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    ano 3, número 4/5

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    FFLCH

     Trabalho realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes),

    entidade do Governo Brasileiro.

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    Catalogação na Publicação

    Serviço de Biblioteca e Documentação

    Faculdade de Filosoa, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo

    Opiniães: Revista dos alunos de Literatura Brasileira / Faculdadede Filosoa, Letras e Ciências Humanas da Universidade deSão Paulo. Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas. -

    v. 1, n. 4/5 (2014) - São Paulo: FFLCH:USP, 2014.

    Semestral

    ISSN 21773815

    1. Literatura Brasileira. 2. Crtica Literária. I. Ttulo.

      CDD 869 09981

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    Comissão Editorial e ExecutivaAna Carolina Sá Teles (DLCV-USP)Ana Lúcia Branco (DLCV-USP)

    Elisabete Ferra Sanches (DLCV-USP)Emmanuel Santiago (DLCV-USP)Mario Tommaso (DLCV-USP)Ronnie Cardoso (DLCV-USP)

    Conselho editorialProfessores do Programa de pós-graduação emLiteratura Brasileira (DLCV-USP):Alcides Celso Oliveira Villaça, Alfredo Bosi,Antônio Dimas de Moraes, Augusto Massi, Cilaine

    Alves Cunha, Eliane Robert de Moraes, ErwinTorralbo Gimene, Flávio Wolf de Aguiar, Hélio deSeixas Guimarães, Ivan Francisco Marques, JaimeGinburg, Jeerson Agostini Mello, João AdolfoHansen, João Roberto Gomes de Faria, JoséAntônio Pasta Junior, José Miguel Wisnik, LuiDagobert de Aguirre Roncari, Marcos Antônio deMoraes, Murilo Marcondes de Moura, RicardoSoua de Carvalho, Simone Rossinetti, Runoni,Telê Ancona Lope, Vagner Camilo, Yudith

    Rosenbaum e Zenir Campos ReisConvidados e colaboradores de outrosdepartamentos e instituições para esta ediçãoCléber Lus Dungue (PUC/SP) Jean Pierre Chauvin(ECA-USP) Nile Reguera (UNILAGO) RobertoAcelo de Soua (UERJ) Sandra Regina Pcolo(ECA-USP)

    Editor responsávelRogério Fernandes dos Santos (DLCV-USP)

    Projeto GrácoCláudio Lima

    DiagramaçãoBonifácio Estúdio

    Ilustrações e capaPhabulo Mendes

    Agradecimentos

    Andreia SzcypulaHélio de Seixas GuimarãesRoberto Acízelo de Souza

    ContatosBlog: http://revistaopiniaes.wordpress.comFacebook: facebook.com/opiniaesContato: [email protected]

    Opiniães é uma publicação dos alunos de pós-graduação do programa deLiteratura Brasileira do Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas daFaculdade de Filosoa, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo.

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    índice

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    5/160Opiniães • AnO 3 - 4/5 • 3A prOvAOpiniães • AnO 3 - 4/5 • 3A prOvA

    FATOR INDISPENSÁVEL

    DE HUMANIZAÇÃO1Editorial

    Dossiê Literatura e Educação

    A LITERATURA CONFIRMA E NEGA,PROPõE E DENUNCIA, APOIA E combate

    Os cursos de letras no brasil: passado, presente e perspectivas

    Roberto Acízelo De Souza (UERJ)

    Notas sobre o perigo

    Wellington Migliari (DLCVUSP)

    Em defesa de um ensino (planejado) de literatura pelos direitos do leitor

    Marcello Bulgarelli (FEUSP)

    8

    13

    28

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    entrevistas 48

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    NADA RESISTIU, NEM A NOÇÃODE VERDADE, NEM SEQUER A VACINA.

    SÓ RESISTIRAM AS OBRAS-DE-ARTEPela sobrevivência da narrativa: a diculdade do ato de narrar em Os sobreviventes

     Caio Fernando Abreu - Adenie Franco (DLCV-USP)

    Mário de Andrade, Eça de Queiroz, J.K.Rowling: qual a ligação entre esses autores?

    Patrcia Trindade Nakagome (DTLLC-USP)

    Um herói triste, numa terra radiosa: diálogos entre Macunaíma, de Mário de Andrade, e Retrato do Brasil , de Paulo Prado.

    Thas Chang Waldman (DA-USP)

    58

    98

    108

    70

    81

    SÓ AS ASAS do favor

    ME PROTEGEM“Tua solicitude é pior do que a cólera”: o romance machadiano Helena e a tensão dissolutiva dasraízes arcaicas no Brasil oitocentistaGabriela Manduca Ferreira (DLCV-USP)

    Traduções e distanciamentos: alguns modelos literários em Helena (1876), de Machado de Assis

    Rogério Fernandes dos Santos (DLCV-USP)

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    A humanização do cãoMaria Cláudia Araújo

    Entre latidos frenéticos

    Sandra Regina Pcolo (ECA-USP)

    A Guerra

    Estevão Azevedo

    A solenidade como fator de ironia: A guerra,de Estevão Azevedo

    Jean Pierre Chauvin (ECA-USP)

    Atordoamento 

    Juliano Ribas

    Uma leitura de Atordoamento, de Juliano Ribas

    Ana Lúcia Branco (DLCV-USP)

    128

    137

    133

    146

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    154

    HÁ ENTRE nós uma

    NOVA geração

    1 O ttulo do editorial e do dossiê Literatura e Educação foi retirado do texto “O direito à Literatura”, de Antonio Candido. O ttulo da seção “Nada resistiu, nem a noção de Verdade,

    nem sequer a vacina. Só resistiram as obras-de-arte”, foi retirado da crônica “Começo de crtica”, de Mario de Andrade. O ttulo da seção “Só as asas do favor me protegem”, foi

    retirado do romance “Helena”, de Machado de Assis. O ttulo da seção “Há em nós uma nova geração...” foi retirado do texto “A nova geração”, de Machado de Assis.

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    INDISPENSÁVEL

    FATOR

    DE HUMANIZAÇÃO

    Rogério Fernandes dos Santos*1

    * Editor da revista Opiniães n. 4/5 e doutorando do Programa de Pós-Graduação em Literatura Brasileira do Departamento de Letras Clássicase Vernáculas (DLCV) da Universidade de São Paulo (USP). Contato:

    [email protected]

    Com o tema Literatura e Educação, o número 4/5 daRevista Opiniães, convidou pesquisadores, alunos e pro-fessores para ampliar o debate em torno dos diversosdesdobramentos possíveis a partir da aproximação des-sas duas áreas do saber, que, ao se constiturem fontesde conhecimento, articulam constantemente reexõese práticas. Ambas se conguram como lugares de se-

    dimentação e ativação de valores, de técnicas e afetos;cada uma, a seu modo, é terreno propcio para a investi-gação de singularidades que remetem à dimensão sociale subjetiva da experiência humana.

    O ensino das letras se impõe sobremaneira em temposde expansão das universidades federais em muitas par-tes do Brasil, onde, até então, a formação em Letrasera inacessível. Essa expansão evidencia a vocação in-clusiva e democrática do campo em questão, bem co-

    mo a abertura de um espaço para o debate e a reexão

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    acerca da realidade a partir do fenômeno linguístico eliterário. Apesar dessa democratiação e do papel fun-damental do estudo da linguagem em seus variados as-pectos, e talve justamente por isso, os departamentosde Letras sempre lutaram pela legitimação e valoria-ção de seu quadro no mercado de trabalho. Assim, nãoé de se estranhar que, independente do lugar em que seinstitua, o curso de Letras propicia espaço de resistên-cia e contestação às desigualdades, sendo fomentadorde progresso, avanço cultural e de pensamento para as

    comunidades que o acolhem.

    Partindo desse direcionamento, os colaboradores daRevista Opiniães  fomentaram o debate com suas pon-derações, o que resultou no dossiê inicial dessa edição.Começamos com um panorama histórico dos cursos deLetras no pas em “Os cursos de letras no Brasil: passado,presente e perspectivas”, de Roberto Acelo de Soua,seguido por um estudo sobre o ensino de literatura no En-sino Fundamental II e Médio nas escolas estaduais de São

    Paulo com o artigo “Notas sobre o perigo”, de WellingtonMigliari, e, fechando este bloco discursivo, há a reexãopropositiva do ensino de literatura como formador deleitores autônomos com “Em defesa de um ensino (pla-nejado) de literatura pelos direitos do leitor”, de MarcelloBulgarelli. Prosseguindo o dossiê, temos a já tradicionalseção de entrevistas, na qual Sírio Possenti, Neide Rezen-de, Márcia Tomsic e Abel Barros Baptista, prossionaisdas Letras, contribuem com suas reexões sobre o tema.

    Em seguida, na seção de ensaios livres, consta o artigo“Pela sobrevivência da narrativa: a diculdade do ato denarrar em Os sobreviventes, de Caio Fernando Abreu”,de Adenize Franco, que procura demonstrar como o

    aspecto da negatividade no conto Os sobreviventes, en-quanto construção do sujeito, condu a uma narrativaem que não há elementos xos ou estáveis, corrobo-rando a ideia de que existe uma diculdade no ato denarrar, condicionada pelas mudanças sociais ocorridasno contexto de produção do conto; em seguida, “Máriode Andrade, Eça de Queiroz, J.K.Rowling: qual a ligaçãoentre esses autores?”, de Patrcia Trindade Nakagome,propõe uma reexão sobre o distanciamento existenteentre o leitor emprico e a crtica literária; depois, em

    “Um herói triste, numa terra radiosa: diálogos entreMacunaíma, de Mário de Andrade, e Retrato do Brasil ,de Paulo Prado”, de Thas Chang Waldman, temos umaanálise comparativa de Macunaíma  e Retrato do Bra-sil   na qual se buscam elementos que nos ajudariam acompreender a construção da identidade nacional bra-sileira e a pensar as relações entre a arte e a ciência, aliteratura e a história; para naliar, duas visões sobre oromance Helena, de Machado de Assis: “Tua solicitude épior do que a cólera”: o romance machadiano Helena e a

    tensão dissolutiva das raízes arcaicas no Brasil oitocen-tista”, de Gabriela Manduca Ferreira, e “Uma lu amb-gua: modelos literários em Helena (1876), de Machadode Assis”, de Rogério Fernandes dos Santos.

