oralidaderelega 0significado em grande parte ao contexto, ao passo que a escritaconcentra 0significado na pr6pria linguagem.

    A escrita e a irnpressao criam tipos especiais de dialetos. Amaioria das Iinguas nunca foi posta em escrita, como se viu (p. 15).Porern certas linguas, ou mais propriamente dialetos, investiram enor-memente na escrita. Muitas vezes, como na Inglaterra, na Alemanha ouna Italia, onde se encontra uma grande quantidade de dialetos, umdialeto regional desenvolveu-se quirograficamente mais do que osoutros, por motivos economicos, politicos, religiosos ou outros, efinalmente se tornou uma lingua nacional. Na Inglaterra, isso aconteceucom 0dialeto da classe alta londrina; na Alemanha, com 0alto alemao(0 alernao das regioes montanhosas do sul); na Italia, com 0 toscano.Conquanto seja verdade que eles eram todos, em sua essencia, dialetosregionais e/ou de classe, seu status como linguas nacionais quirografi-camente controladas tornou-os especies de dialetos ou linguas diferen-tes daqueles que nao sao escritos em larga escala. Como ressaltouGuxman (1970, pp. 773-776), uma lingua escrita nacional teve de serisolada da base dialetal original, descartou certas formas dialetais,desenvolveu varias camadas de vocabulario com base em fontes abso-lutamente nao-dialetais, alern de certas peculiaridades sintaticas, A essetipo de linguagem estabelecida escrita Haugen (1966, pp. 50-71) cha-rnou, com propriedade, "grafoleto".

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    Um grafoleto moderno como 0"Ingles", para usar 0termo que ecomumente usado para referir a esse grafoleto, foi trabalhado duranteseculos, primeiro e mais intensamente, ao que parece, pela chancelariade Henrique V (Richardson 1980), depois pelos teoricos normativistas,grarnaticos, lexicografos e outros. Foi registrado macicamente em escri-ta e impressao e agora em computadores, de forma que os que possuemcompetencia no grafoleto atualmente podem estabelecer facilmentecontato nao apenas com milhares de outras pessoas, mas tambern como pensamento do passado de seculos arras, pois os outros dialetos doIngles, assim como milhares de linguas estrangeiras, sao interpretadosno grafoleto. Nesse sentido, 0grafoleto inclui todos os outros dialetos:ele os explica de uma maneira que eles mesmos nao poderiam fazer. 0grafoleto traz as marcas de milhares de mentes que 0 usaram paracompartilhar entre si sua consciencia. Nele foi forjado um vasto voca-bulario de uma ordem de magnitude impossivel para uma lingua oral.o Webster's Third New International Dictionary (1971) afirma em seuPrefacio que poderia ter "multiplicado muitas vezes" as 450 mil palavrasque realmente inclui. Admitindo-se que "multiplicado muitas vezes"deva significar pelo menos tres vezes, e arrendondando os mirneros,podemos entender que os editores tern em maos um registro de cercade um milhao e meio de palavras usadas em impressao em Ingles. Aslinguas e os dialetos orais podem se arranjar com uma pequena fracaodesse numero,

    A riqueza lexica dos grafoletos comeca com a escrita, porem suaplenitude se deve a impressao, pois os recursos de um grafoleto modernoestao disponiveis em grande parte por meio dos dicionarios. Ha registroslimitados de palavras de varios tipos desde muito cedo na historia daescrita (Goody 1977, pp. 74-111), mas enquanto a impressao nao estevebem estabelecida nao houve dicionarios que tentassem computar deforma generalizada e abrangente as palavras em uso em qualquer lingua.E facil entender por que e assim se pensarmos no que significaria fazerate mesmo umas poucas duzias de copias relativamente precisas doWebster's Third ou mesmo do Webster's New Collegiate Dictionary, que emuito menor. Dicionarios como esses estao a anos-luz do mundo dasculturas orais. Nada ilustra de modo mais impressionante como a escritae a impressao alteram os estados de consciencia.

