208
O índio na cultura brasileira Berta G. Ribeiro

fundar.org.br · Os Correios, reconhecidos por prestar serviços postais com qualidade e excelência aos brasileiros, também investem em ações que tenham a cultura como instrumento

  • Upload
    others

  • View
    6

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

  • O índio na cultura brasileiraBerta G. Ribeiro

  • América Latina: a pátria grandeDarcy Ribeiro

    Prefácio: Eric Nepomuceno

  • O índio na cultura brasileiraBerta G. Ribeiro

    Prefácio: Ana Arruda Callado

    América Latina: a pátria grandeDarcy Ribeiro

    Prefácio: Eric Nepomuceno

  • Os Correios, reconhecidos por prestar serviços postais com

    qualidade e excelência aos brasileiros, também investem em

    açõesquetenhamaculturacomoinstrumentodeinclusãosocial,

    pormeiodaconcessãodepatrocínios.Aatuaçãodaempresavisa,

    cadavezmais,contribuirparaavalorizaçãodamemóriacultu-

    ralbrasileira,ademocratizaçãodoacessoàculturaeofortaleci-

    mentodacidadania.

    ÉnessesentidoqueosCorreios,presentesemtodooterritório

    nacional, apoiam, com grande satisfação, projetos da natureza

    desta Biblioteca Básica Brasileira e ratificam seu compromisso

    emaproximarosbrasileirosdasdiversas linguagensartísticase

    experiênciasculturaisquenascemnasmaisdiferentesregiões

    dopaís.

    A empresa incentiva o hábito de ler, que é de fundamental

    importância para a formação do ser humano. A leitura possibi-

    litaenriquecerovocabulário,obterconhecimento,dinamizaro

    raciocínioeainterpretação.Assim,osCorreiosseorgulhamem

    disponibilizaràsociedadeoacessoalivrosindispensáveisparao

    conhecimentodoBrasil.

    Correios

  • Os Correios, reconhecidos por prestar serviços postais com

    qualidade e excelência aos brasileiros, também investem em

    açõesquetenhamaculturacomoinstrumentodeinclusãosocial,

    pormeiodaconcessãodepatrocínios.Aatuaçãodaempresavisa,

    cadavezmais,contribuirparaavalorizaçãodamemóriacultu-

    ralbrasileira,ademocratizaçãodoacessoàculturaeofortaleci-

    mentodacidadania.

    ÉnessesentidoqueosCorreios,presentesemtodooterritório

    nacional, apoiam, com grande satisfação, projetos da natureza

    desta Biblioteca Básica Brasileira e ratificam seu compromisso

    emaproximarosbrasileirosdasdiversas linguagensartísticase

    experiênciasculturaisquenascemnasmaisdiferentesregiões

    dopaís.

    A empresa incentiva o hábito de ler, que é de fundamental

    importância para a formação do ser humano. A leitura possibi-

    litaenriquecerovocabulário,obterconhecimento,dinamizaro

    raciocínioeainterpretação.Assim,osCorreiosseorgulhamem

    disponibilizaràsociedadeoacessoalivrosindispensáveisparao

    conhecimentodoBrasil.

    Correios

  • O livro, essa tecnologia conquistada, já demonstrou ter a

    maiorlongevidadeentreosprodutosculturais.Noentanto,mais

    queossuportesfísicos,asideiasjádemonstraramsobreviverain-

    damelhoraosanos.EsseéocasodaBibliotecaBásicaBrasileira.

    EsseprojetoculturalepedagógicoidealizadoporDarcyRibeiro

    tevesuassementeslançadasem1963,quandoforampublicados

    osprimeirosdezvolumesdeumacoleçãoessencialparaoconhe-

    cimentodopaís.SãotítuloscomoRaízesdoBrasil,Casa-grande

    &senzala,AformaçãoeconômicadoBrasil,OssertõeseMemóriasde

    umsargentodemilícias.

    Esse ideal foi retomado com a viabilização da primeira fase

    dacoleçãocom50títulos.Aotodo,360milexemplaresserãodis-

    tribuídos entre as unidades do Sistema Nacional de Bibliotecas

    Públicas,contribuindoparaaformaçãodeacervoeparaoacesso

    públicoegratuitoemcercade6.000bibliotecas.Trata-sedeuma

    iniciativaousadaàqualaPetrobrasvemjuntarsuasforças,cola-

    borandoparaacompreensãodaformaçãodopaís,deseuimagi-

    nário e de seus ideais, especialmente num momento de grande

    otimismoeprojeçãointernacional.

    Petrobras-PetróleoBrasileiroS.A.

  • O livro, essa tecnologia conquistada, já demonstrou ter a

    maiorlongevidadeentreosprodutosculturais.Noentanto,mais

    queossuportesfísicos,asideiasjádemonstraramsobreviverain-

    damelhoraosanos.EsseéocasodaBibliotecaBásicaBrasileira.

    EsseprojetoculturalepedagógicoidealizadoporDarcyRibeiro

    tevesuassementeslançadasem1963,quandoforampublicados

    osprimeirosdezvolumesdeumacoleçãoessencialparaoconhe-

    cimentodopaís.SãotítuloscomoRaízesdoBrasil,Casa-grande

    &senzala,AformaçãoeconômicadoBrasil,OssertõeseMemóriasde

    umsargentodemilícias.

    Esse ideal foi retomado com a viabilização da primeira fase

    dacoleçãocom50títulos.Aotodo,360milexemplaresserãodis-

    tribuídos entre as unidades do Sistema Nacional de Bibliotecas

    Públicas,contribuindoparaaformaçãodeacervoeparaoacesso

    públicoegratuitoemcercade6.000bibliotecas.Trata-sedeuma

    iniciativaousadaàqualaPetrobrasvemjuntarsuasforças,cola-

    borandoparaacompreensãodaformaçãodopaís,deseuimagi-

    nário e de seus ideais, especialmente num momento de grande

    otimismoeprojeçãointernacional.

    Petrobras-PetróleoBrasileiroS.A.

  • o í n d i o n a c u lt u r a b r a s i l e i r a | b e r ta g . r i b e i r o ix

    sumário

    Apresentação xi

    Prefácio–AnaArrudaCallado xiii

    Prefáciodaautora 3

    Parte I – O saber indígena I Anaturezahumanizada.Osaberetnobotânico 9

    Introdução 9

    1. Ousodosolo 11

    2. Técnicasagrícolas 14

    3. “Aagriculturanômade” 21

    4. Remanejamentodecapoeiras 23

    5. Seleçõesgenéticasdeplantas 29

    6. Repertóriodeplantascultivadas 35

    a)Grãos,tuberosasefeijões 35

    b)Fruteiras 41

    7. Plantasestimulantes,medicinaiseindustriais 45

    a)Principaisprodutoscultivados 47

    b)Principaisprodutosdecoleta 51

    c)Farmacopeiaindígena 56

    II Anaturezadomada.Osaberetnozoológico 63

    Introdução 63

    1. Capturadeproteínaanimal 66

    2. Estratégiasdecaça 76

    3. Capturadeproteínavegetal 80

    4. Tabusalimentareseconservacionismo 87

  • Conclusões:ecologiaculturalversus depredação 92

    Parte II – A cultura indígena no Brasil moderno III Subculturas,técnicas,saboresaber 99

    Introdução 99

    1. Subculturas 101

    a)Culturacrioula 107

    b)Culturasertaneja 108

    c)Culturacabocla 110

    d)Culturacaipiraeculturacaiçara 113

    e)Culturagaúcha 115

    2. Oequipamentodetrabalhoeconforto 116

    Introdução 116

    a)Casaeabrigoprovisório 118

    b)Aredededormir 124

    c)Caçaepesca 128

    d)Culináriaindígenanadietapopular 134

    3. Medicinapopularemagia.Língua.Arte 141

    Introdução 141

    a)Rezasemezinhas 142

    b)Crençaseassombrações 150

    c)Alínguaboa 155

    d)Arteindígenaeartepopular 161

    Conclusões:Aquestãoindígenaeo problemadaterra 174

    a � � r i c a l at i n a – a �át r i a g r a n d e | d a r c � r i b e i r o xi

    apresentação

    AFundaçãoDarcyRibeirorealiza,depoisde50anos,osonho

    sonhado pelo professor Darcy Ribeiro, de publicar a Coleção

    BibliotecaBásicaBrasileira–aBBB.

    A BBB foi formulada em 1962, quando Darcy tornou-se o

    primeiroreitordaUniversidadedeBrasília–UnB.Foiconcebida

    comoobjetivodeproporcionaraosbrasileirosumconhecimento

    maisprofundodesuahistóriaecultura.

    Darcy reuniu um brilhante grupo de intelectuais e profes-

    sorespara, juntos,criaremoqueseriaauniversidadedofuturo.

    Eraosonhodeumageraçãoqueconfiavaemsi,quereivindicava

    –comoDarcyfezaolongodavida–odireitodetomarodestino

    emsuasmãos.DessaentregagenerosanasceuaUniversidadede

    Brasíliae,comela,muitosoutrossonhoseprojetos,comoaBBB.

    Em1963,quandoministrodaEducação,DarcyRibeiroviabili-

    zouapublicaçãodosprimeiros10volumesdaBBB,comtiragem

    de15.000coleções,ouseja,150millivros.

    A proposta previa a publicação de 9 outras edições com 10

    volumescada,poisaBibliotecaBásicaBrasileiraseriacomposta

    por100títulos.AcontinuidadedoprogramadeediçõespelaUnB

    foiinviabilizadadevidoàtruculênciapolíticadoregimemilitar.

    Comamissãodemantervivosopensamentoeaobradeseu

    instituidore,sobretudo,comprometidaemdarprosseguimento

    àssuaslutas,aFundaçãoDarcyRibeiroretomouapropostaea

    atualizou,configurando,assim,umanovaBBB.

    Aliada aos parceiros Fundação Biblioteca Nacional e Editora

    UnB, a Fundação Darcy Ribeiro constituiu um comitê editorial

    que redesenhou o projeto. Com a inclusão de 50 novos títulos,

  • o í n d i o n a c u lt u r a b r a s i l e i r a | b e r ta g . r i b e i r o xia � � r i c a l at i n a – a �át r i a g r a n d e | d a r c � r i b e i r o xi

    apresentação

    AFundaçãoDarcyRibeirorealiza,depoisde50anos,osonho

    sonhado pelo professor Darcy Ribeiro, de publicar a Coleção

    BibliotecaBásicaBrasileira–aBBB.

    A BBB foi formulada em 1962, quando Darcy tornou-se o

    primeiroreitordaUniversidadedeBrasília–UnB.Foiconcebida

    comoobjetivodeproporcionaraosbrasileirosumconhecimento

    maisprofundodesuahistóriaecultura.

    Darcy reuniu um brilhante grupo de intelectuais e profes-

    sorespara, juntos,criaremoqueseriaauniversidadedofuturo.

    Eraosonhodeumageraçãoqueconfiavaemsi,quereivindicava

    –comoDarcyfezaolongodavida–odireitodetomarodestino

    emsuasmãos.DessaentregagenerosanasceuaUniversidadede

    Brasíliae,comela,muitosoutrossonhoseprojetos,comoaBBB.

    Em1963,quandoministrodaEducação,DarcyRibeiroviabili-

    zouapublicaçãodosprimeiros10volumesdaBBB,comtiragem

    de15.000coleções,ouseja,150millivros.

    A proposta previa a publicação de 9 outras edições com 10

    volumescada,poisaBibliotecaBásicaBrasileiraseriacomposta

    por100títulos.AcontinuidadedoprogramadeediçõespelaUnB

    foiinviabilizadadevidoàtruculênciapolíticadoregimemilitar.

    Comamissãodemantervivosopensamentoeaobradeseu

    instituidore,sobretudo,comprometidaemdarprosseguimento

    àssuaslutas,aFundaçãoDarcyRibeiroretomouapropostaea

    atualizou,configurando,assim,umanovaBBB.

    Aliada aos parceiros Fundação Biblioteca Nacional e Editora

    UnB, a Fundação Darcy Ribeiro constituiu um comitê editorial

    que redesenhou o projeto. Com a inclusão de 50 novos títulos,

  • b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r oxii b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r oxii

    a Coleção atualmente apresenta 150 obras, totalizando 18 mil

    coleções, o que perfaz um total de 2.700.000 exemplares, cuja

    distribuiçãoserágratuitaparatodasasbibliotecasqueintegram

    oSistemaNacionaldeBibliotecasPúblicas,eocorreráaolongo

    detrêsanos.

