19
OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE NA PERSPECTIVA DO PROFESSOR PDE Artigos Versão Online ISBN 978-85-8015-080-3 Cadernos PDE I

OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE NA … · OS DESAFIOS DA ESCOLA ... de análise linguística constitui um trabalho de reflexão sobre a organização do texto escrito e

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE NA … · OS DESAFIOS DA ESCOLA ... de análise linguística constitui um trabalho de reflexão sobre a organização do texto escrito e

OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSENA PERSPECTIVA DO PROFESSOR PDE

Artigos

Versão Online ISBN 978-85-8015-080-3Cadernos PDE

I

Page 2: OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE NA … · OS DESAFIOS DA ESCOLA ... de análise linguística constitui um trabalho de reflexão sobre a organização do texto escrito e

A IMPORTÂNCIA DOS ESTUDOS GRAMATICAIS PARA O DESENVOLVIMENTO

DA COMPETÊNCIA LINGUÍSTICA

Maria Lúcia Fernandes Teixeira (PDE)1 Jacqueline Ortelan Maia Botassini (UEM)2

Resumo Este estudo objetiva contribuir com o desenvolvimento da competência linguística do aluno do Ensino Básico por meio do ensino de aspectos gramaticais da língua portuguesa, pois ela desenvolve o desempenho do aluno nas atividades de leitura, de compreensão e de produção de texto. A prática de análise linguística constitui um trabalho de reflexão sobre a organização do texto escrito e/ou falado, no qual o aluno percebe o texto/discurso como resultado de opções temáticas e estruturais feitas pelo autor, visando ao seu interlocutor. A escolha do assunto “classes de palavras” e, no escopo dessas, o substantivo, o adjetivo e o pronome, ocorreu por se verificar o grande tempo utilizado para seu ensino em sala de aula e, ainda assim, muitas vezes, os alunos continuam sem compreendê-las. Parte do problema está na forma como esses conteúdos são expostos nos livros didáticos e nas gramáticas tradicionais, frequentemente desvinculados do uso real da língua. Outro problema diz respeito a inconsistências teóricas e a conceituações inadequadas que resultam em incompreensão do conteúdo gramatical. Assim, deseja-se examinar as conceituações apresentadas por autores de gramáticas e de livros didáticos sobre o assunto e refletir a respeito delas, para, a partir disso, trabalhar os referidos conteúdos de forma mais adequada, visando a um ensino coerente e de uso efetivo e real desses aspectos. Palavras-chave: Análise Linguística. Substantivo. Adjetivo. Pronome.

1 Introdução

O interesse pelo tema deste trabalho surgiu de reflexões a respeito das

minhas práticas de ensino de gramática em sala de aula, nos últimos anos, bem

como de outros colegas professores de Língua Portuguesa que manifestavam

grande insatisfação e frustração quanto ao baixo rendimento dos alunos nas

produções de texto. Assim, com a oportunidade de participação no PDE, em 2014,

visualizei a possibilidade de estudar um tema que fosse produtivo, objetivando

ensinar novas habilidades linguísticas para ajudar o aluno a entender questões

linguísticas importantes para a compreensão e a produção de textos.

O projeto apresentou uma proposta de estudo sobre análise e descrição

linguística de aspectos morfológicos da língua portuguesa, visando ao ensino

coerente e de uso efetivo e real desses aspectos, com alunos do ensino básico.

1 Professora da Rede Estadual de Ensino do Paraná. Graduada em Letras-Anglo. Especialista em

Didática e Metodologia de Ensino. Especialista em Educação de Jovens e Adultos. 2 Orientadora. Professora do Departamento de Língua Portuguesa da Universidade Estadual de

Maringá. Doutora em Estudos da Linguagem.

Page 3: OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE NA … · OS DESAFIOS DA ESCOLA ... de análise linguística constitui um trabalho de reflexão sobre a organização do texto escrito e

O questionamento de ensinar ou não gramática na escola tem-se

apresentado, nas últimas décadas, como uma questão polêmica. Há correntes de

estudiosos que defendem que esse estudo é desnecessário, já que os indivíduos

dominam a língua sem que, para isso, seja necessário estudar regras específicas.

Outros, porém, acreditam que se devem estudar essas regras para que se tenha

domínio da língua.

É evidente que não se ensina a língua para aqueles que já a dominam.

Ensinar com esse objetivo seria uma perda de tempo. Tome-se, como exemplo, o

caso de pessoas analfabetas, que nunca frequentaram os bancos escolares, e que,

ainda assim, são capazes de fazer uso da língua, comunicando-se sem maiores

problemas. O que se deve ensinar são as regras que contribuem para que o usuário

da língua leia com compreensão, interprete justificando a adequação da

interpretação, escreva textos compatíveis com a série cursada e “aceitos” como

adequados.

Segundo o dicionário Aurélio (2009), o termo “Língua” deve ser entendido

como um “sistema de signos que permite a comunicação entre os indivíduos de uma

comunidade linguística”. Ou, ainda, como o “contínuo de variedades linguísticas

que, por razões culturais, políticas, históricas, geográficas, é considerado como

entidade única que delimita uma comunidade linguística”. Já o termo “Gramática”,

de acordo com Trask (2011), “refere-se às regras para construir palavras e

sentenças numa língua particular, ou o ramo da linguística que estuda esse tema”.

Assim, a proposta deste estudo é descrever e analisar alguns aspectos

gramaticais da língua portuguesa, mais especificamente, alguns aspectos

morfológicos, entendendo que o ensino gramatical (e não o ensino da língua

materna) é indispensável para o bom desempenho do aluno nas atividades de

leitura, de compreensão e de produção de texto.

Este estudo justifica-se, ainda, por ser um meio de discutir/apresentar/retomar

um tema que está praticamente “abandonado” no ensino de língua portuguesa da

maioria das escolas públicas do país e cujas consequências têm mostrado alunos

cada vez mais limitados, inseguros em suas produções textuais, sem conhecimentos

mínimos de regras gramaticais básicas, apresentando dificuldades linguísticas

mesmo depois de concluir os ensinos básico e médio e chegado ao ensino superior.

