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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ ANDRESSA CRISTINA TEIXEIRA ORTOTANÁSIA: DIREITO DE UM PACIENTE TERMINAL À MORTE DIGNA SOB A PERSPECTIVA DO BIODIREITO CURITIBA 2015

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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ

ANDRESSA CRISTINA TEIXEIRA

ORTOTANÁSIA: DIREITO DE UM PACIENTE TERMINAL À MORTE

DIGNA SOB A PERSPECTIVA DO BIODIREITO

CURITIBA

2015

ANDRESSA CRISTINA TEIXEIRA

ORTOTANÁSIA: DIREITO DE UM PACIENTE TERMINAL À MORTE

DIGNA SOB A PERSPECTIVA DO BIODIREITO

Monografia apresentada ao curso de Direito, da Faculdade de Ciências Jurídicas, da Universidade Tuiuti do Paraná – UTP, como requisito para obtenção do Título de Bacharel em Direito. Orientadora: Professora Helena de Souza Rocha

CURITIBA

2015

TERMO DE APROVAÇÃO

ANDRESSA CRISTINA TEIXEIRA

ORTOTANÁSIA: DIREITO DE UM PACIENTE TERMINAL À MORTE

DIGNA SOB A PERSPECTIVA DO BIODIREITO

Esta monografia foi julgada e aprovada para a obtenção do título de Bacharel no Curso de Bacharelado em Direito da Universidade Tuiuti do Paraná – UTP

Curitiba, ____ de _______________ de 2015

Bacharelado em Direito Universidade Tuiuti do Paraná – UTP

___________________________________________________ Prof. Dr. Eduardo de Oliveira Leite

Coordenação do Núcleo de Monografia Universidade Tuiuti do Paraná

Orientador: ___________________________________________________ Professora Helena de Souza Rocha

Universidade Tuiuti do Paraná Curso de Direito

Supervisor: ___________________________________________________ Prof.

Universidade Tuiuti do Paraná Curso de Direito

Supervisor: ___________________________________________________ Prof.

Universidade Tuiuti do Paraná Curso de Direito

DEDICATÓRIA

Dedico o presente estudo aos profissionais da área da saúde, que buscam exercer a profissão com

amor e respeito aos seus pacientes.

Dedico também, aos pacientes que tive a oportunidade de conhecer em um momento de grande vulnerabilidade, e que me ensinaram a

prezar sempre pela dignidade humana.

AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus, primeiramente, por ter me concedido sabedoria e por ter me dado forças para

trilhar e seguir firme em meu caminho;

À minha família, por todo o apoio e carinho que sempre me dedicaram. Mãe, seu amor e cuidado foi o que me deu esperanças para chegar até aqui. Pai,

a sua presença sempre me trouxe a segurança e a certeza de que nunca estive sozinha. Jú e Isis,

sempre as minhas fiéis companheiras;

Ao meu marido Jader, que de forma especial e carinhosa, me incentivou e me deu forças para que

eu pudesse alcançar os meus objetivos;

À minha amiga Débora, que trilhou comigo esta caminhada, e não me deixou desistir em nenhum

momento de tristeza e desespero;

A todos os professores que tive o prazer de conhecer ao longo do curso;

À minha estimada professora e orientadora, Helena

de Souza Rocha, obrigada pela paciência, dedicação e incentivo.

“Não há riqueza maior que a saúde do corpo. Não há prazer que

se iguale à alegria do coração. Mais vale a morte que uma vida

na aflição, e o repouso eterno que um definhamento sem fim”.

(Eclesiástico 30, 16-17)

“Conheça todas as teorias, domine todas as técnicas, mas ao

tocar uma alma humana, seja apenas outra alma humana”.

(Carl Jung)

RESUMO

A presente monografia tem como objetivo principal o estudo da ortotanásia e o direito à morte digna, sob a perspectiva do biodireito e à luz dos princípios garantidos na Constituição Federal do Brasil de 1988. Esta pesquisa analisa os conceitos e demonstra as principais diferenças entre a ortotanásia e os demais institutos que norteiam o processo de morte, como a eutanásia, a distanásia, a mistanásia e o suicídio assistido. Demonstra também, a importância da bioética e de seus princípios basilares, da autonomia, da beneficência, da não-maleficência e da justiça, aplicados à relação médico-paciente, bem como, destaca a importância do princípio da dignidade humana inerente a todo e qualquer indivíduo. Por fim, evidencia a ausência de legislação específica no ordenamento jurídico brasileiro para a prática da ortotanásia, o que dificulta o exercício pleno da medicina e impõe a aplicação de princípios constitucionais e éticos para que se assegure o direito à morte digna de um paciente em fase terminal. Palavras Chave: Ortotanásia. Morte Digna. Bioética. Relação Médico-Paciente. Dignidade Humana.

ABSTRACT

This paper aims to study the orthothanasia and the right to dignified death, from the perspective of biolaw and in the light of the principles guaranteed in the Federal Constitution of Brazil from 1988. This research analyzes the concepts and demonstrates the main differences between orthothanasia and other institutions that guide the process of dying, such as euthanasia, dysthanasia, the mistanasia and assisted suicide. It also demonstrates the importance of bioethics and its basic principles of autonomy, beneficence, non-maleficence and justice, applied to the doctor-patient relationship, and highlights the importance of the principle of human dignity inherent in each and every individual. Finally, highlights the absence of specific legislation in the Brazilian legal system for the practice of orthothanasia, which hinders the full exercise of medicine and requires the application of constitutional and ethical principles to ensure the right to a dignified death of a patient in terminal phase. Keywords: Orthothanasia. Dignified Death. Bioethics. Physician-Patient Relationship. Human Dignity.

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ABCP Associação Brasileira de Cuidados Paliativos

ANCP Academia Nacional de Cuidados Paliativos

CFM Conselho Federal de Medicina

DF Distrito Federal

MPF Ministério Público Federal

OMS Organização Mundial de Saúde

USP Universidade de São Paulo

UTI Unidade de Terapia Intensiva

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ......................................................................................... 12

2 ORTOTANÁSIA E AS OUTRAS FORMAS DE TERMINAR A VIDA ...... 13

2.1 ORTOTANÁSIA ........................................................................................ 13

2.2 EUTANÁSIA ............................................................................................. 16

2.3 DISTANÁSIA ............................................................................................ 19

2.4 MISTANÁSIA ............................................................................................ 20

2.5 SUICÍDIO ASSISTIDO ............................................................................. 21

3 ORTOTANÁSIA E O DIREITO................................................................. 24

3.1 A ORTOTANÁSIA NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO......... 24

3.1.1 Constituição Federal ................................................................................. 24

3.1.1.1 Direito à Vida ............................................................................................ 24

3.1.1.2 Direito à Liberdade ................................................................................... 25

3.1.1.3 Dignidade da Pessoa Humana ................................................................. 26

3.1.2 Código Penal ............................................................................................ 27

3.1.3 Bioética ..................................................................................................... 29

3.1.3.1 Princípios da Bioética ............................................................................... 30

3.1.3.1.1 Princípio da Autonomia ............................................................................ 30

3.1.3.1.2 Princípio da Beneficência ......................................................................... 32

3.1.3.1.3 Princípio da Não Maleficência .................................................................. 33

3.1.3.1.4 Princípio da Justiça .................................................................................. 34

3.1.3.2 Resolução 1.805/2006 do Conselho Federal de Medicina ....................... 34

3.1.3.3 Resolução 1.931/2009 Do Conselho Federal De Medicina – Novo

Código de Ética Médica ............................................................................ 37

3.1.3.4 Resolução 1.995/2012 Do Conselho Federal De Medicina ...................... 38

3.1.4 Proposições Legislativas .......................................................................... 40

3.1.4.1 Projeto de Lei 3.002/2008 ........................................................................ 40

3.1.4.2 Projeto de Lei 5.008/2009 ........................................................................ 40

3.1.4.3 Projeto de Lei 6.544/2009 ........................................................................ 41

3.1.4.4 Projeto de Lei 6.715/2009 ........................................................................ 42

3.1.4.5 Projeto de Lei do Senado Federal nº 236/2012 – Novo Código Penal ..... 43

4 ORTOTANÁSIA E O DIREITO À MORTE DIGNA ................................... 44

4.1 RELAÇÃO MÉDICO PACIENTE .............................................................. 44

4.1.1 Consentimento Informado e a Manifestação de Vontade ......................... 44

4.1.2 O Paciente Terminal e os Cuidados Paliativos ......................................... 46

5 CONCLUSÃO .......................................................................................... 48

REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 50

12

1 INTRODUÇÃO

Esta monografia tem como objetivo estudar o instituto da ortotanásia sob a

perspectiva do biodireito e seus princípios basilares, em consonância com os direitos

fundamentais garantidos na Constituição Federal de 1988.

O interesse e a posterior escolha deste tema, adveio da minha experiência

profissional em ambientes hospitalares, especificamente na Unidade de Terapia

Intensiva (UTI), onde tive a oportunidade de observar diversas situações de pacientes

em estágio terminal submetidos ao prolongamento da vida, muitas vezes contra a sua

própria vontade.

Falar sobre a terminalidade da vida é quase sempre uma tarefa difícil e árdua,

pois mesmo se tratando de uma realidade certa e incontestável, muitos buscam evitá-

la, demonstrando verdadeiro horror a este desconhecido fato natural, ainda mais com

o avanço das ciências médicas e tecnológicas observados na atualidade.

No primeiro capítulo deste trabalho serão abordados os conceitos e as

principais diferenças entre a ortotanásia, a eutanásia, a distanásia, a mistanásia e o

suicídio assistido, os institutos que norteiam o processo de morte.

No segundo capítulo serão tratadas as questões de ordem principiológicas,

como o direito à vida, à liberdade e a dignidade da pessoa humana, assim como a

evolução e a importância da bioética e de seus princípios norteadores, da autonomia,

da beneficência, da não maleficência e da justiça. Será abordado também, a prática

da ortotanásia frente ao ordenamento jurídico brasileiro, a sua regulação pelo Código

de Ética Médica e pelas Resoluções 1.805/2006, 1.995/2012, ambas do Conselho

Federal de Medicina (CFM). Por conseguinte, será apresentado também as

proposições legislativas em trâmite no Congresso Nacional.

No quarto e último capítulo será abordada a relação médico-paciente, trazendo

a conceituação e a importância do consentimento informado, a denominação do que

se considera paciente terminal e o que são os chamados cuidados paliativos. Por fim,

será feita uma abordagem ampla destes conceitos e a sua relação com o direito à

morte digna, analisando as questões de ordem ética e moral que precisam ser

avaliadas com cautela pelo operador do Direito.

13

2 ORTOTANÁSIA E AS OUTRAS FORMAS DE TERMINAR A VIDA

Para a melhor compreensão acerca do instituto da ortotanásia, é primordial

conceituar e diferenciar outros institutos que envolvem o processo de morte, e que por

vezes são confundidos entre si, como a eutanásia, a distanásia, a mistanásia e o

suicídio assistido.

2.1 ORTOTANÁSIA

Etimologicamente, a palavra ortotanásia significa “morte certa”, deriva dos

vocábulos gregos orthos: certo e thanatos: morte.

A origem da denominação ortotanásia é atribuída ao professor Jacques

Roskam, da Universidade de Liege, na Bélgica, pois ele concluiu no Primeiro

Congresso Internacional de Gerontologia, em 1950, que entre encurtar a vida humana

através da eutanásia e a prolongar pela obstinação terapêutica, existiria uma “morte

correta, justa, ocorrida no seu tempo oportuno”, a chamada ortotanásia. (SANTORO,

2012, p. 132 apud ROSKAM, 1950, p. 709-713).

