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OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSENA PERSPECTIVA DO PROFESSOR PDE
Artigos
Versão Online ISBN 978-85-8015-080-3Cadernos PDE
I
SOCIEDADE BRASILEIRA E AFRODESCENDÊNCIA: UMA DESCONSTRUÇÃO DA DISCRIMINAÇÃO E PRECONCEITO RACIAL NO AMBIENTE ESCOLAR
Autora: Profa. Marlene Moraes¹
Orientadora: Prof. Dra. Eulália Maria A. de Moraes²
Resumo: O presente artigo tem como objetivo apresentar a importância do estudo
de temas que busquem minimizar a discriminação racial na escola promovendo a
igualdade entre todos. Para tanto, primeiramente realizou-se um estudo de cunho
bibliográfico, procurando argumentos sólidos que justificassem a implementação do
assunto em sala de aula. No Brasil com a abolição tardia da escravidão e a
promulgação da República, as “raças” não tiveram respaldo jurídico. O racismo foi e
continua sendo exercido informalmente pela sociedade no seu conjunto, mas não
diretamente pelo Estado. Segundo Peter Fry (2005) no Brasil encontra-se um tipo
especifico de racismo, um racismo que grassa debaixo dos “panos lindos da
democracia racial” e que ao longo dos anos transformou-se no “mito da democracia
racial” de Gilberto Freyre. Neste sentido, objetivou-se reconstruir a visão da
africanidade, contra um ensino reprodutivista apresentando uma nova ótica sobre o
Continente africano e o Brasil; um estudo sobre os reflexos das tradições, culturas e
crenças da africanidade no Brasil. Dessa forma, foi colocada em prática uma análise
mais detida das heranças das manifestações culturais afrodescendentes, levando os
alunos a refletirem sobre questões sociais na perspectiva de construção da
cidadania, situando-os como sujeitos dessa história multiétnica e multicultural.
Palavras-Chave: Afrodescendência; Cidadania; Cultura; Raça.
INTRODUÇÃO
O presente artigo apresenta os resultados da implementação do Projeto de
Intervenção Pedagógica no Colégio Estadual Helena Kolody, no município de Terra
Boa - PR, fruto dos trabalhos desenvolvidos no Programa de Desenvolvimento
__________________
¹ Graduada em História pela Fundação Faculdade de Ciências e Letras de Mandaguari FAFIMAN. Pós-graduada em Especialização em Pedagogia Escolar: Supervisão, Orientação e Administração pela Instituição FACINTER e Gestão Pública e Escolar pela instituição Faculdade de Ensino Superior Dom Bosco.
² Professora Adjunta do Curso de História – Universidade Estadual do Paraná/ Campus de Paranavaí.
Educacional – PDE-2014, da Secretaria de Estado da Educação do Paraná –
SEED/PR. O foco do trabalho centrou-se na temática Cultura Afro- Brasileira e
Africana. O interesse pela escolha desse conteúdo surgiu a partir de minha
observação – como professora da Educação Básica –, do universo escolar e os
conflitos que surgem em relação aos valores distorcidos sobre as informações de
nossa multietnicidade.
Nos porões do navio, com pouco espaço, muita escuridão e calor, os negros
foram depositados como animais enjaulados. As condições de transporte não
ofereciam as mínimas exigências de necessidades, a água suja ou a comida não
eram o suficiente para todos. As condições de transporte e a insalubridade do
convívio somado a desnutrição foram causais para que a estatística aponte para um
número significativo daqueles que não chegavam à costa litorânea da América vindo
do continente africano.
Chegando ao Brasil, o pesado trabalho já os aguardava, sua sorte estava
lançada, eram apenas mercadorias que se compra e vende de acordo com a
necessidade do proprietário. Dessa forma, podemos afirmar que o negro
desempenhou importante papel no desenvolvimento econômico do Brasil, trabalhava
na roça, muitas horas por dia, uma jornada de trabalho que diminuía sensivelmente
a expectativa de vida do cativo na colônia. Conquanto algumas literaturas minimizem
as condições de maus tratos do escravo cativo pelo colonizador há, uma quantidade
significativa de instrumentos em museus que asseveram o uso de instrumentos para
tornar a crueldade, para com o escravo africano, maior e a eles estavam sujeitos via
de regra. Em caso de desobediência os castigos eram cruéis. Muitos tentavam fugir,
mesmo sabendo que, se descobertos, pagariam alto preço, inclusive com a vida.
