Upload
doannguyet
View
214
Download
0
Embed Size (px)
Citation preview
OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSENA PERSPECTIVA DO PROFESSOR PDE
Artigos
Versão Online ISBN 978-85-8015-080-3Cadernos PDE
I
ESTRATÉGIAS PARA O ENFRENTAMENTO DA VIOLÊNCIA ESCOLAR E BULLYING ENTRE ALUNOS DE SALA DE RECURSOS
E SALA DE ENSINO COMUM: considerações para uma escola inclusiva.
Telma da Silva Rodrigues 1 Sonia Mari Shima Barroco2
Resumo: O tema deste estudo são as relações de violência e bullying que permeiam o cotidiano escolar envolvendo alunos com e sem deficiência, buscando compreender o problema da violência em tal contexto bem como traçar estratégias combativas ao bullying. À luz da Teoria Histórico-Cultural (THC), nossos objetivos foram: entender como ocorre a violência escolar e o bullying e suas implicações junto aos envolvidos; conscientizar os alunos quanto às práticas violentas no contexto escolar; empoderar os alunos para o enfrentamento de tais conflitos. Constatamos que, embora os estudos teóricos apontem para o aumento significativo de publicações sobre bullying e violência na escola entre sujeitos com e sem deficiência, seus resultados nem sempre são conclusivos sobre as causas e os enfrentamentos. Assim, a proposta de intervenção junto aos alunos configurou-se numa oportunidade ímpar de se trabalhar na formação da consciência de tais educandos, com vistas à outra prática escolar. Tal estratégia de ação, constituída por oito encontros quinzenais, contou com a participação de quinze alunos, tendo como metodologia a exibição de filmes relacionados à temática central deste projeto, bem como debates sobre os mesmos, propondo a reflexão a partir da sensibilização dos alunos em relação à diversidade, à deficiência, à produção e reprodução de preconceitos. A expectativa é de continuidade da proposta, visto que a construção da escola inclusiva abrange a temática do enfrentamento à violência, forma de interação que revela estados de alienação, isto é, de comprometimento do processo de formação humana.
Palavras-chave: Violência Escolar. Bullying. Educação Especial. Educação Inclusiva. Teoria Histórico-Cultural.
1. INTRODUÇÃO
Neste estudo nos propusemos a investigar as relações entre violência e
bullying na escola, problemáticas que permeiam os relacionamentos no cotidiano
escolar, envolvendo alunos com e sem deficiência. Tanto na mídia quanto no espaço
da escola, assim como na sociedade de forma geral, o bullying tem se apresentado
e chamado atenção dos envolvidos, dos familiares e dos estudiosos da educação e
da psicologia. Grosso modo, bullying é um termo inglês que se refere à violência
ocorrida de maneira repetida contra uma mesma vítima e na qual existe desequilíbrio
de poder.
1 Professora PDE, graduada em Pedagogia pela Universidade Estadual de Maringá (UEM),
professora da Rede Estadual de Ensino (SEED-PR). E-mail: [email protected] 2 Doutora em Educação Escolar pela UNESP de Araraquara, professora do Departamento de
Psicologia da Universidade Estadual de Maringá (UEM), orientadora do PDE. E-mail: [email protected]
O vocábulo violência, de acordo com o Dicionário Brasileiro Globo (1998, p.
640), apresenta-se assim definido: “Qualidade do que é violento; abuso da força;
tirania; opressão; veemência; ação violenta; coação física”. Em aspecto geral,
quando se faz referência ao termo violência, tanto em seu sentido literal quanto no
que tange à sua representação social, faz-se ancoragem do termo com sua
significação relacionada à violência física, a maus tratos, a atos de agressões e a
criminalidade. No entanto, estes não são os únicos sentidos admitidos para o termo
violência, já que ela pode ocorrer de outras formas, abrangendo desde
manifestações subjetivas, de cunho psicológico, às veladas, dentre outras
expressões não necessariamente físicas, como, por exemplo, o bullying.
A ocorrência do fenômeno bullying no espaço de sala de aula não deve
passar de forma descuidada a um profissional de educação, “por tratar-se de um
fenômeno social de grande relevância e por possuir características peculiares que
podem ser identificadas” (FANTE, 2012, p. 15). A autora aponta que a escola precisa
prevenir a violência e o bullying no espaço de sala de aula. Porém, para que isso
ocorra, todos os envolvidos na comunidade escolar devem ser preparados para
atuarem na melhoria do ambiente escolar e das relações interpessoais (FANTE,
2012). Tal perspectiva amplia a discussão do bullying para além da sala de aula, o
que envolve todo o ambiente escolar.
Sabe-se que a ocorrência de práticas violentas, tanto físicas quanto morais,
não têm como lócus exclusivo o ambiente escolar, já que tal fenômeno ocorre nos
diversos espaços sociais nos quais o homem contemporâneo se constitui, inclusive
neste. Assim, Lopes Neto (2005, p. 165) considera que, apesar de não haver tal
exclusividade do ambiente escolar na produção e reprodução da violência, já que tal
ambiente apenas reflete as práticas sociais oriundas de outros espaços de
convivência humana, o autor reconhece a importância de se estudar tal fenômeno –
violência escolar – apresentando uma definição para tal nos seguintes termos: “a
violência escolar corresponde aos comportamentos agressivos e antissociais,
incluindo os conflitos interpessoais, danos ao patrimônio, atos criminosos, entre
outros”. A esse aspecto também ponderamos, com base em Barroco e Franco
(2013) que a violência não é da escola, mas do ser humano que encontra nessa
forma um modo de se reproduzir enquanto gênero humano singular. Daí caber a
terminologia violência na escola.
Especificamente em relação ao tema proposto para este estudo, ao se fazer o
levantamento bibliográfico para a pesquisa notou-se que são escassos os trabalhos
sobre a temática violência escolar e bullying envolvendo o aluno da modalidade
educação especial, foco deste trabalho. Observou-se que diversos estudos tratam a
questão da violência escolar em seu aspecto generalista, no entanto, sendo raras as
pesquisas que abordam tal discussão no que tange a violência sofrida e praticada
pelos alunos com necessidades educacionais especiais (NEE).