Prova disso são os últimos dados obtidos pelos alunos brasileiros nas diferentes

Page 4: OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE NA … · OS DESAFIOS DA ESCOLA ... de análise linguística constitui um trabalho de reflexão sobre a organização do texto escrito e

avaliações nacionais (SAEB, SARESP, Prova Brasil, Enem) e internacional (PISA),

que não têm sido satisfatórios, nos últimos anos (ROJO, 2009).

Sabe-se que o aluno é fruto de seu tempo histórico, das relações sociais em

que está inserido, mas é, também, um ser singular, que atua no mundo a partir do

modo como o compreende e como lhe é possível participar. A escola contribui para

determinar o tipo de participação que lhe caberá na sociedade. É importante que o

ensino da gramática seja conhecido também dos que já são tão excluídos de

conhecimentos científicos e tão manipulados.

Soares (1989) afirma que uma escola transformadora é aquela que é

consciente de seu papel político na luta contra as desigualdades sociais e

econômicas, assumindo, assim, a função de proporcionar às camadas mais

necessitadas um ensino eficiente que lhes permita conquistar melhores condições

de participação cultural e política, conquistando a sua cidadania.

Foucambert (2004) assevera que a linguagem pode ser um instrumento tanto

de opressão quanto de emancipação. Quando são negados ao aluno o acesso e o

domínio à linguagem formal, contribui-se para que o indivíduo viva em um mundo de

opressão, porque é por meio dessa linguagem que ele se “encontra” dentro da

sociedade em que vive. Sem o acesso a ela, inviabiliza-se a construção de sujeito

autônomo, capaz de se constituir enquanto sujeito ativo do seu processo de

emancipação. O uso da linguagem como meio de emancipação possibilita um olhar

diferente, dando-lhe condição de compreender o universo; ajuda a ler as múltiplas

linguagens que permeiam o contexto social. O relacionamento ativo com a

linguagem colabora para a autonomia do indivíduo e para que ele seja protagonista

de sua própria história.

Antunes (2000) diz que é no campo do uso linguístico que, concretamente,

costuma acontecer a exclusão social dos sujeitos, principalmente daqueles que

pertencem às classes sociais e econômicas mais baixas da população. Isso se dá

pelo fato de as pessoas não saberem intervir em situações mais formais de

comunicação pública e por não saberem escrever textos bem elaborados.

Possenti (1996) diz que é papel da escola criar condições para que o ensino

de português padrão seja aprendido. Ele destaca que alguns estudiosos afirmam ser

uma injustiça obrigar um grupo social a adquirir valores de outro grupo, como, por

exemplo, obrigar os menos favorecidos a usarem a língua padrão como se fosse o

único dialeto correto. Para ele, isso seria uma violência cultural e implicaria destruir

Page 5: OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE NA … · OS DESAFIOS DA ESCOLA ... de análise linguística constitui um trabalho de reflexão sobre a organização do texto escrito e

valores populares. Não se trata, entretanto, de “obrigar” os alunos a usarem a norma

padrão. Trata-se, na verdade, de possibilitar o conhecimento de uma variedade da

língua importante para que tenham ascensão social.

Possenti (1996) também diz que, quando optam por não ensinar o dialeto

padrão para os alunos que usam dialetos não padrão, os professores se baseiam na

ideia de que dificilmente esses alunos irão aprender o padrão. Ao afirmarem a falta

de capacidade dos alunos e a complexidade do dialeto padrão, estão justificando

valores dominantes embutidos e práticas escolares inadequadas. Ele defende que é

um erro pensar assim, pois os menos favorecidos socialmente só ganharão se

puderem ter o domínio de outra forma de falar e de escrever. O contrário seria não

aceitar que a língua possa servir a mais de uma ideologia, ter mais de uma função.

O que parece, com esse pensamento, é a falta de interesse da classe dominante de

que isso aconteça.

O autor diz ainda que, com essa ideia, está-se defendendo que cada falante

ou grupo de falantes só pode aprender e falar um dialeto. Isso seria dizer que o povo

(a classe menos favorecida) só seria capaz de falar formas populares, e a língua

padrão seria utilizada somente pelos grupos dominantes.

Possenti (1996) defende também, do ponto de vista da escola, em especial,

da aquisição de determinado grau de domínio da escrita e da leitura, que não se

devem determinar limites mínimos satisfatórios que os alunos deveriam atingir, mas

que a escola proponha objetivos que evitem um ensino da gramática com traumas e

com memorização de regras.

Os motivos que me levaram a optar pela análise linguística foram por

considerar que o trabalho com a língua aconteça de forma dinâmica e produtiva

apenas quando se viabiliza o tripé leitura, produção textual e análise linguística. A

escolha do assunto específico, classes de palavras, e, no escopo dessas, o

substantivo, o adjetivo e o pronome, ocorreu por se verificar o grande tempo

utilizado no estudo dessas classes nas salas de aula de Português pelos alunos do

Ensino Fundamental e Médio e, ainda assim, a maioria dos alunos continua sem

compreendê-las.

Uma das razões para que isso aconteça relaciona-se com o fato de os

conteúdos dos livros didáticos e das gramáticas tradicionais apresentarem-se, em

sua grande maioria, vinculados a textos clássicos, desligados do uso efetivo da

língua, longe da realidade dos alunos. Outro problema diz respeito a algumas

Page 6: OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE NA … · OS DESAFIOS DA ESCOLA ... de análise linguística constitui um trabalho de reflexão sobre a organização do texto escrito e

inconsistências teóricas e a conceituações inadequadas que resultam em

incompreensão do conteúdo gramatical por parte dos alunos. Pode-se dar como

exemplo a forma como as classes de palavras são definidas, observando-se,

geralmente, apenas o critério semântico, quando deveriam ser considerados três

aspectos linguísticos: o morfológico, o semântico e o funcional. O que se tem notado

é que os autores privilegiam ora um aspecto, ora outro, ficando a conceituação

incompleta. Assim, as definições tornam-se confusas e, consequentemente,

provocam um desinteresse dos alunos em estudar as questões gramaticais.

