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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” INSTITUTO A VEZ DO MESTRE OS CONTOS DE FADAS COMO REFERÊNCIA NO TRABALHO PSICOPEDAGÓGICO Apresentação de monografia à Universidade Candido Mendes como requisito parcial para obtenção do grau de especialista em Psicopedagogia Institucional Por:. Aline Rossetto de Carvalho Orientador: Vilson Sérgio de Carvalho Rio de Janeiro 2010

OS CONTOS DE FADAS COMO REFERÊNCIA NO TRABALHO … · crianças histórias simbólicas – “mythoi”. Desde então, os contos de fada estão Desde então, os contos de fada estão

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

INSTITUTO A VEZ DO MESTRE

OS CONTOS DE FADAS COMO REFERÊNCIA NO TRABALHO PSICOPEDAGÓGICO

Apresentação de monografia à

Universidade Candido Mendes

como requisito parcial para

obtenção do grau de especialista

em Psicopedagogia Institucional

Por:. Aline Rossetto de Carvalho

Orientador: Vilson Sérgio de Carvalho

Rio de Janeiro

2010

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AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus pela oportunidade de estar realizando este trabalho.

À minha família pela paciência nas horas de abandono.

A Sociedade Brasileira de Psicanálise que muito contribuiu para fundamentar

este trabalho.

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DEDICATÓRIA

Dedico esse trabalho a uma criança muito especial que trouxe para minha vida

tudo de mais mágico que esta pode proporcionar a uma pessoa, através de

você filho enxergo um mundo cheio de fantasias, com direito a rainhas e reis,

com casinha de balas e biscoito, onde o amor é o personagem principal da

nossa historinha.

Rafael – meu anjo – quero ser sempre sua fada madrinha, seu gênio da

lâmpada mágica e uma doce bruxinha nas horas do: – Já vez a lição?,

– Já escovou os dentinhos?

Querido Filho, “e ao te despertar de um beijo”, espero contribuir para que você

menino-mocinho, seja uma criança muito feliz.

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RESUMO

Este trabalho apresenta uma forma de como os contos de fadas podem ser um

referencial na construção de competências que a escola espera da criança e

um mediador entre o imaginário e o mundo real, auxiliando na sua valorização

e autoestima. Um mediador entre a ficção e a realidade.

Os contos de fadas são os primeiros textos escritos destinados às crianças e

se mantêm presente, ainda hoje, na formação dos leitores mirins. Nesse

sentido, pretende-se estudar contos de fadas em virtude da proposta estrutural

e da solução que tais narrativas contêm, seja no que se refere aos conflitos,

seja pelo fato de priorizar os finais felizes.

Desse modo, pretende-se focar alguns tópicos, como: Questões existenciais

presentes nos contos de fadas. Como esses contos são concretizados pela

criança? e Qual o papel da escola no formação do leitor?

A partir dessa escuta, procede-se a análise da produção de sentido efetivada

por cada um dos sujeitos. Com o propósito da reflexão, busca-se apoio, em

contribuições de vários pesquisadores, em especial Ariès, Vygotsky, Bettelheim

e Propp, a fim de refletir sobre o papel da imaginação na formação humana.

Espera-se com esta investigação contribuir com estudos, especialmente, na

área da Educação, uma vez que, além de analisar os contos na perspectiva

estrutural, simbólica, e no que se refere à representação do leitor, ainda reflete

sobre a leitura como uma experiência construída a partir das vivências de cada

leitor.

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METODOLOGIA

As histórias infantis não contam apenas o que está escrito nos livros, as

histórias infantis produzem encantamento e deles podemos absorver vários

ensinamentos na constituição do ser.

A construção deste trabalho foi cercado por leituras, pesquisas, relatos e rodas

de conversas. Destaco o curso que participei na SBP-RJ cujo tema foi: A

Psicanálise dos Contos de Fadas: um exercício de clínica, que muito feito

contribuir para a tessitura deste trabalho.

A opção pelo estudo dos contos de fadas deve-se ao interesse de,

cientificamente, poder apresentar aos adultos que, através de uma maneira

muito acessível, mas também complexa, deve-se proporcionar a escuta de

histórias à criança que está à sua volta. A complexidade está no fato de que

esses contos possibilitam à criança conhecer outros mundos, outras situações

que expressam atitudes humanas que poderão ajudar na estruturação de sua

personalidade. Acredita-se que, por meio dessas histórias, pode-se aliviar

pressões causadas pelas mudanças que acontecem na vida das crianças, e

que muitas vezes são despercebidas por quem a acompanha.

Será que, por não entenderem, os adultos estão marginalizando esses tipos de

contos? Será que eles sabem o quanto se pode proporcionar à criança, através

dessas práticas? Pretende-se mostrar, por meio deste trabalho, que as

crianças sentem prazer e gostam deste tipo de encontro. Quem não gosta de

sonhar, de viajar num mundo em que tudo tende a dar certo? Pode-se oferecer,

através dessas práticas de leitura, um atendimento e uma atenção cada vez

mais qualificados ao público infantil, independentemente da idade, sem

esquecer que se contribui para a formação de leitores que sentem alegria e

prazer através da leitura da literatura.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 7

CAPÍTULO I – Sobre os contos de fadas 8

CAPÍTULO II – Leitura literária, infância e narrativa 19

CAPÍTULO III – Aprendizagem e o trabalho psicopedagógico 27

CONSIDERAÇÕES FINAIS 37

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 40

REFERÊNCIAS ELETRÔNICAS 42

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INTRODUÇÃO

O objetivo desse trabalho é investigar a possibilidade de os professores

lançarem mão dos contos de fadas para mediar à aprendizagem, pois ao

considerar o ser humano como sujeito biológico, cognitivo e emocional, esse

tema pertinente a infância pode contribuir na formação do sujeito.

Não basta somente compreender as fases do desenvolvimento psicológico

pelas quais todos nós passamos – é necessária uma abordagem que analise

as especificidades de cada aluno.

A vontade e a preferência por um determinado conto varia de acordo com a

fase do desenvolvimento e conflitos que a criança estiver vivenciando,

conforme Bettelheim (1980). Isso acontece devido a diversos fatores, entre eles

primordialmente – de acordo com Vygotsky – o seu meio. O meio em que a

criança vive pode ser observado pelas projeções que articula no brincar e nas

fantasias relatadas. Afinal, a criança relata o que sente, e se o inventou, foi

porque sentiu necessidade de externalizar tal fato.

Pretendo contribuir com a área educacional ao articular os contos de fadas e a

aprendizagem significativa. Ou seja, busco mostrar que os contos de fadas

auxiliam na compreensão do universo imaginário do sujeito em seu processo

de desenvolvimento emocional e de aprendizagem, colaborando com a

formação da nova geração.

Para tanto iremos nos basear nas concepções trazidas por Bettelheim (1980)

ao analisar esse gênero literário sob a ótica da psicanálise. Faremos uma

incursão em sua obra “A Psicanálise dos Contos de Fadas”, que defende essa

literatura por atender à necessidade que as crianças têm de que lhe sejam

dadas sugestões de como enfrentar situações a fim de atingir a maturidade,

desenvolvendo um caráter moralmente aceito pela sociedade.

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CAPÍTULO I

SOBRE OS CONTOS DE FADAS

Segundo BETTLEIHEIM, o mais antigo conto de fadas foi encontrado num

papiro egípcio de 1250 a.C..As histórias modernas evitam sobretudo problemas

existenciais, crucias. Os contos de fada são sugestões em forma simbólica de

como lidar com essas questões. Eles colocam um dilema existencial de

maneira breve e incisiva e isso permite à criança apreender o problema em sua

forma essencial. Os personagens são típicos e os exageros dão o toque de

veracidade psicológica.

Quem lê "Cinderela" não imagina que há registros de que essa história já era

contada na China, durante o século IX d. C.. E, assim como tantas outras, tem-

se perpetuado há milênios, atravessando toda a força e a perenidade do

folclore dos povos, sobretudo, através da tradição oral.

Pode-se dizer que os contos de fadas, na versão literária, atualizam ou

reinterpretam, em suas variantes questões universais, como os conflitos do

poder e a formação dos valores, misturando realidade e fantasia, no clima do

"Era uma vez...".

A cultura de contar histórias para as crianças não é algo recente. “Pelos

escritos de Platão sabemos que as mulheres mais velhas contavam às suas

crianças histórias simbólicas – “mythoi”. Desde então, os contos de fada estão

vinculados à educação das crianças.” (FRANZ, 1990, p.11).

Não podemos deixar de lado a importância histórica que os contos tiveram, e

têm, na construção da mente dos indivíduos.

