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5/25/2018 OrganizaoJurdicaDaPequenaEmpresa-slidepdf.com http://slidepdf.com/reader/full/organizacao-juridica-da-pequena-empresa 1/167 ORGANIZAÇÃO JURÍDICA DA PEQUENA EMPRESA AUTOR: MÁRCIO GUIMARÃES COLABORAÇÃO: MÁRCIA BARROSO ROTEIRO DE CURSO 2010.1 3ª EDIÇÃO

Organização Jurídica Da Pequena Empresa

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  • ORGANIZAO JURDICA DA PEQUENA EMPRESA

    AUTOR: MRCIO GUIMARES COLABORAO: MRCIA BARROSO

    ROTEIRO DE CURSO2010.1

    3 EDIO

  • SumrioOrganizao jurdica da pequena empresa

    AUlA 01: SOCIEDADES NO-PERSONIfICADAS E SOCIEDADES PERSONIfICADAS ..................................................................................3

    AUlAS 02, 03 E 04: REUNIO COm ClIENTE PARA ElAbORAO DO CONTRATO SOCIAl ....................................................................... 23

    AUlA 05: INfORmAlIDADE NO SETOR EmPRESARIAl ....................................................................................................................... 36

    AUlAS 06 E 07: mODElOS SOCIETRIOS DE ATUAO EmPRESARIAl PARA A PEqUENA E mDIA EmPRESA .......................................... 55

    AUlA 08: A OPO PElO mODElO SOCIEDADE lImITADA Em CONTRAPONTO AO mODElO SOCIEDADE POR AES ................................. 73

    AUlAS 09, 10 E 11: SER SCIO DE UmA SOCIEDADE lImITADA ........................................................................................................... 82

    AUlA 12: A ClASSIfICAO DA SOCIEDADE lImITADA ...................................................................................................................... 92

    AUlAS 13 E 14: O fINANCIAmENTO DA SOCIEDADE lImITADA ......................................................................................................... 104

    AUlA 15: mECANISmOS DE fORmAO DA vONTADE SOCIAl E SUA fISCAlIzAO .......................................................................... 118

    AUlA 16: DIREITO DE RETIRADA. APURAO DE hAvERES. bAlANO DE DETERmINAO................................................................. 129

    AUlA 17: DIREO DAS ATIvIDADES EmPRESARIAIS ...................................................................................................................... 135

    AUlA 18: fORmAS DE ExPURgAR O SCIO INDESEjADO ................................................................................................................. 149

    AUlA 19: A UTIlIzAO DA SOCIEDADE lImITADA COmO ESTRATgIA SOCIETRIA PARA gRANDES OPERAES ................................ 158

  • 3FGV DIREITO RIO

    ORGanIzaO juRDIca Da pEquEna EmpREsa

    AUlA 01: SOCIEDADES NO-PERSONIfICADAS E SOCIEDADES PERSONIfICADAS

    Aprendemos que o Empresrio e a Sociedade Empresria esto sujeitos ao registro a cargo das Juntas Comerciais e as Sociedades Simples no Cartrio de Registro Civil das Pessoas Jurdicas. O registro desvincula a sociedade da pessoa de seus scios, atribuindo-lhe personalidade jurdica, alm de conferir autenticidade, segurana e validade aos atos jurdicos pertinentes sociedade, sendo a publicao destes atos elemento essencial para salvaguardar o interesse de terceiros.

    Nesta aula discutiremos a leitura do(s) seguinte(s) captulo(s): ALMEIDA, Jos Gabriel Assis de. A noo jurdica de empresa. In Revista de

    Informao Legislativa Revista de informao legislativa, v.36, n.143, p.211-229, jul./set.,1999 (anexo I)

    REQUIO, Rubens. Curso de Direito Comercial, 1 volume, 26 edio So Paulo: Saraiva, 2005; Nrs 29 a 36-. Pgs: 49 a 61;

    MARTINS, Fran. Curso de Direito Comercial: empresa comercial, empresrios individuais, sociedades comerciais, fundo de comrcio/ ed.rev. e atual. - Rio de Janeiro, Forense, 2002; Captulo Primeiro (sub-itens: I a IV). Pgs: 1 a 54;

    BORBA, Jos Edwaldo Tavares. Direito Societrio 7 ed. rev. atual. Rio de Janeiro: Renovar, 2001; Captulo I. Pgs: 1 a 8;

    CAMPINHO, Srgio. O Direito da Empresa luz do novo Cdigo Civil 6 edio revista e atualizada conforme a Lei 11.101/05, Rio de Janeiro: Renovar, 2005; Captulos 1 e 2. Pgs: 1 a 29;

    NEGRO, Ricardo. Manual de Direito Comercial e de Empresa, vol.1. 4 edi-o. So Paulo: Saraiva, 2005; Captulos 1 a 4. Pgs: 1 a 58.

    Leitura CompLementar:

    Pginas 142 a 170 (no-personificadas) e 171 a 204 (Simples) e 238 a 256 (Nome Coletivo) e 257 a 281 (Comandita Simples) dos Comentrios ao Cdigo Civil Brasileiro. Do Direito de Empresa (arts. 996 a 1.087), vol. IX. Newton Lucca, Rogrio Monteiro, J.A. Penalva Santos e Paulo Penalva Santos. Forense: Rio de Janeiro/2005.

    RIZZARDO, Arnaldo. Direito de Empresa. 2 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007, captulo I;

    CORREIA, Antnio de Arruda Ferrer. Lies de direito comercial. Coimbra: Uni-versidade de Coimbra, 1973;

    CHULIA, Francisco Vicent. Compendio crtico de Derecho Mercantil. Barcelona. Librera Bosch, 1986;

    FERREIRA, Waldemar. Tratado de sociedades mercantis. Rio de Janeiro: Editora Nacional de Direito, 1958;

    GOWER, L.C.B. and PRETINCE, D. D. Gowers principles of modern company law. Londres: Sweet & Maxwell, 1992; 1 Lei n 556/1850.

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    ORGanIzaO juRDIca Da pEquEna EmpREsa

    GUYON, Yves. Droit de affaires. Paris: Economica, 1986, 2 vols; MENDONA, J. X. Carvalho de. Tratado de direito comercial brasileiro. Rio de

    Janeiro: Freitas Bastos, 1945;

    ementrio de temas:

    Sociedades No-Personificadas: SociedadeemComum SociedadeemContadeParticipao Sociedades personificadas: SociedadeSimples. SociedadeemNomeColetivo. SociedadeemComanditaSimples SociedadeemComanditaporAes. Crtica a terminologia adotada pelo Cdigo Civil. Sociedades em conta de participao Caso: Utilizao da Sociedade em Conta de Participao no cenrio atual.

    roteiro de auLa:

    O Cdigo Comercial1 era o texto legal que regulamentava as sociedades, as quais eram divididas em civis e comerciais. Se a sociedade tivesse como objeto a prtica de atos de comrcio, seria uma sociedade comercial, caso contrrio, seria uma sociedade civil. Com o advento do Cdigo Civil de 2002, Direito Comercial e Direito Civil foram formalmente unificados e a teoria dos atos de comrcio foi revogada. Hoje, a terminologia utilizada para classificao de sociedades : simples e empresria.

    Para o exerccio do ato simples e o ato de empresa, os modelos societrios mais utili-zados so: Sociedade Limitada e a Sociedade Annima. Todavia, a legislao brasileira prev outras formas legais de sociedades personificadas e no personificadas, conforme veremos a seguir:

    sociedades no personificadas.

    A pessoa do scio no se diferencia da personalidade da sociedade, pois, embora possa ser constituda mediante instrumento escrito (ato constitutivo: contrato social), a sociedade no formalizou seu registro no rgo competente (Registro Pblico de Empresas Mercantis Junta Comercial ou Cartrio de Registro Civil das Pessoas Jurdicas RCPJ). O registro no RCPJ ou na JUCERJA Junta Comercial do Estado do Rio de Janeiro ser necessrio para que a sociedade adquira personalidade jurdica, conforme previso expressa nos artigos 45 e 985, ambos do Cdigo Civil de 2002.

    A ausncia do registro do ato constitutivo tem por efeito, portanto, apenas a falta de atribuio de personalidade, no tornando ilcito o contrato de sociedade estabelecido entre as partes que atenda s formalidades legais. Ademais, como foi analisado em Teoria Geral da Empresa, o registro no ter a finalidade de definir quem ser ou no empresrio. Neste

    2 as normas da sociedade simples, guardados os limites da compatibilidade, sero apli-cveis, subsidiariamente, so-ciedade em comum (art.986). BORBa, jos Edwaldo Tavares Borba in Direito societrio. 9 edio. Renovar/2004. pg. 67.

  • 5FGV DIREITO RIO

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    sentido, podemos considerar uma sociedade sem registro como sendo empresria, caso esta ostente os requisitos para que seja considerada como tal.

    O Cdigo Civil trouxe duas hipteses de sociedade sem personalidade jurdica:

    Sociedades No Personificadas

    Sociedade em Comum2 (antiga: Sociedade Irregular ou de Fato)

    art. 986 a 990

    trata-se de hiptese bastante comum, sendo uma forma contratual que antecede inscrio dos atos constitutivos em registro competente. Possui patrimnio especial formado por bens e dvidas da sociedade. tem capacidade processual passiva, mas no tem ativa. Eventual ao de interesse da sociedade dever ser proposta pelos scios.todos os scios respondem solidria e ilimitadamente pelas obrigaes sociais (art. 990)

    Sociedade em Conta de Participao

    art. 991 a 996

    desde logo preciso assinalar que, embora seja conhecida como sociedade, na verdade reconhecida pela doutrina como contrato de participao e nem mesmo a inscrio dos atos constitutivos em registro competente lhe conferir personalidade jurdica (art.993). a atividade prevista no objeto social exercida apenas pelo scio ostensivo, em seu prprio nome e sob sua exclusiva responsabilidade.os scios participantes possuem apenas responsabilidade interna, devendo o contrato prever a maneira como cada um ir contribuir (dinheiro, imvel, trabalho etc). Somente o scio ostensivo se obriga, ilimitadamente, perante terceiros, os scios participantes no aparecem, mas participam dos resultados obtidos com os negcios realizados pelo scio ostensivo.Por faltar-lhe personalidade jurdica no possui nome empresarial (artigo 1.162).

    sociedades personificadas.

    Os artigos 45, 985 e 1.150 do Cdigo Civil estabelecem que a sociedade adquire personalidade jurdica com a inscrio de seus atos constitutivos em registro prprio e na forma da lei. A partir desse momento, a figura dos scios separada da sociedade que se torna capaz de exercer direitos e assumir obrigaes em seu nome.

    A sociedade dita personificada quando est legalmente constituda e registrada no rgo competente, passando a ser chamada de pessoa jurdica.

    Sociedades Personificadas

    SociedadeSimples

    art. 997 a 1.038

    Constituda exclusivamente para a atividade no empresria, voltada para o trabalho intelectual, para os pequenos negcios, para atividades sem estrutura organizacional, cuja prtica no constitua elemento de empresa.Sociedade de pessoas com natureza contratual e que, pelo seu carter no-empresarial, deve ser inscrita no Cartrio de registro Civil das Pessoas Jurdicas-rCPJ.a responsabilidade dos scios ilimitada, podendo o contrato social dispor sobre a subsidiariedade (primeiro alcana-se a sociedade e, caso esta no possua bens suficientes para adimplir sua obrigao, poder-se-ia alcanar o scio) e os scios respondero, perante terceiros, de forma proporcional participao no capital social.adotar uma denominao, que dever se correlacionar com o seu objeto social, podendo adicionar uma expresso de fantasia.