    Para encerrar esta edição dupla, a seção intitulada “H áentre nós uma nova geração”, dedicada à prosa de cçãocontemporânea, conta com “A humaniação do cão”, deMaria Cláudia Araujo, e comentário da Profa. Dra. SandraRegina Picolo, (ECA-USP); “A Guerra”, de Estevão Ae-

    vedo, que contou com um ensaio do Prof. Doutor JeanPierre Chauvin (ECA/USP), e “Atordoamento” de JulianoRibas, com a paráfrase interpretativa da doutoranda AnaLúcia Branco (FFLCH-USP).

    Boas leituras!

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    “Enfim, cada um o que quer aprova, o senhor sabe:

    pão ou pães, é questão de opiniães...”

    Guimarães Rosa, Grande sertão:veredas.

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    11/160Opiniães • AnO 3 - 4/5 • 3A prOvAOpiniães • AnO 3 - 4/5 • 3A prOvA

    Dossiê Literatura e Educação

    A LITERATURACONFIRMA E NEGA,PROPõE E DENUNCIA,

    APOIA E COMBATE

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    Roberto Acízelo de Souza*1

    (Uerj / CNPq / FAPERJ)

    * Professor titular de Literatura Brasileira da Universidade do Estado do Rio de

    Janeiro.

    PANORAMA HISTÓRICO

    Para uma reexão sobre o estado atual de nossos cur-sos de graduação em Letras, talve não seja de todoinútil um sumário preâmbulo histórico, mesmo porque,até onde pudemos vericar, trata-se esta de uma histó-ria por enquanto ainda praticamente não contada.

    Comecemos então por descrever sinteticamente os pe-rodos que nela julgamos poder discernir.

    Primeiro período: 1549-1836

    Em 1549, os jesutas fundam, em Salvador, o primeiroestabelecimento escolar a funcionar no Brasil. Desdeentão e até ns do século XVIII, o ensino foi monopólio

    de ordens religiosas, principalmente da Companhia de

    PASSADO, PRESENTEE PERSPECTIVAS

    os cursosDE LETRAS NO BRASIL:

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    Jesus. No currículo dessas escolas, as Letras desfruta-vam de posição hegemônica:

    O que [...] se ensinava nos colégios dos jesu-tas, modelados pelos que mantinham eles noreino, eram as disciplinas de base, ou sejama gramática, a retórica e a poética, aplicadasao estudo das línguas latina e portuguesa, eaprendidas pelas técnicas tradicionais, comoas versões, os exerccios de linguagem e de

    estilo, com que se procurava alcançar o domí-nio dos instrumentos clássicos de expressão(AzEVEDO, 1968, p. 81).

    Apesar de lugar assim tão destacado no plano de estu-dos, as Letras se mantinham na condição de disciplinasbásicas, e seu ensino se cingia ao que chamaramos hojenveis fundamental II (sexto ao nono ano) e médio:

    Dois tipos de colégios eram dirigidos pela Or-

    dem [dos jesutas], o inferior, que durava cincoou seis anos, e o superior, de verdadeiro níveluniversitário. O currculo dos colégios inferio-res era dividido em três classes de gramática,seguidas de uma quarta, chamada humanida-des, e uma classe denominada de retórica. Nasuniversidades, losoa, incluindo matemáticae ciências naturais, eram estudas durante trêsanos (EBY, 1976, p. 95).

    Fora dos colégios religiosos, depois da reforma pombali-na de 1759, havia cursos de Letras isolados nas chamadasaulas régias, concessões especiais do Estado a professo-res para lecionarem determinada disciplina, em geral emsuas próprias casas, como atividade secundária e paga-mento pouco mais do que simbólico. Por sinal, a primeiraaula régia a se instalar no Brasil — no Rio de Janeiro, em1782 — se destinava ao ensino de Retórica e Poética, ten-do sido nomeado para a cadeira o bacharel e poeta Ma-nuel Inácio da Silva Alvarenga (SOUSA, 2005, p. 63). Na

    mesma cidade, em 1816, há registros do funcionamento

    de outras aulas régias pertencentes ao âmbito das Le-tras: uma de Gramática Latina, uma de Lngua Grega euma terceira de Retórica (DURAN, 2010, p. 63).

    Quanto à qualidade do ensino lingustico-literário destaépoca, pelo menos no que concerne aos primeiros anosdo século XIX, parece que não era nada satisfatória, a

     julgar por juo feito em 1825 por Miguel do SacramentoLopes Gama, padre-mestre, publicista e poltico:

    As aulas de primeiras letras, tão necessárias àmocidade, estão comumente em lamentávelatraso. Os professores pela maior parte igno-ram os primeiros rudimentos da gramática dalngua; e daqui os rapaes sem a mais leve ideiada construção e regência da oração, e prosódiada lngua; daqui os barbarismos, os solecismos,os neologismos, e innitos erros, a que desdeos tenros anos se vai habituando a mocidade(Lopes Gama, apud  Duran, 2010, p. 60).1

    Segundo período: 1837-1907

    Depois da independência, o Pas se empenha na institui-ção de um sistema próprio de ensino, cujo marco princi-pal foi a criação, na capital do Império, do Colégio PedroII, em 1837, concebido para servir de modelo para outrasescolas do gênero a serem implantadas nas diversas pro-vncias. Nessa altura, já dispunha de cursos superiores,

    de que permanecera privado até sua transformação emsede da monarquia portuguesa. Assim, no Rio de Janei-ro, em 1808, cria-se a Academia de Marinha, e em 1810a Real Academia Militar, destinadas à formação de mi-litares e engenheiros. Também em 1808, em Salvador,institui-se um Curso de Cirurgia, e no Rio, no mesmo ano,um de Anatomia e outro de Cirurgia, aos quais se seguiuo de Medicina, instalado em 1810. Ainda em Salvador,fundam-se uma Cadeira de Economia (1808), um Cursode Agricultura (1817) e um de Desenho Técnico (1818),

    enquanto no Rio surgem um Curso de Agricultura (1814),

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    a Escola de Ciências, Artes e Ofcios (1816) — depois su-cessivamente redenominada Real Academia de Pintura,Escultura e Arquitetura Civil (1820) e Academia de Artes(1826) — e um Laboratório de Qumica (1818). Cursos Ju-rdicos, por seu turno, são inaugurados em 1827, nas cida-des de Olinda e de São Paulo (ELLIS, p. 367-368).

    Como se vê, as Letras estão excludas dessa primeirageração de cursos superiores implantados no Brasil.Permanecem, por conseguinte, em situação idêntica

    àquela em que se encontravam no perodo anterior, istoé, integram o equivalente aos atuais nveis fundamentalII (sexto ao nono ano) e médio. Apesar de seu conna-mento neste estágio, no Colégio Pedro II, mesmo comas concessões feitas às matérias cientcas, goam denítida hegemonia, tanto que os alunos por ele forma-dos, depois de um ciclo de sete anos de estudos (cum-pridos, via de regra, dos 12 aos 18 anos), recebiam o t-tulo de bacharéis em Letras.

    No campo das Letras, no Pedro II — e a partir da nas es-colas Brasil afora que o tinham como modelo por forçade lei —, se ensinavam lnguas clássicas — Latim e Gre-go —, lngua vernácula, lnguas estrangeiras — Francês,Inglês, Alemão, Espanhol, Italiano — e, na subárea deliteratura, primeiramente Retórica e Poética, e depois,a partir de 1860, também História das Literaturas (bra-sileira, portuguesa, estrangeiras, clássicas).

    Terceiro período: 1908-1932

    Mas a corporação dos professores de Letras manifes-tava desejo de ver seu campo de estudos alçado à con-dição de curso de nvel superior. No âmbito do ColégioPedro II, já em 1883 Carlos de Laet apresentava propo-sição neste sentido (LAJOLO, 1988), o que se repetiriaem 1923, quando uma comissão de professores da casareivindica a criação de uma seção de caráter superior, noâmbito institucional do Colégio, sob o nome de Faculda-

    de de Letras (DORIA, 1997, p. 219), e em 1932, quando o

    professor José de Oiticica sugere a fundação de um Insti-tuto Brasileiro de Filologia (DORIA, 1997, p. 247).

    A partir de 1908, a ideia se concretia, porém fora do Pe-dro II, mediante uma série de tentativas para a instituiçãode cursos superiores de Letras isolados, todos de duraçãomais ou menos efêmera, com exceção relativa de um de-les, que acabaria incorporado à Pontifcia UniversidadeCatólica de São Paulo. Vejamos quais foram esses cursos:

    1 – Faculdade Eclesiástica (depois Pontifcia) de SãoPaulo: fundada em 1908 e extinta em 1914; 2 – Faculda-de Livre de Filosoa e Letras de São Paulo: fundada em1908, interrompeu suas atividades em 1917, por causada Primeira Guerra; voltou a funcionar em 1922, passan-do a chamar-se, a partir de 1931, Faculdade de Filosoa,Ciências e Letras de São Bento, sendo posteriormenteincorporada à Universidade Católica de São Paulo (hojePontifcia Universidade Católica de São Paulo), quandoda sua fundação, em 1946; 3 – Academia de Altos Es-

    tudos: fundada em 1916, no Instituto Histórico e Geo-gráco Brasileiro, passa a chamar-se, a partir de 1919,Faculdade de Filosoa e Letras, cessando as atividadesem 1921; 4 – Faculdade de Filosoa e Letras do Rio deJaneiro: fundada em 1924 e extinta em 1937; 5 – Facul-dade Paulista de Letras e Filosoa: fundada em 1931 eextinta no ano seguinte.

    Quanto à sionomia geral destes cursos, infelimentenão temos notcia; sem dúvida seria de muito interesse

    pesquisa que pudesse delineá-la, embora tudo indiqueser bem escassa a documentação a respeito.