Aqueles que conseguiam fugir se organizava em quilombos, local de refugio e
construção de uma sociedade a parte daquela que se inseria na economia da
Metrópole. Entre os quilombos organizados pelas fugas de escravos ficou
historicamente conhecido Palmares, em Alagoas. Palmares, na verdade, era um
conjunto de dez quilombos e somava, em 1671, algo em torno de 20 mil habitantes.
O desfecho é, também, bastante conhecido pela forma sangrenta com que foi
destruído, dizimando uma sociedade composta por mestiços, índios e até brancos.
Munanga & Gomes (2006) relatam que a escravidão mostrava ato de luta e
coragem no qual chamava de “resistência negra”, que ia desde a insubmissão às
condições de trabalho, revoltas, organizações religiosas até as fugas aos chamados
mocambos ou quilombos. A partir do século XIX muita coisa havia mudado desde a
chegada dos primeiros colonizadores portugueses, mas em relação à escravidão,
pouca transformação havia ocorrido. Há mais de três séculos o escravo negro vinha
sendo a principal mão de obra em todos os serviços.
Na Guerra do Paraguai os negros lutaram bravamente, desenvolvendo um
sentimento de lealdade, dando início a primeira etapa para o fim do regime de
escravidão, pois os que sobreviveram foram tidos como heróis, chegando mesmo a
fazer parte do Exército Brasileiro, daí o início de liberdade e ascensão social de
muitos escravos. Outra razão foi a pressão que a Inglaterra exerceu, pois com o
avanço industrial houve a necessidade de mercado consumidor e pelo regime
escravista, havia impossibilidade de venda de seus produtos, uma vez que o
escravo não tinha salários, portanto, não tinha poder de compra.
Pressionado pelo governo inglês para que as autoridades abolissem o tráfico
de escravos, o governo brasileiro aprovou, em 1850, a Lei Eusébio de Queirós, na
qual extinguia o tráfico de escravos, e em 1854, a Lei Nabuco de Araújo, que
autorizava a marinha a perseguir e punir os traficantes de escravos.
A campanha abolicionista teve êxito através da aprovação, em 1871, da Lei
do Ventre Livre. Essa lei dava liberdade aos filhos de escrava que nascessem após
a data dessa lei, ficando em poder dos senhores de suas mães até que
completassem oito anos. Após essa idade, o senhor recebia indenização do governo
ou utilizava dos seus serviços até que completasse 21 anos, idade para libertação.
Entretanto, a aprovação dessa lei em nada mudou a escravidão.
Em 1855, é levado à Câmara um projeto para libertação dos escravos com
mais de 60 anos, a Lei dos Sexagenários, porém, para serem libertos era necessário
pagar indenização ao senhor ou trabalhar por mais cinco anos. Aqueles que
alcançavam a condição sexagenária eram jogados a própria sorte, sem casa,
trabalho ou comida, muitos morriam abandonados por não terem aonde ir fazendo
parte das primeiras estatísticas de abandono e mendicância. Nesta década, o
movimento abolicionista ganhou força, pois já não lutavam sozinhos. Havia uma
melhor organização e contavam com importantes aliados da sociedade como
militares, estudantes, profissionais liberais e alguns políticos e proprietários.
Em 13 de maio de 1888, foi assinada pela Princesa Isabel, a Lei Áurea,
extinguindo a escravidão no Brasil. Com a aprovação dessa lei, o negro, que até
então fora escravo, restou o trabalho a jornal, ou seja, uma parca remuneração por
jornada de trabalho para um antigo dono, que não tinha mais compromisso com
suas necessidades de moradia e alimentação. Dos pequenos salários, sua nova
condição apontava para sua nova condição periférica.