2 Fundamentação Teórica/Revisão Bibliográfica

Há muitos anos se estudam e se dividem as palavras em classes. Mattos e

Silva (1989) destaca que, desde a Antiguidade, no âmbito filosófico, Platão e

Aristóteles já se preocupavam com essa questão. Para Platão (V-IV a. C.), a

denominação é a questão central da linguagem, e, para seu mestre, Sócrates, falar

correto era denominar corretamente. Platão separou as partes do discurso em nome

e verbo, como elementos básicos para constituição de uma proposição.

Com Aristóteles, estabeleceu-se a tradição gramatical. Ele acrescentou ao

nome e ao verbo uma classe nova, a das conjunções, e determinou também a

proposição que afirma ou nega um predicado ao sujeito.

Dentre os filósofos gregos, foram os estoicos que começaram a delinear a

fundamentação da gramática tradicional, a partir do que chamaram etimologia.

Nessa época, discutiam o problema filosófico da origem da linguagem e das

regularidades na língua ou, na metalinguagem da época, da analogia. Porém a

gramática ainda não se distinguia da filosofia e da lógica.

Os continuadores históricos foram os filósofos de Alexandria que fixaram na

tradição gramatical o “erro clássico”: privilegiar a língua escrita dos grandes

escritores, em detrimento dos outros usos, negativamente avaliados.

O período alexandrino se destacou dos períodos anteriores porque sua

preocupação com a língua era literária e não filosófica. Consequentemente, seu

interesse pelo estudo linguístico era parte de seu estudo literário. Os estudiosos

desse período desejavam tornar acessíveis aos contemporâneos as obras de

Homero e preocupavam-se com o “uso correto” da língua (pronúncia e gramática) a

fim de preservar o grego clássico de “corrupções”.

Page 7: OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE NA … · OS DESAFIOS DA ESCOLA ... de análise linguística constitui um trabalho de reflexão sobre a organização do texto escrito e

Com Dionísio da Trácia, século II – I a. C., é que se tem a primeira descrição

ampla e sistemática de uma língua publicada no mundo ocidental: o grego da África,

ou grego ático. Dionísio define a gramática como a “arte de escrever”

e como saber empírico da linguagem dos poetas e dos prosadores. Na primeira

gramática do ocidente, identificou oito partes do discurso: nome, verbo, particípio,

artigo, pronome, preposição, advérbio, conjunção. A sintaxe não é estudada em sua

obra, apenas a fonética e a morfologia.

Apolônio Díscolo (século II d. C.) foi quem mais escreveu sobre sintaxe ao

estudar a língua grega. Para ele, a sintaxe referia-se à combinação dos elementos.

Sua descrição sintática baseava-se nas relações entre substantivos e verbo e entre

as demais classes de palavras e os substantivos e os verbos.

A tradição gramatical grega foi herdada pelos romanos. Varrão (século I a. C.)

foi discípulo direto de gramáticos da escola alexandrina. Sua contribuição está em

aplicar a gramática grega à outra língua, o latim. Esse autor dividiu o estudo da

língua latina em etimologia, morfologia e sintaxe e atribuía a esse estudo um objetivo

literário. A morfologia foi o cerne de sua obra, apresentava distinções fundamentais

que perduram, como palavras variáveis e invariáveis, e estabeleceu categorias

secundárias para analisar as partes do discurso: a voz e o tempo para o verbo.

Conforme se pode verificar, os estudos referentes às classes de palavras

remetem à Antiguidade Clássica. A nomenclatura para referir-se a essas classes

sofreu alterações, mas o que se estuda modernamente como classes de palavras

não é algo recente.

A nomenclatura oficial brasileira de 1957 reconhece dez classes de palavras:

substantivo, artigo, adjetivo, numeral, pronome, verbo, advérbio, preposição,

conjunção e interjeição. Não há, no entanto, uma explicação clara dos critérios

utilizados pela Nomenclatura Gramatical Brasileira (NGB) para a distribuição das

palavras em dez classes. Além disso, essas classes não trazem conceitos claros e

completos, o que resulta em dificuldades de compreender melhor a classificação das

palavras. É difícil, todavia, formular outras classificações ou conceitos que

substituam o que existe atualmente. O principal problema é que a tarefa de

classificação não é do âmbito restrito da morfologia. Se o vocábulo apresenta forma,

função e significado, é evidente que os critérios mórfico, sintático e semântico se

conflitam em uma classificação.

Page 8: OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE NA … · OS DESAFIOS DA ESCOLA ... de análise linguística constitui um trabalho de reflexão sobre a organização do texto escrito e

Enquanto as teorias linguísticas dominantes nas duas metades do século

XX – estruturalismo/gerativismo – são explícitas nos seus objetivos e nos seus

passos metodológicos, a tradição gramatical, base da gramática escolar até hoje,

traz em si vinte e três séculos de tradição e de contradição, a que se acumulam as

contradições da atualidade, decorrentes de tentar adaptar à tradição secular as

construções da Linguística Moderna (MATTOS e SILVA, 1989, p. 15-30).

Um trabalho de análise linguística mais adequado pode ser realizado por meio

de reflexão voltada para a produção de sentido e para a compreensão mais ampla

dos usos e do sistema linguístico, a fim de se contribuir, eficazmente, para a

formação de leitores e de escritores da Língua Portuguesa.

Desse modo, o trabalho com a gramática deixa de ser visto a partir de

exemplos tradicionais, descontextualizados, e passa a implicar que o aluno

compreenda o que é um bom texto, como é organizado, como os elementos

gramaticais ligam palavras, frases, parágrafos, relacionando ou avançando ideias

defendidas pelo autor. Além disso, a análise dos recursos linguísticos utilizados no

texto pode levar o aluno a refletir e a analisar a adequação do discurso considerando

o locutor, o contexto de produção e os efeitos de sentidos provocados por eles.

