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Versão On-line ISBN 978-85-8015-076-6Cadernos PDE
OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSENA PERSPECTIVA DO PROFESSOR PDE
Artigos
CONGADAS, CONGADOS, CONGOS:
UMA PROPOSTA INTERDISCIPLINAR PARA O ENSINO MÉDIO, A PARTIR
DOS ESCRITOS DE LUÍS DA CÂMARA CASCUDO.
Autor: Jane Cadamuro Nunes (Professora PDE – 2013)
Orientadora: Dra. Vanda Fortuna Serafim (Orientadora UEM)
Resumo – O presente artigo apresenta estudo e reflexões acerca das Congadas, manifestação cultural Afro-brasileira, e propõe um diálogo entre as disciplinas de História, Geografia, Sociologia e Arte no ensino médio, a partir dos escritos de Luís da Câmara Cascudo. Foi elaborado através do Programa de Desenvolvimento Educacional (PDE), objetivando contribuir para a superação da superficialidade e do isolamento dos conteúdos no que diz respeito à História e Cultura Afro-brasileira. O projeto, estruturado em formato de Unidade Didática e aplicado através de curso de extensão para professores da Rede Estadual de Ensino do Município de Mandaguaçu – PR, objetivou mostrar que o tema (Congadas) oferece boa oportunidade para o estudo da história, cultura africana e afro-brasileira nos conteúdos escolares. Os resultados do curso de extensão e ainda do Grupo de Trabalho em Rede (GTR) demonstraram que os professores participantes compreenderam que o tema oferece muitas possibilidades de interdisciplinaridade. Motivados, os professores contribuíram, inclusive, com a confecção de indumentárias para futura encenação nas dependências do Colégio.
Palavras chaves: Congadas, interdisciplinaridade, Câmara Cascudo.
Introdução
O presente artigo faz parte do trabalho desenvolvido no Programa de
Desenvolvimento Educacional (PDE) realizado durante os anos de 2013 e
2014, e traz a descrição e resultados da implementação do projeto de
intervenção pedagógica, intitulado Congadas, Congados, Congo – Uma
proposta interdisciplinar para o ensino médio a partir dos escritos de Luís da
Câmara Cascudo. A ideia do projeto surgiu a partir da necessidade de inserir
nos conteúdos escolares estudos acerca da cultura Afro-brasileira de forma
interdisciplinar, buscando uma educação que, segundo as Diretrizes
Curriculares, atenda de forma igual aos sujeitos, seja qual for sua condição
social, econômica e seu pertencimento étnico e cultural.
O tema Congadas foi escolhido por ser uma manifestação cultural, com
origem no Brasil Colônia, presente até hoje em várias regiões do Brasil e,
infelizmente, desconhecida de grande parte dos alunos e professores do
Estado do Paraná. A inserção do tema nos conteúdos escolares pode contribuir
para o não esquecimento da participação de negros e mestiços no processo de
formação da cultura brasileira, evitando a manutenção da ideia de que existe
uma única herança branca e eurocêntrica.
O folclorista Luís da Câmara Cascudo (1898-1986) contribui
imensamente para o mapeamento do folclore, das lendas e manifestações
culturais brasileiras. Importante figura do pensamento intelectual brasileiro, é
sempre difícil apresentá-lo sem cair em reducionismos. No centenário de seu
nascimento, o site biográfico “Memória Viva” destacou importantes aspectos da
vida de Cascudo que permitem pensá-lo como um sujeito histórico complexo e
de atuação diversa. A trajetória de cascudo perpassaria, assim, a de “um
brasileiro feliz” a “um provinciano incurável”.
Segundo o jornalista, professor universitário e membro da Academia
Norte-Riograndense de Letras, Vicente Serejo (1998), Luís da Câmara
Cascudo era filho único do comerciante e coronel da Guarda Nacional
Francisco Justino de Oliveira Cascudo e da dona-de-casa Anna Maria da
Câmara Cascudo. Nasceu em Natal, a 30 de dezembro de 1898, onde viveu 88
anos até a tarde do dia 30 de julho de 1986. Sua trajetória de vida explicaria o
interesse pelo Brasil. Vivendo, no verão, os dias na beira do mar, entre barcos
e pescadores e, no inverno, passando os dias no sertão ouvindo vaqueiros e
cantadores, Cascudo teria sedimentado a cultura descobridora de homem
brasileiro.
Chegou a cursar os primeiros anos de Medicina na Bahia e no Rio de
Janeiro, mas formou-se Bacharel em Direito na faculdade de Direito do Recife,
onde teve contato com os discursos de Joaquim Nabuco, Tobias Monteiro e
Castro Alves. Foi também jornalista, tendo atuado no jornal A Imprensa,
organizado por seu pai. Seu primeiro livro, Alma Patrícia, foi publicado em
1921, reunindo pequenos estudos sobre poetas e prosadores na Natal de seu
tempo (SEREJO, 1998).
Em sintonia com os modernistas do Recife e de São Paulo, Luís da
Câmara Cascudo se interessa pelo homem comum nas suas crenças e
costumes, seus cantos e suas danças, suas músicas e suas técnicas, sua vida
e sua morte. Em 1939, lança Vaqueiros e Cantadores e seu nome se coloca, a
partir de então, como uma referência no estudo do saber do povo. A partir
disto, funda a Sociedade Brasileira de Folclore. Propõe uma teoria para a
Cultura popular. Ergue com erudição um conceito brasileiro para a Literatura
Oral. Viaja para beber nas fontes africanas o vinho arcaico de nossas raízes
(SEREJO, 1998).