    A BBB tem como base os temas gerais definidos por Darcy

    Ribeiro: O Brasil e os brasileiros; Os cronistas da edificação;

    Culturapopulareculturaerudita;EstudosbrasileiroseCriação

    literária.

    Impulsionados pelas utopias do professor Darcy, apresenta-

    mos ao Brasil e aos brasileiros, com o apoio dos Correios e da

    Petrobras, no âmbito da Lei Rouanet, um valioso trabalho de

    pesquisa,comodesejodequenosreconheçamoscomoaNova

    Roma, porém melhor, porque lavada em sangue negro, sangue

    índio, tropical.ANaçãoMestiçaqueserevelaaomundocomo

    uma civilização vocacionada para a alegria, a tolerância e a

    solidariedade.

    PaulodeF.RibeiroPresidente

    FundaçãoDarcyRibeiro

  • o í n d i o n a c u lt u r a b r a s i l e i r a | b e r ta g . r i b e i r o xiii

    prefácio – ana arruda callado

    A nada simples Berta G. Ribeiro

    Nãoseassusteoleitorque,emvezdecomeçarolivrojáusu-

    fruindodasabedoriadeBerta,passarporeste(quaseiaescreven-

    dosimples)prefácio.Bertanãoescrevecomplicado,nãodificulta

    a vida de nenhum leitor. Ela é culta, mas também didática,

    professora.

    Otítuloescolhidopormiméumreparoatrevidoquefaçoà

    grande antropólogaManuelaCarneirodaCunha,autora da in-

    troduçãoaestetrabalhoemsuaprimeiraedição,de1987,portan-

    toaindaemvidadeBerta.

    “Éumlivropreciosoquerevelatrabalho,seriedadeesimplici-

    dade:asmesmasvirtudescardeaisqueadmiroemBertaRibeiro”,

    escreveuManuelaentão.

    Meu reparo a este resumo inteligente é o fato de que, ao

    debruçar-me sobre a pessoa e o trabalho de Berta Ribeiro para

    traçar-lhe um perfil biográfico, deparei-me com uma persona-

    lidade complexa, misteriosa até. Educada, suave, quase sempre

    fechada–nadasimples.

    Menina judia romena, Berta aos 11 anos perdeu a família e

    ficouvivendoemlaresemprestados,emumpaísestranho.Aos

    21anosencontrouDarcyRibeiro,comquemficoucasadapor20

    anos.Ajudou-onaorganizaçãodemuitosdeseusmaisimportan-

    testrabalhos.Acompanhou-onopoderenoexílio.Ficoutãoou

    maisbrasileiraqueomarido.

    Separadadele, tornou-senãosóumaconhecedoraprofunda

    da cultura dos primitivos habitantes do Brasil, como por eles

    seapaixonou.Dedicou-sedecorpoealmaaeles,nãocomoum

    b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r oxii

    a Coleção atualmente apresenta 150 obras, totalizando 18 mil

    coleções, o que perfaz um total de 2.700.000 exemplares, cuja

    distribuiçãoserágratuitaparatodasasbibliotecasqueintegram

    oSistemaNacionaldeBibliotecasPúblicas,eocorreráaolongo

    detrêsanos.

    A BBB tem como base os temas gerais definidos por Darcy

    Ribeiro: O Brasil e os brasileiros; Os cronistas da edificação;

    Culturapopulareculturaerudita;EstudosbrasileiroseCriação

    literária.

    Impulsionados pelas utopias do professor Darcy, apresenta-

    mos ao Brasil e aos brasileiros, com o apoio dos Correios e da

    Petrobras, no âmbito da Lei Rouanet, um valioso trabalho de

    pesquisa,comodesejodequenosreconheçamoscomoaNova

    Roma, porém melhor, porque lavada em sangue negro, sangue

    índio, tropical.ANaçãoMestiçaqueserevelaaomundocomo

    uma civilização vocacionada para a alegria, a tolerância e a

    solidariedade.

    PaulodeF.RibeiroPresidente

    FundaçãoDarcyRibeiro

  • b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r oxiv

    cientista que observa seu objeto de estudo sob o microscópio,

    como um inseto. Conviveu com eles; dividiu autoria de obras

    comeles.Seurostosériosóseabriaemsorrisosemcontatocom

    criançasíndias.

    Não ficou só nos estudos; foi à luta em defesa deles. E, poli-

    tizada, estendeu essa defesa ao meio ambiente, ao hábitat dos

    “seus”índios.AmazôniaUrgente,livroeexposição,foiseuúltimo

    grandetrabalho.

    Nestelivroquevocêstêmemmãos,elademonstraaimpor-

    tância da contribuição cultural que diversas nações chamadas

    atéhojede“primitivas”fizeramaostambémchamadosatéhoje

    “civilizados”.

    NoprefácioqueescreveuapresentandoesteOíndionacultura

    brasileira,afirma:

    ...procurou-seenfatizarqueaculturaindígenacontinua

    ativa, embora inibida para desenvolver sua criatividade e

    potencialidades.Nãoobstante,éumorganismovivo.Muito

    sepodeaprendercomela,sevencermosopreconceitoeo

    desprezoquesempreselhevotou.

    Emtodaasuavastaobra,formadadelivros,artigos,conferên-

    ciaseexposições,BertaG.Ribeiro(oGdeGleiser,seunomede

    solteira) tomou partido. Foi uma estudiosa meticulosa, perfec-

    cionista,aomesmotempoqueumamilitante,dacausaindígena

    edacausasocialista.

    Embora tenha se destacado especialmente pelo estudo da

    cultura material dos índios brasileiros (e de outros países da

    América),seustrançadosdepalhaetecidos,nãodeixouescapar

    nenhum aspecto de sua cultura – e, para ela, cultura é “a ação

    humanasobreanatureza”.

  • o í n d i o n a c u lt u r a b r a s i l e i r a | b e r ta g . r i b e i r o xv

    Aquioleitorvaiseinteirardastécnicasagrícolas,dafarmaco-

    peia,dasestratégiasdecaça,dostabusalimentares,daecologia

    cultural de nossos indígenas, e de como algumas dessas práti-

    caspassaramafazerpartedodiaadiadegrandescontingentes

    populacionaisquecomelestiverammaiscontato.Nasculturas

    cabocla,caiçaraesertaneja,elaapontaessaherança,emcrenças,

    namedicinacaseira,nosmitosemesmonastécnicasdeplantio

    edeconstruçãodehabitações.

    VãotambémouviravozlúcidaeindignadadeBertacontraa

    políticaindigenistapraticadanopaís,comaeternamenteinjus-

    tadistribuiçãodaterra,comodescasooficialquenãoésópara

    comosíndios,mascomtodosospobres,osexcluídos.

    AnA ArrudA CAllAdo é jornalista e escritora. doutora em comunicação e cultura pela ufrj - universidade federal do rio de janeiro.

  • O índio na cultura brasileiraBerta G. Ribeiro

  • o í n d i o n a c u lt u r a b r a s i l e i r a | b e r ta g . r i b e i r o 3

    prefácio da autora

    O presenteestudoresultadeumacompilaçãodedadosesuaorganizaçãofeitasegundoumesquemaquelevaemconta,emordemdecrescente,acontribuiçãodoíndioàcultu-

    rabrasileira,anívelecológico,tecnológicoeideológico.

    Atarefaaqueaautorasepropõeéarrojadaepenosa.Arrojada,

    portentarresumiremumacentenadepáginasolegadoindígena

    àculturabrasileira.Penosa,porquesetornadifícilpriorizar,sele-

    cionareresumirumaherançaqueoeuropeuadventício,aoinvés

    depreservarehonrar,sósepreocupouemvilipendiaredestruir.

    Apardisso,acarênciadetempoeminhasprópriaslimitaçõesre-

    presentaramosóbicesmaiores.Poressesmotivoseumapreferên-

    ciapessoal,coloqueiênfasenoquemepareceuolegadodecisivo,

    primordialepermanente:orespeito,oamoreahumanizaçãoda

    naturezacomofontederecursosàalimentaçãoeaobem-estardo

    homemeàcuradesuasenfermidades.

    Aocontráriodoquesejulgacomumente,oíndionãoeraleigo

    em história natural. Pelo contrário, sua contribuição à biologia

    (floraefauna),àagricultura,bemcomoàmedicinaempírica,mal

    começaaseravaliada.Comefeito,oaborígineamericanologrou

    domesticar centenas de vegetais alimentícios, cultivando-os

    cominstrumentossumáriosquenãoagridemoecossistema.Na

    verdade, o índio relaciona-se harmonicamente com seu nicho

    ecológico, equilibrando a biomassa humana com a fitomassa e

  • b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r o4

    azoomassa.Desenvolve,conscientementeounão,umapolítica

    agrícolaedemogenéticaquedefendeepreservaanatureza,con-

    diçãodesuaprópriasobrevivência.

    Diante de tantos prodígios da botânica e da agricultura abo-

    rígine, eminentes cientistas como Karl F. von Martius e, mais

    recentemente, F. C. Hoehne julgaram que as inúmeras espécies

    domesticadassópodiamserobradepovoscomculturasuperior,

    depois“asselvajados”,queteriamaquivividoantesdosqueforam

    encontrados pelos europeus. Ambos admitem, contudo, que o

    imigranteadventícioexerceuinfluênciadeletériaeirrecuperável

    sobreohabitantenativo.Nãosósobreoqueencontrouvivo,mas

    tambémsobreasuahistória.Oquesefazagoraéreconstituí-laa

    partirdefragmentosesparsos.

    O presente trabalho não tem a pretensão de suprir a lacuna

    apontada. Vale assinalar o problema, para o qual este estudo é

    umamodestacontribuição.Maisdoqueumelencodetraçoscul-

    turaislegadospeloindígenaaobrasileiro,oqueseexpõeaqui,nos

    primeiroscapítulos,éuminventáriodosaberindígenaatual,no

    quedizrespeitoaoseuecossistema.Maisqueresgataramemória

    dopassado,oquesepropõeéreavaliaracontribuiçãoqueoíndio

    vivopodedaràculturabrasileiraeuniversal.

    Aprimeirapartebaseia-seempesquisasrecentesfeitassoba

    perspectiva da antropologia ecológica e etnobiologia, e em mi-

    nha própria experiência em estudos de economia indígena. Os

    exemplos são quase todos de tribos da Amazônia. Em primeiro

    lugar,porquealiserealizam,presentemente,investigaçõessobre

    essestemas.Emsegundo,porqueocabocloamazônicoéhojeo

    principalherdeirodaadaptaçãomilenardoíndioàflorestatro-

    picalúmida.

    A segunda parte, dedicada à etnografia da cultura brasileira

    noquerevelaexplicitamenteainfluênciadoaborígine,sefunda-

    mentatotalmenteemfontesbibliográficasreferentesàsociedade

  • o í n d i o n a c u lt u r a b r a s i l e i r a | b e r ta g . r i b e i r o 5

    ruralbrasileira.Elasseressentemdafaltadedocumentaçãosobre

    afrequênciaerepresentatividade,nosentidoqualitativoequanti-

    tativo,dasatividadeseconômicasrurícolas(técnicasdeprodução,

    equipamentoprodutivo)eaosseusmétodosdecontroleedefesa

    de recursos naturais. Devido a isso, não foi possível comparar,

    em profundidade, a experiência indígena com as práticas e co-

    nhecimentosdaspopulaçõesrurais.Acreditoqueestudoscomo

    os referidos, feitos em relação às tribos indígenas, são também

    urgentesenecessáriosnoquedizrespeitoàspopulaçõesrurais,

    igualmentedescaracterizadascomoavançodatecnologiaindus-

    trialnocampo.

    Umlivro,comoopresente,emboradirigidoaumpúblicomais

    amplo,e,portanto,nãoespecializado,nãodeveriasertrabalhode

    umasópessoa,masdeumaequipemultidisciplinarquepudesse

    darcontadavariedadeecomplexidadedetemasquelhecaberia

    abranger.Orecursodaautorafoiapelarafontessecundárias.As

    citações,àsvezesemnúmeroexageradoetamanhoabusado,se

    justificam porque condensam o assunto em foco e ao mesmo

    tempo o documentam. Ainda assim, inúmeros temas deixaram

    deserabordadoseoutrosexigiramumdesenvolvimentomaior.

    O que se procurou mostrar, sobretudo, foi que o primitivo

    habitante deixou aos que o sucederam um país pujante e belo.