O fim da escravidão não eliminou a discriminação e o preconceito em relação
ao negro, nasce da condição de liberto uma nova modalidade de discriminação e
exclusão e uma dificuldade de identificação ou sentimento de pertencimento. Após a
abolição o negro ou afrodescendente que não fora preparado para o trabalho livre,
foi jogado a sua própria sorte, sem nenhuma indenização, o que acarretou até os
dias de hoje, a grande dificuldade que o negro enfrenta herança de sua condição.
Segundo Pietra Diwan (2007) “investigar a história da eugenia traz desconforto. Não
é um tema fácil de pesquisar pelo fato de termos de lidar o tempo todo com o
desprezo, a segregação e o desejo de controle de um grupo sobre o outro”. Por
outro lado a pesquisa neste campo nos permite erguer alguns véus que encobrem
verdades deturpadas pela insistência do homem em purificar a raça, aperfeiçoar o
homem evolui-lo. Uma ideia de superioridade e pureza de raça que remontam a
antiguidade. Ideia que segregou e criou fronteiras raciais...
Considerando a breve reflexão acima e o quadro da condição multiétnica de
nosso país há uma proposta de políticas públicas para o desenvolvimento de uma
atenção mais cuidadosa de estudos que apontam para um reconhecimento desta
multietnicidade, em especial nos meios escolares. Se nosso passado nos revela
uma herança indígena, portuguesa e africana temos que saber reconhecê-la. Há um
contínuo debate sobre a contribuição dos negros africanos, na formação do povo
brasileiro; muito se discursa sobre a forma violenta de como se dava a travessia do
oceano Atlântico, de como aqui suas vidas eram modificadas por novos costumes,
novas tradições, novos ambientes, mas o debate, o discurso se perde por
permanecer lá no passado. Devemos considerar que existe algo de africanidade no
Brasil e nos propomos contar, refletir a relação África/Brasil de forma que possam
ser mais conhecidas nas salas de aula e assim refletir uma cidadania mais
consciente situando-a no nosso presente. A pesquisadora Marina de Mello e Souza
pondera que há uma originalidade de composição étnica no Brasil e isso se deve a
uma mistura de valores culturais, quanto à multietnicidade, essa ganhou relevo e
importância com a chegada do africano que amorenou nossa pele, alongou nossa
silhueta, tornou-nos conhecidos por algumas características que nos lembram a
africanidade presente, por exemplo, nos nossos cabelos crespos nos conferindo
“gestos macios e andar requebrado”. Os elementos africanos incorporados
cotidianamente nas lavouras, nos engenhos de açúcar, nas minas e nas cidades
”construíram uma nova identidade e nos legaram o que hoje chamamos de cultura
afro-brasileira" (SOUZA, 2007, p.11).
Ainda refletindo Marina de Mello e Souza (2007) sobre a abordagem da
cultura afro-brasileira devemos contemplar a História da África e do Brasil africano
em um esforço de “cumprir nossos grandes objetivos como educadores: levar à
reflexão sobre a discriminação racial, valorizar a diversidade étnica, gerar debate,
estimular valores e comportamentos de respeito, solidariedade e tolerância". Nesse
sentido a presente pesquisa pretende estimular o combate contra ao racismo e as
discriminações que atingem em particular a população afrodescendente.
Durante todo o período da história, o Brasil passou por um processo de
construção multicultural. Podemos avaliar a forma como se deu o processo de
colonização em relação à população nativa que aqui se encontrava; uma invasão de
espaços e imposição dos valores da cultura europeia. Segundo Borges (2010) de
acordo com os dados do IBGE a população brasileira é composta de 45% de
população negra o que não impede uma convivência desigual de ideologias e
estereótipos racistas. Sob o dissimulado discurso das contribuições africanas para
com a formação do povo brasileiro o padrão estético negro, africano e indígena
convive de maneira tensa. Predomina o imaginário étnico-racial que privilegia a
brancura, as raízes europeias em detrimento de nossa cultura.