A escolha por essa temática teve origem nas inquietações decorrentes do
cotidiano escolar, este universo sob o qual a presente professora PDE está
diretamente envolvida acerca de 20 anos, com docência no ensino regular e
especial. Tal experiência permitiu que ao longo deste período, fosse possível
observar um processo de mudança na própria educação, principalmente no que se
refere à educação inclusiva, nos educadores, nos alunos, bem como nos suportes
legais que sustentam o sistema educacional brasileiro. Porém, mesmo com todo o
amparo das leis, percebe-se que a inclusão ainda não é plenamente compreendida
por todos os envolvidos.
Neste ínterim, conforme se dava o aprofundamento teórico diversos
questionamentos apresentaram-se, sendo que estes provocaram reflexões acerca
de questões relacionadas à violência na escola e ao bullying, quais sejam: o que
leva um aluno ou grupo de alunos a humilhar, intimidar ou até mesmo a perseguir
um colega mais fraco e impossibilitado de se defender? Seria intolerância, busca de
satisfação ao causar sofrimento alheio, ausência plena de alteridade, ou
simplesmente a manifestação de que existem conflitos interpessoais não resolvidos
em tais relações? Ou, ainda, seria uma forma de imitação e de reprodução das
relações sociais instituídas, nas quais é preciso subjugar alguém (ou uma classe
social), expressando alto grau de alienação? No âmbito da educação especial ou
inclusiva tais inquietações merecem atenção, visto que as necessidades especiais
não são impedimento para essas relações de imposição e domínio de um sobre
outrem.
Considerando o exposto, a perspectiva adotada pelas autoras deste artigo
não trata o aluno com NEE como vítima (até porque ele pode reproduzir
pessoalmente as relações de dominação e ser alvo delas também), em uma relação
na qual o aluno do ensino comum se constitua como o único causador da relação
conflituosa que se dá no processo de inclusão. Antes, busca-se analisar a relação
entre todos os educandos que de alguma maneira são discriminados e postos à
margem de mediações enriquecedoras que permitam à educação escolar um papel
revolucionário em suas vidas. Essa defesa pressupõe que o binômio ensino-
aprendizagem constitua-se como elemento essencial de formação da pessoa, com
ou sem deficiência.
Nesse sentido, o problema de pesquisa, que se expõe neste artigo, se
desdobra nos seguintes questionamentos: como lidar com as práticas de bullying e
violência no cotidiano escolar que envolvem alunos com ou sem deficiências? E de
forma complementar, considerando a intervenção pedagógica, como viabilizar a
implementação de estratégias combativas ao bullying, vivenciadas em tal realidade?
Nessa formação PDE teve-se como objetivo geral compreender como a
violência escolar e o bullying ocorrem na relação cotidiana dos alunos com ou sem
deficiência, no espaço da escola. De forma específica, os objetivos foram: i)
entender como ocorrem a violência escolar e o bullying e quais suas implicações aos
envolvidos; ii) empregar estratégias de ação que promovam a sensibilização e
tomada de consciência dos alunos, quanto às práticas de violência e bullying no
contexto escolar; iii) empoderar os alunos com conhecimentos efetivos que os
capacitem a superação de tais conflitos; iv) desenvolver trabalho pedagógico junto
aos educandos sobre questões que envolvam a violência escolar e o bullying, sob a
perspectiva da Teoria Histórico-Cultural.
2. REVISÃO DE LITERATURA
2.1 BULLYING E VIOLÊNCIA NA ESCOLA
Elegemos a Teoria Histórico-Cultural (THC) como perspectiva para os
estudos acerca da violência e do bullying na escola, por considerá-la capaz de
apresentar subsídios teórico-metodológicos consistentes para a formulação,
apreensão e análise das temáticas abordadas. Neste sentido, entende-se que a
THC apresenta propostas de enfrentamento ao fenômeno da violência escolar e do
bullying, uma vez que considera o homem um ser concreto, resultado de diversas
relações sociais e em constante processo de desenvolvimento. O ser humano
entendido nessa perspectiva formativa permite à educação escolar intervir junto a
ele, visto não estar sujeito à determinantes genéticos – sobre o quê a educação não
teria o que fazer. Assim, essa concepção possibilita identificar como a violência se
manifesta, bem como suas causas e suas relações com outros fatos histórico-
sociais, não sendo explicada apenas por fatores de caráter subjetivo e particular
impactando sujeitos formados apriorísticamente.
Por esse modo, a compreensão do que seja violência assume diversas
concepções, dependendo da perspectiva com que se analisa o fenômeno. Neste
sentido, Candau (2012, p. 140) afirma que em geral, a sociedade e os meios de
comunicação social relacionam violência à criminalidade e à agressão física e se
preocupam com o tema somente quando “fatos desta natureza causam especial
impacto na vida social”, sobretudo quando são divulgados com alarde pela mídia -
gerando audiência e decorrente comoção social. A autora defende que “a violência
não pode ser reduzida ao plano físico, mas abarca o psíquico e moral [...] o que
especifica a violência é o desrespeito, a coisificação, a negação do outro, a violação
dos direitos humanos”.
Assim, alguns autores debruçam-se na busca pela definição conceitual do
que seja violência. Candau (2012) destaca a dificuldade em conceituar o termo;
Abramovay (2002) considera a diversidade de concepções e linhas de abordagens,
destacando também a difícil tarefa em conceituar o termo. Lopes Neto (2005), por
sua vez, destaca que mais que o termo, o espaço social de ocorrência da violência é
essencial, destacando que embora tal fenômeno ocorra no ambiente escolar, não é
exclusividade deste, já que neste ambiente apenas se refletem as práticas de outros
espaços sociais.
Investigações a respeito têm sido realizadas por estudiosos de diferentes
países, demonstrando a amplitude do problema. Da França, Debarbieux (2002, p.
17, 18), por exemplo, assinala ser um erro “fundamental, idealista e anti-histórico
acreditar que definir a violência [...] consista em aproximar-se o mais possível de um
conceito absoluto [...] um encaixe preciso entre a palavra e a coisa”. Por constituir-se
num conceito que é “ineficaz devido à sua generalidade”, acrescenta que não é
possível “haver conhecimento total sobre a violência e sobre a violência social na
escola, porque tudo o que nos é possível é obter representações parciais dela”.
Neste sentido, o autor julga que a diversidade de representações a respeito do
termo ‘violência’ é salutar.
Mais do que definir conceitualmente, é importante posicionar a questão da
‘violência’ no tempo e no espaço. Segundo Debarbieux (2012, p. 21), é
imprescindível demonstrar que “[...] a violência tem uma história, que ela não
aparece de repente e que ela é previsível, porque é socialmente construída”. Neste
sentido, o autor destaca que pesquisadores europeus perceberam uma tendência da
mídia em “usar a violência como desculpa para a repressão e o conservadorismo”,
ou seja, pretextos para a manutenção e o aumento de seus mecanismos de
controle, autoridade e poder.