    Quarto período: 1933-1962

    A partir de 1909 começam a ser instaladas as primeirasuniversidades do Pas, das quais só algumas se conso-lidariam, nem todas contando, pelo menos na origem,com cursos de Letras. Eis a relação destas instituições,

    com os dados que ora nos interessam:

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    1 – Escola Universitária Livre de Manaus: fundada em1909, e renomeada Universidade de Manaus a partir de1913, funcionou até 1926; possua uma Faculdade de Ci-ências e Letras, na verdade, apesar do nome, um cursosecundário, conforme o modelo do Ginásio Nacional,então denominação atribuída, desde a proclamação daRepública, ao Colégio Pedro II; posteriormente, o cur-so secundário transformou-se num de “preparatórios”,nome que se dava ao ciclo de estudos para os examesde acesso aos cursos universitários tradicionais, isto é,

    Direito, Engenharia e Medicina; 2 – Universidade deSão Paulo: instituição particular homônima da que se-ria depois criada pelo governo do Estado de São Paulo;fundada em 1911, foi extinta em 1919, tendo contadocom três unidades onde se ensinavam humanidades,todas de funcionamento efêmero e precário; 3 – Uni-versidade do Paraná (hoje Universidade Federal do Pa-raná): fundada em 1912, não contava inicialmente comárea de humanidades, e teve sua Faculdade de Filoso-a, Ciências e Letras instalada em 1938; 4 – Universi-

    dade do Rio de Janeiro: fundada em 1920, e redenomi-nada Universidade do Brasil (hoje Universidade Federaldo Rio de Janeiro) em 1937, passa a ter Faculdade deFilosoa, Ciências e Letras instalada a partir de 1939,pela incorporação da Escola de Filosoa e Letras daUniversidade do Distrito Federal, instituição fundadaem 1935 e extinta naquele ano; 5 – Universidade de Mi-nas Gerais (hoje Universidade Federal de Minas Gerais):fundada em 1927, passa a dispor de cursos de Letrasa partir de 1948, com a incorporação da Faculdade de

    Filosoa de Minas Gerais, criada em 1939; 6 – Universi-dade de São Paulo: fundada em 1934, já com sua Facul-dade de Filosoa, Ciências e Letras; 7 – Universidade dePorto Alegre (hoje Universidade Federal do Rio Grandedo Sul): fundada em 1934, não tinha área de humani-dades no início, passando a contar com uma Faculdadede Filosoa, Ciências e Letras a partir de 1942, cujoscursos de Letras se iniciaram em 1943; 8 – Universida-de do Distrito Federal: fundada em 1935 e extinta em1939, sua Escola de Filosoa e Letras é então absorvida

    pela Universidade do Brasil (hoje Universidade Federal

    do Rio de Janeiro), tornando-se assim o núcleo da Fa-culdade Nacional de Filosoa, Ciências e Letras destainstituição, unidade que passa a funcionar, por conse-guinte, a partir de 1939; 9 – Faculdades Católicas doRio de Janeiro (hoje Pontifcia Universidade Católicado Rio de Janeiro): fundada em 1940, dispunha desdeo incio de uma Faculdade de Filosoa, que possua seucurso de Letras; 10 – Universidade Católica de São Pau-lo (hoje Pontifcia Universidade Católica de São Paulo):fundada em 1946, pela agregação de alguns cursos

    superiores isolados, entre os quais a Faculdade de Fi-losoa, Ciências e Letras de São Bento (como vimos,assim designada a partir de 1931, porém sucessora deinstituição mais antiga, de 1908, a Faculdade Livre deFilosoa e Letras de São Paulo), bem como o InstitutoSedes Sapientiae, que fora criado em 1933 e contavacom um curso de Letras; 11 – Universidade do DistritoFederal2  (posteriormente, Universidade do Estado daGuanabara, e hoje Universidade do Estado do Rio deJaneiro): por ocasião de sua criação, em 1950, incorpo-

    ra a Faculdade de Filosoa do Instituto Lafayette, porsua ve fundada em 1939, a qual então passa a chamar--se Faculdade de Ciências e Letras, e depois Faculdadede Filosoa, Ciências e Letras.3

    Se associarmos agora os dados da relação acima comos da anteriormente apresentada, referente aos cursossuperiores isolados de Letras criados no perodo quevai de 1908 a 1931, podemos identicar os mais antigosda área. Por ordem cronológica, teramos então:

    1 – O da PUC-SP, que remontaria a 1908 ou 1933, con-forme o referencial que se adote como seu núcleo origi-nário (respectivamente, a Faculdade Livre de Filosoa eLetras de São Paulo, ou o Instituto Sedes Sapientiae); 2– o da USP, institudo em 1934; 3 – o da UFRJ, datado de1935;4 4 – o da UFPR, fundado em 1938; 5 – os da UERJ eda UFMG, ambos de 1939.

    Para efeito, contudo, da periodização ora proposta, to-

    memos o ano de 1933 como marco inicial deste quarto

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    perodo da história dos cursos de Letras no Brasil, con-siderando que o precedente de 1908 referido não sóparece um evento bastante isolado, mas também acircunstância de que o tal curso instalado na data — oda Faculdade Livre de Filosoa e Letras de São Paulo —sofreu, como vimos, solução de continuidade, no lapsode tempo que vai de 1917 a 1922.

    É neste quarto período então, como demonstram osdados expostos, que os cursos de Letras no Brasil se

    transformam efetivamente em área de estudos uni-versitários. Deniram-se então três modalidades: Le-tras Clássicas, Letras Neolatinas e Letras Anglo-Ger-mânicas.5  O currículo, sistematizado e prescrito peloDecreto-Lei nº 1.190, de 04 / 04 / 49, era constitudopor lnguas clássicas (Latim e Grego), lngua vernácu-la e lnguas estrangeiras (Francês, Espanhol, Italiano,Inglês, Alemão), além de Filologia Românica e discipli-nas de história das literaturas dos idiomas nacionais eclássicos integrantes do plano de estudos. Predomina-

    va amplamente uma perspectiva diacrônica tanto nosestudos lingusticos quanto nos literários; notável ex-ceção, no entanto, observa-se na fuga experiência daUniversidade do Distrito Federal (1935-1939), em cujocurrculo guravam disciplinas arrojadas para a época,de inclinação sincrônica: Lingustica e Teoria da Litera-tura (SILVA, 1984, p. 55).

     O curso de Letras, assim, constitudo pelos três ramaisreferidos, é alocado na unidade universitária que tam-

    bém abriga a Filosoa e as disciplinas cientcas — Ma-temática, ciências naturais (Fsica, Qumica, Biologia),ciências sociais (História, Sociologia, Psicologia) —,por isso dita Faculdade de Filosoa, Ciências e Letras,ou simplesmente, por redução, Faculdade de Filosoa.Tal unidade, na maioria desses projetos universitáriospioneiros, resultou da incorporação burocrática de ins-tituição isolada preexistente (casos da PUC-SP, UFRJ,UERJ e UFMG), circunstância que por certo explica opapel apagado que lhes estava destinado, e que na ver-

    dade se conrmou. No caso da USP, no entanto, tudo se

    passou de modo bem distinto: a Faculdade de Filosoa,na linha da moderniação da Universidade de Berlimliderada por Wilhelm von Humboldt no incio do sécu-lo XIX (LIMA, 1997, p. 83), foi concebida como espaçode convergência literalmente universitário, isto é, onde,pela integração de todos as disciplinas, se delinearia umsaber universal, apto a neutralizar o particularismo dasespecialidades, dotando-as assim do indispensável vi-gor reexivo. Desse modo,

    [n]a escola de losoa se irão encontrar econviver os discípulos de todos os campos dacultura humana, que aprenderão em comuma disciplina da lógica, a precisão do sabercientco, o valor da literatura e da história eo segredo do conhecimento estético e arts-tico. Nessa aprendizagem comum formarãoo seu espírito, para que aos engenheiros nãofalte a sensibilidade, aos lósofos não falte aprecisão, aos cientistas não falte o humanis-

    mo e aos artistas não falte o saber. O espíritouniversitário é, acima de tudo, esse espritode comunidade e interpenetração de todoo saber humano (ANíSIO TEIXEIRA, apud  LIMA, 1997, p. 48).

    Ora, de acordo com tal premissa, nos primórdios daUSP se previa um ciclo básico para todos os alunos daUniversidade, independentemente de seus cursos es-peccos, ciclo que, naturalmente, seria da alçada da

    Faculdade de Filosoa. Contudo, a resistência corpo-rativa das áreas tradicionais e socialmente mais presti-giosas — Direito, Engenharia, Medicina — acabou logoinviabiliando a ideia, e com isso cada área se manteveresponsável por suas próprias matérias básicas (LIMA,1997, p. 48). Assim, a Faculdade de Filosoa se viu pri-vada de suas funções originárias, e acabou se conver-tendo numa escola prossionaliante, como as demaisunidades universitárias, passando a dedicar-se à forma-ção de professores para o ensino secundário e para o

    próprio ensino superior (Lima, 1997, p. 48). Com isso,

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    assumiu papel análogo ao das unidades congêneresdas demais universidades mencionadas, cujas respec-tivas faculdades de Filosoa foram todas concebidas,como vimos, com o objetivo estrito de graduar pros-sionais para o magistério.

    Este perodo assim ensejou a prossionaliação do ma-gistério. Se até então, no Brasil, a prossão era exercidapor graduados de diversas áreas, sem formação espec-ca para atuar como professor — médicos ensinavam Bio-

    logia; engenheiros, Matemática; advogados, Português;padres, Latim —, e até por autodidatas não graduados,a partir daí a licenciatura, outorgada pelas Faculdadesde Filosoa, passou a ser exigida para se dar aulas nasescolas públicas e nas particulares. Tais faculdades vie-ram assim juntar-se às tradicionais escolas superioresde Direito, Engenharia e Medicina, tornando-se majo-ritariamente procuradas por jovens de classe média eprofessoras primárias, segmentos até então em geralsem condições sócio-econômicas de acesso aos cursos

    superiores clássicos e de maior prestgio social. Em fun-ção disso, por algum tempo, no nosso Pas, o magistérioterá este perl: uma prossão tpica da classe média.

    Quinto período: 1963-2000

    Segundo a sistemática vigente no perodo 1933 / 1962,o graduado em Letras, depois de um ciclo de estudosde quatro anos, se diplomava em Português e respec-

    tivas literaturas, e simultaneamente em pelo menosmais duas línguas e respectivas literaturas, conformea modalidade de sua escolha: se Letras Clássicas, emPortuguês, Grego e Latim; se Letras Anglo-Germâni-cas, em Português, Inglês e Alemão; se Letras Neolati-nas, em Português, Francês, Espanhol e Italiano. Ora,a experiência há muito vinha demonstrando a preca-riedade de formação assim tão eclética, e por isso oscursos de Letras do Pas vieram a ser reformados porlegislação aprovada em 1962, para vigência a partir do

    ano subsequente.