Reconhecendo que a cultura africana chegou ao Brasil com os povos
escravizados e que essa cultura contribuiu muito para a formação da cultura
brasileira em diversos aspectos como, danças, músicas, religião, culinária, idioma
etc. e que, em grande parte do país, essa cultura é muito forte, é importante
valorizar essa cultura e acabar com as desigualdades e discriminações, indo além
das datas determinadas pela sociedade para justificar os erros do passado. É
importante trabalhar com os alunos a história desse continente tão grande e variado
como é a África.
Segundo Itani (1998, p.119) “[...] falar de preconceito numa sociedade onde
as pessoas vivem em condições desiguais não é uma tarefa a ser cumprida [...]
Assim, muitas são as formas pelas quais o preconceito se manifesta nas relações
sociais”.
Desta forma, depois de muita luta de vários grupos que defendem a cultura e
identidade negra reconhecendo a dívida que o país tem com esse grupo étnico, em
09 de janeiro de 2003 o Presidente Lula publicou a Lei 10.639, alterando a LDB,
estabelecendo as Diretrizes e Bases da Educação Nacional, incluindo no currículo
na rede de ensino a obrigatoriedade da História e Cultura Afro - brasileira e Africana.
Em 10 de março de 2004, o Conselho Nacional de Educação apoiou o parecer
003/2004, instituindo as diretrizes curriculares nacionais para a Educação das
Relações Étnico - raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro - brasileira e
Africana.
Para que fossem incluídos no sistema escolar conteúdos/atividades
relacionadas à temática da História e Cultura Afro-Brasileira e Africana, essa Lei
alterou os artigos 26-A e 79-B, da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
(LDB) nº 9.394/96 determinando a obrigatoriedade de estudos relacionados à
temática acima, passando a vigorar com as seguintes modificações:
Art. 26-A. Nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio,
oficiais e particulares, torna-se obrigatório o ensino sobre História e
Cultura Afro-Brasileira.
§ 1° O conteúdo programático a que se refere o caput deste artigo
incluirá o estudo da História da África e dos Africanos, a luta dos
negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da
sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas
áreas social, econômica e política pertinente à História do Brasil.
§ 2° Os conteúdos referentes à História e Cultura Afro-Brasileira
serão ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, em especial
nas áreas de Educação Artística e de Literatura e Histórias
Brasileiras.
Art. 79-B. O calendário escolar incluirá o dia 20 de novembro como
‘Dia Nacional da Consciência Negra’ (BRASIL, 2003.).
Desde então as escolas vêm desenvolvendo o tema na tentativa de
estabelecer um marco legal onde todos que compreendem a injustiça desse
sistema, possam apoiar-se para lutar pelo respeito da comunidade negra no Brasil.
O Movimento Negro teve forte influência em defesa da causa:
[...] passaram a exigir do Estado políticas de democratização da educação, de melhoria social, de meio ambiente [...] O movimento social negro não atuou de forma diferente. Na constituinte conseguiu fazer aprovar artigos que abriram espaços para a elaboração da lei 7.716, a chamada Lei Caó, em 1989, e para medidas de ação afirmativa, que, atualmente começam a ser implantadas (NASCIMENTO, 2007, p. 66).
A preocupação com a situação do negro no Brasil é de grande importância,
pois aqui vemos mais fortemente a herança da cultura africana do que em outras
nações e essa cultura é menos valorizada. Vemos o negro assumindo papéis de
menor relevância dentro da sociedade, mesmo que tenha as mesmas habilidades
que os de origem europeia. É dentro deste contexto que a educação exerce papel
relevante para o agravamento e superação deste quadro e essa Lei, ao incluir a
obrigatoriedade do ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana nos
conteúdos escolares, abre espaço para que sejam incluídas nas propostas
curriculares das instituições de ensino as diversidades culturais trazidas pela
comunidade negra ao Brasil.
