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OS AUTORES

Maicon Custódio é pastor da Sexta Igreja Presbiteriana de Governador

Valadares-MG e Rômulo Barcellos é pastor da Primeira Igreja Presbite-

riana de Campo Grande em Cariacica-ES.

A SÉRIE

Esta série visa tornar mais conhecida a história, a teologia e a influência da

Reforma Protestante do século XVI até os dias atuais. Neste ano de 2017 a

Reforma completa 500 anos de seu alvorecer. Queremos olhar para nossa

herança reformada e promover transformações que nos levem cada vez mais

de volta àquilo que a igreja perdeu ao longo dos anos.

CONSELHOS PARA O PROFESSOR

Lecione de maneira criativa, utilize elementos que deixem cada aula com-

preensível e prática. Não permita que seus alunos saiam da sala

sem saber como vão utilizar o conteúdo adquirido na vida.

CONSELHOS PARA O ALUNO

Estude a lição durante a semana, leia os textos indicados, rabisque sua apos-

tila, pense além do texto escrito. Traga material de anotação para a sala de

aula. Quando estudar em casa sozinho, anote suas perguntas e traga para o

seu professor, extraia o máximo de cada lição. Não saia de sala sem

aplicar o conhecimento à sua vida, ou seja, saiba o que deve praticar a par-

tir do conhecimento adquirido.

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NESTA SÉRIE ESTUDAREMOS

1 História da Reforma - Parte 1- - - - - - - - - - - - - - - 04

2 História da Reforma - Parte 2- - - - - - - - - - - - - - - 09

3 Cosmovisão Reformada - - - - - - - - - - - - - - - - - - - 14

4 Reforma e Salvação - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - 19

5 Reforma e Missões - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - 25

6 Reforma e Trabalho - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - 32

7 Reforma e Educação - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - 38

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“Vocês hoje estão queimando um ganso, mas dentro de um século, encontrar-se-ão com um cisne. E

este cisne vocês não poderão queimar”. John Huss

INTRODUÇÃO

Estamos no século XIV, que era um período de caos total. A sociedade feudal estava decadente. O comércio e as cidades começaram a crescer e o movimento agríco-la começou a aumentar. Todavia, essa ascensão econômica parou com a famigerada Peste Negra. Esta terrível doença matou metade da população europeia. Todos diziam que a Peste Negra trouxe o inferno para a terra. As pessoas viviam para enterrar seus mortos. Logo, a produção de alimentos e o comércio caíram e a fome começou a to-mar conta da Europa.

O que se esperava da Igreja, naquele contexto, era uma palavra de consolo que levasse a população a ter esperança. Todavia, o sistema católico era inquisidor. Em pri-meiro lugar, a doutrina de que o Papa era o representante de Cristo na terra era basilar na inquisição. A partir daí, a palavra papal era lei e todos deveriam se submeter a essa autoridade. Todos, inclusive os reis, deveriam se dobrar ao Papa, que era o vigário de Cristo. Outro ponto interessante era a salvação, que era pregada pelos esforços pró-prios.

O perdão dos pecados era concedido pelo Papa e os lugares no céu eram cedi-dos, a partir de sacrifícios e quantias de dinheiro. Agora pense bem: num contexto de desemprego, fome, doença e morte iminente, a igreja tinha uma mensagem primária: “Assim diz o Papa, o representante de Deus na terra: Paguem pelos seus pecados para não passarem a vida eterna no inferno!”. A partir daí, alguns movimentos começam a surgir como reações.

WYCLIFF, HUSS E SAVONAROLA – AS ESTRELAS DA MANHÃ Essa expressão, “Estrela da Manhã, é utilizada para designar o planeta Vênus. Ele atinge seu brilho máximo algumas horas antes da alvorada ou depois do ocaso, sendo por isso conhecido como a estrela da manhã. Antes de Deus fazer sua luz brilhar na manhã da Reforma Protestante, ele mandou suas Estrelas D’alvas. John Wycliff (1330 - 1384), inglês, era professor universitário, em Oxford, a principal universidade da Eu-ropa naquele momento. Conhecido como “a joia de Oxford”, Wycliff começou a con-testar aquela situação. No que tange à autoridade, dizia que toda autoridade procede de Deus e que o Rei deveria se submeter a Deus e não ao Papa.

HISTÓRIA DA REFORMA - PARTE 1 1

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Wycliff ia além e dizia que inclusive o Papa estava debaixo da mesma direção do Rei, ou seja, ambos, e todos os homens, deveriam obedecer a Cristo. Para Wycliff, o Papa não era o cabeça da igreja, mas poderia, até mesmo, ser um líder es-piritual, mas que deveria se portar como tal. Caso contrário, ele seria um anticristo. Wycliff levanta a bandeira de que a autoridade não estava na igreja nem na tradição, mas nas Escrituras. Segundo ele, só as Escrituras poderiam guiar os cristãos. Então, cada cristão deveria ter uma Bíblia nas mãos. Por esta razão, Wycliff começa a valori-zar a pregação do Evangelho, afirmando ser esta mais importante que a missa e a ad-ministração dos sacramentos (batismo e ceia). Como um bom Agostiniano, Wycliff nega o sistema sacramental de salvação e é adepto às doutrinas da graça. Ele cria na eleição e na salvação pela graça de Deus. Os seguidores de Wycliff foram designados “Lolardos”. Dizia-se, na Inglaterra, que a cada dois homens, um era “Lolardo”. Para o Papa, Wycliff era um herege e ele foi exilado. No exílio, Wycliff traduziu a Bíblia (Vulgata Latina) para o inglês visando que cada cristão pudesse ter uma Bíblia. No exílio, 1382, o Concílio do Terremoto – porque houve um grande terremoto no meio da reunião, Wycliff foi condenado. Mesmo assim, morreu de morte natural em 1384. Depois de morto, em 1428, tentando acabar com sua influência, a Igreja Cató-lica mandou exumar e queimar seus ossos.

Outra Estrela Matutina é John Huss (1372 - 1415). Seguidor de Wycliff, nasci-do na Bohêmia – atual República Tcheca, tinha 12 anos quando Wycliff morreu. Mas, muitos estudantes de Oxford trouxeram livros da Inglaterra para a Bohêmia, que in-fluenciaram Huss. Estudou na Universidade de Praga e tornou-se professor da Uni-versidade. Por fim, tornou-se reitor da Universidade. Além disso, Huss era pastor da Capela de Belém, também, em Praga. Essa igreja havia sido construída por dois indi-víduos ricos para que a Palavra fosse pregada na língua do povo. Entre 1000 e 2000 pessoas se juntavam para ouvi-lo falando no vernáculo corrente. Huss seguia as mes-mas doutrinas de Wycliff. Em Praga, dizia que não importava o número de Papas, mas que Cristo era o cabeça da igreja. Em um período em que as indulgências eram correntes, na igreja de Huss isso era proibido. Huss dizia que o perdão papal era inú-til, mas que Cristo era o único que poderia perdoar pecados. Huss foi excomungado e Praga foi colocada sob interdito. Para evitar a pressão sobre Praga, ele saiu da cida-de e continuou pregando no campo. Em 1415, no Concílio de Constança, Huss foi chamado para dar explicações sobre a sua fé. Ele queria ir, mas os amigos diziam que não era seguro. Ele achava que se pregasse para os conciliares, a Palavra de Deus os converteria. O imperador era amigo de John Huss e garantiu-lhe um salvo conduto. Então, Huss foi ao Concílio, mas sem poder falar ou se defender, foi condenado e o imperador, pressionado pelos conciliares, revogou o salvo conduto.

HISTÓRIA DA REFORMA - PARTE 1

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Eles diziam que ninguém deve empenhar sua palavra por um herege. Huss morreu, queimado em uma estaca, cantando em latim: “Cristo, Filho do Deus Vivo, tem misericórdia de mim”. Huss morreu, mas os hussitas não! Mais tarde, eles serão os irmãos moravianos, que tantas missões fizeram no mundo.

Por último, Jerônimo Savonarola (1452 - 1498), italiano, grande pregador, em pleno Renascimento Cultural, teve um avô, um grande médico da cidade de Ferrara, que o influenciou demais. A partir de um caderno de anotações de seu avô, Savonaro-la começou a ter contato às doutrinas de Wycliff e Huss. Assuntos como a autoridade das Escrituras, como Palavra de Deus, e a não autoridade papal começaram a fazer parte dos pensamentos dele e contestar a igreja era algo urgente. Acontece que ele se tornou monge aos 23 anos, porque teve uma desilusão amorosa. Tornou-se um gran-de pregador em Florença e escreveu uma grande obra sobre a simplicidade cristã. Dizia que sempre que a igreja se aproxima da Palavra de Deus, torna-se mais simples: doutrinariamente e em sua prática. Assim, a cidade de Florença se tornou um centro cristão. Todavia, quando Savonarola se tornou o líder da cidade, Florença se tornou uma grande Teocracia – o que foi um erro. Algo que ficou marcado nestas ocasiões foram as “fogueiras das vaidades”. As pessoas deveriam trazer objetos que considera-vam vaidades. Naqueles dias, uma pirâmide com pólvora palha e lenha queimava pe-rucas, joias, dados, baralhos e peças de arte foram queimadas. Ao som de hinos e ex-plosões de pólvora, as procissões seguiam pela cidade. Inclusive, essas procissões substituíram o Carnaval de Florença. Savonarola acabou preso, enforcado e queimado junto com muitos monges dominicanos.

UM MONGE A SERVIÇO DE DEUS: MARTINHO LUTERO

Martinho Lutero (1483 – 1546), alemão, conhecido como um vulcão em erupção, como dizia Martin Lloyde Jones Jr. Esse foi o homem levantado por Deus para que a Reforma Protestante tivesse seu início. Lutero tinha pais simples que o queriam estudando. Desde cedo foi educado no catolicismo e mostrou-se muito apto ao estudo. Quando jovem, Lutero foi enviado para Erfurt, onde começou os estudos de direito. Todavia, educado em uma religiosidade mercantilista, Lutero tinha muito medo de morrer. Ele tinha medo de encontrar-se com Deus. Foi numa experiência extrema que Deus começou a mudar a vida daquele alemão. Ao voltar para casa, de-pois uma temporada doente, em 1505, numa tempestade de verão, um raio caiu mui-to próximo de Lutero e ele prometeu a Santa Ana que se tornaria monge, caso saísse vivo dali. Achando que o mosteiro era o caminho mais próximo entre Deus e o ho-mem, em 1507, Lutero entra para um mosteiro agostiniano e em 1512 já era doutor em teologia. Mas, para Lutero, esses anos foram confusos e melancólicos. A depres-

HISTÓRIA DA REFORMA - PARTE 1

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são de Lutero o levou a jejuar, orar e passar por muitos sacrifícios, porque queria o perdão de Deus para a salvação.

Lutero, ao invés de conquistar a certeza da salvação, sempre estava duvidoso em relação à salvação. As boas obras pareciam inúteis para que ele estivesse com Deus. O medo de Deus fazia com que Lutero enxergasse Deus como sendo um gene-ral maligno terrível. Na verdade, Lutero só estava replicando a teologia que haviam lhe ensinado: para que o homem seja aceito por Deus, precisa se tornar justo e bom. O monge agostiniano já era professor na Universidade de Wittenberg quando prepa-rava uma aula de teologia, no Velho Testamento, e ao ler o Salmo 71:1-2, ele se questionou: “Como a justiça divina poderia me salvar? Ela é a virtude que os pecado-res eram consumidos!”. Então, ele se debruçou sobre o assunto descobriu Romanos 1:16-17. Ele descobriu o amor de Deus, porque sua justiça foi encravada na cruz, em Cristo. Lutero descobriu a graça de Deus e teve sua alma lavada. E não somente isso, mas, pela graça de Deus, mudou o rumo do cristianismo. Em 31 de outubro de 1517, na capela de Wittenberg, Lutero afixou em sua porta as 95 teses contra a dou-trina romanista em questão. A partir daí, a doutrina de Lutero estava embasada na Escritura, em Cristo, na Fé, na Graça e na Glória de Deus.