    Passam então a estruturar-se em habilitações, a sim-ples, restrita ao Português e suas literaturas (Português--Literaturas), e as duplas, constitudas por Portuguêse mais uma lngua clássica ou moderna e respectivasliteraturas (Português-Latim, Português-Francês, Por-tuguês-Inglês, etc.). Pouco depois, legislação comple-mentar de 1966 contempla também a possibilidade dehabilitações simples em lnguas estrangeiras ou clássi-cas (Inglês-Literaturas, por exemplo).

    Ao mesmo tempo, a legislação federal introduz o con-ceito de Currculo Mnimo, isto é, um repertório básicode matérias obrigatórias para cada curso universitário.No caso de Letras, o Currculo Mnimo constava de oitomatérias, cinco das quais previamente determinadas, emais três que cada instituição deveria escolher numa lis-ta constante da norma legal, para a constituição do seuCurrculo Pleno. A lei xava assim as cinco matérias deque nenhum curso de Letras poderia prescindir no Brasil,a saber: Lngua Portuguesa, Literatura Portuguesa, Lite-

    ratura Brasileira, Lngua Latina e Lingustica. Igualmen-te, estabelecia uma relação de matérias para a escolhadas três complementares: Cultura Brasileira, Teoria daLiteratura, uma lngua estrangeira moderna, literaturacorrespondente à lngua escolhida, Literatura Latina, Fi-lologia Românica, Lngua Grega, Literatura Grega.

    Cabe um destaque especial para a introdução das disci-plinas Lingustica e Teoria da Literatura, até então de es-cassa tradição entre nós, pois que, pelo menos segundo

    o que nos foi possvel apurar, tinham gurado apenas nocurrculo da UDF, durante a efêmera existência daque-la instituição (1935-1939). As duas estavam destinadasa êxito imediato, logo se tornando os principais esteiosconceituais dos cursos, e assim, por sua vocação ree-xiva e culto do rigor teórico, abalaram a hegemonia dasdisciplinas tradicionais, orientadas pelo historicismo epor certa vocação para sínteses humanísticas um tantorefratárias à especialiação. Por sinal, com a implanta-ção da pós-graduação, mais ou menos com o perl que

    ainda mantém hoje — outro fato relevante do perodo,

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    que teve lugar a partir de ns da década de 1960 —, es-tas disciplinas se consolidaram de vez. No mestrado e nodoutorado, credenciadas pelo reconhecimento já obtidopor seus bons serviços prestados na graduação, de ime-diato assumiram relevo especial, e assim se rmaram nonosso sistema universitário como as referências básicasdos cursos de Letras em todos os nveis.

    Destaque-se ainda uma circunstância decisiva para a -sionomia geral assumida por este período, de forte im-

    pacto institucional e acadêmico sobre a área de Letras:na maioria das universidades do Pas, em decorrênciada reforma universitária de 1968, desmembraram-seas faculdades de Filosoa, e seus diversos cursos pas-saram a constituir unidades universitárias novas. Sur-gem assim Brasil afora faculdades ou institutos de Le-tras, novidade que, pelo menos no caso da nossa área,implicou um isolamento lamentável: perdiam-se, ou nomnimo se dicultavam, contatos disciplinares cruciaispara uma boa formação em Letras, já que disciplinas

    como Filosoa, História, Sociologia tornaram-se dis-tantes do cotidiano das Letras, por sua alocação emunidades e até em centros universitários distintos. 6

    Pela mesma época — meados da década de 1960, incioda subsequente —, criam-se os cursos de Comunicação,o que também teria consequências para a área de Le-tras. É que tais cursos não só incluiriam em seus planosde estudos matérias originárias do campo das Letras,como também contaram no incio, para sua implanta-

    ção, com professores de formação lingustica e literária,ao mesmo tempo que passaram a constituir alternativanova e atraente para candidatos às universidades cujointeresse nos fenômenos da linguagem até então sópodia ser atendido pelo já tradicional cursos de Letras.7

    Quanto ao magistério, vimos que, entre nós, é no pero-do anterior (1933-1962) que ele se estrutura como umaprossão, de exerccio privativo por licenciados, no quetange ao nvel de ensino então chamado secundário.8

    Para a atuação como professor universitário, contudo,

    até pelo menos meados da década de 1960 ainda nãohavia exigências formais especcas, de modo que, naárea de Letras, além dos nela graduados pelas novas fa-culdades de Filosoa, encontravam-se mestres oriundosde diversos campos.9  Nesse regime, o credenciamentopara o exerccio do magistério superior se dava pelo cha-mado “notório saber”, ou então mediante concursos,de livre-docência ou para as cátedras, nome tradicionalque recebiam as matérias mais destacadas dos currcu-los universitários. Para os demais nveis da carreira, em

    geral não havia concursos, cabendo aos todo-poderososcatedráticos indicar seus colaboradores e subordinados,professores assistentes e auxiliares de ensino.

    Esse estado de coisas só muda com a reforma univer-sitária de 1968, que extingue as cátedras e cria os de-partamentos, implantando a gestão colegiada dos cur-sos, o que estabelece as condições para que o acesso àcarreira vá aos poucos deixando de ser por indicação,universaliando-se a seleção por concursos públicos. Ao

    mesmo tempo, na década de 1970, estruturada a pós--graduação, progressivamente crescem as exigênciasformais para admissão no magistério universitário: poralgum tempo, o requisito mínimo era que o candidato aprofessor universitário tivesse o certicado de um cur-so de especialiação; pouco depois, exigia-se o grau demestre, e logo, para a grande maioria das subáreas deLetras, o doutorado se tornaria pré-condição para a ins-crição nos concursos.

    Sexto período: de 2001 à atualidade

    A legislação de 1962, que institura os Currculos Mni-mos, não obstante as listas de disciplinas obrigatóriasque prescrevia, quis garantir, como vimos, certa exibi-lidade para que cada instituição montasse seu CurrículoPleno de acordo com suas peculiaridades. A nova legisla-ção, instituda a partir de ns da década de 1990 e conso-lidada sob a forma de Diretrizes Curriculares, aprofunda-

    ria, por seu turno, a tendência, abstendo-se inteiramente

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    de indicar matérias para a composição dos currculosuniversitários. Relativamente ao curso de Letras, quantoàs disciplinas determina apenas, óbvia e minimalista: “osconteúdos [...] devem estar ligados à área dos EstudosLingusticos e Literários” (CONSELHO, 2001, p. 25).

    A par dessa vigorosa desregulamentação, avultam al-gumas palavras de ordem nas Diretrizes Curricularesde Letras, além de “exibiliação”, as quais por si sósmanifestam o esprito da nova legislação: “intercultu-

    ralismo”, “inter-” e “mutidisciplinaridade”, “novas tec-nologias”, “pragmatismo das sociedades modernas”,“valores humanistas”.

    Apesar, contudo, da extrema abertura facultada pelalegislação, o esquema das habilitações simples e duplas— Português-Literaturas, Inglês-Literaturas, Português--Francês, etc. —, embora não seja mais obrigatório, per-manece, observado pelas instituições como princpioorganiacional básico dos cursos. E as disciplinas inte-

    grantes dos currculos das diversas instituições tambémem geral se conservam; anal, “Estudos Lingusticos”quer dier Lingustica, Lngua Portuguesa, lnguas clás-sicas, lnguas estrangeiras, e “Estudos Literários”, Teoriada Literatura, Literatura Brasileira, Literatura Portugue-sa, literaturas clássicas, literaturas estrangeiras. O quemudou, na verdade, foram as orientações conceituais:de certa homogeneidade própria do perodo anterior —em que davam o tom o funcionalismo, o estruturalismoe o gerativismo na subárea lingustica, e, na literária, os

    — digamos assim — imanentismos (estilstica, new criti-cism e estruturalismo), por vezes temperados com certoexternalismo sociológico —, para uma multiplicidade devisadas dicilmente redutveis a uma sntese, ao que nosparece resultantes do prestgio conquistado pela análisedo discurso e pelo desconstrucionismo, respectivamen-te nos estudos lingusticos e nos literários. Tamanha di-versicação de perspectivas, que hoje praticamente eli-minou da cena o que caracterizara o momento anterior— a existência de um repertório básico comum de au-

    tores e obras de referência, a viabiliar as interlocuções

    —, poderia ser saudado como avanço e enriquecimento,não fosse a circunstância de que o ensino das diversasmatérias via de regra se tornou por demais partidário:mais do que apresentar os problemas de uma disciplina,os especialistas se fazem professores de uma das orien-tações que ela comporta — no sentido de a professarem,como seus crentes e proselitistas —, escamoteando porcompleto o debate que anal deveria ser o lastro para aassunção de posições.

    Por outro lado, no plano do que chamamos antes“orientações conceituais”, se não falha a nossa percep-ção, observa-se fenômeno digno de nota, e que certa-mente tem a ver com a centralidade conquistada pelaLingustica e pela Teoria da Literatura: rareiam os ver-naculistas — isto é, os especialistas em determinada ln-gua e literatura nacionais —, pois os docentes de lnguasse representam antes como operadores de LingusticaAplicada ou de análise do discurso, e os de literatura,como comparativistas.

    Mas a grande alteração introduzida neste período, emrelação ao anterior, foi um signicativo aumento dacarga horária dos cursos. Na modalidade licenciatura,do mnimo de 2.200 horas prescrito por lei no perodoanterior (1963-2000), passou-se para um mnimo de2.800 horas, mais de 25% de aumento, portanto; e namodalidade bacharelado, de 2.025 para 2.400 horas, oque representa acréscimo próximo a 20%. Como nãoencontramos no parecer que fundamenta a norma legal

    nenhuma argumentação que justique tamanha ina-ção da carga horária, nem tampouco reconhecemos naárea mudança revolucionária recém-ocorrida que de-termine a necessidade de mais tempo dedicado à suaaprendizagem, vemos na medida um sinal de estranhafé ultimamente compartilhada por polticos e educa-dores, segundo a qual, no campo da Educação, haveriauma relação fatal de causa e efeito entre quantidade equalidade de ensino.