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    Onde existem grafoletos, a gramatica e 0 uso "corretos" saopopularmente interpretados como a gramatica e 0 uso do propriografoleto, a exclusao da gramatica e do uso de outros dialetos. As basessensoriais do proprio conceito de ordem sao em boa parte visuais (Ong1967b, pp. 108, 136-137), e 0fato de que 0grafoleto seja escrito ou, afortiori, impresso, favorece a ideia de the atribuir um poder normativoespecial para manter a lingua em ordem. Porern, quando outros dialetosde uma dada lingua - alem do grafoleto - diferem da gramatica dografoleto, eles nao sao nao agramaticais: estao simplesmente usando umagramatica diferente, pois a lingua e uma estrutura e e impossivel usar alingua sem uma gramatica, A luz desse fato, os linguistas hoje comumenteinsistem em que todos os dialetos sao iguais no sentido de que nenhumpossui uma gramatica intrinsecamente mais "correta" do que ados outros.Mas Hirsch (1977, pp. 43-50) vai mais alem e diz que, em um sentidoprofundo, nenhum outro dialeto, por exemplo em Ingles, alernao ouitaliano, possui algo remotamente semelhante aos recursos do grafoleto.E rna pedagogia insistir nisso, porque nao ha nada "errado" com os outrosdialetos, nao faz nenhuma diferenca se os falantes de um outro dialetoaprendem ou nao 0grafoleto, que possui recursos de uma ordem demagnitude inteiramente diferente.

    Interacoes: A ret6rica e os lugares

    Dois grandes desenvolvimentos especiais no Ocidente derivam dainteracao da escrita e da oralidade - e a afetam. Sao a retorica acadernicae 0latim culto.

    Em seu terceiro volume da Oxford history of English literature, C.S.Lewis observou que "a retorica constitui 0maior obstaculo entre nos enossos antepassados" (1954, p. 60). Lewis honra a magnitude da questaoao se recusar a tratar dela, apesar de sua extraordinaria relevancia para acultura em todas as epocas, pelo menos ate a era rornantica (Ong 1971,pp. 1-22, 255-283). 0 estudo da retorica dominante em todas as culturasocidentais ate aquela epoca havia cornecado como 0micleo da educacaoe da cultura gregas antigas. Na Grecia Antiga, 0estudo da "filosofia'',representada por Socrates, Platao e Aristoteles, a despeito de toda afecundidade subsequente, constituia um elemento menor na cultura

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    grega, .nunca competindo com a retorica, quer no rnimero de seuspraticantes, quer em seus efeitos sociais imediatos (Marrou 1956, pp.194-205), como sugere 0infeliz destino de Socrates.

    A retorica estava na raiz da arte de falar em publico, da comunica-cao oral para a persuasao (retorica forense e deliberativa) ou para aexposicao. 0rhetor grego provem da mesma raiz que 0 latim orator esignifica falante publico. Nas perspectivas desenvolvidas por Havelock(963), pareceria obvio que, em urn sentido muito profundo, a tradicaoretorica representasse 0velho mundo oral, e a tradicao filosofica, as novasestruturas quirograficas de pensamento. Como Platao, C.S. Lewis estava,inconscientemente na verdade, voltando as costas ao mundo oral. Duran-te seculos, ate a era rornantica (quando 0 Impeto retorico foi desviado,definitiva senao totalmente, da apresentacao oral para a escrita), urncomprometimento explicito ou ate mesmo implicito com 0estudo e apratica formais da retorica constituem urn indicio do montante de orali-dade primaria residual em uma dada cultura (Ong 1971, pp. 23-103).

    Os gregos homericos e pre-hornericos, como em geral os povosorais, praticavam 0falar em publico com grande habilidade muito depoisque suas habilidades foram reduzidas a uma "arte", isto e, a urn corpo deprincipios sequencialmente organizado, cientffico, que explicava e sus-tentava a persuasao verbal. Essa "arte" e apresentada na Arte ret6ricaCtecbne rhetorike) de Aristoteles. As culturas orais, como vimos, naocomportam "artes" dessa especie organizada. Ninguem podia ou podesimplesmente recitar de improviso urn tratado como a Arte ret6rica deAristoteles, como alguem em uma cultura oral deveria fazer se esse tipode entendimento devesse ser implementado. As producoes orais longasseguem padroes mais acumulativos, menos analiticos. A "arte" da retorica,embora dissesse respeito a linguagem falada, foi, como as outras "artes",produto da escrita.