Sobre a definição de bullying, apesar de genericamente associada ao sentido
de violência, como já foi apontado inicialmente, apresenta uma conceituação mais
delimitada,. Em língua portuguesa não há tradução específica para o termo bullying,
contudo, Cunha (2009) propõe a utilização da terminologia “vitimização entre pares”
para se referir a tal fenômeno. Embora este pesquisador tenha feito amplo estudo a
respeito, como pode ser constatada, esta terminologia não se firmou no âmbito
acadêmico e nem na sociedade em geral.
Para efeito de registro, no contexto europeu aponta-se o bullying como a
principal categoria de violência escolar, sendo estudado desde o final da década de
1970. Há cerca de trinta anos o professor Dan Olweus começou a desenvolver
pesquisas acerca da ocorrência de bullying no cotidiano escolar. Em 1993 Olweus,
pioneiro no estudo do referido tema, comandou uma campanha nacional contra o
bullying nas escolas norueguesas, sendo que seus estudos tornaram-se referência
para os países europeus, tendo posteriormente seu reconhecimento em nível
mundial (ELIAS, 2011, p. 17, 18).
Para Elias (2011, p. 19), o bullying abrange um conjunto de diferentes tipos de
violência, sendo que necessariamente deve apresentar as seguintes características:
intenção de causar sofrimento na vítima; comportamento por repetição;
impossibilidade da vítima em defender-se; “relação de domínio-submissão entre o(s)
agressor (es) e a vítima; presunção de impunidade do agressor; afirmação dos
agressores de que suas atitudes são brincadeiras”.
Percebemos o aumento da violência discriminatória no espaço da escola, pois
aquele que não se ajusta aos padrões convencionados, impostos em sua maioria
pela mídia e ratificados pela sociedade, ficam sujeitos à rejeição. A discriminação
configura-se em ato de violência que está diretamente ligada a prática do bullying,
tendo como exemplos “a violência de gênero e o sexismo, o racismo, a homofobia, o
tratamento indigno a alunos com deficiência ou de determinadas condições sociais e
econômicas” (ELIAS, 2011, p. 21).
Assim, no contexto exposto, o bullying se constitui em uma das principais, se
não a principal, representação de violência na escola por apresentar consequências
negativas imediatas e implicações no longo prazo, gerando problemas acadêmicos,
sociais e afetivos, estes ligados diretamente à frequência, severidade e duração de
tais atos (LOPES NETO, 2005). Desta forma, observamos que a violência na escola
e o bullying são fenômenos que não podem ser analisados fora do contexto que os
faz emergir, desenvolver-se e gerar diferentes consequências, visto que envolvem
questões históricas, sociais e culturais.
Como vimos, a conceituação sobre os termos violência e bullying não se trata
de uma tarefa simples, sobretudo quando se refere ao ambiente escolar.
Considerando as diferentes correntes teórico-metodológicas, percebe-se a
diversidade de concepções, ideologias e condições de produção do conceito que
justificam a não sintetização do mesmo em uma aceitação universal. Concebemos
que a definição do que seja violência e bullying depende da inscrição do mesmo na
história, ou seja, considerar a materialidade do fato ou fenômeno levando em conta
a realidade histórico-cultural na qual os sujeitos estão inseridos é questão sine qua
nom.
2.2 ESTADO DA ARTE SOBRE A VIOLÊNCIA NA ESCOLA OU VIOLÊNCIA
ESCOLAR
No que se refere às pesquisas acadêmicas de cunho teórico-empírico a
respeito da violência na escola ou violência escolar, destacam-se os trabalhos de
Sposito (2001), Abramovay (2002) e Elias (2011), que se destacam na composição
do ‘estado da arte’ sobre as pesquisas relacionadas ao tema, ao menos no que se
refere ao contexto brasileiro. De forma complementar, especificamente sobre a
questão da violência e o aluno com NEE, um achado importante foi o trabalho de
Williams (2003).
Para Sposito (2001), na década de 1980 imperava o consenso de que os
prédios escolares precisavam de proteção e policiamento, ou seja, as preocupações
quanto à violência eram de ordem material. Já no início dos anos 1990, a violência
escolar teve como foco a interação entre os grupos de alunos, tornando-se mais
complexa. O final desta década é marcado pelas iniciativas públicas em mitigação
dessas violências na escola, o que aponta modificações em relação ao padrão de
violência no ambiente escolar.
Na visão de Abramovay (2002), a violência na escola apresenta inúmeras
causas e consequências, sendo que o “papel de uma análise sociológica é conhecer
e interrogar sobre as categorizações de um dado problema social”. Com base na
perspectiva da ‘Cultura de Paz’ da UNESCO (Organização das Nações Unidas para
a Educação, Ciência e Cultura), a pesquisadora estudou a questão da ‘Violência nas
Escolas’ (2002, grifo nosso).
Elias (2011, p. 32) expõe a tese de que a violência apresenta-se no plano
cultural, e por conta disso é “socialmente aprendida”. Com isso, defende que, por
meio de programas educativos que possibilitam a solução de conflitos, é possível
reverter o fenômeno da violência. Essa linha teórica entende que “os
comportamentos violentos podem ser – através de ações educativas –
descontruídos e prevenidos”. Neste contexto, na categoria das violências ocorridas
entre os alunos, destaca-se o bullying.
Williams (2003, p. 2) apresenta resultados de pesquisas que demonstram a
estreita relação entre a pessoa com necessidade especial e os variados tipos de
violência, tais como os maus tratos, a negligência dos responsáveis e o abuso
sexual. A autora destaca ser enorme a “assimetria das relações de poder” entre o
indivíduo deficiente e seu agressor, por aquele encontrar-se numa posição de
vulnerabilidade, e acrescenta que tal “assimetria de relação hierárquica é
multiplicada, conforme a severidade de cada caso, sendo ampliada se a pessoa com
necessidades especiais pertencer a um grupo de risco”, a exemplo, se for criança ou
mulher.