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    A ATUALIDADE

    E aqui estamos, na pequena parte que nos cabe do lati-fúndio desta tradição. Para arrematar o percurso, ten-temos uma reexão sobre o estado atual das coisas naárea, que anal, convenhamos, anda longe de parecersatisfatório.

    Problemas

    Comecemos com uma observação: temos a impressãode que nossas universidades, pelo menos consideran-do as que conhecemos melhor, ainda não assimilaramcriticamente as novas regras de maneira adequada, epor isso, sem conseguir explorar o que lhes é facultadopelos novos regulamentos, vêm promovendo reformasapressadas e burocráticas, apenas para acertar o passocom a legislação federal, das quais saem os cursos deLetras em geral piores do que estavam.

    De nossa parte, também até o momento sem meios dededicação mais intensa à questão, por ora temos condi-ção de levantar apenas alguns dos seus aspectos.

    Em primeiro lugar, tratemos da licenciatura. Já assina-lamos a inação de sua carga horária, que, como vimos,saltou de um mnimo de 2.200 horas para 2.800. Alémdisso, no regime anterior, as disciplinas destinadas à ins-trumentaliação pedagógica dos futuros professores —

    Didática, Estrutura e Funcionamento do Ensino, Psico-logia da Educação, Prática de Ensino — deveriam ocuparum mnimo de 1 / 8 da carga horária total, o que implica-va, portanto, costumeiramente a seguinte divisão: 1.945horas de disciplinas especcas de Letras, e 275 de maté-rias de caráter prático, ou então, em termos percentuais,respectivamente 88 e 12% do total de horas exigido. Noregime atual, a distribuição é a seguinte: 1.800 horas pa-ra os “conteúdos curriculares de naturea cientco-cul-tural” (CONSELHO, 2001a, p. 16), e 1.000 para o módu-

    lo por assim dier “prático”, composto por 400 horas de

    “prática como componente curricular” (Ibid., p. 16), 400de “estágio curricular supervisionado” (Ibid., p. 16) e 200de “outras formas de atividades acadêmico-cientcas--culturais” 10 (Ibid., p. 16). A este mnimo exigido por leisoma-se ainda a carga horária das chamadas “disciplinaspedagógicas”, tradicionalmente integradas aos cursosde formação de professores pelo menos desde 1939, eque importam em média acréscimo de mais ou menos180 horas.11

    Balanço da questão, confrontando o atual regime como anterior: as horas destinadas aos conteúdos lingusti-co-literários caram de 1.945 para 1.800; e a proporcio-nalidade entre o “módulo especco” e “módulo instru-mental”, que era de 88 contra 12%, recongurou-se demaneira sensvel: 64% contra 36%. Observando por ou-tro ângulo: o tempo dedicado ao instrumental triplicou,passando de 12 para 36%, correlativamente ao encolhi-mento das horas consagradas aos estudos linguísticose literários, que perderam em torno de 22% do espaço

    que lhes era antes reservado.12

    À vista deste números, acreditamos pertinentes duasobservações.

    Já assinalamos que o aumento da carga horária parecedecorrência do princpio segundo o qual a qualidade daformação dos estudantes depende diretamente do tem-po de permanência deles na universidade. No caso quenos ocupa, façamos uma conta rápida: no regime ante-

    rior, um curso como a licenciatura em Letras, com até2.400 horas (isto é, 200 horas a mais do que o mnimoexigido), podia ser integralizado em oito semestres le-tivos, se considerarmos turnos de quatro horas diárias,com aulas de segunda a sexta-feira; hoje, para a inte-graliação das 2.800 horas mnimas, conforme o mes-mo esquema de carga horária semanal, são necessáriosnove semestres, e mesmo assim ainda cariam faltando100 horas para a integraliação, o que, para cumprir-se,exigiria um décimo semestre, ou então o aumento das

    horas diárias em algum momento dos nove semestres

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    necessários. Ora, esta retenção do aluno por mais tem-po na universidade nos parece perversa pelo menos pordois motivos: pressupõe que a formação é um processotutelar, e assim não leva em conta a contribuição — anosso ver essencial — das iniciativas autodidáticas, tan-to mais viáveis quanto menos se submete o estudantea sobrecarga de obrigações escolares; pressupõe que aclientela da área de Letras conta com meios nanceirospara manter-se sem problemas em cursos universitáriosde duração mais extensa, o que não corresponde aos

    fatos, pois, como antes assinalamos, se o magistériofoi por algum tempo prossão de classe média, hoje émajoritariamente procurado por camadas da populaçãode extração sócio-econômica mais modesta, cujos inte-grantes não podem protelar por muito tempo sua dedi-cação plena ao trabalho remunerado.

    Por outro lado, como não nos parece que tamanha ina-ção da parcela instrumental da carga horária seja frutode uma revolução epistemológica ocorrida no campo da

    Educação, só podemos atribu-la ao êxito de pressõescorporativas oriundas do segmento universitário nelainteressado. Se procede a suspeita, mesmo rejeitandopor princpio reivindicações corporativas em geral, seriarecomendável que os cursos de Letras, em legtima de-fesa, lutassem por restaurar, no currículo das licenciatu-ras, o equilbrio perdido entre as matérias instrumentaise as de conteúdo, cuja proporção raoável seria, a nossover, em torno de 85% para estas e 15 para aquelas.

    Quanto ao bacharelado, como vimos anteriormente,tivemos também um aumento: a carga horária mnimapassou de 2.025 para 2.400, tendo tido pois uma expan-são de cerca de 20%. Conserva-se, porém, ao contráriodo que se deu com a licenciatura, num patamar razo -ável, considerando que se trata de carga integraliávelem oito semestres, em turnos diários de quatro horas,com semanas de cinco dias letivos. No caso desta mo-dalidade, assim, o principal problema não di respeito àcarga horária, mas ao próprio signicado prático do ttu-

    lo de bacharel em Letras. É que, se o ttulo de licenciado

    confere habilitação legal para o exercício de certa pro-ssão regulamentada — o magistério —, o mesmo nãose dá com o de bacharel. Veja-se, a propósito, o casodos bacharelados em Letras oferecidos por algumas denossas maiores universidades públicas.

    A UFRJ e a UERJ optaram pela solução mais conven-cional e inspida: os bacharelados correspondem às li-cenciaturas, e assim os currículos daqueles coincidembasicamente com o destas, consistindo a diferença na

    ausência do módulo de instrumentaliação pedagógi-ca, privativo das licenciaturas. Na USP, há bachareladosem lnguas especcas e em Lingustica, que coabitamcom licenciaturas nas mesmas subáreas. A UNICAMP,por sua ve, mantém dois bacharelados, em Lingusticae em Estudos Literários, ao lado de uma licenciatura emLetras. A UFRGS, de sua parte, dispõe de bachareladosem Tradução, com habilitação por línguas, as mesmasem que a instituição oferece licenciaturas. Por m, aUFMG, paralelamente às licenciaturas simples e duplas

    em diversas línguas, conta com bacharelados em Estu-dos Lingusticos, Estudos Literários, Estudos de Tradu-ção e Estudos sobre Edição.

    Ora, a amostragem é suciente para o que pretende-mos assinalar: se um estudante obtém uma licenciaturaem Letras, está legalmente credenciado para o magis-tério da habilitação ou das habilitações de sua escolha;se, contudo, obtém um bacharelado — em Tradução,por exemplo —, pode ter adquirido competência no of-

    cio, mas seu diploma não lhe garante uma reserva demercado, pois a prossão de tradutor pode ser exercidapor qualquer um que saiba traduzir, disponha ou não dediploma. Desse modo, acreditamos que nossas institui-ções andam oferecendo bacharelados de consistênciabastante discutvel: pois o que signica, por exemplo,o ttulo de bacharel em Português-Literaturas, ou emEstudos Literários, ou mesmo em Estudos Lingusticos?Quais são as chances reais de os jovens portadores detais diplomas de fato se colocarem no mercado, traba-

    lhando com suas especialidades fora do magistério?

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    Axioma

    Mais do que reformular os cursos de Letras, é precisopor assim dier reconcebê-los.

    Equacionamentos

    Hora de encerrar, esclarecendo que aqui se tentou umdiagnóstico, bem mais que uma proposta de terapia.

    No entanto, pelo menos um esboço de plano para amelhoria dos cursos de Letras podemos talve sugerir.Vejamos pois algumas diretries gerais neste sentido:

    1ª – O grande problema que torna as licenciaturas ho - je tão pouco atraentes e insatisfatórias transcende demuito a alçada das instituições universitárias: tem aver com a urgente necessidade de uma total redeni-ção das polticas públicas relativas à área da Educaçãono Pas, em que se contemple, é claro, entre muitos

    outros aspectos, a valoriação social da prossão deprofessor. No entanto, é possvel melhorá-las consi-deravelmente, dotando-as de currculos econômicos,isto é, enxutos e funcionais, o que depende essencial-mente de cada universidade

    2ª – A área de Letras, através das associações que a re-presentam — ANPOLL, ABRALIC, ABRALIN —, precisaempenhar-se por reverter a partilha de carga horáriada licenciatura entre matérias de instrumentaliação

    pedagógica e matérias de conteúdo, partilha que, co-mo se demonstrou, anda extremante desfavorável aomódulo do conteúdo. Como isso, no entanto, é coisade longo prao, até porque tem por alvo promover mu-dança na legislação, devem as instituições universitá-rias tentar neutraliar as distorções, lançando mão detodos os recursos legalmente possíveis para garantirmaior espaço às disciplinas lingustico-literárias.

    3ª – A área de Letras dispõe de identidade forte, oriunda

    que é das velhas disciplinas dos discursos — Gramática,

    Retórica, Poética, Filologia —, cujas conquistas básicascontinuam vivas. Integra, porém, o âmbito mais amplodas humanidades, e os currculos universitários preci-sam reetir isso, ainda que se resguardando contra so-brecargas e enciclopedismo. Com o senso de economia

     já referido, devem pois os currculos contemplar a obri-gatoriedade de uma das disciplinas básicas do campodas Ciências Humanas, à escolha do aluno: Filosoa,História, Sociologia, Antropologia ou Psicologia.

