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OS DIREITOS HUMANOS DA TRIBUTAÇÃO: AS IMUNIDADES FISCAIS NUMA ANÁLISE DOUTRINÁRIA E JURISPRUDENCIAL Josiane de Campos Silva Giacovoni* SUMÁRIO
1. Introdução 2. Os direitos humanos e a Constituição Federal de 1988 3. Natureza jurídica e fundamento das imunidades tributárias 4. As conseqüências: as imunidades são cláusulas eternas? 5. Análise da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. 6. Conclusões 7. Referências Bibliográficas
SUMMARY 1. Introduction 2. The humans rights and the Federal Constitution of 1988 3. Juridical nature and basis of tributaries immunities 4. The consequences: the tributaries immunities are eternal clauses? 5. Analysis of jurisprudence of Federal Tribunal Supreme 6. Conclusions 7. Bibliographies references. RESUMO Este trabalho estuda os direitos humanos do cidadão-contribuinte analisando as imunidades tributárias na interpretação doutrinária e jurisprudencial, justamente apurando seu fundamento, natureza jurídica e os reflexos destes na sua inclusão ou não entre as cláusulas eternas da Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 1988, com análise detida de dois grandes momentos em que o Supremo Tribunal Federal manifestou-se sobre estas questões: julgamento da ADIN 939-7, do RE 372.600-5 e AR 1997.01.00.013399-6/DF. ABSTRACT This article studies the humans rights of citizen-contributor examining the tributaries immunities in jurisprudence and doctrine, verifying their basis, juridical nature and the reflex of these in their inclusion or no on eternal clauses of Constitution of Federative Republic of Brazil, promulgated in 1988, with analysis careful of two important moments in it the Federal Tribunal Supreme manifested about this questions: judgment of ADIN 939-7, RE 372.600-5 and AR 1997.01.00.013399-6/DF. PALAVRAS-CHAVE Direitos – humanos – imunidades – Constituição – eternidade - jurisprudência – segurança jurídica WORDS KEY Rights – humans – immunities – Constitution – eternity – jurisprudence – juridical security
* Especialista em Direito Empresarial pela Instituição Toledo de Ensino – ITE - de Bauru/SP e professora de Direito Tributário desta Instituição. Telefones: (14) 3222-4942/9728-7187. E-mail: [email protected]. Trabalho desenvolvido ao Núcleo de Pesquisa Docente da mesma Instituição de Ensino sob a coordenação da Professora Doutora Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka na pesquisa científica 2004/2005 denominada Novo direito, novos juízes: a evolução do Direito e a metamorfose do Judiciário. Orientação material: Professora Doutora Maria de Fátima Ribeiro.
1. INTRODUÇÃO
Os direitos humanos sempre se fizeram presentes, ora despontando submersos em
meio a desrespeitos, ora emersos em clamores sufocados por períodos de desacatos, outrora
despontando como a bola da vez, presente em todas as mesas de discussões dos muitos ramos
da ciência, desde o Direito das Gentes até a Medicina e a Engenharia das Gentes ..., como
escopo primeiro da humanidade.
A dificuldade de isolar os direitos humanos, porém, também é histórica de sorte que
se fala muito neles e pouco se define sobre a necessidade ou não de constarem das Cartas
Constitucionais; se estas os constituem ou os declaram; quais são eles; se variam ou não de
um Estado soberano a outro; quando passam a ter validade erga omnes e podem ser
reclamados perante o Estado, além de outros tantos questionamentos.
Uma das únicas certezas que se tem, por exemplo no Brasil, é que os direitos e
garantias individuais, espécies de direitos fundamentais de primeira geração, estão protegidos
pela eternidade das suas cláusulas, disposta no artigo 60, parágrafo 4º da Constituição de
1988.
Mas quais são os direitos e garantias eternos aos cidadãos-contribuintes?
A resposta à questão proposta envolve dificuldade tal que vai desde a catalogação de
algum direito como direito humano, ou seja, não se consegue resposta unívoca sobre quais são
os direitos do homem em face do Estado. Por conseguinte, a dificuldade aflige aqueles que
tentam fazer o caminho inverso para responder se algum direito é direito humano.