Com mais de uma centena de títulos, entre livros, traduções,
opúsculos e artigos publicados no Brasil e em vários países, podemos
destacar: Dicionário do Folclore Brasileiro; Civilização e Cultura; História da
Alimentação no Brasil; Jangada e Rede de Dormir. Nesse sentido, são
relevantes as expressões de Serejo (1998), que o define como antropólogo das
superstições; etnólogo dos costumes; sociólogo do açúcar e historiador dos
gestos; comparando a obra de Cascudo, ao mesmo tempo, a um continente e a
uma ilha.
É ainda descrito, pelo autor de Câmara Cascudo, um brasileiro feliz,
como um homem de bom humor, simpático e de extraordinárias virtudes
humanas (LIMA, 1998). Em concordância, Sanderson Negreiros (1998)
jornalista, poeta e membro da Academia Norte-Riograndense de Letras,
destacou três aspectos que pouco se enfatizou na obra de Cascudo e que
poderiam render temas de estudo. São eles: o poder de sugestão lírica,
presente em grande parte do que escreveu; o epistológrafo, pois foi o diuturno
escrevente de cartas. Foram mais de 40 cartas de Mário de Andrade, além de
Monteiro Lobato. O maior número de cartas (a história de uma bela e humana
amizade) foi dirigido a Nilo Pereira, o Barão do Guaporé - quase cinquenta
anos de confidências e anotações à margem de duas vidas riquíssimas
(NEGREIROS, 1988).
Exposta a importância de Câmara Cascudo para o estudo da cultura
brasileira, nossa proposta consiste no estudo das Congadas, enquanto uma
manifestação cultural, a partir das descrições presentes em duas de suas
obras: Antologia do folclore brasileiro (2003); e Dicionário do folclore brasileiro
(1999).
Revisão da literatura
Dentre os estudos produzidos sobre as Congadas no Brasil, podemos
destacar a obra Reis Negros no Brasil escravista: história da festa de coroação
de rei Congo, de Marina de Mello Souza (2002), cujo interesse em estudar as
Congadas consistiu em perceber como se organizaram no Brasil estas
manifestações vindas de outros locais.
Achei que seria importante entender que relações sociais e simbólicas estariam nelas projetadas; que mecanismos levaram à sua aceitação, mesmo parcial, ou à sua repressão; quais os diferentes poderes de barganha dessas comunidades de negros e mestiços, que algumas vezes conseguiam manter espaços para suas manifestações culturais e outras não (SOUZA, 2002, p.17).
As leituras levaram Souza (2002) a enxergar a coroação de rei de Congo
no Brasil, principalmente as do século XIX, como uma festa que a cada ano
rememorava um mito fundador de uma comunidade católica negra, na qual a
África ancestral era invocada em sua versão cristianizada, representada pelo
reino do Congo. Produto do encontro de culturas africanas e da cultura ibérica,
a festa incorporou elementos de ambas em uma nova formação cultural, na
qual os símbolos ganharam novos sentidos (SOUZA, 2002, p.18-19).
Ao tratar dos espaços de contribuição de identidades e de expressão de
poderes das Congadas, Souza (2002) relata que as congadas tem origem no
âmbito das irmandades, em que as comunidades negras durante a festa
assumiram formas europeias de organização, para manifestar seus valores
culturais com vários elementos africanos. Para Souza (2002), "essas eleições
de reis expressavam determinados valores e concepções de mundo por meio
de rituais realizados e dos símbolos utilizados" (p.19).
Atentando à importância das irmandades, José Pereira de Souza Junior
(2009), em “Irmandades religiosas de espaço e disputas políticas na Paraíba
oitocentista” indica que,
Essas associações, além de atividades religiosas que se manifestavam na organização de procissões, festas, coroação de reis e rainhas, também exerciam atribuições de caráter social, como: ajuda aos necessitados, assistência aos doentes, visita aos prisioneiros, concessão de dotes, proteção contra os maus-tratos de seus senhores e ajuda para comprar ou negociar a carta de alforria.
No entanto, uma das atribuições mais lembradas nos capítulos dos estatutos ou compromissos de irmandades refere-se à garantia de um enterro para os escravos, frequentemente abandonados por seus senhores nas portas das igrejas ou nas praias para que fossem levados pela maré da tarde. (p.3).
Compartilho da ideia de José Pereira de Souza Junior (2009, p. 4-5),
quando destaca que as festas promovidas pelas irmandades, além de serem
uma manifestação cultural, podem ser entendidas como um momento de
alegria, de transgressão à ordem, oportunidade para questionar a ordem
vigente e afirmar seus valores culturais e religiosos. A festa representava para
os negros instantes de esquecer ou contrariar os conformismos sociais. Este
caráter de ruptura em relação à vida ordinária em que vivia, mostra como a
festa rompe com a ordem social estabelecida.