  • 6FGV DIREITO RIO

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    Sociedade em Nome Coletivo

    art. 1.039 a 1.044

    os scios, obrigatoriamente, so pessoas naturais (art.1.039) e respondem, embora de forma subsidiria3, ilimitada e solidariamente pelas obrigaes sociais4.adotar uma firma social formada pelo nome de um ou alguns dos scios, acompanhado da expresso e companhia.

    Sociedade em Comandita Simples

    art. 1.045 a 1.051

    Sua caracterstica principal a existncia de duas categorias de scios, devidamente discriminados no contrato social:Comanditados: somente pessoas naturais, responsveis solidria e ilimitadamente pelas obrigaes sociais.Comanditrios obrigados apenas pelo valor de suas quotas. No podem administrar a sociedade nem ter o nome includo na firma social.

    Sociedade limitada

    art. 1.052 a 1.087

    Em regra, trata-se de uma sociedade de pessoas5. o capital social dividido em quotas e no pode ser constitudo com prestao de servio. o administrador ser pessoa natural que pode ou no fazer parte do quadro societrio.a responsabilidade dos scios limitada integralizao do capital social. uma vez no integralizado, sero solidariamente responsveis6.

    Sociedade annima

    art. 1.088 e 1.089

    lei 6.404/76

    Ser sempre empresria (art.982, p..) e constituda atravs de um Estatuto7 (e no contrato social). uma sociedade de capital, no tendo relevncia a pessoa de seus scios8. Por isso, no adota firma social9 e sim uma denominao composta por qualquer vocbulo ligado a sua atividade, que dever vir acompanhado da expresso sociedade annima (na forma abreviada: S.a.) ou Companhia (na forma abreviada: Cia), esta ltima, sempre, no incio da denominao10.o capital social divide-se em aes, que podero ser negociadas no mercado (Companhia aberta) ou no, quando mantm a titularidade os acionistas presentes no estatuto social (Companhia Fechada).a responsabilidade dos scios (acionistas) limitada ao valor das aes subscritas ou adquiridas, no respondendo, perante terceiros, por obrigaes assumidas pela sociedade.

    Sociedade em Comandita por aes11

    art. 1.090 a 1.092

    art. 282 a 284 da lei 6.404/76

    Ser sempre empresria (art.982, p..) e constituda atravs de um Estatuto. o capital social dividido em aes, respondendo os acionistas apenas pelo valor das aes subscritas ou adquiridas (responsabilidade limitada), porm, diretor ou administrador (que ser obrigatoriamente scio) responder subsidiria e ilimitadamente pelas obrigaes sociais12.Poder adotar estrutura de denominao ou firma, optando por esta, somente faro parte os nomes dos scios diretores ou administradores.

    Crtica terminologia adotada. O Cdigo Civil estabelece que a sociedade no personificada aquela sem personali-

    dade jurdica. A expresso sociedade no personificada contraditria, pois se sociedade como no ter personalidade?

    Neste sentido, alguns doutrinadores, como o Prof. Srgio Campinho, interpretaram o dispositivo entendendo que a sociedade estar criada no momento em que as partes se unirem, evidenciando a vontade de constituir uma sociedade. Com isso, a personalidade jurdica da sociedade surgiria com a affectio societatis e no com arquivamento. Em outras palavras, a sociedade existiria mesmo sem o arquivamento de seus atos constitutivos (socie-dade no personificada).

    Entendemos que no h como identificar uma sociedade que no seja uma pessoa jur-dica de direito privado13, j que essa a natureza jurdica das sociedades, portanto, somente o arquivamento acarretar no seu nascimento14.

    3 a sociedade responde em primeiro plano pelas obriga-es assumidas em seu nome. Esgotado o patrimnio da sociedade, pelo que faltar, res-pondero os scio.

    4 a responsabilidade ser ili-mitada porque ultrapassa os limites do patrimnio social quando este insuficiente. solidria em razo de respon-derem todos os scios pelo que faltar para total satisfao dos credores sociais. nEGRO, Ri-cardo in manual de Direito co-mercial e de Empresa. saraiva. so paulo/2005. pg.342.

    5 muitos autores, como o prof. Ricardo negro, consideram a sociedade limitada um modelo misto de sociedade uma vez que em caso de omisso, rege-se pelas normas da sociedade simples e, supletivamente, pe-las regras das sociedades an-nimas, via de conseqncia, ela no sociedade de pessoas, nem de capital.

    6 perante a sociedade, o scio obriga-se a integralizar suas quotas (responsabilidade pes-soal). perante terceiros, todos os scios sero solidariamente res-ponsveis pela integralizao de todo o capital social, neste caso, a limitao ultrapassa a quota do scio, sendo uma forma de garantia para os credores.

    7 a elaborao do ato consti-tutivo da sociedade annima ser atravs de uma ata de as-semblia na qual se ajustam as normas de seu estatuto social (e no contrato social), no qual os acionistas no so sequer nomeados e qualificados... no h mesmo, um reconhecimen-to mtuo obrigatrio, nem a definio de direitos e deveres recprocos. H instituidores, como tal compreendidos aque-les responsveis pela fundao da companhia, e acionistas que vo aderindo ao empreendi-mento, originria ou derivada-mente... mamEDE, Gladston in Direito societrio: sociedades simples e Empresrias. atlas. so paulo/2004. pg.384.

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    A sociedade de que trata o artigo 986 a sociedade irregular ou de fato, hoje identifi-cada como sociedade em comum. O problema que o Cdigo Civil passou a consider-la sociedade, traando, inclusive, o modelo de responsabilidade subsidiria para ela. Mas como foi criado um modelo de responsabilidade se a sociedade no existe? Essa a questo.

    Ato contnuo, o art. 988 estabelece que os bens da Sociedade em Comum gozam de proteo especial, sendo que este patrimnio especial ser atingido pelas dvidas da sociedade. Mas no podemos falar em patrimnio da sociedade porque o patrimnio inerente personalidade e como no existe sociedade no h personalidade!

    O que a sociedade em comum possui um patrimnio afetado (patrimnio de afe-tao), que poder ser alcanado primeiro pelo credor conforme estabelece o art. 990. Este benefcio de ordem caracteriza o modelo de responsabilidade subsidiria que faculta s partes estabelecer o que dever ser alcanado primeiro numa eventual execuo.

    sociedades em conta de participao sCp.

    Os artigos 325 a 32815 do Cdigo Comercial, ora revogados, regulamentavam a so-ciedade em conta de participao de uma forma relativamente vaga. Em relao perso-nalidade jurdica estabelecia que a SCP no est sujeita s formalidades prescritas para a formao das outras sociedades, e pode provar-se por todo o gnero de provas admitidas nos contratos comerciais.

    At o ano de 1986, a SCP no era considerada contribuinte para o FISCO. Sua equi-parao pessoa jurdica para fins fiscais ocorreu com o Decreto-Lei 2303/8616, que diante da omisso dos artigos do Cdigo Comercial, quanto personalidade jurdica, atribuiu-lhe a condio de sujeito passivo da obrigao tributria.

    Neste sentido, a legislao tributria vislumbrou o caminho mais lucrativo para os co-fres pblicos, esquecendo-se, porm, do art. 110 do CTN que a norma de integrao dos institutos de Direito Privado e Direito Tributrio. Esse dispositivo estabelece que a norma tributria no pode alterar a definio, o contedo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado.

    Apesar de no constar, expressamente, no rol previsto no art.11017 do CTN, o Cdigo Civil regulamenta as relaes entre pessoas naturais e jurdicas sob o amparo da Constitui-o Federal. Os contedos e conceitos dos institutos previstos no Cdigo Civil, so exata-mente aqueles referidos implicitamente pela Carta Maior, no podendo sofrer alterao pela norma tributria.

    Mesmo antes do advento do Cdigo Civil de 2002, os Tribunais, em sua maioria, j aceitavam a idia da inexistncia da personalidade jurdica das SCP. Vejamos alguns julga-dos (a ntegra dos acrdos est disponvel ao final jurisprudncia):

    Recurso Especial 474404-PR18, o STJ decidiu que no h falar em citao de sociedade em conta de participao que no tem personalidade jurdica e nem existncia perante terceiros.

    Recurso Especial 168028-SP19, o STJ decidiu que na SCP somente o scio osten-sivo que se obriga perante terceiros por todas as obrigaes e operaes sociais. Essa responsabilidade nunca pode ser atribuda ao scio participante, que sequer conhecido daqueles com os quais a sociedade contrata.

    8 as sociedades annimas so consideradas sociedades de capital pois vivem em fun-o deste, no merecendo ateno especial a pessoa dos scios. Decorre esse fato da responsabilidade limitada dos scios, que apenas assumem o compromisso de integralizar as importncias relativas s aes que adquirirem ou subscreve-rem. Os terceiros, que contratam com a sociedade, no contam com garantias subsidirias por parte dos acionistas, tomando assim, para base de suas ope-raes apenas o patrimnio da sociedade. por outro lado, cumprida a obrigao principal dos scios de concorrer com sua parte para o capital, a retirada dos mesmos do organismo social no tem influncia sobre esse, pois a sociedade se consti-tui em funo do capital. Essa a razo de se dizer que as pessoas dos scios no so levados em considerao na existncia das sociedades annimas. maR-TIns, Fran in curso de Direito comercial. 28 edio. Forense. Rio de janeiro/2002. pg.233.

    9 O nome empresarial poder ser composto pelo nome do fundador ou de pessoa rele-vante para a companhia, sem que isso descaracterize a deno-minao transformando-a em firma, pois essa incluso nada mais que uma homenagem.

    10 para evitar confuso com a sociedade em nome coletivo.

    11 jos Edwaldo Tavares Borba entende se tratar de socieda-de de responsabilidade mista, uma vez que, alm dos scios de responsabilidade limitada, dispe de scios de responsa-bilidade ilimitada, que so os diretores e administradores. Op. cit. pg. 143.

    12 Em havendo mais de um diretor ou administrador a responsabilidade ser solidria (art. 1.091 1).

    13 art. 44, II do cdigo civil.

    14 arts. 45 e 985 do cdigo civil.

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    O Cdigo Civil de 2002 estabeleceu, expressamente, que a SCP no tem e no pode adquirir personalidade jurdica, em nenhuma circunstncia. Conferiu-lhe uma forma jur-dica disposio de empreendedores para a explorao de atividades cuja obrigao econ-mica seja de apenas um dos scios (scio ostensivo) perante terceiros.

    Na SCP, os scios participantes contribuem para a formao de um patrimnio espe-cial, na forma prevista no contrato (com dinheiro, imvel, trabalho etc) e participam dos resultados. O scio ostensivo, alm de sua contribuio (normalmente atravs da prestao de servios), pratica todas as operaes oriundas do objeto social.

    Por exercer com exclusividade a atividade constituda no objeto social, contratando em seu nome, o scio ostensivo quem se obriga perante terceiros.

    Na seara tributria a idia de considerar a SCP personificada permanece, na forma do art. 7 do Decreto-Lei 2303/8620. A questo restou solucionada com base na assertiva de que o direito tributrio pode traar conceitos prprios, se valendo dos outros ramos do direito em caso de omisso; assim, a SCP pessoa jurdica para fins tributrios e um con-trato para o direito empresarial. O scio ostensivo que realiza as operaes (obtendo lucro ou prejuzo), ele o nico com legitimidade para adquirir direitos e contrair obrigaes, assumindo o papel de sujeito passivo das obrigaes principais e acessrias.