As imunidades tributárias, assunto do presente estudo, são uma das figuras jurídicas
que se tenta catalogar como direito humano, em relação a qual permanece um sem número de
teses jurídicas que apontam para todos os lados, por vezes incluindo-as como tal e por
conseguinte como cláusula pétrea, e por outras vezes afirmando-as cláusulas políticas,
modificáveis conforme a vontade do representante do povo, portanto.
Neste meio hesitante é que se dá a atuação do Supremo Tribunal Federal quando
questionado sobre a revogação de alguma imunidade. Em pelo menos duas atuações históricas
sobre o tema, as quais serão analisadas oportunamente, o Supremo não aclarou seu
posicionamento, alimentando a insegurança jurídica respectiva.
Diante deste quadro, há clamores apontando à necessidade de redefinição dos
direitos humanos a fim de que não reste este poderoso significante sem significado algum,
vulnerável a negativas judiciais e extrajudicias quando reclamados entre pessoas físicas,
jurídicas, contra o Estado na sua função legislativa, ... Ainda, os clamores são para que não se
perpetue a instabilidade e a injustiça, valores jamais buscados na formação de qualquer
Estado, e principalmente, dos Estados Sociais de Direito.
Os direitos humanos devem ser a razão de existir dos Estados, seu escopo e ao
mesmo tempo timoneiro. Que os Estados existam, então, em função dos direitos humanos,
para salvaguardá-los e buscá-los em relação a cada matéria, tempo e espaço.
No presente trabalho, o que se pretende é exatamente descobrir as linhas da
problemática que envolve as imunidades, de sorte a levantar questões à necessária segurança
jurídica necessária ao estreitamento de laços entre povos soberanos.
Destarte, no campo da tributação a insegurança jurídica só faz impedir ou
procrastinar qualquer aproximação que se pretenda entre Estados soberanos, deixando aquele
que não a refuta na periferia de toda discussão, por não confiável.
Que se possa, então, trabalhar no sentido de amenizar, ainda que paulatinamente, as
incertezas sobre os direitos humanos do cidadão-contribuinte, até exterminá-las.
2. OS DIREITOS HUMANOS E A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988
Na atualidade fervilham os clamores aos direitos humanos.
No que tange à expressão direitos humanos há diversos significados espalhados pela
doutrina. No presente estudo a expressão se refere aos direitos e garantias dos cidadãos-
contribuintes, funcionando como sinônima dos direitos fundamentais de primeira geração.
Os direitos humanos são nada mais nada menos que os direitos naturais, não mais
assim chamados após sua positivação com as revoluções do final do século XVIII,
notadamente com a prevalência do positivismo no século XIX e primeira metade do século
XX. Estes direitos subjetivos, inalienáveis, imprescritíveis, permanentes, independentes de
qualquer positivação1, oponíveis a todos, absolutos e auto-aplicáveis, com a crise do
positivismo jurídico reascendem a problemática sobre os instrumentos que lhe asseguram, na
chamada era dos direitos.2
Os direitos naturais são sinônimos dos direitos humanos, ou direitos fundamentais,
ou direitos individuais, ou direitos civis, ou liberdades públicas.3 Até os direitos coletivos e
difusos, transindividuais homogêneos penetram no tema dos direitos humanos, apesar de que
nem todos os direitos difusos são direitos humanos, como acontece com os direitos dos
consumidores; mas alguns dos direitos humanos se afirmam de modo difuso ou coletivo4,
como é o caso da cobrança ilegítima de um tributo em virtude de lei inconstitucional5.
Antes de ingressar no estudo das imunidades, e com a intenção primeira de
desvendar sua natureza jurídica e as conseqüências desta, insta analisar a realidade dos
direitos humanos na Constituição Federal de 1988.
Três teorias buscam explicar os direitos individuais contra o Estado: uma envolve o
ativismo e outras duas a moderação, cujas subespécies são a cética e a de deferência.