Dados do conhecido Observatório da Violência da APEOESP3 atualizam a
discussão sobre o tema em foco. Em 16/09/2014 foi apresentado o resultado da
pesquisa Violência nas escolas: o olhar dos professores, realizada anualmente
pela APEOESP, desde 2006. O levantamento de 2013 mostrou que 83% dos alunos
afirmaram ter sofrido algum tipo de agressão. Contraditoriamente, os alunos também
são os maiores praticantes de atos de violência. De acordo com a pesquisa, 95%
dos estudantes praticaram agressões físicas, verbais, e bullying.
3 Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo
2.3 APRENDIZAGEM E DESENVOLVIMENTO: QUANDO O NÃO ENSINAR E O
NÃO APRENDER CONSTITUEM-SE EM VIOLÊNCIA
Com base no que se expôs, indaga-se: quando a escola não cumpre o seu
papel de ensinar a contento impactando negativamente na aprendizagem do aluno
não se tem um quadro notório de violência? Esse questionamento decorre daquilo
que a THC apresenta sobre aprendizagem e desenvolvimento humanos.
Considera-se que os estudos sobre aprendizagem e desenvolvimento
humano têm como expoentes principais os psicólogos russos L. S. Vigotski4 (1896-
1934), A. N. Leontiev (1904 – 1979) e A. R. Luria (1902 – 1977). Para as finalidades
da formação PDE, o embasamento teórico-metodológico teve como sustentação os
escritos de Vigotski (2010), Barroco (2007), Moreira (2011), entre outros.
Vigotskii (1998) diferencia aprendizagem e desenvolvimento como fenômenos
humanos distintos, mas imbricados. Quanto mais se ensina algo a alguém, mais ele
pode apropriar-se do ensinado. Essa apropriação provoca o movimento do
desenvolvimento das funções psicológicas superiores, que são norteadas pela
consciência. Ao contrário de outras teorias, a vigotskiana concebe que o
amadurecimento decorre da aprendizagem – daí o papel fundamental da escola
ensinar os conteúdos curriculares com afinco.
Barroco (2007, p. 25) explicita que “Vigotski reconhece que o
desenvolvimento humano se realiza sob um processo dinâmico, sob um dado
movimento de ordem material objetiva, e sempre em relação a uma totalidade”.
Neste sentido, Vigotski “foi um dos primeiros psicólogos a fazer uma aproximação
comparativa no âmbito do desenvolvimento sob a direção do materialismo”, com
base na realidade prática cotidiana e concebe a “aprendizagem e o desenvolvimento
humano numa relação dialética entre o que a humanidade construiu e desenvolveu e
o que os indivíduos são ou poderiam vir a ser” (BARROCO, 2007, p. 278). Essa
concepção diverge das ciências de sua época, que tomavam, em geral, o homem
como resultado de um processo evolutivo linear e sem relação com a história.
Moreira (2011) ao escrever sobre o papel fundante da educação, sublinha que
o simples ato de estar no espaço escolar, por si só, não garante que o educando se
4 Considerando a diversidade de grafias para o nome de L. S. Vigotski, adotamos a presente
forma: Vigotski, salvo em caso de citações ou referências.
torne um sujeito participativo e transformador de seu contexto histórico-social. Para
tanto, é imprescindível que ocorram intervenções pedagógicas capazes de
impulsionar um novo modo de pensar, que proporcione ao indivíduo a superação
daquilo que fica no campo das aparências e que o instrumentalize para a tomada de
consciência, favorecendo a sua transformação e a dos envolvidos em seu meio
social. Por conseguinte, a educação escolar no tocante à formação humana
emancipadora, pauta-se pelo ensino dos saberes filosóficos, científicos e artísticos.
Barroco (2007, p. 115, 273) ao pontuar sobre os pressupostos vigotskianos
destaca que: i) é preciso situar o homem no tempo e no espaço; ii) o ato pedagógico
é político e tem comprometimento com a nova sociedade; iii) a cultura é produto da
vida e da atividade social do homem; iv) as intervenções teórico-práticas intencionais
e coerentes são condições essenciais à superação do capitalismo; e v) a história é
fundamental no processo de construção de uma escola crítica e progressista.
Barroco (2007) exprime os pressupostos vigotskianos em forma de uma
proposta prática para a educação na sociedade contemporânea, que considere
como componentes de fato e de direito todas as pessoas. A autora acredita que a
educação contemporânea defronta-se com a defesa de uma proposta de sociedade
que respeite as diferenças em suas diversas manifestações, tais como: raciais,
sociais, econômicas, religiosas, sexistas, sem esquecer das pessoas com NEE. No
âmbito da educação escolar demanda que as escolas comuns se preparem para
receber esses indivíduos diferenciados.
Assim, o não ensinar a contento os conteúdos que provocam movimento no
desenvolvimento do pensamento verbal, do raciocínio lógico e abstração, da
memória mediada, da atenção voluntária, etc. implica em se assumir a opção de
negar a uma dada população ou a um dado aluno a possibilidade de vir a ser
alguém mais desenvolvido. Isso não seria extremamente violento, impedir alguém ao
desenvolvimento? Os apontamentos feitos por Barroco (2007) possibilitam que se
discuta sobre a temática desse estudo, pois se observa que dentre os docentes
existe a concepção de que a violência é um fenômeno que se origina nas ruas e
invade a escola. De forma convergente, Candau (2012, p. 144) sustenta que muitos
destes professores têm dificuldades para “identificar formas de violência geradas
pela própria escola”, porque não consideram a “cultura escolar como fonte de
violência”.
A violência no cotidiano escolar se reflete nas representações que os alunos
(e os professores) fazem da escola. Por um lado, é vista “como um lugar para a
aprendizagem”; por outros, “como um local de exclusão social”, espaço onde se
reproduz violência, discriminação física, moral e simbólica. Um estudo da
Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) aponta que as
diversas formas de violência “têm desdobramentos que afetam negativamente a
qualidade do ensino e a aprendizagem” (ABRAMOVAY, 2002, p. 75-81).
A respeito da influência negativa da violência no cotidiano escolar, a pesquisa
de Abramovay (2002, p. 84, 85) mostra que para 44% dos alunos a violência na
escola prejudica sua aprendizagem e seu rendimento acadêmico. Já 31% admitem
“ficar nervosos e revoltados com as situações de violência que enfrentam nas
escolas”, sendo que “a terceira mais mencionada consequência da violência no
ambiente escolar, registrada pelos alunos, é a perda da vontade de ir à escola”.
Assim, a violência na escola impacta no processo de aprendizagem, pois o aluno
exposto a tal situação pode sentir-se desmotivado ao estudo, apresentando baixo
rendimento acadêmico, culminando com a evasão escolar.