    Caso gerador:

    CONFECO MALHA FINA LTDA, h mais de 20 anos atuando no mercado in-terno, est passando por uma grave crise financeira. Como seu principal credor o FISCO, no consegue tomar emprstimo junto a instituies financeiras e seus 05 scios j come-am a se desesperar. Durante um jantar de negcios, o scio Joo apresentado a um grupo de quatro investidores que tem um grande capital disponvel e que est disposto a investi-lo no setor produtivo, muito embora no tenha know-how em malharias.

    Tanto a sociedade limitada quanto os investidores no se conhecem, mas tm objetivos em comum. A hiptese dos investidores tornarem-se scios da Limitada est totalmente des-cartada uma vez que eles no querem ser scios de ningum, tampouco figurar como scios.

    Pergunta-se:a) Como o grupo de investidores poderia investir na malharia, cuja rentabi-

    lidade eles acreditam? Como se daria esse procedimento?b) Na hiptese da criao de uma SCP, quem seriam o scio ostensivo?

    JurisprudnCia.

    SOCIEDADE EM CONTA DE PARTICIPAO. EMBARGOS DE DECLARA-O. DISSOLUO. NOMEAO DE LIQUIDANTE. CITAO DA SOCIEDA-DE CONSTITUDA. INDENIZAO.

    1. No h violao aos artigos 458, II, e 535 do Cdigo de Processo Civil quando o Acrdo recorrido est amplamente fundamentado, alcanando a demanda tal e qual posta pelo autor, ento apelante.

    2. No h falar em citao da sociedade em conta de participao, que no tem perso-nalidade jurdica, nem existncia perante terceiros.

    15 art. 325 quando duas ou mais pessoas, sendo ao menos uma comerciante, se renem, sem firma social, para lucro comum, em uma ou mais ope-raes de comrcio determina-das, trabalhando um, alguns ou todos, em seu nome individual para o fim social, a associao toma o nome de sociedade em conta de participao, aciden-tal, momentnea ou annima; esta sociedade no est sujeita s formalidades prescritas para a formao das outras socieda-des, e pode provar-se por todo o gnero de provas admitidas nos contratos comerciais.art. 326 na sociedade em conta de participao, o scio ostensivo o nico que se obri-ga para com terceiro; os outros scios ficam unicamente obri-gados para com o mesmo scio por todos os resultados das transaes e obrigaes sociais empreendidas nos termos pre-cisos do contrato.art. 327 na mesma sociedade o scio-gerente responsabiliza todos os fundos sociais, ainda mesmo que seja por obriga-es pessoais, se o terceiro com quem tratou ignorava a exis-tncia da sociedade; salvo o direito dos scios prejudicados contra o scio-gerente.art. 328 no caso de quebrar ou falir o scio-gerente, lcito ao terceiro com quem houver tratado saldar todas as contas que com ele tiver, posto que abertas sejam debaixo de distintas designaes, com os fundos pertencentes a quais-quer das mesmas contas; ainda que os outros scios mostrem que esses fundos lhes perten-cem, uma vez que no provem que o dito terceiro tinha co-nhecimento, antes da quebra, da existncia da sociedade em conta de participao.

    16 art 7 Equiparam-se a pes-soas jurdicas, para os efeitos da legislao do imposto de renda, as sociedades em conta de participao.pargrafo nico. na apurao dos resultados dessas socieda-des, assim como na tributao dos lucros apurados e dos dis-tribudos, sero observadas as normas aplicveis s demais pessoas jurdicas.

    17 constituies Federal, dos Estados, Leis Orgnicas do Dis-trito Federal e dos municpios.

  • 9FGV DIREITO RIO

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    3. Afastando as instncias ordinrias a indenizao por falta de prova, no tem consis-tncia o pedido de extino do processo ao argumento de que teria a sentena considerado o pedido inepto.

    4. Justifica-se a nomeao, desde logo, do liquidante, diante da realidade dos autos, que demonstram a animosidade existente, embora no caso de sociedade em conta de parti-cipao, seja discutvel tanto a dissoluo judicial quanto a existncia de liquidao e parti-lha, aspectos que no podem ser examinados, porque ausente recurso da parte interessada.

    5. Recurso especial no conhecido.(REsp 474.704/PR, Rel. Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO,

    TERCEIRA TURMA, julgado em 17.12.2002, DJ 10.03.2003 p. 213)

    COMERCIAL. SOCIEDADE EM CONTA DE PARTICIPAO. RESPONSA-BILIDADE PARA COM TERCEIROS. SCIO OSTENSIVO.

    Na sociedade em conta de participao o scio ostensivo quem se obriga para com terceiros pelos resultados das transaes e das obrigaes sociais, realizadas ou empreendidas em decorrncia da sociedade, nunca o scio participante ou oculto que nem conhecido dos terceiros nem com estes nada trata.

    Hiptese de explorao de flat em condomnio.Recurso conhecido e provido.(REsp 168.028/SP, Rel. Ministro CESAR ASFOR ROCHA, QUARTA TURMA,

    julgado em 07.08.2001, DJ 22.10.2001 p. 326).

    TRIBUTRIO IMPOSTO DE RENDA SOCIEDADE EM CONTA DE PAR-TICIPAO AUSNCIA DE CAPACIDADE TRIBUTRIA PASSIVA POCA DA EXIGNCIA DO TRIBUTO ALEGADA TRANSFERNCIA DO RESULTADO DA SCIA OSTENSIVA PARA A SCIA OCULTA CORTE DE ORIGEM QUE AFIRMA QUE ESSA PARTICULARIDADE NO FOI COMPROVADA PELO FIS-CO RECURSO ESPECIAL NO CONHECIDO.

    Ancorados em doutos ensinamentos doutrinrios, resta evidente que os argumentos expendidos pela Unio Federal no possuem a fora de abalar os fundamentos do r. voto condutor, uma vez que at o advento do Decreto-lei n. 2.303, de 1986, a sociedade em conta de participao no era equiparada, para fins tributrios, pessoa jurdica. Dessa forma, se o tributo em discusso data de 1981, a sociedade em conta de participao no possua capacidade tributria passiva.

    No pertinente a ter havido, ou no, transferncia do resultado que se pretende tri-butar, constata-se que a Corte ordinria, embasada no conjunto probatrio encartado nos autos, consignou que o fisco no logrou demonstrar ter havido efetiva transferncia de re-sultado da scia ostensiva para a scia participante, em razo do contrato social, no perodo-base de 1981, exerccio de 1982, a que alude o auto de infrao (fl. 172). Sobreleva notar, que o exame dessa inferncia obriga esta instncia especial a revolver os elementos probat-rios insertos nos autos e, por conseguinte, afrontar a jurisprudncia sedimentada por meio da Smula n. 7 deste Sodalcio a qual estabelece que a pretenso de simples reexame de prova no enseja recurso especial.

    Recurso especial no conhecido.(REsp 193690/PR, Rel. Ministro FRANCIULLI NETTO, SEGUNDA TURMA,

    julgado em 04.06.2002, DJ 07.10.2002 p. 210) grifamos.

    18 (REsp 474.704/pR, Rel. mi-nistro caRLOs aLBERTO mEnE-zEs DIREITO, TERcEIRa TuRma, julgado em 17.12.2002, Dj 10.03.2003 p. 213).

    19 (REsp 168.028/sp, Rel. mi-(REsp 168.028/sp, Rel. mi-mi-nistro cEsaR asFOR ROcHa, quaRTa TuRma, julgado em 07.08.2001, Dj 22.10.2001 p. 326)

    20 neste sentido: REsp 193690/pR (vide jurisprudncia).

  • 10FGV DIREITO RIO

    ORGanIzaO juRDIca Da pEquEna EmpREsa

    Questes de ConCurso

    PROVA DO CONCURSO PARA JUIZ DO TRIBUNAL DE JUSTIA DO ESTADO DE SERGIPE Aplicao: 01/02/04.67. O Cdigo Civil de 2002 alterou parcialmente a estrutura de classificao das socie-dades estabelecida no Cdigo Comercial de 1850. No que tange s alteraes introdu-zidas, julgue o item seguinte.

    1. O Cdigo Civil deu personalidade s sociedades informais, s quais passou a classi-ficar como sociedade comum.

    25 EXAME DE ORDEM SEO DO RIO DE JANEIRO 2 FASE DIREITO COMERCIAL. PROVA DISCURSIVA.

    5 O que diferencia a sociedade comum das sociedades personificadas, e qual a abran-gncia da responsabilidade dos scios da sociedade comum em ralao s obrigaes sociais, destacando, neste caso, a aplicao do benefcio de ordem. Responda justificadamente.

    28 EXAME DE ORDEM SEO DO RIO DE JANEIRO 2 FASE DIREITO COMERCIAL. PROVA DISCURSIVA.

    3 correta a afirmao de que o registro dos atos constitutivos das sociedades no personificadas no rgo competente produzir o mesmo efeito em relao a cada uma delas?

    Responda justificadamente

    PROVA CONCURSO PBLICO/3 REGIO - JUIZ FEDERAL - 2006 93 Questo: Assinale a alternativa inteiramente correta. As sociedades no personifi-cadas so:

    a) as simples;b) as em conta de participao;c) as em comum;d) somente a alternativa a est incorreta.

    PROVA CONCURSO PBLICO/MG - JUIZ - 2008 61 Questo: Quanto a uma sociedade em comum que explora o ramo da prestao de servios mecnicos, assinale a alternativa INCORRETA.

    a) A sua existncia pode ser comprovada pela transcrio, no Cartrio de Ttulos e Documentos, de instrumento celebrado entre os scios;

    b) Est sujeita a falncia;c) Com exceo daquele que contratou pela sociedade, os demais scios, apesar de

    responderem solidria e ilimitadamente pelas obrigaes sociais, gozam de bene-fcio de ordem;

    d) possvel sua dissoluo judicial, desde que o scio requerente comprove a exis-tncia da sociedade ainda que por prova oral.

  • 11FGV DIREITO RIO

    ORGanIzaO juRDIca Da pEquEna EmpREsa

    Anexo I

    apontamentos sobre o regime geraL das soCiedades no brasiL

    Jos gabriel assis de almeidadoutor em direito pela universit panthon assas paris iiprofessor da uerJ- universidade do estado do rio de Janeiro- e da unirio universidade federal do estado do rio de Janeiroadvogado no rio de Janeiro(brasil) e em Lisboa(portugal)

    sumrio

    A transio de um direito dos comerciantes para um direito de empresas. 2. A unifi-cao dos regimes das sociedades. 3. A adaptao das sociedades transio normativa. 3.1 A modificao das regras do jogo societrio. 3.2 A aplicao das novas regras s sociedades. 3.3 A alterao das regras societrias face ao direito adquirido e ao ato jurdico perfeito. 3.3.2 Argumentos a favor da no aplicao das novas regras. 3.3.3. Argumentos a favor da aplicao das novas regras. 3.4. A situao da sociedade que no se adaptou ao Cdigo Civil de 2002

    a transio de um direito de comerciantes para um direito de empresas

    O direito comercial surgiu na Idade Mdia, em razo da necessidade dos comerciantes criarem um sistema normativo que atendesse s necessidades das suas atividades. Com efei-to, por um lado, a diversidade das normas existentes entre os diferentes feudos era incom-patvel com a expanso da atividade comercial. Por outro lado, alm de dspares, as normas existentes eram escassas, pois no havia uma preocupao dos titulares dos poderes(senhores feudais e clero) em sistematizar a regulamentao da atividade comercial.