A partir dessa reflexão é importante ressaltar que:
Os diferentes grupos, em sua diversidade, que constituem o Movimento Negro brasileiro, tem comprovado o quanto é dura a experiência dos negros de ter julgados negativamente seu comportamento, ideias e intenções antes mesmo de abrirem a boca ou tomarem qualquer iniciativa. Têm, eles, insistido no quanto é alienante a experiência de fingir ser o que não é para ser reconhecido, de quão dolorosa pode ser a experiência de deixar-se assimilar por uma visão de mundo que pretende impor-se como superior e, por isso, universal e que os obriga a negarem a tradição do seu povo (PARANÁ, 2008, P.11).
Nesse aspecto pondera-se, na atualidade, a obrigatoriedade de leis que
contemplam a História e cultura dos povos indígena e afro-brasileiros. A Constituição
Federal de 1988, em seu artigo 3º, inciso IV determina que constitua objetivo
fundamental da República “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem,
raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”. Os estudos
realizados visaram responder aos questionamentos: “Podemos dizer que essa lei
realmente está sendo cumprida por todos os cidadãos brasileiros e pelos poderes
públicos da República? Por que a segregação racial ainda é muito forte em nossa
sociedade? Se, em tese já estamos adiantados em relação a esse fato, por que
ainda não superamos o preconceito e a discriminação dentro da escola?”
Para responder a tais questionamentos, foram realizados estudos pautados
em importantes referenciais teóricos, procurando abordar conteúdos referentes às
diversas formas de discriminação e preconceito existente nas escolas buscando dar
nossa contribuição educacional.
Dessa forma, foram arrolados vários objetivos específicos a seguir
sintetizados: trabalhar em sala de aula a escravização e seu continuísmo velado,
modelado por chavões que mascaram com humor o preconceito e o racismo;
abordar em sala de aula a importância de se fazer ações afirmativas em torno do
negro em termos de igualdade, comprovadamente científicas, na atualidade; verificar
e procurar combater os índices de preconceito e discriminação racial no âmbito
escolar; desmascarar brincadeiras; identificar a importância do negro na formação
do povo brasileiro.
Assim sendo, salientamos a necessidade de abordar em sala de aula temas
que venham de encontro com os anseios de todos que consideram que a prática da
discriminação e preconceito não condiz com nossa sociedade e que é hora de
iniciarmos a construção de uma sociedade baseada no respeito a todas as culturas.
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
Durante longo período na história acreditou-se na existência de raças
superiores e inferiores, justificando dessa forma, a escravidão ou o domínio de
determinados povos. No Brasil uma cientificidade europeia em finais do século XIX
corrobora para com o recrudescimento no trato como o afrodescendente, mesmo na
condição de alforriado. Os livros “África e Brasil Africano” de Marina de Mello e
Souza; “O Espetáculo das raças: cientistas, instituições e questão racial no Brasil,
1870 – 1930” de Lilia Moritz Schwarcz; “A persistência da Raça, ensaios
Antropológicos sobre o Brasil e a África Austral” de Peter Fry e “Raça Pura, uma
história da eugenia no Brasil e no Mundo” de Pietra Diwan conferem uma análise da
gênese do pensamento racial e apresentam um fértil campo de análise onde se
construiu uma história de disputas entre a politica, profissionais da saúde e outras
instituições como Igreja e Estados. Na revisão bibliográfica buscamos construir a
historicidade e o diálogo com o tempo presente, relevantes informações e reflexões
acerca da sociedade miscigenada e a nova ordem mundial no contexto da busca
pela raça pura e o nosso momento de avaliação daquilo que se construiu. A história
da exclusão do negro no Brasil passa por uma revitalização e há um profícuo debate
que se disponibiliza para análise nas publicações.