A dissertação de mestrado Festa ou Devoção? Heranças imateriais da
Congada em diferentes regiões do Brasil, de Carolina Cartelli da Silva (2012),
também traz importantes reflexões para o estudo da temática, buscando
investigar como se apropriaram dessa manifestação diferentes grupos que
mantém essa prática social e refletir sobre a importância do desenvolvimento
de políticas destinadas ao patrimônio imaterial no Brasil. Souza (2012) explica
que as congadas tem por objetico principal louvar seus santos protetores, os
"santos dos pretos", como São Benedito, Santa Ifigênia e Nossa Senhora do
Rosário. Para compreender porque esses santos se tornaram protetores do
povo africano na América portuguesa, é interessante a explicação de Paulo
Henrique Silva Pacheco, ao mencionar Nossa Senhora do Rosário:
“Desde 1450, cerca de 800 escravos foram enviados anualmente a Portugal e, até 1500, cerca de 150 mil foram comercializados pelos portugueses através do Atlântico. A partir de então a Igreja passou a cumprir o papel de integrar esses escravos em uma nova sociedade católica e branca, utilizando as irmandades como principal instrumento para introduzi-los ao catolicismo. A devoção à Nossa Senhora do Rosário foi então utilizada pelos dominicanos para inserir os negros nesse novo universo cultural. Nesse novo universo cultural, um dos fatores que contribuíram para maior adesão dos negros foi o rosário, que segundo José Ramos Tinhorão, remetia à idéia do “rosário de Ifa”, associando-os aos antigos minkisi, objeto mágico da cultura africana que promovia cura aos necessitados, composto por pequenas peças irregulares que lembravam rosas, feitas de uma palmeira chamada Okpê-Lifa” (PACHECO, s/d, p.8)
Segundo Silva (2012), foi a partir da segunda metade do século XX, que
as pesquisas no campo das ciências sociais tiveram um estudo mais
significativo a respeito do tema congadas, privilegiando o papel do negro na
construção da sociedade brasileira, passando a ser um instrumento para o
conhecimento de comportamentos e significados dessa cultura. Ressalta,
ainda, que anteriormente o tema congada era tratado por antropólogos e
folcloristas, mas a partir de 1990 essas manifestações passaram a ser de
interesse, também, dos historiadores.
Metodologia
Considerando a proposta de um estudo das Congadas, enquanto
manifestação cultural, a partir das descrições presentes nas obras Antologia do
folclore brasileiro (2003) e Dicionário do folclore brasileiro (1999), seguiu-se a
seguinte trajetória: num primeiro momento, estruturou-se o projeto “Congadas -
uma proposta interdisciplinar para o ensino médio” com o objetivo central de
inserir o tema nos conteúdos escolares, de forma interdisciplinar, iniciando um
diálogo entre Língua Portuguesa, História e Arte, e, posteriormente, quando
elaborada a Unidade Didática, um diálogo entre as disciplinas de História,
Geografia, Arte e Sociologia.
Os objetivos específicos, elencados na Produção Didática Pedagógica,
foram: aprimorar a capacidade crítica e reflexiva dos professores em relação à
contribuição da cultura Afro-brasileira na formação do povo brasileiro; propiciar
um estudo acerca de Câmara Cascudo e sua contribuição para o mapeamento
do folclore, das lendas e manifestações culturais brasileiras; compreender,
como híbrida, a manifestação cultural Congada, propondo a leitura de textos do
historiador Peter Burke acerca do hibridismo cultural; proporcionar contato com
documentários para marcar a importância do legado cultural africano no Brasil;
compreender os diversos significados incorporados na Congada, através da
confecção de indumentárias características dessa manifestação cultural.
O curso de extensão foi desenvolvido no Colégio Estadual Parigot de
Souza – Ensino Fundamental, Médio e Profissional de Mandaguaçu – Paraná,
com professores da Rede Estadual de Ensino do Município. O curso foi
realizado em oito encontros com duração de quatro horas por encontro,
totalizando trinta e duas horas de curso, com emissão de certificados pela
Universidade Estadual de Maringá - UEM.
Luís da Câmara Cascudo foi o tema do primeiro encontro. A
apresentação do folclorista foi realizada pela leitura do item 1 da produção
didático- pedagógica, que tem como título "Luís da Câmara Cascudo"; exibição
do vídeo produzido por Tela Brasil; e da explanação da professora ministrante.
Constatou-se grande interesse dos professores pelo autor. Alguns relataram a
utilização, no futuro, de suas obras na elaboração do plano de trabalho
docente. O mesmo interesse demonstraram os professores que participaram
do GTR. Esse grupo contribuiu com reflexões acerca da cultura afro-brasileira
através de postagens no fórum e no diário. A maioria dos professores se
mostrou preocupada com a ausência de materiais para consulta sobre a cultura
afro-brasileira. Gostaram muito da apresentação sobre Câmara Cascudo,
elaborada na produção didático-pedagógica, e constataram que suas obras são
de imenso valor para a cultura brasileira.
O segundo encontro do curso de extensão objetivou compreender os
elementos formadores das Congadas, segundo o Dicionário do Folclore
Brasileiro (1999). Foram realizadas a leitura e discussão do item 2 da produção
didático-pedagógica, intitulado: “Congadas, Congados, Congos”, com a
utilização da transcrição literal do Dicionário do Folclore Brasileiro, de Câmara
Cascudo, que define a manifestação cultural aqui trabalhada.
Autos populares brasileiros de motivação africana, presentes no Norte, Centro e Sul do país. Os elementos formadores foram: A) Coroação dos Reis de Congo; B) préstitos e embaixadas: C) reminiscência da Rainha Njinga Nbandi, Rainha de Angola, falecida a 17 de dezembro de 1663, famosa Rainha Ginga, defensora da autonomia do seu reinado contra os portugueses, batendo-se constantemente com os sobados vizinhos, inclusive o de Cariongo, circunscrição de Luanda. No Congos do Rio Grande do Norte, o rei é Henrique, rei cariongo, transformado em rei de Congo, noutas paragens. Especificamente, como vemos e lemos no Brasil, nunca esses autos existiram no território africano. É trabalho da escravaria já nacional com material negro, tal qual ocorre o fandango, dança em Espanha e Portugal e auto no Brasil, ao derredor da xácara da “Nau Catarineta”. (CASCUDO, 1999, p.298).