REFORMA HOJE

Como podemos aplicar a aula de hoje à nossa igreja?

A Reforma Protesta está tão longe, mas tão perto ao mesmo tempo. Em pri-meiro lugar, os questionamentos centrais feitos por Wycliff, Huss e Savonarola esta-vam na autoridade papal. Seria o Papa o emissário de Deus. A resposta foi simples: não! E vários desdobramentos aparecem aqui. A fonte de toda verdade de Deus é a Bíblia e, como Palavra revelada, ela é a fonte de toda autoridade. A Bíblia continua sendo nossa regra de fé e prática. Outro ponto crucial, ainda sobre a autoridade pa-pal, é a centralidade de Cristo. Quem é o cabeça da igreja? Ainda hoje o cabeça da igreja é Jesus Cristo. Outra questão fundamental é o perdão dos pecados e a salvação. A doutrina romanista divulgava a salvação pelas obras e mediada pela igreja. Diante disso, Deus era visto como um carrasco que fazia as pessoas sofrerem. Mas, pela luz divina, a partir de Lutero, a Reforma trouxe-nos a salvação pela graça, unicamente, pelos méritos de Cristo. Deus continua sendo justo, mas continua sendo amoroso. Foi quando aprendemos a palavra “justificação”. Deus, em seu Filho Jesus Cristo, der-ramou sua ira para que pudéssemos ser perdoados. Então, as obras de nada valem para o perdão de pecados, mas a fé, em Cristo Jesus, é como somos justificados. O perdão de pecados não era mais comercializado. Era o fim do purgatório. O céu não estava mais distante. Ainda hoje podemos desfrutar das Escrituras, de Cristo e da

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Salvação pela graça, em Cristo Jesus.

CONCLUINDO: Os precursores da Reforma e Martinho Lutero foram homens des-pertados por Deus para que a luz de Cristo voltasse a brilhar. A esperança raiou outra vez. Deus devolveu a Palavra ao seu povo e, com ela, nos devolveu Cristo e a salva-ção pela graça. a esperança voltou, porque o caminho, que havia sido aberto pelo nos-so Salvador na cruz, estava escancarado para homens de todas as tribos, línguas e na-ções.

DISCUSSÃO

1) Questionar a autoridade papal, naquele contexto, era algo terrível. Todavia, a

autoridade papal tirava a autoridade das Escrituras. Hoje em dia, o que, ainda

quer tirar a autoridade das Escrituras?

2) Cristo é o cabeça da igreja! Comente essa frase.

3) Se Cristo é o cabeça da igreja, como ficam as autoridades eclesiásticas? Quais

seriam os seus papeis?

4) Por que as boas obras são ineficazes para a salvação?

5) Por que a justificação pela fé e a graça de Deus nos tiram o medo do Criador?

6) O mundo, ainda hoje, precisa conhecer a mensagem da graça e da cruz de cris-

to? Por qual razão?

Wycliff Huss Savonarola Lutero

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“Calvino fez de Genebra a mais perfeita escola de Cristo na terra, desde os dias dos apóstolos”.

John Knox

INTRODUÇÃO

Após a morte de Martinho Lutero, não seria correto dizer que a Reforma Pro-testante havia terminado. Na verdade, não havia terminado em nenhum sentido, por-que os trabalhos teológicos e seus desdobramentos, ainda, estavam no começo e, para que esta obra continuasse, os reformadores de segunda geração estavam se engajando neste processo. E é nesse contexto que surge o “teólogo da Reforma”: João Calvino.

Antes de falarmos de Calvino, é necessário pensar no ambiente daquele momen-to. A Reforma Luterana havia alcançado parâmetros estrondosos, porque em território daquilo que hoje vem a ser a Alemanha, a liberdade de crença e culto foi aceita. O ca-tolicismo precisou recrudescer. Na suíça alemã, Ulrico Zwínglio, ajudou a doutrina bíblica a expandir-se. Em Estrasburgo, Martin Bucer, um grande estudioso das Escritu-ras, fazia, também, a doutrina bíblica circular pelo território europeu.

Todavia, não havia uma sistematização do ensino bíblico. As ideias dos reforma-dores, ainda, eram textos e livros que defendiam a fé bíblica, mas de maneira desorde-nada. Sendo assim, o principal trabalho dos reformadores de segunda geração, foi o de sistematizar e expandir as ideias que os primeiros reformadores começaram. O catoli-cismo havia sofrido um grande baque e não sabia, ainda, como reagir. A sociedade pas-sava por grandes transformações e a doutrina bíblica se espalhava pelo continente afora.

UM POUCO DA VIDA DE JOÃO CALVINO

João Calvino nasceu em 10 de Julho de 1509, em Noyon – França. Quando Calvino nasceu, Lutero, por exemplo, já tinha 26 anos de idade. Ou seja, Calvino pertence à segunda geração de reformadores. Seu pai era o administrador financeiro do bispo ca-tólico em sua terra, na diocese de Noyon. Por isso, Calvino foi educado para entrar na vida eclesiástica da Igreja Católica. Assim, Calvino foi enviado, aos 14 anos de idade, à Paris para realizar os seus estudos reparatórios. Aos 17 anos, Calvino torou-se um mes-tre em ciências humanas, sendo notável em latim, lógica e filosofia. Todavia, o pai de Calvino se desentende com o bispo de Noyon e, então, a vida de Calvino muda, por-que foi enviado para estudar direito, na Universidade de Orleans e Burges, em 1528. Calvino estudou grego e muito do pensamento analítico e da argumentação persuasiva.

HISTÓRIA DA REFORMA - PARTE 2 2

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Aos 21 anos de idade, Calvino ficou órfão de pai e resolve voltar a Paris, para seguir sua própria vocação. Calvino estudou literatura, com ênfase na literatura clás-sica. Mais tarde, ele voltou a Burges e terminou os seus estudos em direito, receben-do, em 1532, o título de doutor. No mesmo ano, Calvino publicou sua primeira obra sobre o filósofo Sêneca. Falando um pouco da conversão de Calvino, não é sabido, ao certo, quando e como aconteceu esse processo na vida do reformador. Mas, sabe-se que havia muita inquietude no coração de Calvino, principalmente por causa de seus estudos e da influência dos ensinos de Lutero. Teve contato direto com as verdades da Reforma Protestante e, depois que o Evangelho foi descoberto por ele, uma pro-funda convicção de pecado invadiu o seu coração.

O refúgio encontrado por Calvino foi a graça de Deus. Sabe-se que 1533 Cal-vino declara-se protestante e em novembro deste mesmo ano, Nicolas Cop, Reitor da Universidade de Paris e amigo de Calvino, fez um discurso inflamado, na abertura-do período letivo, contra os teólogos daquele tempo e um clamor efusivo por uma reforma, embasada no Novo Testamento. Dizia-se que este discurso havia sido escrito por Calvino, que foi perseguido e, assim, teve que fugir de Paris, numa escura noite, pela janela, usando um lençol como corda. Calvino ficou três anos na Basiléia e lá, aos 26 anos de idade, em 1536, ele publicou a primeira versão da maior obra da Reforma Protestante: As Institutas da Religião Cristã. Naquele tempo, um dos polos do estudo teológico era a cidade de Estrasburgo, tendo Martin Buccer como regente. Calvino estava caminhando para Estrasburgo, a fim de continuar seus estudos, mas precisou passar por Genebra. Calvino pretendia passar, somente, uma noite ali e, depois disso, continuar sua viagem. Entretanto, naqueles dias, Genebra possuía treze mil habitan-tes, próspera, mas com a imoralidade acentuada. A cidade havia conquistado a sua independência, através de uma guerra com o bispo católico e havia se declarada pro-testante. O líder da cidade, naquele momento era Guilherme Farel, homem podero-so na pregação das Escrituras, mas com poucos recursos para fazer Genebra entrar nos trilhos. Farel sabia que aquela cidade precisava de uma obra no campo moral e religioso, mas reconhecia suas limitações. Sendo assim, ao saber que Calvino estava em Genebra, Farel vai até ele e insiste que este fique ali e colabore com a reforma naquele local. Calvino sai pela tangente e decide ir para Estrasburgo. Nesta hora, Fa-rel faz uma oração por Calvino pedindo a Deus que o amaldiçoe, porque, segundo ele, Calvino não teve compaixão de Genebra. Assustado com as palavras de Farel, Calvino resolve fixar-se em Genebra e ajudar. Os primeiros anos de ministério foram frustrantes. Embora Calvino tenha sido o pastor da Catedral de São Pedro, em Gene-bra, ele e Farel escreveram uma confissão de fé, pois queriam mudar a vida dos cren-tes a partir dos princípios da Palavra de Deus. Somado a isso, eles proibiram as pesso-

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as que viviam em pecado de participarem da Ceia. Assim, em 1538, Calvino é expul-so de Genebra e parte para Estrasburgo, onde foi pastor d uma igreja de refugiados franceses. Lá ele escreve um comentário de Romanos, escreve mais uma edição das Institutas e casa-se com Idelette de Bure, uma viúva, que frequentava sua congrega-ção, em 1540. Idelette dá a luz a uma filha que morre no nascimento e a um menino, que morre duas semanas depois do parto. Em 1549, Idelette morre, aos 40 anos de idade, vítima de uma tuberculose. Calvino não mais se casou e viveu para o ministé-rio da Palavra.

Com a situação caótica que Genebra vivia, o conselho da cidade pede a volta de Calvino. Depois de muita relutância, ele volta, mas resolvido a tornar Genebra numa cidade modelo. Ele pregava quase todos os dias e, às vezes, mais de uma vez por dia. Calvino terminou os seus dias em Genebra, em 27 de maio de 1564, depois de sofrer muito com enxaquecas, hemorragia pulmonar, gota e pedra nos rins.

GENEBRA: UMA ESCOLA DE CRISTO

Genebra, pela influência de Calvino, tornou-se o centro de divulgação da Pala-vra de Deus na Reforma Protestante. Quando Calvino chega a Genebra, a imoralida-de é demasiada. A lei vigente era que alguém só poderia ter uma amante. É preciso ressaltar o fato de que as pessoas eram queimadas vivas e executadas em praças públi-cas, exclusivamente, por discordarem de ideias. Além disso, o sofrimento era uma marca em Genebra, uma vez que a própria vida era pesada. Os recursos eram escas-sos, doenças dizimavam a população, guerras, desemprego, falta de capacitação e ou-tras coisas mais. E o instrumento que Calvino utilizou para começar a mudança foi a pregação diária da Palavra de Deus, para a glória de Deus.

Em 1536, quando Calvino chega a Genebra, a situação não era simples. O du-que de Savoia governava a cidade com plenos poderes, oprimindo a população. Toda-via, ajudados por Berna, uma cidade protestante, o duque e suas tropas foram expul-sos de lá, inaugurando um período de protestantismo na cidade. Genebra possuía 12000 habitantes e era governada por um concílio de homens eleitos pelo povo, que exerciam o papel executivo, legislativo e judiciário. Genebra era conhecida por suas ruas limpas, banheiros públicos e forte comércio.

A mudança em Genebra começou, porque Calvino pregava, na Catedral de São Pedro, duas vezes aos domingos e duas vezes, todos os dias, em semanas alternadas. Na cabeça de Calvino, o Evangelho da Graça havia ficado tempo demais escondido dentro da igreja romana. Sendo assim, ele gasta tempo pregando o Evangelho do Rei-

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no para a glória de Deus. Calvino ministrou em Genebra por mais de duas décadas. E quais mudanças ocorreram neste período? Para começar, Calvino tinha em seu cora-ção transformar Genebra na cidade de Deus, na qual a Palavra de Deus tinha a autori-dade suprema.