Neste sentido, é papel fundante da escola proporcionar condições favoráveis
à aprendizagem e ao desenvolvimento do aluno. A negligência quanto aos fatores,
tanto internos quanto externos, que afetam decisivamente no processo educacional
é o “calcanhar de Aquiles” de tal processo. A violência na escola e o bullying são
ações perniciosas que afetam negativamente a aprendizagem e o desenvolvimento
dos educandos, de forma particular os alunos com NEE.
3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
O estudo realizado caracteriza-se como pesquisa de cunho bibliográfico, que
por meio da revisão de literatura, busca configurar o ‘estado da arte’ no que se refere
à temática da violência na escola e bullying, processo de exclusão e inclusão na
perspectiva da educação inclusiva, considerações sobre aprendizagem e
desenvolvimento. A fundamentação teórica teve como referência a leitura de artigos,
documentos oficiais, bem como de teses e dissertações referentes ao tema.
Considerou-se que estudar as relações de violência na escola e bullying no cotidiano
escolar é de suma importância para mais bem se conhecer tal realidade, bem como
definir estratégias assertivas para intervir junto à ela.
Neste sentido, a intervenção pedagógica derivada ocorreu no segundo
semestre de 2015, em um colégio estadual da região noroeste do Paraná, tendo
como público-alvo 15 alunos da educação básica. A partir da divulgação da presente
atividade, por meio de cartazes, recados e outras formas de comunicação verbal,
este grupo se formou espontaneamente, conforme o interesse, constituído por
alunos com NEE, com altas habilidades e superdotação (AH/SD) e da sala de
recursos.
Para a intervenção pedagógica, buscando levar ao alunado o conteúdo
estudado, optou-se pela utilização de filmes como recurso didático-pedagógico.
Conforme Carvalho (1998), as obras cinematográficas trazem à tona paixões,
interesses e sentimentos que permeiam as lutas sociais, revelando algo que está
para além da produção artística, mas que na realidade tem significado para toda a
humanidade. O conhecimento dos fatos, dos conflitos, bem como das contradições
sociais são formas encontradas pelos homens para o enfrentamento e superação de
problemas futuros. No âmbito da educação, esta prática é condição fundamental
para o desenvolvimento de uma ação educacional mais coerente e consistente.
Sob essa percepção de trabalho com as produções cinematográficas,
estabeleceu-se os critérios para a seleção do acervo. As fontes fílmicas foram
escolhidas a partir dos objetivos pretendidos para cada encontro. Dentre as obras
selecionadas, buscou-se aquelas que abordassem a temática da violência e do
bullying na escola, bem como as que apresentassem temáticas sociais e
educacionais relacionadas, e ainda discutissem a problemática da pessoa com
deficiência.
4 RELATOS DE CAMPO DA INTERVENÇÃO PEDAGÓGICA
4.1 PRIMEIRO ENCONTRO: FILHOS DO PARAÍSO
A obra iraniana trata de diversas temáticas, tais como: a pobreza extrema, o
trabalho infantil, a perda da infância, a dificuldade de acesso aos bens de consumo.
O encontro teve como objetivo central abordar como o desenvolvimento do sistema
econômico de produção não garante que os alunos, sobretudo os mais pobres,
tenham acesso aos bens culturais elaborados pela humanidade. Tal oportunidade
permitiu a reflexão sobre as diferenças socioeconômicas e a pobreza como fator
gerador de violência e exclusão.
O filme aborda a questão da realidade social pela ótica de duas crianças, a
partir da relação de dois irmãos, Ali e Zahra, retratando a cumplicidade destes ao
revezarem um único par de sapatos para irem à escola. Percebeu-se que os
personagens têm consciência da sua realidade social, e que prematuramente
amadurecem, já que a infância dá lugar aos dilemas do mundo adulto. Tal
percepção se consumou no debate realizado, embora os alunos cursistas não
notassem, num primeiro momento, a violência e exploração sob nenhuma forma,
nem pela dificuldade de acesso à escola, nem pela falta do par de sapatos dos
protagonistas do filme, o que reflete a naturalização de outras formas de violência e
exploração a que também estão submetidos em sua vida cotidiana.
4.2 SEGUNDO ENCONTRO: O PRIMEIRO DA CLASSE
O filme retrata a vida de Brad Cohen, um jovem com Síndrome de Tourette,
que segundo Hounie e Petribú (1999) é um distúrbio neuropsiquiátrico caracterizado
por tiques motores e/ou vocais, repetidos e persistentes, que geralmente se instala
na infância, não tem cura, mas pode ser paliativamente tratada. Brad sofre várias
situações de bullying, vive momentos de rejeição, preconceito e discriminação,
sendo que seu grande desafio foi buscar independência financeira e reconhecimento
profissional, já que não se conformava em depender de benefícios sociais do
Estado. Após vencer muitos desafios, torna-se professor!
A intervenção pedagógica se propôs a trabalhar a questão da inclusão da
pessoa com deficiência, com o objetivo de compreender como a sociedade
considera cada indivíduo, com e sem deficiência, em suas limitações,
potencialidades e particularidades, bem como o aparato legal que sustenta tal
relação. Com o objetivo de fazer os alunos experienciarem algumas deficiências,
estes foram divididos em 04 grupos, participando de um café inclusivo, sendo que o
primeiro grupo teve os olhos vendados, o segundo as mãos amarradas, o terceiro
usou fones de ouvido e o quarto foi vendado e usou fones de ouvidos. Todos
receberam comandos para se alimentarem, mesmo com as “deficiências” acima
descritas, sendo posteriormente questionados sobre essa experiência, onde
relataram a dificuldade em executar as ordens e de como foi fundamental a ajuda
que tiveram uns dos outros.
Refletiu-se sobre questões presentes no filme a partir do ambiente escolar.
Apesar dos alunos manifestarem empatia com a história de Brad, talvez devido ao
envolvimento emocional que a obra norte americana (USA) proporcionou, constatou-
se que as mesmas dificuldades encontradas pelo protagonista seriam observadas de
forma amplificada na escola. Tal experiência levou os alunos a constatarem que
pessoas com deficiência que fazem uso das instalações do colégio provavelmente
encontram as mesmas ou maiores dificuldades que Brad. Os alunos verificaram a
acessibilidade arquitetônica da escola.