Foram disponibilizadas, para os professores, cópias de fragmentos de
textos de Câmara Cascudo, referentes às Congadas, extraídos da obra
"Dicionário do Folclore Brasileiro". Após a leitura, os professores, em equipe,
preencheram um organograma baseado em informações retiradas dos textos.
Ao final do encontro, houve explanação e discussão acerca dos vários
elementos presentes nas congadas: a função das irmandades negras no
período colonial; o sincretismo religioso presente nos “santos dos pretos”
(Nossa senhora do Rosário, Santa Efigênia e São Benedito), entre outros
elementos. Nesse encontro, o principal objetivo foi oferecer elementos que
poderão ser utilizados pelos professores em sala de aula.
O terceiro encontro do curso de extensão teve como objetivo analisar as
manifestações atuais de Congada, esclarecendo que as Congadas são práticas
históricas e se transformam. Para tanto, foi exibido o documentário “Congada
em Ilhabela”, de Martins Ramos (2005). Ainda, foram realizadas a leitura,
discussão e reflexão acerca da relação entre festas e identidade nacional,
sociabilidade, tempo e memória, com base na dissertação de mestrado
“Festejando São Benedito - a Congada em Ilhabela, Recurso Cultural
Brasileiro”, de Maria Cristina Caponero (2009), possibilitando, assim, o diálogo
interdisciplinar entre História e Sociologia. Ressaltou-se que as festas também
são usadas para acalmar e desviar o foco, funcionando como uma válvula de
escape para as tensões sociais. Essa reflexão resultou em ótimo debate entre
os participantes, sobre festas e espetáculos na atualidade.
Para o quarto e quinto encontros, a proposta de diálogo interdisciplinar
ocorreu entre História e Arte, identificando na descrição feita nas obras de
Câmara Cascudo - Dicionário do Folclore Brasileiro (1999) e Antologia do
Folclore Brasileiro (2003) - diferentes momentos que compõem a manifestação
cultural Congada, a fim de perceber a importância estética dos ritos, a
teatralidade, a representação das cores, das danças, dos gestos e posturas
que reatualizam uma prática mítica antiga da origem das coisas. Atentando à
eleição e coroação do Rei Congo, temos a seguinte descrição:
Cada um dos primeiros trazia na cabeça uma coroa de papel colorido e dourado. O Rei estava vestido com uma velha roupa de cores diversas, vermelho, verde e amarelo, manto, jaleco e calções. Trazia na mão um cetro de madeira, lindamente dourado. A rainha envergava-se com um vestido de seda azul, da moda antiga. (CASCUDO, 2003.p.73).
Sobre a eleição de um Rei de Congo em Sabará, Cascudo (2003) traz
as descrições do viajante Francis de la porte de Castelnau, associando-a a
uma grande festa de negros, realizada anualmente.
A cena era muito curiosa, misturando singularmente as reminiscências da costa africana com os costumes brasileiros e cerimônias religiosas, A princípio, o rei de Congo, em companhia de sua metade, vem ocupar uma das cadeiras postas de antemão para uso da corte. Ambos estão magnificamente vestidos, trazem coroas de prata maciça e cetros dourados. Um grande guarda-chuva os garante da influência da lua , que vem nascendo. Coisa digna de reparo, o rei traz uma máscara preta, como se tivesse receio de que a permanência no país lhe tivesse desbotado a cor natural. A corte, em cujos trajes se misturam todas as cores o os enfeites mais extravagantes, senta-se de cada lado do casal de reis; vem depois de uma infinidade de outros personagens, os mais consideráveis dos quais eram sem dúvidas grandes capitães, guerreiros, famosos ou embaixadores de potências longínquas, todos paramentados à moda do selvagem do Brasil, com grandes topetes de penas, sabres de cavalaria ao lado, e escudo no braço. (CASCUDO, 2003, p.110).
Por meio da descrição, é possível identificar como as características de
diferentes nações se hibridizam, criando uma manifestação cultural brasileira.
Do resultado desses encontros os professores confeccionaram algumas
indumentárias características das congadas, para uma futura encenação com a
participação dos alunos nas dependências do colégio.
No sexto encontro, os professores se dividiram em cinco equipes para a
discussão do livro “Hibridismo Cultural”, de Peter Burke (2003). Cada equipe
ficou responsável pela apresentação de uma das cinco partes do livro:
Variedades de objetos; Variedades de Terminologias; Variedades de situações;
Variedades de reações; Variedades de resultados. Para fundamentar a análise
do hibridismo cultural que perpassa as Congadas, é indispensável a discussão
de Peter Burke(2003). Segundo Burke, “em nosso mundo, nenhuma cultura é
uma ilha. Na verdade, já há muito tempo que a maioria das culturas deixaram
de ser ilhas”. (2003, p.101). O autor oferece uma visão panorâmica de um
território imenso, variado e disputado: a cultura. Busca ainda avaliar o atual
debate sobre a globalização, a partir de uma perspectiva histórica.