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Segundo Bettelheim:

“Há um tempo certo para determinadas experiências de crescimento, e a infância é

o período de aprender a construir pontes sobre a imensa lacuna entre a

experiência interna e o mundo real. Um adulto que não conseguiu uma integração

satisfatória dos dois mundos, o da realidade e o da imaginação, se desnorteia com

estes contos.Mas um adulto que na sua própria vida é capaz de integrar a ordem

racional com ilogicidade de seu inconsciente será suscetível à forma como o conto

de fadas auxilia a criança nesta integração.Para a criança e para o adulto que,

como Sócrates, sabe que ainda existe uma criança dentro do individuo mais sábio

os contos de fadas exprimem verdades sobre a humanidade e sobre a própria

pessoa” (Bettelheim, 1980, p.83)

Bettelheim (1980) explica que os contos de fadas descrevem uma integração

do ego que permite uma satisfação apropriada dos desejos do id. O otimismo

essencial dos contos de fadas auxiliam no desenvolvimento ao dar esperança

de um final feliz.

“(...) os contos de fadas têm grande significado psicológico para as crianças de

todas as idades, tanto meninas quanto meninos, independentemente da idade

e sexo do herói da estória” (Bettelheim, 1980, p.26).

Dessa forma, não devemos esconder o lado ruim da vida para as crianças,

mesmo porque, a criança não se sente boa o tempo todo e, a polarização

auxilia na formação, conforme mostra a seguinte passagem: “As figuras nos

contos de fadas não são ambivalentes – não são boas e más ao mesmo

tempo, como somos todos na realidade. Mas dado que a polarização domina a

mente da criança, também domina os contos de fadas” (Bettelheim, 1980,

p.17). O desenvolvimento acontece dessa forma, porque “(...) as escolhas das

crianças são baseadas não tanto pelo certo x errado, mas sobre quem

desperta sua simpatia e quem desperta sua antipatia.” (Bettelheim, 1980, p.17).

Assim, o fato do mal não compensar é demonstrado por uma bruxa má, que

não tem amigos. E nos contos amorais, podemos observar que mesmo o

medíocre pode ter sucesso, como cita Bettelheim (1980), nas trapaças do Gato

de Botas, por exemplo. Assim, a criança tem modelo do que é certo e do que é

errado.

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Os Contos de Fada têm sua origem nos mitos, que segundo o dicionário

Aurélio:

“Mito [Do gr. mythos, ‘fábula’ pelo lat. mythu.] S. m. 1. Narrativa dos tempos

fabulosos ou heróicos. 2. Narrativa de significação simbólica, geralmente ligada à

cosmogonia, e referente a deuses encarnadores das forças da natureza e/ou aspectos

da condição humana. 3. Representação de fatos ou personagens reais, exagerada pela

imaginação popular, pela tradição, etc. 4. Pessoa ou fato assim representado ou

concebido: Para muitos, Rui Barbosa é um mito. [Sin., (relativo a pessoa) nesta acepç.:

monstro sagrado (2), (q. v.).] 5. Idéia falsa, sem correspondente na realidade (...) 6.

Representação (passada ou futura) de um estágio ideal da humanidade (...) 7. Imagem

simplificada de pessoa ou acontecimento, não raro ilusória, elaborada ou aceita pelos

grupos humanos, e que representa significativo papel em seu comportamento. 8. Coisa

inacreditável, fantasiosa, irreal; utopia (...) 9. Filos. Exposição de uma doutrina ou de

uma idéia sob forma imaginativa, em que a fantasia sugere e simboliza a verdade que

deve ser transmitida, como, p. ex., no mito da caverna [q. v.] 10. Filos. Forma de

pensamento oposta à do pensamento lógico e científico. Mito da caverna. Filos. Aquele

com que Platão, no começo do livro sétimo da República, figura o processo pelo qual a

alma passa da ignorância à verdade.”

Nota-se a estreita relação entre mito e conto pela simples descrição do termo.

Sendo assim, podemos dizer que os contos de fada tiveram sua origem há

séculos, juntamente com os mitos.

Desde então, os contos de fadas cumprem um importante papel educativo.

Eles foram e ainda são destinados para crianças e adultos. Na Europa, até os

séculos XVII e XVIII, transmitir contos era uma ocupação espiritual essencial.

Neles havia algo que faltava nos ensinamentos cristãos oficiais. Tendo em vista

que naquela época a espiritualidade era uma forma de educar, podemos dizer

que eles eram importantes na formação humana. E ainda o são, pois trabalham

dilemas existenciais que a sociedade evita apresentar para as crianças, como

morte, envelhecimento, desejo de vida eterna, luta entre o bem o mal, entre

outros.

Por outro lado, é bom ter consciência de que os contos populares com que hoje

nos defrontamos são diferentes daqueles que, durante séculos, foram

transmitidos oralmente de geração em geração. Em primeiro lugar, porque o

seu registro por escrito implicou necessariamente alguma re-elaboração. Em

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segundo lugar, porque no ato de narração oral o código linguístico era

acompanhado por outros códigos, variáveis de contador para contador e

irreproduzíveis na escrita (a entoação, a ênfase, os movimentos corporais, a

mímica...).

Também não podemos esquecer que o auditório estava fisicamente presente e

condicionava o ato de narração, fazendo comentários ou perguntas e

restringindo, com a sua censura implícita, a imaginação criadora do contador. É

essa censura latente que ajuda a compreender a permanência dos elementos

essenciais, independentemente do tempo e do espaço.

Segundo Franz (1990), por interesse científico, no século XVIII, Winckelmann,

Haman e J.G.Heder tentaram interpretar os contos. Herder dizia que nos

contos havia uma antiga crença neopagã, o que o levou a induzir os “irmãos

Jakob e Wilhelm Grimm a colecionar contos folclóricos. Antes disso, os contos

de fada haviam sofrido o mesmo destino do próprio inconsciente, ou seja, eram

simplesmente aceitos.” (p.13)

Vladimir Propp, folclorista russo, na sua vasta pesquisa linguística que se

tornou clássica e teve interlocutores como Lévi- Strauss, pretendeu um estudo

científico, sistemático dos contos. A morfologia de Propp é resultado do

isolamento das partes constitutivas dos contos maravilhosos e das relações

dessas partes entre si e com o todo. Foi elaborado um método comparativo, a

partir de exemplos ilustrativos do gênero, extraídos de textos tradicionais da

Rússia,que enfocam formas recorrentes e insólitas de ações e convenções, de

gestos, de mudanças de estado, e outras, o que levou o teórico a atestar a

repetição, segundo ele, “espantosa” das funções dos personagens. Foram

descritas e definidas trinta e uma dessas funções que representam a base

morfológica dos contos maravilhosos em geral e constituem a tessitura do

enredo. O seu interesse é, portanto, o de organizar uma análise de ordem

sintagmática, acentuando o aspecto retórico da literatura.

Propp afirma que nos contos se “atribui frequentemente ações iguais a

personagens diferentes” (PROPP, 1984, p. 25). Conforme o estudioso, a

narrativa “habitualmente, começa com certa situação inicial. Enumeram-se os

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membros de uma família, ou o futuro herói é apresentado simplesmente pela

menção de seu nome ou indicação de sua situação” (PROPP, 1984, p. 31);

seus acontecimentos são ordenados; os valores, constantes e variados, e

interessa, particularmente, o que fazem as personagens, ou melhor, a função

que desempenham no enredo. Após estudos sobre o conto maravilhoso russo,

Propp (1984) classificou as personagens em 7 esferas de ação, de modo que

ocupariam um dos seguintes papéis: agressor, doador, auxiliar, a princesa e

seu pai, mandante, herói e falso herói.

A partir da situação inicial surgem as 31 funções dos personagens,

identificadas como: afastamento, interdição, transgressão, interrogação,

informação, engano ou logro, cumplicidade, malfeitoria ou dano, mediação ou

momento de transição, início da ação contrária, partida, a primeira função do

doador, reação do herói, recepção do objeto mágico, deslocamento no espaço,

combate, marca, vitória, reparação do dano, perseguição, volta, socorro,

chegada incógnita, pretensões falsas, tarefa difícil, tarefa cumprida,

reconhecimento, descoberta, transgressão, punição, casamento. Nem todas

essas funções aparecem num determinado conto, mas as que surgem

mostram-se em sequência.

O caráter dessas conclusões modeladas estruturalmente suscita outros

questionamentos que se desdobram em novas hipóteses. Propp (1983)

constatou um dado insólito nessa questão e confessou que a tese sobre a

“uniformidade absoluta da estrutura dos contos maravilhosos” em desacordo à

idéia sobre sua riqueza e diversidade, o surpreendeu. Porém, admitiu que a

inesperada constatação da monotonia repetitiva das funções o levou à hipótese

de haver uma fonte comum na origem desses contos: A fonte única pode ser,

principalmente, psicológica, (sic) num aspecto histórico-social.