Para o ativismo, os indivíduos têm direitos morais contra o Estado, os quais são
cláusulas vagas, apelos a conceitos morais cujas respostas devem ser construídas pelos
Tribunais constitucionais (Suprema Corte americana6), envolvendo certo grau de
discricionariedade, portanto, levada pelo desenvolvimento histórico. Chama-se a esta cruzada
1 Quanto a esta afirmação há controvérsia acesa, o que será assunto na seqüência. 2 TORRES, Ricardo Lobo; Tratado de Direito Constitucional Financeiro e Tributário; Volume III Os Direitos humanos e a tributação: imunidades e isonomia. 2. ed. Rio de Janeiro, Rio de Janeiro: Renovar, 1999, ps. 7-8. 3 Ibid., p. 9. As expressões direitos fundamentais e direitos da liberdade são empregadas especialmente pelos alemães; direitos civis, na língua inglesa; direitos individuais, pelos franceses e americanos; liberdades públicas, também pelos franceses; ... (Ibid., ps. 10-11) 4 Ibid., ps. 11-12 5 Ibid., p. 12 6 DWORKIN, Ronald; Levando os Direitos a Sério. 1. ed. São Paulo, São Paulo: Martins Fontes, 2002, p. 232.
à moralidade no sentido de liberdade na definição dos direitos morais, que se podem alterar e
revelar em decisões contraditórias conforme as tendências de cada época.7
O ceticismo, espécie radical da teoria da moderação, defende a inexistência de
direitos morais dos indivíduos contra o Estado, prejudicando todas as discussões sobre se
estes devem ou não ser fixados em lei ou decisão judicial. Já a deferência como subespécie da
moderação aceita os direitos morais contra o Estado, porém defende que toda discussão sobre
a fixação destes deve se dar pela maioria formadora do Legislativo, em nome da democracia,
e não pelos Tribunais. Assim, para esta, a definição dos direitos morais deve ser uma
atividade legal e não jurisdicional. A estas duas chama-se cruzada à legalidade.8
Ocorre, porém, que nenhuma destas teorias força os juristas a encarar a principal
questão: quais direitos individuais o indivíduo realmente tem contra o Estado? Dworkin
afirma que O direito constitucional não poderá fazer um verdadeiro progresso enquanto não
isolar o problema dos direitos contra o Estado e tornar esse problema parte de sua própria
agenda9.
A teoria ativista se liga ao jusnaturalismo na defesa de que existem direitos pré e
supra-constitucionais, ao passo que o positivismo está com a deferência ao afirmar existentes
os direitos morais apenas após normatizados em regra legal.
Na visão ocidental de democracia, o governo pelo povo e a limitação de poder são
combinação obrigatória que se faz através de declarações escritas dos direitos e garantias
fundamentais formadas por normas de competência negativa para os poderes públicos, bem
como pelo poder de exigir omissões destes mesmos poderes (liberdades negativas) no
exercício dos direitos fundamentais (liberdades positivas).10
Os direitos humanos, então, constituem um amplo catálogo de dispositivos, onde
estão reunidos os direitos de defesa do indivíduo perante o Estado, ...11 Moraes, ao defender o
positivismo jurídico ao ocidente, diz que os direitos e garantias não são apenas aqueles do rol
7 Ibid., p. 232 8 Ibid., p. 232 9 Ibid., p. 233 10 MORAES, Alexandre; Direito Constitucional. 13. ed. São Paulo, São Paulo: Atlas, 2003, p. 58. 11 ARAUJO, Luiz Alberto David e NUNES JUNIOR, Vidal Serrano; Curso de Direito Constitucional. 6. ed. São Paulo, São Paulo: Saraiva, 2002, p. 79
do artigo 5º, podendo estar esparsos no Texto Maior, decorrerem do regime e dos princípios
por ela adotados, desde que expressamente previstos12.
Dworkin registra que embora o sistema constitucional acrescente alguma coisa à
proteção dos direitos morais contra o governo, está longe de garantir esses direitos, ou
mesmo de estabelecer quais são eles. Isso significa que, em determinadas ocasiões, uma
outra instância que não o Legislativo terá a última palavra nestas questões, o que
dificilmente poderá satisfazer alguém que considere que tal instância esteja profundamente
equivocada.13
Vê-se que para este autor os direitos morais podem estar na Constituição, mas não é
sua presença nesta que os torna direitos morais. A Constituição apenas declara alguns, de
modo que outros direitos morais existem não positivados e sempre oponíveis a todos.
Entretanto, independente da teoria que se adote, ninguém poderá negar que um
direito moral grafado na Constituição resta bem mais forte que aqueles não positivados,
mormente na cultura ocidental. Por isso deve ser aplaudida cada inclusão de direito natural em
norma de direito, diante da diminuição do campo para as discussões que aquela inclusão
acarreta. Destarte, as discussões após uma inclusão como esta se resumem à composição de
dois direitos ou garantias fundamentais ... e não se aquele direito é fundamental ou não.