Sobre a política da cidade, Genebra passou, após Calvino, a rejeitar qualquer governo déspota e tirânico e passou a investir na formação política de seus cidadãos. A ideia possuía uma base bíblica de que todos são agentes políticos e, por isso, res-ponsáveis pela criação de Deus. O poder público deveria ser uma representação da vontade do povo. Por outro lado, a população, a partir de sua juventude, deveria ser preparada para se tornar politicamente responsável e participativa. O intuito de poli-tizar os cidadãos era criar um senso de responsabilidade pública. No campo social e econômico, por exemplo, é preciso destacar que, por causa da influência de Lutero e Zwínglio, antes de Calvino, Genebra já havia feito um pacto com seus moradores de que estes comprometiam-se a enviar seus filhos às recém-formadas escolas púbicas, e também na área da saúde, pois a cidade mantinha um hospital comunitário. Por in-fluência de Calvino, Genebra passou a ter assistência social aos necessitados sem dis-criminação de nacionalidade; ajudar e cuidar da saúde popular através de um progra-ma de visita médica domiciliar; efetuar esforços na capacitação profissional; combater o desemprego com oferta de trabalho pelo governo; dar ênfase no amparo aos po-bres, idosos e desamparados; lutar contra a insolência do luxo em relação aos pobres; limitar os juros nos empréstimos; combater a especulação; atacar a escravidão; com-bater a bebedice e proliferação das tavernas; e efetuar um grande esforço na educação de todos. Muito mais poderia ser dito, mas, nas palavras de John Knox, “Calvino fez de Genebra a mais perfeita escola de Cristo na terra, desde os dias dos apóstolos”.

REFORMA HOJE

Como podemos aplicar a aula de hoje à nossa igreja?

O que homens comprometidos com Deus, atrelados a uma boa teologia, po-dem executar nos seus dias? O que pode acontecer com uma localidade quando aque-les que as comprometidos com o Senhor trabalham com afinco? A resposta simples é: Calvino e Genebra surgem como referências. Em primeiro lugar, é possível perceber que ter um compromisso com a glória de Deus é o primeiro alvo da vida das pessoas. Nosso temo nos ensina que precisamos estudar, ter recursos, trabalhar e gas-tar. Preocupar-se com os outros? Nunca! Por outro lado, a história nos mostra um homem genial, com capacidades acima da média e que poderia utilizar isso para o seu prazer e conforto. Mas, por temer a Deus e perceber que tudo vem dele, Calvino

HISTÓRIA DA REFORMA - PARTE 2

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utilizou sua sabedoria, conhecimento e força para que a luz de Cristo brilhasse na vida daquelas pessoas e naquele lugar. E é isso que Deus quer fazer em nossas vidas, ainda, hoje. E qual a nossa esfera d abrangência? Calvino nos mostra que não é só na igreja. Ele poderia ter ficado na Catedral de São Pedro, mas a Palavra de Deus precisava ex-trapolar isso. E foi o que aconteceu, ou seja, a influência da boa doutrina transformou a vida de uma cidade toda, fazendo-a uma referência até os dias de hoje. Este deve ser o nosso compromisso hoje: através da Palavra de Deus, transformar o mundo para a glória de Deus.

DISCUSSÃO

1) Calvino foi o teólogo da Reforma. Qual é a importância da boa teologia na vida da igreja?

2) A vida de Calvino foi marcada por muito sofrimento. Inclusive, sua teologia é um reflexo do seu sofrimento. Como a teologia pode nos ajudar no momento do sofrimento?

3) Calvino dedicou-se ao estudo da Palavra de Deus. Qual é a importância, hoje, do estudo da Palavra de Deus?

4) Um sonho de Calvino era que Genebra fosse a Cidade de Deus. Isso é possível hoje?

5) Calvino cria que a Palavra de Deus era a mola propulsora para a transformação da sociedade. Isso, ainda, é verdade hoje?

6) A partir da Reforma Protestante uma mudança sistemática aconteceu na popu-lação. Podemos ver isso hoje? Como?

Calvino Farel

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“Se os teus olhos forem bons, todo o teu corpo será luminoso”. Jesus Cristo

INTRODUÇÃO Quando criança, eu achava muito interessante a experiência de pegar uma garra-fa de guaraná (aquelas pequenas de vidro verde) e usá-la como uma espécie de luneta para observar as coisas. O mundo ficava todo verde e distorcido; as pessoas ficavam achatadas e com formas engraçadas, o focinho do meu cachorro ficava enorme. A lente que eu usava para olhar o mundo fazia com que tudo à minha volta fosse visto por mim de um jeito diferente. Hoje falaremos um pouco sobre as lentes que usamos para ob-servar o mundo ao redor. São lentes metafóricas, mas a visão que temos a partir delas é totalmente real para nós.

Quando falamos das lentes que usamos para ver a vida, estamos falando da nossa visão de mundo; ou, em termos mais técnicos, estamos falando em cosmovisão. Sua cos-movisão define o jeito que você enxerga a realidade. Talvez esta palavra seja um pouco nova para você, por isso, me esforçarei para que você a compreenda de maneira bastan-te clara nas páginas a seguir. No fim das contas ficará claro que todas as pessoas, inclusi-ve você, têm uma cosmovisão.

Sua cosmovisão vai definir sua noção da realidade das coisas mais simples às coi-sas mais profundas e sérias. Da alimentação à proteção dos animais, da ideologia políti-ca ao gosto musical, passando pelo sentido da vida, lidando com a morte e o que acon-tece depois dela. Sua resposta para tudo o que se apresenta diante de você depende de qual é a sua visão de mundo. A lente que você usa define o jeito que você enxerga a realidade.

Na lição de hoje vamos mencionar algumas das visões de mundo que existem, mas o que realmente vamos expor é a visão de mundo reformada. Você lidará com pa-lavras e conceitos novos, mas acredite, estará lidando com coisas que você sempre ou-viu, apenas organizadas de uma maneira um pouco diferente do usual para você.

No fim das contas você perceberá que a cosmovisão dos reformados tem a ver com a Bíblia, com a perfeita criação de Deus, com a rebeldia do homem pecador, com a certeza da salvação em Cristo e com a esperança da redenção de todas as coisas. O jeito que você olha para o mundo muda tudo - a começar por você mesmo. Está pronto para ingressar nesta caminhada de conhecimento de sua própria fé e acerca de como ela é a base de como você pensa, age, ama, e sonha?

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EXPOSIÇÃO

Nos tópicos desta lição, tentarei mostrar a você algumas coisas. No primeiro deles vamos falar um pouco sobre a definição de cosmovisão. No segundo tópico vamos abordar a cosmovisão reformada. E no terceiro (que são as aplicações do “Reforma Hoje”) vamos falar acerca do embate entre cosmovisões na sociedade dos dias atuais.

O QUE É COSMOVISÃO, AFINAL?

Cosmovisão ou visão de mundo, como vimos anteriormente, são os óculos pelos quais enxergamos a realidade e o mundo ao nosso redor, mais que isso, trata de um compromisso que temos. Ela pode ser consciente ou inconsciente, articulada ou não articulada, composta por uma história ou por pressupostos. Acima de tudo: uma cosmovisão pode ser verdadeira, parcialmente falsa ou totalmente falsa em sua com-posição.

Vamos abordar ponto a ponto o que eu disse acima. Quando falo em termos de compromisso o que quero dizer é que a cosmovisão tem a ver com os nossos prin-cípios e afetos. Cosmovisão, então, mostra que existe algo que está no coração e que define como pensamos. Não é apenas uma decisão mental, mas algo que flui daquelas convicções afetivas que carregamos desde a mais tenra infância.

Uma visão de mundo, porém, pode ser consciente ou inconsciente. Isto quer dizer que, muitas vezes, as pessoas nem mesmo sabem que estão aplicando uma visão de mundo. Por exemplo, uma pessoa que acredita em fantasmas e tem medo do escuro por causa disso. Talvez ela não saiba disso, mas ela tem uma cosmovisão que acredita num mundo espiritual onde as “almas penadas” continuam conscientes e in-cômodas aos que ainda estão vivos.

Quando digo que uma cosmovisão pode ser articulada o que desejo mostrar é que você pode ser capaz de explicá-la. Tem muito a ver com o que Pedro nos fala em sua primeira carta em 3.15: preparados para dar razão da fé. Em termos práticos, você é capaz de explicar porque é contra o aborto ou explicar a sua fé na existência de Deus? Sabendo ou não, o fato de acreditar em algo mostra que você tem uma cos-movisão.

Outro aspecto que vem à tona é o que diz que a cosmovisão pode ser formada por pressupostos, ou seja, princípios básicos. Um código de regras, por exemplo. Ou ela pode ser explicada por meio de uma história. Note como o cristianismo bí-blico explica a origem do mal no mundo: através de uma história narrada em um jar-dim no qual seres humanos são persuadidos por um inimigo e desobedecem a Deus.

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Por fim, uma cosmovisão pode ser totalmente verdadeira, parcialmente verdadeira ou totalmente falsa. Se você é cristão, entende que a visão de mundo que flui da Bíblia é totalmente verdadeira. Porém, você encontrará cosmovisões não bíblicas que possuem “momentos de verdade”, ou seja, são parcialmente verdadeiras. Na tradição espírita, por exemplo, fazer o bem ao próximo é uma virtude. A despei-to das motivações de se fazer este bem, o espírita tem um ponto de contato com o cristão neste quesito, pois, nós também cremos que fazer o bem ao próximo é uma virtude. Da mesma forma, lidaremos com cosmovisões que são totalmente falsas, a saber, aquelas que negam totalmente a existência e ação de Deus no mundo e tudo o que flui de maneira prática desta crença.

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Criação A cosmovisão reformada afirma que todas as coisas foram criadas por Deus (Gn 1.1). Dentro desta criação - e como subgovernante dela - Deus colocou o homem que criara (Gn 1.26-28). A criação, em seu estado original, era boa e perfeita (Gn 1.10, 12, 18, 21, 25 e 31). O homem era santo e imortal e todos os seus relaciona-mentos eram perfeitos - com a natureza, pessoas e Deus.

Portanto, na cosmovisão reformada, há um princípio básico quanto à origem de todas as coisas: Deus as fez. Isto quer dizer que, por sermos bíblicos, admitimos que o Universo e tudo/todos que nele há foram criados e são preservados por Deus (Sl 24.1-2). Acreditamos que a criação não é resultado de um caos organizado pelo acaso, mas das sábias e poderosas ações de um Deus Criador que trouxe tudo à exis-tência. Acima de tudo, lembre-se: Tudo o que Deus criou é bom e deve ser preserva-do e protegido por nós: da natureza à vida humana. Tudo foi Deus quem fez.

Queda Uma música popular dizia: “Quem me dera ao menos uma vez [...] acreditar que o mundo é perfeito e todas as pessoas são felizes”. Esta é a clara expressão do mundo pós-queda. Ele perdeu sua bondade e perfeição originais. Agora a criação geme (Rm 8.22) e os homens estão sob o mortal poder do pecado (Rm 6.23). A queda foi o ato de rebeldia e desobediência que a raça humana cometeu contra Deus através de seu primeira cabeça e “representante legal”, Adão (Rm 5.12 e 17).

A crença na queda é essencial para a nossa compreensão da raça humana. Com base nela, não cremos que o homem seja essencialmente bom, nem que ele seja uma folha em branco que vai ser corrompido pela sociedade. Acreditamos que todos, in-clusive você e eu, em nosso estado natural, somos pecadores e desejamos ardente-mente aquilo que é mal (Sl 51.5; Rm 3.9-18; Ef 2.1-3).

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Redenção O cristão reformado acredita que Deus criou tudo perfeito, mas que o pecado maculou tudo quebrou a ordem da criação. Porém, nossa fé não acredita que este seja o fim da história, pelo contrário, acreditamos que aqui está o terreno preparado para a manifestação de um grandioso resgate em favor da raça humana e de toda a criação (Gl 4.3-5). Em Cristo, diz Paulo, Deus estava reconciliando consigo mesmo todas as coisas (2Co 5.18-21). A redenção é, portanto, aquele momento glorioso quando Deus, em Cristo, estava nos possibilitando um retorno ao status original (Rm 8.29b).