Para o autor Eduardo Luiz Santos Cabette (2013, p.25), a ortotanásia pode ser

definida como: “a morte correta, mediante a abstenção, supressão ou limitação de

todo tratamento fútil, extraordinário ou desproporcional, ante a iminência da morte do

paciente, morte esta a que não se busca [...], nem se provoca”.

Em consonância com este entendimento, Luciano de Freitas Santoro traduz a

ortotanásia como:

[...] o comportamento do médico que, frente a uma morte iminente e inevitável, suspende a realização de atos para prolongar a vida do paciente, que o levariam a um tratamento inútil e a um sofrimento desnecessário, e passa a emprestar-lhe os cuidados paliativos adequados para que venha a falecer com dignidade. (SANTORO, 2012, p. 133).

Deste modo, a ortotanásia consiste na morte natural, ao seu tempo certo, sem

a interferência da medicina, permitindo que o paciente acometido por uma

enfermidade sem cura tenha uma morte digna, sem sofrimento. Todavia, o médico

deve assegurar que sejam garantidos ao paciente terminal os cuidados paliativos,

denominados pela Organização Mundial da Saúde (OMS), como o controle e alívio da

dor e de outros sintomas tanto de ordem física, como de ordem psicológica, para que

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se minimize o seu sofrimento e lhe garanta o máximo de conforto possível durante

esse processo, é o que preceitua o parágrafo único do artigo 41 do Código de Ética

Médica:

Parágrafo único. Nos casos de doença incurável e terminal, deve o médico oferecer todos os cuidados paliativos disponíveis sem empreender ações diagnósticas ou terapêuticas inúteis ou obstinadas, levando sempre em consideração a vontade expressa do paciente ou, na sua impossibilidade, a de seu representante legal. (CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA, 2009).

Para a realização da ortotanásia é necessário o estabelecimento de alguns

requisitos fundamentais, como o início do processo de morte e a ausência de qualquer

possibilidade de cura para o paciente. Isto é, havendo expectativa de salvar o

paciente, por mais remota que seja, o médico não deve interromper o tratamento, ou

tampouco considerá-lo inútil. (SANTORO, 2012, p. 133).

Leocir Pessini afirma que a morte não pode ser vista como um fracasso, como

um inimigo a vencer, pois o curso normal da vida nos levará, indubitavelmente, à

morte, assim sendo, cabe ao médico o dever de sempre cuidar do seu paciente, mas

curá-lo somente quando houver essa possibilidade. (PESSINI, 2007, p. 228).

Não se pode permitir que o avanço da medicina na atualidade, submeta o ser

humano a um tratamento cruel e degradante, ao invés disso, “deve possibilitar que o

médico, com precisão, estabeleça o momento exato em que a cura não é mais

possível, preservando apenas a função cuidadora”. (SANTORO, 2012, p. 134).

É oportuno destacar que a própria Igreja Católica defende a prática da

ortotanásia. Em 1980, o Papa João Paulo II aprovou a Declaração da Sagrada

Congregação Para a Doutrina da Fé, condenando a prática da eutanásia e se

manifestando a favor da ortotanásia.

É sempre lícito contentar-se com os meios normais que a medicina pode proporcionar. Não se pode, portanto, impor a ninguém a obrigação de recorrer a uma técnica que, embora já em uso, ainda não está isenta de perigos ou é demasiado onerosa. Recusá-la não equivale a um suicídio; significa, antes, aceitação da condição humana, preocupação de evitar pôr em acção [sic] um dispositivo médico desproporcionado com os resultados que se podem esperar, enfim, vontade de não impor obrigações demasiado pesadas à família ou à colectividade [sic]. Na iminência de uma morte inevitável, apesar dos meios usados, é lícito em consciência tomar a decisão de renunciar a tratamentos que dariam somente um prolongamento precário e penoso da vida, sem contudo, interromper os cuidados normais devidos ao doente em casos semelhantes. Por isso, o

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médico não tem motivos para se angustiar, como se não tivesse prestado assistência a uma pessoa em perigo. (IGREJA CATÓLICA. Papa (1978-2005: João Paulo II, 1980).

Em 1995, o Papa João Paulo II ratificou o seu posicionamento favorável a

ortotanásia no documento chamado Encíclica Envagelium Vitae (Evangelho da Vida):

Distinta da eutanásia é a decisão de renunciar ao chamado excesso terapêutico, ou seja, a certas intervenções médicas já inadequadas à situação real do doente, porque não proporcionadas aos resultados que se poderiam esperar ou ainda porque demasiado gravosas para ele e para a sua família. Nestas situações, quando a morte se anuncia iminente e inevitável, pode-se em consciência renunciar a tratamentos que dariam somente um prolongamento precário e penoso da vida, sem, contudo, interromper os cuidados normais devidos ao doente em casos semelhantes. (IGREJA CATÓLICA. Papa (1978-2005: João Paulo II, 1995, grifo do autor).

O Papa ainda se manifestou, no mesmo documento, acerca dos cuidados

paliativos que devem ser garantidos pelo médico:

Na medicina actual [sic], têm adquirido particular importância os denominados cuidados paliativos, destinados a tornar o sofrimento mais suportável na fase aguda da doença e assegurar ao mesmo tempo ao paciente um adequado acompanhamento humano. Neste contexto, entre outros problemas, levanta-se o da licitude do recurso aos diversos tipos de analgésicos e sedativos para aliviar o doente da dor, quando isso comporta o risco de lhe abreviar a vida. Ora, se pode realmente ser considerado digno de louvor quem voluntariamente aceita sofrer renunciando aos meios lenitivos da dor, para conservar a plena lucidez e, se crente, participar, de maneira consciente, na Paixão do Senhor, tal comportamento heroico não pode ser considerado obrigatório para todos. Já Pio XII afirmara que é lícito suprimir a dor por meio de narcóticos, mesmo com a consequência de limitar a consciência e abreviar a vida, se não existem outros meios e se, naquelas circunstâncias, isso em nada impede o cumprimento de outros deveres religiosos e morais. É que, neste caso, a morte não é querida ou procurada, embora por motivos razoáveis se corra o risco dela: pretende-se simplesmente aliviar a dor de maneira eficaz, recorrendo aos analgésicos postos à disposição pela medicina. (IGREJA CATÓLICA. Papa (1978-2005: João Paulo II, 1995, grifo do autor).

Ressalta-se, que o próprio Papa João Paulo II foi adepto da ortotanásia. Em

2005, após prolongado sofrimento causado pela doença de Parkinson1 e já em estágio

avançado, ele optou em suspender todas as intervenções clínicas e decidiu ficar em

seus aposentos no Palácio Apostólico, no Vaticano, recebendo apenas os

1 Doença de Parkinson é uma doença neurológica, que afeta os movimentos da pessoa. Causa tremores, lentidão, rigidez muscular, desequilíbrio, além de alterações na fala e na escrita.

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medicamentos que lhe aliviassem a dor. Ele faleceu no dia 02 de abril de 2005, com

84 anos de idade. (GÓIS, 2007).

No Brasil, o caso de maior notoriedade foi o do ex-governador de São Paulo,

Mário Covas. Em 1998, o então governador foi submetido a um procedimento cirúrgico

para a retirada de um tumor na bexiga. Em 2001, após ser diagnosticado com um

câncer na meninge, Covas foi internado em um hospital e a seu pedido não foi levado

para uma unidade de terapia intensiva (UTI), que seria o recomendado para a sua

situação clínica. Após nove dias de internação, ele veio a óbito, aos 70 anos de idade,

por falência múltipla de órgãos. Neste caso, o ex-governador beneficiou-se de uma lei

que ele mesmo havia promulgado anos antes, em 17 de março de 1999, a Lei Estadual

nº 10.241, que dispunha sobre os direitos de usuários dos serviços de saúde do

Estado de São Paulo, e que “permitia ao doente escolher seu local de morte e recusar

tratamentos e procedimentos que visassem o prolongamento desmedido da vida e

não a abreviação desta”. Esta Lei ficou conhecida posteriormente, como Lei Mário

Covas. (CARDOSO, 2012).

Salienta-se que atualmente, no âmbito nacional, inexiste uma lei específica que

regulamente a prática da ortotanásia. Até o presente momento, existe tão somente a

Lei Estadual acima mencionada nº 10.241 do Estado de São Paulo e a Resolução nº

1.805 de 2006 do Conselho Federal de Medicina. Há também alguns projetos de Lei

em trâmite no Congresso Nacional que serão abordados e explicados em um capítulo

próprio.

Já no cenário internacional, a prática da ortotanásia é permitida em alguns

países, como a Holanda, a Bélgica e os Estados Unidos (CABETTE, 2013, p. 14).

2.2 EUTANÁSIA

O termo eutanásia, origina-se dos vocábulos gregos eu: boa e thanatos: morte,

que significa literalmente, “boa morte”, ou por analogia, “morte apropriada”, “morte

sem sofrimento, “morte sem dor”.

Para Eduardo Luiz Santos Cabette (2013, p. 19-20) a eutanásia consiste na

provocação consciente da morte de um terceiro, a seu pedido, ou de seus familiares,

com o objetivo de acabar-lhe com o sofrimento físico e/ou psicológico, causado por

alguma moléstia ou senilidade.

17

Maria Helena Diniz (2010, p. 402), conceitua eutanásia como: “a deliberação

de antecipar a morte de doente irreversível ou terminal, a pedido seu ou de seus

familiares, ante o fato da incurabilidade de sua moléstia, da insuportabilidade de seu

sofrimento e da inutilidade de seu tratamento”.

Muito embora, a prática da eutanásia já fosse observada desde os primórdios

da humanidade, somente no século XVII, mais precisamente, no ano de 1623, esta

terminologia foi formalmente empregada pela primeira vez, na obra intitulada Historia

vitae et mortis, do filósofo inglês Francis Bacon, que utilizou a referida expressão para

designar o tratamento adequado de doenças incuráveis. (CABETTE, 2013, p. 19).

Em uma concepção ampla, a eutanásia pode ser distinguida em duas

modalidades, ativa e passiva. A modalidade ativa, é aquela em que a morte resulta de

uma ação direta do profissional médico ou de uma terceira pessoa, como por exemplo,

a administração de fármacos em doses letais. Já na modalidade passiva, há uma

omissão do agente, a morte ocorre pela falta de recursos indispensáveis à

preservação das funções vitais do doente, como por exemplo, a falta de alimentação.

(SANTORO, 2012, p. 118).

Alguns doutrinadores compreendem que a eutanásia passiva e a ortotanásia

são sinônimos, no entanto, a ortotanásia não pode e não deve ser confundida com a

eutanásia passiva, visto que se tratam de situações fáticas distintas. Enquanto na

ortotanásia a causa da morte já se iniciou, na eutanásia passiva a omissão é que dará

causa ao resultado morte. (SANTORO, 2012, p. 138).