    O direito comercial surgiu assim como um sistema separado do regime normal, aplicvel s relaes jurdicas em geral. Cabe esclarecer que esta dicotomia correspondia tambm a uma dicotomia social e at poltica. Com efeito, os comerciantes constituam uma categoria social parte, que no se misturava nem com a nobreza, nem com o clero e nem com os servos.

    Assim, os comerciantes e as atividades eram regidos pelo direito comercial. J a nobreza e o clero e as suas atividades, essencialmente ligadas explorao da terra eram regidos pelo direito civil.

    No entanto, com o surgimento e o desenvolvimento da indstria( principalmente a partir do sc.XIX), nasceu o problema do enquadramento jurdico desta atividade. Seriam as atividades industriais atividades comerciais? A resposta era negativa, pois na atividade industrial no est presente a intermediao, mas sim a transformao dos produtos. Assim, a atividade industrial no podia corresponder definio de ato de comrcio.

    Ademais, era inegvel que a atividade industrial tinha e tem similitudes com a atividade comercial. Para tanto, parecei um despropsito permitir que uma pequena merce-aria pudesse impetrar concordata, mas negar o mesmo direito a uma indstria que fabricava vages para trens.

  • 12FGV DIREITO RIO

    ORGanIzaO juRDIca Da pEquEna EmpREsa

    A inadequao da dicotomia entre o direito comercial e o direito civil ficou ainda mais evidente com o crescimento do setor dos servios no decorrer do sc.XX, isso porque, atual-mente, uma parte importante da atividade econmica consiste na prestao de servios que, salvo os de corretagem, enquadram-se mal na definio de atividade comercial.

    Com a acelerao do progresso econmico e o desenvolvimento econmico surgiu, nas cincias econmicas, a idia de empresa, como a unidade de produo ou circulao de riqueza, atravs do exerccio da atividade de cunho econmico.

    Deste modo, tornou-se inelutvel a unificao do regime de todas as atividades econmicas. Assim, tanto as atividades comerciais, como as atividades civis de carter econmico(nomeadamente as atividades industriais e as atividades de prestao de servios destitudos de carter de intermediao) passaram a estar submetidas ao mesmo regime, ou seja, o direito empresarial.

    O direito brasileiro, tradicionalmente, fazia a distino entre o direito comercial e o direito civil. Assim, desde 1850, o Brasil adotou um cdigo comercial que cuidava das re-laes comerciais. Este cdigo nasceu fundado na figura do comerciante, definido no art.4 como todo aquele que, matriculado em um dos tribunais do Imprio, fazia da mercancia a sua profisso habitual. O Cdigo Comercial de 1850 no definia o ato de comrcio, de-finindo o mbito de aplicao do direito comercial sob o ponto de vista subjetivo, ou seja, sob o ponto de vista do comerciante.

    Esta opo ia em sentido contrrio do Cdigo de Comrcio francs, de 1807, que na linha da abolio dos privilgios e tendo criado a liberdade de indstria e comrcio as-sentava o direito comercial no ato de comrcio, atribuindo-lhe, assim, uma feio objetiva. Nesse sentido, o regulamento 737, tambm de 1850, era quem delineava os contornos dos atos de comrcio.

    Apesar de revogado no final do sc. XIX, o regulamento 737 continuou a influenciar, durante muitos e muitos anos, a noo de atividade comercial. A este fenmeno no estra-nho o fato de os Tribunais de Imprio terem sido abolidos e ter-se admitido que a qualidade de comerciante no decorria da matrcula do mesmo, mas sim do exerccio da atividade comercial. Assim, o fato de admitir-se que o comerciante, mesmo no matriculado, pudesse falir, afastou por completo o carter constitutivo da matrcula, que passou a ser mera pre-suno de comercialidade.

    Com o desenvolvimento e a modernizao econmica, principalmente a partir da segunda metade do sc. XX, o Brasil passou a conhecer o mesmo fenmeno de ruptura da dicotomia entre direito comercial e direito civil.

    Com efeito, comearam a aparecer, de forma cada vez mais freqente, normas de en-quadramento da atividade econmica que no levavam em considerao a distino entre a atividade comercial e a no comercial.

    Por exemplo, a Consolidao das Leis do Trabalho, de 1943, que at hoje regulamen-ta a maioria das relaes trabalhistas de emprego no Brasil define, no art.2, empregador como a empresa individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econmica admite, assalaria e dirige a prestao pessoal do servio. Ou seja, no h qualquer meno qualidade comercial ou civil do empregador, sendo apenas relevante que o mesmo exera atividade econmica.

    Esta unificao legislativa do regime jurdico das diferentes atividades acentou-se em pocas mais recentes. O Cdigo de Defesa do Consumidor- Lei 8078/90-, por exemplo, ao definir o fornecedor do produto ou servio j no faz qualquer distino em razo do carter

  • 13FGV DIREITO RIO

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    comercial ou no da atividade desenvolvida, O art.3 deste diploma legal define o fornecedor da seguinte forma:

    Fornecedor toda pessoa fsica ou jurdica, pblica ou privada, nacional ou estrangei-ra, bem como os entes despersonalizados que desenvolvem atividade de produo, montagem, criao, construo, transformao, importao, exportao, distribuio ou comercializao de produtos ou prestao de servios

    O ponto manifestamente relevante da definio de fornecedor , mais uma vez, o exerccio de atividade de natureza econmica: a produo, a importao, a distribuio, etc. O fornecedor define-se em virtude do exerccio dessa atividade econmica. A natureza comercial ou no do fornecedor nitidamente relevante.

    Para o CDC no relevante saber se o fornecedor comerciante ou no, mas apenas se o fornecedor coloca um produto ou servio no mercado de consumo. Portanto, comercian-tes e no comerciantes esto sujeitos ao mesmo regime, nas relaes de consumo.

    No mesmo, o art.15 da Lei 8884/94 Lei de Defesa da Concorrncia:Esta Lei aplica-se s pessoas fsicas ou jurdicas de direito pblico ou privado, bem como

    quaisquer associaes de entidades de pessoas, constitudas de fato ou de direito, ainda que tem-porariamente, com ou sem personalidade jurdica, mesmo que exeram atividade sob o regime de monoplio legal

    O art.15 claro. Na definio do destinatrio a comercialidade irrelevante. Alis, o art.15, por si s, imprestvel para definir a aplicao do direito da concorrncia. Na verda-de, o alcance da norma dado pelo art.20 da mesma Lei 8884/94 que define as infraes. E essas infraes decorrem todas do exerccio de uma atividade econmica.

    Assim, nos termos do art.15 da referida lei, a mesma aplica-se a todos que, de uma forma ou de outra, possam praticar atos restritivos de concorrncia. Portanto, para a Lei 8884/94 irrelevante se o agente um comerciante ou no comerciante.

    O Cdigo Civil de 2002, no art.966, caput, veio consagrar a unificao do regime jurdico dos agentes econmicos, ao estabelecer que: Considera-se empresrio quem exerce profissionalmente atividade econmica organizada para a produo ou circulao de bens ou de servios.

    Deste modo, tanto so empresrios os comerciantes quanto aqueles que, no sendo co-merciantes, exercem uma atividade econmica organizada. A noo de atividade empresria veio recobrir todas as atividades de carter econmico.

    a unificao do regime das sociedades

    Esta unificao do regime das atividades, com a consagrao a noo de empresrio, traduziu-se tambm na unificao do regime das sociedades, ou seja, na unificao do regi-me dos empresrios coletivos.

    No Brasil, esta unificao deu-se, curiosamente, antes da promulgao do novo C-digo Civil, com a possibilidade das sociedades civis adotarem a forma comercial e com a modificao do regime de registro das sociedades comerciais.

    Com efeito, tradicionalmente, no Brasil existiam dois tipos de sociedade, quais sejam: as sociedades comerciais e as sociedades civis.

    As sociedades comerciais eram as sociedades dos tipos previstos no Cdigo Comercial de 1850 sociedade em nome coletivo, a sociedade em comandita simples, sociedade em

  • 14FGV DIREITO RIO

    ORGanIzaO juRDIca Da pEquEna EmpREsa

    conta de participao, e a sociedade de capital e indstria a sociedade por quotas de res-ponsabilidade limitada regida pelo Decreto 3708/19- e as sociedades por aes socieda-de annima e sociedade em comandita por aes previstas na Lei 6404/76.

    As sociedades civis eram as sociedades do tipo previsto no art.1363 e seguintes do Cdigo Civil de 1916.

    A qualidade comercial ou civil da sociedade era dada em razo da atividade exercida pela sociedade. Dessa forma, se a sociedade era comercial, a sociedade deveria revestir um tipo comercial, ao passo que, se a atividade era no comercial, a sociedade deveria revestir o tipo civil.

    No entanto, o art.1364 do Cdigo Civil permitia s sociedades civis adotarem um tipo comercial. Desta forma, caso a sociedade civil opta-se por um tipo comercial, a estrutura da sociedade civil passava a reger-se pelas normas de direito comercial, mantendo-se, porm, como sociedades civis no tocante atividade.

    As diferentes possibilidades esto representadas no quadro abaixo, vejamos:

    Situao 1 Situao 2 Situao 3

    Sociedade de tipo civil Sociedade de tipo comercial Sociedade de tipo comercial

    Exerccio de atividade civil Exerccio de atividade civil Exerccio de atividade comercial

    Sociedade civil Sociedade civil Sociedade comercial

    Deste modo, j a partir de 1916, havia um esbatimento da distino entre sociedades civis e sociedades comerciais pelo menos quanto forma pois aa sociedades civis podiam adotar um tipo comercial.

    Esta distino entre sociedades civis e comerciais atenuou-se mais ainda em 1994.At 1994, as sociedades civis (seja as da situao 1, seja as da situao 2) tinham os

    seus atos constitutivos registrados no Registro Civil das Pessoas Jurdicas. Por seu lado, as sociedades comerciais (isto , as da situao 3) tinham os seus atos constitutivos arquivados na Junta Comercial.

    Entretanto, a Lei 8934/94, no art.1, determinou que fossem arquivados na Junta Co-mercial:

    a) os contratos sociais das sociedades comerciais (situao 3);b) os contratos sociais das sociedades civis, com forma comercial (situao 2).

    Portanto, as sociedades comerciais, e uma parte das sociedades civis, passaram a estar sujeitas ao mesmo regime de registro.

    Com a promulgao e a entrada em vigor do novo Cdigo Civil, o regime societrio brasileiro ficou profundamente alterado. Alis, o ano de 2002 trouxe duas grandes novida-des: a entrada em vigor da lei 10303/01, que modificou a Lei das Sociedades por Aes e a promulgao do novo Cdigo Civil.

    Um dos principais pontos desta alterao a substituio da dicotomia do regime societrio entre sociedades comerciais e sociedades civis, pelo regime de:

    a) associaes;b) sociedades simples;c) sociedades empresrias.

  • 15FGV DIREITO RIO

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    A distino entre cada uma destas categorias a seguinte:

    a) a sociedade empresria a que exerce profissionalmente uma atividade econmica organizada para a produo ou circulao de bens ou servios (por ex.: o caso de uma sociedade fabricante de automveis);

    b) a sociedade simples a que exerce uma atividade intelectual, de natureza cien-tfica, literria ou artstica, ainda que haja emprego de auxiliares (por ex.: uma sociedade de profissionais liberais mdicos)

    c) a associao tem fins no econmicos (por ex.: uma associao recreativa ou cultural).