No sétimo encontro, foi apresentado o texto de Nina Rodrigues, médico
e antropólogo brasileiro, Africanos no Brasil. Utilizou-se o primeiro capítulo da
obra “Procedência africana dos negros”, em que o autor faz valioso
levantamento da origem dos africanos no Brasil. O item "dialogando com a
geografia" da produção didático-pedagógica retrata etnias africanas que aqui
chegaram como escravizados. Para investigar a origem dessa população, é
necessário analisar as rotas de tráfico de escravos. Os estudos apontam para
três regiões: Costa ocidental (costa da Mina, sobretudo); África Ocidental
(Angola-Congo); Costa Oriental (Moçambique).
No oitavo e último encontro, foi exibido o documentário “Atlântico Negro -
Na Rota dos Orixás”, a fim de observar como o processo retorna para a África
(hibridismo). O documentário apresenta de uma maneira simples a importante
contribuição dos escravos trazidos da África na formação da cultura brasileira.
Relata que, apesar do sofrimento, os escravos manifestaram em terras
brasileiras seus costumes, crenças, ritmos e culinária, os quais foram
incorporados à vida do povo brasileiro. Exibido o documentário, os alunos
constataram o quanto ainda temos que aprender sobre a história e cultura
africana tão presente na cultura brasileira. Destacaram também a importância
da cultura africana como uma das culturas mais antigas e enriquecedoras da
trajetória humana. E, por fim, apresentaram as indumentárias características
das congadas, confeccionadas por eles.
Resultados e discussões
Estudar as Congadas enquanto uma manifestação cultural afro-brasileira
e propor um diálogo entre as disciplinas de História, Geografia, Sociologia e
Arte no ensino médio, a partir dos escritos de Luís da Câmara Cascudo,
pressupõe compreendê-la enquanto uma prática cultural híbrida. Nesse
sentido, foi importante aporte teórico à nossa reflexão a obra Hibridismo
Cultural, de Peter Burke (2003).
Em relação ao processo de hibridização, Peter Burke (2003) restringe
suas análises a tendências culturais, não necessariamente econômicas, sociais
ou políticas. Para debater sobre a hibridização cultural, Burke, como já
mencionado, divide esse ensaio em cinco partes: Variedades de objetos que
são hibridizados, a variedade de teorias, a variedade de situações, a
variedades de reações e itens culturais não familiares e a variedade de
resultados.
Sobre a variedade dos objetos, Burke (2003) apresenta três tipos de
hibridismo que, segundo ele, envolvem respectivamente artefatos, práticas e
povos. Sobre artefatos híbridos, apresenta exemplos na arquitetura,
mencionando, entre outros, a Catedral da Armênia, construída no século XIV,
com a contratação de arquiteto italiano. Segundo Burke, foi criado um estilo
hibrido de arquitetura em que combinavam elementos de suas diferentes
tradições. Referindo-se à hibridização das imagens, Burke ressalta que mesmo
consciente ou inconscientemente, os artistas locais modificavam o que
copiavam. A esse respeito, ele distingue duas questões importantes: os
estereótipos ou esquemas culturais na interpretação do mundo e a importância
das “afinidades” ou “convergências” entre imagens oriundas de diferentes
tradições. Já a prática hibrida poderia ser identificada na religião, na música, na
linguagem, no esporte, nas festividades e alhures.
Partindo destas reflexões para pensar as Congadas e a cultura afro-
brasileira, é inegável a presença africana na formação da cultura brasileira nos
hábitos e nos costumes. As congadas reúnem elementos africanos e europeus
e convergem para formação de características identitárias brasileiras. Para
Burke (2003), os povos de diferentes culturas são cruciais em todos esses
processos de hibridização, a exemplo dos anglo-irlandeses, dos anglo-indianos
e dos afro-americanos. Sem esquecer os indivíduos híbridos, de mães e pais
originários de culturas diferentes.
Ao tratar da variedade de terminologias, Burke (2003) discute as ideias
de empréstimo, hibridismo, caldeirão cultural, ensopadinho cultural, tradução
cultural e crioulização. O Empréstimo Cultural assumiu, por vezes, um caráter
pejorativo: Euclides da Cunha denunciou a cultura brasileira como "uma cultura
de empréstimo", sugerindo a ausência de características próprias. Porém,
segundo Burke, a partir da metade do século XX o termo foi usado
positivamente pelos historiadores Fernand Braudel, Edward Said e Paul
Ricouer. Um termo mais técnico, explica Burke, é "aculturação" (cunhado em
1880 por antropólogos norte-americanos que trabalhavam com as culturas
indígenas), e que sugere a ideia de uma cultura subordinada adotando
característica de cultura dominante. A expressão "Troca Cultural" substitui hoje
termos mais antigos como "empréstimo". Mas, segundo Burke, essa
substituição "não deve ser entendida como implicando que qualquer movimento
cultural em uma direção está associado a um movimento mais oposto na outra
direção"(p.45).
Para Burke (2003), um conceito tradicional que tem reaparecido é o de
"acomodação", empregado por historiadores que criticavam o conceito de
"aculturação", por sugerir uma mistura deliberada de religião e por implicar em
modificação completa; e o termo sincretismo porque sugere uma mistura
deliberada. Termos alternativos para "acomodação", segundo Burke, são
"dialogo" e "negociação", ambos enfatizando uma visão de baixo para cima.
Burke explica que nos séculos XVI e XVII o processo de acomodação foi
criticado por levar à mistura ou sincretismo.