Informações mais recentes sobre a história o negro e seu aprisionamento na
África denuncia uma caçada que tinha início no seu continente, cativo eles
chegavam ao Brasil em navios negreiros em condições sub-humanas. Atualmente
algumas informações nos permitem um traçado geográfico e regionalização de
algumas etnias africanas, como por exemplo: os Berberes que viviam no deserto do
Saara comercializavam diversos produtos, atravessando o deserto com suas
caravanas; os Bantos, do noroeste do continente, eram agricultores, viviam da caça
e da pesca, conseguiram conquistar povos vizinhos, graças ao conhecimento que
tinham sobre metalurgia, chegando a formar um grande reino (Reino do Congo); e
os Soninkés, habitavam a região sul do deserto do Saara, faziam parte de um
grande império comandado por reis conhecidos como Caia-Maga, viviam da
agricultura e da pesca.
Vainfas (2001, p.67) destaca que:
Os povos bantos predominaram entre os escravos traficados para o
Brasil desde o século XVII, concentrando-se na região sudeste, mas
espalhados por toda a parte, inclusive na Bahia. [...] Os Bantos
oriundos do Congo eram chamados de congo, muxicongo, loango,
cabina, monjolo, ao passo que os de Angola o eram de massangana,
cassange, loanda, rebolo, cabundá, quissamã, embaca, benguela.
Conforme vimos o fim da escravidão não eliminou a discriminação e/ou o
preconceito em relação ao negro ou a mestiçagem decorrente do encontro das três
raças; um dado relevante que se reflete na nossa sociedade brasileira com visível
dificuldade em assumir sua condição étnica. Após a abolição da escravidão,
despreparado para o mercado de trabalho livre o negro, o mestiço, o
afrodescendente não tinha como ganhar seu próprio sustento. Passa a compor
literalmente a periferia social, em cortiços que ensejam aquilo que conhecemos
como favela, atualmente. Sem preparo, foi jogado a sua própria sorte e onde poderia
ganhar seu sustento foi substituído pelo imigrante que comporia o quadro funcional
da economia do Brasil, na nova ordem capitalista.
Como forma de amenizar o racismo existente pensou-se no branqueamento,
ou seja, na mistura de raças, com o objetivo de superar os preconceitos, pois no
futuro haveria uma etnia que predominasse a cor branca.
[...] apesar do processo de branqueamento físico da sociedade ter fracassado, seu ideal inculcado através de mecanismos psicológicos ficou intacto no inconsciente coletivo brasileiro, rodando sempre nas cabeças de negros e mestiços. Esse ideal prejudica qualquer busca de identidade baseada na negritude e na mestiçagem, já que todos sonham ingressar um dia na identidade branca, por julgarem superiores. (MUNANGA, 2006, p.16).
Na época do Império, o negro era proibido de frequentar a escola e hoje a
própria sociedade não se sente culpada em excluí-los. A herança da escravidão se
consolidou nas várias Repúblicas e no modelo atual.
Refletindo sobre nosso quadro social e o desinteresse pelo abrandamento
das discriminações raciais nosso trabalho pretende contribuir para com o diálogo
que permeia as instituições de ensino. De forma emergencial foram criados os
sistemas de cota nas universidades públicas em resposta aos apelos que a
sociedade da consciência negra vinha apresentando. Adotado pela primeira vez na
Universidade de Brasília (UnB) em 2004, o projeto entrou em vigor no mesmo ano e
prevê reservas de vagas para afrodescendentes para o ingresso dos mesmos nas
universidades. A fim de dar legitimidade às reivindicações propõem um trabalho de
debate, atividades em grupos e produção de conhecimento a partir do presente
projeto. Acreditamos que dar solução aos problemas que surgem no bojo das
discriminações é passível de solução com a educação.
Diante da importância da presença afro-brasileira no cenário nacional também
foi elaborada as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações
Étnico-raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana, para
que, através da Lei 10.639/03, tornasse obrigatório o Ensino de História e Cultura
Afro-Brasileira nos Estabelecimentos de Ensino, pois se acredita que é na escola
que são criadas possibilidades de mudanças em relação aos costumes e visões e se
desconstroem os preconceitos, situação cujas raízes estão ligadas a uma cultura de
ignorância.