4.3 TERCEIRO ENCONTRO: MEU NOME É RÁDIO
Na obra apresentada, vários personagens simbolizam o preconceito arraigado
na sociedade, despreparada para conviver com pessoas que não se adequam ao
que consideram o modelo “normal” de cidadão. Rádio, protagonista do filme,
apresenta dificuldades de aprendizagem e dificuldade para inserir-se socialmente, e
assim necessita de atendimento pedagógico diferenciado. Procurou-se levar os
alunos cursistas à reflexão, no intuito de fazê-los perceber a relação entre o caso
abordado no filme e casos ocorridos na realidade escolar.
No debate junto aos alunos observou-se que a mera institucionalização do
acesso à ‘Educação para Todos’, representada pelos documentos legais e políticas
públicas voltadas à educação inclusiva não garantem o pleno desenvolvimento do
educando, quando se considera o cotidiano marcado pela violência escolar e
bullying. Sabemos que realizar a inclusão não é tarefa fácil; é necessário que todos
os integrantes da sociedade modifiquem conceitos, ideias e juízos de valor, na
perspectiva de promoverem a inclusão social de indivíduos com e sem deficiência.
Sendo assim, observou-se que a violência na escola e o bullying prejudicam a
inclusão e o processo de aprendizagem e desenvolvimento dos alunos, com e sem
deficiência, por privá-los de seus direitos fundamentais, uma vez que tais práticas
cerceiam o seu aprendizado – isso em si já seria uma forma de violência. O
problema se mostra mais difícil de ser superado quando a pessoa, além de
deficiente é pobre, como o caso do protagonista.
4.4 QUARTO ENCONTRO: MÃOS TALENTOSAS
Pensar sobre o papel da educação formal na emancipação humana e refletir
sobre a função da escola foram os objetivos do quarto encontro. Antes de exibi-lo,
propôs-se a reflexão: qual a importância da escola em sua vida? As respostas
demonstraram que os alunos não têm clareza da função da escola, nem ao menos
percebem qualquer influência desta em suas vidas. Usaram chavões como: “para ter
um futuro melhor” ou “para conseguir um bom emprego”, mas não foram capazes de
demonstrar a importância da escola para o desenvolvimento intelectual do indivíduo.
Na obra, verificou-se que Ben Carlson, o protagonista, sofreu vários tipos de
violência, mas com a ajuda da mãe e sua dedicação extrema aos estudos, superou
as adversidades: preconceito, dificuldade de aprendizagem, pobreza, e atingiu o
sucesso escolar e profissional. Discutiu-se sobre a importância do estudo formal no
processo de desenvolvimento do sujeito, o que levou a reflexão sobre o quanto é
necessário a dedicação e o empenho nos estudos a fim de se atingir o objetivo
proposto. Chamou atenção dos alunos o papel da coadjuvante, Sonya Carlson, mãe
de Ben, que foi decisiva no processo emancipatório do filho, o que raramente ocorre
na realidade cotidiana destes alunos, ao menos a partir de suas percepções. Neste
sentido, foi sugerido que o filme fosse exibido em outros momentos, com outros
segmentos da comunidade escolar.
4.5 QUINTO ENCONTRO: UMA VIAGEM INESPERADA
Baseado em uma história real o filme revelou a luta de uma mãe que
encontrou dificuldades para inserir seus filhos, gêmeos autistas, no ensino regular, o
que permitiu a discussão sobre o processo de inclusão no cotidiano da escola.
Ademais, discutimos e analisamos as propostas de políticas inclusivas. A luta da
mãe revela uma trajetória de combate, em que foi preciso vencer as barreiras
atitudinais e enfrentar o preconceito em relação a deficiência, além de conscientizar
as pessoas de que é necessário respeitar as diferenças. Os cursistas se
interessaram pelo enredo do filme, bem como discutiram a temática envolvendo a
inclusão de pessoas com deficiência.
Em nossa discussão teórica abordou-se o teorizado por Barroco (2007b, p.
186), que destaca ser papel fundante da escola “ir para além da reprodução das
atividades cotidianas”. O foco da discussão teve como ápice o debate sobre o papel
da escola como agente promotor da emancipação humana, já que no dilema
enfrentado por Corrine e seus dois filhos, observou-se que a escola não cumpriu
com tal função social, pois a mãe teve que recorrer a professores particulares para
complementar esse processo de formação, em que pese sua restrição orçamentária,
o que impediu que este atendimento perdurasse. Os alunos concluíram que a mãe
atingiu esse ideal, pois seus filhos desenvolveram seus talentos e atingiram
autonomia intelectual.
A obra possibilitou a reflexão de que, mesmo sem um diagnóstico em mãos,
muitas vezes limitamos nosso aluno ao rotulá-lo de indisciplinado e incapaz. A
experiência cotidiana da presente professora PDE apresenta inúmeros relatos e
casos que reforçam tal perspectiva, já que tanto alunos, como pais e professores
legitimam tal processo discriminatório e preconceituoso, quando não tratam cada
caso em sua especificidade. Desta forma, apenas reproduzem a violência, o bullying
e outras práticas perniciosas, não avançando para “águas mais profundas”.
4.6 SEXTO ENCONTRO: VERMELHO COMO O CÉU
Para esse encontro planejou-se apresentar apenas excertos do filme
Vermelho como o Céu, uma produção italiana que abordou várias temáticas, dentre
elas: a dificuldade em aceitar uma deficiência adquirida, o bullying contra a pessoa
deficiente e a paixão pelo cinema. O filme narrou a história verídica de Mirco
Mencacci, um garoto de dez anos, que após perder a visão em um acidente com
arma de fogo foi obrigado a estudar num internato, com atendimento especial para
cegos. Mirco, que passou a enxergar apenas vultos, teve que se adaptar a essa
nova condição e ao novo local de estudo.
Iniciou-se o encontro com uma dinâmica cujo objetivo foi fazer com que o
aluno cursista compreendesse a importância de se colocar no lugar do outro, uma
experiência de alteridade. Os materiais utilizados foram: lenços que serviram de
vendas para os olhos e um cronômetro. O professor PDE encaminhou o grupo até a
quadra esportiva, onde propôs uma corrida de 100m, com o diferencial de que
correram de olhos vendados. Ganhou o aluno que primeiro chegou ao ponto
indicado. Após esta dinâmica, propôs-se à discussão sobre a experiência
vivenciada. Na sequência apresentou-se um vídeo com atletas paralímpicos,
destacando seus recordes e conquistas nos diversos esportes, com a seguinte
reflexão: quão eficiente é o deficiente?
