4
A GAlA CI~NCIA sem mudança, de compreender mal a natureza do homem do conhecimento, negar a força dos impulsos no conhecimento e, em geral, apreender a razão como atividade inteiramente livre, de si mesma originada; eles fecharam os olhos para o fato de que também eles haviam chegado a suas propo~ições contra- dizendo o que era tido por válido, ou ansiando por tranqüili- dade, posse exclusiva ou dominação. O desenvolvimento mais sutil da retidão e do ceticismo acabou por impossibilitar tam- t" bém esses homens; também suas vidas e seus juízos revela- í ram-se dependentes dos antiquíssimos impulsos e erros fun- I I damentaisdetodaexistênciasensível.- Estamaissutilretidão " I e atitude cética surgiu sempre que duas proposições opostas ~ I . CJ I \ pareceram aplicáveis à vida, por serem ambas compatíveis \ Lcom os erros fundamentais, isto é, sempre que se pôde discu- tir o maior ou menor grau de utilidade para a vida; e igualmen- te quando novas proposições não se mostraram úteis, mas tampouco prejudiciais à vida, enquanto manifestações de um lúdico impulso intelectual, inocentes e felizescomo tudo aqui- lo que é lúdico. Gradualmente o cérebro humano foi preen- chido por tais juízos e convicções, e nesse novelo produziu-se fermentação, luta e ânsia de poder. Não somente utilidade e prazer, mas todo gênero de impulsos tomou partido na luta pelas "verdades"; a luta intelectual tornou-se ocupação, atrati- v.o,dever, profissào, dignidade -: o conhecimento e ,a busca do verdadeiro finalmente se incluíram, como necessidadG, entre as necessid.ades.A partir daí, não apenas a fé e a convic.- I ção, mas também o escrutínio, a negação, a desconfiança, a contradição tornaram-se um podel~ todos os instintos "maus" foram subordinados ao conhecimento e postos ao seu serviço, e ganharam o brilho do que é permitido, útil, honrado e, enfim, o olhar e a inocência do que é bom. O conhecimento se tor- nou então parte da vida mesma e, enquanto vida, um poder em contínuo crescimento: até que os conhecimentos e os anti- quíssimos erros fundamentais acabaram por se chocar, os dois sendo vida, os dois sendo poder, os dois no mesmo homem. O pensador: eis agora o ser no qual o impulso para a verdade e os erros conservadores da vida travam sua primeira luta, de- pois que também o impulso à verdade provou ser um poder [138] O~"O . - LIVRO III conservador da vida, Ante a importância dessa luta, todo o resto é indiferente: a derradeira questão sobre as condições da vida é colocada, e faz-se a primeira tentativa de responder a essa questào com o experimento. Até que ponto a verdade suporta ser incorporada? - eis a questão, eis o experimento. 111. ~Qrtgem do lógico: - De onde su!:&iu '!. lÓg!9!. !la ment~ humana? Certamente do i~ó~ic~ cttlo domínio deve ter sido enorme no princípio. Mas,inçontável$ outros seres, que infe- riam de maneira diversa da que agora inferimos, f:lesaparece-{ ram: e é possível que ela fosse mais verdadeira! Quem, por exemplo, não soubesse distinguir com bastante freqüência o "igual';no tocante à alimentação ou aos animais que lhe eram hostis, isto é, quem subsumisse muito lentamente, fosse dema- 'iiado cauteloso na subsunção, tinha menos probabilidades de 'iobrevivência do que aquele que logo descobrisse igualdad,e. L'm tudo o que era semelhante. Mas ã tendência predominan- IL'de tratar o que é semelhante' como igual- uma tendência itr>gica, pois nada é realmente igual- foio ql1eçrjQUtQdofun- d:llnento para a lógica. Do mesmo modo, para que surgisse o I'Onceito de substância, que é indispensável para a lógica, \ 'mbora,no sentido mais rigoroso,nada lhe corresponda de n'al - por muito tempo foi precisoque o ql!~h,áde mytáveJ nas coisasnã2 fQ§sevisto nel11~el}t!c1Q; os seres que não viam \ 'xatamente tinham vantagem sobre aqueles que viam tudo 1'111 tluxo':Todo ~Ievado g~u de c,autelaao infe):ir,toda pro- 11\ 'nsào cética, já constitui em si um grande Q~rigQpara a vida. Nl'nhum ser vivo teria se conservado, caso a tendência opos- l.1de atlrmar antes que adiar o julgamento, de errar e inventar II1\L'S que aguardar, de assentir antes que negar, de julgar antes quI' ser justo - não tivesse sido cultivada com extraordinária Ic)rc,;a. - O curso dos pensamentos e inferências lógicas, em "OSSOcérebro atual, corresponde a um processo e uma luta 1'11\ rl' impulsos que, tomados separadamente, são todos muito 11< Igicos e injustos; habitualmente experimentamos apenas o [139] \\ , ~ ( 1I 'I "0 :i! ", ",111 :11111 !'I ':'11 ,111 .'