Mas o estudo morfológico do conto mostra que este a reflete muito pouco.

Entre a realidade e o conto existem certos pontos de passagem: a realidade

reflete-se indiretamente nos contos. Um destes pontos de passagem é

constituído pelas crenças, que se desenvolveram a um certo nível da evolução

cultural; é muito possível que exista uma ligação, regida por leis, entre as

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formas arcaicas da cultura e da religião, por um lado, entre a religião e os

contos, por outro. Quando uma religião morre, quando uma cultura morre, o

seu conteúdo transforma-se em conto. Os vestígios de representações

religiosas arcaicas que os contos conservam são tão evidentes que podemos

isolá-las sem para isso necessitarmos de qualquer estudo

histórico.(PROPP,1983: 163)

Essas últimas constatações podem ser consideradas um sutil desequilíbrio no

interior do método. Apreende-se o obscurecimento do significado mítico do

texto, a desatenção ao simbólico inscrito na representação verbal. Na verdade,

Propp não intentou analisar os contos como narrativas elaboradas por meio de

signos sensíveis a ser captada por um destinatário de carne e osso, cuja

função perceptiva é, reconhecidamente singular. Sente-se falta de acompanhar

os nexos, as falhas e as contradições da composição. E, ainda mais, sente-se

a falta da articulação dos diversos textos, motivada por suas diferenças.

Pela diferença, começa-se a pensar a instância de articulação de um texto

sobre outro (s), onde percebeu as invariâncias fórmulas fixas dos contos e sua

conclusão que mais nos interessa é que os contos têm um sentido, significado.

Segundo Furlanetto, os contos de fadas são a expressão da psique coletiva,

que encanta crianças e adultos de todas as gerações. Isso acontece porque

esse gênero literário está carregado de símbolos, e “(...) é através dos

símbolos que a consciência pode perceber os liames entre a psique individual e

a psique coletiva.” (1989, p.4).

O conto proporciona à criança a oportunidade de pertencer a um mundo, tanto

real como imaginário, com valores estabelecidos. Mostra que o ser humano

pode ser bom ou mau, agir certo ou errado, ter sentimentos de amizade ou

rancor, respeito ou desrespeito, indiferença, humildade ou arrogância e que

tudo gera consequências.

Para auxiliar na percepção da ambivalência presente no humano. As figuras

nos contos de fadas “não são boas ou más ao mesmo tempo, como somos

todos na realidade. A polarização entre bom e mau domina tanto a mente da

criança como os contos de fadas” (BETTELHEIM, 1979, p. 17). Esse modo de

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apresentação das pessoas contribui para que a criança perceba a si e ao outro.

Assim, pode refletir sobre sua maneira de agir e de viver e, por isso, se acredita

que a essência desses contos ajudaria na formação do caráter deste ser que

está em desenvolvimento e aprendizagem, e na construção e na elaboração de

conceitos éticos e morais.

Bettelheim (1979) afirma que o “valor inigualável” dos contos de fadas deve-se

à possibilidade de mobilização do inconsciente da criança, com seus

problemas e dependências e, assim, auxiliá-la na resolução de vários conflitos

que esteja vivenciando tanto psicológicos, relativos ao crescimento, como

narcisistas e dilemas edípicos. Assim, nessa concepção, a criança: pode atingir

essa compreensão, e com isto a habilidade de lidar com as coisas, não através

da compreensão racional da natureza e conteúdo de seu inconsciente, mas

familiarizando-se com ele através de devaneios prolongados -ruminando,

reorganizando, e fantasiando sobre elementos adequados da estória e

resposta a pressões inconscientes. Com isto, a criança adequa o conteúdo

inconsciente às fantasias conscientes, o que a capacita a lidar com este

conteúdo. (BETTELHEIM, 1979, p. 16).

Acredita-se que o conto ajuda a procurar, através da fantasia, alguma saída,

um consolo ou ao menos amenizar um problema sentido. O professor deve

valer-se desses contos como uma alternativa para ajudar a criar e a fortalecer

conceitos, tanto éticos como morais, enriquecer a bagagem cultural do aluno,

bem como utilizá-los para a formação de um estudante leitor.

Os contos de fadas caracterizam-se pela presença do elemento "fada".

Etimologicamente, a palavra fada vem do latim fatum (destino, fatalidade,

oráculo), que por sua vez vem do grego e significa “coisa que brilha”. Mas, de

onde vêm as fadas? As fadas existem em todos os cantos do mundo, porém

em cada lugar assumem características diferentes, dependendo da cultura

local.

As fadas não pertencem a nenhuma religião, são imortais, mas não divinas:

simples, iluminadas e mágicas, possuem talismãs, pedras preciosas e objetos

encantados. Elas se aproximam do imaginário sobrenatural das crianças,

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independentemente do povo que as criou, e são aceitas em todos os lugares

sem dificuldades. São seres simbólicos, dotados de virtudes positivas e

poderes sobrenaturais, concentrados em suas varinhas de condão. Por isso,

sempre aparecem nos momentos de grandes conflitos, quando as pessoas

pensam que seu destino está comprometido por uma fatalidade irremediável.

A característica mais importante das fadas é o encantamento. Foi esse

encantamento que transformou os contos populares em um tipo de texto

pertencente ao reino maravilhoso, isto é, os contos populares passaram a fazer

parte de um conjunto de textos com características predominantemente

fantásticas, que rompem com o real e utilizam elementos mágicos.

Os contos de fadas pertencem ao gênero da narrativa e, dessa forma,

apresentam todas as suas características: situações de equilíbrio e

desequilíbrio que vão se modificando através de conflitos que vão sendo

resolvidos, provocando a passagem de uma situação a outra. A diferença é

que, nos contos de fadas, a transformação é provocada por uma ação mágica.

As situações reproduzidas nessas narrativas acontecem num espaço regido

por leis sobrenaturais, comumente bosques e florestas. Ali não existem

distâncias e os personagens podem se deslocar-se com facilidade da terra

para o céu e deste para o mar. O tempo é irrelevante, pois tudo acontece de

repente e a duração dos acontecimentos não é medida. Nada do que acontece

a um desses personagens é considerado estranho. Também não estão sujeitos

à ação do tempo, isto é, são seres que nunca envelhecem.

Por meio dessas histórias, as comunidades exprimem seus sentimentos e

valores. Atualmente, eles são vistos quase sempre com um final feliz, mas nem

sempre foi assim. A concepção do “...viveram felizes para sempre...”, vinculado

intrinsecamente aos Contos de Fadas é errônea. Na sua origem, os contos

apresentavam diversos fins, até mesmo os trágicos, pois assim, permitia-se

aos ouvintes a lidar com suas frustrações.

O “happy end” (final feliz) foi uma maneira de dar esperança para as pessoas

ao passar a mensagem de que, no final, tudo dará certo, mesmo para aqueles

que tenham uma vida sofrida e cheia de desgraças. No entanto, essa é uma

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idéia nova nos Contos de Fadas, e o marco para essa mudança surgiu com o

escritor americano Walt Disney. Ele popularizou mundialmente esse gênero

literário, modificando muitas histórias, e ainda, vendendo imagens e

estereótipos para cada personagem - o que não acontecia nos contos originais,

que exploravam o imaginário do ouvinte (ou ainda, do leitor, quando alguns

foram publicados) apenas pela história.

Estrutura básica dos contos de fadas

• Início - nele aparece o herói (ou heroína) e sua dificuldade ou restrição.

Problemas vinculados à realidade, como estados de carência, penúria,

conflitos, etc., que desequilibram a tranqüilidade inicial;

• Ruptura - é quando o herói se desliga de sua vida concreta, sai da

proteção e mergulha no completo desconhecido;

• Confronto e superação de obstáculos e perigos - busca de soluções no

plano da fantasia com a introdução de elementos imaginários;

• Restauração - início do processo de descobrir o novo, possibilidades,

potencialidades e polaridades opostas;

• Desfecho - volta à realidade. União dos opostos, germinação,

florescimento, colheita e transcendência.

Personagens

A caracterização das personagens é sumária e estereotipada: os heróis

concentram em si os traços positivos, enquanto os vilões evidenciam todos os

aspectos negativos da personalidade humana. Dessa maneira personifica-se o

bem e o mal e manifesta-se insistentemente a vitória do primeiro sobre o

segundo. A caracterização indireta prevalece sobre a direta, visto que é

sobretudo pelas suas ações que as personagens revelam o seu caráter.

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Tempo e espaço

A fórmula inicial "Era uma vez..." remete para o passado e, desse modo,

funciona como um sinal de que se vai passar do mundo real para um mundo

irreal, o mundo da fantasia, onde tudo é possível. Esse mergulho no imaginário

termina com a fórmula final: "...e viveram felizes para sempre."