    Alm desta distino, cabe assinalar que o novo Cdigo Civil criou as seguintes socie-dades:

    Regime anterior Regime do NCC

    sociedades Comerciais sociedades empresrias

    Sociedade em nome coletivo Sociedade em nome coletivo

    Sociedade em comandita simples Sociedade em comandita simples

    Sociedade em conta de participao Sociedade em conta de particicpao

    Sociedade irregular ou de fato Sociedade em comum

    Sociedade por quotas de responsabilidade limitada Sociedade limitada

    Sociedade de capital e indstria abolida

    sociedades Civis sociedades no empresrias

    sociedade Civil sociedade simples

    Portanto, com o novo Cdigo Civil passa a existir um regime nico para as socieda-des. No h mais distino entre sociedades civis e sociedades comerciais. As sociedades que exercem atividade econmica passam a estar todas submetidas ao mesmo regime. H, portanto, uma unificao do direito societrio brasileiro.

    Esta unificao ainda reforada pelo fato do NCC determinar a regncia supletiva das regras sobre as sociedades simples, para todas as demais sociedades.

    Na verdade, as variaes vo ocorrer dentro desse regime nico, consoante o tipo de atividade empresarial ou no empresarial que ser exercido.

    a adaptao das sociedades transio normativa

    No momento da entrada em vigor do Cdigo Civil de 2002 haviam sido constitudas, no Brasil, entre 1985 e 2001, mais de 3.900.000 (trs milhes e novecentos mil) sociedades por quotas de responsabilidade limitadas no Brasil. No mesmo perodo, haviam sido cons-titudas cerca de 17.000 (dezessete mil) sociedades annimas1.

    Portanto, quando da transio de um quadro normativo para o outro, estava em causa um universo gigantesco de sociedades, sociedades estas com caractersticas muito diferen-tes. Por exemplo, as sociedades limitadas cobrem uma grande variedade de atividades de tamanhos diferentes, desde o pequeno comrcio da padaria, da mercadoria, do aougue, do 1 V. site www.dnrc.gov.br,

    acessado em 28.04.07

  • 16FGV DIREITO RIO

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    restaurante, at indstria de mdio porte, em alguns casos a indstria tambm de grande porte e cobrem tambm as sociedades holding de grupos financeiros, indstrias e etc.

    Neste aspecto uma das questes interessantes do Cdigo Civil de 2002 , precisamen-te, a necessidade de ter uma norma que seja ao mesmo tempo geral, para cuidar de todas as sociedades limitadas, e ao mesmo tempo uma norma que seja suficientemente precisa ou especfica para cuidar dos diferentes problemas de cada molde, de cada tipo de sociedade limitada.

    Quando da entrada em vigor do Cdigo Civil de 2002 houve uma grande resistncia, como natural em todas as mudanas. O Cdigo Civil de 2002 sofreu forte rejeio, pois o Cdigo Civil veio provocar uma profunda mudana nas regras ento vigentes para a ati-vidade societria2.

    Com efeito, alm de abolir o conceito de sociedade comercial e criar o conceito de sociedade empresria, conforme visto no item 2 acima, o Cdigo Civil modificou subs-tancialmente as regras de constituio e funcionamento das sociedades, em especial das sociedades limitadas, das sociedades em nome coletivo, das sociedades em comandita e das sociedades em conta de participao e criou as novas figuras das sociedades em comum e das sociedades simples3.

    Como se passa a demonstrar, o Cdigo Civil de 2002 no apenas trouxe novas regras, mas essas novas regras afetam os direitos dos scios, cabendo ento examinar como tratar essas modificaes luz da Constituio da Repblica que protege o ato jurdico perfeito e o direito adquirido.

    a modificao das regras do jogo societrio

    Sem querer entrar no detalhe de todas as mudanas, h algumas que merecem desta-que, pis so as mais relevantes.

    Entre elas est, certamente, a forma das deliberaes sociais. O novo Cdigo Civil institui a assemblia geral e a reunio dos scios, e faz desaparecer um pouco aquele estado de deliberao permanente que h num determinado tipo de sociedade limitada.

    Trata-se, no caso, das sociedades de grande proximidade, com poucos scios que se dedicam diuturnamente atividade empresria. Esses scios no realizam reunies formais de scios e muito menos assemblias gerais. Os scios encontram-se diariamente, trabalham em conjunto e vivem naquilo que poderia ser chamada assemblia geral ou reunio de s-cios permanente.

    Uma segunda mudana diz respeito periodicidade das reunies e assemblias gerais. No regime anterior ao Cdigo Civil de 2002 no havia uma periodicidade estabelecida. Os scios podiam reunir-se a qualquer momento ou poderiam nunca se reunirem formal-mente. O Cdigo Civil de 2002, no art.1071, inc.I, criou a obrigao de pelo menos uma reunio anual para tomar as contas dos administradores e aprovar o balano.

    Uma terceira mudana e que talvez seja a mais importante dizem respeito aos qu-oruns de deliberao. Anteriormente, as regras eram muito simples: As deliberaes sociais independentemente da matria eram tomadas pelo voto dos scios que representavam cinqenta por cento mais um do capital social.

    Aps o Cdigo Civil de 2002, as deliberaes passam a ter uma multiplicidade de quoruns. Por exemplo, (i) quorum de cem por cento do capital social para designar o ad-

    2 Basicamente as bem conhe-cidas e experimentadas dispo-sies do cdigo comercial de 1850 e do decreto 3708/19, disposies cuja longevidade de salientar num pas como o Brasil em que as leis so revogadas e novas leis so pro-mulgadas a uma velocidade vertiginosa.

    3 as sociedades annimas e as sociedades em comandita por aes tiveram as suas re-gras preservadas, pois esto submetidas ao disposto na Lei 6404/76 os arts.1080 e 1090 do cdigo civil estabeleceram a continuao da regncia da-quela lei especial.

  • 17FGV DIREITO RIO

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    ministrador no scio, quando o capital social ainda no estiver totalmente integralizado; (i) quorum de trs quartos do capital social para alterar o contrato social e deliberar sobre transformao, fuso, incorporao e ciso da sociedade; (iii) quorum de dois teros do capital social para nomear o administrador no scio, quando o capital j est integralizado; (iv) quorum de dois teros do capital social para destituir o administrador que scio da sociedade e que foi nomeado administrador no contrato social.

    Por outro lado, foram extintas as quotas preferenciais sem direito a voto, na medida em que o Cdigo Civil de 2002, ao estabelecer os quoruns de deliberao faz sempre referncia totalidade do capital social e no totalidade do capital social votante. Anteriormente, era possvel sustentar a existncia de quotas preferenciais com fundamento em dois pontos: (i) o decreto 3708 no fazia meno totalidade do capital social; (ii) por fora do art.18 do decreto 3708, a sociedade por quotas de responsabilidade limitada podia adotar institutos prprios da sociedade annima, tais como as aes preferenciais.

    Acresce que a enumerao dos quoruns de deliberao no art.1076 do novo Cdigo Civil expressa, dando cogncia ao contedo deste artigo. Ou seja, as partes no tm mais a possibilidade de dispor sobre percentuais, ao contrrio do que era admitido no regime do Cdigo Comercial de 1850 e do decreto 3708.

    Houve tambm uma mudana no modo de desempate das deliberaes sociais. No antigo regime o desempate era pela sorte, ou seja, a deliberao que prevalecia, em caso de empate, era escolhida por sorteio. De acordo com o Cdigo Civil de 2002, o desempate j no mais pela sorte, mas por cabea (em caso de empate de votos por correspondncia ao capital social, os votos sero contados por nmero de scios; s se o empate persistir, que a soluo ser dada por deciso judicial).

    Deste modo, a concluso clara: Existe uma diferena entre o regime anterior e o re-gime do novo Cdigo Civil. Cabe ento perguntar como que se faz a transio entre estes dois regimes? Algumas pistas so dadas pelo prprio Cdigo Civil.

    a aplicao das novas regras s sociedades

    Em primeiro lugar, o artigo 2035 segundo o qual: A validade dos negcios e demais atos ju-rdicos constitudos antes da entrada em vigor deste Cdigo obedece ao disposto nas leis anteriores, [...] mas os seus efeitos, produzidos aps a vigncia deste Cdigo, aos preceitos dele se subordinam, [...]

    Ou seja, a constituio do ato e os requisitos de validade para a constituio do ato so os da poca em que o ato foi praticado. J os efeitos do ato aps a entrada em vigor do novo Cdigo Civil passam a ser os efeitos atribudos pelo novo Cdigo Civil.

    Em seguida, o art. 2031 determina que as associaes, sociedades e fundaes cons-titudas na forma das leis anteriores tero prazo de um ano, a partir da vigncia do Cdigo Civil para adaptar-se s disposies deste Cdigo Civil. Este prazo foi prorrogado para as sociedades por mais um ano e, para as associaes e fundaes, por mais dois anos.

    Finalmente, o art. 2033 determina que as modificaes dos atos constitutivos das so-ciedades regem-se, desde logo, pelo Cdigo Civil de 2002. Isto significa que, no perodo de adaptao das sociedades ao novo Cdigo Civil, as alteraes do contrato social sero reali-zadas de acordo com os percentuais de deliberao estabelecidos no prprio Cdigo Civil.

    A conseqncia de todos estes dispositivos que as novas regras (inclusive os percen-tuais de deliberao) aplicam-se s sociedades constitudas antes da entrada em vigor do

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    Cdigo Civil de 2002, inclusive quanto s deliberaes que devem ocorrer para adaptar essas sociedades ao novo Cdigo Civil.

    O impacto destas regras enorme num determinado tipo de sociedade. Com efeito, a sociedade que mais sofreu com a entrada em vigor do novo Cdigo Civil aquela sociedade controlada por scios titulares de quotas representativas entre cinqenta a setenta e cinco por cento do capital social4.

    At janeiro de 2004, o scio titular de quotas representativas de cinqenta por cen-to do capital social mais uma frao tinha assegurado o controle da sociedade. Este scio alterava sozinho o contrato social, destitua gerentes, nomeava gerentes, mudava a sede da sociedade, alterava o objeto social, deliberava aumento do capital social e etc.

    No dia da entrada em vigor do novo Cdigo Civil de 2002, este scio que havia adormecido na noite anterior como controlador da sociedade acordou sem mais qualquer poder de controle sobre a sociedade.

    Este scio, sozinho, j no pode mais alterar o contrato social, j no pode mais des-tituir um administrador (em especial, se o administrador tambm scio, tem mais de 1/3 do capital social e tiver sido nomeado administrador no contrato social; neste caso, este scio-administrador somente poder ser destitudo se ele, scio-administrador, concordar com a sua destituio).

    Deste modo, com a entrada em vigor do novo Cdigo Civil houve uma usurpao do controle das sociedades limitadas para todos os scios que tinham entre cinqenta a setenta e cinco por cento.

    Os scios controladores que no tomaram cuidado de alterar o contrato social antes da entrada em vigor do novo Cdigo Civil, perderam o controle da sociedade. Assim, todos os que no aproveitaram o perodo da vacatio legis para modificar antecipadamente o con-trato social, para criar algumas clusulas e algumas alternativas que assegurassem o controle, perderam o controle sobre a sociedade.

    a alterao das regras societrias face ao ato jurdico perfeito e ao direito adquirido

    3.3.1 Argumentos a favor da no aplicao das novas regras

    Face a esta situao, cumpre examinar se a aplicao do Cdigo Civil de 2002 s socie-dades j existentes no viola o ato jurdico perfeito e o direito adquirido, ambos garantidos pela Constituio da Repblica.