    As pessoas de uma cultura de alta tecnologia que se tornamconscientes da vasta literatura do passado que trata da retorica - daAntiguidade Classica, passando pela Idade Media e pela Renascenca, a Eradas Luzes (por exemplo, Kennedy 1980; Murphy 1974; Howell 1956, 1971)-, do interesse universal e obsessive pelo assunto durante as eras e daquantidade de tempo despendido em estuda-lo, da vasta e complicadaterminologia para classificar centenas de figuras de linguagem em grego e

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    em latim - antinomasia ou pronominatio, paradiastole ou distinctio,anti-categoria ou accusatio concertativa etc., etc. (Lanham 1968;Sonnino1968) - provavelmente reagirao com urn "Que perda de tempo!". Mas, paraseus primeiros descobridores ou inventores, os sofistas da Grecia do seculoV,a retorica era algo maravilhoso. Ela fornecia uma logica racional para 0que lhes era mais caro, a apresentacao oral eficaz e muitas vezes pomposa,algo que havia sido uma parte distintivamente humana da existenciahumana durante seculos, mas que, antes da escrita, nunca se poderia tersido preparada ou explicada de modo tao refletido.

    A retorica reteve muito da velha tendencia oral para 0pensamentoe a expressao basicamente agonisticos e formulares. Isso se mostraclaramente no ensino retorico dos "lugares" (Ong 1967b, pp. 56-87; 1971,pp. 147-187; Howell 1956, Indice). Com sua heranca agonistica, 0ensinoretorico assurnia que 0 objetivo de praticamente todo discurso erademonstrar ou refutar uma questao contra alguma oposicao, 0desenvol-vimento de urn tema era visto como urn processo de "invencao", isto e,de encontrar no estoque de argumentos que outros sempre haviamexplorado os que eram aplicaveis ao caso. Esses argumentos eramconsiderados alojados ou "assentados" (termo de Quintiliano) nos "luga-res" (topoi em grego, loci em latim) e eram muitas vezes chamados locicommunes ou lugares-comuns quando se julgava que fornecessem argu-mentos comuns a todo e qualquer assunto.

    Desde pelo menos a epoca de Quintiliano, os loci communesforam tornado em dois sentidos diferentes. No primeiro, referiam-se aos"assentos" de argumentos, considerados como "cabecalhos" abstratosno debate atual, tais como definicao, causa, efeito, contrastes, seme-lhancas e assim por diante (a classificacao variava em tamanho de urnautor para outro). Quando se desejasse desenvolver uma "prova" -deverfarnos dizer simplesmente desenvolver uma linha de pensamento- sobre qualquer assunto, tal como a lealdade, 0mal, a culpa de urnacusado de crime, a amizade, a guerra etc., dever-se-ia sempre encon-trar algo para dizer definindo, procurando causas, efeitos, contrastes etudo 0mais. Esses cabecalhos podem ser intitulados "lugares-comunsanaliticos", No segundo sentido, os loci communes ou Iugares-cornunsreferiam-se a colecoes de ditos (na verdade, formulas) sobre variestopicos - tais como lealdade, decadencia, arnizade etc. -, que poderiamcaber na composicao do proprio discurso oral ou escrito. Nesse sentido,

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    lingua materna, tornou-se assim uma lingua escolar apenas, falado naosomente nas salas de aula, mas tambern, em principio - ainda que nemsempre de fato -, em todas as demais dependencias escolares. Por ordemdos estatutos escolares, 0 latim tornou-se 0 latim culto, uma linguaintei ramente controlada pela escrita, ao passo que os novos vernaculosromanicos haviam se desenvolvido do latim como as linguas semprehaviam fei to, oralmente. 0 latim havia sofrido um corte sorn-visao.

    Em virtude de sua base na academia, que era totalmente masculina- com excecoes raras 0bastante para ser descartadas -, 0latim culto teveuma outra caracterist ica em comum com a retorica, alern de sua provenien-cia classica, Durante mil anos, estava vinculado ao sexo, uma lingua escritae falada apenas por pessoas do sexo masculino, aprendida fora do lar, emum cenario tribal que era, na verdade, um cenario de rito de puberdademasculino, parte do castigo fisico e de outros tipos de opressao deliberada-mente impostos (Ong 1971, pp. 113-141; 1981, pp. 119-48). Ele nao tinhanenhuma vinculacao direta com 0inconsciente de qualquer pessoa do tipoque as linguas maternas, aprendidas na infancia, sempre tern.