Ao longo do conto as indicações de natureza temporal são sempre limitadas e

vagas, não permitindo determinar com rigor a duração da ação ou a localização

num contexto histórico preciso. O mesmo acontece relativamente ao espaço:

um palácio, uma casa, uma fonte, uma floresta...

Na verdade, as vagas referências espaço-temporais aparecem apenas porque

são uma exigência da narrativa, visto que nada acontece fora do tempo e do

espaço. Não é o onde nem o quando que interessa, mas sim o que acontece, a

ação. As próprias personagens são um mero suporte da ação, daí a sua

caracterização estereotipada.

A conjugação dessas características (personagens estereotipadas e espaço e

tempo indeterminados) concede às histórias um caráter atemporal e universal,

que permite a sua reatualização permanente: é algo que poderia acontecer em

qualquer tempo e em qualquer lugar.

Simbologia

Os contos estão carregados de simbologia: dizem mais do que parecem dizer.

A manifestação mais evidente é a referência sistemática ao número três,

símbolo da perfeição desde tempos imemoriais. Mas há mais... A rosa aparece

como símbolo do amor puro e total. O beijo desperta e faz renascer. A heroína

é frequentemente a mais nova (e por isso a mais pura e inocente) e afirma-se

por oposição às irmãs mais velhas e mesmo aos pais. O herói quase sempre

tem que enfrentar uma série de provas antes de alcançar o objeto - símbolo do

amadurecimento que fará dele um homem. Outras vezes sai da casa paterna

em busca da autonomia.

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As funções do conto

Em maior ou menor grau, o conto tinha as seguintes funções:

• preencher os tempos de lazer;

• propor aos ouvintes modelos de comportamento;

• transmitir os valores e concepções do mundo próprios daquela

sociedade.

Em síntese, podemos dizer que os contos tinham (têm) uma função de

entretenimento e uma função educativa. Por um lado, constituíam uma das

formas de ocupar os tempos livres, geralmente os serões, reforçando os laços

de convivialidade entre os membros da comunidade e despertando a

imaginação dos assistentes; por meio deles era possível compensar a dureza e

a monotonia da vida quotidiana, fugindo para mundos distantes e vivendo

papéis e situações empolgantes. Por outro, concediam aos mais velhos um

instrumento privilegiado para levarem os mais novos a interiorizarem valores e

comportamentos considerados aceitáveis.

A classificação dos contos

São muitos os temas tratados nos conto, daí que sejam possíveis várias

classificações. Por comodidade podemos reduzi-los a cinco tipos:

• maravilhosos ou de encantamento;

• jocosos e divertidos;

• de fórmula;

• de exemplo;

• religiosos ou morais;

• de animais;

• etiológicos (relativos à fundação de um local).

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CAPÍTULO II

LEITURA LITERÁRIA,INFÃNCIA E NARRATIVA

É no encontro com qualquer forma de Literatura que os homens têm a

oportunidade de ampliar, transformar ou enriquecer sua própria experiência de

vida. Nesse sentido, a Literatura apresenta-se não só como veículo de

manifestação de cultura, mas também de ideologias.

A Literatura Infantil, por iniciar o homem no mundo literário, deve ser utilizada

como instrumento para a sensibilização da consciência, para a expansão da

capacidade e interesse de analisar o mundo. Sendo fundamental mostrar que a

literatura deve ser encarada, sempre, de modo global e complexo em sua

ambigüidade e pluralidade.

Até bem pouco tempo, em nosso século, a Literatura Infantil era considerada

como um gênero secundário, e vista pelo adulto como algo pueril (nivelada ao

brinquedo) ou útil (forma de entretenimento). A valorização da Literatura

Infantil, como formadora de consciência dentro da vida cultural das sociedades,

é bem recente.

Na infância, a criança deveria, pois, ser encorajada a pensar e a explorar

alternativas, a refletir sobre si mesma, a desenvolver o seu discernimento sobre

o certo e o errado. Ao trazer os contos de fadas para o mundo infantil,

teoricamente, estaria se propiciando, de maneira simbólica, uma oportunidade

dessa criança se tornar mais madura e corajosa, experimentando emoções,

conflitos e até mesmo as suas resoluções. Pela interação com personagens

ficcionais, pode vir a perceber que não é a única que sofre e que,assim como a

personagem, conseguirá vencer esse sofrimento, trilhando um caminho de

fantasias e de pensamentos mágicos, a partir de um paralelo entre o lúdico e o

real.

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Para investir na relação entre a interpretação do texto literário e a realidade,

não há melhor sugestão do que obras infantis que abordem questões de nosso

tempo e problemas universais, inerentes ao ser humano.

Também entre os leitores adultos o conto tem demonstrado enorme força, já

que sua origem pode ser rastreada até os princípios da literatura, estando

presente em todas as épocas e civilizações. E se até o século passado era

considerado um gênero menor, hoje, é consagrado definitivamente.

Portanto, é visível o motivo que leva os leitores juvenis e infantis na escolha do

conto e por isso ele ocupa lugar privilegiado dentro da literatura.

A importante tarefa de contar ou narrar fatos nos remete ao momento da

gênese do conto. Tarefa absorve e surge a partir das narrativas religiosas e

mais tarde com elementos oriundos do folclore. A fonte mais rica de enredos

populares e folclóricos está presente nos contos de fadas e fábulas.

Proveniente dessas narrativas orais, que faziam parte das rodas de amigos e

parentes, surge a “hora do Conto”, que nada mais é que contar histórias para

crianças pequenas da educação infantil. Nesta atividade pode-se conhecer o

fascínio que as histórias exercem sobre as crianças, como veremos na próxima

parte.

É no ato de narrar que o ser humano toma conhecimento de tudo que o cerca,

é na interlocução de estar ouvindo um fato que a comunicação acontece.

Contar histórias é uma ação humana. Quando as pessoas se dispõem a ouvir

ou relatar histórias, transitam pelo mundo maravilhoso da imaginação e relatam

junto com os fatos a emoção, e assim aproximam o ouvido atento do parceiro,

que recebe com atenção e entusiasmo a narrativa. E nessa interlocução sente-

se a mágica da ficção.

Quando um professor em sala de aula vivencia a experiência de contar

histórias, olhando diretamente nos olhos das crianças, deixando fluir

expressões de gestos e palavras, pode sentir a presença do ouvinte na

atenção presa a sua pessoa. E provavelmente, mais gratificante será ouvi-los

pedir a repetição da história e de muitas outras também.

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Na verdade o “contar” na escola não se improvisa e exige um verdadeiro

conhecimento do ritual. Sobretudo porque o contador pedagogo é às vezes a

única pessoa que mantém viva, junto à criança, a prática do conto, já que,

inclusive no meio rural, os contadores noturnos desapareceram definitivamente

e foram substituídos pela televisão. É preciso, portanto, preparar-se para

contar, da mesma maneira que se preparam as outras atividades da classe.

(GILLIG, 1999, p.84).

O autor defende que, hoje, numa época em que o livro infantil assume por si

próprio um lugar relevante dentro da Literatura, a utilização do livro no “contar”

sustenta a aproximação do ouvinte, no caso, a criança, com o livro e ajuda para

que depois possa procurar pelo livro e ler prazerosamente. Sobre este aspecto

do uso do livro no contar os autores confirmam:Um bom contador não deve

constranger-se com o livro de histórias e utilizá-lo como acessório na sua arte

do “contar”. Como ressalta o autor “é importante a presença do conto escrito no

“contar” como vetor de transmissão do objeto do desejo/prazer do imaginário

para o cultural” (GILLIG,1999, p.85). E também enfatiza que o objeto

transicional é o conto escrito, pois a criança pode apalpar manipular, sentir

primeiro pelos sentidos, ou seja, integrá-lo em si, apropriar-se dele.

Sobre o trabalho de literatura dentro da sala de aula, especificamente de contar

histórias, Amarilha afirma que:[...]a totalidade dos professores reconhece que

ao anúncio de uma história “as crianças se aquietam, concentram-se e ficam

extremamente interessadas”. Percebe-se, portanto, que a história, lida ou

contada, desempenha uma função catalisadora de interesse e prazer. Ora, se

as crianças se mobilizam é porque o mundo organizado na narrativa

corresponde a seus interesses e anseios e, por conseguinte, é significativo

para elas. (AMARILHA, 2001, p.18)

A autora enfatiza que “do ponto de vista da linguagem de ficção” (2001, p.18) o

conto focaliza um momento crucial da história de um personagem com

dramaticidade densa e breve para prender a atenção do ouvinte. Sendo assim

a função organizadora dos fatos dentro da narrativa, é provavelmente o

elemento mais engajado da mesma.