    O ato jurdico perfeito pode ser definido como um ato consumado sob a gide da lei anterior, tendo produzido seus efeitos sobre a gide dessa lei anterior. O ato jurdico per-feito a regra que preserva os pressupostos de validade da constituio do ato (no caso das sociedades, o ato de constituio das sociedades).

    O direito adquirido aquele que, constitudo sobre a gide da lei anterior, d ao seu titular o direito de exerc-lo em momento futuro.

    Deste modo, a constituio da sociedade rege-se pela lei em vigor ao tempo do ato constitutivo. Assim, os requisitos dos arts. 1054 e 997 relativos ao ato constitutivo de socie-dades limitadas no se aplicam ao ato constitutivo de uma sociedade limitada constituda antes da entrada em vigor do novo Cdigo Civil. Em virtude da regra do ato jurdico per-

    4 Os scios que tinham at cinqenta por cento do capital social no tinham o controle da sociedade e os scios que tinham mais de setenta e cin-co por cento do capital social continuam a ter a maioria dos direitos de controle.

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    feito, o ato constitutivo desta sociedade rege-se pelas regras anteriores (Cdigo Comercial de 1850 e decreto 3708).

    J a regra do direito adquirido determina que os efeitos futuros do contrato social regem-se tambm pela lei anterior ao novo Cdigo Civil. Esta regra pode-se aplicar a duas situaes, talvez as mais candentes com relao ao ato constitutivo.

    A primeira a da sociedade constituda antes do novo Cdigo Civil entre marido e mulher, casados sob o regime de comunho universal de bens. Na poca em que a sociedade foi constituda, a sociedade preenchia os requisitos de validade. Assim, apesar do art.997 do Cdigo Civil proibir a sociedade entre cnjuges casados sob o regime da comunho univer-sal de bens, essa sociedade poderia continuar a existir.

    A segunda situao , precisamente, relativa aos quoruns de deliberao das socieda-des limitadas no novo Cdigo Civil. Na medida em que estes novos quoruns representam a aplicao de uma nova lei, aos efeitos de um contrato celebrado anteriormente a ela, este quoruns tambm deixariam de ser aplicados. Portanto, os quoruns de deliberao seriam os da lei anterior.

    Inclusive, possvel ir mais longe e distinguir entre as regras procedimentais (que seriam de aplicao imediata) e as regras substantivas (que tratam de direitos substanciais e que no seriam de aplicao imediata, em virtude do ato jurdico perfeito e do direito adquirido).

    Por exemplo, seriam procedimentais as regras relativas convocao dos scios para as deliberaes e as regras relativas s formalidades de tomada de posse dos administradores. Portanto, estas regras do novo Cdigo Civil aplicar-se-iam mesmo s sociedades constitu-das no regime anterior.

    Por outro lado, as regras substanciais no seriam modificadas pelo Cdigo Civil de 2002. Ou seja, todas as regras relativas aos direitos e deveres dos scios. Assim, o regime de responsabilidade dos scios perante terceiros, os direitos dos scios perante terceiros, os direitos dos scios perante a sociedade e os direitos dos scios perante os outros scios con-tinuariam a ser regidos pelas normas anteriores ao novo Cdigo Civil.

    No sentido de que o Cdigo Civil de 2002 no se aplica s sociedades j existentes poca da sua entrada em vigor h dois fortes argumentos.

    Por um lado, o art.5, inc.XXXVI, da Constituio, segundo o qual a lei no preju-dicar o direito adquirido, o ato jurdico perfeito e a coisa julgada. O segundo argumento um importante acrdo do Supremo Tribunal Federal, proferido na Ao Direta de Inconstitucionalidade 493/0 do Distrito Federal, em 25/06/92. Neste acrdo, o Supre-mo Tribunal Federal decidiu, por maioria, que se a lei nova alcanar efeitos futuros de contratos celebrados anteriormente a ela, essa lei ser retroativa (ainda que seja um caso de retroatividade mnima, porque vai interferir na causa que um ato ou fato ocorrido no passado).

    O disposto no art.5, inc.XXXVI, da Constituio aplica-se a toda e qualquer lei infra-constitucional, sem qualquer distino entre norma de direito pblico (cogente) e norma de direito privado (eventualmente supletiva). Ou seja, se a lei nova for aplicada aos efeitos futuros do contrato, essa lei nova passa a ter retroatividade, e essa retroatividade viola o art.5, inc. XXXVI, da Constituio da Repblica.

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    ORGanIzaO juRDIca Da pEquEna EmpREsa

    3.3.2 Argumentos a favor da aplicao das novas regras

    No entanto, possvel argumentar em sentido contrrio, isto , a favor da aplicao do Cdigo Civil de 2002 s sociedades existentes poca da sua entrada em vigor.

    O mesmo Supremo Tribunal Federal j disso, em diferentes oportunidades, que o di-reito adquirido no absoluto e que h possibilidade de se aplicar uma lei nova a situaes pretritas, ou seja, efeitos futuros de situaes pretritas.

    Uma primeira oportunidade foi no Recurso Extraordinrio nr. 105.137, onde por acrdo datado de 31 de maio de 1985, a propsito de contribuies previdencirias e de benefcios previdencirios, o Supremo Tribunal Federal disse que: no h direito adquirido a um determinado padro monetrio pretrito, seja ele o mil ris, o cruzeiro velho ou a indexao pelo salrio mnimo, o pagamento se far sempre na moeda definida pela lei no dia de pagamento.

    Recentemente, no acrdo proferido no Recurso Especial No. 226.855, de 31 de agos-to de 2000, a propsito da correo e ao expurgo da correo monetria do FGTS, o Supre-mo Tribunal Federal disse o seguinte: O FGTS, ao contrrio do que sucede com a caderneta de poupana no tem natureza contratual, mas sim estatutria por decorrer de lei e por ela ser disciplinado, assim de aplicar-se a ele a firme jurisprudncia desta corte no sentido de que no h direito adquirido a regime jurdico.

    Face a estes dois acrdos do Supremo Tribunal Federal, talvez caiba minimizar a apli-cao do art.5, inc. XXXVI, da Constituio, conforme demonstram os exemplos a seguir:

    Seriapossvelinvocarodireitoadquiridoparapermitirqueasociedadecontinu-asse a exercer uma atividade prevista no seu objeto social (portanto uma clusula contratual), quando tal atividade se tornasse proibida por lei?

    SeoEstadopromulgaumaleisegundoaqualdeterminadaatividadenopodemais ser exercida no Brasil, poderiam os scios arguir que: (i) o contrato social contm esse objeto social; (ii) o exerccio dessa atividade decorre de uma clusula contratual fundamental; (iii) a sociedade foi constituda para o exerccio dessa atividade; (iv) o exerccio dessa atividade era legal no momento da constituio da sociedade; (v) portanto, a sociedade e os scios tm o direito adquirido con-tinuao do exerccio dessa atividade?

    Outroexemplo:Seforsuprimidoumtiposocietrio,serqueossciospodemsustentar que tendo a sociedade se constitudo sob o regime da lei anterior, a mesma deve continuar a existir, por fora do ato jurdico perfeito e do direito adquirido?

    H,inclusive,umcasoprtico,vejamos:Asociedadedecapitaleindstria,pre-vista no Cdigo Comercial, foi abolida pelo novo Cdigo Civil. As sociedades de capital e indstria anteriores podem continuar a existir ou devem ser dissolvidas ou transformadas em um dos tipos previstos no novo Cdigo Civil5? A resposta parece ser negativa, pois no h sentido considerar uma atividade ilcita e permitir que a mesma continue a ser exercida, com fundamento no direito adquirido.

    Por outro lado, surge uma outra questo curiosa. Se as regras procedimentais do novo Cdigo Civil aplicam-se imediatamente conforme visto acima por que razo o art.2034 do novo Cdigo Civil determina que a liquidao das pessoas jurdicas, j iniciada no mo-

    5 Este um problema que no unicamente brasileiro. as sociedades por quotas de res-ponsabilidade limitada foram introduzidas na Frana, depois da primeira Guerra mundial, por causa da alscia-Lorena. antes da primeira Guerra mun-dial, a alscia-Lorena era parte da alemanha e na alemanha j existia uma lei criando as sociedades por quotas de res-ponsabilidade limitada. conse-qentemente, naquela regio constituram-se vrias socie-dades por quotas de respon-sabilidade. a alscia-Lorena foi incorporada Frana no final da primeira Guerra mundial, e na Frana no existia uma lei de sociedade por quotas, tendo ento sido promulgada uma lei francesa de sociedade por quo-tas para resolver o problema, de uma maneira pragmtica.

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    ORGanIzaO juRDIca Da pEquEna EmpREsa

    mento da entrada do novo Cdigo Civil, faz-se sob o regime da lei anterior e no sob o regime do novo Cdigo?

    Face a estes diversos exemplos, conclui-se que no possvel ir to longe a ponto de dizer que apoiadas no ato jurdico perfeito e no direito adquirido as sociedades podem continuar a atuar sob o regime jurdico anterior e que no preciso fazer a adaptao dos contratos sociais.

    Na verdade, h alguns bons argumentos a favor da aplicao do Cdigo Civil de 2002 s sociedades anteriormente constitudas e a favor da necessidade dessa adaptao dos con-tratos sociais destas sociedades, no obstante os direitos adquiridos.

    E primeiro lugar, dois argumentos de ordem prtica (e no, propriamente, dois argu-mentos de ordem jurdica).

    O primeiro argumento que possvel aplicar o novo Cdigo Civil porque o novo Cdigo Civil expressamente menciona a sua aplicao.

    O segundo argumento tambm de ordem prtica que quando a Lei 6404/76 que reformou integralmente as regras sobre sociedades annimas entrou em vigor, as disposi-es transitrias tambm determinavam a adequao dos estatutos das sociedades annimas ento existentes, no prazo de um ano, nova lei. E essa adequao foi realizada, sem que obstculos fossem suscitados.

    H, ainda, outros pontos que merecem alguma reflexo. O primeiro que o novo Cdigo Civil deve aplicar-se imediatamente s sociedades

    j existentes, porque ele no modifica os direitos dos scios, mas apenas as modalidades do exerccio do direito dos scios. Ou seja, o scio tem o direito de voto e continua tendo direito de voto no novo Cdigo Civil. No existe nenhum dispositivo que prive o scio do direito de voto nas deliberaes sociais. A conseqncia do Cdigo Civil de 2002 que o direito de voto ser exercido de acordo com um novo quadro legislativo, dentro das novas disposies legais.

    O segundo ponto que nem os scios nem as sociedades tm direito, como j afirmou o Supremo Tribunal Federal a propsito do FGTS, a um regime jurdico.

    Neste termos, os scios haviam seguido um determinado regime jurdico para as socie-dades por quotas de responsabilidade limitada, regime jurdico esse que era garantido pelo Cdigo Comercial de 1850 e pelo decreto 3708.

    Todavia, esse regime jurdico foi alterado pelo novo Cdigo Civil. Conseqentemen-te, desaparece um regime jurdico e surge um outro regime jurdico, pelo que os scios e as sociedades tm que se adaptar a esse novo regime jurdico.

    Uma exceo a aplicao imediata do novo Cdigo Civil esta prevista no final do art.2035, segundo o qual A validade dos negcios e demais atos jurdicos, constitudos antes da entrada em vigor deste Cdigo, obedece ao disposto nas leis anteriores, [...] mas os seus efeitos, produzidos aps a vigncia deste Cdigo, aos preceitos dele se subordinam, salvo se houver sido prevista pelas partes determinada forma de execuo.