Origem Da lógica

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Page 1: Origem Da lógica

A GAlA CI~NCIA

sem mudança, de compreender mal a natureza do homem doconhecimento, negar a força dos impulsos no conhecimento e,em geral, apreender a razão como atividade inteiramente livre,de si mesma originada; eles fecharam os olhos para o fato deque também eles haviam chegado a suas propo~ições contra-dizendo o que era tido por válido, ou ansiando por tranqüili-dade, posse exclusivaou dominação. O desenvolvimento maissutil da retidão e do ceticismo acabou por impossibilitar tam-

t" bém esses homens; também suas vidas e seus juízos revela-í ram-se dependentes dos antiquíssimos impulsos e erros fun-

I I damentaisde todaexistênciasensível.- Estamaissutilretidão"I e atitude cética surgiu sempre que duas proposições opostas

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.CJ I \ pareceram aplicáveisà vida,por serem ambas compatíveis\ Lcom os erros fundamentais, isto é, sempre que se pôde discu-

tir o maior ou menor grau de utilidade para a vida; e igualmen-te quando novas proposições não se mostraram úteis, mastampouco prejudiciais à vida, enquanto manifestações de umlúdico impulso intelectual, inocentes e felizescomo tudo aqui-lo que é lúdico. Gradualmente o cérebro humano foi preen-chido por tais juízos e convicções, e nesse novelo produziu-sefermentação, luta e ânsia de poder. Não somente utilidade eprazer, mas todo gênero de impulsos tomou partido na lutapelas "verdades"; a luta intelectual tornou-se ocupação, atrati-v.o,dever, profissào, dignidade -: o conhecimento e ,a buscado verdadeiro finalmente se incluíram, como necessidadG,entre as necessid.ades.A partir daí, não apenas a fé e a convic.-

I ção, mas também o escrutínio, a negação, a desconfiança, acontradição tornaram-se um podel~ todos os instintos "maus"foram subordinados ao conhecimento e postos ao seu serviço,e ganharam o brilho do que é permitido, útil,honrado e, enfim,o olhar e a inocência do que é bom. O conhecimento se tor-nou então parte da vida mesma e, enquanto vida, um poderem contínuo crescimento: até que os conhecimentos e os anti-quíssimos erros fundamentais acabaram por se chocar, os doissendo vida, os dois sendo poder, os dois no mesmo homem. Opensador: eis agora o ser no qual o impulso para a verdade eos erros conservadores da vida travam sua primeira luta, de-pois que também o impulso à verdade provou ser um poder

[138]

O~"O .-

LIVRO III

conservador da vida, Ante a importância dessa luta, todo oresto é indiferente: a derradeira questão sobre as condições davida é colocada, e faz-se a primeira tentativa de responder aessa questào com o experimento. Até que ponto a verdadesuporta ser incorporada? - eis a questão, eis o experimento.

111.

~Qrtgem do lógico: - De onde su!:&iu '!. lÓg!9!. !la ment~

humana? Certamente do i~ó~ic~ cttlo domínio deve ter sidoenorme no princípio. Mas,inçontável$ outros seres, que infe-riam de maneira diversa da que agora inferimos, f:lesaparece-{ram: e é possível que ela fosse mais verdadeira! Quem, porexemplo, não soubesse distinguir com bastante freqüência o"igual';no tocante à alimentação ou aos animais que lhe eramhostis, isto é, quem subsumisse muito lentamente, fosse dema-'iiado cauteloso na subsunção, tinha menos probabilidades de'iobrevivência do que aquele que logo descobrisse igualdad,e.L'm tudo o que era semelhante. Mas ã tendência predominan-IL'de tratar o que é semelhante' como igual - uma tendênciaitr>gica,pois nada é realmente igual- foio ql1eçrjQUtQdofun-d:llnento para a lógica. Do mesmo modo, para que surgisse oI'Onceito de substância, que é indispensável para a lógica,\ 'mbora,no sentido mais rigoroso,nada lhe corresponda den'al - por muito tempo foiprecisoque o ql!~h,áde mytáveJnas coisas nã2 fQ§sevisto nel11~el}t!c1Q;os seres que não viam\ 'xatamente tinham vantagem sobre aqueles que viam tudo1'111tluxo':Todo ~Ievado g~u de c,autelaao infe):ir,toda pro-11\'nsào cética, já constitui em si um grande Q~rigQpara a vida.Nl'nhum ser vivo teria se conservado, caso a tendência opos-l.1de atlrmar antes que adiar o julgamento, de errar e inventarII1\L'Sque aguardar, de assentir antes que negar,de julgarantes

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resultado da luta: tão rápido e tão oculto opera hoje em nósesse antigo mecanismo.