Para a melhor compreensão dessa diferença, é de fundamental importância

esclarecer o que trata cada instituto:

Embora sutil, a distinção entre eutanásia passiva e ortotanásia tem toda relevância, na medida em que responde pela diferença de tratamento jurídico proposto: a licitude desta e a ilicitude daquela. Na eutanásia passiva, omitem-se ou suspendem-se arbitrariamente condutas que ainda eram indicadas e proporcionais, que ainda poderiam beneficiar o paciente. Já as condutas médicas restritivas são lastreadas em critérios médico-científicos de indicação ou não-indicação de uma medida, conforme a sua utilidade para o paciente, optando-se conscientemente pela abstenção, quando a medida já não exerce a função que deveria exercer, servindo somente para prolongar artificialmente, sem melhorar a existência terminal. Não há, portanto, que se identificar genericamente eutanásia passiva e ortotanásia. A ortotanásia, aqui configurada pelas condutas médicas restritivas, é o objetivo médico, quando já não se pode buscar a cura: visa a prover o conforto ao paciente, sem interferir no momento da morte, sem encurtar o tempo natural de vida nem adiá-lo indevida e artificialmente, para que a morte chegue na hora certa, quando o organismo efetivamente

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alcançou um grau de deterioração incontornável. (SANTORO, 2012, p. 138-139 apud VILLAS-BÔAS, 2005, p.80).

José Roberto Goldim (2005) exemplifica a eutanásia passiva, com um caso que

teve bastante repercussão mundial, o da norte-americana Theresa Marie Schindler-

Schiavo, conhecida como Terri Schiavo. Em 1990, Terri, então com 27 anos de idade,

sofreu um ataque cardíaco, ficando por pelo menos cinco minutos sem oxigenação no

cérebro. Em consequência disto, ela teve uma grave lesão cerebral, que a deixou em

estado vegetativo persistente2. Após uma longa batalha judicial, seu marido e

responsável legal, Michael Schiavo, conseguiu autorização para que fosse retirado o

tubo alimentar que mantinha Terri viva. Em 31 de março de 2005, quatorze dias após

a remoção do tubo, Terri Schiavo faleceu, tornando-se um ícone do movimento pelo

direito a morrer com dignidade nos Estados Unidos.

Deste modo, é inapropriado confundir a eutanásia passiva com a ortotanásia.

Realizar esta distinção é fundamental para que o aplicador ou intérprete da norma

saiba diferenciar os comportamentos e as consequências jurídicas. (SANTORO, 2012,

p. 139).

Ainda, há na doutrina outras classificações de eutanásia, como a eugênica, a

criminal, a econômica, a experimental e a solidária, no entanto, conforme será visto

na conceituação de cada uma delas, não é possível aceitar que estas classificações

se enquadrem como eutanásia propriamente dita, pois são desprovidas de motivação

piedosa e altruística, elementos essenciais para a caracterização da eutanásia.

(SANTORO, 2012, p. 120-121).

A eutanásia eugênica, é aquela utilizada para eliminar indivíduos disformes ou

portadores de severas enfermidades mentais, a exemplo do que ocorreu na Segunda

Guerra Mundial. A eutanásia criminal, é aquela aplicada aos indivíduos considerados

socialmente perigosos, que praticaram ilícitos penais, é o exemplo da pena de morte

por injeção letal. Já a eutanásia econômica, é a que consiste na morte de doentes

incuráveis, de pessoas inválidas, de anciãos e de todos aqueles considerados inúteis,

por se encontrarem em estado de improdutividade, acarretando um custo elevado à

sociedade. A eutanásia experimental, por sua vez, é aquela que causa a morte sem

dor, objetivando progresso científico. Por fim, a eutanásia solidária é aquela realizada

2 Estado Vegetativo Persistente: é uma condição em que o paciente é descrito como acordado, mas não consciente, sem função mental cognitiva ou afetiva.

19

em pacientes que estejam acometidos por uma doença incurável, pretendendo a

utilização de seus tecidos e órgãos para transplantes a outro paciente que apresente

maiores chances de vida. (SANTORO, 2012, p. 120-121).

Tratar da eutanásia é uma tarefa de extrema complexidade, pois é um assunto

muito polêmico e que aborda diferentes opiniões na sociedade, tanto a favor quanto

contra a sua realização. Scarlett Marton (2009), professora de filosofia contemporânea

da Universidade de São Paulo (USP), explica que quem defende a prática da

eutanásia, argumenta que este é o único caminho para evitar a dor e o sofrimento de

quem se encontra em fase terminal de uma doença determinada incurável, isto é, uma

doença cuja cura ainda não foi descoberta pela medicina atual. Também se

argumenta que viver é um direito e não uma obrigação, e que, deste modo,

consubstanciado na autonomia absoluta e individual de cada ser humano, se preserva

a este o direito à escolha pela vida e pelo momento adequado da sua morte. Já para

quem se posiciona contra, os argumentos são os mais variados possíveis, dentre eles,

motivos religiosos, políticos, éticos e sociais. Sob a perspectiva legal, se argumenta

que a vida é um bem jurídico inviolável, e que, portanto, indisponível e intangível.

Hodiernamente, não há na legislação brasileira nenhuma lei específica que

trate da eutanásia, no entanto, tal conduta pode ser incursa nas penas previstas no

artigo 121 do Código Penal (1940), homicídio simples: “Art. 121. Matar alguém: Pena

– reclusão, de seis a vinte anos”. Todavia, conforme o entendimento de Cezar Roberto

Bitencourt (2012, p. 170) se for comprovado o efetivo sentimento de piedade e

compaixão, elementos estes caracterizadores da eutanásia, a conduta poderá ser

reconhecida como homicídio privilegiado, previsto no parágrafo primeiro do mesmo

artigo supracitado, configurando a redução da pena: “§ 1º Se o agente comete o crime

impelido por motivo de relevante valor social ou moral, ou sob o domínio de violenta

emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, o juiz pode reduzir a pena

de um sexto a um terço”.

2.3 DISTANÁSIA

A palavra distanásia deriva dos vocábulos gregos dys: defeituoso, errado e

thanatos: morte, significa literalmente, “morte defeituosa”. Atualmente, este termo

passou a ser utilizado para designar o prolongamento exagerado do sofrimento e

morte de um indivíduo enfermo.

20

Deste modo, considera-se distanásia, o prolongamento artificial do processo de

morte, com intensificação do tratamento médico terapêutico, mesmo que, não se

prevejam possibilidades de cura ou de melhora.

Neste sentido, a distanásia pode ser conceituada como:

[...] uma ação, intervenção ou procedimento médico que não propicia benefício ao sujeito em fase de terminalidade. Ao contrário, prolonga-lhe, com o objetivo de distanciar o momento da morte o máximo possível, por meio de tratamentos fúteis e inapropriados. (PESSINI, 2007, p. 839).

Distanásia também pode ser denominada como sinônimo de tratamento fútil e

inútil, que não resultam na cura do doente e nem oferecem melhorias na sua qualidade

de vida, traduzindo-se em um comportamento excessivo do médico que procura

manter a vida do paciente acima de qualquer custo, inclusive submetendo-o a

tratamentos desumanos e degradantes (SANTORO, 2012, p. 128-129).

2.4 MISTANÁSIA

A palavra mistanásia, por sua vez, deriva dos vocábulos gregos mis: miserável

e thanatos: morte, significa literalmente, “morte miserável”. É habitualmente conhecida

como ‘eutanásia social’, no entanto, deve ficar claro que ela não se confunde com a

eutanásia em si, pois inexiste na mistanásia a motivação piedosa e altruística,

caracterizadora da eutanásia.

De acordo com o autor Eduardo Luiz Santos Cabette, a mistanásia se conceitua

como:

[...] o abandono social, econômico, sanitário, higiênico, educacional, de saúde e segurança a que se encontram submetidas grandes parcelas das populações do mundo, simplesmente morrendo pelo descaso e desrespeito dos mais comezinhos Direitos Humanos. (CABETTE, 2013, p. 31).

Uma das hipóteses de mistanásia, é a dos pacientes que não conseguem

ingressar no sistema de saúde, pela falta ou pela debilidade de serviços médicos.

Inúmeros fatores contribuem para a ocorrência desta hipótese, como a fome, o

desemprego, e a ausência de unidades de saúde suficientes para o atendimento da

população, desta forma, a mistanásia ocorre pela omissão do Estado, que tem o dever

de promover e garantir a dignidade humana. (SANTORO, 2012, p. 127).

21

Outra hipótese de mistanásia, como esclarece Maria Helena Diniz, é a dos

pacientes que são vítimas de erro médico, decorrentes de conduta como:

[...] diagnóstico errôneo, falta de conhecimento dos avanços na área de analgesia e cuidado da dor, prescrição de tratamento sem realização de exame, uso de terapia paliativa inadequada, procedimento médico sem esclarecimento e consenso prévio, abandono, etc. (DINIZ, 2010, p. 416).

Cabe ressaltar que nesta hipótese de mistanásia, o médico está sujeito a

responder subjetivamente pela reparação de danos materiais e morais causados ao

paciente, ou até mesmo, responder por homicídio culposo se restar comprovado que

agiu com imprudência, imperícia ou negligência (SANTORO, 2012, p. 127).

Ainda, há uma terceira hipótese de mistanásia, definida como a submissão

intencional do paciente a uma morte dolorosa, ignorando completamente a sua

dignidade, esta hipótese é denominada como a prática médica “fruto da maldade”.

(MARTIN, 2004, p. 216).

2.5 SUICÍDIO ASSISTIDO

O suicídio assistido ocorre quando o próprio paciente, incapaz de suportar os

sofrimentos a que está submetido, põe termo a sua vida, necessitando, para tanto,

auxílio de um terceiro, mediante a impossibilidade de concretizar este ato sozinho.

Neste sentido, observa-se a seguinte conceituação:

[...] é uma eutanásia realizada pelo próprio indivíduo, que dá fim à sua vida sem a intervenção direta de terceiro, apesar de sua participação por motivos humanitários, prestando assistência material ou moral para a realização do ato (SANTORO, 2012, p. 123).

De acordo com José Roberto Goldim (1998) a expressão suicídio assistido

ganhou destaque na sociedade pela primeira vez, em meados dos anos 90, quando o

Dr. Jack Kevorkian, popularmente conhecido como ‘Dr. Morte’, admitiu ter auxiliado

mais de 48 pacientes a pôr fim às suas vidas. Dr. Jack acreditava que os doentes, em

estágio terminal, tinham o pleno direito de evitar uma morte lenta e dolorosa, sendo-

lhes facultado o suicídio piedoso por ele assistido.

Um caso de bastante notoriedade, destacado pelo próprio José Roberto Goldim

(2007), foi o do espanhol Ramón Sampedro. Aos 25 anos de idade, Ramón sofreu um

22

grave acidente que acabou o deixando tetraplégico pelo resto da vida. Durante os

anos que se seguiram, ele lutou constantemente na justiça pelo direito à morte digna,

sob a condição de que as pessoas que o auxiliassem com isto não fossem

juridicamente punidas. Todos os seus pedidos foram indeferidos, pois a lei espanhola

tipificava esta conduta como homicídio. Ramón foi encontrado morto em janeiro de

1998, o laudo necroscópico indicou que a sua morte fora causada pela ingestão de

cianureto de potássio, uma substância que intoxica a corrente sanguínea, acarretando

em uma morte rápida. Ramona Maneiro, uma das amigas de Ramón, foi presa dias

após a sua morte, sendo a principal suspeita do crime, contudo, o processo acabou

sendo arquivado por ausência de provas concretas de sua participação. Sete anos

depois do ocorrido, quando o crime já estava prescrito, Ramona confessou ter

contribuído com o suicídio de Ramón, tendo-lhe facilitado o acesso a substância que

causou a sua morte.