    4ª – A área de Letras deve trabalhar pela preservaçãoe difusão da tradição clássica, mas sem desconsideraras manifestações culturais modernas e da atualidade. Ocurrculo dos cursos precisa saber reetir esta tensão.

    5ª – A dicotomia licenciatura simples / licenciatura dupladeve ser substituda por um sistema em dois estágios:no primeiro, programado para oito semestres, o alunointegraliaria um currculo de Português, com opçõesde ênfase — em Estudos Lingusticos ou em Estudos

    Literários —, no qual se garantiria, do primeiro ao oita-vo semestre, carga horária signicativa reservada paraestudos de uma lngua estrangeira ou clássica à sua es-colha, com o que, desde que assim decidisse, disporiadas condições mnimas para prosseguir os estudos nosegundo estágio, visando à obtenção de um segundodiploma; no segundo estágio, programado para qua-tro semestres, o aluno integraliaria um currculo 100%ocupado pela lngua de sua escolha no estágio anterior,igualmente com ênfases opcionais, em Estudos Lin-

    gusticos ou Estudos Literários.

    6ª – Os bacharelados devem dispor de um núcleo dedisciplinas básicas comuns com a licenciatura, caracte-riando-se pela substituição do módulo de instrumen-taliação pedagógica, privativo desta, por um conjuntode matérias voltadas para a aquisição de competênciasque habilitem para o exerccio de atividades prossio-nais extramagistério do campo das Letras. Certamente,a julgar pelo aspecto geral dos contextos acadêmico e

    social da atualidade, aí se compreendem, por exemplo,

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    Tradução e Editoração, mas de modo algum coisas co-mo Português-Literaturas, ou mesmo Lingustica, Estu-dos Lingusticos, Estudos Literários.

    7ª – Os bacharelados, uma ve investidos de proposiçãoprossionaliante dotada de alguma consistência — m-nima que seja, à medida que não correspondente a pro-ssão regulamentada —, devem articular-se com áreasde pós-graduação igualmente prossionaliantes, istoé, voltadas para a capacitação de especialistas destina-

    dos a atuar em atividades do campo das Letras situadasfora do âmbito do ensino.

    Referências bibliográcas

    História e teoria

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    ________. Resolução nº 18 / 2002, de 09 / 04 / 02. [Brasília]:Ministério da Educação, 2001.

    Notas

    1 Como se vê, não é de hoje que professores reclamam do baixo nvel da área.

    2 Não confundir com a instituição homônima referida acima, no item 8.

    3 Este levantamento, bem como o da seção anterior, resultou de dados

    colhidos em Centro (1997), Lima (1997), Pardal (1990) e Tufanni (2010), e

    subsidiariamente nos sites das Instituições.4 Entenda-se: a UFRJ foi criada em 1920, com o nome de Universidade

    do Rio de Janeiro, sendo reformulada em 1937, quando passou a chamar-

    se Universidade do Brasil; sua designação atual — Universidade Federal do

    Rio de Janeiro — foi adotada em 1965. Sua Faculdade de Filosoa, Ciências e

    Letras, prevista desde 1931 e nominalmente instituda em 1937, instala-se de

    fato somente em 1939, mediante a absorção da Escola de Filosoa e Letras da

    Universidade do Distrito Federal, instituição criada pela municipalidade carioca

    em 1935 e extinta pelo governo federal em 1939.

    5 Esta modalidade, segundo ouvimos de um antigo professor nosso que se

    graduou na década de 1940, inicialmente se chamava Letras Germânicas. Oacréscimo de “Anglo” — aliás, redundância, dado que o Inglês é uma lngua

    germânica — se deu por ocasião da Segunda Guerra Mundial, na pressuposição

    de que simplesmente “Letras Germânicas” podia soar como germanolia, num

    momento em que a germanofobia ganhava terreno na sociedade brasileira,

    processo que, como se sabe, culminaria com a declaração de guerra do Brasil à

    Alemanha, em 1942.

    6 A UFRJ e a UFMG criam suas respectivas faculdades de Letras em 1968,

    mesmo ano em que a UERJ instala seu Instituto de Letras. Já a PUC-Rio, cuja

    estrutura não contempla faculdades ou institutos, mas departamentos, estabelece

    seu Departamento de Letras em 1969. Enm, 1970 é o ano em que a UFRGS

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    Resumo

    O presente artigo procura analisar a “Proposta Curri-cular do Estado de São Paulo – Ensino Fundamental IIe Ensino Médio” para Lngua Portuguesa. Não apenasprocuramos evidenciar os elementos negativos do pro-

     jeto estadual sobre literatura, mas, sobretudo, a nega-

    ção da possibilidade de aprendizado da disciplina comoexperiência emancipatória. Em um primeiro momento,alguns números e estatsticas ilustram uma espécie defalha intencional arquitetada pelo sistema de ensinopúblico do Estado de São Paulo. Após um breve deba-te crtico sobre literatura e experiência, procuramosreetir sobre algumas das ideias discutidas por TvetanTodorov e a questão da forma em Literatura em perigo.Mesmo em cultura e realidade diversas, os pressupos-tos do crítico nos permitem denunciar um processo ne-

    gativo subjacente aos valores educacionais presentes

    Wellington Migliari *1

    * Mestre em Literatura Brasileira pela Universidade de São Paulo,Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas, Faculdade de Filosoa, Letrase Ciências Humanas. Durante a pesquisa, foi bolsita da Fundação de Amparoà Pesquisa do Estado de São Paulo – FAPESP. É autor do trabalho “Filosoae tragédia: o processo de reicação no romance Quincas Borba”. Contato:[email protected]

    Notas sobre o

    perigo

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    Quando Tzvetan Todorov disse que a literatura estavaem perigo, o crtico já havia tido a experiência do absur-do. Na condição de membro do Conselho Nacional deProgramas, deu-se conta de uma problemática estrutu-ral e urgente. O currculo, personagem agora em análise,vivenciava um drama com efeitos de real. Como leitorexperiente de narrativas, imediatamente identicou téc-nicas de estudos literários e história para o ensino lite-ratura. Entendeu que, no espaço da disciplina, as açõesou peripécias destinadas aos alunos da escola básica emédia estavam orientadas por análises formais e clas-sicações. Tvetan Todorov ouvia o alarme de incêndio.O programa curricular, assim, de agora em diante per-sonagem a ser trabalhada pelo estudioso, era constan-temente observado por narradores de ruas e avenidaschamadas gêneros textuais e guras de linguagem. Omundo da literatura já não propiciava a experiência queos viandantes e marinheiros, ou tantos outros contado-res de histórias, adquiriam durante suas vidas. Em outraspalavras, o currculo passou a ser forma e técnica para

    homem. A leitura de poemas ou romances não podiamais prometer a reexão como fruto de uma difcil tare-fa. De imediato, ela não aprofundaria o pensamento doleitor sobre “a condição humana, sobre o indivduo e asociedade, o amor e o ódio, a alegria e o desespero, massobre as noções crticas, tradicionais ou modernas”. 1

    Abro o Boletim Ocial   do Ministério da Edu-cação (nº 6, de 31 de agosto de 2000), quecontém o programa dos lycées, em particular

    o do ensino de Francês. Na primeira página,sob o ttulo “As perspectivas de estudo”, oprograma anuncia: “O estudo dos textos con-tribui para formar a reexão sobre: a histórialiterária e cultural, os gêneros e registros, aelaboração da signicação e a singularida-de dos textos, a argumentação e os efeitosde cada discurso sobre seus destinatários.”A seqüência do texto comenta essas rubricase explica notadamente que os gêneros “são

    estudados metodicamente”, que “os registros

    na “Proposta Curricular”. Podemos ainda avançar sobreo tema do ensino da literatura ao fazermos algumasconsiderações em relação ao trabalhador e ao trabalho,respectivamente, símbolos da alienação e construçãosocial positiva do trabalho.

    Palavras-chave:

    Literatura, sociedade, sistema educacional, currculo eleitura.

    Abstract

    This article is devoted to an analysis of the “PropostaCurricular do Estado de São Paulo – Ensino Fundamen-tal II e Ensino Médio” for Portuguese. Not only havewe tried to point out the negative elements of a Stateproject concerning literature, but also the denial of the

    literary learning as a possible emancipation experience.An introduction to numbers and statistics showing thefailure of learning architected by the educational publicsystem in the state of São Paulo seems to be really illus-trative, as well. After a brief critical discussion involvingliterature and experience, we try to think about someof Tzvetan Todorov’s ideas and the question of literaryform in Literatura em perigo. Even in a dierent cultureand reality, the presumption of the critic may permit usto denounce a negative process underlying the present

    educational values in the “Proposta Curricular”. We canalso advance in the topic of literary education makingsome considerations about labour class and work, res-pectively, symbols of alienation and social positiveconstruction.

    Keywords:

    Literature, society, educational system, curriculum and

    reading.

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    (por exemplo, o trágico, o cômico)” são apro-fundados no segundo ano do ensino médio,que “a reexão sobre a produção e a recepçãodos textos constitui um estudo separado nolycée” ou que “os elementos da argumenta-ção” serão doravante “apreciados de maneiramais analtica”. 2

    Antes de iniciarmos o debate sobre a literatura emperigo e as questões curriculares, passemos a algunsdados também de ordem estrutural. Temos outras per-sonagens a serem discutidas. Nosso enredo parece serum pouco mais complexo e possuir desarticulações in-tencionais. Comecemos pelas condições materiais querodeiam nosso cenário. O orçamento destinado à edu-cação em São Paulo é da ordem de 14,25% da receitatotal arrecadada pelo estado. No entanto, pouco maisda metade desse montante se reserva às instituiçõesde nvel superior, i.e., de 22.339.377.933 bilhões de re-ais, 11.294.371.747 são alocados nas universidades, nosinstitutos de pesquisa e faculdades paulistas. 3 Assim,apenas 7,04% da receita total do Estado de São Paulosão aplicados nas “5,3 mil escolas, com cerca de 228 milprofessores, que atendem a 4,3 milhões de estudantesdiariamente”. 4 Se ermos as contas, todos os meses,173,66 reais compõem o valor bruto dos recursos inves-tidos em cada aluno da rede de ensino básica do estadomais rico da união. 5 O espaço é ainda mais assustadorse olharmos para a quantidade de bibliotecas. São 65no municpio de São Paulo, 36 delas infanto-juvenis e

    29 classicadas como gerais. Nas subprefeituras de Vi-la Sônia, Capão Redondo, Morumbi, Raposo Tavares,Cidade Ademar, Cidade Tiradentes, Brasilândia, paranão estender a lista, não há bibliotecas disponveis. Deacordo com a Fundação Sistema Estadual de Análisede Dados – SEADE, a situação é bem dramática dian-te da população do municpio de São Paulo, 11.337.021de habitantes. Com um pouco de estatstica básica,sem recorrermos a modelos mais sosticados, chega-mos à conclusão de que há uma biblioteca para cada

    174.415 indivduos só na região da grande São Paulo.