Abram-se aqui parênteses para registrar que os tratados ou convenções
internacionais sobre direitos humanos, desde a Emenda Constitucional nº 45, de 08 de
dezembro próximo passado, foram equiparadas às emendas constitucionais, o que põe fim às
discussões sobre a hierarquia destas normas quando ingressas no ordenamento jurídico pátrio
– internalizadas -, focos das teorias monista e dualista e suas subdivisões. Esta a norma
12 Moraes, Ibid., p. 135 13 Ibid., p. 286. Na mesma página: Sem dúvida é inevitável que alguma instância do governo tenha a última palavra sobre que leis serão efetivamente implementadas. Quando os homens discordam sobre os direitos morais, nenhuma das partes tem como provar seu ponto de vista e alguma decisão deve prevalecer, se não quisermos que a anarquia se instale. Mas esse exemplo de sabedoria ortodoxa deve ser o início, e não o fim, de uma filosofia da legislação e da aplicação das leis. Se não podemos exigir que o governo chegue a respostas corretas sobre os direitos de seus cidadãos, podemos ao menos exigir que o tente. Podemos exigir que leve os direitos a sério, que siga uma teoria coerente sobre a natureza desses direitos, e que aja de maneira consistente com suas próprias convicções. ...
contida no novo parágrafo 3º do artigo 5º do Texto Constitucional14. Soluções como esta
devem ser festejadas pois significam segurança jurídica ao possibilitar confiança recíproca
entre cidadãos e Estado e entre Estados soberanos. É o direito nascendo velho15 e de forma
adequada à realidade social observada.
Fechando-se os parênteses, retome-se o tema deste subitem para questionar a
importância de se classificar direitos como fundamentais? O professor Araujo responde à
questão, chamando a atenção ao seu regime jurídico de proteção especial:
a) nível singular de proteção de suas normas, exteriorizada pela inserção de seus
dispositivos na constituição, o que implica um processo mais gravoso de reforma e, desse modo, um dever de compatibilidade vertical entre o conjunto legislativo ordinário e a sua textura normativa;
b) direitos e garantias individuais, como espécie dos direitos fundamentais, erigidos em limites materiais à própria competência reformadora, conforme enunciado no art. 60, §4º, IV, da Constituição;
c) comando de aplicabilidade imediata de seus preceitos, nos termos do art. 5º, §1º, da Constituição Federal. 16
Ressalte-se a segurança jurídica imanente à Constituição Federal. Afinal, os
totalitarismos anteriores foram substituídos pelo pluralismo das liberdades, agora asseguradas
pelo Texto Supremo que significa o porto seguro ao ser humano em face da necessária
atuação do Estado na vida social.
Ao ser humano social foi imprescindível a formação do Estado para servi-lo17. Daí o
exato dizer de Araujo: Estado de direito, submisso a uma Constituição 18.
É exatamente esta submissão - o pacto constitucional sem livre arbítrio -, que
confere aos seres humanos a segurança jurídica necessária para viverem numa sociedade
comandada por representantes seus. É o constitucionalismo.
14 Art. 5º ... §3º - Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais. 15 Esta expressão foi ouvida uma vez em palestra ministrada pela querida Profa. Mestra Ana Paula Martins do Amaral, no X Encontro de Estudantes de Direito do Mercosul, realizado em Londrina/PR, em 2001. 16 Ibid., ps. 86-87 17 E não anulá-lo 18 ARAUJO, Ibid., p. 87.
A Constituição Federal, promulgada que foi, decorreu da atividade de poder único,
emanado do povo. Assim, tudo que a sucede deve-lhe respeito: tanto os representantes da
função estatal executiva, como da judiciária e da legislativa. A Carta Mãe deve funcionar,
pois, como o mapa certo e exigível aos timoneiros das funções estatais, sempre na busca da
paz social com justiça, fim constante.