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Causa e efeitol- "Explicação';dizemos; mas é "descrição"o que nos distingue de estágios anteriores do conhecimento eda ciência. Nós descrevemos melhor - e explicamos tãopouco quanto aqueles que nos precedemm. Descobrimos mÚl-tiplas sucessões, ali onde o homem e pesquisador ingênuo deculturas anteriores via apenas duas coisas, "causa"e "efeito';como se diz; aperfeiçoamos a imagem do devir,mas não fomosalém dessa imagem, não vimos o que há por trás dela. Emcadacaso, a série de "causas" se apresenta muito mais completadiante de nós, e podemos inferir: tal e tal coisa têm de sucederantes, para que venha essa outm - mas nada compreendemos

com isso. Em todo devir químico, por exemplo, a qualidadeaparece como um "milagre';agora como antes, e assim tambémtodo deslocamento; ninguém "explicou"o empurrão. E comopoderíamos explicar?Operamos somente com coisas que nãoexistem, com linhas, superfícies, corpos, átomos, tempos divi-síveis,espaços divisíveis- como pode ser possível a explica-ção, se primeiro tomamos tudo imagem, nossa imagem! Bastaconsiderar a ciência a humanização mai§fiel possível daSCõi-.sã!),aprendemos a nos descrever de modo cada vez mais pre-ciso,ao descrever as coisas e sua sucessão. Causa e efeito: e~adualidade não existe provavelmente jamais - na verdad~temos diante de nó~ um continuum. do qual isolamos algum~Rartes; assim como percebemos um movimento apenas coI'!}Qpontos isolados, isto é, não o v~m()$.propriamente, mas o inf~-rimos.A forma súbita com que muitos efeitos se destacam nosconfunde; mas é uma subitaneidade que existe apenas para nós.Neste segu!1dQde sul2itéID~i<1:!de_háum número iofindáyel...de.processos que nos esc~pw. Um intelecto que visse caus~~êfeito como continuum, e não, à nossa maneira, como arbitrá-rio esfdcelamento e divisão, que enxergasse o fluxo do acom..e-

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[140]

LIVRO 111

('l'r _ rejeitaria a noção de causa e efeito e neg~ia qualqu~rl'(mdicionalidade.

113.

4!eoria..49s velW!2S-- Tantas coisas têm de se reunir,paraque surja um pensamento científico; e cada uma destas forçasnecessárias tem de ser isoladamente inventada, treinada, culti-vada!Masno isolamento elas produziam efeito bem diverso do - ,

que passam a ter no interior do pensamento científico,no qualse restringem e disciplinam mutuamente: - elas atuavam \.

como venenos, por exemplo, o impulso de duvidar, o impulso t. 1de negar, o de aguardar, o de juntar,de dissolver.Muitas heca- -tombes humanas ocorreram, até esses impulsos chegarem a ..-\apreender sua coexistência e a sentir que eram todos funções Ode uma força organizadora dentro de um ser humano! E comõ\ .<ainda está longe o tempo em que as forças artísticas e a sabe- II

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daria prática da vida se juntarão ao pensamento científico,em [

que se formará um sistema orgânico mais elevado, em relação \ c',~ao qual o erudito,o médico,o artistae o legislador,tal como \ \~ .)

agora os conhecemos, pareceriam pobres antiguidades! J

114.

Até onde vai a eiifgra moral. - Ao vermos uma nova ima-

gem~mediatamente a construímos com ajuda de todas asexperiências que tivemos, conforme o grau de nossa retidão eeqüidade. Não existem vivências que não sejam morais,mesmono âmbitoda percepçãosensível.

115.I

Os quatro~s.~ O homem foi educado por seus erros:primeiro, ele sempre se viu apenas de modo incompleto;segundo, atribuiu-se características inventadas; terceiro, colo..