    Passados487anosdaconquista,oquevemoséadepredaçãoeo

    desrespeitoànaturezaeaoequilíbrioecológico.Oquepresencia-

    moséoaumentodafomeedadesnutrição.Oqueseconstataé

    a malversação da terra por uma minoria, unicamente para fins

    lucrativos.

    Procurou-seaclarartambémqueahistóriadaculturaéprinci-

    palmenteoregistrodaaçãohumanasobreanatureza.Maiscedo

    do que se pensa, chegará a hora de começar de novo: voltar ao

    substratodahistóriadatecnologiaprodutivaebuscarnelaosen-

    tidoprimáriodacultura.

  • b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r o6

    Finalmente, procurou-se enfatizar que a cultura indígena

    continuaativa,emborainibidaparadesenvolversuacriatividade

    e potencialidade. Não obstante, é um organismo vivo. Muito se

    podeaprendercomela,sevencermosopreconceitoeodesprezo

    quesempreselhevotou.Inversamente,associedadestribais,na

    medidaemqueselhesdeemoportunidades,muitotêmaapren-

    dercomacivilizaçãouniversal.

    Acultura,inclusiveaindígena,nãoéumarealidadeestática.

    Adopassadoseencontranosmuseusebibliotecas;adopresente

    é recriada a cada dia. Toda ela deve ser vivificada como um pa-

    trimôniohumanocomum.Sóassimserádadaatodosospovos,

    pormenoresquesejam,afaculdadedeelegerereelaborarosbens

    culturaiscomunsquedesejemadotar,semqualquerlaivodede-

    pendência,imposiçãoousubalternidade.

    ArealizaçãodestetrabalhomuitodeveaoConselhoNacional

    deDesenvolvimentoCientíficoeTecnológico(CNPq)que,desde

    1976,meconcedeumabolsadepesquisador,quetempermitido

    minhadedicaçãoexclusivaaestudosdeculturaindígena.Parao

    presentetrabalhorecebiaajudadobibliotecárioMarcoAntônio

    Lemos, do Museu Nacional, a quem publicamente agradeço. E

    tambémdeJanetChernela,cujaleituracríticadaprimeiraparte

    me foi muito útil. E, ainda, de Hamilton Botelho Malhano, por

    algumasilustrações.

    BertaG.Ribeiro

  • PARTE IO SABER INDÍGENA

  • o í n d i o n a c u lt u r a b r a s i l e i r a | b e r ta g . r i b e i r o 9

    ia natureza humanizada.

    o saber etnobotânico

    Introdução

    H ácercadetrêsdécadas,osantropólogoscomeçarama interessar-se pelo saber indígena, isto é, procura-ram avaliar como povos ágrafos classificam seu ambiente na-

    turalecultural.Partiamdopressupostodequecadapovopos-

    suiumsistemaprópriodeperceber,organizareclassificarsua

    realidade ambiental e cultural. Esses sistemas de classificação,

    expressos por códigos mentais, estariam mapeados na lingua-

    gem.Ouseja,podemserinferidossegundoamaneiracomoas

    coisasdoambientesãodesignadaseaformacomoessesnomes

    sãoorganizadosemconjuntosmaiores.Namedidaemquetais

    classesdefenômenossãoestruturadashierarquicamente,num

    processodeinclusãoabrangente,elasformamumataxonomia.

    Os sistemas de classificação usados pelas sociedades mais

    simples vêm a ser um dos objetos de estudo da etnobiologia.

    Compreende a etnobotânica e a etnozoologia que analisam as

    taxonomiasdefolk,ouetnotaxonomias.Emoutraspalavras,o

    sistema taxonômico de povos iletrados (populações campone-

    sas)oudepovossemescrita(populaçõestribais).Comoessesa-

    berétransmitidooralmente,oantropólogoeobiólogoutilizam

    a própria linguagem e sua semântica como dado a ser exami-

    nado.Omodelosemânticoprocuraelucidaralógicainternado

    sistema, visto como essencialmente simbólico. Nesse sentido,

  • b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r o10

    oscomponentessemânticosoferecemuminteresseespecialàs

    suasinterpretações.

    Àperspectivadaetnobiologia–ou,maisamplamente,daet-

    nociência–associa-seaantropologiaecológicaouetnoecologia.

    Aqui,oobjetodeestudoéarelaçãodohomemcomoseuambien-

    te,noâmbitodassociedadestribais.Algunsmodelosdesenvolvi-

    dos pela antropologia ecológica procuravam explicar a origem

    de uma prática, como, por exemplo, os tabus alimentares, em

    termosdesistemaadaptativoquetendeapreservaroecossiste-

    ma.E,emfunçãodisso,contribuirparaasobrevivênciabiológica

    do grupo humano, visto como essencialmente dependente dos

    três componentes do sistema: o inorgânico, o orgânico (vegetal

    eanimal)eoclimático,interpretadospelosistemaideológico,ou

    superorgânico.

    EmbrilhantecapítulodeOpensamentoselvagem,denominado

    “Aciênciadoconcreto”,ClaudeLévi-Strauss(1976:19-55)coloca

    emrelevooprodigiosoconhecimentodoambientenaturalpor

    partedesociedades tribais.Maisque isso,procuramostrarque

    o nativo estuda sem cessar o seu hábitat. Observa e classifica

    nãosóosanimaiseplantasnecessáriosàsuaexistência,como

    também os que formam os elos da cadeia de um ecossistema,

    determinandoseuequilíbrio.Concluique“asespéciesanimais

    e vegetais não são conhecidas na medida em que sejam úteis;

    elassãoclassificadasúteisouinteressantesporqueprimeirosão

    conhecidas”(1976:29).

    A riqueza da nomenclatura nas línguas nativas de espécies

    vegetais e animais, de sua morfologia e de técnicas para a sua

    utilizaçãoetransformaçãolevouinúmerosestudiososdaetnobo-

    tânicaeetnozoologiaaadmitirquedificilmenteomeionatural

    habitadoporpopulaçõesindígenaspoderáserdesenvolvidosem

    aincorporaçãodessesaber.Umdeles,lamentandoodesapareci-

    mentodosgrupostribaisemnossopaís,afirma:

  • o í n d i o n a c u lt u r a b r a s i l e i r a | b e r ta g . r i b e i r o 11

    Comaextinçãodecadagrupoindígena,omundoper-demilharesdeanosdeconhecimentoacumuladosobreavidaeaadaptaçãoeecossistemastropicais. (...)Amarchado desenvolvimento não pode esperar muito tempo paradescobriroqueseestáprestesadestruir(Posey1983:877).

    Naspáginasqueseseguem,procurareimostraroconhecimen-todoambienteecológico,otipodeadaptaçãoeapercepçãodarelaçãoexistenteentreavidaanimalevegetal,eahumana,porpartedealgumastribosindígenasbrasileiras,comoprincipalle-gadoànossacivilização.Osexemplosselecionadosdizemrespei-toatribosamazônicas,ondevêmsendolevadasacabopesquisassegundoaabordagemdaetnociência.

    1. O uso do solo

    Vejamos, inicialmente, o conhecimento e a classificação dossolosporpartedosKayapó,dotroncolinguísticoJê,dosuldoPará,edosKuikuro,grupoKaribdonortedeMatoGrosso,segundoosrelatos de Posey (1983), para os primeiros, e de Carneiro (1983),paraosúltimos.

    OsKayapósituamsuasaldeiasemáreasdetransição,afimdeque possam tirar vantagem das várias zonas ecológicas do seuecossistema.

    Cadazonaéassociadacomplantaseanimaisespecífi-cos.OsKayapótêmumprofundoconhecimentodocom-portamento animal e sabem quais as plantas associadascom determinados animais. Os diversos tipos de plantassão,porsuavez,associadoscomtiposdesolos.Cadazonaecológicaé,portanto,umsistemaintegradodeinteraçõesentre plantas, animais, o solo e, naturalmente, o Kayapó

    (Posey1983:880).

  • b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r o12

    Porsuanomenclatura(nãocitadanatabelaabaixo)verifica-se

    queosKayapóreconhecemtrêsgrandeszonasecológicasnoseu

    território. Elas são divididas em subzonas e em áreas de transi-

    ção interzonais (não especificadas na Tabela I por motivos de

    simplificação).

    Tabela I Zonas e subzonas ecológicas distinguidas pelos Kayapó

    1. Savana 3. Floresta

    1.1 savanadepastobaixo 1.2 savanacomárvores

    3.1 florestadegaleria (debeira-rio)

    1.3 savanacompastoalto 3.2 selvadensa

    3.3 florestaalta2. Montanha 3.4 florestacomclareiras

    intermitentes

    Assubcategoriasdetiposdefloresta(3.1,3.2,3.3)sãosubdivi-

    didas,parafinsdecultivo,segundosuasrespostasàsinundações

    periódicas,previsíveisounão.Sãopreferidasasterrasdealuvião

    maisricas,equecorrespondemàsterraspretas.Tratosde“terra

    firme”,nãosujeitosainundações,sãotambémselecionadospara

    aagricultura,afimdecompensarosdanosquepossamsercausa-

    dosaoscultivosemterrasalagáveis.

    Naszonasecológicas(ouecozonas)classificadaspelosKayapó

    como “florestas com clareiras intermitentes” – que permitem a

    penetraçãodeluzsolar,equivalendoporissoàscapoeirasouro-

    çasabandonadas–esses índiosdistinguem“relaçõessistêmicas

    quelhespermitemselecionarterrasagricultáveisdetiposvege-

    tativos,bemcomoformularestratégiasdecaçaecoletabaseadas

    noamadurecimentodefrutosqueatraemanimaisdecaça”(Posey

    1983:881).

  • o í n d i o n a c u lt u r a b r a s i l e i r a | b e r ta g . r i b e i r o 13

    Oautorrelacionatrêstiposdesolos–preto,vermelho,amarelo–

    naclassificaçãodosKayapó.Emcadaum,ounumacombinação

    dedoisoutrês,frutificamárvoresdecujosfrutos,folhaseraízesse

    servemdeterminadasespéciesanimais–porcão,paca(brancae/

    ouvermelha),cutia(brancae/ouvermelha),jabuti,veado,anta–

    eohomem.Ousohumanoinclui:alimentício,medicinal,como

    iscaouvenenodepeixe,emanufatureiro(utilizaçãodamadeira).

    (Cf.TabelaII,op.cit.)

    RetornaremosváriasvezesaPoseynodecorrerdestecapítulo.

    Passemos,agora,aoutrocasoilustrativo,paratratardoconheci-

    mentoeusodosoloporoutratribo.

    Os Kuikuro, estudados por Carneiro (1983), em quem nos

    baseamosparaesteresumo,vivemnoCuluene,umdosforma-

    doresdorioXingu.Classificamcomumadenominaçãotribalo

    quesepresumesejaaflorestaprimária,quecobreamaiorparte

    do seu território. A vegetação que cresce nas capoeiras recebe

    outro nome. É a floresta secundária. Ela é deixada crescer du-

    rantealgumtempoparadesenvolver-se.Avegetaçãoqueainda

    nãoatingiuoestágiodeflorestaprimária,masultrapassouode

    florestasecundária–adecapoeiras–,édistinguidapordiversos

    nomespelosKuikuro.Essasdesignaçõesremetematrêsespécies

    deárvorespredominantesemditafloresta.Representamvarian-

    teslocaisdeflorestaemtransiçãoregenerativadesecundáriaa

    primária.

    Asárvoresquenelaspredominam,equejustificamsuadesig-

    nação,sãoasquemelhorresistemàqueimaanualdemacegaque

    cresceabaixaaltura.Emboraofogoretardeocrescimentodessas

    árvores, nas capoeiras, ele enriquece o solo, tornando-o apto ao

    cultivo da mandioca. Análises da composição mineral dos dois

    tiposdesolo–florestaprimáriaeflorestasecundária,ondepreva-

    leceumadastrêsespéciesdeárvoresresistentesaofogo–mostra-

    ramqueosegundotipodesolo(florestasecundária)éumpouco

  • b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r o14

    superior,apresentandoteormaisaltodecomponentesminerais,

    ematériaorgânica,bemcomoacidezmenor.

    OsKuikurodistinguemoutrotipodesolocomumtermoespe-

    cíficoqueremeteàsuacomposiçãoenãoàsárvoresqueformam

    acoberturavegetal.Aflorestaprimáriaédesoloarenoso,verme-

    lho.Esteoutrotipoédeterrapretae,segundoosKuikuro,produz

    tubérculos maiores de mandioca que o anteriormente citado. É

    tambémosolopreferidoparaplantarmilho,umavezqueemter-

    ravermelhaaproduçãoébemmenor.Amandioca,quenãoexige

    nutrientesnamesmaproporçãoqueomilho,éplantadaemsolo

    deflorestaprimária,queaindaexisteemabundânciaemredorda

    aldeia.