A redenção é o ápice da história humana. Para que ela ocorresse, o Unigênito Filho de Deus se fez carne e entregou-se na cruz do Calvário para que houvesse per-feito resgate dos eleitos do Pai. A visão de mundo reformada não acredita em reden-ção pela política, pela educação, pelo esporte ou pela fé no seu próprio potencial (At 4.12). Cremos que estas coisas podem ser úteis, mas a redenção verdadeira acontece de maneira unilateral e soberana da parte de Deus (Cl 1.13-14). Ninguém se redime, ninguém é redimido por elementos da criação. Continua a velha máxima: Só Jesus salva!

Consumação Por fim, a nossa cosmovisão não acredita em “fim do mundo”, mas na restaura-ção de todas as coisas (Rm 8.20-21; Ap 21.1). Não cremos que a raça humana esteja caminhando para a extinção através de uma catástrofe natural, a queda de um meteo-ro ou uma invasão alienígena. Cremos que o Senhor Jesus há de voltar glorioso e completar aquela boa obra começada na cruz (Fp 1.6). Caminhamos para o momento no qual os mortos vão ressuscitar e receber um novo corpo para viver numa eternida-de perfeita com o dono de nossa vida (1Co 15.50-58).

Existe um momento preparado na história para que tudo se conclua. É o gran finale do mundo e da humanidade como conhecemos. Naquele momento o mais ateu dentro os ateus e o mais crente entre os crentes há de ver e confessar que Jesus é o Senhor (Rm 14.11; Fp 2.9-11). O crente, por causa desta fé, vive na expectativa de coisas boas e não no desespero de um futuro incerto. A crença na consumação traz segurança profunda ao nosso coração.

REFORMA HOJE

Hoje você aprendeu um pouco mais sobre o que realmente pensa um “cristão reformado”. Lidaremos com visões de mundo diversas no nosso dia-a-dia e precisa-mos estar preparados para dar razão de nossa fé e defendermos aquilo que acredita-mos. Em tempos em que somos convidados a calar os que pensam diferente através de “leis evangélicas”, devemos, ao invés disso, nos preparar para o debate maduro.

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Não vamos lidar com a ideologia de gênero impedindo seus defensores de fa-lar, mas nos preparando para defender de maneira coerente, sábia e amorosa aquilo que acreditamos. Não livraremos nossos filhos da secularização que a universidade promove através de leis que silenciem professores, mas através de capacitação cons-tante para que eles não sejam apenas repetidores de dogmas, pelo contrário, sejam cristãos pensantes que sabem responder com firmeza aos desafios à fé.

A grande questão prática da lição de hoje está na necessidade urgente de que todos nós tenhamos a grandeza de nos debruçarmos sobre as Escrituras e sobre aquilo que escreveram e escrevem os servos de Deus do passado e do presente. A visão de mundo reformada não admite a frase: “minha religião não permite”, pelo contrário, o cristão reformado deve buscar a maturidade e ser capaz de dar razão de sua fé.

Você pode sair da aula de hoje com um grande peso nas costas e desanimado por não se sentir pronto ou pode fazer deste momento um ponto de virada em seu jeito de enxergar a fé e suas ramificações no dia-a-dia. Pode voltar para casa com o conformismo de quem não sabe muitas coisas ou com a coragem de quem deseja aprender mais e crescer na compreensão das coisas que diz acreditar. Então, me diga, como vai ser?

DISCUSSÃO

1) Ficou claro para você o que é uma Cosmovisão?

2) As pessoas que convivem com você tem uma visão de mundo parecida com a que estudamos hoje ou diferente dela?

3) Por que é importante defendermos a ideia da “Criação”?

4) A sociedade atual vê o ser humano de maneira parecida ou diferente do que propõe a ideia cristã da “Queda”? Descreva.

5) O que Jesus redimiu/resgatou em sua morte e ressurreição?

6) Você acredita no fim do mundo? Explique.

7) A igreja tem preparado os crentes de maneira satisfatória para defender a fé? Se há crentes despreparados a culpa é Dos líderes, do indivíduo ou de ambos?

8) Qual o local no qual você tem sido mais exigido na defesa de sua fé/cosmovisão?

9) Qual dos temas de debate atuais da sociedade é o que exige mais atenção da igreja no momento? (Ex: aborto, ideologia de gênero, homoafetividade, etc).

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“Os homens jamais encontrarão um antídoto para suas misérias, enquanto, esquecendo-se de seus

próprios méritos, diante do fato de que são os únicos a enganar a si próprios, não aprenderem a

recorrer à misericórdia gratuita de Deus”. João Calvino

INTRODUÇÃO Grandes foram os desafios da Reforma Protestante no que concerne a salvação. Mas, primeiramente, é preciso ressaltar que a salvação foi o foco da Reforma. Desde Wycliff, Huss e Savonarola, juntamente, com a autoridade papal, o método de salvação era questionado. O catolicismo romano afirmava que a Igreja era o Reino de Deus na terra. Embasados na passagem de Mateus 16:19, afirmavam ser Pedro o primeiro papa, detentor das chaves do Reino dos Céus. Sendo assim, a Igreja Católica Apostólica Ro-mana era a porta de entrada para a glória celestial. Um desdobramento disso era o fato, então, do papa ser considerado o vigário de Cristo. Em palavras bem claras, para aque-le contexto, o papa era Cristo na terra.

Não é difícil deduzir que o papa teria o poder de perdoar pecados e salvar as pes-soas. Outro aspecto que precisa ser ressaltado é que, visando as obras e construções, como a Basílica de São Pedro, por exemplo, a Igreja Católica, em nome do papa, ven-dia o perdão de pecados, a partir das indulgências. Um dos vendilhões de indulgências era Johann Tetzel. Conta-se que Tetzel possuía um jargão bem interessante, que pode sintetizar a prática da época: “Logo que a moeda na caixa ecoa uma alma para o céu voa”. Como ter paz? Como ter certeza da salvação? Como poder ser justo diante de Deus? Como ser perdoado? Como viver sem medo do inferno? É possível cooperar com a salvação? Essas e outras perguntas foram respondidas pela Reforma.

A INSUFICIÊNCIA DO HOMEM O primeiro passo a ser dado é em direção ao que Deus acha do homem. É neces-

sário definir isso, pois alguns se perguntariam: a salvação é mesmo necessária? Desde

que o homem pecou no Éden esse questionamento está respondido: claro que sim!

Deus criou o homem dotado de sua imagem e semelhança. Esse conceito é muito inte-

ressante, porque significa que éramos parecidíssimos com Deus. O homem possuía,

imortalidade, domínio sobre a Criação, racionalidade, ou seja, tudo aquilo que o fizesse

parecer com o Criador.

REFORMA & SALVAÇÃO 4

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É preciso ressaltar que nenhuma outra criatura possuía isso. Deus tinha uma

relação efetiva com a raça humana. Deus os constituiu administradores da Criação.

Todavia, a raça humana não se contentou em ficar como administradora, por outro

lado tentou roubar a Criação das mãos de seu dono. E não pense, por favor, que o

pecado foi comer um fruto, somente. O fruto é símbolo de uma postura do coração.

A rebeldia da raça humana seria algo, mais ou menos, assim: “Criador, não queremos

mais você! Resolvemos que criaremos um mundo segundo a nossa vontade. A partir

de agora quem dá as regras somos nós. Você está fora!”.

O pecado é a tentativa do homem se libertar de Deus e construir um mundo

segundo a sua semelhança. Todavia, não é difícil perceber que Deus errado, porque o

homem passou a enfrentar os três estágios da separação: de Deus, do outro, da Cria-

ção e dele mesmo. O homem passou a ser inimigo de Deus, inimigo do outro, de si

mesmo e da Criação. O muno está caótico por causa do pecado. E qual é o estado

natural do homem? Escravo do pecado e condenado pelos seus delitos! Mas, a mensa-

gem bíblica é de o homem se encontrará com Deus novamente. Esse encontro se

dará pela morte do indivíduo ou pela volta de Cristo. O que o homem apresentará a

Deus?

Lutero, quando se deparou com Jó 9:2, ficou alarmado: “Na verdade, sei que

assim é; porque, como pode o homem ser justo para com Deus?”. é alarmante, por-

que não há, no ser humano, qualquer mérito que o faça ser digno diante de Deus. E

não é difícil provar tal fato! Algumas correntes psicológicas dizem que os seres huma-

nos possuem, em média, 70.000 pensamentos por dia. Imagine que você tenha

69.997 pensamentos bons e, somente, 3 pensamentos ruins diariamente. No final de

um ano, você teria, apenas, 1095 pensamentos ruins. A pergunta que é feita é a se-

guinte: qual juiz, em sã consciência, absolveria um réu com 1095 crimes em suas

costas? NENHUM! Mas, é preciso prosseguir com o pensamento, porque a Bíblia diz

que os homens serão julgados, também, por suas palavras. Os homens falam, em mé-

dia, 13 mil palavras por dia. Imagine que você fira alguém, por dia, com somente 3

palavras. Ao final de um ano você teria mais 1095 crimes na conta. Qual juiz, em sã

consciência, absolveria um réu com 1095 crimes em suas costas? NENHUM! Adian-

tando um pouco mais o raciocínio, a Bíblia diz que os homens serão julgados por suas

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ações. Quem nunca fez nada maléfico contra o próximo, por exemplo? É possível

que a essa altura você pense em ficar em casa todos os dias e não se relacionar com

ninguém mais, a fim de não pecar. Pois bem, a Bíblia nos diz que a omissão, também,

é pecado. “Eu tive fome e não me deste de comer; eu tive sede e não me deste de beber...”.

Como apresentar-se puro diante de Deus? Isto considerado não é impossível

pensar, então, por qual razão Lutero se penitenciava para purgar os seus pecados. Ele

acreditava, segundo fora-lhe ensinado que se sua carne sofresse os pecados eram pur-

gados. Ele percebia que não era suficiente. Lutero abusava das confissões auriculares.

Ele adentrava o confessionário e dedicava horas derramando, sobre os ouvidos de

algum sacerdote católico, os seus pecados, em busca de ser aceito por Deus. Era con-

sumido por uma culpa gigantesca. E quanto mais se esforçava, mais percebia que era

impossível livrar-se da ira de Deus. Lutero tinha problemas com o termo: justiça de

Deus! Ele, inicialmente, achava Deus mau e injusto, pois Deus havia condenado o

homem e este não conseguia ter paz. Lutero passava dias jejuando para que as paixões

de sua carne fossem quebradas. Para que seus pecados fossem perdoados, ele ficava

sem roupa, em frente à janela de seu quarto, no rigoroso inverno alemão, porque

queria purgar suas falhas. Num destes períodos, Lutero chegou a chamar Deus de

demônio, porque, em sua mente, ninguém conseguiria chegar ao padrão do Criador.

E é assim ainda hoje. Quem pode, por seus próprios méritos, agradar o Criador? O

ser humano, nascido escravo do pecado, é completamente insuficiente. Não há como

se livrar da culpa do pecado pelas próprias mãos.

O TESOURO DA IGREJA

Em meio a essa crise dos Reformadores, especialmente de Lutero, uma luz

surge no fim do túnel. Na mente dos reformadores existe a ideia de que o homem é

um devedor diante de Deus e que não há como pagar tal preço. Nesta direção as Sa-

gradas Escrituras surgem como um farol, porque uma série de textos (Rm 1:16-17;

Rm 5:1-2; Rm 8:1-2; e Hb 11:1) fizeram com que eles assentassem o coração na paz

do Senhor. Lutero, por exemplo, descobre que o perdão de pecados não vem pelo

papa, muito menos pelo pagamento da indulgência. Pelo contrário, na tese 62, ele

afirma: “O verdadeiro tesouro da Igreja é o santíssimo Evangelho da glória e da graça

de Deus”. Lutero tem contato com Romanos 1:16-17 e vê que a justiça de Deus se

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manifestou no Evangelho. E o que é o Evangelho? O Evangelho é uma pessoa e sua

obra. A palavra Evangelho significa “boa notícia”. E essa “boa notícia” vem substituir a

“má notícia”.