Segundo Burke (2003), os termos "hibridismo" ou "hibridização",
inicialmente uma metáfora botânica ou racial, foram especialmente populares
nos séculos XIX e XX, tendo surgido a partir de expressões insultuosas como
"vira-latas" ou "bastardo" e dando origem a sinônimos como "fecundação-
cruzada". Hoje, no entanto, o termo "hibridismo" aparece frequentemente em
estudos pós-coloniais, adotando a ideia de que todas as culturas estão
envolvidas entre si e nenhuma delas é única e pura, todas são hibridas e
heterogêneas (BURKE, 2003).
Outras possibilidades, como Tradução Cultural, implicam reconhecer
que há um mecanismo por meio do qual os encontros culturais produzem
formas novas e híbridas. Do mesmo modo, Burke explica que esta famosa
metáfora "caldeirão cultural" foi usada nos Estados Unidos, como título de uma
peça que estreou em Nova York em 1908, que exprimia dramaticamente a
aceitação dos imigrantes como "americanos" (BURKE, 2003).
Ao tratar as variedades de situações, Burke (2003) distingue encontros
de iguais e desiguais, por exemplo entre tradições de apropriação e resistência,
e entre locais de encontro, como a metrópole e a fronteira. No caso da
interação entre o cristianismo e as religiões africanas, Burke descreve a
situação dos escravos nas Américas, que às vezes aparentemente se
adequavam ao cristianismo, ao mesmo tempo em que mantinham suas
crenças tradicionais. Exemplo disso, para o autor, é a tradução de Ogum,
Xangô ou Iemanjá para seus equivalentes católicos, São Miguel, Santa Barbara
ou a Virgem Maria, o que permitiu aos cultos africanos sobreviverem
disfarçados entre escravos do Novo Mundo. Segundo Burke, o que começou
como mecanismo consciente de defesa se desenvolveu com o passar dos
séculos e se transformou em uma religião hibrida (BURKE, 2003). Pensar as
tradições de apropriação envolve reconhecer a cultura como algo mutável e em
constante transformação e que gera, portanto, variedades de reações às
"importações" ou "invasões" culturais. São elas: aceitação, rejeição,
segregação e adaptação.
Pensar as Congadas envolve perceber como em um encontro cultural,
normas, condutas e visões de mundo foram aceitas, rejeitadas, segregadas
e/ou adaptadas. Essa reflexão é sem dúvida necessária quando envolve uma
variedade de reações que atingem o mundo contemporâneo. Quais seriam os
possíveis futuros das culturas no mundo?
A homogeneização cultural e seus partidários, por sua vez, não levam
em conta a criatividade da recepção e a renegociação de significados, a
importância do narcisismo das pequenas diferenças. Por fim, a hibridização
cultural ressalta que as tradições estão sendo sempre construídas e
reconstruídas. Para exemplificar isso, ele apresenta uma análise sobre o
Candomblé feita por Roger Bastide, que explica: "o Candomblé é uma
construção simbólica do espaço africano, uma espécie de compensação
psicológica para os afro-brasileiros pela perda da terra nativa" (Apud. BURKE,
2003, p.102). Porém, Burke explica que "não podemos dizer que as práticas
africanas do candomblé são mais importantes no candomblé do que na
umbanda, mas todas as formas culturais são mais ou menos híbridas"
(BURKE, 2003, p. 102).
Exposto isto, a leitura teórica de Peter Burke para pensar as Congadas
atende a necessidade de inserir nos conteúdos escolares estudos acerca da
cultura Afro-brasileira de forma interdisciplinar. Vejamos de que maneira esta
leitura nos auxilia a pensar os escritos de Câmara Cascudo.
Autos populares brasileiros de motivação africana, representados no Norte, Centro e Sul do país. Os elementos de formação foram: A) Coroação dos Reis de Congo; B) préstitos e embaixadas; C) reminiscências de bailados guerreiros, documentativos de lutas, e a reminiscência da Rainha Njinga Nbandi, Rainha de Angola, falecida a 17 de dezembro de 1663, famosa Rainha Ginga, defensora da autonomia do seu reinado contra os portugueses, batendo-se constantemente com os sobados vizinhos, inclusive o de Cariongo, circunscrição de Luanda. No Congos do Rio Grande do Norte, o rei local é Henrique, rei cariongo, transformado em rei de Congo, noutras paragens. Especificamente, como vemos e lemos no Brasil, nunca esses autos existiram no território africano. É trabalho da escravaria já nacional com material negro, tal qual ocorre com o fandango, dança em Espanha e Portugal e auto no Brasil, ao derredor da xácara da “Nau Catarineta”. (CASCUDO, 1999, p. 298).
A citação acima trata da transcrição literal que Câmara Cascudo traz em
ser Dicionário do Folclore Brasileiro para definir a manifestação cultural aqui
trabalhada, presente na África e recriada no Rio Grande do Norte. Cascudo nos
indica de início os processos de apropriação e ressignificações sofridos pelas
manifestações culturais no Brasil. Mais que isto, como se espalha, se adapta e
se modifica pelas diferentes regiões do país: Rio Grande do Norte, Recife, Rio
Grande do Sul, São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Amazonas, Ceará e
Pernambuco. Em cada um destes estados assume diferentes feições e
significações. Mudam-se os reis a serem coroados, os santos, as irmandades,
a presença da Rainha. Inserem-se elementos culturais: o negro, o caboclo, o
português, o mouro, o cristão etc.
Percebemos em sua descrição a presença de diferentes etnias africanas
(bantos e sudaneses); e a constatação de que a coroação do Rei Congo era
uma forma de controlar os levantes escravos e manter a disciplina e ordem
colonial.