    OutrotipodesoloécaracterizadopelosKuikuroporsualoca-

    lizaçãoaolongodosrioselagos,Correspondeaoquesecostuma

    chamar“florestadegaleria”,cujafertilidadeequivaleàdafloresta

    primária.

    Como se vê, nesta breve explanação, os Kuikuro levam em

    contanaclassificaçãodosolo,parasuautilizaçãoagrícola,omeio

    inorgânicoeoorgânico.Percebemaoperatividadedessasduasdi-

    visõese,comovimosnoexemploKayapó,asrelaçõesentreplan-

    ta/animal/homem,asquaisnãosãovistasisoladamentesenãoem

    modelointerativo.

    2. Técnicas agrícolas

    Numestudopioneiro,hojeclássico,sobreaadaptaçãoindí-

    genaàAmazônia,aarqueólogaBettyJ.Meggersafirma:“Opon-

    toaseracentuadoaquiéqueaagriculturaitinerantenãocons-

    tituiummétododecultivoprimitivoeincipiente,tratando-se,

    aocontrário,deumatécnicaespecializadaquesedesenvolveu

    emrespostaàscondiçõesespecíficasdeclimaesolotropicais”

    (1977:42).

  • o í n d i o n a c u lt u r a b r a s i l e i r a | b e r ta g . r i b e i r o 15

    Asvantagensdachamada“agricultura– dotipoextensivoiti-

    nerante”,tambémconhecidacomotécnicadederrubada,queima

    ecoivara–reconhecidasportodososestudiososmodernosquese

    debruçamsobreotemapodemserassimsumariadas,conforme

    selêemMeggers(1977:42/44)ePosey(1983:890):

    1) Mantémafertilidadeinorgânicadosolonamedidaem

    quenãoerradicaatotalidadedavegetaçãoqueocobre.

    Um campo totalmente limpo, como ocorre nas zonas

    temperadas,ajudaadestruir,numclimatropical,osnu-

    trienteseaestruturadosolo.

    2) Odesmatamentodeumpequenolotedeterra,decada

    vez,esuautilizaçãotemporária,minimizaotempoem

    queasuperfícieéexpostaaocalordosoleafortespan-

    cadasdechuva.Ambosendurecemosolo,anulandosua

    permeabilidade,volatizamosnutrientes,carreiamohú-

    musparaosrioseoslagos,causamerosãoealixiviação

    dosolo,impedindoarestauraçãodosnutrientes.

    3) O plantio de espécies diversas, de alturas diferentes, a

    exemplodoqueocorrenaflorestanatural,reduzoim-

    pactodosoledachuvasobreacultura,evitandoapro-

    pagaçãodaspragas,comoacontecenasmonoculturas.

    4) Ocultivodecertasplantasnativas,asquaisfavorecem

    a recaptura de micronutrientes e não competem por

    nutrientes essenciais, representa uma adaptação bem-

    -sucedida a condições climáticas locais, à baixa fertili-

    dadee forteacidezdosolo,bemcomoaoutros fatores

    nocivosdostrópicos.

    5) Adispersãodoscamposcultivadosminimizaaincidên-

    cia de pragas sobre a plantação e de insetos daninhos,

    obviandoousodepesticidasque,alémdedispendiosos,

    atentamcontraoecossistema.

  • b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r o16

    6) Areferidadispersãogeográficadoscultivosfazcomque

    espécies de vegetais e animais sejam preservadas em

    “corredoresnaturais”queseparamasroças,representan-

    doimportantesrefúgiosecológicos.

    7) Aqueimaempequenaescala,praticadapelo indígena,

    e o apodrecimento de galhos e troncos deixados sem

    queimar devolvem ao solo nutrientes necessários para

    alimentarosbrotos.

    8) Ousodaestacadecavarparaasemeaduraépreferívelao

    daenxada,doaradooudotrator.Estes,revolvendopro-

    fundamenteoterreno,aumentamooxigênio,aceleran-

    doadecomposiçãodamatériaorgânicaedanificandoa

    estruturadosolo.

    Ocultivoitineranteconstitui,portanto,umasoluçãoecoló-

    gicaracionalencontradapelohabitantenativo.Suacontraparte

    é uma baixa concentração demográfica e uma dispersão dos

    agrupamentoshumanos.NocasodoBrasil,elarepresentariaum

    benefício,porquepermitiriaaocupaçãototalemaisharmônica

    do território. Isso só poderia ser alcançado, no entanto, com a

    mudançaradicaldaestruturafundiáriaquenoséimpostadesde

    aconquista.Estruturaantinacionaleantipopularqueimpedeo

    acesso à propriedade da terra aos que nela labutam, ou àqueles

    quequeiramtorná-laprodutivacomoseutrabalho.

    Vejamosemdoiscasosespecíficos–índiosKuikuroeKayapó,

    ondeforamfeitostrabalhosdecampoecologicamenteorientados

    –astécnicasdecultivodealgumasplantasselecionadasporsua

    importânciamaiornadietaaborígine.

    OsKuikuro,depoisdeescolheremotratodeterraaserplan-

    tada, segundo as características anteriormente apontadas, ini-

    ciam a limpeza da macega que cresce sob as árvores. As roças

    sãotradicionalmentecircularesemedemmenosdeumhectare

  • o í n d i o n a c u lt u r a b r a s i l e i r a | b e r ta g . r i b e i r o 17

    (0,65ha),emmédia.Alimpezadoterrenotemlugargeralmente

    doismesesantesdoiníciodaschuvas,istoé,emjunho,noalto

    Xingu.Derrubaminicialmenteasárvoresmaisaltas,localizadas

    nocentrodoterreno.Suaquedaéorientadadeformaaatingir

    outras,menores,ouqueestejampresasàsmaioresporcipóen-

    roscadonacopa.Derrubadaamata,édeixadasecarpordoisou

    trêsmeses.

    OsKuikurosabemquandoéchegadaahora da queimapela

    apariçãodaconstelaçãodopatonoladoorientaldocéu,antesdo

    raiardosol.Eaindapelapostadeovosdetracajásnaspraiasdo

    rioCulene.Aqueimaéfeitaàtarde,quandoaroçaestábemseca,

    observando-se a direção do vento. Os Kuikuro colocam várias

    tochasdeentrecascanoperímetrodaáreaderrubadanoladode

    ondeoventosopra,quedessaformaajudaaespalharachama.A

    queimaduracercadeduashoras.

    Aoperaçãoseguinteéacoivara.Consisteemempilharetornar

    aqueimarospausegalhosnãoconsumidospelofogoanterior.Ao

    mesmotempoérecolhidaalenhaparausodoméstico.Quando

    terminaaoperação,queduradenoveadezhoras,apenas7a10%

    do terreno fica coberto de paus e galhos. Segundo os cálculos

    feitosporCarneiro,ascinzasaumentamimediatamenteafertili-

    dadedosolo,emalgunscasosdobrandoaquantidadedesaissolú-

    veisetriplicandoouquadruplicandoseuteordepotássio,cálcio,

    magnésioetc.Comparandoamostrasdeterradeflorestaprimária

    comasdeflorestasecundária,apósaqueima,aúnicavantagem

    da primeira em relação à segunda é quanto à composição mais

    altadepH.Ocarvão,quetambémaumentaafertilidadedosolo,

    levamesesparadesfazer-sequímicaemecanicamente.Constitui,

    porisso,umareservadenutrientesparaaabsorçãomaislentae

    gradualdaplantaemcrescimento.

    Acoivaraeasegundaqueimatêmlugar,geralmente,ummês

    antesdasprimeiraschuvas,proporcionandoaosKuikurotempo

  • b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r o18

    suficienteparaprocederaoplantio.Estesefazatravésdaabertura

    depequenascovas.Aoserescavada,aterraficamaisfriávelesolta;

    asraízessãoremovidaseascinzaseocarvãomisturadosaosolo.

    AdistânciaentreascovasnumaroçademandiocadosKuikuro

    édecercadedoismetros.Assim,numaroçadetamanhomédio

    haverá1.400covas,recebendocadaqualdezmudasdemandioca.

    Quandoasmudassãodemaiordiâmetro,plantam-seapenastrês

    em cada cova. São necessárias aproximadamente 58 horas para

    plantartodaumaroça,oqueé feito individualmenteoucoma

    ajudadeparenteseoutrosmembrosdacomunidade.

    Carneirorecolheucercade46nomesnativosdecultivaresde

    mandiocaentreosKuikuro.Entretanto,apenasquatrooucinco

    variedades são plantadas numa única roça. Todas de mandioca

    brava (Manihot esculenta). Elas são distinguidas pelos Kuikuro

    segundoaalturadaplanta,acordahaste,asfolhasepecíolos,a

    distânciaentreas folhase, sobretudo,aquantidadeequalidade

    dos seus tubérculos, bem como o tipo de amido que fornecem.

    Entretanto, as seis variedades preferidas pelos Kuikuro respon-

    dempor95%desuaplantação.

    Dependendo dos cuidados que se tenha em cercar e limpar

    umaroçaentreosKuikuro,elapodedurardedoisacincoanos.É

    deixadanãosódevidoàexaustãodosolo,senãotambémàinva-

    sãodamacegadifícildecontrolardepoisdealgumtempo.

    OsKayapóplantamnãoapenasnaroça,mastambémformam

    pomaresdentrodasaldeias.E,oqueémaisimportante,plantam

    nastrilhasqueligamasroçasàsaldeias,noslocaisondeencon-

    tramárvorescaídasnomeiodamata,ondederrubamumpaupara

    tiraromeleaceradeabelhas,emsítiosemmemóriadeparentes

    mortoseem“micronichosespeciais,taiscomonasproximidades

    derochasprovenientesdebasalto” (WarwickE.Kerr1986:159).

    (VertambémPosey1986a.)SegundoKerr,

  • o í n d i o n a c u lt u r a b r a s i l e i r a | b e r ta g . r i b e i r o 19

    Os Kayapó plantam para assegurar sua subsistência,

    parabancodegermoplasma,parafinsmedicinais,práticas

    religiosaseparaatrairacaçaadeterminadoslogradouros.

    Transferemmudasdamataparaastrilhasouparacantei-

    rosnaroça.Visitamfrequentementeascapoeirasinclusive

    paracoletarlenha(1986:159).

    Oreferidoautorafirmaqueabatata-doceéoprincipalprodu-

    to agrícola Kayapó. A mandioca vem ganhando terreno devido

    àproduçãodefarinhaparaavenda.Quasetodososagricultores

    Kayapóobservamodesenvolvimentodabatata-doceparaefetuar

    o plantio das demais culturas. Ao brotar a batata, planta-se o

    milho.Depoisqueomilhoalcançadoispalmos,planta-seocará

    (Dioscoreasp.),amandioca,amacaxeiraeoariá(Calatheaallouia),

    umamarantácea.Umindícioparacomeçaroplantiodabatata-

    -doce é o canto de certo pássaro, de uma espécie de cigarra e o

    florescimentodobarbatimão,uma leguminosa (Vatairea cf. ma-

    crocarpa/Benth/Ducke). Detalhe curioso quanto ao cultivo da

    batata-doceéofatodeosKayapóatearemfogoàroçadepoisquea

    semeiam.Segundoinformaoautorcujotrabalhovenhoresumin-

    do,“étécnicamodernasubmeterasbatatas-docesa48°Cdecalor

    durante45a60minutos,afimdedestruirosvírusqueporventura

    tenhameobterramasisentasdevírus”(Kerr1986:166).

    Outrapráticaéforrarascovascomfolhasdeumarbustopara

    evitarpragasnasfolhas(ibidem)eaumentaraprodução.

    Abatata-doceassimcomoocarásãoplantadosnasgrandestri-

    lhas.Desteúltimo,semeiamduasvariedadesporcova.Observação

    importantefeitaporKerréadequeosKayapó

    forramacovaabertaparadepositarobulbocompedaçosde

    formigueiros(Aztecasp.)oudetermiteirosaéreos;colocam

  • b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r o20

    outrotantoemcimadobulboefechamacovacomterra.

    Plantam sempre duas variedades por cova, obtendo gran-

    de produção. Este método promove, efetivamente, uma

    constante competição com a correspondente seleção dos

    melhorescultivares(Kerr1986:168).