Outro caso que esteve em evidência recentemente, foi o da norte-americana

Brittany Maynard, que planejou o seu suicídio assistido após descobrir que sofria de

um câncer incurável e agressivo no cérebro. Ao ter conhecimento da doença, Brittany

e seu esposo se mudaram da Califórnia para o Oregon, nos Estados Unidos, onde

esta prática era legalmente permitida. No dia 1º de novembro de 2014, Brittany

praticou o suicídio assistido, ingerindo 150ml de um líquido que combinava uma série

de sedativos e depressores do sistema respiratório. Segundo Daniel, esposo de

Brittany, ela decidiu pôr fim a sua vida, antes que o câncer afetasse de maneira

irremediável as suas faculdades mentais. (RAMOS, 2015).

O suicídio assistido ou auxílio ao suicídio, é considerado crime na legislação

penal brasileira, sendo que quem incorre na sua prática é incurso nas penas previstas

no artigo 122 do Código Penal:

Art. 122. Induzir ou instigar alguém a suicidar-se ou prestar-lhe auxílio para que o faça. Pena – reclusão, de dois a seis anos, se o suicídio se consuma; ou reclusão, de um a três anos, se da tentativa de suicídio assistido resulta lesão corporal de natureza grave. (BRASIL, 1940).

Muito embora, seja a própria vítima quem provoca, por atos próprios, a sua

morte, ela recebe auxílio de um terceiro que lhe fornece os meios para a prática de tal

conduta. Conforme o entendimento de Roxana Cardoso Brasileiro Borges (2001, p.

23

292), no suicídio assistido “ocorre a participação material de alguém que ajuda a vítima

a se matar oferecendo-lhe meios idôneos para tal”.

24

3 ORTOTANÁSIA E O DIREITO

3.1 A ORTOTANÁSIA NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

3.1.1 Constituição Federal

3.1.1.1 Direito à Vida

O direito à vida está contemplado no artigo 5º, caput, da Constituição Federal

do Brasil de 1988:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade [...] (BRASIL, 1988).

Este direito é consagrado como uma garantia fundamental e considerado como

fonte primária de todos os demais bens jurídicos tutelados, afinal sem vida, não há

que se falar em outras garantias.

Neste sentido de primazia, Luciano de Freitas Santoro expõe que:

A vida é o mais importante bem do ser humano. Sem a vida não há nada. Não há liberdades. Não há propriedade. Não há felicidade. A fórmula é simples: o início da vida é o início da vida; o fim da vida é o fim da vida. A vida é portanto, tudo. A vida humana condiciona todos os demais direitos da personalidade, como a liberdade, a igualdade, a segurança e a propriedade. (SANTORO, 2012, p. 27).

Francesco Palazzo (1989, p. 84-85) atribui a necessidade deste direito ser

garantido na Constituição, por ser esta “o instrumento capaz de oferecer um catálogo

de bens merecedores de tutela e de também estabelecer uma hierarquia de valores”.

No âmbito internacional, o direito à vida também é garantido nas convenções e

nas Cartas Políticas de diversos países. Conforme demonstrado por Luciano de

Freitas Santoro (2012, p. 27-28), o artigo 3º da Declaração Universal dos Direitos

Humanos, de 1948, estabelece que: “todo homem tem direito à vida, à liberdade e à

segurança pessoal”. O Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, de 1966, prevê

em seu artigo 6.1: “o direito à vida é inerente à pessoa humana. Esse direito deverá

ser protegido pela lei. Ninguém poderá ser arbitrariamente privado de sua vida”. A

25

Convenção Americana sobre os Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa

Rica), de 1969, ratificada pelo Brasil em 1992, consagra em seu artigo 4º, inciso I:

“toda pessoa tem o direito de que se respeite sua vida”.

O direito à vida possui especial importância para o ordenamento jurídico

brasileiro, além de receber proteção constitucional, é também tutelado pelo direito

penal, direito civil e direito ambiental. (SANTORO, 2012, p. 31).

3.1.1.2 Direito à Liberdade

Assim como o direito à vida, o direito à liberdade também está consagrado na

Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, caput, e em seu inciso II, que

estabelece, “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão

em virtude de lei. ”

O referido direito, também encontra proteção no artigo 3º da Declaração

Universal dos Direitos Humanos, em que “todo ser humano tem direito à vida, à

liberdade e à segurança pessoal”.

Para o constitucionalista José Afonso da Silva, é por intermédio da liberdade

que:

[...] o homem dispõe da mais ampla possibilidade de coordenar os meios necessários à realização de sua felicidade pessoal. Quanto mais o processo de democratização avança, mais o homem se vai libertando dos obstáculos que o constrangem, mais liberdade conquista. (SILVA, 2009, p. 234).

Sob este ponto de vista, Ronald Dworkin, estabelece que:

A concepção de autonomia centrada na integridade não pressupõe que as pessoas competentes tenham valores coerentes, ou que façam as melhores escolhas, ou que sempre levem vidas estruturadas e reflexivas. [...] A autonomia estimula a capacidade geral das pessoas de conduzir suas vidas de acordo com uma concepção individual de seu próprio caráter, uma percepção do que é importante para elas. (DWORKIN, 2009, p. 319).

Desta maneira, ter liberdade, é ter autonomia para se fazer ou decidir o que

quiser, desde que não encontre restrições legais para tanto.

26

3.1.1.3 Dignidade da Pessoa Humana

A dignidade da pessoa humana, é, indubitavelmente, o fundamento basilar de

um Estado Democrático de Direito.

Conforme os ensinamentos de Luís Roberto Barroso (2010), a dignidade da

pessoa humana tem sua origem na Bíblia Sagrada, quando mencionado que o homem

é feito à imagem e semelhança de Deus. Portanto sob uma acepção religiosa, o

homem estaria ligado a uma divindade suprema. Com o Iluminismo, a dignidade passa

a ter uma acepção filosófica, respaldada na razão, na capacidade de valoração moral

e autodeterminação do indivíduo. No decorrer do século XX, a dignidade da pessoa

humana passa a ser um fim a ser buscado pelo Estado e pela sociedade, se tornando,

deste modo, um objetivo político.

Com as atrocidades cometidas contra a humanidade na 2ª Guerra Mundial

(1939-1945), a dignidade da pessoa humana assumiu um papel de extrema

importância na sociedade, integrando aos poucos o mundo jurídico. Primeiramente

devido ao movimento pós-positivista que reaproximou o Direito e a Ética. E

secundariamente, pela inserção destes princípios em instrumentos internacionais e

nas Constituições dos Estados Democráticos de Direito. (SARLET, 2006, p. 236).

No ordenamento jurídico pátrio, o princípio da dignidade da pessoa humana,

está garantido no artigo 1º, inciso III da Constituição Federal:

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: [...] III - a dignidade da pessoa humana; (BRASIL, 1988).

Ingo Sarlet conceitua a dignidade da pessoa humana como:

[...] a qualidade intrínseca e distintiva reconhecida em cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que asseguram a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável [sic] nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos. (SARLET, 2006, p. 236-237).

27

Alguns doutrinadores, reconhecem o princípio da dignidade humana como o

mais fundamental dos princípios, pois ele é o orientador e limitador das legislações

dos Estados, sendo, portanto, considerado um verdadeiro paradigma e referencial

ético. Deste modo, todas as normas devem respeitar a dignidade da pessoa humana,

sob pena de sofrer declaração de inconstitucionalidade, em uma eventual violação.

(SANTORO, 2012, p. 63-64).

3.1.2 Código Penal

Atualmente, não há previsão de um tipo penal específico para a ortotanásia no

Código Penal em vigência.

Alguns doutrinadores penalistas entendem que é possível enquadrar a conduta

do agente que pratica a ortotanásia na omissão de socorro (artigo 135 do Código

Penal), ou até mesmo no homicídio privilegiado (artigo 121, § 1º do Código Penal):

Art. 121. Matar alguém: Pena - reclusão, de seis a vinte anos. Caso de diminuição de pena § 1º Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral, ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, o juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço. (BRASIL, 1940). Art. 135. Deixar de prestar assistência, quando possível fazê-lo sem risco pessoal, à criança abandonada ou extraviada, ou à pessoa inválida ou ferida, ao desamparo ou em grave e iminente perigo; ou não pedir, nesses casos, o socorro da autoridade pública: Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa. Parágrafo único - A pena é aumentada de metade, se da omissão resulta lesão corporal de natureza grave, e triplicada, se resulta a morte. (BRASIL, 1940).

No entanto, como Nereu José Giacomolli (2010) explica, não se deve permitir

na lei penal uma interpretação extensiva, ampliando o seu sentido ou seu alcance,

quando esta é omissa ou obscura, ou até mesmo permitir uma interpretação

analógica, utilizando-se de um tipo semelhante para suprir a sua ausência.

Neste sentido, destaca Guilherme de Souza Nucci (2009, p. 59), respaldado no

princípio da legalidade que: “os tipos penais incriminadores somente podem ser

criados por lei em sentido estrito, emanado do Legislativo, de acordo com o processo

previsto na Constituição Federal”.

28

Ainda sob a égide do princípio da legalidade, cominado com o princípio da

anterioridade e retroatividade da lei, o próprio artigo 1º do Código Penal (1940),

estabelece que: “Art. 1º. Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem

prévia cominação legal”.

Deste modo, como a lei penal não prevê a ortotanásia como crime, não pode o

magistrado se valer de uma interpretação analógica e extensiva de outros tipos

penais, para o agente praticante da ortotanásia, simplesmente por haver

incompatibilidade de conduta. (GIACOMOLLI, 2010).

Para que a ortotanásia se enquadre nos tipos penais anteriormente citados,

teria que ter do agente (profissional médico) uma conduta dolosa, na qual, ele tivesse

a vontade livre e consciente de querer tirar a vida do paciente, ou até mesma culposa,

na qual, por imprudência, negligência ou imperícia ele deixasse de observar um dever

de cuidado, que resultasse na morte do paciente. (SANTORO, 2012, p. 142).

Nem mesmo há que se falar em omissão de socorro, previsto no artigo 135 do

Código Penal, pois na ortotanásia a morte é natural, decorrente da patologia que

acomete o enfermo, e não por uma conduta médica omissiva, pois não se busca aqui

abreviar a vida do paciente, mas sim evitar o prolongamento de seu martírio.

(CABETTE, 2013, p. 89-91).

Por fim, resta salientar que também não se aplica à ortotanásia o disposto no

artigo 13, § 2º do Código Penal, o chamado crime omissivo impróprio, pois aqui há o

dever de agir do omitente de fazer o possível para evitar que o omitido venha a sofrer

danos. O omitente, assume, portanto, a ‘posição de garante’ frente ao omitido.

(SANTORO, 2012, p. 147-149).

Art. 13. O resultado, de que depende a existência do crime, somente é imputável a quem lhe deu causa. Considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido. [...] § 2º. A omissão é penalmente relevante quando o omitente devia e podia agir para evitar o resultado. O dever de agir incumbe a quem: a) tenha por lei obrigação de cuidado, proteção ou vigilância; b) de outra forma, assumiu a responsabilidade de impedir o resultado; c) com seu comportamento anterior, criou o risco da ocorrência do resultado. (BRASIL, 1940).

Situação esta, que não se vislumbra na prática da ortotanásia, uma vez que,

“nesses crimes, o agente não tem simplesmente a obrigação de agir, mas a obrigação

de agir para evitar um resultado” o que não seria possível nos casos de um paciente

29

em estado terminal. (SANTORO, 2012, p. 153, apud CONDE, BITENCOURT, 2000,

p. 94).