[141]

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Page 3: Origem Da lógica

A GAlA CI~NCIA

com o manuseio - e aindamais:todoo ouro dentrodelasteráse transformado em chumbo. Verdadeiramente, vocês enten-dem da arte contrária à alquimia, a desvalorização do que évalioso! Experimentem outra receita alguma vez,a fim de nãoalcançar o oposto do que procuram, como até hoje sucedeu:neguem essas boas coisas, retirem-lhes o aplauso do popula-cho e o curso fácil, façam com que sejam novamente vergo-nhas secretas de almas solitárias,digam que moral é algoproi-bido! Assim talvez ganhem, para essas coisas, a única espéciede homens que importa, quero dizer, os heróicos. Mas entãodeve haver nelas algo para se temer,e não, como até agora,parase enojar! Não seria tempo de falar,a respeito da moral, comomestre Eckhart: "Peço a Deus que me livre de Deus"?

r!;;~"".; ~'J.

293.

o nossoar.- Nós bem sabemos que, para quem lança umolhar à ciência como que de passagem, à maneira das mulhe-res e, infelizmente, de muitos artistas, o rigor que pede o seuserviço, a inflexibilidade nas pequenas como nas grandes coi-sas,a rapidez em ponderar, julgar,condenar, têm algo que infun-de temor e dá vertigem.Assusta,particularmente, o fatode aí serequerer o mais difícil e se fazer o melhor possível, sem quelouvor e distinções sejam ouvidos, mas apenas censuras eadmoestações, como entre soldados - pois o bem-feito é tidocomo norma, o fracasso,como exceção; e a norma, como sem-pre, guarda silêncio.Com este "rigorda ciência"dá-se o mesmoque com a forma e a cortesia da melhor sociedade: - eleassusta os não-iniciados. Mas quem a ele se habitua talveznãoconsiga viversenão nesse ar claro,transparente, vigoroso e bas-tante elétrico, nesse ar viril. Nenhum outro lugar lhe será sufi-cientemente puro e arejado: desconfia que neste a sua melhorarte não seria proveitosa para outros nem prazerosa para simesmo, que, em meio a mal-entendidos, boa parte de sua vidalhe escorreria por entre os dedos, que sempre muita cautela,muita dissimulação e reserva se faria necessária - grandes einúteis gastos de energia! Mas nesse elemento claro e severo

[198]

LIVRO IV

1.1\, temtoda a sua energia:aí ele pode voar!Porque tornariac'It. a descer àquelas águas turvas, onde temos que nadar e pati-IIhare perdemosa cordasasas?- Não!Paranós é muitodifí-111viver ali: que fazer, se nascemos para o ar, o ar puro, nós, ri-\.lis dos raios de luz, e se bem gostaríamos, como eles, de andar

~I)hre partículas do éter, e não fugindo, mas rumando para o..,o\!Mas isso não podemos fazer: - então façamos o que,")mente nós conseguimos: trazer luz à Terra, ser "a luz da

li:rra"!E para isso temos nossas asas e nossa rapidez e rigor, porisso somos viris e mesmo terríveis, como o fogo. Que nos

temam aqueles que não souberem aquecer-se e iluminar-seJunto a nós! --

294.

çontra oscaluniadoresda naturez4 - São para mim de-sagradáveis as pessoas nas quais todo pendor natural se trans-IÓrmaem doença, em algo deformante e ignominioso - elasnos induziram a crer que os pendores e impulsos do ser huma-no são maus; elas são a causa de nossa grande injustiça paracom nossa natureza, para com toda natureza! Hápessoasbas:-lantes que podems~<:ntre~~ seusiJE2ulsoscõl1l graça e c!es-preocupação: ma~ não Q fazem11?ormedo jess<ilma@ná,Eia"má essência" da natureza! Vem daí que se ache tão poucano13'reiãentre ós homensiPois a marca desta sempre será nãolemer a si próprio, nada esperar de vergonhoso de si próprio,nào hesitar em voar para onde somos impelidos - nós, pás-saros nascidos livres! Aonde quer que cheguemos, tudo serálivre e ensolarado à nossa volta.

295.