Nesse sentido, ressaltamos que a instituição das Diretrizes Curriculares
Nacionais para Educação das Relações Étnico-raciais e para o Ensino de História e
Cultura Afro-Brasileira e Africana definiu as:
[...] orientações, princípios e fundamentos para o planejamento,
execução e avaliação da Educação, e tem por meta promover a
educação de cidadãos atuantes e conscientes no seio da sociedade
multicultural e pluriétnica do Brasil, buscando relações étnico-sociais
positivas, rumo à construção da nação democrática (BRASIL, 2004,
p.31).
Assim, entendemos que a instituição escolar tem necessidade de desenvolver
um currículo escolar juntamente com os professores, de maneira que se consiga
construir um processo educacional onde os alunos percebam o outro como
semelhante e desconstrua a imagem de superioridade de raças arraigada em nossa
sociedade, incluindo, com maior ênfase, conteúdos referentes à população negra do
Brasil.
METODOLOGIA
Este trabalho foi desenvolvido a partir de observação das práticas do
cotidiano escolar e alguns conflitos que ainda surgem devido à falta informações de
nossa multietnicidade. Dessa forma, foram abordados conteúdos referentes às
diversas formas de discriminação e preconceito existente nas escolas buscando dar
nossa contribuição educacional. Assim sendo, o projeto de pesquisa foi
desenvolvido no Colégio Estadual Helena Kolody – Ensino Médio e Profissional, na
cidade de Terra Boa, com alunos da 2ª série A, do período matutino, foram feitos
levantamentos objetivados e abordou assuntos referentes à temática em questão.
De acordo com as Diretrizes Curriculares de História:
Ao se propor as relações culturais como um dos Conteúdos Estruturantes para o estudo de história, entende-se a cultura como aquela que permite conhecer os conjuntos de significados que os homens conferiram à sua realidade para explicar o mundo. (PARANÁ, 2008, p.67).
O material pedagógico foi confeccionado de acordo com as Diretrizes
Curriculares Estaduais da Disciplina de História e a intenção foi oferecer e criar
pedagogias de combate ao racismo e a discriminações, ajudando assim a criar uma
sociedade mais justa e igual para todos. As atividades foram desenvolvidas em sala
de aula e também em contraturno, perfazendo um total de 32 horas/aulas,
distribuídas da seguinte maneira:
Estudo sobre a História da África, através de materiais trazidos pela
professora, pesquisa realizadas pelos alunos (em grupos) e exposição aos
demais alunos da sala.
Pesquisa sobre as contribuições trazidas pelos africanos para a cultura
brasileira (língua, religião, danças, músicas etc.). Exposição através de
vídeos, cartazes, dança e, apresentações orais.
Trabalhos realizados em sala de aula sobre discriminação, preconceito e
racismo através de paródias, vídeos, montagem de peça teatral, desfile de
moda com tendências afrodescendente, culminando com apresentação aos
demais alunos da escola.
Pesquisas sobre as políticas públicas em favor do negro e sobre o movimento
negro. Debate sobre essas questões em sala.
Assistir filmes que retratassem o assunto em questão. Debate.
Trabalho sobre questões estéticas.
Elaboração de um concurso para escolha um panfleto que apresentasse de
forma clara os objetivos da campanha contra discriminação e preconceito
racial no ambiente escolar.
Distribuição do panfleto a todos os alunos da escola e comunidade escolar.
Sabemos que o assunto envolve aspectos muito complexos e a aceitação de
tais conteúdos em sala de aula pode ser conturbado pela não aceitação dos alunos
em discutir assuntos relacionados à sua etnia, mas precisamos ter claro que esse
assunto é de suma importância para desconstruir o preconceito e a discriminação
arraigados em nossa sociedade e a melhor forma de iniciarmos essa desconstrução
é através da educação.
Sacristán (2000, p.120) ressalta que:
Sem conteúdo não há ensino, qualquer projeto educativo acaba se concretizando na aspiração de conseguir alguns efeitos nos sujeitos que se educam. Referindo-se estas afirmações ao tratamento científico do ensino, pode-se dizer que sem formalizar os problemas relativos aos conteúdos não existe discurso rigoroso nem científico sobre o ensino, porque estaríamos falando de uma atividade vazia ou com significado à margem do para que serve.