Ao narrar oralmente, o professor está fornecendo à criança a possibilidade de

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ampliar sua capacidade de antecipação sobre as estratégias da linguagem

literária e da construção de sentido. [..] É conveniente lembrar que dominar o

processo de antecipação corresponde a desenvolver a expectativa adequada

sobre as convenções da linguagem e esta é uma habilidade necessária ao

leitor. (AMARILHA, 2001, p.21)

Da mesma forma que a alfabetização representa uma construção de sentido

que leva a criança ao mundo convencional dos signos e símbolos, a narrativa

estabelece a expectativa de ampliar as estratégias de organização e

construção de sentido pelo leitor infantil, antecipando a busca do significado no

seu mundo interior.

É relevante lembrar que a oralização tem a finalidade de enriquecer a bagagem

antecipatória do leitor, buscando familiarizá-lo com as estratégias da narrativa,

por conseguinte, com as convenções da escrita. Sendo lido ou narrado, o

repertório de histórias disponíveis nas escolas já está devidamente preservado

pela escrita. Essa prática, portanto, pode de fato introduzir a criança na leitura

da literatura [...]. (AMARILHA, 2001, p.22)

Trabalhar com contos de fadas nas escolas é uma atividade prazerosa para

todos os envolvidos no processo educativo, pois é um tema de grande

aceitação entre as crianças, que desperta interesse, envolvimento e

participação dos mesmos.

Os assuntos abordados nos contos de fada muitas vezes tornam-se reais,

como os medos que fazem parte de nossa vida.

Dentre esses, os que mais vemos nas crianças são medo de escuro, de

animais, dos pais não buscarem na escola, entre outros. Porém, um dos medos

mais difíceis de trabalhar nas escolas é o medo do Lobo Mau. Na verdade, a

intenção das histórias, como a Chapeuzinho Vermelho, não é de assustar as

crianças, mas de mostrar para as mesmas que não devemos falar com

pessoas estranhas.

Os contos de fadas ensinam também as crianças a enfrentarem sentimentos

de perda e angústia. Através deles as crianças percebem que tudo de ruim que

pode acontecer na vida de uma pessoa pode passar, pois sempre há uma fada

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para ajudar a resolver os problemas, como as mães, avós, tias ou mesmo as

professoras.

Enquanto divertem as crianças, os contos trabalham o lado emocional das

mesmas, favorecendo o desenvolvimento de suas personalidades, pois tratam

vários problemas de forma prazerosa e aceitável. Cultivam a esperança, o

sonhar e nos mostram que sempre há esperança para os finais felizes.

O conto é uma narrativa curta e de rápida leitura para o entendimento do leitor.

Os elementos composicionais da narrativa estão voltados para objetivos bem

determinados, trata de uma situação específica e não de várias, pois quer que

o leitor alcance seu desfecho, que coincide com o clímax da história, com o

máximo de tensão e o mínimo de descrições.

Constitui-se de três partes perfeitamente diferenciadas, apresenta um estado

inicial de equilíbrio, segue com a aparição de um conflito, que dá origem a uma

sequência de episódios, e geralmente, encerra com a resolução desse conflito,

finalizando com a retomada do equilíbrio perdido. Refiro geralmente porque em

alguns contos modernos ou contemporâneos a sequência pode estar invertida,

por exemplo, começando pelo conflito e depois relatando como era a situação

inicial. Todo conto apresenta ações centrais que estabelecem entre si uma

relação causal, cuja função é manter o suspense. Utiliza uma linguagem

descritiva para a apresentação dos personagens, das quais o diálogo é

frequente com sinais indicativos. O tempo e o espaço são aspectos importantes

para que o leitor situe a história dentro da trama narrativa.

Essa forma narrativa possui as suas próprias leis internas, que a singularizam

diante das outras formas narrativas.Toda a literatura começa com o conto. O

conto resulta de uma necessidade básica das pessoas, que é a de contar

histórias. Quando alguém se aproxima de nós e diz:” Você não imagina o que

me aconteceu hoje”, ou então “Isto me lembra uma coisa que me ocorreu

quando era criança” – podemos ter certeza de que ali há um conto em

potencial, como também em uma notícia de jornal, em uma cena de rua, em

um sonho, até. Os relatos dos povos antigos são contos. Trechos da bíblia são

também contos. E as crianças adoram as histórias que os pais narram na hora

que elas têm que ir para a cama. As histórias podem ser narradas de maneira

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mais longa ou mais curta. Quando se trata de um personagem, ou de poucos

personagens, e quando há um acontecimento central, de preferência com um

final surpreendente, então estamos diante de um conto. (SCLIAR, 2002, p.61)

A importante tarefa de contar ou narrar fatos nos remete ao momento da

gênese do conto. Tarefa absorve e surge a partir das narrativas religiosas e

mais tarde com elementos oriundos do folclore. A fonte mais rica de enredos

populares e folclóricos está presente nos contos de fadas e fábulas.

Proveniente dessas narrativas orais, que faziam parte das rodas de amigos e

parentes, surge a “hora do Conto”, que nada mais é que contar histórias para

crianças pequenas da educação infantil. Nesta atividade pode-se conhecer o

fascínio que as histórias exercem sobre as crianças e os educadores vivenciam

de perto a evolução do maravilhoso ser que é a criança. O contato com textos

recheados de encantamento faz-nos perceber quão importante e cheia de

responsabilidade é toda forma de literatura.

Contar de novo seria o mesmo que repetir? Repetir é exigência do sujeito em

processo de aprendizagem? Qual o papel da repetição na aprendizagem? São

questões que merecem ser aprofundadas, tendo em vista as sinalizações das

crianças.

As evidencias confirmam o quanto a prática da repetição se faz presente no

cotidiano. Repetir é preciso, ensinam os credos religiosos e políticos, as

instituições e os estatutos, a mídia e as instâncias ideológicas.

Tomar como norma o “repetir é preciso” não constitui uma especificidade da

escola. Se a redundância é explorada pela mídia, se a recorrência de situações

garante o IBOPE DO XOU da XUXA, da novela da moda, do enlatado

americano, da performance do político, por que deveria ser questionada na

escola?

No entanto, naquelas comunicações, apesar da redundância (o mesmo

cenário, os eternos triângulos amorosos, as promessas e discursos de

sempre), existe também o espaço do novo – outros atores, outros textos, novas

embalagens. A televisão não apenas repete, conta de novo com recursos

outros de produção de imagens, com novas formas de ouvir, explorando

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sabiamente a tensão entre paráfrase (reprodução) e polissemia (produção),

entre redundância e informação.

Já da repetição que se instala soberana no espaço da sala de aula não se

cobra nenhum marketing. Deixa-se de lado o que dá suporte à repetição em

outros contextos: seja o sentido que atrai a sintonia, seja a sedução que vai ao

encontro do desejo para obter sintonia. Novelas, ritos e programas se tornam

tanto mais eficazes quanto mais significativo o elo criado com o público.

Já as ordens escolares obrigam a obedecer e se desobrigam de fazer sentido

para a criança. “Siga o modelo”, diz a instrução do exercício, apresentando a

seguir uma lista de frases descontextualizadas e desprovidas de intenção real

de comunicação. Que sedução pode haver em realizar um trabalho forçado,

sob um permanente controle e uma vigilância atenta, pronta a cobrar a falta e a

punir o erro?

Qualquer aprendizagem, seja ela qual for, torna-se mais produtiva quando

quem aprende quer aprender o ensinado. A questão passa pelo desejo que

acende a vontade. Quando o desejo ainda não se instalou, faz-se necessário

seduzir, coisa que a escola deveria aprender com os Meios de Comunicação

de Massa que demonstram a maior competência no assunto.

Seduzir as crianças para a apropriação da palavra escrita significa contribuir

para torná-las donas de sua linguagem, capazes de nela se afirmar, livres para

dizer o seu mundo, sagazes para ler criticamente a realidade.

Daí o interesse por situações recorrentes que forneçam pistas do processo de

construção do conhecimento experimentado pela criança. Como sujeito

ativo/interativo, a criança se vale da função apelativa da linguagem para

escolher, solicitar e impor o que lhe convém, ouvir, o que lhe dá prazer, o que

faz sentido para ela.

Percebe-se que a repetição, quando solicitada, difere substancialmente da

repetição imposta. No primeiro caso, a repetição responde a um movimento do

sujeito direcionado pelas suas necessidades e interesses. A cada replay

solicitado, a criança se apropria de recortes do fazer do outro, incorporando-o

ao seu próprio inventário.