3.1.3 Bioética

Proveniente dos vocábulos gregos bios: vida, e ethos: ética, a bioética surgiu

para tentar resolver os conflitos e controvérsias morais existentes no âmbito

interdisciplinar das ciências biológicas, e que são decorrentes dos avanços técnico-

científico que acarretaram mudanças no agir dos profissionais da saúde, no que diz

respeito a abordagem do ser humano, em especial, quando este se encontrar em

situação de vulnerabilidade. (MENEZES, 2015, p. 20-21)

De acordo com Luciano de Freitas Santoro (2012, p. 99), o primeiro conceito

de bioética foi promovido em 1971, por Van Rensselder Potter, no seu livro Bioethics:

a bridge to the future (Bioética: ponte para o futuro, em português), para quem a

bioética seria uma nova disciplina, capaz de permitir a participação do ser humano na

evolução biológica e na preservação da harmonia universal através do recurso às

ciências biológicas melhorando a sua qualidade de vida.

Observa-se que neste embate entre os avanços da ciência e o imperativo

moral, a bioética surge com o intuito de preservar o ser humano em sua dignidade,

como afirma Maria Helena Diniz:

A bioética é personalista, por analisar o homem como pessoa como um ‘eu’, dando valor fundamental à vida e à dignidade humana, não admitindo qualquer intervenção no corpo humano que não redunde no bem da pessoa, que sempre será um fim, nunca um meio para a obtenção de outras finalidades. (DINIZ, 2010, p. 06, grifo do autor).

Não se pode deixar de reconhecer que a liberdade da atividade científica é um

direito fundamental, legitimado no artigo 5º, inciso IX da Constituição Federal (1988):

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...] IX - É livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença. (BRASIL, 1988).

30

No entanto, não se pode atentar contra a dignidade da pessoa humana, que é

fundamento basilar de um Estado Democrático de Direito, em nome dessa liberdade

científica. Por isso, havendo conflito entre estes dois direitos fundamentais, deve

prevalecer aquele que melhor corresponde ao conteúdo da dignidade. (SANTORO,

2012, p. 98).

Em consequência desta situação, surge um novo ramo da área jurídica,

denominado como biodireito:

Com isso, como o direito não pode furtar-se aos desafios levantados pela biomedicina, surge uma nova disciplina, o biodireito, estudo jurídico que, tomando por fontes imediatas a bioética e a biogenética, teria a vida por objeto principal, salientando que a verdade científica não poderá sobrepor-se à ética e ao direito, assim como o progresso científico não poderá acobertar crimes contra a dignidade humana, nem traçar, sem limites jurídicos, os destinos da humanidade. (DINIZ, 2010, p. 07-08).

O biodireito tem por finalidade regular as condutas dos homens face aos

avanços científicos e tecnológicos das ciências médicas e biológicas, buscando

preservar a dignidade da pessoa humana. Este ramo do direito não se confunde com

a bioética em si, mas lhe usa como fonte imediata de estudo.

3.1.3.1 Princípios da Bioética

Débora Diniz e Dirce Guilhem (2002, p. 10-11) afirmam que a primeira tentativa

bem sucedida de se instrumentalizar os dilemas relacionados às opções morais das

pessoas no campo da saúde e da doença, foi a obra Principles of Biomedical Ethics

(Princípios da Ética Biomédica, em português) escrita pelo filósofo Tom Beauchamps

e pelo teólogo James Childress, em 1979. Nesta obra, os autores defendem que os

conflitos morais poderiam ser resolvidos, através dos chamados princípios éticos. À

esta teoria, é dado o nome de teoria principialista, pois ela se funda em quatro

princípios, considerados até hoje, como parâmetros para as diretrizes da bioética: o

princípio da autonomia (o chamado respeito às pessoas); o princípio da beneficência;

o princípio da não maleficência; e o princípio da justiça.

3.1.3.1.1 Princípio da Autonomia

31

O princípio da autonomia corresponde à liberdade individual, isto é, relaciona-

se com a capacidade de decisão que cada indivíduo tem de saber o que é melhor para

si.

Na área da saúde, conforme expõe Luciano de Freitas Santoro (2012, p. 101),

a autonomia permite ao paciente, a escolha do médico e da adoção da medida

terapêutica, de acordo com as suas próprias convicções, após ter recebido e

compreendido as informações necessárias para a manifestação de sua vontade.

O novo Código de Ética Médica (2009), determina como direito do médico

indicar ao paciente o tratamento adequado, contudo deve garantir à ele o exercício de

decidir livremente sobre sua pessoa ou seu bem estar, e não deve desrespeitar o seu

direito de decidir livremente sobre a execução de práticas diagnósticas ou

terapêuticas, salvo em caso de iminente risco de morte. Também é estabelecido, que

o médico tem o dever de informar ao seu paciente o diagnóstico, o prognóstico, os

riscos e os objetivos do tratamento, salvo quando a comunicação direta possa lhe

causar dano, quando então deve ser informado o seu representante legal.

(SANTORO, 2012, p. 101-102).

Neste sentido, Letícia Ludwig Möller esclarece que:

A atitude paternalista do médico (seja frente ao fim da vida, seja em outras situações), tida como inquestionável durante tantos séculos, vem sendo posta em xeque hodiernamente, graças a uma crescente preocupação ética por parte dos próprios profissionais da saúde e também de estudiosos de áreas diversas como a filosofia e o direito, de grupos políticos e religiosos da sociedade de um modo geral. Novos valores (ou valores antigos com nova roupagem) ganham relevância, como o respeito à autonomia do paciente, capaz de estabelecer limites à atuação do médico, na forma de recusa a tratamentos ou intervenções, de decisão conjunta acerca dos rumos de uma terapia, de necessidade de obtenção do consentimento informado do paciente, enfim, na forma de uma relação médico-paciente de muito respeito e diálogo. (MÖLLER, 2007, p. 47).

O grande problema da aplicabilidade deste princípio bioético, conforme expõe

Renata Oliveira Almeida Menezes (2015, p. 40), persiste no tocante às pessoas

incapazes, isto é, pacientes que não possuem a capacidade de escolher ou de recusar

um tratamento. Beauchamp e Childress, (2002, p. 195-207), afirmam que nestas

situações, o hospital, um médico ou um membro da família pode, de forma justificada,

ser nomeado como representante deste incapaz. Os autores ainda defendem a

existência de três modelos gerais que podem ser utilizados:

32

a) modelo do julgamento substituto: o direito de decisão é reservado ao próprio

paciente, no entanto, face à sua incapacidade, outra pessoa deve decidir. A

aplicação deste modelo só é possível quando o paciente em questão já foi

dotado de capacidade e há uma relação de intimidade tão profunda entre o

paciente e a pessoa escolhida, ao ponto de que esta conheça bem a vontade

do doente;

b) modelo de autonomia pura: também pode ser aplicado quando o paciente já foi

dotado de capacidade; neste caso se deve respeitar as decisões autônomas

tomadas previamente ao seu estado de incapacidade;

c) modelo dos melhores interesses do paciente: nesta situação, a pessoa

escolhida para tomar as decisões, deve escolher, dentre as opções possíveis,

a que melhor beneficiar o doente, respaldando esta escolha na hipótese que

fornece menos riscos ao doente e lhe preserva a qualidade de vida.

O princípio da autonomia é fundado na dignidade da pessoa humana e no

poder de decisão individual de cada pessoa, assim sendo, nos casos em que o

paciente for considerado incapaz, pode-se observar os modelos supracitados, de

modo que, se os motivos da incapacidade, sobrevierem à escolha prévia,

preferencialmente documentada, deve-se considerar o modelo de autonomia pura. Se

há alguém, com quem o doente possua um forte vínculo afetivo, pode-se aplicar o

modelo do julgamento substituto. Porém, se estivermos diante de uma incapacidade

repentina, o modelo de maior viabilidade é o que protege os melhores interesses do

doente. (MENEZES, 2015, p. 41).

3.1.3.1.2 Princípio da Beneficência

De acordo com Luciano de Freitas Santoro (2012, p. 102), a palavra

beneficência deriva do latim bonum facere, que significa, “fazer o bem”. Este princípio

tem origem no juramento de Hipócrates, denominado como o “pai da medicina”, que

se comprometia a aplicar os regimes para o bem do doente, sem agir para causar

danos ou a morte.

O princípio da beneficência consubstancia-se no dever agir do médico em prol

do bem-estar dos pacientes, maximizando os benefícios e diminuindo os prováveis

prejuízos.

33

Está previsto no capítulo I, incisos II e VI do Código de Ética Médica:

Capítulo I PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS [...] II. O alvo de toda a atenção do médico, é a saúde do ser humano, em benefício a qual deverá agir com o máximo de zelo e o melhor de sua capacidade profissional. [...] VI. O médico guardará absoluto respeito pelo ser humano e atuará sempre em seu benefício. Jamais utilizará seus conhecimentos para causar sofrimento físico ou moral, para o extermínio do ser humano ou para permitir e acobertar tentativa contra sua dignidade e integridade. (CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA, 2009).

3.1.3.1.3 Princípio da Não Maleficência

A palavra maleficência, advém do latim, primum no nocere, em significado

literal, “primeiro não prejudicar”.

Este princípio, conforme Luciano de Freitas Santoro (2012, p. 103), determina

que o médico não deve submeter um paciente, propositadamente, a um dano, e que

também não pode o expor a nenhum risco desnecessário através de atitudes

invasivas e inoportunas, sem que haja a ele qualquer benefício.

Cabe ressaltar, que o princípio da maleficência não se confunde com o da

beneficência, uma vez que, este se refere a obrigação ética do médico em maximizar

o benefício e minimizar o prejuízo, enquanto que aquele, objetiva reduzir os efeitos

adversos ou indesejáveis das condutas diagnósticas ou terapêuticas no paciente.

Neste sentido, é oportuno destacar o seguinte esclarecimento:

Observe-se aqui a sutil distinção entre ‘fazer o bem’ e ‘não fazer o mal’; afinal, no quotidiano da vivência médica, pode ocorrer que em dado momento no curso da patologia, não seja mais possível oferecer qualquer tratamento benéfico ao paciente, nada mais havendo no arsenal médico que o conduza ao restabelecimento da saúde, restando, então, ao menos, não lhe fazer mal, não lhe agravando os sofrimentos mediante o uso exagerado e desnecessário de recursos tecnológicos. Combate-se, com isso, a obstinação terapêutica e a distanásia, em que o médico, conhecendo a inutilidade da adoção de certa medida, insiste em aplicá-la, gerando, assim, mais dores do que vantagens. (SANTORO, 2015, p. 104 apud VILLAS-BÔAS, 2005, p. 118).

Em razão do princípio da não maleficência, o médico deve evitar qualquer

intervenção que tenha por finalidade única prolongar a vida do paciente. Deverá atuar

em consenso com o princípio da beneficência, viabilizando os cuidados paliativos,

34

para aliviar a dor e o sofrimento do paciente em estado terminal. (SANTORO, 2012,

p. 105).

3.1.3.1.4 Princípio da Justiça

O princípio da justiça estabelece como requisito primordial a equidade. É o que

dispõe o artigo 10 da Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos:

Art. 10. Igualdade, Justiça e Equidade A igualdade fundamental entre todos os seres humanos em termos de dignidade e de direitos deve ser respeitada de modo que todos sejam tratados de forma justa e equitativa. (UNESCO, 2005).

Neste contexto:

É muito oportuno entender, em bioética, a justiça como cuidado e proteção às pessoas enfraquecidas em sua capacidade física e decisional [sic]; é fazer justiça (tratar cuidadosamente) às pessoas concretas em situação biológica e psíquica debilitada”. (PEGORARO, 2006, p. 56).

Com base neste princípio, o médico tem o dever de atuar com imparcialidade

e de forma equitativa, evitando que os aspectos sociais, culturais, religiosos ou

financeiros interfiram na sua relação com o paciente. (MENEZES, 2015, p. 45).