    Omilhoéumdosmaisimportantesvegetaiscultivadospelos

    Kayapó.Selecionamespigasmaioresparaoreplantio,colocando

    cincogrãosporcovaaumadistânciade1,40cmumadaoutrae

    acreditamqueasuapolinizaçãoéfeitapelasabelhas.Kerrobser-

    vou que antes de os Kayapó plantarem o milho “socam os bul-

    bilhos de Costos warmingi (Zingiberaceae) untando as sementes

    comessamassa.Asplantasnascemesetornammaisvigorosas

    comessetratamento”(1986:161).

    Paraexplicararazãopelaqualasmulheresmisturamatinta

    depequenasformigasvermelhas(provavelmentePhiedalesp.)ao

    urucu(Bixaorellana)napinturaderostoduranteosrituaisdomi-

    lho,PoseycitaumfragmentodemitoKayapóeinforma:

    O mito começa a tomar sentido quando se entende o

    complexo coevolutivo do milho, feijões, mandioca e a

    formiga.

    A mandioca produz um néctar extrafloral que atrai as

    formigasparaaplantaaindajovem.Asformigasusamsuas

    mandíbulasparapalmilharocaminhoatéonéctar.Dessa

    forma,elascortamahastedafavaqueimpediriaocresci-

    mento de planta ainda frágil. (...) O milho pode suportar

    semdanootalodafavaeaprópriaplantalheforneceoni-

    trogêniodequenecessita.Asformigassãomanipuladoras

    naturaisdanaturezaefacilitamasatividadeshorticultoras

    dasmulheres(Posey1983:882).

  • o í n d i o n a c u lt u r a b r a s i l e i r a | b e r ta g . r i b e i r o 21

    Oautorconcluiqueaanálisedosmitos–seadequadamente

    decodificados–podefornecerinformaçãosobreasrelaçõesecos-

    sistêmicaseaacuidadedoconhecimentoecológicodosíndios.

    3. “A agricultura nômade”

    Sobessetítulo,Poseyrelataemseuartigo,tantasvezescitado,1

    asatividadesagrícolas“nômades”dosKayapó,istoé,foradorecin-

    toestritodaroça.

    Como vimos, esses índios exploram os recursos de dois am-

    bientes ecológicos: o cerrado e a floresta. Têm em comum com

    outrosgruposJê(Timbira,Xavante)emacro-Jê(Bororo)aaldeia

    circular, a residência matrilocal, a divisão em metades, grupos

    de idade, sociedades dos homens, casa dos homens (exceto os

    Timbira)eodeslocamentosazonalparaacaçaeacoleta.

    ArespeitocomentaJoanBamberger:“Foisemdúvidaporessas

    longascaminhadasembuscadeprodutosespecíficos,ouparaou-

    trospropósitos,duranteaestaçãoseca,queosKayapó,eosJêem

    geral,adquiriramafamadecaçadoresecoletoresseminômades”

    (1967:77).

    AnalisandoasassertivasdeCarneiro(1973)sobreotamanho

    eaestabilidadedasaldeiasdosKuikuro,edosgruposdafloresta

    tropical,demodogeral,Bambergerafirmaqueomesmoracio-

    cíniopodeseraplicadoaosKayapó(1967:83).Chamaaatenção,

    contudo,paraofatodequeadensidadeeaestabilidadedeuma

    aldeia não podem ser medidas apenas em função da ecologia,

    mas levandoemconta fatoressocioculturais.CitandoTerence

    Turner(1966:79/80),afirmaqueaculturaKayapó,devidoàsua

    organização social dividida em metades, grupos de idade, não

    1 Os temas desse artigo foram reelaborados e ampliados posteriormente (cf.Posey,1986a,1986b).

  • b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r o22

    pode funcionar sem uma massa crítica que esse autor calcula

    em 80 indivíduos. Conclui que “A disparidade entre os tama-

    nhosdasaldeiasKayapóeentreestaseasdastribosdafloresta

    tropical (por exemplo, os índios não Jê do Xingu) deve ser in-

    terpretadacomooresultadodaculturaantesquedaecologia”

    (1967:65).

    Desenvolve essa tese nos capítulos seguintes, mostrando

    queosKayapó“têmumadependênciamenornosprodutosda

    roçaqueosKuikuro,dandomaiorênfaseàcaça,pescaecoleta”

    (1967:83).

    E que “durante o verão, na estação seca, quando fazem suas

    andanças, os Kayapó se abastecem quase que cem por cento de

    produtos de caça e coleta pelo espaço de três meses, podendo

    eventualmenteumgrupovoltaràaldeiapararenovarseuesto-

    quedemandiocaebananadasroças”(1967:84).

    AsevidênciasencontradasporDarrellA.Posey,biólogoean-

    tropólogoquedesde1977estudaosKayapó-Gorotire,trouxeram

    elementos novos para a discussão. Diz Posey que, durante suas

    expedições de caça, que duram até quatro semanas, os Kayapó

    levam poucos mantimentos, abastecendo-se em “ilhas naturais

    derecursos”.Mastambémcriam“camposnafloresta”deespécies

    semidomesticadasquePosey (1983:886)calculaemcercade54,

    muitassemelhantesaostubérculosmonocotiledôneos,nãoiden-

    tificados botanicamente, citados por Maybury-Lewis (1967:334)

    entreosXavante.Esseautornomeianalínguaxavanteeilustra

    graficamente sete dessas raízes, algumas semelhantes a batatas,

    outras a abóboras e outras ainda a macaxeiras. Segundo Posey,

    essas plantas semidomesticadas crescem nas clareiras naturais

    daflorestaondepenetraaluzsolar.SãotidaspelosKayapócomo

    equivalentes às capoeiras. “Os transplantes são feitos (...) nas

    adjacênciasdosacampamentosquesesituamsempreemzonas

    ecológicasdetransição”(Posey1983:887).

  • o í n d i o n a c u lt u r a b r a s i l e i r a | b e r ta g . r i b e i r o 23

    Num mapa feito por Posey, com base em desenho indígena,

    pode-severalocalizaçãodosacampamentos,das“ilhasnaturais

    de recursos”, dos “campos na floresta”, bem como das trilhas e

    acidentesgeográficosencontradosnumaexpediçãodecaçados

    Kayapó. São milhares de quilômetros de caminhos – informa

    Posey–abertospelosíndiosparainterligaraldeias,roçaseasrefe-

    ridasáreasderecursosnaturais.

    4. Remanejamento de capoeiras

    Aconcepçãodequeaagriculturaitinerante,talcomopratica-

    daimemorialmentepelosíndiosdaflorestatropical,éprimitiva,

    ineficiente e predatória – porque os campos são abandonados

    apósdoisoutrêsanosdecultivo–éatualmenterefutadacomo

    uma falácia. Os estudos realizados por Darrell Posey entre os

    Kayapómostramqueelescontinuamseservindodas“roçasaban-

    donadas”umavezque,emboraoápicedaproduçãodureapenas

    dedoisatrêsanos,asroçasarmazenam“batatas-docespor4a5

    anos,oinhameeocarádurante5a6anos,mamãopeloespaçode

    4a6anos.Algumasvariedadesdebananascontinuamadarfrutos

    por15a20anos,ourucupor25anoseocupá(Cissusgongylodes)

    por40anos”(Posey1986a:174-5).

    Outra vantagem das capoeiras – na qualidade de clareiras

    abertasnamatapelaaçãohumana–équeelaspropiciamumre-

    florestamentonaturalque,alémdeatrairanimaisdecaça,provê

    plantasúteis,aindanãoidentificadasbotanicamente,masqueos

    índiosutilizamextensamente.Taissão,segundoPosey,“alimento

    emedicamento;iscasparapeixeseaves;sapé;materialparaacon-

    dicionamento; tintas, óleos repelentes contra insetos; matérias-

    -primasparaaconstrução;fibrasparacordasefios;materiaispara

    a higiene pessoal e produtos para o fabrico de artefatos” (Posey

    1986a:175).

  • b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r o24

    OprojetointerdisciplinardeetnobiologiaKayapódirigidopor

    Poseycoletou368plantasparaidentificaçãocientífica,dasquais

    94%sãodeusomedicinalpelosindígenas.

    A afirmação de Daniel Gross (1975: 536) de que as capoeiras

    espalhadaspelaflorestapropiciamacapturadeproteínaspelos

    índios,porque,aocontráriodamatacerrada,oferecemabundân-

    ciadebrotosefolhagemdequemuitasespéciesdafauna–inclu-

    siveinvertebrados–sealimentam,éconfirmadapelapesquisade

    Posey.Vaimaislongeafirmandoqueadispersãoderoçasantigas,

    junto a concentrações populacionais nas aldeias, oferece o que

    chama de “fazendas de caça” a seus habitantes (cf. Posey 1986a:

    175).Adverte,aomesmotempo,queasatividadesdecaçaimpe-

    demqueestaseexpandademasiadamente,ameaçandoaintegri-

    dadedoscultivos.

    Paraatrairacaça,osKayapóplantamfruteirasnasroçasnovas

    cujosfrutosamadurecemaolongodosanos.Poseyacrescentaque:

    O cultivo de árvores ilustra o planejamento a longo

    prazo e o remanejamento da floresta, uma vez que mui-

    tas destas árvores levam décadas até produzirem frutos.

    A castanha-do-pará, por exemplo, só produz passados 25

    anos.Algumasárvores,plantadasparaatrairafauna,pro-

    duzemalimentosapreciadospelosíndios,constituindoum

    elemento essencial para a subsistência dos Kayapó. Estas

    antigasroçasdeveriamchamar-se,talvez,“hortasdecaça”,

    paraenfatizaradiversidadedeseus recursos (op. cit.:175).

    (VertambémSmith1977.)

    Outraformaderemanejarafloresta–etambémoscerrados–

    por parte dos Kayapó é a manipulação do que Posey chama

    “plantas semidomesticadas”. Trata-se de transplantes feitos nas

    clareiras naturais da mata, a que já me referi, de espécies que

  • o í n d i o n a c u lt u r a b r a s i l e i r a | b e r ta g . r i b e i r o 25

    requerem luz e insolação, e que também se adaptam bem nas

    capoeiras.Apardeexpediçõesdecaça,osKayapóempreendem

    excursões unicamente para fazer transplantes, utilizando, para

    isso,locaisondetenhamderrubadoárvoresparaacoletademel

    ouaquelesemqueencontramárvorescaídas,conformereferido,ou

    nos locaisdeantigasaldeias.A issooautorchama“agricultura

    nômade”,acreditandoquetais“camposnasflorestas”detectados

    entreosKayapótambémocorramentreoutrosgrupos.

    IssomefazrecordarumaexpediçãoquefizcomíndiosKayabi

    paracoletartintadeentrecascadejequitibá(Carinianasp.),afim

    de pintar um cesto. A caminhada no meio da mata fechada, de

    clareiraseumaredeintrincadadetrilhosdurouduashoras.Em

    toda essa área só havia um único jequitibá. Tê-lo-iam plantado,

    perguntoagora?Ofatoéquechegaramaolocalevoltaramàal-

    deiasemerrarocaminho.Sabiamexatamenteondeselocalizava

    aárvorequelhesforneceopigmentoparaacestaria(cf.B.Ribeiro

    1979:141-143).

    Voltemos aos Kayapó. Registros de Terence Turner (1966)

    indicam que eles perambulavam no sentido leste-oeste entre o

    TocantinseoAraguaia,eemdireçãonorte-suldoPlanaltoCentral

    doBrasil,atéorioAmazonas.

    Durante essas longas marchas, os índios não levam

    provisões e utensílios, devido a seu volume e peso.

    Contudo, a alimentação de 150 a 200 indivíduos não

    podeserdeixadaaoacaso.Paraesseefeito,sãocoletadas

    etransplantadasplantasjuntoatrilhaseacampamentos,

    produzindo-se,artificialmente,“camposnafloresta”.Esses

    nichoscolocamàdisposiçãodoscaminhantes,edosque

    os sucederem, todo o necessário à vida (...). A existência

    de“ilhasnaturaisderecursos”eseussímiles,os“campos

    na floresta” construídos pela ação do homem, permitem

  • b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r o26

    aosKayapóprescindirdosprodutosdaroçadurantesuas

    longasviagens(Posey1986a:177).

    Comovimos,osKayapócontamcomasplantaçõeslinearesque

    fazemaoladodasestradas(deatéquatrometrosdelargura)que

    unemaldeiaseroças.Essasestradas(cercade1.500kmdecompri-

    mentocomumamédiade2,50mdelargura),queunemasatuais

    11aldeiasKayapó,sãoplantadascom“numerosasvariedadesde

    inhames,batatas,marantaceae(ariá),Cissus(cupá),Zingiberaceae

    eoutrasplantastuberosasnãoidentificadas.Centenasdeplantas

    medicinaiseárvoresfrutíferasincrementamadiversidadedaflo-

    raplantada”(op.cit.).