    Esse absurdo pode ainda ser maior se a nossa imagina-ção for curiosa o bastante para indagar a relação entreo hábito de leitura e a falta real de livros disponveis eminstituições de fácil acesso ao público. 6  Essa dispari-dade, ao contrário do que parece, reete, no fundo, asrealiações de um aparelho de poder a favor de deter-minadas classes. Segundo outro narrador, a FundaçãoUniversitária para o Vestibular – FUVEST, dos inscritospara o exame de ingresso de 2012, 61,1% deles vieramde educação média privada enquanto que 29,4% oriun-dos da rede pública. 7 Sobre esse mesmo ano, os núme-ros apontavam que apenas três dos de matriculados namaior universidade da America Latina eram provenien-tes do sistema público de ensino. 8 

    No centro do debate sobre a educação paulista e seusrecursos, seria interessante nos atentarmos ao ensinoda literatura. Essa, por depender do tempo para a lei-tura, parece estar na contracorrente da ordem do tra-balho. Segundo Ligia Cademartori, na sociedade quevivemos, enfrentamos o perigo do esquecimento e asupercialidade como sintomas modernos reais. A ob-servação das coisas que, há algum tempo, favorecia otrabalho da memória, por meio da leitura atenta, hoje,encontra-se na contramão da cultura de massa e dasformas atuais de trabalho. A rapidez da vida modernaataca, constantemente, a tentativa da experiência indi-vidual pautada nas artes. Por isso, a leitura ou o simplesdesejo de buscar o próprio reconhecimento, como mé-todo para humaniar-se dentro do establishment , tor-

    nou-se um ato de resistência e rebeldia.

    9

     A educação,se colocada à disposição do m último do labor, mesmoque passe por espaços de cultura em meio ao processode aprendiado, é o indcio do perigo. Essa é principalação de nossa personagem. Com seu conteúdo alta-mente coeso e determinado, a Proposta Curricular doEstado de São Paulo, Ensino Fundamental – Ciclo II eEnsino Médio, tem um projeto altamente “civiliatório”com o intuito de reduir “distâncias”. Embora não se-

     ja possvel inferir que tipo de distância é essa, se geo-

    gráca ou intelectual, muito menos compreender que

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    tipo de “civiliação” se pretende, o ser de papel criadopelos autores do Estado é verossimilhante. De acordocom os autores desse personagem chamado Currículo,o cenário da sala de aula deve se parecer e, mais do queisso, ser o próprio “mundo do trabalho”. 10 Em 2011, deacordo com a Secretaria de Planejamento e Desenvol-vimento Regional, Convênio Seade – Dieese e MTE/FAT,6% dos trabalhadores no Estado de São Paulo estão en-tre 6 e 10 anos – algo em torno de 680.000 crianças — já,da mão-de-obra ocupada entre 16 e 24 anos, 18,8%. 11 Isso corresponderia a 24,8% da população ativa paulis-ta em idade de formação básica, média e superior. Seolharmos mais de perto, os 21,8% da classe trabalhado-ra paulista não possuem Ensino Fundamental comple-to. Caso nos atentemos aos números sobre a instruçãomédia, 16,8% dos ocupados deixaram o Ensino Médiosem naliar seus estudos. Sem grandes cálculos, em2011, a soma de alunos sem instrução básica concludachegou a 38,6%; alarme de incêndio e perigo!

    É preciso reetir não apenas sobre os números e as con-dições de ensino vigentes na rede pública de ensino doEstado de São Paulo. Parece haver uma escolha delibe-rada pela educação funcional, a serviço do trabalho, quese propaga de modo silencioso e perverso como insti-tuição valiosa antes de uma possível emancipação. Nocentro da formação do indivduo, como ca evidente noEstado de São Paulo, estabelecem-se formas de pro-moção de uma sociedade desigual e apolítica. Os ter-mos ou expressões vaios, encontrados no documentoda Proposta Curricular para Lngua Portuguesa do Esta-do de São Paulo, tais como “comunidade que aprende”e “aprender a ensinar”, roubam a possibilidade de a cul-tura ser pensada como experiência emancipatória e adestinam à esfera do utilitário e do lúdico.

    O conhecimento tomado como instrumento,mobiliado em competências, reforça o sen-tido cultural da aprendizagem. Tomado co-mo valor de conteúdo lúdico, de caráter éticoou de fruição estética, numa escola com vida

    cultural ativa, o conhecimento torna-se umprazer que pode ser aprendido ao se apren-der a aprender. 12

    Os eixos que compõem o projeto para “Linguagens,códigos e suas tecnologias” se delimitam pelas tipolo-gias e gêneros textuais, discurso e história. O estudo danarrativa, por exemplo, segundo a proposta em ques-tão, “implicará desenvolvê-la pondo em funcionamentohabilidades de leitura, escrita, audição e de estudos deaspectos gramaticais”. 13 No caso do Ensino Médio, háuma ênfase maior em uma suposta reexão crtica darealidade, uma vez que, por meio do exercício das di-mensões discursivas, semânticas e gramaticais, o alunodeve chegar a um “olhar dialético entre o intrinseca-mente lingustico e as dimensões subjetivas e sociais”. 14 Nessa proposta falsa, postiça, que não possui nenhumaintenção em relação à experiência coletiva do indivduo,o o condutor do ensino da literatura é o saber decodi-cador e tal se apresenta como regra maior. Assim, o pa-radigma da estrutura textual e da forma em si, que tan-to distanciam a experiência humana do “aqui” e “agora”do estudante no universo da cultura, impõem-se comométodo para o conhecimento e estrutura curricular.

    Já em 1916, John Dewey publica um estudo intituladoDemocracia e educação. Nessa obra, o autor entendeque a arte, por meio de seus valores e estética, devepassar pela experiência daquele que a lê ou vê. É indis-pensável, para a leitura de smbolos, o conteúdo huma-no e social presente em cada homem. A literatura, por-tanto, assim como outras formas artísticas, dependeriade um conjunto de regras no plano da expressão e dalinguagem, segundo o pensador e educador, que propi-ciem o estudo da experiência e não de objetos frios. Jo-hn Dewey discute que a bagagem cultural de cada alunosobre um objeto qualquer deve ser respeitada, contan-to que a arte sinalize a diferença entre o valor materialdo mundo moderno em dois sentidos. O primeiro de-les tem a ver com a apreciação liada ao gosto, feitapelo discente, e o outro ligado ao cálculo monetário

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    do ensino médio aprendem o dogma segundo o qual aliteratura não tem relações com o restante do mundo,estudando apenas as relações dos elementos da obraentre si”. A literatura é um objeto, portanto, fechadoem si mesmo, autossuciente e absoluto.  16Como tarefade resistência, para a superação do ensino dos estudosliterários, Tvetan Todorov defende que a literatura é aexperiência central a ser ensinada, e não, ao contráriodo que corrobora a Proposta Curricular do Estado deSão Paulo, os modelos interpretativos ou históricos, es-truturalistas ou desconstrutivistas. Não é legtimo afas-tar o leitor da literatura perseguindo métodos formais.Nem mesmo ao aluno deve ser apresentada a visão nii-lista da não superação do mundo trágico, a percepçãode que o funesto é o ditame social e os homens devemse render a ele. Para o pensador búlgaro, a perversida-de não se nda na estratégia de ensino da literatura ouainda nos objetivos do currculo escolar, ela pode se re-velar, sobretudo, no interesse que o indivíduo tem pelo“falar de si”. Essa forma de expressão da linguagem,com conteúdo estritamente sobre o “eu”, na realidadefrancesa, encerra-se nos limites do praer. Falar bem oumal de si, para uma sociedade individualista, conformeTodorov expõe, não importa, pois “o essencial é falar desi”. Em geral, no nosso caso, professores de literaturatratam de temas desinteressantes aos alunos, literaturae seus gêneros, por exemplo, e os discentes dos modis-mos inventados pela indústria cultural.

    Não é difcil encontrar teses que advogam o exerccioda imaginação e esforço individual em prol do ensinoda literatura. Contudo, mesmo levado a por em práticaa sua competência para abstrair narrativas em imagense cenários, contextos e diálogos, o leitor na rede públi-ca de ensino está em perigo. Maria Therea Fraga Roc-co entende que, no exerccio da instrução literária, oprofessor deve aguçar a imaginação criadora discente.Além disso, deve o mestre conduir o aluno a perceberas riquezas formais do texto se comprometendo comuma “melhor formação”. O jogo lúdico e as estruturasformais são os mesmos há três décadas, perodo de

    realiado tão comumente sobre o objeto na era da mer-cadoria. Segundo John Dewey, o confronto dessas duaspercepções pode resultar nas contradições inerentes àemancipação humana. Para tanto, é na formulação daspropostas curriculares que se deve buscar a relação en-tre o que é ensinado e a experiência individual inseridana coletividade. Diante de todo esse processo, chega ahora de o currculo ser avaliado e scaliado para quese tenha “a certea de que [ele] está realiando seusverdadeiros objetivos”. Por isso, os números, postos ini-cialmente como notas introdutórias para a contextuali-ação de nosso “aqui”, revelam o primeiro perigo, istoé, a escasse material dos recursos que determinam osconteúdos da dominação e o esvaiamento de sentidoda literatura em favor da ordem do trabalho. Em outraspalavras, a Proposta Curricular do Estado de São Paulodefende um código moral, uma história e uma inspira-ção nacional a serviço da produção e do trabalho. A li-teratura, presente nas escolas públicas, a princpio, nãoparece atender às aspirações da vida coletiva e muitomenos à ideia consciente de transformação social.