Em uma perspectiva sociointeracionista de língua, a Análise Linguística

constitui um dos três eixos básicos do estudo da língua materna, juntamente com o

ensino da leitura e da produção de textos, tendo como proposta refletir sobre

elementos e fenômenos linguísticos e sobre estratégias discursivas, focalizando-se

nos usos de linguagem (MENDONÇA, 2006, p. 211).

Os PCNs e as Diretrizes Curriculares da Educação Básica de Língua

Portuguesa do Paraná (2008) defendem a prática da análise linguística na sala de

aula. São cientes de que a sua aplicação é um tanto complexa, pois depende de um

vasto conhecimento da língua e de uma postura de empenho e de força de vontade

por parte do professor em promover a mudança de sua concepção de linguagem e,

por consequência, de sua prática em sala de aula.

Pelo exposto, não se pode negar a importância dos estudos de aspectos

linguísticos no ensino de Língua Portuguesa. Em relação às classes de palavras, por

exemplo, Fernandes (1998) observa que “o estudo da divisão das palavras em

classes constitui o referencial para os estudos gramaticais”.

Perini (1997, p. 41) compara a separação das palavras em classes à distinção

dos animais em ordens, classes, espécies, famílias e gêneros. Ele diz que, nos dois

Page 9: OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE NA … · OS DESAFIOS DA ESCOLA ... de análise linguística constitui um trabalho de reflexão sobre a organização do texto escrito e

casos, é necessário ter critérios de classificação. Para ele, “classificar as palavras

implica elaborar uma classificação semântica, mas separando-se nitidamente dela”.

Afirma também que, além dos traços de significados, é necessário considerar o

comportamento sintático e morfológico dos vocábulos, devendo haver uma

homogeneidade entre os componentes da classe quanto ao comportamento

gramatical.

Segundo Neves (1990, p. 14), “as definições relacionadas às classes de

palavras são incompletas e devem ser revistas, porque privilegiam a tradição

gramatical e quase que exclusivamente o critério semântico”.

Camara Jr. (1991) considera três critérios para classificar os vocábulos

formais de uma língua: o critério semântico (relativo à significação), o critério

morfológico (relativo às propriedades formais) e o critério funcional (diz respeito ao

papel que cabe ao vocábulo na oração). O primeiro e o segundo se associam de

maneira muito estreita, pois o vocábulo é uma unidade de forma e sentido. O autor

afirma, ainda, que o critério semântico não deve ser observado isoladamente, como

acontece na gramática tradicional e nos livros didáticos. Diz também que as palavras

de uma língua constituem um conjunto ordenado e, para dar conta das semelhanças

de forma, de sentido e de função entre as palavras, é preciso agrupá-las levando em

consideração esses três critérios (CAMARA JR., 1991, p. 77).

3 Descrição e análise das definições das classes de palavras: substantivo,

adjetivo e pronome

3.1 Substantivo

Apresentam-se, a seguir, algumas definições, expostas por estudiosos em

livros didáticos e em gramáticas (adotados tanto no ensino fundamental como no

médio), sobre o substantivo, bem como o critério em que se baseiam para

estabelecer essas definições.

A maioria dos autores define substantivo por meio do critério semântico

(critério esse que, aplicado isoladamente, não é suficiente para definir

adequadamente qualquer classe gramatical), expressando-se como segue: “são

palavras que designam os seres”; “são palavras com que designamos ou nomeamos

os seres”; “designamos ou nomeamos os seres em geral”; “são usados para referir-

Page 10: OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE NA … · OS DESAFIOS DA ESCOLA ... de análise linguística constitui um trabalho de reflexão sobre a organização do texto escrito e

se às diferentes entidades (coisas, pessoas, fatos, etc.) denominando-as”; “dá nome

aos seres em geral”; “nomeia os seres”; “nome com que designamos seres em geral:

pessoas, animais e coisas” (respectivamente, CEGALLA, 1997; ANDRÉ, 1990;

CUNHA e CINTRA, 2008; NEVES, 1990; TERRA e NICOLA, 2000; NICOLA e

INFANTE, 1999; BECHARA, 2001).

Outros autores utilizam o critério formal, definindo substantivo como o

elemento “variável em gênero, número e grau”; “toda palavra que puder ser

antecipada de um artigo” (respectivamente, TERRA e NICOLA, 2000; FARACO e

MOURA, 2003).

Já em relação ao critério funcional, as gramáticas e os livros didáticos

destinados aos ensinos fundamental e médio não fazem menção a esse critério no

momento de conceituar o substantivo. A referência ao aspecto funcional aparece,

normalmente, como um subitem, geralmente intitulado “As funções sintáticas do

substantivo”.

Ao estudar a classificação dos substantivos, constata-se que as definições

formuladas pelos gramáticos, em geral, não permitem que um estudante possa

entender o que, de fato, é um substantivo. Por exemplo, uma definição bastante

comum de substantivo afirma que se trata de “palavra que nomeia os seres em

geral”. Então, diríamos que a palavra “justiça” é um ser, porque é um substantivo, e

é substantivo por denotar um ser. Observa-se a redundância do conceito e

comprova-se que ele nada nos diz de concreto e definitivo; trata-se de uma

conceituação vaga, não satisfatória. Essa definição mostra apenas algumas

características semânticas dos substantivos, sem colocar em evidência as

propriedades advindas da formação morfológica deles ou os contextos em que

podem ser empregados.

Em relação à propriedade formal, afirma-se que os substantivos flexionam-se

em gênero e em número, isto é, são palavras variáveis, que apresentam formas

masculinas e femininas, e singular e plural. Entretanto tais características não são

propriedades apenas dos substantivos, sendo também encontradas nos adjetivos,

comprovando-se que não é um critério que identifica exclusivamente os

substantivos, mas os nomes em geral.