    AcrescentaPoseyque:

    Olevantamentofeitonumatrilhade3km,queuneaal-

    deiaGorotireaumaroçapróxima,constatouaexistênciade:

    1) 185árvoresplantadas,representandopelomenos15

    espéciesdiferentes;

    2) aproximadamente 1.500 plantas medicinais perten-

    centesaumnúmeroindeterminadodeespécies;

    3) cerca de 5.500 plantas alimentícias de um número

    igualmentenãoidentificadodeespécies(op.cit.:178).

    Roças são abertas e cuidadas por mulheres idosas em ele-

    vações. São reservas de alimentos para prevenir a quebra de

    colheitasemcasodeinundações.Capoeirasdeoitoadezanos

    sãolimpasdemacegaereplantadas.Nessaselevaçõeseantigas

    roças são plantados principalmente bananeiras, tubérculos e

    marantáceasdegrandevalornutritivoealtamenteapreciados

    pelosKayapó.

    Nas próprias aldeias, em áreas adjacentes às casas, são plan-

    tadas cerca de 86 espécies alimentícias e dezenas de plantas

  • o í n d i o n a c u lt u r a b r a s i l e i r a | b e r ta g . r i b e i r o 27

    medicinais.“AspráticasdecuradosKayapósãoaltamentesofis-

    ticadas.Juntoacadacasasãoplantadasespéciesdeusomedici-

    nalcorrente,algumasdelasdomesticadasousemidomesticadas”

    (Posey1986a:181).

    SegundoPosey,

    Um dos principais resultados do remanejamento dos

    quintaiséaformaçãodesolofértil.Algunsdosmaisricos

    eprodutivossolosdaAmazôniasãoosdenominados“terra

    pretadosíndios”.Acredita-sequetenhamsidoproduzidos

    pela manipulação do solo amazônico, geralmente pobre,

    por ação humana, isto é, indígena (ibidem). (Ver também

    Smith,1980.)

    Essesmétodosindígenasderecuperaçãodeflorestas,transfor-

    mados em pomares, e melhoramento dos solos, transformados

    em ubérrimas terras pretas, que só agora vêm sendo cientifica-

    mente descritos, são um libelo contra o etnocentrismo dos que

    formulamnossapolíticafundiáriaeagrária.Háquase500anos,

    aclassedominantebrasileira–elatino-americanaemgeral–tei-

    maemdesconheceraexperiênciadeadaptaçãoaos trópicosde

    populaçãotidascomoprimitivas,incultaseselvagens.Essafoie

    continuasendoumajustificativamoralsuficienteparacondená-

    -lasaoextermínio.Tendoemmenteesseespantosogenocídioe

    etnocídio,aoencerrarseuartigo,Poseyafirma:

    Comosevê,aetnobiologiaapontanovosrumosparaa

    pesquisanabaciaamazônica,ouondequerquesobrevivam

    sociedadesindígenas,caboclasoucaipiras.Éprecisoterem

    mente, porém, que as culturas indígenas se extinguem,

    poucoapouco,acadadia.Urge,porisso,nãosótrabalhar

    comafincoafimderegistrardadosvirtuais,mastambém

  • b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r o28

    lutarparapreservarasterras,aliberdadeeodireitoàexis-

    tênciadospovostribais(1986a:184).

    Cabeacrescentarqueoutroestudoemandamento,entreos

    índiosBora,doPeru,dirigidoporWilliamM.Denevan,estáche-

    gandoàsevidênciasregistradaspeloprojetoKayapóencabeça-

    doporWarwickE.KerreDarrellA.Posey.Emnotapreliminar,o

    geógrafoJohnTreacy,membrodareferidaequipe,mostraqueos

    BorautilizamummétodosemelhanteaodosKayapónomanejo

    ereconstituiçãodaflorestasecundáriaemantigascapoeiras.Os

    Boratransplantamespéciessilvestresparaváriosfins:alimento,

    medicina,madeirasparaconstruçãoeparalenha,matéria-prima

    para manufaturas e plantas utilitárias (cipós para amarrilhos,

    porexemplo)(Treacy,1982:16).Dentreasfruteiras,oautorcita

    as seguintes: palmeira pupunha (Bactris sp.), uvilha (Pourouma

    cecropiaefolia),umari(Poraqueibasp.),caimito(Chrysophyllum

    caimito), guava (Inga edulis) (op. cit.: 15). Treacy, da mesma

    forma de Posey, refuta a ideia de que a agricultura itinerante

    utilizaosoloapenasdurantedoisoutrêsanos.Aocontrário,

    demonstraqueessapráticaagrícola“evoluinumsistemaagro-

    florestalduranteoperíodoposteriordociclodecolheitaedu-

    ranteosprimeirosanosdederrubadadafloresta.Emessência,

    os estágios progridem de roça de mandioca para roça mista

    mandioca-frutasparapomardefrutasresidualeparafloresta

    alta”(1982:16).

    Tudosedáporqueasfruteirasnãocompetemcomasoutrases-

    pécies,decrescimentosecundário,porluminosidadeenutrientes

    dosolo.Ocrescimentodemacegaépermitidoparaquedêlugara

    novasqueimadas,afimdequeascinzasfertilizematerra.

    A erradicação da floresta amazônica que ocorre em nossos

    dias,comatotaldestruiçãodomantoflorestalemimensasexten-

    sões para ceder espaço a pastagens ou a monoculturas exóticas

  • o í n d i o n a c u lt u r a b r a s i l e i r a | b e r ta g . r i b e i r o 29

    (Gmelina, eucalipto, pínus), tendo um vista a produção de ce-

    lulose (a exemplo do tristemente célebre projeto Jari), é social,

    econômicaeecologicamentecondenável.Nãolevaemcontaas

    necessidadesdapopulaçãolocal–indígenaecabocla–nemasli-

    çõesdopassadoquesóagoravêmalume,talvezdemasiadotarde,

    considerando-seovultocriminosodadepredação.

    5. Seleções genéticas de plantas

    Ahistoriografiabrasileiradesconhece,praticamente,aimensa

    contribuiçãodoaborígineamericanonoqueserefereapráticas

    deconsequênciasgenéticasnadomesticaçãodeplantas.“Aagri-

    culturanãopodedispensaroconhecimentodabotânica”,escreve

    F. C. Hoehne (1937: 9), companheiro do Marechal Rondon nas

    peregrinaçõesdesdepelossertõesdoBrasil,eautordamaisim-

    portanteobrasobreosaberagrícolaebotânicodosilvícolabrasi-

    leiro.Conformeindicaotítulo–BotânicaeagriculturanoBrasilno

    séculoXVI–,oalentadotrabalhodeHoehnecompilaasinforma-

    çõesdoscronistasdoséculodadescobertaedosnaturalistasque,

    desdePisoeMarcgrave(séculoXVII),classificamasplantascom

    orespectivonomeindígenae,apósoséculoXVIII,pelosistema

    bináriodesenvolvidoporLineu.

    Asformasoriginaiseagrestesdasplantasdomesticadaspelos

    índioscontinuamsendopesquisadas.Aesserespeito,dispomos,

    entre outros, do trabalho de Carl O. Sauer divulgado há pouco

    em português (1986). Com referência a seleções genéticas em

    plantasselvagensecultivadas,praticadasaindahoje,contamos

    apenascomotrabalhodeWarwickE.KerreCharlesR.Clement

    (1980), resultante de estudos feitos junto aos Tukuna, Desana,

    Paumari,Cinta-LargaeoutrastribosdaAmazônia.(Vertambém

    Kerr1986.)

    Essassãonossasprincipaisfontesparaapresentediscussão.

  • b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r o30

    Mandioca (Manihot esculenta)

    Amaisimportanteplantaalimentícialegadaàhumanidade

    peloantigohabitantedoneotrópicoéamandioca.2Devetersido

    domesticadanaAmazôniaháquatrooucincomilanos(Kerr&

    Clement 1980: 252), sendo cultivada hoje, além da América do

    Sul, nas Antilhas, na América Central, no México, na Flórida

    (EUA) e em extensas áreas tropicais na Ásia, África e Oceania.

    Alémdeserumaplantaquedáfacilmenteemterrapobre,como

    o podzol do alto rio Negro, de poder permanecer estocada na

    própriaterraporperíodosmuitograndes,amandiocatemavan-

    tagemdeserumalimentoricoemamidoefornecerumasériede

    subprodutos.Comefeito,damandioca-bravaobtém-se,aparda

    farinha,datapioca,dobeiju,amanicoera(emlínguageral),que

    éoveneno(ácidohidrociânico)transformadoembebidanãofer-

    mentadadepoisdesubmetidoàcocção.Atecnologiaalimentar

    combasenamandiocainclui,entreosDesanaeTukanodoalto

    Uaupés,cincoqualidadesdefarinha,setedebeiju,setebebidas

    nãofermentadaseoitofermentadas(B.G.Ribeiro1980ms.:259).

    Semembargo,afarinhadamandioca,emboraricaemvitamina

    A,calorias (320)eaminoácidos(404mg),épobreemproteínas

    (1,7g)(Gross1975:527).

    Paracompensar,apresentainúmerasvantagensalémdasassi-

    naladas.Seurendimentoébastantegrandeporunidadedeterre-

    no,umavezqueasmanivaspodemsercultivadaspróximasumas

    dasoutras,àrazãode10milpésporhectare(Schery1947:25),eo

    crescimentoérápido.Outravantagemdocultivodetubérculos

    comoamandioca,quandocomparadocomgrãos,comoomilho,

    équeamandiocaépoucosuscetívelàspragas,cresceemsolos

    semiáridoscomoosdoNordeste,temperadoscomoosdoSuldo

    2 Alémdealimento,amandiocapodeviraserempregadacomocombustível.

  • o í n d i o n a c u lt u r a b r a s i l e i r a | b e r ta g . r i b e i r o 31

    Brasil e pouco férteis como as terras da Amazônia. Não exige a

    queimatotalelimpezadoterreno.Seurendimentoporunidade/

    trabalho é unidade/área, bem como seu componente calorífico

    émaisaltodoqueodomilho.Este,contudo,contémmaisami-

    noácidosqueamandioca:3.820mgcontra404(Gross1975:534e

    TabelaI).

    Nãoobstanteobaixoteordealimentoproteicoingeridopelas

    populações indígenas, que baseiam sua dieta alimentar essen-

    cialmentenamandioca,elasestãotãoadaptadasaessadietaque

    nãoapresentamnenhumadoençacarencialeexibemgrandevi-

    gorfísico.Sendopobreemproteínas,amandiocanãoretirado

    solomateriaisnitrógenosnamesmaproporçãoemqueofazem

    outrasplantas(Schery1947:25),produzindomaiorquantidade

    deamidoutilizávelporhectaredoquequalqueroutracultura

    conhecida(ibidem).Nessesentido,pode-seestenderaoutrosgru-

    pos“mandioqueiros”oscálculosfeitosporRobertCarneiropara

    osKuikuro:80a85%desuadietaprovémdamandioca(1973:98).

    ExaminandoaintroduçãoemduasaldeiasTukanodecultiva-

    resdemandiocaamarga(ManihotesculentaCranz),nosúltimos50

    anos, Janet Chernela (1986) procura demonstrar a importância

    depráticassociaisnadistribuiçãoediversificaçãodoscultivares.

    Em três anos de trabalho de campo, a pesquisadora conseguiu

    obterasdesignaçõesecaracterísticasdomaiornúmerodeculti-

    varesdemandiocaemusoporumgrupoindígena:ototalde137.

    Atualmente,afirmaChernela,

    Botânicos e agrônomos vêm demonstrando crescente

    interesse em recuperar a diversidade intraespecífica per-

    dida,emvirtudedousodetécnicasmodernasdeseleção

    ecruzamento.Amandioca(Manihotesculenta)éumexem-

    plopoucocomumdeplantacujaricadiversidadegenética

    foipreservadaecontroladapeloshorticultoresindígenas,

  • b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r o32

    ao longo de milhares de anos de experimentação. Essa

    perdaocorreuaofatoderaramentereconhecer-sequeos

    sistemas aborígines de cultivo resultam da observação e

    doremanejamentocuidadosodadiversidadegenética.(...)

    Para obviar esse percalço, procura-se hoje reintroduzir,

    mediantearecuperaçãodavariaçãointraespecífica,carac-

    terísticasperdidas(Chernela1986:151).