3.1.3.2 Resolução 1.805/2006 do Conselho Federal de Medicina

Respaldado no princípio fundamental da dignidade da pessoa humana,

consagrado no artigo 1º, inciso III da Constituição Federal (1988), e com base no artigo

5º, inciso III do mesmo diploma legal, que dispõe: “ninguém será submetido a tortura

nem a tratamento desumano ou degradante”, o Conselho Federal de Medicina (CFM),

editou a Resolução 1.805, publicada no Diário Oficial da União em 28 de novembro

de 2006, que trata sobre a prática da ortotanásia, com o objetivo de regulamentar este

instituto, dando aos médicos orientações éticas de como se comportar frente à um

paciente em estado terminal.

O preâmbulo da mencionada Resolução expõe de forma clara, que ao médico,

no atributo das suas funções, é permitido a prática da ortotanásia, desde que se

respeite o princípio da autonomia do paciente ou de seu representante:

35

Na fase terminal de enfermidades graves e incuráveis é permitido ao médico limitar ou suspender procedimentos e tratamentos que prolonguem a vida do doente, garantindo-lhe os cuidados necessários para aliviar os sintomas que levam ao sofrimento, na perspectiva de uma assistência integral, respeitada a vontade do paciente ou de seu representante legal. (CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA, 2006).

Ainda, de acordo com esta Resolução, o médico tem o dever de prezar pelo

consentimento informado do paciente e de lhe prestar os cuidados denominados

paliativos no sentido de aliviar os sintomas que lhe causam sofrimento, além de

assegurar ao paciente o direito em obter uma segunda opinião médica.

Art. 1º É permitido ao médico limitar ou suspender procedimentos e tratamentos que prolonguem a vida do doente em fase terminal, de enfermidade grave e incurável, respeitada a vontade da pessoa ou de seu representante legal. § 1º O médico tem a obrigação de esclarecer ao doente ou a seu representante legal as modalidades terapêuticas adequadas para cada situação. § 2º A decisão referida no caput deve ser fundamentada e registrada no prontuário. § 3º É assegurado ao doente ou a seu representante legal o direito de solicitar uma segunda opinião médica. Art. 2º O doente continuará a receber todos os cuidados necessários para aliviar os sintomas que levam ao sofrimento, assegurada a assistência integral, o conforto físico, psíquico, social e espiritual, inclusive assegurando-lhe o direito da alta hospitalar. (CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA, 2006).

Tendo vista, o seu conteúdo polêmico, a referida Resolução foi objeto de ação

civil pública, com pedido de liminar (nº 2007.34.00.014809-3), ajuizada pelo Ministério

Público Federal, representado pelo Procurador dos Direitos do Cidadão, Wellington

Marques de Oliveira.

O Ministério Público arguiu que o Conselho Federal de Medicina não tinha

competência para regulamentar assuntos relacionados à indisponibilidade do direito à

vida, matéria de competência exclusiva do Congresso Nacional, e que a aprovação

de tal instituto estimularia os médicos a praticar o homicídio. (MENEZES, 2015, p. 88).

Através desta ação, o Ministério Público Federal pleiteou a revogação imediata

da Resolução ou, alternativamente, a sua alteração de forma a contemplar todas as

possibilidades terapêuticas e sociais envolvidas, definindo critérios objetivos e

subjetivos para a prática da ortotanásia, incluindo, obrigatoriamente, uma equipe

multidisciplinar para a avaliação do caso, em seus aspectos médicos, psicológicos,

psiquiátricos, econômicos, sociais, etc., e que após o parecer favorável desta equipe,

36

os médicos fossem obrigados a comunicar e a submeter previamente cada pedido de

paciente ou seu representante legal, bem como os diagnósticos médicos à apreciação

do Ministério Público e do Poder Judiciário. (MENEZES, 2015, p. 89).

A ação obteve êxito em sede liminar, tendo o magistrado Roberto Luis Luchi

Demo, da 14ª Vara da Justiça Federal, optado por suspender os efeitos da resolução,

por ter compreendido, a priori, que a prática da ortotanásia, ‘parecia caracterizar o

comportamento do crime de homicídio’, tipificado no artigo 121, do Código Penal

vigente, além de acatar os argumentos do Ministério Público, no sentido de que, a

interpretação da ortotanásia não poderia ser feita por intermédio de uma Resolução

aprovada pelo Conselho Federal de Medicina, mas sim, através de lei aprovada pelo

parlamento. (MENEZES, 2015, p. 89).

Conforme destaca Renata Oliveira Almeida Menezes (2015, p. 90), em 2007, a

procuradora Luciana Loureiro Oliveira, que sucedeu o procurador Wellington, revisou

a ação e passou a defender a legalidade do procedimento, consubstanciada no

princípio constitucional da independência funcional, através do qual, cada procurador

pode agir no processo da maneira que melhor atender. A procuradoria após revisar a

inicial, retificou em sua manifestação, que o Conselho Federal de Medicina tinha sim

competência para editar a Resolução, pois esta não se trata de direito penal, mas sim

de ética nas condutas médicas; arguiu que sob a égide da Constituição Federal e do

Código Penal, a prática da ortotanásia não constitui crime de homicídio; afirmou ainda,

que a referida Resolução não trouxe modificações ao cotidiano do profissional médico

que lida com pacientes terminais, não havendo, portanto, que se falar em efeitos

danosos, mas sim de repercussões benéficas, já que o referido instrumento incentiva

os médicos a descrever com clareza os procedimentos que adotam e os que deixam

de adotar, permitindo transparência e possibilitando maior controle das atividades

médicas. Por fim, concluiu pela improcedência da ação proposta pelo próprio

Ministério Público Federal, e pela consequente revogação da liminar deferida.

Em 2010, o magistrado Roberto Luis Luchi Demo proferiu sentença, julgando

improcedente o pedido inicial requerido pelo Ministério Público, e revogando a liminar

concedida anteriormente. Como fundamento da sua decisão, o juiz se baseou nas

alegações finais defendidas pelo Ministério Público Federal e em outros pareceres

favoráveis à ortotanásia, bem como a tese de defesa proposta pelo próprio Conselho

Federal de Medicina:

37

Sobre muito refletir a propósito do tema veiculado nesta ação civil pública, chego à convicção de que a Resolução CFM n. 1.805/2006, que regulamenta a possibilidade de o médico limitar ou suspender procedimentos e tratamentos que prolonguem a vida do doente na fase terminal de enfermidades graves e incuráveis, realmente não ofende o ordenamento jurídico posto. Alinho-me, pois, à tese defendida pelo Conselho Federal de Medicina em todo o processo e pelo Ministério Público Federal nas suas alegações finais, haja vista que traduz, na perspectiva da resolução questionada, a interpretação mais adequada do Direito em face do atual estado de arte da medicina. (ACP Nº, 2007.34.00.014809-3. Juiz Federal Roberto Luis Luchi Demo. Decisão em 06 dez. 2010).

Deste modo, o reconhecimento da ortotanásia, através da resolução CFM nº

1.805/2006, representou um avanço entre o judiciário e a medicina, quebrando antigas

concepções equivocadas acerca desta temática em prol da tutela da dignidade da

pessoa humana.

3.1.3.3 Resolução 1.931/2009 Do Conselho Federal De Medicina – Novo Código de

Ética Médica

Em 13 de abril de 2010 entrou em vigor o novo Código de Ética Médica,

revogando o anterior, cuja vigência durou mais de vinte anos.

De acordo com Roberto Luiz D’Ávila (2010), à época presidente do Conselho

Federal de Medicina e Coordenador da Comissão Nacional de Revisão do Código de

Ética Médica, o novo código representa a introdução da Medicina brasileira no século

XXI, contribuindo para que ela continue a avançar juntamente com a justiça e a ética.

Em suas próprias palavras:

Buscou-se um Código justo, pois a medicina deve equilibrar-se entre estar a serviço do paciente, da saúde pública e do bem-estar da sociedade O imperativo é a harmonização entre os princípios das autonomias do médico e do paciente. Permeando o novo Código, esse é o contrato tácito e implícito de todo ato médico. (D’ÁVILA, 2010).

Muito embora a prática da ortotanásia não esteja prevista, de forma expressa,

no mencionado código, pode-se observar que no capítulo I e no capítulo V, há a

orientação de que o médico deverá evitar procedimentos desnecessários que

prolonguem o sofrimento do paciente.

Capítulo I PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS [...]

38

XXII. Nas situações clínicas irreversíveis e terminais, o médico evitará a realização de procedimentos diagnósticos e terapêuticos desnecessários e propiciará aos pacientes sob sua atenção todos os cuidados paliativos apropriados. [...] Capítulo V RELAÇÃO COM PACIENTES E FAMILIARES É vedado ao médico: [...] Art. 41. Abreviar a vida do paciente, ainda que a pedido deste ou de seu representante legal. Parágrafo único. Nos casos de doença incurável e terminal, deve o médico oferecer todos os cuidados paliativos disponíveis sem empreender ações diagnósticas ou terapêuticas inúteis ou obstinada, levando sempre em consideração a vontade expressa do paciente ou, na sua impossibilidade, a de seu representante legal. (CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA, 2009).

Segundo Menezes (2015, p. 95), através dos referidos dispositivos é possível

identificar a consonância do novo código com os princípios fundamentais garantidos

no ordenamento jurídico brasileiro, “na medida em que tutela as liberdades individuais

dos pacientes vulneráveis devido às limitações de saúde, bem como resguarda a sua

dignidade no momento crucial de sua existência: o do processo de morte”.

Pode-se afirmar, então, que a tônica do novo código é uma relação médico-paciente mais humana. Ele dá ao doente voz ativa nas decisões sobre a própria saúde, sem priorizar a solução correta do ponto de vista técnico, em uma situação de emergência. (MENEZES, 2015, p. 95).

Desta maneira, o Código de Ética Médica valorizou substancialmente a garantia

constitucional da dignidade da pessoa humana e deu vez ao princípio da autonomia

da vontade, contribuindo para o exercício pleno da medicina, respaldando as condutas

médicas eticamente compatíveis.

3.1.3.4 Resolução 1.995/2012 Do Conselho Federal De Medicina

Em agosto de 2012, foi aprovada pelo Conselho Federal de Medicina, a

Resolução 1.995, com o objetivo de regulamentar as diretivas antecipadas do

paciente, resolvendo nos seguintes termos:

Art. 1º Definir diretivas antecipadas de vontade como o conjunto de desejos, prévia e expressamente manifestados pelo paciente, sobre cuidados e tratamento que quer, ou não, receber no momento em que estiver incapacitado de expressar, livre e autonomamente, sua vontade. Art. 2º Nas decisões sobre cuidados e tratamentos de pacientes que se encontram incapazes de comunicar-se, ou de expressar de maneira livre e

39

independente suas vontades, o médico levará em consideração suas diretivas antecipadas de vontade. § 1º Caso o paciente tenha designado um representante para tal fim, suas informações serão levadas em consideração pelo médico. § 2º O médico deixará de levar em consideração as diretivas antecipadas de vontade do paciente ou representante que, em sua análise, estiverem em desacordo com os preceitos ditados pelo Código de Ética Médica. § 3º As diretivas antecipadas do paciente prevalecerão sobre qualquer outro parecer não médico, inclusive sobre os desejos dos familiares. § 4º O médico registrará, no prontuário, as diretivas antecipadas de vontade que lhes foram diretamente comunicadas pelo paciente. § 5º Não sendo conhecidas as diretivas antecipadas de vontade do paciente, nem havendo representante designado, familiares disponíveis ou falta de consenso entre estes, o médico recorrerá ao Comitê de Bioética da instituição, caso exista, ou, na falta deste, à Comissão de Ética Médica do hospital ou ao Conselho Regional e Federal de Medicina para fundamentar sua decisão sobre conflitos éticos, quando entender esta medida necessária e conveniente. Art. 3º Esta resolução entra em vigor na data de sua publicação. (CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA, 2012).