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Em contrapartida, a repetição sob o comando do outro tem efeito domesticador

de apropriação do tempo e da vontade alheias. O caráter mecânico da ação

tende a reduzi-lo ao âmbito dos comportamentos automatizados, o que

significa o não-comprometimento da atenção voluntária, o não-envolvimento do

sujeito enquanto totalidade na ação realizada. Sinal vermelho: o fazer ameaça

desligar-se do pensar. Como consequência, a criança tende a desligar-se da

tarefa insípida e indesejada; evade-se da sala de aula na sala de aula. O fazer

se ocupa do trabalho imposto, enquanto o pensar viaja para o território do

imaginário. Inutilmente a professora recorre ao Preste atenção. Ato voluntário,

o prestar atenção é território do sujeito que se abre apenas ao que faz sentido.

É importante, pois, alimentar as crianças intelectualmente, lendo e ouvindo

histórias. Através dessas práticas, os adultos podem levá-las a ter uma relação

prazerosa e divertida com o livro, contribuindo para a sua formação,

propiciando-lhe a vivência de um tempo mágico de brincadeiras, do faz de

conta e do “Era uma vez...”. Nos contos, as personagens com as quais as

crianças se identificam enfrentam problemas familiares, passam por conflitos

com os amigos, têm contato com situações em que se evidenciam falta de

comunicação, solidão, ameaças, mudanças, perdas, início de uma vida nova,

rejeição, enfim, questões que fazem parte da infância e da existência humana e

precisam ser enfrentadas

Para que o momento do “contar/repetir” seja bem receptivo o ambiente deve

estar previamente organizado, acolhedor e confortável, uma vez que a

atividade pretenda despertar o desejo e o prazer nas crianças. É necessário

um canto de leitura com quadros, fotos, livros, cortinas, enfim para que o

profissional tenha sua voz elevada no silencio do ambiente. Assim, a criança

poderá depreender do que ouve o sentido e o significado, apropriando-se do

imaginário para por meio do simbólico atingir sua realidade.

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CAPÍTULO III

APRENDIZAGEM E O TRABALHO PSICOPEDAGÓGICO

Este capítulo apresenta reflexões e teorias sobre a aprendizagem e como ela

se processa no veículo escolar. O trabalho psicopedagógico busca estabelecer

um vínculo entre o conhecimento e a criança em insucesso escolar, trata de

despertar o desejo de aprender e de saber, desvendando as dificuldades de

cada um.

A escola é encarregada de trabalhar com o público infantil, a fim de introduzi-lo

no mundo letrado. Mas que textos fazem parte do repertório a ser oferecido aos

infantes?

Segundo Magda Soares (2005), é função e obrigação da escola: dar amplo e

irrestrito acesso ao mundo da leitura, e isto inclui a leitura informativa, mas

também a leitura literária; a leitura para fins pragmáticos, mas também a leitura

de fruição; a leitura que situações da vida real exigem, mas também a leitura

que nos permita escapar por alguns momentos da vida real. (SOARES, 2005,

p. 33).

Utilizo o livro de histórias com um objetivo preciso: promover também um

encontro e uma relação entre a criança e o objeto livro. Essa relação baseada

no prazer de desejar me parece importante, até mesmo fundamental com

algumas crianças, na perspectiva de servir-se do conto para abrir não apenas

as portas do imaginário, mas também as da cultura. O grande prazer

provocado pela escuta de um conto tem suas raízes no imaginário. Trata-se da

apropriação que a criança faz da palavra do contador, dando sentido a ela e

integrando-a em seu universo pessoal psicoafetivo. Mas o escrito do conto

também está no imaginário, é simbolizado pelo código convencional alfabético,

cuja porta de acesso pode ou não suscitar o desejo de nele penetrar. (GILLIG,

1999, p.86)

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A leitura da literatura é vista como uma habilidade específica a ser estudada na

escola, e o professor deve contribuir para ampliar a zona de desenvolvimento

proximal da criança (VYGOTSKY, 2005). Quanto mais a criança for submetida

a situações de aprendizagem, mais conseguirá se desenvolver, pois tanto a

imitação quanto o aprendizado “desempenham um papel importante. Trazem à

tona as qualidades especificamente humanas da mente e levam a criança a

novos níveis de desenvolvimento” (VYGOTSKY, 2005, p. 125).

A criança não irá somente conhecer problemas postos na história lida ou

ouvida, ela poderá internalizá-los e isso pode instigá-la a pensar sobre essas

situações, pois o enredo apresenta problemas existenciais que geralmente são

resolvidos. A proposta do conto maravilhoso vai ampliando a capacidade

imaginativa e o seu desenvolvimento poderá auxiliar no controle de emoções,

vivenciando conflitos através da fantasia (VYGOTSKY, 1997). Ao interagir com

tais histórias, a criança enfrenta modos alternativos para solucionar questões

de ordem prática.

O importante de se desenvolver é que através dele o professor consegue

trabalhar alguns conflitos do dia-a-dia dos alunos, bem como buscar as

soluções para os mesmos, procurando encontrar respostas para aquilo que

não está bem.

À medida que as histórias vão sendo trabalhadas, as crianças podem se

identificar com os personagens e transferirem todos os seus conflitos para

aqueles vividos na história. A criança se envolve tanto que passa a viver como

se fosse um dos personagens.

Entende-se, a partir de Vygotsky (1997), que tudo que existe no universo da

cultura tem origem na atividade criadora. Qualquer invenção humana – a

roda,o carro, o edifício entre outras – são, simplesmente, novas combinações

de elementos retirados da realidade, submetidos a modificações e a re-

elaborações em nossa imaginação e, quanto mais o ser humano estiver

exposto a experiências variadas, mais ampla poderá ser sua atividade criadora.

O cérebro combina o novo com o já conhecido e aprendido, desenvolvendo,

assim, a atividade criadora, por meio da imaginação. Segundo o autor, o

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cérebro é um órgão combinador e criador, que não se limita a reproduzir fatos

ou impressões vividas, mas cria novas imagens e ações. A imaginação

criadora do homem é, pois, resultado de sua época e de seu ambiente. Pode-

se dizer que, mesmo entre as crianças, a imaginação criadora se desenvolve

de maneira diferente, pois depende da experiência adquirida desde a infância.

Conforme o infante cresce, sua capacidade imaginativa pode ir se

desenvolvendo, alcançando a maturidade na idade adulta.

Para Vygotsky (1997, p. 11), “os processos criadores acontecem com toda

força desde a mais tenra infância” e são muito importantes. Durante o

desenvolvimento infantil, a criança cria, vive e combina elementos retirados de

situações reais e imita o que vê de maneira fantasiosa. Destaca-se, a partir do

pensamento desse autor, que a imaginação infantil não é mais rica do que a do

adulto, pois a imaginação depende de elementos extraídos de experiências, e a

criança ainda tem poucas vivências. O infante parece pertencer mais ao mundo

da fantasia e possuir uma inclinação à leitura de contos de fadas pela natureza

dessa modalidade textual.

Ao longo de sua fase de desenvolvimento, a criança busca condições de captar

e tentar entender o meio em que se encontra. Paralelamente, ela tenta se

compreender enquanto humano e ser integrante desse meio. Em tal contexto,

verifica-se que o conto de fada auxilia no processo de humanização por

trabalhar simbolismos que ajudam a criar pontes entre as dúvidas e as

respostas que tanto as crianças procuram em seu cotidiano, seja de forma

solitária, no seio familiar, na escola ou nos momentos de diversão e de

brincadeiras com amigos. Por isso, a importância desse tipo de leitura estar

presente na comunidade, sendo ofertada pela escola ou pela família ao público

infantil, colaborando para a criança efetuar suas próprias elaborações e juízos.

Aguiar (2006) chama a atenção sobre quem intermedeia o contato entre a

criança e o livro literário. Ela afirma que entre as instituições mais importantes

implicadas na formação do leitor estão a família e a escola e que, a cada leitor

“[...] é dado o direito de escolha daquilo que quer ler, segundo seus interesses,

curiosidades e possibilidades”, mas acrescenta que são necessárias certas

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“condições externas de leitura, como ter o livro para si, estar sozinho, dispor de

um espaço em que possa interagir a sós com o livro” (AGUIAR, 2006, p. 251-

253).

Bettelheim (1979) confirma que a percepção da dualidade é um dos

ensinamentos dos contos de fadas: praticamente em todo conto de fadas o

bem e o mal recebem corpo na forma de algumas figuras e de suas ações, já

que bem e mal são onipresentes na vida e as propensões para ambos estão

presentes em todo homem. É esta dualidade que coloca o problema moral e

requisita a luta para resolvê-lo. (BETTELHEIM, 1979, p. 15).

O uso do conto e a significação do mágico e do simbólico que nele atuam

serve como ferramenta que facilita o despertar para o desejo e o prazer de

aprender. Suas funções terapêuticas e mediadoras podem ser utilizadas tanto

no atendimento clínico como institucional, como por exemplo, em sala de aula,

à criança em situação de insucesso escolar.