A “má notícia” é que o homem caiu e tornou-se devedor, mas a “boa notícia”,

ou seja, o Evangelho diz que Deus estava, em Cristo, reconciliando consigo o mun-

do. A “boa notícia” é que aquele que poderia me cobrar, uma dívida impagável, re-

solveu me perdoar. Segundo Romanos 1:16-17, não há distinção de pessoas, porque

Jesus veio para o judeu e para o grego, ou seja, Jesus veio para todos aqueles que

acreditarem nele. A grandiosidade do Evangelho está no fato de Deus mesmo vir ao

encontro do pecador, para que este seja perdoado. Mas, a Reforma ressuscita um

ensino bíblico maravilhoso: a justificação pela fé.

O perdão de pecados é maravilhoso, mas a justificação pela fé é um passo, ain-

da, maior. O perdão é algo negativo, ou seja, você deve algo a alguém e essa pessoa

te perdoa, mas o dano continua. Houve uma subtração. Por outro lado, a justificação

é um conceito positivo, porque além do perdão há uma dádiva. No caso de Cristo,

ele leva os seus pecados, mas atribui sua graça. Preste atenção, porque Jesus levou os

seus pecados e deu a santidade dele para você. Jesus levou sua maldição e fez você se

assentar nos lugares celestiais. Você já está glorificado. De inimigo de Deus, aquele

que é justificado, passou a ser filho de Deus. Isso é justificação. E como podemos ser

justificados? Pela fé, somente! E o que é fé? A fé é a certeza das coisas que se espera e

a certeza das coisas que não vemos. Isso te diz alguma coisa? Você não estava vendo

Jesus ser crucificado. Você não viu o túmulo vazio. Você não o viu subir aos céus.

Mas, você ouviu as palavras que dão testemunho dele. Fé é, mesmo sem ver, ter uma

certeza profunda de que tudo o que aconteceu é verdade, porque Deus mesmo ga-

rante. Isso é a fé salvadora! Quando dizemos “só a fé” justifica, estamos dizendo que

cremos, de todo o coração, através da Palavra de Deus, que fomos perdoados e que

ele tem cuidado de nós. É uma certeza profunda que estamos perdoados e em paz

com Deus. É a certeza do coração de que viveremos com ele eternamente.

Então, é impossível dizer que não há condenação, porque Deus foi ofendido e

haverá, sim, condenação. Não há a menor possibilidade de dizer que exista outra for-

ma de perdão, porque Deus aceita, somente, o método determinado. É impossível

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achar que Deus me aceita como eu sou. É impossível dizer que, através do meu bom

comportamento, poderei ser salvo.

Significa que é impossível eu achar que não sou tão mau assim e Deus, quem

sabe, me deve favores, porque sou tão “perfeito”. A única maneira de se apropriar do

perdão de Deus e ser salvo é pela fé. A fé é um elemento de apropriação das promes-

sas de Deus. Deus prometeu que seríamos perdoados através de Cristo. E a fé é a

única maneira de tomarmos consciência das promessas e sermos perdoados.

REFORMA HOJE Como podemos aplicar a aula de hoje à nossa igreja?

A dinâmica dos dias atuais é diferente da que os reformadores viveram, mas os

seres humanos e seus pecados são os mesmos. Significa que, hoje, não temos venda

de indulgências pela Igreja Católica, mas sobram igrejas vendendo “patuás golpel” que

trazem bênçãos sem medida e o favor de Deus. Trata-se de uma nova forma de indul-

gência. A igreja precisa ficar atenta. Curioso é que Os Reformadores Protestantes,

por bem menos do que acontece hoje, fizeram o que fizeram. A igreja não pode se

acomodar com esse discurso evangélico que mercadeja e fé. Mas, há algo que está por

trás do mercado da fé que é o arquiteto disso tudo. Necessariamente, não estamos

falando de Satanás, mas falamos do espírito dessa época.

O mundo é materialista e relativista. Por relativista, compreenda que não há

verdades absolutas. Para o mundo moderno é proibido proibir. E o que importa é ser

feliz. A busca pelo sucesso, paz pessoal e prosperidade são o que está na mente de

todos. Por materialismo, compreenda que o homem moderno quer ser realizado aqui

e agora. Bênção, para os da nossa época, é tudo aquilo que me gera dividendos. En-

tão, o homem de nossa época não pensa em vida eterna, porque quer viver aqui e

agora. Além disso, os homens se acham o centro do universo e não acham que preci-

sam de salvação. Por outro lado, a Escritura nos mostra que precisamos de salvação,

porque Deus julgará o mundo com justiça. E nos demonstra a graça de Deus quando,

pela fé, nos justifica, através do sangue de Cristo.

REFORMA & SALVAÇÃO

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DISCUSSÃO 1) A salvação, assim como no tempo da Reforma, continua sendo um assunto que

interessa as pessoas?

2) Deus virá julgar a terra. As pessoas, em nossa época, estão preocupadas com

isso?

3) Por que achamos que seremos salvos pelas nossas boas ações?

4) Nossa sociedade é relativista. Esse seria um motivo pelo qual achamos que to-

dos, a qualquer custo, serão salvos?

5) Defina fé e tente aplicar essa definição com a obra de Jesus.

6) Defina Justificação pela fé e diferencie Justificação de Perdão?

Os pilares da Fé Reformada

REFORMA & SALVAÇÃO

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“Estes devem ser os grandes objetos de nossos desejos diários: que Deus reúna para Si mesmo igrejas

de todos os países da terra, que Ele aumente o número delas, enriqueça-as com os dons e estabeleça

uma ordem legítima entre elas”. João Calvino

INTRODUÇÃO Por muito tempo ouvimos uma falaciosa acusação de que a teologia reformada, mais precisamente o calvinismo, desestimula as missões e a prática do evangelismo por acreditar na doutrina da predestinação. Segundo os críticos, a teologia reformada faz com que os crentes assumam ares deterministas dizendo que “Deus vai alcançar os elei-tos de maneira soberana, ainda que eu não evangelize”. Não há acusação mais leviana do que esta. Em minha vida inteira, jamais vi um verdadeiro cristão que tivesse alguma ideia ou argumentação deste tipo.

Ao contrário do que a acusação diz, a tradição reformada é abundante no que diz respeito às empreitadas missionárias. A doutrina da predestinação, pelo contrário, é combustível para tal ministério, pois, a certeza de que Deus elegeu homens e mulheres do mundo inteiro para que fossem resgatados pelo vicário sacrifício de Cristo nos dá a plena certeza de que nosso trabalho não é vão. Não há possibilidade de haver missões infrutíferas num cenário no qual a salvação é um ato livre e soberano de Deus e não uma decisão unilateral de homens pecadores.

Na aula de hoje falaremos da visão reformada acerca das missões em duas subdi-visões. Primeiro, falaremos acerca da A Visão Missionária dos Reformadores. Segundo, pensaremos sobre a história das missões e a influência reformada no processo de evan-gelização das colônias do Novo Mundo. Fique claro, porém, que não me limitarei a falar apenas do período histórico da Reforma, mas de todos os desdobramentos que culminaram na pujante obra missionária dos protestantes ao longo destes cinco séculos de “Igreja Reformada”.

A VISÃO MISSIONÁRIA DOS REFORMADORES É impossível falar do zelo missionário dos protestantes sem mencionar o fato

mais notável de contribuição da tradição reformada às missões: as traduções da Bíblia.

São os reformadores e reformadores os mais interessados em que houvessem traduções

bíblicas nas línguas nativas das pessoas. John Huss para o inglês, Lutero para o alemão,

REFORMA & MISSÕES 5

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D’Etàples para o francês e Dalmatin para o esloveno são apenas alguns dos muitos

exemplos de que o primeiro esforço missionário dos protestantes foi na direção dos

próprios conterrâneos ao possibilitar que eles tivessem a Bíblia em sua própria língua

materna.

Outra grande diferença entre a visão missionária romanista e protestante tam-

bém estava na abordagem. Enquanto um reformado acreditava no poder da pregação e

da Escritura para alcançar e salvar pessoas, a tradição católica da época - principalmente

através das grandes navegações espanholas e portuguesas - era de cristianizar por ocu-

pação. Por exemplo, ao chegarem ao Brasil os portugueses deram um nome “cristão” à

terra “Vera Cruz” e enviaram carta ao rei para avisar que havia um novo território por-

tuguês, mas que também era uma nova terra sob o poder da Igreja.

A visão teológica dos reformadores sobre missões era bíblica e apaixonada. Estes

homens entendiam que a verdade que defendiam e pregavam precisava ser anunciada às

terras mais longínquas. Lutero pregando em Marcos 16.14-20, disse o seguinte: “Visto

que Deus diz: ‘Ide por todo o mundo e pregai a toda criatura’, ele não quer que ninguém seja

excluído (…) porque ‘todo o mundo’ não significa uma ou duas partes, mas tudo e todos, onde

houver pessoas”. Outra contundente citação de Lutero quanto às missões está em uma

mensagem acerca do Salmo 117, na qual ele diz:

Se todos os povos devem louvar a Deus, antes disso todos devem pertencer a Deus e,

para isto, todos precisam conhecê-lo e crer nele. Se devem crer nele, precisam ouvir sua

palavra e receber o Espírito Santo, que, pela fé, irá purificar e iluminar seus corações. Se

eles precisam ouvir a palavra, então pregadores devem ser enviados para lhes anunciar a

palavra de Deus. Assim, onde houver gentios, ali o evangelho deverá chegar e trazer as

pessoas ao reino de Cristo.

Percebemos que apesar das grandes lutas e dificuldades que os reformadores e

suas pequenas igrejas enfrentavam, eles tinham grande ardor e desejo missionário. Pre-

cisamos entender que os protestantes não dispunham de liberdade de culto, tinham

contra si o poder de reis e do papa com todo seu aporte financeiro, mas que, mesmo

assim, os crentes da época não se fechavam inertes dentro de suas igrejas locais. Eles

não usavam a perseguição como justificativa, pelo contrário, como disse o teólogo Ter-

tuliano: “O sangue dos mártires é a semente dos cristãos”. Sob ataque, o Reino se expandiu.

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Voltando um pouco ao que dissemos no início da lição, vamos abordar um pou-

co sobre a visão missionária de Calvino. Tanto o reformador quanto os próprios calvi-

nistas lidam, ainda hoje, com críticas que afirmam que a crença na soberania de Deus

para a salvação apaga o zelo missionário. Calvino dizia o seguinte: “É bastante termos em

mente o seguinte: o Evangelho não cai das nuvens como a chuva, acidentalmente, senão que é

levado pelas mãos dos homens aonde quer que Deus o envie lá do alto”. Comentando Romanos

10.15, ele afirma:

Daqui também aprendemos o quanto a pregação do evangelho deve ser desejada de todos

os homens de bem, e o quanto se deve valorizá-la, visto ser ela muito exaltada pela boca

do Senhor. Sem dúvida, o Senhor confere os mais sublimes louvores ao incomparável

valor deste tesouro com o propósito de despertar as mentes de todos os homens para

deseja-lo ardentemente.

Além disso, a Academia de Genebra foi uma grande agência missionária por as-

sim dizer. Os moços ali formados foram enviados para pastorear pequenos povoados e

igrejas perseguidas em todo o território francês - terra natal de Calvino. Segundo Joel

Beeke, em 1555 existiam cinco igrejas protestantes na França, em 1562, ou seja, sete

anos depois, este número passava de 2 mil igrejas! Porém, este avanço não acontecia só

em território francês. Como bem sabemos, Genebra era uma cidade que recebia pro-

testantes refugiados de toda a Europa e muitos deles eram capacitados e voltavam para

seus países de origem levando a mensagem do Evangelho. O mais notável destes prova-

velmente é o escocês John Knox, que idealizou a Igreja da Escócia e o sistema presbite-

riano. Os avanços missionários de Calvino chegaram ao Brasil inclusive, assunto que

trataremos no próximo tópico.