Na roda de conversa os cursistas refletiram sobre a questão proposta
anteriormente e discutiram também sobre o quanto deve ser difícil uma deficiência
adquirida. De forma complementar, usando o exemplo de atletas paralímpicos, que
superam suas deficiências sendo eficientes, demonstra-se que uma deficiência
adquirida também, por outro lado, não representa o fim da linha. Sob outro aspecto
ainda, a piedade com que tratam um colega de escola acometido por um acidente
ou por uma doença degenerativa que o torna deficiente, revela a naturalização com
que incorporam no cotidiano aqueles que já nasceram deficientes. Também não é
difícil àquele que já nasceu deficiente conviver cotidianamente num ambiente que
não é produzido e pensado para ele?
4.7 SÉTIMO ENCONTRO: PROVA DE FOGO
Neste encontro, ao escolheu-se o filme Prova de Fogo, debateu-se sobre a
questão das altas habilidades e superdotação, que integra a modalidade da
educação especial. Também discutiu-se sobre a inteligência em suas diferentes
formas e do sucesso escolar de alunos. Teve-se como objetivos reconhecer a escola
como espaço de aprendizagem que possibilita ao aluno, com e sem deficiência, o
desenvolvimento das suas potencialidades, bem como refletir sobre a função da
escola para além dos conteúdos obrigatórios, incluindo as artes, a cultura e a ciência
como suporte do processo de aprendizagem e desenvolvimento.
Dentre as considerações oriundas da reflexão proposta, chamou atenção a
discussão sobre a aprendizagem de alunos com Altas Habilidades e Superdotação
(AH/SD). Estes formam um grupo pouco assistido pelo sistema educacional
brasileiro, uma vez que existem escassos programas voltados para o seu
atendimento. Conforme Alencar & Fleith (2008), da mesma forma que a escola não
está devidamente preparada para maximizar o potencial de aprendizagem de alunos
que apresentam um atraso no seu desenvolvimento, o mesmo acontece em relação
a aqueles que apresentam potencial cognitivo, inteligência ou criatividade acima da
média.
Entre os cursistas, quatro alunos eram de AH/SD e puderam relatar a
importância em receber atendimento na sala de altas habilidades. Eles
compartilharam como é a dinâmica da sala especializada e da satisfação em ter
esse atendimento suplementar, pois o ambiente favorece a vasão à criatividade e ao
desejo de querer saber sempre mais sobre qualquer assunto. A interação entre
alunos com AH/SD e com deficiência intelectual (DI) permitiu que nesta troca de
saberes e experiência, alunos DI julgassem-se ser potenciais alunos da sala de
AH/SD, por possuírem algumas habilidades que consideram especiais. O caso de
um aluno DI que em todos os encontros montou os equipamentos de multimídia para
exibição dos filmes, possui habilidades tecnológicas, toca instrumentos musicais, e
se manifestou como capaz de frequentar a sala de AH/SD, uma vez que se
considera apto e possuidor de habilidades especiais, chamou a atenção.
4.8 OITAVO ENCONTRO: EM UM MUNDO MELHOR
No último encontro, apresentou-se o filme Em um Mundo Melhor, que retrata
de maneira abrangente a violência social e de forma específica a violência na escola
e o bullying, versando sobre como o indivíduo pode ser forte sem ser violento. Nosso
objetivo foi entender como ocorre a violência e o bullying na escola e suas
implicações junto aos envolvidos, além de promover a sensibilização e tomada de
consciência dos alunos, quanto às práticas de violência e bullying na escola, bem
como propiciar o empoderamento dos alunos, com conhecimentos efetivos que os
capacitem para a superação dos conflitos existentes no contexto da escola.
Como atividade complementar solicitamos aos cursistas que comentassem
sobre o que lhes foi acrescentado a partir das atividades, dinâmicas, leituras e
reflexões realizadas, e se eles pretendem colocar em prática o que foi abordado nos
encontros. No debate os cursistas apontaram que o estudo contribuiu para a
reflexão sobre a questão da violência escolar e bullying, bem como o entendimento
sobre o processo de inclusão de alunos especiais nas salas de ensino regular, e
conhecimento sobre algumas deficiências.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O objetivo central da formação PDE foi compreender como a violência escolar
e o bullying ocorrem na relação cotidiana dos alunos com ou sem deficiência, no
espaço escolar. Observou-se que, embora os estudos teóricos apresentem um
significativo aumento de publicações sobre bullying e violência na escola entre
sujeitos com e sem deficiência, seus resultados nem sempre são conclusivos sobre
as causas e os enfrentamentos. A experiência, por meio da intervenção pedagógica,
pode jogar luz sobre algumas destas searas escurecidas de entendimento sobre a
temática deste artigo.
Formação teórica e a intervenção pedagógica permitiram entender como
ocorrem a violência escolar e o bullying e quais suas implicações aos envolvidos nas
escolas. Também, foi possível testar o emprego de estratégias de ação que
promoveram a sensibilização e tomada de consciência dos alunos com NEE de
salas de recursos e AH/SD, quanto às práticas de violência e bullying no contexto
escolar.
Pelo desenvolvido, entende-se que houve o início de um empoderamento dos
alunos com conhecimentos efetivos que os capacitaram à identificar e buscar a
superação de conflitos.
Pode-se dizer que o desenvolvimento do trabalho pedagógico junto aos
educandos sobre questões que envolvem a violência escolar e o bullying, sob a
perspectiva da teoria histórico-cultural, tendo os filmes como recursos, mostrou-se
exitoso. Em avaliação institucional, houve a indicação, por parte da direção escolar,
que o trabalho tenha continuidade nos próximos anos.
Conclui-se, pois, que se a violência não é unicamente da escola, mas da
sociedade e do homem contemporâneos, o seu enfrentamento nas instituições
educacionais deve ser realizada, subsidiada pela teoria, mas em busca da formação
do sujeito criador e criativo. A escola, quando deixa, por diferentes razões de ensinar
quanto poderia, também incentiva aos sujeitos relacionarem-se entre si e com o
mundo de modo mais direto, sem mediações, e, por isso, não mediatizados pelo
pensamento, pela consciência. Isso em muito concorre para situações de bullying e
de violência. A escola inclusiva deve dirigir-se em busca dessa formação humana
(Barroco e Souza, 2012).
6 REFERÊNCIAS
ABRAMOVAY, M. Escola e Violência. Brasília: UNESCO, 2002.