“A) a coroação dos reis de congo, denominação comum que abrangia sudaneses e bantos, já era realizada na igreja de N.Sª do Rosário no Recife, em 1674, N.Sª do Rosário dos Homens Pretos, aparecendo Antonio Carvalho e Ângela Ribeira, sendo rei e rainha de congo (Arquivos, 1º e 2º, 55-56, Diretoria de Documentação e Cultura. Prefeitura de Recife, 1949-1950). As autoridades prestigiavam as solenidades para quietação e disciplina da escravaria, que se rejubilava vendo o seu rei coroado. (CASCUDO, 1999, p. 298).
Além disso, identificamos a importância da festa e dos adereços. A fé
dos escravos hibridizava-se com a instituição da Igreja Católica, tornando-se
uma prática social e uma festividade à parte. A presença dos santos, tão
própria do catolicismo português, associadas à crença e devoção dos
africanos, marcavam toda a festividade.
Em certas ocasiões, a festa alcançava esplendor pelo empréstimo de jóias, adereços e trajes riquíssimos, cedidos pelos amos. Reunidos os escravos e mesmo mestiços e forros, iam buscar o régio casal, processionalmente, levando-o à igreja, onde eram coroados pelo vigário. De ida e de volta o cortejo executava bailados, jogos de agilidade e simulação guerreira, cheque de armas brancas, dança de espadas, a danse dês Matassins, tão vulgarizada no mundo, especialmente nos sécs. XVI e XVII e já velha na Roma Imperial. N.Sª do Rosário, padroeira dos Pretos, sofreu a concorrência de S. Benedito e Santa Ifigênia, também pretos, e também Santo Antônio Preto (ver). A imagem de N. Sª do Rosário era, às vezes, pintada de negro, num solidarismo racial instintivo. Johann Emanuel Pohl assistiu à festa de S. Ifigênia, em Traíras, Goiás, 1819, com espetacular magnificência (ver Ifigênia). As Irmandades de Nossa Senhora do Rosário ajudavam, tenazmente, essas coroações, que as enalteciam. Regressando às sedes, casas alugadas ou cedidas, havia baile, comida farta, bebida, alegria estridente.(CASCUDO, 1999, p. 298-299).
A presença das irmandades também marca toda esta manifestação
cultural, associados principalmente à figura das embaixadas. Recria-se e
retomam-se figuras e características históricas: mouros, índios, negros, rei
Congo, todos passam a fazer parte de um mesmo e novo universal simbólico e
cultural.
Detectamos ainda a presença das danças guerreiras e a figura da
Rainha Ginga, presente apenas em algumas localidades. É visível a
preocupação de Cascudo em recorrer a arquivos, escritos de viajantes e
naturalistas como Martius que coletaram informações sobre a cultura brasileira.
Percebe-se na citação abaixo, como a Congada une elementos das mais
diversas culturas.
C) Ciclo da rainha Ginga e dos autos guerreiros. Em junho de 1818, no Tijuco (Diamantina, Minhas Gerais), Von Martus presenciou a festa do Rei Congo e Rainha Ginga. Coroação préstito, visitando as pessoas gradas. O Reinado do Congos de 1760 na Bahia, a deduzir-se pelo título, devia ter sido préstito com alguns bailados. O Reinado democratizou-se em Reisado(ver). As danças guerreiras nasceram de reconstituições sintéticas, comemorativas de campanhas felizes. A dança era uma homenagem votiva, bailando-se aos deuses e aos soberanos. Todos os antigos autos e danças dramáticas tinham o sentido oblacional e, quando ocorria um préstito, iniciava-se diante das igrejas ou Catedrais, dançando-se nos adros ou mesmo no interior dos templos, como ainda bailam gravemente os Gigantones ante o altar-mor do Apóstolo de Espanha, em Santiago de Compostela, ou os seises na Capilla-Mayor de Sevilha ou as “Calendas” em Vila do Conde. Congadas, Congados, Congos e autos semelhantes vinham à porta da matriz, incluídos nas devoções populares do ciclo de Natal. No Brasil o elemento indígena convergiu, num ou noutro lugar, para os Congos (ver Cucumbi, Boi-Bumbá, Quilombos, Maracatu, Ticumbi). (CASCUDO, 1999, p. 300).
Justamente por conta da diversidade cultural, o próprio Câmara Cascudo
já percebia a dificuldade em tratar as Congadas como uma manifestação
cultural estanque e/ou congelada em tempo e espaço. Neste sentido,
encontramos em seu texto indicações das variações que as Congadas
sofreram nas diferentes regiões do Brasil.
Da Bahia ao Amazonas, os autos e danças dramáticas não tem figuras femininas e nas áreas tradicionais de sua representação, da Bahia ao Ceará, a Rainha Ginga não comparece, e sim um seu Embaixador. Em Minas Gerais e Rio Grande do Sul, em préstitos, está a Rainha Ginga, silenciosa e desfilando, soberba, ao lado do Rei de Congo, seu impossível esposo, pois, historicamente, foi inimigo tenaz e tantas vezes derrotado. No Rio Grande do Norte, onde os Congos são vivos há quase século e meio, o embaixador, desatendido pelo Rei de Congo (Henrique Rei Cariongo), entra em peleja, mata o Príncipe Sueno e leva o próprio Rei prisioneiro. Não há ressureição e nenhum papel feminino, embora, à volta de 1956, apareça uma muda Rainha Ginga que nada tem que dizer e limita-se a balancear o corpo nos bailados (cidade de Natal e fotos que ilustram o Danças no Brasil, de Felicitas). Na versão baiana de Melo Morais Filho é um caboclo(indígena) o matador do Príncipe, que volta a viver, e há luta entre os dois partidos. Na variante pernambucana de Pereira da Costa o auto finaliza em festas e pazes. Em Atibaia, S. Paulo, (informação do Sr. João Batista Candi) não há morte do Príncipe e intervenção do feiticeiro, e sim uma guerra entre o Rei e
um General invasor, vencido e batizado, lembrando as cheganças ou Cristãos e Mouros (ver). Em Goiás, o Congado é uma embaixada da Princesa Miguela ao Rei seu primo que recebe belicosamente o emissário e, depois de breves escaramuças, o proclama Duque e Mirante-Mor (CASCUDO, 1999, p.300).