    Nao obstante, de modo paradoxal, 0latim culto estava relacionadocom a oralidade e com a cultura escrita. Por um lado, como acabamos deobservar, era uma lingua quirograficamente controlada. Dos milhares quea falaram durante os 1400 anos seguintes, todos sabiam tambern escreve-lao Nao havia usuaries puramente orais. Mas 0controle quirografico dolatim culto nao impediu sua alianca com a oralidade. Paradoxalmente, atextualidade que mantinha 0 latim enraizado na Antiguidade Classicajustamente 0mantinha tambem enraizado na oralidade, pois 0 idealclassico de educacao havia sido produzir nao 0escritor competente, maso rbetor, 0orator, 0orador publico. A grarnatica do latim culto provinhadesse mundo oral. Assim tambem seu vocabulario basico - embora, comotodas as linguas realmente em usn, incorporasse milhares de novaspalavras ao correr dos seculos,

    Despido de balbucios, isolado da mais tenra infancia, na qual alingua tem suas raizes mais profundamente psiquicas, nunca uma primei -ra lingua para nenhum de seus usuaries, pronunciado em toda a Europade modos muitas vezes mutuamente inintel igiveis, mas sempre escri to damesma maneira, 0l atim culto constituiu um exemplo impressionante dopoder da escrita para isolar 0discurso e da produtividade sem paralelo

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    desse isolamento. A escrita, como vimos anteriormente, serve para \separar e distanciar 0 conhecedor do conhecido e, assim, estabelecer aobjetividade. Sugeriu-se (Ong 1977, pp. 24-29) que 0 lat im culto causauma objetividade ainda maior pelo fato de fixar 0conhecimento em ummeio isolado das profundezas carregadas de emocao de uma linguamaterna reduzindo assim a interferencia do mundo da vida humanacotidiana e permitindo 0mundo refinadamente abstrato da escolast icamedieval e da nova ciencia matematica moderna que se seguiu aexperiencia escolastica. Sem 0l atim culto, parece que a ciencia rrodernateria aberto caminho com uma dificuldade muito maior, se e que 0 teriafeito. A ciencia moderna nasceu do solo latino, po is os filosofos ecientistas ate a epoca de Newton, comumente tanto escreviam quantaelaboravam seu pensamento abstrato em latim.

    A interacao entre essa lingua controlada quirograficamente, comoo latim cul to, e os varies vernaculos (l inguas maternas) esta ainda longede ser inteiramente entendida. Nao ha como simplesmente "traduzi r" umalingua como 0latim culto em l inguas como as vernaculas, A traducao eratransformacao. A interacao criou todos os tipos de resultados. Bauml(1980, p. 264) chamou a atencao, por exemplo, para alguns dos efeitosquando as metaforas de um latim conscientemente rnetaforico eramtransferidas para Iinguas maternas menos metaforizadas.

    Durante esse periodo, outras linguas controladas quirograficamente,vinculada ao sexo, desenvolveram-se na Europa e na Asia, onde populacoesletradas de tamanho consideravel desejavam compartilhar de uma herancaintelectual comum. Decididamente contemporaneos do latim culto eram 0hebraico rabinico, 0 arabe classico, 0 sanscrito e 0 chines classicos,juntamente com 0grego bizantino, uma sexta lingua culta de modo muitomenos definido, pois 0grego vernacular mantinha um contato estreito comela (Ong 1977, pp. 28-34). Todas essas linguas cultas ja nao estavam em usacomo Iinguas maternas (isto e, no sent ido rest rito, nao usado pelas maes aocriar os mhos). Elas nunca constituiam primeiras linguas para nenhumindividuo, eram controladas exclusivamente pela escrita, faladas apenas porpessoas do sexo masculino (com poucas excecoes, embora talvez maioresno caso do chines classico do que nos demais) e eram faladas apenas poraqueles que sabiam escreve-las e que, de. fato, haviam-nas aprendidoinicialmente pelo usa da escrita. Essas linguas j:i nao existem e e diftcil hojeperceber seu antigo poder. Todas as linguas usadas para 0 discurso culto

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    atualmente sao tambem linguas maternas (ou, no caso do arabe, estao cadavez mais absorvendo lfnguas maternas). Nada mostra de modo rnaisconvincente do que esse desaparecimento da lingua controlada quirografi-camente como a escrita esta perdendo seu antigo monopolio de poder(embora nao sua importancia) no mundo atual.