Nesse sentido o professor tem o dever de levar os alunos a perceberem que o
Brasil é um país multirracial e pluriétnico, e que os negros têm papel relevante para
a formação da sociedade brasileira. Deve o professor mostrar para seus alunos os
elementos positivos da cultura e história da África.
ANÁLISE DOS RESULTADOS
Para a realização do Projeto de Intervenção Pedagógica – Sociedade
Brasileira e Afrodescendência: Uma Desconstrução da Discriminação e Preconceito
Racial no Ambiente Escolar foram utilizados trabalhos diversificados, visando
alcançar os objetivos propostos. Sendo assim, com base nos estudos e pesquisas
desenvolvidos durante a revisão da literatura e fundamentação teórica que trata o
tema em questão foram organizadas diversas estratégias ações já citadas nesse
artigo.
Para a efetivação das ações do projeto de intervenção pedagógica foi
desenvolvido um cronograma de trabalho, com as atividades a serem desenvolvidas,
bem como aquelas que subsidiaram a construção do projeto. O tempo previsto para
realização dos estudos propostos foi de 32 horas/aulas. As atividades foram
desenvolvidas em sala de aula e também em contraturno. De início, foram
realizados questionamentos com os estudantes como forma de verificar o
conhecimento que tinham sobre o continente, onde se pode observar o pouco
esclarecimento e domínio da turma sobre a diversidade étnica e cultural existente no
continente.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Mesmo com toda a dinâmica utilizada, alguns obstáculos foram enfrentados
ao longo do trabalho, dentre eles podemos destacar a falta de interesse de alguns
alunos na participação das atividades realizadas em sala e a falta de compromisso
com a pesquisa. Neste sentido, foi importante um trabalho intenso de estímulos, com
a intencionalidade de transformar uma situação, na qual apontava para a baixa
produtividade pedagógica. Sendo assim, as etapas gradativamente foram sendo
implementadas contribuindo desta forma, para a mudança de práticas cristalizadas
em relação a avaliação da aprendizagem.
No transcorrer da implementação, foi ofertado aos professores da rede
estadual o curso a distância GTR, no qual o professor proponente foi o tutor com a
participação efetiva de 12 professores. Nesse curso tivemos a oportunidade de
discutir sobre o tema do projeto, as atividades em questão e a aplicabilidade do
mesmo. Vale ressaltar que as colocações, sugestões e trocas de ideias postadas
por eles foram de grande importância para o enriquecimento desse trabalho.
Críticas e sugestões foram levantadas, as quais contribuíram para momentos de
reflexão e aprimoramento de algumas atividades.
Considero que a presente pesquisa é um ponto de partida que no momento
atual ganha relevâncias, pois a miscigenação ganha contornos e cores novas diante
dos acontecimentos mundiais. As dificuldades estão estampadas nos discursos
fáceis e imagéticos das redes sociais e para estes perigos que devemos estar
atentos. As xenofobias que visualizamos nos noticiários e nas redes sociais ganham
apaixonados debates que o professor deve estar preparado e instrumentalizado pelo
conhecimento para debater e combater os discursos segregacionistas. Atualmente
uma contrariedade ocidental direciona suas críticas à miscigenação asiática, negra e
do oriente médio; controle da imigração passa a ser visto como medida de
preservação da nacionalidade e ganha representações politicas. Desta forma, o
trabalho que inicialmente tinha como campo de atuação o comportamento da sala e
do pátio escolar ganha dimensão intercontinental e pode ser considerado estudo que
oferece continuidade de pesquisa debates e programas de atuação do professor no
seu campo maior de ação: a Escola.
REFERÊNCIAS
BORGES, Elisabeth M. de F. Revista do Mestrado em História. A Inclusão da História e da Cultura Afro-brasileira e Indígena nos Currículos da Educação Básica. Vassouras, v. 12, n. 1, p. 71-84, jan./jun., 2010.
BRASIL, Conselho Nacional de Educação. Parecer CNE/CP 3/2004. Diretrizes
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