    Assim, se o contrato social contm uma clusula indicando que as deliberaes dos s-cios devem ser tomadas por um determinado percentual do capital social, possvel afirmar que, neste caso concreto, os scios inseriram no contrato uma clusula especfica prevendo a execuo do direito de voto, isto , como o direito de voto vai ser manifestado, quais os efei-tos daquele direito de voto e quais so as modalidades do exerccio desse direito de voto.

    Deste modo, em razo da parte final do art.2035 do novo Cdigo Civil, se o contrato social contiver clusula neste sentido, possvel sustentar que os quoruns de deliberao

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    ORGanIzaO juRDIca Da pEquEna EmpREsa

    do novo Cdigo Civil no se aplicam sociedade, porque o contrato social contm uma clusula determinando que as deliberaes sejam tomadas pelo voto dos scios titulares da maioria do capital social.

    Entretanto, a prtica demonstra que a maioria dos contratos sociais no contm clu-sula relativa s deliberaes, pois esta regra, ainda que indiretamente, estava determinada no art.15 do decreto 3708.

    a situao da sociedade que no se adaptou ao Cdigo Civil de 2002

    Para finalizar cabe agora examinar o que acontece sociedade que no adaptou o seu contrato social ao novo Cdigo Civil.

    Neste caso, a sociedade torna-se uma sociedade em comum, uma vez que o registro da sociedade perde a sua validade e um registro no vlido equivale a um registro inexistente.

    A sociedade passa ento a reger-se pelos arts.986 a 990 do novo Cdigo Civil, com al-gumas conseqncias importantes como a responsabilidade solidria e ilimitada dos scios. Ou seja, os scios passam a responder perante terceiros ilimitadamente e solidariamente pelas dvidas da sociedade.

    Sendo esta a conseqncia, e no obstante as diversas consideraes apresentadas, pa-rece no valer a pena correr o risco de a sociedade regular ser transformada em sociedade comum.

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    ORGanIzaO juRDIca Da pEquEna EmpREsa

    AUlAS 02, 03 E 04: REUNIO COM ClIENtE PARA ElAbORAO DO CONtRAtO SOCIAl

    Nas aulas seguintes aprenderemos sobre a importncia da orientao empresarial atra-vs do fornecimento de princpios bsicos para quem pretende montar um negcio, seja por meio da atividade individual ou coletiva.

    Daremos enfoque na anlise prvia e planejamento adequado antes da constituio de uma sociedade, que tem no contrato social o instrumento que representa o entendimento dos scios quanto aos seus direitos e deveres com vistas realizao do objeto social.

    ementrio de temas:

    Elaborao do Plano de Negcio. Orientao para elaborao do contrato social: Providncias preliminares. Clusulas obrigatrias e facultativas. Regncia supletiva pelas normas das sociedades por aes. Texto I: Lei no prev permanncia de herdeiros nas Limitadas. Texto II: Famlia uma coisa, empresa outra.

    roteiro de auLa:

    O Plano de Negcios21 um documento que visa transformar idias em situaes concretas. Nele estaro registrados o objetivo do negcio, riscos, pblico alvo, estratgias de marketing, planejamento financeiro e tudo mais que for relevante para iniciar um negcio especfico ou ampliar um j existente.

    Ao optar pela elaborao de um Plano de Negcio, antes da elaborao do contrato social, os scios tero a idia de negcio devidamente analisada, diminuindo os riscos do insucesso.

    Algumas perguntas22 so fundamentais na hora de elaborar o Plano de Negcios, por exemplo:

    Qual atividade que os scios gostariam de desenvolver? Qual a experincia e conhecimento sobre a atividade que os scios tm? Compreender os fatores externos e internos que afetam (ou podero afetar) di-

    retamente o desempenho da sociedade muito importante para o sucesso do negcio. Recomenda-se que os scios busquem informaes relevantes do seu ne-gcio em jornais, revistas e publicaes profissionais/tcnicas, sindicatos e outras entidades setoriais.

    Onde abrir o negcio e qual o espao necessrio? Os scios tero uma noo prvia do funcionamento do negcio do ponto de vista

    mercadolgico e sabero quais exigncias tero que atender para a sua instalao. Qual ser o pblico alvo e como conquistar o mercado? Permite conhecer e entender as necessidades dos clientes, oferecer o produto ou

    servio certo no momento propcio e bem atend-los aps a venda. Esse levanta-mento torna possvel gerar um diferencial competitivo, com eficincia e eficcia,

    21 O passo a passo para a elabora-o do plano de negcios pode ser encontrado no link: http://www.sebraesp.com.br/principal/abrindo%20seu%20negcio/orientaescriao%20de%20empresas/passos_elaboracao_pla-no_negocio.aspx

    22 as perguntas devero ser criadas, adaptadas e modifi-cadas conforme a realidade do negcio.

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    ORGanIzaO juRDIca Da pEquEna EmpREsa

    atravs de aes dirigidas, a oferta de produtos e de servios para nichos especfi-cos de mercado ou, mesmo, para um consumidor individualmente.23

    Escolha de fornecedores e pesquisa de concorrentes? Identificar quantos concorrentes esto oferecendo o mesmo produto e/ou servio,

    atentando para qualidade, preo, acabamento, qualidade no atendimento, facilidade de acesso, forma de arrumao de produtos nas prateleiras e/ou divulgao do servi-o etc.

    Quais so os fatores crticos de sucesso do negcio? Quanto e que tipo de recursos ser necessrio para o empreendimento? No existem limites ou regras para o valor que deve ser utilizado de capital pr-

    prio para investimentos; sempre bom avaliar bem as alternativas, ou seja, se exis-tem linhas de crdito e incentivos (Municipal, Estadual ou Federal). A escolha de recursos prprios e de terceiros, deve levar em considerao queles que permitam sempre melhores margens de ganho.

    Qual a previso de retorno para o investimento? O principal indicador para acompanhar a viabilidade do negcio o retorno do

    investimento. Mensalmente, parte do investimento deve ser devolvida e essa devoluo acontece quando a sociedade gera o lucro.24

    Qual a documentao necessria? Alm do contrato social, que veremos a seguir, j estudamos, na aula 02, o passo

    a passo para a abertura de uma sociedade. O cliente deve ser orientado para preparar um Plano de Negcios e de como faz-lo,

    pois no precisa ser profissional experiente para tanto25. Ao apresentar o Plano de Ne-gcios, o cliente contribuir para a excelncia na elaborao do contrato social alm de dispor de um documento que o ajudar a acompanhar a evoluo do seu negcio.

    orientao para elaborao de contrato de sociedade Limitada.

    A partir dos itens elencados pelo Departamento Nacional de Registro do Comrcio, analisaremos, em aula, cada qual com as crticas cabveis26.

    1. Qualificao completa dos scios: (art. 997, I, do CC/2002)PESSOA FSICA (rectius NATURAL): nome completo, nacionalidade, naturalida-

    de, estado civil27, regime de bens (se casado), data de nascimento (se solteiro), profisso, n do CPF, documento de identidade, seu nmero, rgo expedidor e UF onde foi emitida (documentos vlidos como identidade: carteira de identidade, certificado de reservista, car-teira de identidade profissional, Carteira de Trabalho e Previdncia Social, Carteira Nacio-nal de Habilitao modelo com base na Lei n 9.503/9728), domiclio e residncia (tipo e nome do logradouro, nmero, bairro/distrito, municpio, Unidade Federativa e CEP).

    solteiro menor de 18 anos: (art. 1.690, CC/2002): maior de 16 anos deve ser assistido pelo pai, pela me ou tutor; constar tambm

    do prembulo a expresso ASSISTIDO POR, e a qualificao completa do(s) assistente(s);

    menor de 16 anos deve ser representado pelo pai, pela me ou tutor; constar tambm do prembulo a expresso REPRESENTADO POR e a qualificao completa dos representantes.

    23 carlos pougy, consultor de marketing. Disponvel em: http://www2.uol.com.br/ca-nalexecutivo/artigosc.htm

    24 como calcular o Retorno do Investimento? Investimento todo o capital aplicado na empresa, seja o capital social inicial, mais os aumentos (aporte) de capital adicional, mais os lucros rein-vestidos na sociedade.a taxa de rentabilidade do investimento calculada da seguinte forma: Lucro Lquido dividido pelo Investimento. Exemplo:Lucro Lquido mensal: R$ 2.000,00Investimento total: R$ 80.000,00Taxa de rentabilidade: 2,5 % ao msO prazo de retorno do investi-mento realizado calculado da seguinte forma: Investimento dividido pelo Lucro Lquido. Exemplo:Investimento total: R$ 80.000,00Lucro Lquido mensal: R$ 2.000,00prazo de retorno: 40 mesesFonte: www.sebraesp.com.br

    25 as instrues esto dispon-veis no site do sEBRaE.

    26 Fonte: www.dnrc.gov.br

    27 O art. 977 do cdigo civil de 2002 trouxe uma vedao quanto convivncia da affec-tio societatis e da affectio ma-ritalis quando nesta ltima os cnjuges forem casados sob o regime de comunho universal de bens (art. 1.667) ou sob o regime de separao obrigat-ria de bens (art. 1.687).

    28 cdigo de Trnsito Brasileiro.

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    ORGanIzaO juRDIca Da pEquEna EmpREsa

    se emancipado (maior 16 anos) constar da qualificao a forma da emancipao, arquivando, em separado, a prova da emancipao (art. 976, do CC/2002), feita antes o registro no Registro Pblico no caso de outorga pelos pais ou por sentena. (art. 9)

    Obs. Scio Analfabeto: tambm o nome e a qualificao completa do procurador constitudo, com poderes especficos, por instrumento pblico.

    PESSOA JURDICA: nome empresarial, endereo completo da sede, e se sediada no Brasil, NIRE (nmero de identificao do registro de empresas) ou nmero atribudo no Car-trio de Registro Civil das Pessoas Jurdicas e o n do CNPJ (Cadastro Nacional de Pessoas Ju-rdicas); qualificao completa dos representantes da empresa no ato; (art. 997, I, CC/2002)

    scio domiciliado no exterior: nomear procurador no Brasil, com poderes para re-ceber citao;

    procurador: constar do prembulo, aps o nome e qualificao completa do scio: REPRESENTADO POR SEU PROCURADOR, NOME E QUALIFICAO COMPLE-TA, juntado ao processo o respectivo instrumento de mandato.

    2. Indicao do tipo jurdico da sociedade.O Cdigo Civil apresenta um rol, taxativo, que dever ser obedecido, escolhendo-se o

    tipo societrio que melhor se apresenta para a situao de fato: sociedade simples; sociedade em nome coletivo; sociedade em comandita simples; sociedade limitada; sociedade annima; sociedade em comandita por aes.

    3. Nome empresarial: (art. 997, II e art. 1.158, CC/2002) no pode conter as expresses ME ou EPP; no pode ser idntico ou semelhante a nome j protegido isto , anteriormente

    registrado; a composio do nome deve observar as regras gerais e as prprias do tipo esco-

    lhido (firma social ou denominao).

    4. Endereo comercial da sede e de filiais declaradas: (art. 997, II, CC/2002)Tipo e nome do logradouro, nmero, complemento, bairro/distrito, municpio, UF

    e CEP.

    5. Objeto social: (art. 997, II, CC/2002)Diz respeito atividade que ser desenvolvida, devendo conter sua declarao precisa

    e detalhada, mencionando gnero (indstria, comrcio ou servios) e espcie (calados, roupas infantis, limpeza, por exemplo). (art. 5629, I da Lei n 8.884/9430).