Sara Pain (1992, p. 11), postulando fundamentos para a noção de

aprendizagem, descreve a “aprendizagem como um processo que se inscreve

na dinâmica da transmissão da cultura”, que constitui na definição mais ampla

da palavra educação.

O trabalho psicopedagógico faz a mediação entre a realidade da criança com

o irreal do conto, buscando a reconciliação da criança consigo mesmo e com

suas aprendizagens culturais, através do simbólico presente na narrativa,

facilitando o acesso ao desejo e ao prazer de aprender.

A leitura vai além da interação texto e resposta para ser a busca do significado

contido no texto. Nessa leitura a criança pode construir respostas significativas

e descobrir o prazer de ler, apropriando-se do conhecimento comunicativo

contido no texto.

Para isto, a autora destaca as funções interdependentes da educação, que

podem explicar o papel reprodutor social da escola enquanto espaço do

processo educativo. A função mantenedora da educação reproduz em cada

indivíduo o conjunto de normas que regem a ação possível, sendo que a

conduta humana realiza-se por meio da instância ensino-aprendizagem. A

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função socializadora transforma o indivíduo em sujeito, quando ele aprende

modalidades de ações, regulamentado por normas, que transformam o sujeito

em sujeito social, identificado em um grupo.

Paín (1992, p.28) considera o problema de aprendizagem como um sintoma,

”no sentido de que o não aprender não configura um quadro permanente, mas

ingressa numa constelação peculiar de comportamentos, nos quais se destaca

como sinal de descompensação”. Podemos entender esse sintoma como não-

aprendizagem, ou ainda uma dificuldade de aprendizagem, que se configura no

modo como a criança consegue ser ouvida no seu grupo social. É como um fio

que se desenrola e se perde do eixo. Para que se estabeleça novamente será

preciso uma investigação e um tratamento acompanhado de intervenção

psicopedagógica.

Um das principais causas da reprovação escolar tem sido destacado como

sendo a dificuldade de aprendizagem de algumas crianças, ou seja, a criança

que não acompanha o processo escolar com sucesso para muitos dos

envolvidos, deve ter um problema.

É nesta busca de descobrir ou redescobrir o desejo e o prazer de aprender que

o trabalho com o conto vai estabelecer um vínculo entre o desejo e o objeto de

estudo que é o aprender. Buscando mediar o real e o imaginário.

Sobre a importância dos contos de fada sua leitura e seu significado, Bruno

Bettelheim afirma que:

Estas histórias falam ao ego em germinação e encorajam seu

desenvolvimento, enquanto ao mesmo tempo aliviam pressões pré-conscientes

e os contos transmitem importantes mensagens à mente consciente, a pré-

consciente, em qualquer nível que esteja funcionando no momento. Lidando

com problemas humanos universais, particularmente os que preocupam o

pensamento inconsciente. (BETTELHEIM, 1980, p.13).

O autor em sua experiência como terapeuta e educador no trabalho com

crianças gravemente perturbadas afirma que sua tarefa principal foi a de

restaurar um significado na vida delas. Assim explica:

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Para mim este trabalho deixou claro que se as crianças fossem criadas de um

modo que a vida fosse significativa para elas, não necessitariam ajuda

especial. Fui confrontado com o problema de deduzir quais as experiências na

vida infantil mais adequadas para promover sua capacidade de encontrar

sentido na vida; dotar a vida em geral de mais significados. Com respeito a

esta tarefa, nada é mais importante que o impacto dos pais e outros que

cuidam da criança; em segundo lugar vem nossa herança cultural, quando

transmitida à criança da maneira correta. Quando as crianças são novas é a

literatura que canaliza melhor este tipo de informação. (BETTELHEIM, 1980,

p.12)

O autor acrescenta que a criança está exposta à sociedade em que vive e

assim sujeita a aprender a enfrentar a realidade com as condições que lhe são

próprias, desde que seus recursos interiores o permitam. De modo que suas

emoções, imaginação e intelecto se ajudem e se aprimorem mutuamente. Ele

reforça que:

Para ser bem sucedida nesse aspecto, a criança deve receber ajuda para dar

sentido coerente ao seu turbilhão de sentimentos. Necessita de idéias para

colocar ordem em sua casa interior, e com base nisso ser capaz de colocar

ordem na sua vida. Necessita – e isto mal requer ênfase nesse momento da

nossa história – de uma educação moral que de modo sutil e implícito,

conduza-a as vantagens do comportamento moral, não através de conceitos

éticos abstratos, mas daquilo que lhe parece tangivelmente correto, e, portanto

significativo. (BETTELHEIM, 1980, p.13).

Nesse aspecto a criança pode ganhar com a experiência da leitura de textos

literários, tendo acesso ao significado e ao que é significativo no seu estágio de

desenvolvimento. Bettelheim enfatiza que “para que uma história realmente

prenda a atenção de uma criança, deve entretê-la e despertar sua curiosidade”.

Mas se é para realmente ter valor significativo na sua vida, essa ajuda deve

proporcionar estímulo a criança. Esse estímulo enfatiza Bettelheim encontra-se

na leitura de contos de fadas. A leitura deve estimular-lhe a imaginação da

criança e ajudá-la a desenvolver seu intelecto, tornando claras suas emoções e

também deve estar harmonizada com suas ansiedades e aspirações.

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Segundo SANDRONI, o que parece ser fundamental no desenvolvimento da leitura é

saber o que deseja o leitor.

Faixa etária Escolaridade

Pretendida

Estágio do desenvolvimento da leitura

0 a 3 anos ------ Não-leitura: grande apoio na imagem.

3 a 6 anos

Pré-escolar Pré-leitura: desenvolvimento da linguagem oral,

percepção e estabelecimento de relações entre

imagens e palavras.

6 a 8 anos

1º e 2º anos Alfabetização: leitura silábica e de palavras, com

dificuldade ainda de associação do que é lido com o

pensamento completo a que o texto remete; a

ilustração facilita a compreensão.

8 a 10 anos

3º e 4º anos Iniciação: leitura sintática, com a capacidade de ler e

compreender porções completas de textos curtos e

de leitura fácil, com eventual apoio na ilustração.

10 a 12 anos

5º e 6º anos Desenvolvimento: passagem gradual da leitura

sintática para a leitura crítica, com maior extensão e

complexidade dos textos no que se refere a idéia,

estrutura e linguagem (inclusive visual).

12 a 14 anos

7º e 8º anos Leitura crítica: capacidade de assimilar idéias e

reelaborá-las a partir da própria experiência, em

confronto com o material de leitura.

Acima de 14 anos ----- Leitura crítica e independente: aproximação, cada

vez maior, com a literatura adulta.

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Ainda em SANDRONI, a atuação dos adultos é definida no ato de falar, ouvir,

mostrar figuras e deixar que as crianças manuseiem os livros:

• Os pais por sua vez devem:

- Ler em voz alta;

- partilhar livros;

- orientar a criança na escolha do livro.

• Aos professores cabe:

Ensinar a ler:

- identificar interesses e habilidades de cada aluno;

- identificar estágios de desenvolvimento em leitura;

- identificar os livros disponíveis e planejar seu uso para diferentes fins:

didáticos, referência, ficção.

-planejar as atividades e desenvolvê-las em classe;

- avaliar e informar.

Desenvolver o gosto pela leitura:

- estimular a escolha individual;

-proporcionar experiências variadas coletivas em grupos.

Os impedimentos quanto ao ato de ler ou de práticas de leituras nem sempre

são de natureza cognitiva, que diz respeito à capacidade de aprender a ler,

muitas vezes, têm relação com o desejo de aprender. Estando, assim, a leitura

diretamente relacionada com a valorização do estudante e com sua

autoestima. Nesse contexto o conceito de autoestima se refere à qualidade de

quem se valoriza de quem se contenta com seu modo de ser e demonstra

confiança em seus atos.

A leitura literária na instituição escolar como constata Barthes (1980, p.18) “Se,

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por não sei que excesso de socialismo ou barbárie, todas as disciplinas

devessem ser expulsas do ensino, exceto uma, é a disciplina literária que

deveria ser salva, pois todas as ciências estão presentes no monumento

literário”. Sinaliza que a literatura deve ser colocada em destaque no currículo

escolar e em acesso dos jovens leitores. É preciso que os professores

resgatem a paixão que os textos literários permitem aos leitores, mas para que

isso aconteça o mediador deve ser o próprio professor. Enfim, é na paixão dos

mestres que os pupilos se espelham.

A leitura de contos de fadas, exerce uma ação formativa e reflexiva na criança.