Hábitos breves.- Eu amo os hábitos breves e os conside-ro o meio inestimável de vir a conhecer muitas coisas e esta-dos, até ao fundo do que têm de doce e de amargo; minhanatureza é inteiramente predisposta para hábitos breves, mes-

[199]

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Page 4: Origem Da lógica

A GAlA CI~NCIA

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mo quanto às necessidades de sua saúde física e de modQgeral, até onde posso ver: elo mais baixo ao mais elevado.Acredito sempre que tal coisa me satisfará permanentemente- também o hábito breve tem essa crença da paixão, a cren-ça na eternidade -, e é de invejar que eu a tenha achado ereconhecido: - então ela me nutre pela manhã e à tarde eespalha um profundo contentamento/" ao seu redor e dentrode mim, de forma que eu nada mais desejo, sem que tenha decomparar, desprezar ou odiar.- Eum dia o seu tempo acabou:a coisa boa separa-se de mim, não como algo que me repug-na - mas pacificamente e de mim saciada, tal como eu dela, ecomo se nos devêssemos gratidão mútua, estendendo-nos amão em despedida. Ealgo novo já espera na porta, e igualmen-te a minha crença - a indestrutível tola e sábia! - de que essealgo novo será o certo, o certo e derradeiro. Assim é com ali-mentos, pessoas, idéias, cidades, poemas, peças musicais,dou-trinas, programa do dia, modo de vida.- Por outro lado,odeioos hábitos duradouros, penso que um tirano se me avizinha eque meu ar fica espesso,quando os eventos se configuram demaneira tal que hábitos duradouros parecem necessariamen-te resultar deles: por exemplo, devido a um emprego, ao tratoconstante com as mesmas pessoas, a uma morada fixa, umasaúde única. Sim,no mais fundo de minha alma sinto-me gfãtõatoda a minha doença e desgraça e a tudo imperfeito em mim,pois tais coisas me deixam muitas portas para escapar aoshábitos duradouros. - O mais insuportável, sem dúvida, o ver-dadeiramente terrível, seria uma vida Sem b~\)ito algum.Luma'vida que solicitasse continuamente a improvis~ção:-= istoseria meu degredo e minha Sibéria. - -

296.

Jfsálida reputa.çã'i"- Uma reputação sólida costumava serextremamente útil; e onde quer que a sociedade continue a serdominada pelo instinto de rebanho, é ainda muito convenien-te, para cada indivíduo, fazer com aue seu caráter e sua ocupa-ção sejam tidos por imutáveis - mesmo que no fundo não o

[200]

L I V R o I,

sejam. 'i,N"elese pode c0nfiar, ele c~ua o meslÍl~'i: - emtodas as situações perigosas da soCtade,este é o LIlouvor demaior significado.A sociedade sen~om satisfação,.~., que temna virtude desse, na ambição daqu~na reflexão e no fervor

daquele outro um instrumento confliele sempre di~_sposto-ela presta o máximo de honras a eS~latureza de in .~strumen-

to, ~~Q..~ _~si mesmo, essa1variabilidade~ nas opi-niões, nas aspirações e até nos defe&tUma tal avalL .ação, queem toda parte floresce e floresceu jU~mentecom a : moralida-

d~ costumes educa o "caráter:tdijama toda J!"."t.i!Ydança,toda reaprendizagem e transformaçaJdesi.Por maio:r-r que seja,

de resto, a vantagem desse modo O:pensar,para ()oO conheci-mentoele é a mais nociva espécie dplgamento gemal: pois aíé condenada e difamada precisamel'fta disposição.. que tem ohomem do conhecimento para, de 11Io.eiraintrépidcs, declarar-se a qualquer momento contra a S1.tl~piniãoprévia _ e ser des-

con.fiadoem relação a tudo o gI}~~lló~uer se toornar sóli-do. A atitude do h0!!lem do conh~ent<2Aao cOr=1tradizer a"reputação sólida'; é vista como ~nrosa, ao pa.a.sso que apetrificação das opiniões tem o m0llpóliodas hon..ras: - sobo sortilégio(,('detais valores temos q~viverainda ho oje! E é difí-cil viver,quando se sente o juízo del)ll1itosmilênicC>s contra sie em volta de si! É provável que o Gnhecimento foosse toma-do de má consciência por muitos I1\lênios,e que t..enha havi-do muito autodesprezo e oculta mÍYiriana históriar=a dos gran-des espíritos.

~297.

Poder contradizer.- Todos sabem,hoje em dia",,-, que podertolerar a contradição é um elevadJsinal de cultULira. Alguns

sabem até que o homem superior ~eja e evoca psara si a con-tradição, a fim de ter uma indicação'$obrea sua pr.-ópria injus-tiça, que até então desconhecia. ~ ser caDaz de . contrad@,ter boa consciência ao hostilizar o !J6jtual o tr::Jciki:.ion::J1Pron-sagrado - isso é mais do que essalduas coisas e ~ é o que há

[201]

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