    A persistencia da oralidadeComo sugerem as relacoes paradoxais da oralidade e da cultura

    escrita na retorica e no latim culto, a transic;:aoda oralidade para a culturaescrita foi lenta (Ong 1%7b, pp. 53-87; 1971, pp. 2348). A rdade Mediausava os textos muito mais do que a Grecia e aRoma antigas, os professoresfaziam prelecoes sobre textos nas universidades e no entanto nunca, ,testavam 0conhecimento ou a perfcia intelectual pela escrita, mas semprepelo debate oral - uma pratica que continuou de modo decrescente ate 0seculo XIXe que hoje ainda sobrevive residualmente na defesa de teses dedoutorado nos lugares cada vez mais raros onde essa pratica ainda subsiste.Embora 0humanismo renascentista tenha inventado a erudicao textualmoderna e presidido ao desenvolvimento da impressao tipografica, eletambem retornou a Antiguidade e, por esse motivo, deu nova vida aoralidade. 0estilo Ingles no perfodo Tudor (Ong 1971,pp. 23-47), e mesmomuito depois, carregou urn forte residue oral em seu uso de epitetos, ritmo,antiteses, estruturas formulares e lugares-comuns. Assim tambern os estilosliterarios da Europa Ocidental em geral.

    Na Antiguidade Classica ocidental, admitia-se pacificamente queurn texto escrito de qualquer valor devia e merecia ser lido em voz alta,e a pratica da leitura de texto em voz alta continuou, comumente commuitas variacoes, durante 0 seculo XIX (Balogh 1926). Essa praticainfluenciou fortemente 0estilo literario, da Antiguidade ate epocas muitorecentes (Balogh 1926; Crosby 1936; Nelson 1976-1977; Ahern 1982).Ainda aspirando a velha oralidade, 0seculo XIXdesenvolveu disputas de"elocucao", que tentavam dar a textos impressos urn ar primitivo, usandouma cuidadosa habilidade para memorizar os textos literalmente e recita-los de modo que soassem como producoes orais de improviso (Howell1971, pp. 144-256). Dickens lia excertos de seus romances no palanquede orador. 0 celebre McGuffey's readers, de que foram publicadas nos

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    Estados Unidos cerca de 120 milhoes de capias entre 1836 e 1920, tinhacomo objetivo a terapeutica de leitura para aperfeicoar nao a leitura comvistas a compreensao que idealizamos hoje, mas a leitura oral, declama-toria, 0MCGuffey's especializava-se em passagens tiradas da literatura"centradas no som", relacionadas com grandes herois (personagens orais"fortes"). Elas forneciam irnimeros exerdcios de promincia oral e derespiracao (Lynn 1973, pp. 16, 20).

    A propria retorica emigrou, gradativa mas inevitavelmente, domundo oral para 0quirografico. Desde a Antiguidade Classica, as habili-dades verbais aprendidas na retorica foram praticadas nao apenas naoratoria, mas tambern na escrita. Por volta do seculo XVI, das cinco partestradicionais da retorica (invencao, disposicao, estilo, memoria e elocu-cao), os manuais de retorica estavam comumente omitindo a quarta -memoria -, que nao era aplicavel a escrita. Elas estavam tambernreduzindo a ultima, elocucao (Howell 1956, pp. 146-172, 270 etc.). Emlarga medida, fizeram essas mudancas com explicacoes especiosas ounenhuma explicacao. Atualmente, quando os curriculos registram aretorica como uma materia, isso significa meramente 0estudo de comoescrever com competencia. Porern, ninguern conscientemente lancou urnprograma para dar essa nova orientacao a retorica: a "arte" simplesmenteseguiu a tendencia da consciencia de uma economia oral para umaeconomia escrita. A tendencia foi concluida antes que se desse contadisso. Uma vez concluida, a retorica ja nao era a materia predominanteque fora outrora: a educacao ja nao podia ser descrita como fundamen-talmente retorica como no passado. Os tres Rs - reading, 'riting e'ritbmetics -, que representavam uma educacao essencialmente nao-re-torica, livresca, comercial e domestica, gradativamente se sobrepuserama educacao tradicionalmente fundada na oralidade, heroica, agonistic a,que havia geralmente preparado os jovens no passado para 0ensino e 0service publico profissional, eclesiastico ou politico. Durante 0processo,a medida que 0 latim foi expulso, as mulheres entraram cada vez emmaior rnimero na academia, que tarnbem passou a ter uma orientacaocada vez mais comercial (Ong 1967b, pp. 241-255).

    L itera lmente : "lei tu ra ", " es cri ta" e "a ri tmet ica" , numa forma popular, e studan ti l, jocosa .(N.T.)

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