A literatura tem esse poder na medida em que instiga principalmente o

educando à inquietação, à descoberta, ao reconhecimento ou à crítica de

pontos de vistas oferecidos pela história. O encontro do público infantil e as

impressões que ele delineia no contato com as narrativas são singulares, pois

mexem com a criança e com sua respectiva história de vida.

Por vezes, a criança pode se colocar em consonância e até identificar-se com o

enredo e com as personagens apresentadas pelos autores. Em outros

momentos, pode vir a contestar a ação ou os conflitos propostos pelo conto e

fazer nascer suas próprias versões. Esse percurso sugere criações simbólicas

tanto negativas como afirmativas que podem ser inseridas pelo leitor no

decorrer da obra a partir dos vazios que ela abre para esse mesmo leitor se

colocar como participante do processo de leitura e construção textual.

Um estudo como este em específico favorece a percepção não só dos

alunos,mas da comunidade escolar como um todo para o significado do texto

literário e seu valor no progresso educacional e na evolução da criança

enquanto ser curioso, um ser em fase de desenvolvimento emocional, pessoal

e social. Ao voltar-se ao espaço de ensino por meio da leitura, audição e

análise do conto de fada, este trabalho também abre campo para novos

olhares e sentimentos em relação à formação infantil. Mostra ainda que o

acesso à literatura independentemente da idade que o leitor tenha é de

extrema relevância ao ser humano porque lhe oferece a possibilidade de

construir, modificar ou compartilhar sentidos, sonhos e anseios voltados a seu

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interior e a seu exterior, ou seja, ao ambiente de relações que mantém na

interação com a sociedade.

A narrativa literária sustentada pelo conto serve como um apelo à motivação da

criança à leitura e à criatividade em produzir textos. A narrativa ou a leitura de

contos faz brotar nos leitores a imaginação e a busca incansável de elementos

no contexto do texto que se assemelhem a sua realidade. Assim surge a

referência e a solução de dificuldades no significado do texto literário. Cabe

ressaltar que essa referência é encontrada dentro do texto pelo receptor, o

ouvinte ou o leitor, o qual se identifica com o momento crucial da narrativa, o

que lhe proporciona um envolvimento emocional. Assim, trata-se de atingir a

criança em seu desenvolvimento cognitivo, afetivo e comunicativo.

Richard Bamberger (1977, p.12) apresenta o conceito do ato de ler definida por

pesquisa, como “um processo mental de vários níveis, que muito contribui para

o desenvolvimento do intelecto”. Acrescenta que o ato de ler em voz alta

desperta no ouvinte a expectativa para que continue lendo e para que queira

ler por si mesmo. A arte de contar histórias na escola estabelece um vínculo

entre aquele que conta e aquele que ouve, permitindo que a emoção

provocada pela história entre em comunicação com as crianças.

A aquisição da leitura perde seu valor quando o que se aprendeu, ou o que se

lê não acrescenta nada de importante à nossa vida. É a busca incansável do

significado que já, na mais tenra idade, a criança deve aprender, à medida que

se desenvolve, a se entender melhor, no auto-conhecimento, identificando-se

com as situações, para poder relacionar-se melhor com o outro e com o

conhecimento atingindo o significante de forma significativa.

Com base no trabalho psicopedagógico direcionado com o conto, o objeto do

conhecimento adquirido pelo aluno na escola que parecia fora do alcance torna

possível atingir a renovação do prazer e do desejo de aprender na criança.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

A infância é o período em que a criança aprende a transpor o fosso entre

experiências interiores e o mundo real. Assim, por exemplo, as tendências

animalescas e anti-sociais que povoam o Inconsciente devem ser abolidas na

vida real. Tendências inconscientes opostas, devem ser integradas. Os desejos

sexuais, os de morder e excretar livremente devem ser controlados. Nos

contos, essas coisas aparecem simbolicamente representadas, por exemplo,

nas mais diferentes formas de punição à maldade, nas tarefas que dois irmãos

tenham que cumprir em conjunto, na oposição com os cães e rãs que têm

irrestrita liberdade instintual.

Os contos de fada são íntimos e pessoais. Falam sobre busca de romance, de

riqueza, de poder e de privilégios. Eles nos arrastam para uma realidade

familiar literalmente, contando sobre as famílias e seus conflitos e não no que

está em jogo no mundo em geral. Nas suas formas originais e nos tempos

antigos, mostravam preocupações e ambições que se amoldam às angústias e

desejos adultos: problemas com as sogras, desejos de grávidas, infidelidade e

morte no casamento, virtude de uma moça solteira entre outros. Foram

narrados antigamente ao pé da lareira e da roca de fiar, para adultos. Depois

foram transplantados para o quarto das crianças.

Os contos servem para ajudar a criança a encontrar significado na própria vida.

Sugerem fantasias que ela nunca poderia inventar (material para

espessamento do pré-consciente), não são interpretações, são novas

representações oferecidas à criança.

Sua principal mensagem é que a luta contra dificuldades graves na vida é

inevitável, é parte intrínseca da existência humana e que se a pessoa não se

intimida e enfrenta as provações inesperadas e mesmo injustas, dominará os

obstáculos e vencerá. A mensagem é de que a pessoa não deve desistir,

apesar dos insucessos iniciais. O consolo é o maior serviço que o conto de

fadas pode prestar à criança

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Uma das razões do sucesso na escuta desses textos é que a linguagem

emocional empregada vai ao encontro da criança, brindando-a com mensagens

que podem ser percebidas no ato da leitura ou mesmo depois. Isto pode ser

constatado ao observar o semblante dos sujeitos enquanto ouvem as

narrativas e, mais tarde, enquanto falam a respeito dos conflitos postos no

texto. Mesmo apresentando situações tristes, as histórias sugerem uma

esperança, ao final tudo dará certo.

Repetir uma história, mais uma vez, dá a segurança de permanência de seu

universo e graças a esse caráter previsível, torna-se uma experiência

prazerosa e estável. Os livros e as histórias são instrumentos facilitadores na

comunicação, na socialização, na educação e no desenvolvimento psíquico

saudável da criança. A linguagem da narrativa com começo, meio e fim

estrutura o pensamento e desenvolve o imaginário da criança.

A narração de uma história para uma criança, para ser mais eficaz, deve ser

um acontecimento interpessoal, moldado por aqueles que dele participam,

como parceiros iguais. Contar é melhor que ler, quando essa igualdade jamais

poderia ocorrer. Quando os pais contam a história, a criança tem a certeza de

que eles aprovam a retaliação feita em fantasia à ameaça imposta pela

predominância adulta, por exemplo. "Nesse mundo de imaginação, não só nos

libertamos das realidades enfadonhas da vida quotidiana, como nos

entregamos aos prazeres catárticos de derrotar aqueles gigantes, madrastas,

ogros, monstros, bichos-papões, também conhecidos como adultos" (Maria

Tatar)

Explicar para a criança porque um conto de fadas é cativante destrói o

encantamento da história. Os motivos não são sintomas neuróticos para serem

entendidos racionalmente para alguém se livrar. O sentido que um conto terá

para a criança muda ao longo da sua vida, dependendo da idade e de suas

vivências e isso só poderá ocorrer se ela não for didaticamente informada

daquilo que a história supostamente trata.

Para nós, também, as histórias são irresistíveis pois oferecem oportunidades

para falar, debater, deliberar, tagarelar e conversar fiado interminavelmente,

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como faziam as velhas comadres de quem, ao que se diz, essas histórias

vieram. E a partir do emaranhado dessa conversa e tagarelice, começamos a

definir nossos próprios valores, desejos, apetites e aspirações, criando

identidades que nos permitirão produzir finais para sempre felizes para nós e

para nossos filhos. (Maria Tatar)

É importante que os contos de fada cheguem até as crianças para auxiliá-las

na elaboração de questões atinentes à sua vida? Tais narrativas continuam

sendo interessantes e significativas, contribuindo, de algum modo, para os

aprendizados na vida. Em síntese, os contos tradicionais ainda têm muito a

dizer principalmente no processo de humanização e autoconhecimento infantil.

Este estudo confirma a riqueza de ouvir um conto de fada, pois através das

novas experiências propiciadas pela leitura dos contos, desenvolve-se a

capacidade imaginativa das crianças, dando-lhes suporte para modificar as

situações apresentadas, conforme afirma VYgotsky (1997). São retirados

elementos da realidade, elaboram-se novas combinações e criam-se novas

soluções de acordo com o ambiente e a época do ouvinte ou leitor.

Nesse sentido, reafirma-se a relevância científica deste estudo para o campo

da Educação porque pode servir de subsídio ou orientação a professores e

estudiosos dessas áreas. Terá significado principalmente àqueles que

acreditam no teor formativo, imagético e humanizador da leitura do conto de

fadas e de seus simbolismos para o receptor, em especial o leitor criança.

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