Beeke traz ainda uma lista de falas e escritos do reformador que devem nortear a

pregação do Evangelho. Sobre isto, Calvino diz:

Deus manda fazer isso: “Devemos lembrar que o Evangelho é pregado não

somente por causa da ordem de Cristo, mas também por causa de seu

impelir-nos e guiar-nos”.

Queremos glorificar a Deus: “Os verdadeiros cristãos anelam estender a ver-

dade de Deus a todos os lugares, para que Deus seja glorificado”.

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Queremos agradar a Deus: “Promover a propagação do Evangelho é um sa-

crifício agradável a Deus”.

Temos um dever para com Deus: “É justo que labutemos para promover o

progresso do Evangelho. É nosso dever proclamar a bondade de Deus a

cada nação”.

Temos um dever para com os outros pecadores: “Deus não pode ser invocado

sinceramente por outros que ainda não o conheceram, por meio da prega-

ção do Evangelho, os seus caminhos amáveis e bondosos”. “No que diz

respeito à natureza da fé, nada pode ser mais incoerente do que a indife-

rença que leva um homem a desconsiderar seus irmãos e guardar a luz do

conhecimento em seu próprio coração”.

Fica claro a nós que o verdadeiro cristão reformado, que arroga para si uma tra-

dição genuinamente calvinista, jamais poderá justificar sua inoperância em orar, contri-

buir e fazer missões. A teologia que dizemos acreditar nos mostra que aqueles precio-

sos servos de Deus do passado amavam a Jesus e ao próximo e desejavam ardentemente

ver o mundo prostrando-se aos pés de Cristo.

A visão missionária dos reformadores nunca usou a graça como desculpa, mas

como combustível. Nossa história e o legado que recebemos não são de preguiça e indi-

ferença, mas de amor por almas perdidas e envolvimento pessoal na salvação de pessoas

que ainda não foram alcançadas pela maravilhosa graça do Salvador.

HISTÓRIAS MISSIONÁRIAS: UM ESTÍMULO Existem três eventos importantes quando o assunto é o trabalho missionário pro-

testante em seus primórdios. Não falarei aqui das missões modernas, dos eventos rela-

cionados a William Carey, David Brainerd, Ashbel Green Simonton ou Robert Kalley.

Na verdade, trataremos de três momentos históricos muito importantes das missões no

período mais próximo da Reforma, a saber, entre os séculos XVI e XVIII.

O primeiro evento missionário importante que veremos é o que tem ligação di-

reta com João Calvino e com o Brasil. Sim, Calvino enviou missionários ao Brasil pou-

co depois da descoberta pelos portugueses.

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Os franceses começaram a olhar para o Brasil desde muito cedo e logo no início

do século XVI há relatos de franceses negociando com indígenas. Porém, por volta da

metade do século eles resolvem que seria o momento de instalar uma colônia perma-

nente em terras brasileiras. É neste cenário que surge a figura de um destacado militar

chamado Nicolau Durand de Villegagnon. Em 1555 Villegagnon chegou à Baía de Gua-

nabara com três navios e a missão de criar uma colônia francesa. Ele tinha consigo um

grupo de pessoas com alguns problemas morais e até mesmo pessoas que haviam sido

ex-prisioneiras na França. Por causa disso ele se correspondeu com Calvino, solicitan-

do o envio de pastores para o Brasil, a fim de tentar conseguir melhores colonos.

Ao receber a carta solicitando pastores a igreja de Genebra se alegrou com a pos-

sibilidade de alcançar povos longínquos com o Evangelho. A ata da época dizia: “Na

terça-feira, 25 de agosto de 1556, como consequência do recebimento de uma carta pedindo a

esta igreja o envio de ministros às novas ilhas que os franceses haviam conquistado, Pierre Richier

e Guillaume Chartier foram escolhidos”. Foram estes dois pastores que realizaram o primei-

ro culto protestante em solo brasileiro em 10 de março de 1557 (300 anos antes da

chegada das primeiras denominações protestantes oficialmente brasileiras, os congrega-

cionais com Robert Kalley e os presbiterianos com Ashbel Green Simonton).

Infelizmente, com o tempo a colônia francesa foi ficando cada vez mais insusten-

tável. Católicos acusavam os protestantes de proselitismo e protestantes acusavam os

católicos de opressão. No fim das contas, Villegagnon colocou-se contra os protestan-

tes, executou cinco deles e expulsou os demais. Dentre os expulsos estava Jean de

Léry, um dos poucos que aplicava um trabalho transcultural, aprendendo a língua indí-

gena e se comunicando com o mundo além dos colonos franceses.

Um segundo evento missionário importante, também em terras brasileiras, foi a

colonização holandesa no nordeste, principalmente em Pernambuco. Entre os anos de

1630 e 1654 houve uma consolidada sociedade em Recife/Olinda que prezava por li-

berdade religiosa e tinha uma cosmovisão protestante. O líder da colonização era o

holandês Maurício de Nassau.

Os colonizadores investiram em evangelização de pelo menos quatro grupos:

judeus, africanos, portugueses e holandeses. Darei destaque especial ao que foi feito em

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direção a africanos e portugueses. Há um relato muito interessante das atividades da

igreja de Olinda por volta de 1630 que diz o seguinte: “no culto da Igreja da Sé de Olinda

muitos pretos e pretas [termos utilizados na época] escutavam humildemente e eram também bati-

zados”. O primeiro relato de batismo de um escravo africano é do Rev. Stetten e o pas-

tor espanhol Soler fora um dedicado missionário entre os escravos dos anos de 1636 a

1644.

O mesmo Soler (Vincentius Joachimus Soler) foi também o grande responsável

pela evangelização de portugueses. Na verdade, ele pregava diariamente em vários cul-

tos e nas línguas francesa, portuguesa e espanhola. Seu ministério era resposta à visão

do Consistório de Recife que havia constatado que “pelo que podemos perceber, alguns por-

tugueses, entre nós, podem ser levados à fé”. Os movimentos missionários foram marcantes

no nordeste a ponto de termos evidências de que dos 29 livros contidos nos registros

dos armazéns da Companhia Holandesa (das Índias Ocidentais), 6 deles eram indubita-

velmente usados no trabalho evangelístico junto aos portugueses.

Por fim, outro momento magnífico - senão o mais glorioso - das missões protes-

tantes, foi o movimento dos morávios ou moravianos. Eles eram um grupo de refugia-

dos que foram acolhidos pelo Conde de Zizendorf em suas terras e ali, depois de um

avivamento, houve um movimento de um século (iniciado em 1722) que culminou em

tempos de 24h de oração ininterrupta e envio de missionários ao mundo inteiro.

Há relatos de que os morávios enviaram algo em torno de 2000 a 2500 missioná-

rios para o mundo em cerca de 20 anos. Existem, por exemplo, relatos de jovens que

se venderam como escravos para que pudessem ir às nações estrangeiras pregar o Evan-

gelho de Cristo. Devemos lembrar que os morávios não eram uma megacidade, mas

uma pequena vila de refugiados crentes no Senhor Jesus.

Estes irmãos enviaram missionários à Ásia, regiões da Europa, colônias na Amé-

rica que estavam em franca expansão, África, aos polos do planeta, às longínquas ilhas

do Pacífico que, muitas vezes, tinha número irrisório de habitantes. Eles enviaram em

cinquenta anos mais missionários do que a igreja protestante havia enviado em mais de

duzentos. Enfim, com estes três exemplos, podemos perceber que apesar das dificulda-

des e perseguições, os protestantes cumpriram a missão com paixão, zelo e fervor.

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REFORMA HOJE A questão agora gira em torno da igreja local. Na aula de hoje percebemos que a

visão dos reformadores e a nossa teologia são totalmente condizentes com o espírito

missionário. Ficou claro que é inadmissível dizermos que somos reformados ou protes-

tantes e usarmos isto como justificativa para inoperância.

Lembre-se do que dissemos no decorrer da aula: Nossa doutrina que acredita na

soberania de Deus deve ser nosso maior estímulo ao compromisso missionário. Aque-

les que acreditam na decisão exclusiva do homem quanto à salvação olham para uma

plantação e dizem: “Vamos iniciar uma colheita ali e pode ser que consigamos tirar algumas

espigas”. Por outro lado, nós, que cremos na eleição divina, podemos dizer com toda a

certeza: “Vamos iniciar uma colheita ali, pois, com certeza vamos tirar várias espigas, pois, o

dono da plantação nos garantiu que há espigas”. É assim que o verdadeiro reformado acre-

dita e isto faz toda a diferença!

Desejo ardentemente que você invista em missões na sua vizinhança, trabalho,

local de estudos ou família, mas que também tenha uma visão mais abrangente. Se você

pode fazer isso financeiramente, espero que separe algum valor mensal para enviar aos

missionários que sua igreja apoia. Se você não tem condições financeiras, espero que

você caleje seus joelhos em oração pelos bravos servos de Deus que foram à colheita.

Agora, pode ser que você tenha o chamado para ir desbravar novas culturas, pregar aos

perdidos e exercer o chamado reconciliador do Deus que salva.

DISCUSSÃO 1) Vimos que muitas pessoas acham que a doutrina da predestinação torna o cristão

menos preocupados com missões. Como você responderia a esta “provocação”?

2) Os reformadores se mostraram extremamente interessados em alcançar outros

povos com a mensagem do Evangelho. As igrejas atualmente estão mais preocu-

padas com missões fora de seus portões ou com a estrutura local?

3) Hoje vimos histórias antigas sobre os levantes missionários do protestantismo.

Você conhece a história recente/atual das missões? Por exemplo: em quais paí-

ses a IPB mantém missionários? Quais os países ainda não possuem abertura?

4) O que você tem feito em relação ao trabalho missionário atualmente? Você ofer-

ta? Você ora por algum missionário? Você apoia e conscientiza outros?

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“Um sapateiro convertido perguntou a Lutero o que poderia fazer para servir melhor à Deus e ser

um cristão melhor. Lutero respondeu: ‘Faça um bom sapato e venda por um preço justo’”.

Martinho Lutero

INTRODUÇÃO Antes da Reforma do século XVI, durante a Idade Média, a percepção sobre o trabalho era bastante diferente daquela proposta pelos reformadores. Era um tempo no qual o feudalismo estava começando a dar sinais de cansaço e uma pequena sociedade de mercado começava a ganhar fôlego e força na Europa. Começam a surgir as chama-das “Corporações de Ofício” que funcionavam como guildas de cooperação entre cate-gorias profissionais. Neste cenário, haviam vários artesãos, ferreiros, pedreiros, padei-ros, tecelões e diversas outras profissões que eram essenciais á subsistência das famílias.

Por outro lado, teologicamente falando, a teologia tomista (derivada de Tomás de Aquino), a grosso modo, defendia o dualismo natureza/graça. Isto quer dizer que haviam coisas que estavam num degrau superior e outras num degrau inferior. A voca-ção de trabalho está diretamente ligada a isso. Gene Edward Veith Jr. diz que “neste contexto vocação tinha a ver com vocação religiosa e os trabalhos seculares eram tidos como menores”. A teologia reformada vem com sua percepção do sacerdócio universal dos crentes e ela muda a visão de que o sacerdote tivesse uma vocação que tornava as demais secundárias e pequenas.

Calvino diz que “o Único Espírito é a fonte de todos os dons; o Único Deus é o Senhor de todas as formas de servir [ministeriorum] e o originador de todas as atividades. Deus, porém, que é o originador, deve ser igualmente sua finalidade. Note que o reformador tem esta preocu-pação de demonstrar a grandeza de todas as atividades e que tudo deve voltar para ele (finalidade) conferindo-Lhe glória. A visão protestante do trabalho, ao contrário da romana, não coloca os trabalhos eclesiásticos num degrau superior, mas entende que todo o crente é ministro de Deus ao exercer sua própria vocação com excelência. É exatamente disso que vamos falar na aula de hoje.