Nas situações em que o paciente não mais puder expressar o seu desejo, de

modo livre e independente, o médico deverá respeitar as suas diretrizes antecipadas

da vontade, salvo se estiverem em desacordo com o disposto no Código de Ética

Médica.

Assim como a Resolução 1.805/2006, a validade da Resolução 1.995/2012

também foi questionada através de ação civil pública (nº 1039-86.2013.4.01.3500),

com pedido de tutela antecipada, ajuizada pelo Ministério Público Federal.

O pedido da tutela antecipada foi denegado em 2013 pelo juiz Federal Jesus

Crisóstomo de Almeida, e em fevereiro de 2014, o juiz Federal substituto Eduardo

Pereira da Silva proferiu sentença julgando improcedente os pedidos requeridos pelo

Ministério Público Federal. O magistrado esclareceu em sua decisão, que a Resolução

trata de diretivas para qualquer paciente que venha a ficar incapacitado de expressar

a sua vontade, e não apenas para os casos de ortotanásia, como o Ministério Público

havia sugerido na inicial. Entendeu também, que o Conselho Federal de Medicina não

extrapolou os poderes normativos conferidos pela Lei 3.268/57, tendo vista que a

resolução apenas regulamenta a conduta médica frente ao paciente e o desejo deste

de se submeter ou não a medidas terapêuticas. (DADALTO, 2013, p. 107).

Com a Resolução 1995/2012, o Conselho Federal de Medicina objetivou

consagrar o direito do paciente à sua manifestação prévia de vontade, como forma de

assegurar o respeito ao princípio da dignidade da pessoa humana e o princípio da

autonomia. (DADALTO, 2013, p. 109).

40

3.1.4 Proposições Legislativas

Conforme já mencionado, não há atualmente no Brasil, legislação específica

que regule a prática da ortotanásia. No entanto, frente aos inúmeros avanços da

medicina é imprescindível a adequação das leis brasileiras às novidades no campo

da bioética.

Existem alguns Projetos de Lei que estão em trâmite no Congresso Nacional

desde o ano de 2008, e que serão analisados individualmente a seguir.

3.1.4.1 Projeto de Lei 3.002/2008

O Projeto de Lei 3.002/2008, apresentado pelos Deputados Hugo Leal e Otávio

Leite, foi criado com o objetivo de regulamentar a prática da ortotanásia após a

suspensão da Resolução 1.805/2006 do Conselho Federal de Medicina.

A propositura do referido projeto, foi justificado pelos autores nos seguintes

termos:

O problema da terminalidade da vida angustia os profissionais de saúde, especialmente os médicos. O avanço científico e tecnológico no campo da assistência à saúde, que possibilita a manutenção artificial da vida por meio de equipamentos ou tratamentos extremos, gera situações éticas e filosóficas novas, que demandam regulamentação própria e específica. Torna-se imprescindível, portanto, estabelecer limites razoáveis para a intervenção humana no processo do morrer. O prolongamento indefinido da vida, ainda que possível, nem sempre será desejável. É factível manter as funções vitais em funcionamento mesmo em casos de precariedade extrema; por vezes, inclusive no estado vegetativo. Todavia, em muitos casos, esse sofrimento e essa agonia são desumanos, indignos e atentam contra a própria natureza do ciclo da vida e da morte. (PROJETO DE LEI Nº 3.002/2008, p. 5).

O referido Projeto foi aprovado pelo parecer do Relator Deputado José Linhares

da Comissão de Seguridade Social e Família e apensando ao Projeto de Lei 6.715.

Atualmente ambos estão aguardando análise da Comissão de Constituição e Justiça

e de Cidadania.

3.1.4.2 Projeto de Lei 5.008/2009

41

O Projeto de Lei 5008/2009 foi proposto pelo Deputado Talmir com o escopo

de proibir a suspensão de cuidados de pacientes em estado vegetativo persistente.

Na justificativa, o deputado mencionou o caso da italiana Eluana Englaro, que

ficou em estado vegetativo por 17 anos e que teve sua morte causada pela interrupção

do fornecimento de alimentação e hidratação artificiais, após seu pai conseguir uma

autorização judicial para que os aparelhos que a mantinham viva, fossem desligados.

O caso teve imensa repercussão no mundo jurídico, e segundo o autor do

projeto, deve servir de exemplo para que tal situação não se repita.

Em suas palavras:

Com o objetivo de proibir terminantemente tal prática no Brasil, apresentamos proposição que de forma clara e inequívoca procura preservar a vida a e dignidade de todos, pois nunca sabemos se estaremos nessa situação futuramente. Adicionalmente, iguala a tentativa de proceder de forma equivalente ao caso da mulher italiana ao crime de maus-tratos, previsto no Código Penal Brasileiro. (PROJETO DE LEI Nº. 5.008, 2009, p. 2).

Resta evidente, que o mencionado projeto reprova a prática da eutanásia,

deixando claro o posicionamento do deputado pela preservação da vida e dignidade

humana, evitando maus-tratos aos pacientes em estado vegetativo, sendo silente no

que diz respeito à prática da ortotanásia. No entanto, após ser apreciado pela

Comissão de Seguridade Social e Família, foi proposto que o projeto fosse apensado

ao Projeto de Lei 3.002/2008, que como visto anteriormente, pretende a

regulamentação da ortotanásia no Brasil.

3.1.4.3 Projeto de Lei 6.544/2009

O Projeto de Lei 6.544/2009 também foi proposto pelo Deputado Talmir,

contudo, neste documento ele se posiciona a favor da prática da ortotanásia, dispondo

sobre cuidados devidos a pacientes que se encontrem em fase terminal de

enfermidade, deixando claro sua preocupação com o direito à morte digna de um

paciente terminal junto aos seus familiares:

De fato, não é preciso ser médico, mas tão-somente uma pessoa bem informada, que lê jornais, para saber que máquinas e drogas de última geração são capazes de manter um cidadão “vivo” por muito tempo, às vezes por anos, sem nenhuma perspectiva concreta de recuperação. Tais procedimentos apenas mantêm a perfusão sanguínea, a inflação dos pulmões, a filtração do sangue em substituição aos rins e o fornecimento de

42

substâncias essenciais de forma a impedir a falência total do organismo, mas sabe-se, pelo conhecimento disponível, que a situação é irreversível. Nesses casos, o indivíduo fica reduzido a uma condição de objeto e se impõe um sofrimento desnecessário ao doente, a seus familiares e amigos. [...] Procura-se, assim, preservar a dignidade do ser humano a uma morte digna e, se for do seu interesse ou de sua família, junto a seus entes queridos, no conforto do seu lar e não em meio a máquinas e ao agressivo ambiente hospitalar. (PROJETO DE LEI Nº 6.544, 2009, p.3-4).

Ademais, o deputado manteve seu posicionamento contra a prática da

eutanásia, diferenciando-a da ortotanásia:

Não é, contudo, aceitável a permissão da eutanásia. Tal prática distingue-se em tudo e por tudo do que se propõe neste Projeto. Não permissão ou previsão de uma atitude ativa para pôr fim à vida do paciente, mas única e exclusivamente para a retirada de procedimentos desproporcionais e extraordinários, conforme previsto. (PROJETO DE LEI Nº. 6.544, 2009, p. 3).

O projeto tramita em rito ordinário e foi apensado ao Projeto de Lei 3.002/2008,

que como visto anteriormente, pretende a regulamentação da ortotanásia no Brasil.

3.1.4.4 Projeto de Lei 6.715/2009

O Projeto de Lei 6.715/2009 foi proposto pelo Senador Gerson Camata com o

objetivo de alterar o Decreto-Lei nº 2.848 de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal

Brasileiro), regulamentando a prática da ortotanásia e permitindo ao doente terminal

o direito de optar pela suspensão dos tratamentos médicos que visam manter a vida

de maneira artificial.

O referido Projeto propõe incluir o artigo 136-A no Código Penal, passando a

vigorar com a seguinte redação:

Art. 136-A. Não constitui crime, no âmbito dos cuidados paliativos aplicados a paciente terminal, deixar de fazer uso de meios desproporcionais extraordinários, em situação de morte iminente e inevitável, desde que haja consentimento do paciente ou, em sua impossibilidade, do cônjuge, companheiro, ascendente, descendente ou irmão. § 1º A situação de morte iminente e inevitável deve ser previamente atestada por 2 (dois) médicos. § 2º A exclusão de ilicitude prevista neste artigo não se aplica em caso de omissão de uso dos meios terapêuticos ordinários e proporcionais devidos a paciente terminal. (PROJETO DE LEI Nº 6.715, 2009, p.2).

43

Observa-se que, o objetivo primordial deste projeto é regulamentar a prática da

ortotanásia, sem que ela ocorra de forma arbitrária e em excessos, devendo a situação

do doente terminal ser atestada por dois médicos (§ 1º). Destaca ainda, que na

impossibilidade do paciente se manifestar, essa escolha poderá ser feita pelo cônjuge,

descendente, ascendente ou irmão (caput). Além de prever que a exclusão de ilicitude

não engloba a suspensão de procedimentos terapêuticos que visam controlar a dor

dos pacientes terminais (§ 2º).

O Projeto também está apensado ao Projeto de Lei 3.002/2008, tramita em

regime de prioridade, já foi analisado pelas comissões de Seguridade Social e Família,

Constituição e Justiça e de Cidadania, e está sujeito à apreciação do plenário.

3.1.4.5 Projeto de Lei do Senado Federal nº 236/2012 – Novo Código Penal

Atualmente tramita no Congresso Nacional, o projeto de Lei 236/2012 que

objetiva reformular a legislação penal de 1940, de modo a adequar com as demandas

da sociedade atual, entre os muitos temas polêmicos que estão em discussão, está a

regulamentação da ortotanásia.

No parecer dado pela comissão temporária de estudo de reforma do Código

Penal, os parlamentares propuseram que a ortotanásia fosse inserida dentro do artigo

121 do mencionado diploma legal, que trata do crime de homicídio, com a inclusão de

dois parágrafos, a saber:

Art. 121. Matar alguém: [...] Ortotanásia § 6º No âmbito dos cuidados paliativos aplicados a pessoa em estado terminal ou com doença grave irreversível, não há crime quando o agente deixar de fazer uso de meios extraordinários, desde que haja consentimento da pessoa ou, em sua impossibilidade, do cônjuge, companheiro, ascendente, descendente ou irmão. § 7º A situação de morte iminente e inevitável ou de doença irreversível, no caso do parágrafo anterior, deve ser previamente atestada por dois médicos. (PROJETO DE LEI Nº 236/2012 – PARECER, 2013).

Cabe ressaltar que a descriminalização da ortotanásia ainda possui futuro

incerto no ordenamento jurídico brasileiro, tendo vista que o texto do referido Projeto

de Lei ainda poderá sofrer alterações.

44

4 ORTOTANÁSIA E O DIREITO À MORTE DIGNA

Segundo Ronald Dworkin (2009, p. 307): “levar alguém a morrer de uma

maneira que outros aprovam, mas que para ele representa uma terrível contradição

de sua própria vida é uma devastadora e odiosa forma de tirania”.