Outro tema perturbador em relação ao estudo do substantivo, também

relacionado à questão semântica, diz respeito à flexão de gênero, a qual, na

gramática normativa, é exposta de uma maneira incoerente e confusa. De acordo

Page 11: OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE NA … · OS DESAFIOS DA ESCOLA ... de análise linguística constitui um trabalho de reflexão sobre a organização do texto escrito e

com Camara Jr. (1991, p. 89), “As divisões das nossas gramáticas tradicionais a

respeito do que chamam inadequadamente flexão de gênero são inteiramente

descabidas e perturbadoras na exata descrição gramatical”. O autor diz que parte do

problema está na incompreensão semântica da natureza do substantivo, geralmente

associada ao sexo dos seres. Contra essa interpretação, pode-se afirmar que o

gênero abrange todos os nomes substantivos (seres, animais, coisas) providos ou

não de sexo.

Camara Jr. continua explicando que gênero é uma distribuição em classes

mórficas, para os nomes, que se reconhece pela oposição “masculino” e “feminino”.

Do ponto de vista mórfico, o masculino é uma forma geral, não marcada, e o

feminino é marcado pelo acréscimo do morfema flexional de gênero –A, como em

moço / moça, escritor / escritora. Há, entretanto, referências inadequadas sobre o

assunto, que têm levado, ao longo dos anos, os professores a ensinarem aos

alunos, por exemplo, que “vaca” é o feminino de “boi”, que “nora” é feminino de

“genro”, que “mulher” é feminino de “homem”.

Quanto às propriedades sintáticas, embora não sejam utilizadas para definir

os substantivos, são citadas em algumas gramáticas para destacar que os

substantivos gozam de funções diferentes (sujeito, complemento verbal,

complemento nominal etc.), dependendo do contexto em que se empregam, mas

sempre representando o núcleo de um sintagma nominal.

Pelo exposto, percebe-se que o ideal na definição dos elementos que

compõem as classes de palavras seria a combinação dos critérios semântico,

morfológico e funcional, como se encontra em Camacho, Dall’Aglio-Hattnher e

Gonçalves (2008, p. 21), quando tratam dos substantivos, ressaltando que esses

“dispõem de propriedades individuadoras e podem ser classificados segundo uma

base morfológica e semântica, organizando estruturas argumentais”.

Em relação às propriedades morfológicas, os autores supracitados expõem

que os substantivos estão integrados na categoria gramatical de número e de

gênero; do ponto de vista sintático, caracterizam-se por representar o núcleo de um

sintagma nominal, constituindo-se um elemento determinado/modificado por

determinantes/modificadores (p. 22 e 23), e, semanticamente, o substantivo pode

ser um elemento denominador ou referenciador (p. 32).

Page 12: OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE NA … · OS DESAFIOS DA ESCOLA ... de análise linguística constitui um trabalho de reflexão sobre a organização do texto escrito e

Quando se trabalha com esses três critérios, “cercam-se” as diferentes

propriedades dos substantivos e evita-se a confusão com outras classes

gramaticais.

3.2 Adjetivo

A seguir, apresentam-se as definições atribuídas aos adjetivos, em algumas

gramáticas e livros didáticos.

Assim como no caso dos substantivos, a maior parte das definições sobre o

adjetivo baseia-se no critério semântico: “são palavras que expressam as qualidades

ou características dos seres”; “serve para caracterizar os seres, os objetos [...]

indicando-lhes uma qualidade, um defeito ou modo de ser”; “caracteriza o

substantivo atribuindo-lhe qualidade, estado ou modo de ser”; “é a palavra que

expressa qualidade ou propriedade ou estado do ser”; atribui ao substantivo “uma

característica aos seres nomeados por ele”; “denota qualidade, condição ou estado

de um ser”; atribui ao substantivo “um estado, qualidade ou modo de ser”

(respectivamente, CEGALLA, 1997; CUNHA e CINTRA, 2008; TERRA e NICOLA,

2000; ANDRÉ, 1990; FARACO e MOURA, 2003; BECHARA, 2001; NICOLA e

INFANTE,1999).

Em relação ao critério formal, as referências são poucas no momento de

definir o adjetivo: “é a palavra variável em gênero, número e grau”; “palavra variável”

(respectivamente, TERRA e NICOLA, 2000; FARACO e MOURA, 2003).

Quanto ao critério funcional, também pouco explorado na definição do

adjetivo, informa-se o que segue: “é essencialmente um modificador do

substantivo”; “modifica o substantivo”, “é expressão modificadora”; “modifica o

substantivo” (respectivamente, CUNHA e CINTRA, 2008; FARACO e MOURA, 2003;

BECHARA, 2001; NICOLA e INFANTE, 1999).

As definições de adjetivo, encontradas na maioria das gramáticas normativas

analisadas, também são inconsistentes, assim como já se viu com referência ao

substantivo, e baseadas, quase todas, em critérios puramente semânticos. Quando

se afirma que o adjetivo é “palavra que expressa qualidade”, tem-se uma definição

que poderia nos levar a pensar na palavra gentileza como adjetivo, já que essa

palavra expressa qualidade. Definir adjetivo dessa maneira, como o fazem muitos

gramáticos da língua portuguesa, é um equívoco.

Page 13: OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE NA … · OS DESAFIOS DA ESCOLA ... de análise linguística constitui um trabalho de reflexão sobre a organização do texto escrito e

Todavia, alguns autores discriminam outras noções de adjetivos, tais como: a

de estado, a de defeito, a de condição etc. Acrescentá-las, porém, às conceituações

tradicionais não resolve o problema, porque o adjetivo não se caracteriza pelo

significado, mas por sua função. Na maioria das vezes, exprime-se por vários traços,

o que equivale a dizer que a uma palavra pode equivaler mais de uma função

sintática.