A BÍBLIA E O TRABALHO Muitos cristãos não sabem, mas Deus é extremamente preocupado com o traba-

lho dos homens. Desde os primórdios da criação humana o trabalho estava lá como um

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elemento divinamente instituído. Em Gênesis 1.26 e 28 o Senhor disse ao homem que

ele seria responsável pela gerência, mordomia e zeladoria do Jardim do Éden. O Rev.

Augustus Nicodemus costuma dizer que “Deus criou o homem e colocou uma enxada na mão

dele”. Vemos após isso, o desenvolvimento de várias profissões e culturas na sequência

do livro de Gênesis. Vemos que Caim já era um agricultor (4.2) e Abel era um pecua-

rista (4.2) quando a Bíblia os apresenta no cenário. Pecuária e construção de tendas

(4.20), música (4.21), metalurgia e armamentos (4.22), são algumas das outras profis-

sões mencionadas aqui.

Outro momento marcante no que diz respeito às profissões na Bíblia aparece

quando o tabernáculo estava sendo planejado e construído. Deus diz que chamou Be-

zalel e o capacitou para ser um artista (Êx 31.1-5). A vocação de Bezalel não tinha ne-

nhuma relação com o trabalho sacerdotal (espiritual no sentido estrito), mas é instituí-

da por Deus como um exercício excelente e honrado aos Seus olhos.

Para sermos justos devemos observar que a ideia original de Deus para o traba-

lhou foi maculada pelo pecado. O trabalho era dádiva e trazia prazer ao homem. A ter-

ra cedia à raça humana os seus frutos de maneira liberal, porém, desde o pecado de

nossos primeiros pais, o cenário mudou: “E a Adão disse: Visto que atendeste a voz de tua

mulher e comeste da árvore que eu te ordenara não comesses, maldita é a terra por tua causa; em

fadigas obterás dela o sustento durante os dias de tua vida. Ela produzirá também cardos e abro-

lhos, e tu comerás a erva do campo. No suor do rosto comerás o teu pão, até que tornes à terra,

pois dela foste formado; porque tu és pó e ao pó tornarás” (Gn 3.17-19).

Depois desta mácula, então, agora o trabalho não traz mais tanto prazer quanto

deveria. Ele é cansativo, excruciante e muitas vezes não tão frutífero quanto poderia ou

quanto gostaríamos. Somos assolados pela preguiça, pela fadiga e pela desvalorização.

O trabalho, criado como benção, tornou-se motivo de dor e murmuração para os ho-

mens que agora “suam o rosto” e penam para laborar. Entretanto, a Reforma sempre

acreditou que o redenção de Cristo é cósmica e, por isso, até mesmo o trabalho e suas

relações adjacentes são abarcados pelo poder redentor do Cristo que trouxe conserto a

todos os aspectos da realidade que nos cerceia. Nas próximas páginas falaremos sobre a

visão protestante em relação ao trabalho e de que forma esta visão pode ser aplicada em

sua vida diária.

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A VISÃO REFORMADA DO TRABALHO A historia do pensamento protestante remete a muitos momentos gloriosos e de

grande exercício de fidelidade a Deus. As noções de trabalho e a defesa da dignidade do

ser humano e de que cada um possa obter de maneira digna o sustento para a sua casa

sempre foram das defesas dos homens que mudaram o mundo ao propor o retorno às

verdades da Palavra Santa.

Calvino dizia que “Se seguirmos fielmente nosso chamamento divino, receberemos o con-

solo de saber que não há trabalho insignificante ou nojento que não seja verdadeiramente respei-

tado e importante ante os olhos de Deus”. Esta concepção do reformador genebrino nos

mostra o valor que a tradição protestante dá a todas as vocações legítimas. Da mesma

forma, Lutero disse certa vez: “Quando alguém, seja ele imperador ou artesão, se volta a Deus

pela fé (...) ele está sem o amparo de sua ‘posição social’ (...). Diante de Deus, não só sua posição

deixa de existir, mas todas as qualidades que os diferenciavam perante os homens na terra são

reduzidas a nada”. Lutero, mais uma vez, reforça que todas as vocações, das mais subli-

mes às mais humildes diante dos homens, são iguais diante de um Deus que não faz

acepção de pessoas. Deus honra o trabalho, seja ele qual for, desde que digno.

Depois desta mácula, então, agora o trabalho não traz mais tanto prazer quanto

deveria. Ele é cansativo, excruciante e muitas vezes não tão frutífero quanto poderia ou

quanto gostaríamos. Somos assolados pela preguiça, pela fadiga e pela desvalorização.

O trabalho, criado como benção, tornou-se motivo de dor e murmuração para os ho-

mens que agora “suam o rosto” e penam para laborar. Entretanto, a Reforma sempre

acreditou que o redenção de Cristo é cósmica e, por isso, até mesmo o trabalho e suas

relações adjacentes são abarcados pelo poder redentor do Cristo que trouxe conserto a

todos os aspectos da realidade que nos cerceia. Nas próximas páginas falaremos sobre a

visão protestante em relação ao trabalho e de que forma esta visão pode ser aplicada em

sua vida diária.

Outro aspecto interessante na visão reformada sobre o trabalho se deram na

constante defesa que os pastores de Genebra dedicavam aos trabalhadores contra a

opressão governamental. Nas décadas de 1550 e 1560 a França enfrentava inúmeras

greves, revoltas e agitações de trabalhadores nas cidades de Lyon e Paris. Isso se dava

pelo fato de haver tentativas de impor salário máximo e proibição de coligações. Neste

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cenário, os pastores de Genebra, se voltam em favor dos trabalhadores e posicionam-

se contra as medidas autoritárias e unilaterais do Estado. Eles são proponentes de uma

organização paritária das profissões. É por causa da intervenção dos pastores da igreja

reformada genebrina que Genebra não passa pelas mesmas dificuldades que Paris e

Lyon, por exemplo.

A visão do trabalho dos reformadores era tão ampla e generosa que não deixava

de dar atenção também aos empregadores. André Biéler escreve sobre Genebra:

Os senhores funcionários devem apresentar sua relação por escrito e referir aqueles que se

entregaram a excessos, a fim de que o mestre tome informação e puna segundo merecimen-

to. Os regulamentos corporativos fixam a conduta dos mestres entre si na questão da con-

corrência, determinam suas relações com os operários ou companheiros, assim como com os

aprendizes. Mencionam, não raro, a duração do trabalho, as diretas condições de aloja -

mento e de labor, o tempo de aprendizado.

Calvino defendia três princípios éticos fundamentais: Trabalho, Poupança e Fruga-

lidade (moderação). Quando falamos de trabalho, devemos nos lembrar do princípio do

quarto mandamento. Nele, o Senhor preceitua: “Seis dias trabalharás e farás toda a tua

obra. Mas o sétimo dia é o sábado do SENHOR, teu Deus; não farás nenhum trabalho” (Ex 20.9

-10). Enfim, o trabalho é uma ordenança divina. Deus diz com todas as letras que te-

mos que descansar - e infelizmente há muitos pecando pelo excesso ou pela falta de

descanso; mas também nos diz com a mesma intensidade que devemos trabalhar com

afinco e dedicação - e há, infelizmente, muitos que tem pecado tanto pelo excesso

quanto pela falta deliberada e proposital de trabalho.

Quanto à poupança e à frugalidade, João Calvino diz em seu comentário de 2Co

8.15:

Moisés admoesta o povo que por algum tempo fora alimentado com o maná, para que sou-

besse que o ser humano não é alimentado por meio de sua própria indústria e labor, senão

pela bênção de Deus. Assim, no maná vemos claramente como se ele fosse, num espelho, a

imagem do pão ordinário que comemos. (...) O Senhor não nos prescreveu um ômer ou

qualquer outra medida para o alimento que temos cada dia, mas ele nos recomendou a

frugalidade e a temperança, e proibiu que o homem exceda por causa da sua abundância.

Por isso, aqueles que têm riquezas, seja por herança ou por conquista de sua própria

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indústria e labor, devem lembrar-se de que o excedente não deve ser usado para in tempe -

rança ou luxúria, mas para aliviar as necessidades dos irmãos. (...) Assim como o maná,

que era acumulado como excesso de ganância ou falta de fé, ficava imediatamente putrifi-

cado, assim também não devemos alimentar dúvidas de que as riquezas que são acumuladas

à expensa de nossos irmãos são malditas, e logo perecerão, e seu possuidor será arruinado

juntamente com elas, de modo que não conseguimos imaginar que a forma de um rico cres-

cer seja fazendo provisões para um futuro distante e defraudando os nossos irmãos pobres

daquela ajuda que a eles é devida.”.

REFORMA HOJE Observamos nesta manhã que, de fato, existe um princípio bíblico e histórico

para o trabalho. Percebemos que todo o trabalho que é exercido com dignidade é uma

dádiva divina e devemos honrar a Deus com nossas vocações. Cada um de nós carrega

uma missão de servir ao outro com zelo e fazer o nosso trabalho da melhor maneira e

da mais dedicada possível, pois isto é agradável a Deus. A excelência é o padrão estabe-

lecido por Deus aos seus filhos.

Portanto, na vida do cristão consciente que percebe a herança reformada que

recebeu, não há espaço para a constante murmuração a cada segunda-feira, não há espa-

ço para fazer serviços mal feitos, não há a possibilidade de insubmissões gratuitas contra

superiores, não é de bom tom tratar mal aqueles que se relacionam com você no traba-

lho, sejam colegas, funcionários, patrões ou clientes. O padrão do verdadeiro cristão

reformado é de gratidão a Deus e serviço ao próximo.

Conta-se a história sobre o fatídico dia 11 de setembro de 2001 em Nova York,

quando as torres gêmeas do World Trade Center haviam sido derrubadas pelas aerona-

ves, que os bombeiros, policiais, paramédicos e socorristas foram heroicos. Muitas vi-

das foram salvas e preservadas pelo trabalho incessante e incansável daqueles valorosos

homens e mulheres que não descansaram enquanto ainda havia possibilidade de fazer o

que precisava ser feito. Na solenidade que veio tempos depois, artistas e celebridades,

bem como todo o país, saudavam e elogiavam aqueles heróis anônimos. A fala deles,

fosse de maneira oficial através do porta-voz que discursara ou mesmo nas abordagens

pessoais com cada um dos que se tinha a oportunidade de conversar era uma só: Nós

estávamos apenas fazendo o nosso trabalho.

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DISCUSSÃO

1) Em sua visão, há trabalhos e profissões mais “especiais” diante de Deus?

2) Por que o trabalho que foi criado para ser uma dádiva tornou-se um fardo tão

pesado sobre os ombros da raça humana?

3) Sobre a ideia de “poupança e frugalidade” exposta em Calvino. Você se consi-

dera uma pessoa prudente e prevenida na gestão de suas finanças pessoais?

4) Como você lidaria biblicamente com uma pessoa que esteja trabalhando em

excesso ou com uma pessoa que tem sido falha no sentido de cumprir seu papel

vocacional por meio do trabalho (o preguiçoso)?

5) Lendo os textos de 2Ts 3.10-12 e Pv 6.6-9 podemos observar alguns outros

preceitos bíblicos sobre o trabalho, o descanso e a preguiça. O que você extrai

destes textos?

6) Pais, vocês têm ensinado aos seus filhos o valor do trabalho, ainda que seja

através de pequenas atividades domésticas?

7) Você tem buscado aperfeiçoar e crescer em seu ramo profissional? Entende a

constante capacitação e reciclagem como bom exercício da visão cristã de traba-

lho?

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“Cada vez que gastarmos um florim em armamento, devemos gastar cem florins com educação ”.

Martinho Lutero

INTRODUÇÃO Falar da Reforma Protestante, automaticamente, é falar de educação. Hoje, 500 anos depois do início do movimento reformado, é possível perceber como a educação obteve um papel central na vida e obra dos homens que Deus levantou naquela ocasião. A educação já existia naquele contexto? Claro que sim! Mas, quem era educado? Quem possuía acesso às escolas? Somente a nobreza! Ou seja, o acesso à educação era para uma fatia ínfima da população. Os pobres eram completamente analfabetos. Sendo as-sim, o movimento reformado pensou, em primeiro lugar, na necessidade das pessoas lerem a Bíblia.