ATCHINSON, D. Prova de Fogo (Akeelah and the Bee). Produção: Llewelyn, D. Fishburne, L. Roteiro: Atchinson, D. Direção: Atchinson, D. Duração: 112 minutos. Gênero: drama. Classificação etária: 12 anos. Distribuição: Vídeo Filmes. EUA, 2006.
BARROCO, S. M. S. A educação especial do novo homem soviético e a psicologia de L. S. Vigotski: implicações e contribuições para a psicologia e a educação atuais. Tese de doutorado apresentada na Universidade Estadual Paulista Julio de Mesquita – Campus de Araraquara, 2007.
__________________. Psicologia Educacional e Arte: uma leitura histórico cultural da figura humana. Maringá: Eduem, 2007b.
__________________; SOUZA, M. P. R. Contribuições da Psicologia Histórico-cultural para a formação e atuação do psicólogo em contexto de educação inclusiva. Psicologia USP, São Paulo, 2012, 111-132.
__________________& FRANCO, A. F. F. A formação social da personalidade violenta: uma explicitação educacional. In: Anais do XI CONPE – Congresso Nacional de Psicologia Escolar. Uberlândia: UFU,- ISSN 1981-2566, 2013. Disponível em https://abrapee.files.wordpress.com/2013/12/anais-xi-conpe-issn-1981-2566.pdf. Acesso em 20 mar 2015.
BIER, S. Em um mundo melhor (Haevnen). Produção: Jørgensen, S. G. Roteiro: Bier, S. e Jensen. A. T. Direção: Bier, S. Duração 119 minutos. Gênero: Drama. Classificação etária: 12 anos. Distribuição: Media e Film Fyn. Dinamarca / Suécia, 2010.
BORTONE, C. Vermelho como o Céu (Rosso come il Cielo). Produção de Bortone, C. e Mazzocca, D. Roteiro: Bortone, C., Zapelli, M. e Sassanelli, P. Direção Bortone. Duração 95 minutos. Gênero: drama. Classificação etária: 12 anos. Distribuição: Califórnia Filmes, Itália, 2004.
BRASIL. Constituição. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Imprensa oficial, 1988.
______. Ministério da Educação. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, LDBN 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Brasília, DF: MEC, 1996.
______. Decreto nº 3.956, de 8 de outubro de 2001. Promulga a Convenção Interamericana para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Pessoas Portadoras de Deficiência. Diário Oficial da União, Brasília, Out, 2001. CANDAU, V. M. Direitos Humanos, violência e cotidiano escolar. ______. Reinventar a escola. 8. Ed. Rio de Janeiro, Vozes. 2012. p. 137 - 166.
CARTER, T. Mãos Talentosas (Gifted Hands). Produção: Sony Pictures. Roteiro: Pielmeier, J. Direção: Carter, T. Duração 86 minutos. Gênero: drama. Classificação etária: 12 anos. Distribuição: Sony Pictures Entertainment, EUA, 2009.
CHAMPION, G. Uma Viagem Inesperada (Miracle Run). Produção: CHAMPION, G. Roteiro: Maples, M. Direção: CHAMPION, G. Duração 120 minutos. Gênero: drama. Classificação etária: livre. Distribuição: Granada Entertainment. EUA, 2004.
ELIAS, M. A. Violência Escolar: caminhos para compreender e enfrentar o problema. 1. Ed. – São Paulo: Ática Educadores, 2011.
FANTE, C. Fenômeno bullying: como prevenir a violência nas escolas e educar para a paz. 7. ed. Campinas: Verus Editora, 2012. FERNANDO, F. LUFT, C. P, GUIMARÃES, F. M. Dicionário Brasileiro Globo: 49ª ed. – São Paulo: Globo, 1998. LOPES NETO, A.A. Bullying: comportamento agressivo entre estudantes. Jornal de Pediatria On-line. Vol. 81, nº. 5 (supl.), p. 164-172, 2005. Disponível em:http:// www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S005572005000700006&lng=pt&nrm =iso&tlng=pt. Acesso em 17 de Jun. de 2014.
MAJIDI, M. Filhos do Paraíso (Bacheha-Ye aseman). Produção de Esfandiari, A. e Esfandiari M, roteiro de MAJIDI, M., direção de MAJIDI, M. Duração 89 minutos. Gênero: drama. Classificação etária: livre. Distribuição: Buena Vista International / Miramax Films, Irã, 1998.
MOREIRA, L. C. G. M. O atendimento educacional à pessoa com deficiência intelectual com severo comprometimento: contribuições da psicologia histórico-cultural. Dissertação (mestrado) – Universidade Estadual de Maringá, 2011.
UNESCO. Declaração Mundial sobre Educação para Todos: satisfação das necessidades básicas de aprendizagem, 1990. Disponível em <http://unesdoc.unesco.org/images/0008/000862/086291por.pdf>. Acesso em: 22 jul. 2014.
_______. Declaração de Salamanca: sobre princípios, políticas e práticas na área das necessidades educativas especiais, 1994 Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/salamanca.pdf>. Acesso em 22 jul. 2014.
WILLIAMS, L. C de A. Sobre deficiência e violência: reflexões para uma análise de revisão de área. Revista Brasileira de Educação Especial, Marília, Jul. Dez. 2003 v.9, n.2, p.141-154, 2003.
SPOSITO, M. P. Um breve balanço da pesquisa sobre violência escolar no Brasil. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 27, n.1, p. 87-103, jan./jun. 2001. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_issuetoc&pid=1517-970220010001 &lng=pt&nrm=iso>. Acesso em: 25 jun. 2014.
TOLLIN, M. Meu Nome é Rádio (Radio). Produção: Tollin, M. Robbins, B. e Gains, H. Roteiro: Rich, M. Direção: Tollin, M. Duração 129 minutos. Gênero: drama. Classificação etária: livre. Distribuição: Columbia Pictures/ Sony Pictures Entertainment, EUA, 2003.
VIGOTSKI L. S. A formação social da mente: o desenvolvimento dos processos psicológicos superiores. 7. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2010.
__________. Obras escogidas: fundamentos da defectologia; Tomo V. Trad. Julio Guilhermo Blank. Madrid: Visor Dist. S.A. 1997.
WERNER, P. O primeiro da classe (Front of the class). Produção: HallMark Hall of fame. Roteiro: Gottlieb. A. e Rickman, T. Direção: Werner, P. Duração 95 minutos. Gênero: Drama. Classificação etária: livre. Distribuição: CBS Television, EUA, 2013.