    Homero para os gregos era uma Biblia, umcodigo de moral, uma historia e uma inspira-ção nacional. Em todo caso, pode-se dier quea educação que não conseguir fazer a poesiatornar-se um recurso para os trabalhos da vi-da, assim como o é para os seus laeres, teráqualquer cousa que se lhe diga – ou, então, apoesia será uma poesia articial.15 

    Sem tempo para a leitura, sem bibliotecas ou enfren-tando a realidade do trabalho antes mesmo de com-pletar seus estudos básicos, para não falar no precárioinvestimento feito em educação, o aluno e a literaturaestão de fato em perigo. Em Literatura em perigo, Tzve-tan Todorov relata a experiência não apenas de um es-tudioso da narrativa, mas, sobretudo, a gura de um paipreocupado com as atividades escolares de seus lhose o sistema educacional francês. Entre as raões práti-cas do estudo da área, o crtico arma que “os alunos

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    herança ditatorial no Brasil. 17  Já em O ensino da lite-ratura, Nelly Novaes Coelho entende que comentáriosestilstico-lológicos podem amparar o aluno no atodo estudo da literatura. Para a estudiosa, o encontrodo sentido literal, a classicação e estrutura da obra,além de sua paráfrase e estabelecimento de seu tema,podem contribuir para um comentário lológico maispróximo de uma análise acertada. No entanto, essasincursões sobre o modo de se aproximar da literaturadistancia os leitores de seu objeto. 18 Em estudo maisrecente, Cyana Leahy-Dios aponta que o conteúdo es-colar e seus métodos de ensino continuam ainda orien-tados pelo valor das análises formais. Segundo ela, asavaliações na área da literatura ainda obedecem às nor-mativas dos estudos literários, à história da literaturae suas questões de estrutura, além das inuências dosparadigmas de estilo e reconhecimento de estéticaspertencentes a famlias de gêneros textuais. 19 

    No caso paulista, forma e conteúdo são colocados na es-fera do conhecimento subjetivo do aluno, uma ve que,na proposta curricular em debate, demandas culturais,políticas e econômicas similares se dispersam cotidia-namente. A partir de algumas reexões sobre poltica ecultura, Roberto Schwarz discute pontos que podem seraproveitados nessas notas sobre o perigo da literatura.Primeiro, pelo fato de a cultura literária, capa de eman-cipar o coletivo, estar nas mãos da classe dominante. De-pois, como outro aviso de incêndio, o fato de a literaturaestar nas mãos da cultura de massa televisiva. Por m,dois aspectos importantes, a naturaliação de padrõeshomogêneos no comportamento dos indivduos e o au-toritarismo dos produtos culturais pensados pela lógicaindustrial. 20 Uma ve que o discurso hegemônico é aque-le regido pela ordem dos interesses privados e lucrativos,não há verossimilhança entre o que se estuda de literatu-ra nos bancos escolares e a experiência que essa formade arte propicia. Isso não ocorre por conta de o conte-údo artstico ser incapa de provocar questionamentose desconfortos, embates e crítica, mas, sobretudo, por-que a maneira como se ensina a ler literatura durante os

    anos da vida básica escolar resulta em uma espécie dereprodutibilidade técnica de conceitos. O efeito de umaproposta curricular, assim, amparada pelo aparelho deum Estado tecnocrata, este sem quaisquer relações his-tóricas ou de classe com os discentes da escola pública,não poderia ser diferente da condição intelectual margi-nal que o jovem, rico, pobre ou classe média, vivencia.Muito para além das estatsticas, não é apenas o dramada competitividade que o leitor enfrenta nos exames pa-ra as universidades, mas a subtração de suas qualidadesmais caras na esfera da cultura e cidadania.

    Vejamos um exemplo interessante sobre o sentido decidadania aliado a uma alienação dicionarizada do co-nhecimento que, no incio da República Velha, ilustra oensino da experiência social pela sua negação. Em 1901,Arthur Azevedo publica um volume intitulado ContosFora de moda. Entre os textos que aparecem no livro,ele escreveu um sobre a vontade popular na políticabrasileira. A narrativa se inicia com marido e mulher, as-sistidos pelos lhos, em uma luta verbal desencarnadae repleta de humor sobre o real signicado de “plebis-cito”. Além do termo em questão, a esposa do senhorRodrigues revela ao leitor que, em outra situação, olho Manduca já havia perguntado ao pai sobre o queseria também “proletário” e o homem mais enrolou omoleque que de fato lhe explicou algo. Dona Bernardi-na insiste que não é vergonha ignorar uma palavra e ohomem ca furioso: “Que gostinho tem a senhora emtornar-me ridiculo na presença destas crianças!”. Elacontesta: “Oh! ridiculo é você mesmo quem se fa. Se-ria tão simples dizer: – Não sei, Manduca, não sei o queé plebiscito; vae buscar o diccionario, meu lho”. 21 Aolongo do conto, o leitor compreenderá que Rodriguesignora o sentido político das coisas e Dona Bernardina osmbolo da inquietude na pátria agora republicana.

    – Mas eu sei!– Pois se sabe, diga!– Não digo para não me humilhar diante demeus lhos! Não dou o braço a torcer! Quero

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    intelectuais e ação política efetiva, vemos a imperiosamaneira da ausência de sentido prático na trajetória dahistória desses anos iniciais da república.

    Assim, do ponto de vista dos atores históricos,e do limiar dos seus destinos na história do pa-

     ís, era difícil pensar numa representação da vi-da privada brasileira que não fosse pela vida daconstatação da falta de sentido ou da imperio-sa necessidade de recriar os signicados – quesempre forma as características intrínsecas deuma representação cômica ou humorística domundo e da vida. (SALIBA, 1998, p. 291) 25

    O humor e algumas dúvidas pertencentes ao universodo recém-nascido cidadão, aliás, estão também na glo-sa moderna de Mário de Andrade. Da, então, a impor-tância de se desvencilhar do conceito meramente tem-poral do que seria pré-modernismo no Brasil, ou apenasa precedência temática de alguns escritores, e proporo advento da república como a “permissão” antes nãotida para se falar das coisas públicas. 26 O m do Impériose traduziu na disseminação, ainda que falsa e copiada,da ideia da participação coletiva, entretanto, era preci-so aprofundar a experiência para crer. Em 1932, o autorde Macunaíma, no Diário Nacional, escreve uma crônicamuito parecida com a busca de sentido para a palavrade ordem pública no âmbito da vida privada vista noconto Plebiscito de Arthur Aevedo. O texto está intitu-lado como “Folclore da constituição” e apresenta trêspersonagens conversando sobre o signicado da pala-vra que dá nome ao documento.

    Na rua das Palmeiras três homens pobremen-te vestidos seguem num passo decidido. Doiscarregam consigo fardas e botinões de solda-do. Um destes é rapa ainda. De repente inter-rompe a parolagem, perguntando:– Mas o que é, direito, a Constituição?Se percebe uma certa atrapalhação nos ou-tros dois, o passo decidido em que vêm, meio

    conservar a força moral que devo ter nesta ca-sa! Vá para o diabo!E o senhor Rodrigues, exasperadissimo, ner-voso, deixa a sala de jantar e vae para o seuquarto, batendo violentamente a porta.No quarto havia o que elle mais precisava na-quella occasião: algumas gotas de agua deor de laranja e um diccionario ... (AzEVEDO,1901, p. 68) 22

    Depois de algum tempo, retorna o pai à sala e começasua fala mastigada: “– E’ boa! brada o senhor Rodriguesdepois de largo silencio; é muito boa! Eu! eu ignorar a sig-nicação da palavra plebiscito! Eu! ...”. 23 O conto terminacom a decodicação do termo causador de tanto alvo-roço “– Plebiscito é uma lei decretada pelo povo roma-no, estabelecido em comicios”. Todos suspiram aliviadose ele nalia “– Uma lei romana, percebem? E queremintrodui-la no Brasil! E’ mais um estrangeirismo! ...”. 24

    Em Plebiscito, Arthur Aevedo constrói uma cena da vi-da privada em que o tema da narrativa é o direito demanifestação popular. Há uma pequena alegoria, hu-morada e irônica, em relação à gura do pai. Patriarcaque detém a autoridade de denir o sentido e a ordemdas coisas na famlia, Rodrigues signica “governo po-deroso” e “poder da fama”. Já Bernardina, representan-te da força e da coragem, não subsiste em sua investidade tornar todos iguais, lhos e progenitores, por nãosaberem nada sobre o termo “plebiscito”, e é suprimi-da pelo controle das denições exercido pelo marido. Omenino Manduca, metáfora dos novos rebentos da re-pública, não obtém nada mais que a decodicação, des-contextualiada e vaia, da palavra. Ao m do enredo,o lho da famlia republicana tem sua condição socialnegligenciada pelo “governo da casa” e smbolo do “Es-tado”. A pobre criança deixa de inserir a sua experiênciana esfera do social, uma vez que outros novos cidadãostambém estavam a procura de um sentido real para otermo. Decorrente dessa atitude do parecer ser, maisimportante do que as substantivas transformações

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    opressor, denuncia o assalto sofrido pela literatura co-mo força transformadora da sociedade. Isso se dá nãopela literatura em si, tida por muitos como algo sem sa-bor, mas, sobretudo, porque a proposta curricular quea apresenta a faz nascer aos pedaços. Diante da buscapelo estabelecimento do gênero textual e de suas par-tes constituintes, ca difcil o reconhecimento da expe-riência individual ou a percepção do lugar ocupado poresse leitor em sua própria sociedade. A memória prodi-giosa do Senhor Rodrigues e a denição dicionariadado soldado, apontadas por Arthur Aevedo e Mário deAndrade, persistem. Além disso, impedem o alcancede uma consciência cidadã crtica em relação ao estadodas coisas públicas mesmo para os dias de hoje. É nessesentido que a literatura está em perigo, pois ela é impe-dida de se constituir enquanto experiência. Conformese propõe, ela deve servir à análise do aspecto formal esonoro do poema, escansão e contagem de sílabas po-éticas. O leitor está fadado a entender o ponto de vistado narrador ou a constituição da personagem em umuniverso paralelo ao seu. Sem qualquer intuição, a lite-ratura “na escola, portanto, consumida com a mesmapassividade com que se digerem guras de geometria eregras gramaticais, habitua o alun