Como ter acesso à Palavra de Deus sem saber ler? Para que a leitura da Palavra fosse acessível a todas as pessoas, os reformadores lançaram mão da educação formal para todos. Desta forma, nos países em que a Reforma se expandia, os reis e príncipes, que se convertiam ao protestantismo, produziam políticas públicas de incentivo à edu-cação. E os resultados podem ser vistos até hoje. Nos dias atuais, por exemplo, os paí-ses de tradição reformada, como Suécia e Suíça, praticamente não possuem analfabetis-mo. Países como Inglaterra e Estados Unidos possuem as mais relevantes universidades do mundo. E o que dizer de Holanda, Escócia e Alemanha? Tudo isso, porque a Refor-ma Protestante se preocupou com a educação.

LUTERO E OS PRINCÍPIOS EDUCACIONAIS DA REFORMA Apesar de Lutero viver numa região um pouco mais remota, na Alemanha, e não

em grandes centros, como Itália, Espanha e Portugal, o sistema feudal estava ruindo e

as pessoas migravam do campo para as cidades. Quando estas chegam às cidades, en-

contravam um sistema educacional nos mosteiros, que educavam para o sacerdócio,

além de escolas voltadas para a nobreza. Esses dois modelos educacionais eram coorde-

nados pelo império e seguiam suas diretrizes. Existiam, também, escolas superiores e

universidades, para pessoas que cresciam ganhando dinheiro com o comércio, que não

estavam ligadas, diretamente, à coroa. Sendo assim, naquele contexto, a maioria esma-

gadora da população era analfabeta, vivendo na miséria e seus filhos não tinham o que

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fazer. Nesta ocasião, eventualmente, havia escolas que misturavam adultos e crianças,

na mesma classe com assuntos pouco, ou quase nada, relevantes para o cotidiano.

Duas coisas são necessárias para melhorar a compreensão daquele momento. Por um

lado, havia, por causa do Renascimento Cultural, uma enorme efervescência científi-

ca. Por outro lado, o comércio gerava renda. Mas, havia uma falta de escolas, para

disseminar o conhecimento e educação da população.

A Reforma Protestante, em Lutero, é relevante para a educação, porque, após

sua experiência de compreensão da justificação pela fé, o reformador começa a discu-

tir no púlpito da igreja, mas também, na universidade. Todo esse processo orbitou

em volta da Escritura. Para Lutero, todos deveriam compreender as Escrituras, a fim

de terem acesso às verdades de Deus. Ninguém que seja analfabeto pode investigar as

Escrituras. Então, primariamente, a educação começou, de maneira gradativa, a ser

democratizada, porque meninos e meninas começaram a ter acesso à alfabetização.

O Estado começou, na Alemanha, através dos nobres, em cada aldeia e vila a

sustentar professores para educação da população. Naquela ocasião, o plano educaci-

onal era educar o ser humano para o serviço cristão e para a vida. A partir da visão de

que o ser humano era criado para a glória de Deus, mas que caiu, no Éden, todos

precisavam retornar ao conhecimento de Deus. Por isso, o livre exame da Escritura

precisava ser feito. Então, o estudo das línguas originais, hebraico e grego, começou

a ser difundido e o estudo das obras do grego clássico, começou a ser fomentado nas

escolas alemãs e, posteriormente, em países de tradição reformada. Algo que exer-

ceu grande influência, nesta ocasião, foi a imprensa, porque a produção de livros foi

acelerada. Tudo aquilo que já havia sido escrito, mas não havia sido difundido, come-

çou a ser veiculado. Para termos uma ideia, as 95 teses foram colocadas, na Catedral

de Wittenberg, em latim, em 31 de outubro de 1517. Três semanas depois, toda a

Alemanha já lia as 95 teses traduzidas para a língua corrente.

É preciso ressaltar que a tradução da Bíblia efetuada por Lutero, que correu às

mãos dos alemães, mediante a imprensa, foi de suma importância para dar um padrão

linguístico para a Alemanha da época. Desta forma, a Reforma, a partir de Lutero,

porque via os seres humanos como imagem e semelhança de Deus, mas seres caídos

em pecado, via a necessidade e o direito à educação de todos os seres humanos. O

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objetivo central do processo educacional era conduzir os seres humanos de volta à

presença do Criador, a fim de que eles glorificassem o Criador em todas as áreas de

suas vidas. Outra coisa importante é uma nova pedagogia começou a ser utilizada. As

crianças começaram a ter acesso à educação. Materiais pedagógicos começaram a ser

desenvolvidos para cumprir os fins necessários. Por fim, o Estado deveria se compro-

meter com uma educação de qualidade para toda a população e esta mesma popula-

ção deveria, começando da família, se engajar na construção de indivíduos para que

estes exercessem papeis importantes na sociedade. Esse processo educacional, segun-

do os reformadores, era contínuo e deveria terminar, somente quando o indivíduo

partisse dessa vida.

JOÃO CALVINO E A EDUCAÇÃO EM GENEBRA

Ao tratar da educação do ser humano, no primeiro momento, Calvino não é

um pedagogo, mas um teólogo. Todavia, como o reformador genebrino era treinado

em várias ciências, da época, ele começou a traçar um princípio básico para o ser hu-

mano: conhecendo a Deus o homem conhece a si mesmo. A partir daí, o ser humano

poderia investigar e estudas a Criação de Deus. Ou seja, o processo educacional, em

Calvino, começa com o conhecimento de Deus e, a partir daí, é possível conhecer as

obras de Deus. E como isso poderia ensejar um processo educacional? O reformador

de Genebra estava preocupado, a priori, com a glória de Deus sendo promovida.

Sendo assim, ele preocupa-se com a formação do indivíduo como um todo,

principalmente as crianças. Esses seres humanos deveriam ser formados para enalte-

cer a glória de Deus em qualquer lugar que estivessem e exercendo qualquer ativida-

de profissional. Calvino era um homem de princípios educacionais. Ele, como um

ferrenho seguidor das Escrituras, embasado no que o apóstolo Paulo escreveu em

Filipenses 3:14, dizia: “Se ensino, devo estar disposto a aprender”. Havia em Calvino

um desejo que as pessoas devem aprender sempre mais. Divergindo de Lutero, em

que a salvação deve gerar meramente alegria, Calvino dizia que o alvo da salvação é a

santificação. Calvino falava de desenvolvimento e constante aplicação do conheci-

mento de Deus e do conhecimento de si mesmo, ou seja, você foi salvo para santifi-

car-se.

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Então, Calvino agrega o conhecimento da natureza e na escola havia um apren-

dizado, a partir da Escritura como fundamento, e um estudo acurado das artes, lite-

ratura e a ciência, como objeto da pesquisa da criação de Deus. Só havia um colégio

quando Calvino chegou a Genebra e muito pouco treinamento educacional. Ele esta-

va convencido de que a educação era a fonte para tirar o povo das trevas espirituais.

Então, em sua segunda passagem por Genebra, começou-se a oferecer educação gra-

tuita para os pobres. Com a superlotação da escola, mais quatro escolas foram planta-

das, estrategicamente.

As aulas começavam às sete da manhã, no inverno, e às seis da manhã, no ve-

rão, e terminavam às quatro da tarde. Desde os menores até os adultos passaram a

estudar e o ciclo era constituído por sete classes. “Os da classe sete, por exemplo,

passavam do alfabeto à leitura do francês fluente e já liam latim. A classe seis era ins-

truída na gramática latina e se exercitava numa composição simples do latim. Virgí-

lio, Ovídeo e Cícero eram estudados. A gramática grega começava na classe quatro.

As classes três a um tinham abundância de latim e literatura grega. Aos sábados, os

alunos ouviam por uma hora a leitura de porções do Novo Testamento grego, junta-

mente com noções de retórica e dialética, com base nos textos clássicos [...] Não é

sem razão que, diante da sua capacitação no latim, se dizia que os meninos de Gene-

bra falavam como os doutores da Sorbonne” (Fides Reformata - 2000).

Um último legado para a educação, em Calvino, foi a Academia de Genebra.

Segundo alguns, depois dos apóstolos, essa foi a maior escola de Cristo que a terra já

viu. Os propósitos da Academia eram fortalecer a doutrina ensinada pelos pais em

casa; formar pastores e, tempos depois, pessoas formadas em medicina e direito; e

formar a juventude que governaria e cidade e continuaria o legado da Reforma. Em

ultima análise, a Academia formaria os próximos líderes do povo suíço. Formada a

partir de doação de pessoas da cidade mesmo, porque o governo não tinha dinheiro

para isso, a Academia de Genebra funcionava com vinte sete horas de aula semanais

com preleções públicas. Os alunos deveriam se matricular e assistir as aulas de ma-

neira crítica. O professor de artes ensinava ciência física e matemática. Além disso,

ensinava retórica avançada. Eles estudavam teologia e eram investigadores do Hebrai-

co e do Grego. O currículo da academia, ainda, contemplava latim, francês, gramáti-

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ca, lógica, física e música. Todos os grandes autores clássicos deveriam ser estudados:

Cícero, Virgílio e Ovídio, de tradição latina. Além desses, Heródoto, Xenofonte,

Homero, Demostenes, Plutarco e Platão, de tradição grega. O sucesso da Academia

foi extraordinário. Toda a Europa foi influenciada por essa escola. Ministros do Evan-

gelho e doutores em todas as áreas passaram por lá. Os jovens da Europa eram envia-

dos para serem formados pela escola genebrina.

REFORMA HOJE

Como podemos aplicar a aula de hoje à nossa igreja?

Em primeiro lugar, podemos analisar que a Reforma trouxe a universalização

da educação e sua democratização. Ainda hoje, sofremos com isso. Os pobres não

têm acesso à educação e muito menos educação de qualidades. Outro ponto funda-

mental é o papel da família na educação. Sempre coube aos pais o processo inicial da

educação e que começava com a educação na Palavra de Deus.

Temos, então, um processo estabelecido interessante. Como “tiramos” Deus

do centro do universo, a educação de hoje é puramente naturalista. Todos que se

dirigem à escola aprendem que o ser humano é o centro do universo e que suas esco-

lhas movem o mundo. Então, toda investigação científica torna-se um fim em si. Por

outro lado, o modelo reformado demonstra uma educação centrada em Deus. Para

que o homem se conheça e conheça o mundo ao redor, precisa conhecer o ser de

Deus. O processo educacional precisa começar com Deus e para a glória de Deus. O

processo de educação nada mais é do que uma faceta da santificação do crente. Sendo

assim, como comunidade reformada, precisamos ter uma voz profética e denunciar

essa informação para o mundo: Deus é o centro do universo!

Precisamos, também, adentrar, como professores, pedagogos e pensadores da

educação, à comunidade escolar e inserirmos essa provocação e começarmos a pensar

e agir dessa maneira. Precisamos, também, como alunos, pensarmos que a educação

faz parte do processo de santificação e participarmos desse processo para a glória de

Deus. Como pais de alunos, precisamos incentivar nossos filhos ao estudo para a gló-

ria de Deus. Por fim, quando Calvino começa a enviar missionários para a França só

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havia cinco igrejas reformadas naquela região. Ao final da vida de Calvino, esse nú-

mero já passava de duas mil igrejas. A ênfase evangelística de Calvino tinha três ver-

tentes: 1) pregar a Palavra; 2) plantar igrejas; 3) TER UMA ESCOLA CONFESSIO-

NAL EM CADA IGREJA. O Brasil precisa de escolas confessionais, que educam para

a glória de Deus.

DISCUSSÃO

1) Relacione o processo educacional com a glória de Deus.

2) Relacione Educação e Santificação.

3) Qual o papel da família na educação?

4) O que precisamos fazer para termos uma educação, nos moldes reformados,

hoje no Brasil?

5) Relacione a queda e a redenção com o processo educacional.

6) Compare a educação brasileira com a educação reformada.

Universidade Presbiteriana

Mackenzie

Universidade de Genebra

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