    6. Capital social (art. 997, III e IV, CC/2002)a) indicao numrica e por extenso do total do capital social;b) mencionar o valor nominal de cada quota, que pode ter valor desigual;

    29 art. 56. as juntas comerciais ou rgos correspondentes nos Estados no podero arquivar quaisquer atos relativos cons-tituio, transformao, fuso, incorporao ou agrupamento de empresas, bem como quais-quer alteraes, nos respecti-vos atos constitutivos, sem que dos mesmos conste:I a declarao precisa e deta-lhada do seu objeto;II o capital de cada scio e a forma e prazo de sua reali-zao;III o nome por extenso e qua-lificao de cada um dos scios acionistas;IV o local da sede e respec-tivo endereo, inclusive das filiais declaradas;V os nomes dos diretores por extenso e respectiva qua-lificao;VI o prazo de durao da sociedade;VII o nmero, espcie e valor das aes.

    30 Lei que trata da preveno e da represso s infraes contra a ordem econmica e transformou o conselho admi-nistrativo de Defesa Econmica caDE em autarquia.

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    c) mencionar o total de quota(s) de cada scio;d) declarar a forma e o prazo de integralizao do capital;e) se houver scio menor, o capital dever estar totalmente integralizado;f ) integralizao com bem imvel: descrio e identificao do imvel, sua rea, da-

    dos relativos a sua titulao, nmero de matrcula no Registro de Imveis e autorizao do cnjuge no instrumento contratual com a referncia pertinente, salvo se o regime de bens for o de separao absoluta.

    7. Responsabilidade dos scios: (art. 1.052, CC/2002)A responsabilidade dos scios, apesar de redundante, pois a responsabilidade dos s-

    cios decorre do texto legal, deve ser mencionada no contrato social para um melhor escla-recimento e conhecimento de todos os scios que da sociedade faam parte e, da mesma forma, para terceiros que contratarem com a sociedade.

    8. Prazo de durao da sociedade: (art. 997, II, CC/2002)Indicar o prazo de durao indeterminado ou determinado (neste caso indicar o incio

    e o fim da sociedade).

    9. Administrao: (art. 997, VI, art. 1.060, art. 1.061, 1.062, art. 1.063 e 1.064 todos do CC/2002)

    a) Designar pessoa(s) naturais, caso no se ajuste esta indicao em ato separado31, para representar a sociedade, suas atribuies e limites de poderes, alm da permisso para usar o nome empresarial. Indicar o prazo de gesto, se determinado.

    b) O contrato pode estabelecer a designao de administrador NO scio. Depender de aprovao unnime dos scios, se o capital no estiver integralizado e de no mnimo dois teros, se totalmente integralizado. (art. 1.061, CC/2002)

    c) scio menor somente se emancipado;d) estrangeiro, apresentar a carteira de identidade com o visto permanente.

    10. Cesso de quotas. (artigos 1.003 e 1.056, CC/2002)Optando os scios por garantir sociedade caracterstica tpica de pessoas, podero

    estabelecer no contrato social vedao ao ingresso de terceiros, ou seja, no admitindo a transferncia das quotas quele estranho sociedade (exceto se houver unanimidade dos scios autorizando-a no instrumento de cesso). De outra forma, se a inteno dos scios for constituir uma sociedade onde a pessoa do scio no tem relevncia para sua formao, caracterizando uma sociedade de capital, podero estabelecer que a transferncia das quotas se dar independentemente da vontade dos scios ou, seguindo a orientao do Cdigo Civil, definir um percentual limite de scios que devero anuir com o ato de cesso.

    11. Falecimento/interdio de scio. (artigos 1.028 e 1.031, CC/2002)Eis um dos casos que denotam a importncia da clusula que dispe sobre a cesso de

    quotas. Na falta de um dos scios (seja pela interdio ou pelo falecimento), a sociedade tem que continuar, e, o ingresso de herdeiros poder acontecer se no houver clusula contratual que impea. Muitas vezes, os herdeiros desconhecem ou no esto interessados e assumem o negcio gerando confuso e prejuzo.

    31 O administrador no scio, designado em ato separado, dever firmar termo de posse no livro de ata da administra-o, no prazo de at 30 dias da data de sua designao, sob pena da nomeao perder a validade (art. 1.062).

  • 27FGV DIREITO RIO

    ORGanIzaO juRDIca Da pEquEna EmpREsa

    12. Data de encerramento do exerccio social: indicar a data do trmino de cada exer-ccio, para a elaborao do inventrio, do balano patrimonial e do balano do resultado econmico (art. 1.065, CC/2002) e a referncia ao julgamento das contas no primeiro quadrimestre seguinte ao trmino do exerccio social pelos scios (art. 1.078, CC/2002) e colocao destes documentos disposio dos scios no administradores, at trinta dias antes da reunio ou da assemblia de scios. (art. 1.078, 1, CC/2002).

    13. Participao dos scios nos lucros e perdas: indicao da participao proporcional dos scios nos lucros se outro ajuste no for estipulado. (art. 997, Vll, CC/2002).

    da essncia do ato de constituio de sociedade empresria a participao nos lucros e nas perdas por cada um dos scios, sendo vedada a atribuio da totalidade a apenas um deles.

    14. Clusula de inexistncia de impedimento para o(s) administrador(es) se no apre-sentada esta declarao em separado. (art. 1.011, CC/2002).

    15. Foro: indicar o domiclio onde se exercitem e cumpram os direitos e obrigaes deles resultantes. (art. 53, III, e32, do Dec. 1.800/96) OU clusula compromissria elegendo a Arbitragem para dirimir litgios relativos a direitos patrimoniais disponveis (art. 1o, Lei 9.307/96 e art. 853, CC/2002).

    16. Inserir clusulas facultativas desejadas.Como clusulas facultativas, pelo fato de no serem obrigatrias, a no incluso destas

    em nada impede o arquivamento do contrato social no registro competente, no entanto, elas so a verdadeira expresso da vontade dos scios, seguindo risca o princpio constitu-cional da livre iniciativa33, ao abranger as clusulas que determinam as matrias contratadas pelos scios livremente e que iro adequar a sociedade de acordo com suas particularidades. Eis alguns exemplos de clusulas facultativas:

    a) conseqncias em caso de retirada ou excluso de scio34;b) regras acerca da administrao da sociedade35;c) previso de regncia supletiva da sociedade pelas normas da sociedade annima36;d) autorizao para que a pessoa no scia exera a funo de administrador37;e) instituio de conselho fiscal38;f ) regras referentes s reunies de scios39;g) excluso de scios por justa causa40;Os exemplos acima no esgotam o ajuste de outras clusulas que podem ser adiciona-

    das ao contrato social, desde que submetam-se aos princpios gerais de Direito, notadamen-te s normas do Direito das Obrigaes, em destaque o Direito dos Contratos.

    17. Local e data (dia, ms e ano).

    18. Assinatura dos scios ou dos seus procuradores no fecho do contrato social, com a reproduo de seus nomes. No necessrio o reconhecimento das firmas dos scios41. Na dvida quanto veracidade da assinatura aposta, DEVER a Junta Comercial EXIGIR o RECONHECIMENTO DE FIRMA (Lei no 9.784/99).

    Obs: scio menor de 16 anos, o ato ser assinado pelo representante do scio; scio maior de 16 e menor de 18 anos, o ato ser assinado, conjuntamente, pelo scio e seu assistente.

    32 art. 53. no podem ser ar-quivados:(...)III os atos constitutivos e os de transformao de socieda-des mercantis, se deles no constarem os seguintes requi-sitos, alm de outros exigidos em lei:(...)e) o nome empresarial, o mu-nicpio da sede, com endereo completo, e foro, bem como os endereos completos das filiais declaradas; (...)

    33 artigos 1, IV e 170 da cons-tituio Federal de 1988.

    34 art. 1.031.

    35 art. 1013.

    36 art. 1.053, pargrafo nico.

    37 art. 1.061.

    38 art. 1.066.

    39 art. 1.072.

    40 art. 1.085.

    41 Orientao do item 1.2.27 do manual de atos de Registro de sociedade Limitada, aprovado pela In 98/2003 (DnRc).

  • 28FGV DIREITO RIO

    ORGanIzaO juRDIca Da pEquEna EmpREsa

    19. Visto de advogado: visto/assinatura de advogado, com a indicao do nome e do nmero de inscrio na OAB/Seccional (o visto dispensado para o contrato social de mi-croempresa e de empresa de pequeno porte). (art. 1, 242, da Lei n 8.906/9443 e art. 9, pargrafo 244, da Lei Complementar 123/200645).

    20. Rubricar as demais folhas no assinadas. (art.1, inciso I46, Lei 8.934/9447).Observao: o documento no pode conter rasuras, emendas ou entrelinhas sem ex-

    pressa ressalva dos scios.

    21. Assinatura das testemunhas: No so obrigatrias as assinaturas das testemunhas, que, entretanto, podero ser lanadas com indicao do nome do signatrio, por extenso, de forma legvel, e do nmero de identidade, rgo expedidor e UF48.

    regncia supletiva pelas normas das sociedades por aes

    Os 35 artigos (1.052 a 1.087) que tratam da sociedade do tipo Limitada, em seus dispositivos abrangem vrios temas, entre eles a aplicao das normas da sociedade simples (arts. 997 a 1038) e da Lei da Sociedade por Aes (Lei n 6.404/76) sociedade limitada em caso de omisso.

    A aplicao de um ou outro diploma legal depender da vontade dos scios que ser re-duzida a termo no contrato social. Assim, quando o assunto no estiver previsto nos artigos que integram o captulo das Limitadas e o contrato social for omisso, para resolv-lo aplicar-se-o as normas da sociedade simples previstas no Cdigo Civil ou da Lei 6.404/76.

    O pargrafo nico do art. 1053, quando prev a possibilidade da regncia supletiva pela Lei 6.404/76, permite uma sada para os scios afastarem a aplicao supletiva das nor-mas da sociedade simples. Diante desta opo, os scios podero adequar o contrato social e, eventual omisso prpria do captulo das Limitadas, ser suprida pela Lei 6.404/76 e no pelas regras das sociedades simples.

    A justificativa para este posicionamento encontra-se nos pontos de afinidade entre a sociedade limitada e a sociedade annima. A Assemblia de Scios e o Conselho Fiscal so exemplos de institutos e estruturas que aparecem igualmente nas Limitadas e nas Annimas.

    No caso da regncia supletiva pelas normas da sociedade simples, algumas crticas so feitas, pois, embora a sociedade simples tenha natureza contratual, ela no empresarial e a res-ponsabilidade dos scios ilimitada. Seu ato constitutivo arquivado no Registro Civil de Pes-soas Jurdicas enquanto que a Limitada tem o ato constitutivo registrado na Junta Comercial.

    possvel, ainda, e at mesmo aconselhvel, que o contrato preveja a aplicao suple-tiva de algumas regras prprias das sociedades simples e outras das sociedades annimas. A possibilidade clara na redao do p.. do art. 1.053 do CC, ao asseverar que o mtodo supletivo, afastando, assim, a subsidiariedade.

    A propsito do tema, alguns enunciados aprovados na III Jornada de Direito Civil estabelecem que:

    Enunciado 21749: Com a regncia supletiva da sociedade limitada pela lei das socieda-des por aes, o scio que participar de deliberao na qual tenha interesse em contrrio ao da sociedade, aplicar-se- o disposto no art. 115, 3 da Lei 6.404/76. Nos demais casos, aplica-se o disposto no art. 1.010, 3, se o voto proferido foi decisivo para a aprovao da deliberao, ou o art. 187 (abuso do direito), se o voto no tiver prevalecido.

    42 art. 1. so atividades priva-tivas de advocacia:(.