E foi exatamente visando resguardar a plenitude da vigência e eficácia do Texto
Maior que se convencionou preestabelecer, praticamente em âmbito mundial, algumas formas
de alteração, sem olvidar as possíveis alterações interpretativas chamadas mutações19. É que
as Constituições, quando elaboradas, pretendem-se eternas, mas não imutáveis.20
Qualquer possibilidade de alteração ilimitada provocaria a instabilidade geral. A
competência reformadora21 deve, pois, ser limitada. Estas suas características, nas lições de
Araujo: a limitação e a condicionalidade, sendo aquela ligada às cláusulas pétreas e esta, ao
procedimento prescrito às emendas constitucionais22. A reforma é competência e não poder23.
Araujo cita os limites explícitos na Constituição brasileira, quais sejam, os materiais
dispostos no artigo 60, §4º, incisos I ao IV; os circunstanciais, presentes no §1º do artigo 60 e
os procedimentais dispostos nos artigos 57, 60, I, II e III; §2º; §5º e 67. Outrossim, cita como
limites implícitos ou vedações implícitas o processo do artigo 60; o rol do §4º do art. 60 e os
princípios constitucionais (objetivos e fundamentos do Estado brasileiro, constantes,
respectivamente, do art. 3º e dos incisos do art. 1º da CF).24
Brito, optando pelo esboço de Horst Ehmke, sistematiza os limites às alterações
constitucionais, elencando como limites imanentes à Constituição jurídica, os materiais
explícitos e implícitos; os circunstanciais e os temporais, aos quais soma os limites
transcendentes à ordem constitucional positivada: a) os objetivos da sociedade civil; b) os
direitos e as garantias fundamentais do homem, preservados pelo direito internacional.25
19 Ibid., p. 88 20 Ibid., p. 10 21 Michel Temer, citado por ARAUJO, p. 10 22 Ibid., ps. 10-11 23 BRITO, Edvaldo; Limites da Revisão Constitucional. 1. ed. Porto Alegre, Rio Grande do Sul: Editor Sérgio Antonio Fabris, 1993, p. 88. 24 Ibid., ps. 11-12 25 BRITO, Apud. Ibid., p. 92
Os limites transcendentes vinculam inclusive o poder constituinte:
... não há reforma total, no sentido absoluto da palavra, seja pela via da emenda, seja pela via da revisão, sob pena de transformar-se competência em potência e de renegar-se a lição já citada, de ARNOULT: a revisão é a modificação da constituição jurídica no seu conjunto para aperfeiçoá-la.26 (grifou-se)
Os limites transcendentes são foco de discussões e dúvidas: os objetivos da
sociedade civil envolvem todas as suas peculiaridades enquanto sociedade, todos os anseios
que emergiram após os totalitarismos que constituíram os pluralismos político, jurídico,
religioso, etc, enfim, que partiram para as aspirações comunitárias; já os direitos e as
garantias fundamentais do homem, preservados pelo direito internacional significam a
consideração dos direitos que têm como fonte o sistema de normas jurídicas de eficácia e
aplicabilidade internacionalmente observadas27.
Neste estudo importa cuidar dos direitos e garantias fundamentais, que formam um
grande grupo com características peculiares, sendo aqueles postos em disposições
declaratórias e estas em disposições assecuratórias limitativas do poder.28
Araujo conceitua os direitos fundamentais com maestria, afirmando-os como a
categoria jurídica instituída com a finalidade de proteger a dignidade humana em todas as
dimensões. E continua: Por isso, tal qual o ser humano, tem natureza polifacética, buscando
resguardar o homem na sua liberdade (direitos individuais), nas suas necessidades (direitos
sociais, econômicos e culturais) e na sua preservação (direitos relacionados à fraternidade e
à solidariedade).29
O grupo em questão, sob as lições do mesmo autor, tem as seguintes características:
historicidade, universalidade, limitatividade, concorrência e irrenunciabilidade.30
Sinteticamente: a historicidade quer dizer a presença do direito na evolução histórica
da sociedade; a universalidade significa a titularidade do direito por todo ser humano, sem
26 Ibid., ps. 92-94 27 Ibid., p. 95 28 E não se olvide que tal grupo consta registrado não só na Carta Suprema mas também em tratados ou convenções internacionais internalizados, que valerão como emenda constitucional (artigo 5º, §4º CF/88) 29 Araujo, Ibid., ps. 81-82 30 Ibid., p. 81
distinção; a limitatividade implica na necessidade, por vezes, de conciliar dois ou mais
direitos fundamentais que estão em conflito, somatizando-os sem nulificá-los, o que possível
somente no caso concreto, já que na abstração legal os direitos não se contradizem; a
concorrência é a cumulatividade dos direitos, possível em diversas situações nas quais através
de um só ato se está concretizando mais de um direito, concorrentemente; e finalmente, a
irrenunciabilidade significa a indisponibilidade dos direitos fundamentais por seus titulares e a
conseqüente impossibilidade de renúncia.31
Assim, todo direito com estas características concomitantes é direito fundamental,
ainda que não componha as letras do Capítulo da Constituição intitulado Direitos
Fundamentais, o que ocorre, aliás, com a maioria dos direitos e garantias fundamentais dos
cidadãos-contribuintes vazados em dispositivos distantes do aludido Capítulo.