    Escusado dizer da importância de informações como as que

    Cherneladivulga.Atítulodecomparação,diriaqueKerr (Kerr

    &Clement1980:253)encontrouemoutrogrupodamesmaárea,

    osíndiosDesana,40cultivaresdemandioca,eRobertoCarneiro,

    46variedadesdessetubérculo,conformeassinaleianteriormente.

    NaobrasobreogêneroManihot,Rogers&Appanrelacionam98

    espéciesdogêneroManihot,váriasdelascomatécincosubespé-

    cies(1973:255/256–listanuméricadetaxa).

    Kerr&Clementreferem-seaalgumasdas“seleçõesmaisim-

    pressionantes feitas pelos índios da Amazônia” (1980: 254), que

    tiveram a oportunidade de comprovar. “A variedade selvagem

    do abio (Pouteria caimito), ainda encontrada nas matas, possui

    frutos que pesam cerca de 30 gramas. No alto Solimões... os ín-

    dios (Tukuna) selecionaram variedades que alcançaram até 180

    gramasporfruto”(op.cit.:256).

    O mapati (purumá, cucura, uvilha) (Pourouma cecropiaefolia)

    éconsideradopeloscitadosautorescomopossívelsubstitutoda

    uva na Amazônia. A respeito dessa fruta informam que “Os ín-

    dios Tukuna melhoraram consideravelmente essa espécie. Nos

    arredoresdeLetícia(altoSolimões)estãoosmelhorescultivares,

    frutodessaseleção”(ibidem).

    OutrafrutaobjetodaseleçãogenéticapelosíndiosTukunaéa

    sapota(Quararibeacordata).SegundoKerr&Clement:“Aplanta

    selvagemproduzfrutosapenascom9a12cmdecomprimento

  • o í n d i o n a c u lt u r a b r a s i l e i r a | b e r ta g . r i b e i r o 33

    por 3-5 cm de diâmetro. As seleções dos índios Tukuna (alto

    Solimões)levaramaárvoresqueproduzemde3.000a8.000frutos,

    quase esféricos, de10 a15 cm de diâmetro, pesando400 a1.300

    gramas”(ibidem).

    Apupunha(Bactrisgasipaes)assumeexcepcionalimportância

    para as populações indígenas e caboclas da Amazônia devido

    ao elevado teor de proteína e altas taxas de vitaminas A, B e C.

    NativanaAmazônia,essapalmeirafoidomesticadapelosíndios.

    Vejamosoprocessodeseleçãodesementesedeplantionarrado

    aoDr.KerrporTolamanKenhiri,índioDesana,autordeumlivro

    demitosdesuatribo.Aseleçãoéfeitasegundo:

    1º)númerodecachos;2º)tamanhodosfrutos;3º)devem

    sereliminadasasplantasqueproduzemfrutoscomman-

    chasourachaspretas,quesecretamumaresinaescura(pa-

    recebreu)equeseestragamecheirammal.

    No momento do plantio procedem assim: a) põem os

    frutos na água (numa vasilha); b) aquecem até mais ou

    menos 50°C; c) ao atingir 50°C retiram as sementes de

    quantas queiram plantar; d) plantam; e) replantam no

    lugardefinitivoquandotêmummínimode10cmeum

    máximode60cmdealtura.

    Háváriascrendicesassociadasaocultivodapupunha,

    entre os Desana. As duas principais são: a) raspando a

    sementecomumralo,aplantanãoproduziráespinhos;

    b)seamarrarasfolhasnovasemcima,aárvorecrescerá

    poucoeproduzirácachosabaixaaltura(Kerr&Clement

    1980:258).

    ImportanteobservaçãodeVonMartiusconvémserlembrada

    nessecontexto.Dizele:

  • b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r o34

    (...)asvariedadeseraçasaumentamemnúmeronapro-

    porçãodonúmerodeanosduranteosquaissetemovege-

    talemcultura.Comoprovamaisevidentedofatodeque

    estainfluênciaexiste,temosasplantascultivadasdurante

    muitotempoemultiplicadaspormeiodeestolhosoure-

    bentos, que perdem totalmente a faculdade de produzir

    sementes.(...)

    Comoespecialmenteimportanteparaestanossaasser-

    ção,mencionoapalmeiraGasipáesouPupunha(Gulielma

    speciosa), que, na maior parte, nas regiões tropicais da

    América,ésempremultiplicadapelosaboríginespormeio

    derebentoslaterais,ecujoputâmendurocomopedra,do

    tamanho de uma ameixa regular, na cultura sucessiva,

    muitasvezesseachatotalmenteatrofiadooutransforma-

    doemumasubstânciacartilaginosa.

    Quantosséculosnãoteriamsidoprecisosparadesabituar

    estaárvoreaproduzirasuasementetãosólidaegrande(K.

    F.v.MartiusapudHoene1937:40-41).

    Oabacaxi(Ananascomosus)emestadoselvagempesaapenas

    de100a200gramasemalalcança12cmdecomprimento.Asse-

    leções genéticas feitas pelos índios produziram variedades com

    ousemespinhoecomapartecomestívelmeioácidaoumuito

    doce, nas tonalidades amarelo-gema, amarelo-claro e branca e

    compesoquevariaentre800gramasa15quilos(Kerr&Clement

    1980:258-9).

    Umdosvegetaisindígenasmaisimportantesepoucoconhe-

    cido é o cupá, ou cipó-babão (Cessus gongylodes), uma casta de

    mandiocaarbóreaquedevetersidodomesticadahá,nomáximo,

    1.000 anos. O cupá cresce rapidamente e é encontrado entre os

    grupos Timbira e Kayapó, em estado selvagem e semidomesti-

    cado, oferecendo, por isso, interessantes informações sobre o

  • o í n d i o n a c u lt u r a b r a s i l e i r a | b e r ta g . r i b e i r o 35

    processo de seleção genética de plantas, que ainda se processa,

    atualmente,entregruposindígenas.Avariedadeselvagemalcan-

    ça,nomáximo,1cmdediâmetro,eadomesticadapelosíndios,4

    cm.Medraemsolospobres,easmanivassãoconsumidasassadas

    oucozidas,tendogostodemacaxeira.Análisesquímicasdocupá

    demonstramqueeletemgrandevalornutritivo:77,56%deágua,

    1,2%deproteína,1,0%degordurae18,84%decarboidratos,bem

    comoaltoteordevitaminas(A,B,B2,C,D2,E).Cemgramasda

    plantaoferecem89,2calorias(Kerretalii1978:704).

    6. Repertório de plantas cultivadas

    No capítulo anterior, oferecemos um pálido exemplo dos

    esforçosempreendidospelosíndiosparaobteremumaproduti-

    vidademaiorporplantacultivada.Passados486anosdadesco-

    berta,oestudodosmétodosporelesempregadosmalseinicia,

    quando tantas seleções feitas em tuberosas, cereais e fruteiras

    se perderam irremediavelmente. Na Tabela 11 apresentamos

    a listagem parcial dos vegetais cultivados pelos aborígines. As

    plantasmaisimportantesparaaeconomianacionalemundial,

    aexemplodamandioca,jáexaminada,sãodescritasabaixocom

    maisdetalhes.

    a) Grãos, tuberosas e feijões

    Milho (Zea mays)

    O milho, da família das gramíneas, figura entre as três mais

    importantes plantas que alimentam a humanidade. As outras

    duassãootrigo(Triticumsp.)eoarroz(Oryzasativa).Omilhoé

    cultivadoatualmenteemtodasasregiõestropicaisesubtropicais

  • b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r o36

    domundo.Alémdealimentohumano,vemsendoutilizadonas

    raçõesdesuínos,caprinos,galináceoseequinos.K.F.vonMartius

    encontroudesignaçõesparaessecerealemmaisde60tribos(cf.

    Hoehne1937:114).Sauer(1986)temdúvidasdequeomilhomais

    primitivoqueseconhece,chamadotunicata,possaserencontra-

    do em estado selvagem na bacia do Paraná-Paraguai, território

    Guarani, onde, possivelmente, se teria originado. Na América

    pré-colombianaeracultivado“atéasúltimasfronteirasagrícolas,

    exceto no altiplano andino, excessivamente frio” (Sauer 1986:

    61). Não obstante constituir espécie botânica única, fecundada

    porcruzamento,aseparaçãogeográficaeaseleçãogenéticafeita

    pelos cultivadores contribuíram para a preservação de uma ex-

    traordinária variedade de formas: cerca de 250. O estudo dessas

    variedades e de sua distribuição geográfica permitirá esclarecer

    pontosobscurossobreaprópriaorigemdomilho,ahistóriada

    agricultura e as migrações e contatos no Novo Mundo, afirma

    Sauer(op.cit.:64).

    Omilhoéconsumidopelosíndioscomolegume,istoé,assado,

    cozido,ecomocereal,ouseja,reduzidoapófarináceocomquesão

    feitosinúmerospratos.Entretanto,seuempregomaisnotávelé

    naformadebebidafermentada–ofamosocauimdosTupinambá

    –quealimenta,refrescaeembriaga.Veremosadiante,naTabela

    IV,queoteordeproteínadomilhoultrapassaodoarroz(9,4para

    7,2).Aquantidadedecaloriasdomilho(361)étambémsuperiorà

    doarroz(357).Omilhocontémmaisaminoácidosqueamandioca:

    3.820mgcontra404(Gross1975:534eTabelaI).Segundoesseautor,

    omilhoéplantadopelastribosdaAmazôniacomosuplementoà

    culturadamandioca.Issosedápelasseguintesrazões:1)omilhoé

    menos produtivo que a mandioca por unidade-área; 2) o milho

    exigeterrasmaisférteis,pluviosidaderegularepedemelhorefi-

    ciêncianopreparodoscamposdecultivo;3)ostubérculos,como

  • o í n d i o n a c u lt u r a b r a s i l e i r a | b e r ta g . r i b e i r o 37

    amandiocaeasbatatas,quemadurammaislentamente,retiram,

    nomesmoritmo,osnutrientesdeixadosnasuperfíciepelaquei-

    ma;4)omilhotemquesercolhidoassimqueamadurece,aopasso

    queamandiocapodeserarmazenadanaterraporváriosanosou

    entãonaformadefarinha,durantemeses(ibidem).

    Batata-doce (Ipomoea batatas)

    Nas áreas em que grãos, como o milho, não se adaptavam

    facilmente, tubérculos ricos em amido foram domesticados. É

    ocasodabatata-doce,introduzidanaEspanhaem1526,apartir

    deCuba.GabrielSoaresdeSouza,ograndetratadistadasplantas

    indígenasbrasileirasnoséculoXVI,relacionouoitovariedades

    caracterizadaspelacorepelopaladar.Paramuitastribos,dentre

    astuberculíferas,depoisdoaipimedamandiocavemabatata-

    -doce.OsAsurini,grupotupidomédioXingu,relacionaram20

    nomesdecultivaresdebatatas.Jánãocultivavamtodosporque,

    emsuasfugas,perderamasramasdametadedeles(cf.B.Ribeiro

    1982:37).

    Abatata-docetemumadistribuiçãomaiorqueamandiocana

    América.Paraonorte,poucoultrapassouotrópicoeparaooeste–

    avançandonazonatemperadadoaltiplano–alcançouoPacífico,

    multiplicando-se por divisão (Sauer 1986: 71). Identificações

    botânicas admitem a existência de centenas de espécies, sendo

    a Ipomoea fastigiata uma espécie silvestre da América tropical

    (ibidem).

    A batata-doce era o alimento básico dos grupos Jê, família

    linguística que inclui, entre outros, os Kayapó, os Timbira e os

    Xavante.KerrePosey(1984)encontraramnasroçasdosKayapó-

    -Gorotirebatatas-docescomatéquatroanosdeplantadas,distin-

    guindoporinformaçãodessesíndios22cultivares.(VerTabelaII.)

  • b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r o38

    Cará (Dioscorea sp.)

    “Háoutrasraízescomobatatas,carás,mangarás”,escreveJosé

    de Anchieta em 1570, passados 17 anos de sua permanência no

    Brasil.Acrescentaque“estassecomemassadasoucozidas,sãode

    bomgosto,servemdepãoaquemnãotemoutro”(apudHoehne

    1937:105).Ocaráé frequentementeconfundidocomoinhame,

    trazidodasilhasdeCaboVerdeedeS.Tomé,eaquiaclimatado.

    Trata-sedaespécieAlocasiamacrorhiza,segundoHoehne(ibidem).