Outro exemplo, a palavra “verde”, tradicionalmente um adjetivo, pode

transformar-se, com o acréscimo do artigo (como em: O verde está na moda), em

substantivo, passando a ter a função de núcleo de um sintagma nominal (PERINI,

2011, p. 44).

De acordo com Perini (2011, p. 40-46), no momento em que uma palavra

começa a ser usada com um novo significado, o que acontece com frequência, ela

precisa mudar seu comportamento gramatical de acordo com sua nova função, a

qual só pode ser identificada pelo contexto em que a palavra está inserida.

Confrontemos as frases “O operário brasileiro ganha pouco” e “O brasileiro

operário ganha pouco”. Na primeira frase, “operário” é substantivo e “brasileiro” é

adjetivo, significando que os operários, no Brasil, são mal remunerados. Na segunda

frase, “brasileiro” é substantivo e “operário” é adjetivo, significando que o brasileiro

que trabalha como operário é mal remunerado. As palavras são exatamente as

mesmas; as funções exercidas por elas, entretanto, são diferentes, e isso tem

relação com o contexto em que estão inseridas e com a posição que ocupam no

sintagma nominal.

Segundo Camara Jr. (1991, p. 79), o substantivo e o adjetivo compartilham as

mesmas características formais ou morfológicas: ambos são elementos que

possuem flexão em gênero e em número (Os meninos estudiosos tiram boas notas

na prova. / As meninas estudiosas tiram boas notas na prova.). A diferença que se

estabelece entre ambos é que o substantivo é um elemento que funciona como

núcleo de uma função sintática, enquanto o adjetivo funciona como caracterizador

do núcleo, ocupando uma posição periférica no sintagma nominal.

O grupo de adjetivos agrega a maior parte das palavras que indicam atributos

ou qualidades, podendo funcionar como modificadores do nome ou como

predicadores. Segundo as gramáticas tradicionais, o adjetivo define-se em dois tipos

de relação com o substantivo: a relação atributiva e a relação predicativa. O

adjetivo é atributo do substantivo se a ele se liga diretamente, ou seja, se o

Page 14: OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE NA … · OS DESAFIOS DA ESCOLA ... de análise linguística constitui um trabalho de reflexão sobre a organização do texto escrito e

substantivo e o adjetivo se encontram em um mesmo sintagma nominal, por

exemplo: O cachorro amigo fugiu. O adjetivo é predicador do substantivo se a ele

se prende por meio do verbo de ligação, isto é, o adjetivo em posição de predicativo

do sujeito e o substantivo em posição de sujeito, por exemplo: O cachorro é amigo.

Pelo exposto, pode-se verificar que, da mesma forma que o critério

puramente semântico não resolve a questão, o critério puramente mórfico também

não. É necessário somar esses dois ao critério funcional para que o resultado seja

mais adequado.

3.3 Pronomes

As definições atribuídas aos pronomes na maioria das gramáticas e livros

didáticos destinados a alunos dos ensinos fundamental e médio pautam-se,

geralmente, nos critérios semântico e funcional.

Em relação ao critério semântico, os pronomes são conceituados como

“palavras que representam os nomes dos seres ou os determina indicando a pessoa

do discurso”; “palavra que representa o ser ou ao ser se refere, indicando-o como

pessoa do discurso”; “expressão que designa os seres sem dar-lhes nome nem

qualidade, indicando-os apenas como pessoa do discurso”; “palavras que

representam os seres ou se referem a eles. Podem acompanhá-los, para tornar-lhes

claro o sentido”; “palavra que denota os seres ou se refere a eles, considerando-os

como pessoas do discurso” (respectivamente, CEGALLA, 1997; ANDRÉ, 1990;

BECHARA, 2001; CIPRO NETO e INFANTE, 1997; INFANTE, 1996).

Já quanto ao critério funcional, os pronomes são definidos como elementos

que “desempenham na oração as funções equivalentes às exercidas pelos

elementos nominais”; “substitui ou acompanha o nome”; “substitui o substantivo ou

acompanha o substantivo. Quando acompanha o substantivo, determina-o no

espaço ou no contexto”; “podem desempenhar as mesmas funções desempenhadas

pelos substantivos e pelos adjetivos” (respectivamente, CUNHA e CINTRA, 2008;

TERRA e NICOLA, 2000; FARACO e MOURA, 2003; INFANTE, 1996).

Dentre os livros consultados, houve, ainda, uma menção ao critério formal,

apresentando o pronome como elemento “variável em gênero, número e pessoa”

(TERRA e NICOLA, 2000).

Page 15: OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE NA … · OS DESAFIOS DA ESCOLA ... de análise linguística constitui um trabalho de reflexão sobre a organização do texto escrito e

Muitos dos problemas relativos à conceituação dos pronomes devem-se à

etimologia dessa palavra. O termo “pronome” remete-nos, etimologicamente, ao

latim pronomen, em que há a junção da preposição pro mais o substantivo nomen e

cujo significado é “em lugar do nome”. Tal conceito tem levado a algumas reflexões

e análises equivocadas quando compreendido literalmente, conforme definido nas

gramáticas tradicionais.

Botassini (1998) assevera que a função anafórica dos pronomes não é a

única; em algumas circunstâncias, eles são usados para indicar, para apontar, isto é,

passam a ter função dêitica. E para melhor compreensão desse duplo aspecto

funcional dos pronomes, a autora cita Ribeiro (1955):

[...] nas proposições: Eu, Eduardo estudo e tu, Emílio, não trabalhas, os pronomes eu e tu não têm por fim unicamente substituir os nomes Eduardo e Emílio; têm sim por objeto indicar principalmente que Eduardo fala e se dirige a Emílio (RIBEIRO, 1955, apud BOTASSINI, 1998, p. 09).