Expostas as questões iniciais acerca de nosso objeto de estudos (as
Congadas, enquanto uma manifestação cultural a partir dos escritos de
Câmara Cascudo), e também o diálogo interdisciplinar, podemos agora passar
para as nossas considerações finais.
Considerações finais
O principal vício que ameaça o conhecimento é a simplificação
determinista/redutora, para a qual o conhecimento é um produto trivial de uma
máquina social trivial. Toda a explicação que reduza o conhecimento ou ideia
aos determinismos de uma única disciplina torna o conhecimento inexplicável;
sua verdade é suicida, pois mata a ideia de verdade (MORIN, 2005).
Compartilhar deste entendimento proposto por Edgar Morin, não significa de,
modo algum, atentar contra os determinismos sociais-culturais-históricos. Ao
contrário, significa dizer que a sociedade não poderia, tampouco o indivíduo,
ser considerada como uma máquina trivial (mecanicamente determinista),
embora imponha as suas limitações e determinações aos indivíduos, e ainda
que estes se submetam e obedeça na maior parte dos casos. (MORIN, 2005).
Nesse sentido, ao pensar, a partir de Luís da Câmara Cascudo, as
congadas como uma cultura híbrida, obteve-se paralelamente uma proposta de
abordagem interdisciplinar. Isto porque é comum, no ambiente escolar, os
alunos identificarem a África como um só país, e com uma só cultura, não
tendo conhecimento de que o imenso continente africano é considerado o
berço da humanidade e por isso possui uma história longa e diversificada. A
falta de conhecimento sobre a África, por grande parte dos alunos e
professores, é um problema a ser resolvido, a fim de que possamos superar o
equivoco das generalizações e estereótipos quando o assunto é História da
África.
Trabalhar a geografia do continente africano, paralelo a heterogeneidade
da cultura, permitiu tratar da heterogeneidade artística, expondo como as
características de diferentes nações se hibridizam criando uma manifestação
cultural brasileira.
Nesta balbúrdia, confundem-se danças nacionais de diálogos entre pessoas, entre estas e o rei, ou entre o rei e a rainha, combates simulados e toda espécie de cambalhotas dignas dos macacos mais exercitados. A coisa mais divertida era porém um preto mascarado de branco, e vestido com farda vermelha do soldado inglês; trazia um violão e era acompanhado por uma orquestra, por assim dizer, nacional. (CASCUDO, 2003.p. 110).
Do ponto de vista sociológico, pensar como a prática estudada por
Cascudo persiste na sociedade atual, em diferentes lugares do país, permite
relacionar festas e identidade nacional, sociabilidade, tempo e memória.
O diálogo interdisciplinar é sempre salutar para o conhecimento científico
que é também um conhecimento humano. Enquanto historiadores que somos,
todavia, é necessário compreender que este diálogo deve ser utilizado de
modo a compreender a historicidade das manifestações culturais no Brasil.
Atentando ao caso das Congadas, Francisco Firmino Sales Neto (2009), em
sua dissertação de mestrado “Luís da Câmara Cascudo: o autor da cidade e o
espaço como autoria”, indica:
Como nos informam seus biógrafos, Luís da Câmara Cascudo nasceu na cidade de Natal, em 30 de dezembro de 1898, e faleceu na mesma cidade em 30 de julho de 1986. Na qualidade de escritor polígrafo, ele publicou incontáveis livros e artigos nas áreas de história, do folclore, da etnografia, da crítica literária, do jornalismo, da biografia etc.² Como folclorista alcançou reconhecimento internacional ou, nos termos do presidente do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte, Enélio Lima Petrovich, como folclorista Câmara Cascudo projetou Natal no mundo (p.14).
Cascudo, ao tratar das Congadas ou Congos, as descreve como “Autos
populares brasileiros”, e conforme seu Dicionário do folclore brasileiro(1999), o
termo “autos” é descrito por ele como:
Forma teatral de enredo popular, com bailados e cantos, tratando de assunto religioso ou profano, representada no ciclo das festas do Natal (dezembro-janeiro). Lapinhas, pastoris, fandango ou marujada, cheganças ou chegança de mouros, bumba-meu-boi, boi, boi de calenba, boi de Reis, congada ou congos, etc.etc. (p.115)
Conclui-se, portanto, que as Congadas só podem ser entendidas como
uma manifestação cultural híbrida, produto de uma realidade histórica do
universo simbólico brasileiro. É preciso destacar, ainda, a importância dos
textos de Luís da Câmara Cascudo para o conhecimento histórico, artístico,
antropológico e geográfico desta manifestação cultural que perpassa a história
do Brasil. A partir de seus textos, foi possível um estudo mais aprofundado
sobre o tema cultura afro-brasileira, tão carente de materiais para consulta,
contribuíndo para o diálogo interdisciplinar proposto.
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