    Aos“carazes”serefereaindaGabrielSoaresdeSouzacomgrande

    riqueza de detalhes, confirmando sua distinção dos inhames. E

    tambémaos“mangarazes”–taiobaoutaro(Xanthosomasp.)–,dos

    quais seconsomemas folhaseas raízes, do tamanho de “nozes

    e avelãs”, colhendo-se “duas novidades no ano” (Hoehne 1937:

    208/9). Sauer (1986: 72) inclui no gênero Dioscorea os inhames

    introduzidosdoVelhoMundo.Afirma,todavia,quenaAmérica

    existem variedades silvestres desse gênero, distinguindo-se inú-

    meras tuberosas comestíveis no Nordeste do Brasil (op. cit.: 72).

    “UmaDioscoreaamericana,a‘yampee’(D.trifida,tambémreferida

    como D. brasiliensis), pode ser uma planta verdadeiramente do-

    mesticada”(ibidem).

    Ariá (Calathea allouia)

    Amarantáceamaiscomumedemelhorpaladar,domestica-

    daportribosamazônicas,é,segundoKerr(1986:168),aCalathea

    allouia.OsKayapóreconhecemcincovariedades.Trêsdelas“pro-

    duzemdobulbodereservasdaraizeasduasrestantesbrotam

    dabatata,oqueindicaumaseleçãocompletamentediferentena

    históriadesuadomesticação”(op.cit.:169).Sãoconsumidasassa-

    daseamassadascomfarinha.OsDesanapossuemdoiscultivares.

  • o í n d i o n a c u lt u r a b r a s i l e i r a | b e r ta g . r i b e i r o 39

    A análise química do ariá demonstrou que ele contém 66% de

    proteínae13a15%deamido(pesoseco)(ibidem).

    Feijões (Phaseolus sp.)

    De grande importância alimentar são os feijões, da famí-

    lia das leguminosas, devido ao seu alto conteúdo de proteína.

    Comecemos pelo amendoim, que se destaca por seu teor de

    gorduraeexcelentesabor.“Oamendoim(Arachishypogaea)”,diz

    Sauer(1986:64),éumadasrarasplantascultivadasatribuídasao

    Brasil; sua espécie selvagem mais próxima se encontra desde a

    BahiaatéoRiodeJaneiro.”Consideraextraordináriasuadissemi-

    naçãopré-colombiana.NaAméricaéregistradadesdeolitoraldo

    BrasilatéoPeruenoaltiplanoperuano,oqueindicauma“ligação

    cultural de considerável antiguidade entre o Brasil oriental e o

    Peruocidental,litorâneo”(op.cit.:65).Emboranãotenhaatingido

    grandeimportâncianoMéxico,apesardoclimapropício,Sauer

    aventa a possibilidade de pertencer o amendoim “ao complexo

    deculturadamandioca(amargaedoce)nasuadistribuiçãopelo

    NovoMundo”(ibidem).

    AexpansãodoamendoimnomardaChinaeaooceanoÍndico,

    enãoàAméricanoNortecontinental,levaoreferidoautorapre-

    sumirumadisseminaçãopré-colombianatrans-Pacífico,através

    daqualoamendoimchegouàÁfrica(Sauer1986:65).

    JosédeAnchieta,GabrielSoaresdeSouza,JeandeLeryeou-

    troscronistassereferemafavasefeijõescultivadosnasroçasdos

    TupidacostadoBrasil:Trata-sedeespéciesdogêneroPhaselous

    que Soares descreve como sendo brancos, pretos, vermelhos e

    outros pintados de branco e preto (cf. Hoehne 1937: 213). (Ver

    TabelaII.)

  • b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r o40

    Tabela IIPlantas indígenas cultivadas

    Número de cultivares segundo a taxonomia tribal

    nome designação científica tribo fonte nº cultivares

    Mandiocaemacaxeira

    ManihotesculentaManihotdulcis Kayapó Kerr&Posey1984

    21

    Mandioca Manihotesculenta Tukano Chenela1986 134

    Batata-doce Ipomoeabatatas Kayapó Kerr&Posey1984 22

    Batata-doce Ipomoeabatatas Asurini B.Ribeiro1982:37 20

    Cará Dioscoreasp. Kayapó Kerr&Posey1984 21

    Cará Dioscoreasp. Asurini B.Ribeiro1982:37 8

    Milho Zeamays Kayapó Kerr&Posey1984 11

    Milho Zeamays Asurini B.Ribeiro1982:37 9

    Banana Musaparadisiaca,M.sapientum Kayapó Kerr&Posey1984 14

    Banana Musaparadisiaca,M.sapientum Asurini B.Ribeiro1982:37 11

    Banana Musaparadisiaca,M.sapientum Yanomami Lizot1980:31 11

    Cupá Cissusgongylodes Kayapó Posey1983:884 4

    Feijão Phaseolusvulgaris Kayapó Posey1983:884 4

    Feijão Phaseolussp. Asurini B.Ribeiro1982:37 8

    Feijão Phaseolussp. Kayabi B.Ribeiro1979:120 5

    Amendoim Arachishypogaea Kayabi B.Ribeiro1979:120 6

    Mangaritooutaioba

    Xanthosomasp.Xanthosomasagittifolium

    KayabiYanomami

    B.Ribeiro1979:121Lizot1980:21

    57

    Ariá Calatheaallouia Desana Kerr&Clement1982:259 2

    Pimenta Capsicumsp. Desana B.Ribeiro1980ms 14

    Mamão Caricapapaya Kayapó Posey1983:884 4

    Pupunha Guilielmagasipaes Yanomami Lizot1984:34 4

    Pupunha Bactrisgasipaes Desana Kerr&Clement1980:258 1

    Sapota Quararibeacordata Tukuna Kerr&Clement1980:256 1

    Abacate(*) Perseaamericana Yanomami Lizot1980:29 1

    Abacaxi(*) Ananasparguazensis Yanomami Lizot1980:22 1

    Caju Anacardiumsp. Kayabi B.Ribeiro1979:121 1

    Maracujá Passiflorasp. Kayabi B.Ribeiro1979:121 1

    Abiu Pouteriacaimito Desana B.Ribeiro1980ms 1

    Biribá Rolliniamucosa Desana B.Ribeiro1980ms 1

    Cacau Theobromasp. Desana B.Ribeiro1980ms 1

    Cucuraoumapati Pouroumacecropiaefolia Desana B.Ribeiro1980ms 2

    Goiaba Psidiumsp. Desana B.Ribeiro1980ms 2

    Graviola Annonasp. Desana B.Ribeiro1980ms 1

  • o í n d i o n a c u lt u r a b r a s i l e i r a | b e r ta g . r i b e i r o 41

    nome designação científica tribo fonte nº cultivares

    Toá Gnetumsp. Desana B.Ribeiro1980ms 3

    Umari Geoffroyasp. Desana B.Ribeiro1980ms 3

    Ingá Ingáedulis;I.cinnamomea Desana B.Ribeiro1980ms 1

    Miriti Mauritiaflexuosa Desana B.Ribeiro1980ms 1

    Pequi Caryocarspp. Trumai Murphy&Quain1975:100 1

    Tabaco Nicotianatabacum Kayapó Posey1983:884 3

    Urucu Bixaorellana Kayapó Posey1983:885 6

    Algodão Gossypiumarboreum Kayapó Posey1983:884 4

    Caroá Neoglazioviavariegata Araweté B.Ribeiro1984 3

    Flecha Marantaarundinacea Kayapó Posey1983:884 6

    Cabaça Lagenariasiceraria;L.vulgaris Yanomami Lizot1980:23 7

    Junco(**) Cyperus corymbosus; C. distants;C.articulatus YanomamiLizot1980:23Lizot1980:24 15

    Barbasco(***) Phyllantuspiscatorum Yanomami Lizot1980:26 1

    Paricá(**) Anadenantheraperegrina Yanomami Lizot1980:29 1

    Cambará(****) Lantanatryphylla Yanomami Lizot1980:38 1

    Coca Erytrhoxylumcaractarum Desana B.Ribeiro1980ms 1

    (*) AbacateeabacaxisãotambémcultivadospelosWanana(informaçãopessoaldeJanetChernela).Aindicaçãodeumúnicocultivarsignificaamençãodaplantanabibliografiasemespecificaçãodecultivares.(**)Plantadeusomágico-ritual.(***)Venenoparapeixe.(****)Plantaodorífera.

    b) Fruteiras

    Poucosbrasileirosestãofamiliarizadoscomaimensariqueza

    defrutasnativas,silvestresoucultivadas,ignorandoque,nocaso

    dessasúltimas,séculosdeexperimentaçãoeseleçãogenéticade-

    corremafimdetornarpossívelsuaretiradadanaturezaparaas

    roçasindígenase,depois,nacionaiseinternacionais.Aotratardas

    seleçõesgenéticasdeplantas,fizreferênciaaoabacaxieàpupu-

    nha.Tratareiagoraapenasdabanana,domaracujáedocaju,para

    nãoalongaremdemasiaadiscussão.

    Ocaju(Anacardiumspp.)éamplamenteconsumidoemestado

    selvagem e domesticado pelos índios no Brasil. A seu respeito,

    escrevePauloCavalcante:

  • b i b l i o t e c a b á s i c a b r a s i l e i r a – c u lt i v e u m l i v r o42

    Reforçaahipótesedesuaorigembrasileiraofatodeque,

    das22espéciesdescritasparaogêneroAnacardium,apenas

    duasoutrêssãonativasdoBrasil.Maisdametadedases-

    pécies conhecidas são citadas como nativas da Amazônia

    brasileiraeáreaslimítrofes,tambémbrasileiras,dadosesses

    quepermitemadmitirqueocajueiroteriaseuindigenato

    naAmazônia,deondeirradiousuaculturaparaorestodo

    mundotropical(1972:13).

    OfrutocontémaltoteordevitaminaC,eacastanhaéricaem

    proteína,aminoácidosegorduras.

    Originário provavelmente do Brasil é ainda o maracujá

    (Passifloraspp.).Impressionadocomseuaromaeabelezadasflo-

    res,assimodescreveFreiVicentedeSalvador,em1627:

    Maracujáéoutraplanta,quetrepapelosmatos,etam-

    bémacultivamepõememlatadasnospátiosequintais;dá

    frutodequatrooucincosortes,unsmaiores,outrosmeno-

    res,unsamarelos,outrosroxos,todosmuicheirososegos-

    tosos,eoquemaissepodenotaréaflor,porque,alémde

    serformosaedeváriascores,émisteriosa...(apudHoehne

    1937:319).

    Hoehnefaladomaracujá-melão(P.macrocarpa),quedáfrutos

    atédoisquilosemeio (ibidem).P. Cavalcante (1974:43) informa

    queogêneroPassiflora,com400espécies,estáatualmentedifun-

    didopelamaiorpartedaAméricatropicale,emmenornúmero,

    naÁsiaeAustrália.

    A palmeira açaí (Euterpe oleracea), de cujo bago violáceo,

    que dá em cachos, se faz um vinho característico do cardápio

    do Pará, é de enorme importância na alimentação indígena e

  • o í n d i o n a c u lt u r a b r a s i l e i r a | b e r ta g . r i b e i r o 43

    cabocla da Amazônia. A seguinte citação (Chaves & Perchnik

    1945:6),tomadadeCavalcante(1973:34-35),informasobreoseu

    valornutritivo:

    alimentoessencialmenteenergético,comumvalorcalóri-

    cosuperioraodoleiteeumteordelipídiosduplodeste.A

    riqueza em protídios não é muito elevada como também

    nãooéapercentagemdeglicídios.Todaviaoaçaícomoé

    consumidohabitualmenteadicionadodeaçúcareseamilá-

    ceospodeserconsideradocomoumalimentoricodegran-

    devalorcalórico.Oteordeminerais,cálcio,fósforoeferro

    apresentainteresse.

    A banana (Musa paradisiaca; M. sapientum) é uma das mais

    antigasplantascultivadaspelohomem,origináriadaÁsia.Apa-

    coba,noentanto,écitadanoséculoXVIporAndréThevetepor

    JeandeLery,noRiodeJaneiro,eporGabrielSoaresdeSouzana

    Bahia.Esteteveocuidadodedistinguirasbananeirasdaspaco-

    beirasedeixarclaroque“Pacobaéumafrutanaturaldestaterra”

    (cf.Hoehne1937:120-121,150-152,221-224).Atualmente,tantoas

    variedadesnativascomoasintroduzidastêmgrandeimportância

    nadietaalimentardeinúmerosgruposindígenas(verTabelaII