A morte, é o fim natural do que se conhece por processo de vida. Existem duas

interpretações no que diz respeito ao conceito de morte digna: a interpretação ética,

que sugere a opção do doente em receber o tratamento que achar melhor, mesmo

que este não seja o do prolongamento da vida; a interpretação constitucional, que

compreende a vida digna. O direito à morte digna, deve ser uma opção do paciente,

com consciência e informação, portanto cabe ao médico respeitar e adequar-se aos

devidos tratamentos. (CRUZ e OLIVEIRA 2013, p. 405-411).

Com o objetivo de regulamentar as condutas da relação médico paciente, o

biodireito traz a importância da comunicação entre os dois sujeitos desta relação, de

modo que, se preze sempre pela dignidade da pessoa humana e pela autonomia da

vontade do paciente.

4.1 RELAÇÃO MÉDICO PACIENTE

Com a expansão dos direitos humanos pela sociedade atual, em especial, o da

dignidade da pessoa humana, inerente a todo e qualquer indivíduo, é de grande

importância que a relação médico-paciente seja palpada no respeito, na transparência

e, principalmente, na confiança entre as partes.

4.1.1 Consentimento Informado e a Manifestação de Vontade

O consentimento informado, constitui o dever que o profissional médico tem de

informar ao paciente, de forma clara e em linguagem compatível, o seu diagnóstico e

os tratamentos disponíveis, explicando todos os riscos e benefícios, de modo que o

paciente possa, autonomamente, optar ou não por realizar este tratamento. Já o termo

de consentimento informado, consiste na instrumentalização escrita desta

comunicação entre o médico, detentor do conhecimento técnico, e o paciente.

(MENEZES, 2015, p. 88).

45

O consentimento informado, além de ser uma segurança para o médico, de que

ele repassou todas as informações necessárias, constitui também um direito

fundamental do paciente em participar de todo o processo terapêutico, que envolve a

sua integridade física e/ou psíquica.

O professor Joaquim Clotet, conceitua consentimento informado como:

[...] uma decisão voluntária, verbal ou escrita, protagonizada por uma pessoa autônoma e capaz, tomada após um processo informativo, para a aceitação de um tratamento específico ou experimentação, consciente de seus riscos, benefícios e possíveis consequências. (CLOTET, 2000, p. 11).

Acerca do dever de informar, como regra primordial na prática da medicina

atual, João Vaz Rodrigues, esclarece que:

Dos deveres de tratar, de agir segundo as legis artis, de organizar o processo clínico e de observar sigilo, na consecução do tratamento o médico deve respeitar o paciente, dever este que se desdobra nos de informar, confirmar o esclarecimento e obter o consentimento. (RODRIGUES, 2001, p. 23-24, grifo do autor).

Ressalta-se, que no consentimento informado, deve-se sempre respeitar a

autonomia da vontade na conduta do paciente, cabendo a ele, uma vez esclarecido

sobre o diagnóstico e tratamento, decidir de forma livre e autônoma sobre aceitar ou

não a terapia proposta.

Sobre a importância da manifestação de vontade do paciente na sua relação

com o médico, o professor Joaquim Clotet, explica:

O reconhecimento da autonomia da pessoa, paciente ou sujeito de experimentação, e a insistência em que ela seja respeitada, constituem, mas uma contribuição para o aperfeiçoamento da prática médica no país, no interesse do diálogo e respeito exercitados em nível de profissão e pela melhora do relacionamento médico-paciente baseado no princípio da justiça. (CLOTET, 2000, p. 51).

Ainda, nesta linha de raciocínio, os ensinamentos de Lívia Haygert Pithan:

A limitação médico-terapêutica respeita o princípio constitucional da dignidade humana na medida em que não deixa de haver prestação da assistência médica no final da vida, através da manutenção do dever de cuidado e oferta de terapias proporcionais, e respeito à autonomia do paciente, expressa pelo consentimento informado. (PITHAN, 2004, p. 77).

46

Deste modo, o profissional da medicina, não poderá submeter o paciente a

qualquer tratamento terapêutico ou cirúrgico, sem antes obter o seu consentimento ou

de sua família.

4.1.2 O Paciente Terminal e os Cuidados Paliativos

Definir um conceito específico para “paciente terminal” é algo de extrema

complexidade, tendo vista a infinidade de evoluções tecnológicas aplicadas à área da

saúde atualmente. De um modo geral e amplo, pode-se considerar como paciente

terminal, àquele que está acometido por uma grave doença, até então, denominada

como incurável pela medicina, e que apresenta alta probabilidade de morte em um

período de tempo, relativamente curto, decorrente de seu estágio avançado e

progressivo. (GUTIERREZ, 2001, p. 92).

Ainda, sob a perspectiva da Dra. Pilar L. Gutierrez (2001, p. 92), o paciente é

considerado “terminal” ante um contexto particular de possibilidades reais e de

posições pessoais, de seu profissional médico, de sua família, e de suas convicções

próprias. Deste modo, para definir um conceito de paciente terminal, é preciso ir além

da biologia, faz-se necessário envolver um processo cultural e subjetivo, ou seja,

humano.

Face à inexistência de recursos para a cura de uma doença, é preciso oferecer

ao paciente e a seus familiares, condutas que objetivem o alívio da dor e do

sofrimento. Estas condutas, são denominadas pela medicina como, cuidados

paliativos.

O termo paliativo, deriva do vocábulo latino pallium, que tem significado literal

de manto, coberto. A expressão cuidados paliativos, por sua vez, tem por essência

aliviar a dor e o sofrimento de pacientes que não podem mais ser ajudados pela

medicina curativa. Para alguns historiadores, a prática dos cuidados paliativos, surgiu

na era medieval, com os hospices (hospedagem, em português) em monastérios, nos

quais, abrigavam-se não só os doentes e os moribundos, mas também os pobres, os

leprosos, os órfãos e as mulheres em trabalho de parto. Este modelo de acolhimento

baseava-se muito mais na proteção dos indivíduos, objetivando proporcionar-lhes

alívio na dor e no sofrimento, do que na busca pela cura, propriamente dita.

(MENEZES, 2015, p. 79-80).

47

Já, o conceito moderno de cuidados paliativos, como uma filosofia humanitária

de cuidar de pacientes em estado terminal, conforme os ensinamentos de Maria

Helena Pereira Franco (2015), surgiu em meados do século XX, mais precisamente,

no ano de 1960, na Inglaterra, tendo como precursora Cecily Saunders, enfermeira,

assistente social e médica, que desenvolveu a filosofia paliativista para pacientes

terminais. Em 1967, Cecily fundou o Saint Christopher Hospice, sendo este, o primeiro

local a oferecer cuidados paliativos ao paciente terminal, desde o controle de

sintomas, até ao alívio da dor e do sofrimento psicológico. Cecily Saunders (1991), se

preocupou em explicar e delimitar que “cuidado paliativo não é uma alternativa de

tratamento, e sim uma parte complementar e vital de todo o acompanhamento do

paciente”.

Os cuidados paliativos foram definidos pela Organização Mundial da Saúde –

OMS, em 1990, e redefinidos em 2002, como sendo:

Uma abordagem que promove a qualidade de vida de pacientes e seus familiares, que enfrentam doenças que ameacem a continuidade da vida, através da prevenção e alívio do sofrimento. Requer a identificação precoce, avaliação e tratamento da dor e outros problemas de natureza física, psicossocial e espiritual (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE, 2002).

Em outras palavras, esta modalidade de cuidados consiste na ação de uma

equipe multidisciplinar, em que cada profissional reconhece o limite da sua atuação e

contribui para que o paciente, em fase terminal, tenha dignidade em sua morte.

No Brasil, a abordagem dos cuidados paliativos, é bem recente, tendo se

iniciado no ano de 1983 com o primeiro serviço no Rio Grande do Sul. Desde então,

tem crescido significativamente, com a consolidação dos serviços já existentes,

pioneiros e a criação de outros.

Em 1997, foi criada a Associação Brasileira de Cuidados Paliativos (ABCP),

composta por profissionais interessados no assunto e dispostos a divulgar esta

filosofia humanitária pelo Brasil.

Em 2005, foi criada a Academia Nacional de Cuidados Paliativos (ANCP) com

o objetivo de contribuir para o ensino, pesquisa e prática dos cuidados paliativos no

Brasil.

Apesar de todo esse avanço, ainda há no cenário nacional, um grande

desconhecimento e até mesmo um certo preconceito em otimizar esta prática, visto

que muitos, confundem este tipo de atendimento com o instituto da eutanásia.

48

5 CONCLUSÃO

O direito à morte digna tem sido um tema de bastante relevância no mundo

jurídico, isto porque os inúmeros avanços científicos e tecnológicos observados

atualmente nas ciências médicas e biológicas, resultaram em uma série de conflitos

de ordem ética e moral que envolvem o processo de morte.

Com o escopo de regular as condutas humanas face a estes avanços, e

solucionar os impasses por eles gerados, surgiu o biodireito, um novo ramo do âmbito

jurídico, fundamentado pelos princípios bioéticos, da autonomia, da beneficência, da

não-maleficência e da justiça que objetiva preservar a vida e a dignidade da pessoa

humana.

A dignidade humana é, indubitavelmente, o princípio basilar de um Estado

Democrático de Direito, pois é ele que garante aos cidadãos uma existência digna,

palpada pela liberdade e autonomia de fazer as suas próprias escolhas, sem a

interferência de qualquer outra pessoa ou até mesmo do Estado.

O direito à vida digna abrange também o direito do indivíduo morrer

dignamente, quando não houver mais na medicina expectativa de cura.

Foram abordados no presente estudo, alguns dos institutos que defendem o

direito à morte digna, como a eutanásia, o suicídio assistido e a ortotanásia, sendo

este último o objeto central deste trabalho.

Verificou-se que, a ortotanásia consiste na morte natural, em seu tempo certo,

sem encurtar ou prolongar a vida de um paciente que se encontra em fase final de

uma doença incurável. Traduzindo-se, portanto, como uma conduta do profissional

médico, que diante de uma morte iminente e inevitável, opta, em consonância com a

vontade do paciente, em suspender procedimentos terapêuticos ineficazes, que

apenas adiam a sua morte e prolongam o seu sofrimento.

Também foi demonstrada a importância de se garantir ao paciente terminal, os

cuidados básicos, denominados paliativos, de modo que seus sofrimentos físicos e/ou

psicológicos sejam amenizados e lhe seja proporcionado o máximo de conforto

possível durante este processo.

Importante salientar, que no ordenamento jurídico brasileiro não há previsão

legal específica que autorize ou proíba a ortotanásia. A sua prática se encontra

guarida tão somente nas Resoluções 1.805/2006 e 1.995/2012 ambas do Conselho

Federal de Medicina (CFM), no novo Código de Ética Médica que regula as práticas

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do profissional médico, e na Lei Estadual 10.241/1999 do Estado de São Paulo,

conhecida popularmente como Lei Mário Covas, e que dispõe sobre os direitos dos

usuários dos serviços e das ações de saúde no Estado.

Com o objetivo de suprimir esta ausência legislativa, tramitam no Congresso

Nacional várias proposições legislativas que pretendem adequar as leis brasileiras aos

avanços da bioética, regulando inclusive a prática da ortotanásia.

Por fim, a ortotanásia se traduz em um importante instrumento de defesa da

morte digna, não devendo ser considerada como uma conduta ilícita, pois o seu

objetivo é respeitar o princípio constitucional da dignidade humana e os princípios

bioéticos, em especial, o da autonomia da vontade do paciente doente.

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