Observa-se que, embora os pronomes eu e tu não possuam valor substitutivo

e sim valor essencialmente dêitico, ainda são classificados pela grande maioria das

gramáticas tradicionais como pronomes substantivos. Os pronomes, mesmo quando

assumem função de substitutos, nem sempre aparecem substituindo substantivo. Há

várias situações em que os pronomes substituem, por exemplo, um verbo, um

adjetivo ou um advérbio.

Botassini (1998, p. 12) discute que um dos inconvenientes “de se atribuir aos

pronomes a função de substituto do substantivo é que, nesse caso, será preciso

incluir, entre eles, outras palavras, as quais também apresentam essa característica

substitutiva, como os advérbios e os numerais”. E a autora dá como exemplo as

seguintes sentenças:

Morei muitos anos em Cuiabá. Lá é muito quente.

Paulo e Pedro são irmãos. Os dois nunca brigaram.

Nesses exemplos, fica clara a função substitutiva do advérbio “lá” e do

numeral “dois”, que substituem, respectivamente, os substantivos “Cuiabá” e “Paulo

e Pedro”.

Depois de expor várias considerações a respeito da conceituação dos

pronomes, Botassini (1998, p.12) conclui que “parece não existir uma conceituação

de pronome adequada a todas as circunstâncias e que possa resolver todos os

questionamentos que esse assunto levanta”.

Page 16: OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE NA … · OS DESAFIOS DA ESCOLA ... de análise linguística constitui um trabalho de reflexão sobre a organização do texto escrito e

Tradicionalmente, os pronomes estão divididos em pessoal, possessivo,

relativo, indefinido, interrogativo e demonstrativo. Cada um desses pronomes

apresenta características diferenciadas, o que, por si só, já traz inconvenientes para

uma definição capaz de abranger, de forma coerente e adequada, todos os tipos de

pronomes. Pelo espaço que temos para a presente discussão, vamos nos ater

apenas aos pronomes pessoais e, mais especificamente, a algumas considerações

sobre os pronomes pessoais sujeito.

Nas gramáticas tradicionais, não há divergência significativa quanto ao elenco

dos pronomes pessoais sujeitos e à forma de apresentá-los. Os autores

caracterizam-nos como indicadores das três pessoas do discurso: 1.ª pessoa, quem

fala; 2.ª pessoa, com quem se fala; 3.ª pessoa, de quem/que se fala, admitindo

formas no singular com correspondentes no plural.

O quadro de pronomes pessoais que ainda vigora nas gramáticas está longe

de ter uma coerência e de dar conta da realidade concreta do português do Brasil,

pois, além de não incluir formas amplamente utilizadas na linguagem coloquial,

como é o caso de você/vocês e a gente, continua a incluir o pronome vós,

praticamente em desuso.

A variação entre as formas pronominais você e tu apresenta, de acordo com

Lopes (2007, p. 104), um comportamento diferenciado nas diversas regiões do país.

Nas três capitais do Sul do Brasil, por exemplo, há uma distribuição irregular:

ausência de tu em Curitiba; concorrência de tu e você em Florianópolis e em Porto

Alegre. O uso do pronome pessoal tu só foi suplementado por você por volta dos

anos 20 e 30 do século passado. Lopes (2007, p. 103) expõe que o uso do pronome

você (que teve origem na expressão nominal de tratamento Vossa Mercê) criou uma

série de repercussões gramaticais em diferentes níveis da língua, uma delas é que o

verbo relacionado a esse pronome é usado em 3.ª pessoa, embora a interpretação

semântico-discursiva seja de 2.ª pessoa.

Outro exemplo é o pronome vós, que há muito está em desuso, presente só

nos textos bíblicos e, às vezes, em discursos religiosos, todavia ainda está presente

nas listas de pronomes pessoais em todas as gramáticas tradicionais.

A expressão a gente também não se faz presente no quadro dos pronomes

pessoais das gramáticas tradicionais. Ela é, normalmente, considerada uma forma

inculta e informal. Sabe-se, porém, que essa expressão já faz parte do nosso dia a

dia, está consagrada na linguagem coloquial e gramaticalizou-se, passando a

Page 17: OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE NA … · OS DESAFIOS DA ESCOLA ... de análise linguística constitui um trabalho de reflexão sobre a organização do texto escrito e

desempenhar a função de pronome pessoal de primeira pessoa do plural, em

coocorrência e concorrência com o pronome nós.

O pronome a gente apresenta também um caráter indeterminado em

oposição a uma nuança mais específica de nós. A substituição de nós por a gente

está se efetivando progressivamente, seja entre os falantes cultos, seja entre os não

cultos. Tal processo ocorre não só na oralidade, mas também nos textos escritos,

em que há a reprodução de situação dialógica ou menor grau de formalidade. Nos

textos lidos em sala de aula, veiculados pela mídia eletrônica, extraídos dos jornais

ou dos manuais didáticos, as formas pronominais inovadoras são recorrentes.

Outras questões fundamentais no estudo dos pronomes pessoais sujeito que

têm suscitado discussões em decorrência de pontos de vista distintos são a

“pessoalidade” e o “plural”. De acordo com Botassini (1998),

Pode-se tratar a questão da categoria de “pessoa” sob dois pontos de vista: um que a considera como “pessoa gramatical” e outro que a entende como “pessoa do discurso”. A primeira noção trata “pessoa” em um nível puramente gramatical, que é o de relações entre a pessoa pronominal do sujeito e uma marca verbal que se relaciona a ela. Segundo Camara Jr. (1991, p. 84), essa é uma das noções gramaticais que distingue os pronomes dos nomes [...]

A segunda visão trabalha em um nível discursivo-pragmático, entendendo “pessoa” como aquela que participa do ato discursivo. De acordo com essa visão, não se podem relacionar igualmente os pronomes de 1.ª e de 2.ª pessoa com os de 3.ª, porque as ligações que se estabelecem entre eles são bastante distintas (BOTASSINI, 1998, p.18-19).

Em relação ao plural, Botassini (1998) salienta que a flexão de número, em

português, é marcada por uma desinência ou sufixo flexional –S, que distingue a

forma singular da forma plural. Essa desinência, que aparece com frequência nos

nomes, ocorre, de fato, na forma pronominal de 3.ª pessoa, porém falta às 1.ª e 2.ª

pessoas. Então a autora questiona se é possível considerar nós como plural de eu e

vós como plural de tu, já que o plural é a soma de igualdades e, no pronome nós,

não há a soma de eu + eu e sim de eu + outra(s) pessoa(s); assim como no

pronome vós não há a soma de tu + tu e sim de tu + ele(s).

Essas são algumas das questões que necessitam ser trabalhadas de forma

diferente e que se devem apresentar aos alunos por meio de atividades práticas na

sala de aula.

Page 18: OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE NA … · OS DESAFIOS DA ESCOLA ... de análise linguística constitui um trabalho de reflexão sobre a organização do texto escrito e

4 Considerações finais

É necessário reconhecer que o trabalho com a Língua Portuguesa só será

eficiente se for contemplado o tripé leitura, produção textual e análise linguística. A

prática de análise linguística constitui um trabalho de reflexão sobre a organização

do texto escrito e/ou falado, um trabalho no qual o aluno percebe o texto como

resultado de opções temáticas e estruturais feitas pelo autor, tendo em vista o seu

interlocutor.

Conhecer e compreender a função dos nomes e dos pronomes para a

construção de sentidos, indo além do mero estudo de nomenclaturas gramaticais,

possibilita desenvolver nos alunos a competência linguística. E foi isso que se

pretendeu com o desenvolvimento e a implementação de nosso projeto: apresentar

uma proposta de ensino gramatical mais coerente e voltada para o uso real da

língua portuguesa, levando os alunos a entenderem a função das palavras dentro de

textos dos mais variados gêneros que circulam nas diferentes esferas sociais.

5 Referências

ANDRÉ, Hildebrando A. Gramática Ilustrada. São Paulo: Moderna, 1990.

ANTUNES, Irandé. Muito além da gramática – Por um ensino de línguas sem pedras no caminho. São Paulo: Parábola, 2000.

AURÉLIO. Novo dicionário eletrônico. Curitiba: Positivo, 2009. CD Rom. BECHARA, Evanildo. Moderna gramática portuguesa. Rio de Janeiro: Lucerna, 2001.

BOTASSINI, Jacqueline Ortelan Maia. A elipse do sujeito pronominal na linguagem falada do Paraná: uma análise variacionista. Dissertação (Mestrado em Linguística) – Universidade Federal do Paraná, Curitiba – PR, 1998.

CAMACHO, Roberto Gomes; DALL’AGLIO-HATTNHER, Marize Mattos;

GONÇALVES, Sebastião Carlos Leite. O substantivo. In: ILARI, R.; NEVES, M. H. M.

(orgs.). Gramática do português culto falado no Brasil. v. II. Classes de palavras

e processos de construção. Campinas: Ed. da Unicamp, 2008. p. 21-80.

CAMARA JÚNIOR, Joaquim Mattoso. Estrutura da língua portuguesa. Petrópolis: Vozes, 1991.

CEGALLA, Domingos Paschoal. Novíssima gramática de língua portuguesa. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1997. CIPRO NETO, Pasquale e INFANTE, Ulisses. Gramática da língua portuguesa. São Paulo: Scipione, 1997.

Page 19: OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE NA … · OS DESAFIOS DA ESCOLA ... de análise linguística constitui um trabalho de reflexão sobre a organização do texto escrito e

CUNHA, Celso; CINTRA, Luís Filipe Lindley. Nova gramática do português contemporâneo. Rio de Janeiro: Editora Lexikon, 2008.

FARACO, Carlos Alberto e MOURA, Francisco Marto. Gramática. São Paulo: Ática, 2003.

FERNANDES, Eulalia. Classes de palavras: um passeio pela história (a.C. e d.C.) e uma proposta de análise morfofuncional. In: VALENTE, André (org.). Língua, linguística e literatura. Rio de Janeiro: UERJ, 1998.

FOUCAMBERT, Jean. A leitura em questão. Porto Alegre: Artes Médicas, 2004.

INFANTE, Ulisses. Curso de gramática aplicada aos textos. São Paulo: Scipione, 1996.

LOPES, Célia Regina. Pronomes pessoais. In: BRANDÃO, S. F.; VIEIRA, S. R. (orgs.). Ensino de gramática: descrição e uso. São Paulo: Contexto, 2007.

MATTOS e SILVA, Rosa Virgínia. Tradição gramatical e gramática tradicional. São Paulo: Contexto, 1989.

MENDONÇA, Márcia Rodrigues de Souza. Análise linguística no ensino médio: um novo olhar, um outro objeto. São Paulo: Parábola, 2006.

NEVES, Maria Helena Moura. Gramática de usos do português. São Paulo: Editora Unesp, 1990.

NICOLA, José de; INFANTE, Ulisses. Gramática contemporânea da língua portuguesa. São Paulo: Scipione, 1999.

PARANÁ. Secretaria de Estado da Educação. Diretrizes Curriculares da Educação Básica. Curitiba: SEED, 2008.

PERINI, Mário Alberto. Gramática descritiva do português. São Paulo: Ática, 1997.

_______. Sofrendo a gramática – Ensaios sobre a linguagem. São Paulo: Ática, 2011.

POSSENTI, Sírio. Por que (não) ensinar gramática na escola. Campinas: Mercado de Letras, 1996.

ROJO, Roxane. Letramentos múltiplos, escola e inclusão social. São Paulo: Parábola , 2009.

SOARES, Magda. Linguagem e escola: uma perspectiva social. São Paulo: Ática, 1989.

TERRA, Ernani e NICOLA, José de. Gramática da língua portuguesa. São Paulo: Scipione, 2000.

TRASK, Roberto Lawrence. Dicionário de linguagem e linguística. Tradução e adaptação de Rodolfo Ilara. São Paulo: Contexto, 2011.