São destinatários dos direitos fundamentais postos na Carta Constitucional brasileira
não somente os brasileiros e os estrangeiros residentes no país, como se poderia concluir da
leitura rápida e descuidada do caput do artigo 5º, mas todo ser humano, pelo próprio sentido
que sugere a palavra fundamental. Segundo leciona Araujo, o próprio artigo 5º assegura a
proteção do ser humano sem distinção de qualquer natureza.32
Esta é a exata importância do tema em comento para as relações internacionais, uma
vez que tanto às pessoas físicas estrangeiras como às jurídicas estrangeiras, públicas ou
privadas, que pretendam se relacionar com outro Estado de alguma forma importa conhecer a
segurança jurídica existente. Araujo exemplifica o tema com o turista (estrangeiro não
residente) que seja vítima de uma arbitrariedade policial e deve ter assegurado o direito de
liberdade de locomoção através de habeas corpus.33
No que tange especificamente aos direitos humanos limitadores da tributação e as
respectivas garantias, estes apareceram registrados nas grandes declarações de direitos
americana e francesa – Bill of Rights e Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão –, a
partir das revoluções liberais.34
31 Ibid., ps. 81-85 32 Ibid., p. 89 33 Ibid., p. 89 34 TORRES, Ibid., p. 17
No Brasil, os direitos limitadores do poder de tributar são declarados desde a
Constituição de 1824. As imunidades foram incorporadas apenas na Carta Mãe de 189135 e
até o momento permanecem as discussões e os esforços em relação aos direitos humanos,
envolvendo, como afirmado, desde as discussões para assegurar os já definidos como tal até a
catalogação de outros que permanecem com natureza jurídica controversa.
Resta então saber o que são as imunidades tributárias para conhecer se são ou se
asseguram os direitos humanos do cidadão-contribuinte, e se restam abarcadas por aquele
regime jurídico de proteção especial de que se falou, notadamente a imutabilidade.
Há teses para todos os gostos, mas adiante-se que as vozes as mais influentes
pregam as imunidades exatamente como uma das limitações do Estado Fiscal pela liberdade
preexistente. O poder de tributar, ao contrário, surge do espaço aberto pelos direitos humanos,
totalmente limitado.36 Na Constituição, o relacionamento entre liberdade e tributo é
dramático, por se afirmar sob o signo da bipolaridade: o tributo é garantia da liberdade e,
ao mesmo tempo, possui a extraordinária aptidão para destruí-la; ...37
É esta premissa a orientar as análises que se seguem.
3. NATUREZA JURÍDICA E FUNDAMENTO DAS IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS
Neste ponto as controvérsias são acirradas e persistentes, de forma que é
imprescindível analisar algumas das várias correntes doutrinárias sobre o tema.
35 Os grandes textos internacionais afirmam os direitos humanos diante da tributação. A Declaração Universal dos Direitos do Homem, aprovada pela ONU em 1948, embora contenha poucos princípios sobre a liberdade fiscal, teve o mérito de proclamar o direito ao mínimo existencial. A Carta da Organização dos Estados Americanos, de 1948, expressou que, a fim de acelerar seu desenvolvimento econômico e social, os Estados-Membros deveriam envidar esforços para alcançar a “distribuição equitativa da renda nacional” e “sistemas tributários adequados e equitativos” (art. 31, b e c). A Convenção Americana Sobre Direitos Humanos (“Pacto de San José da Costa Rica”), de 1969, apesar de não conter dispositivos explícitos sobre a liberdade fiscal, proclama inúmeros princípios que projetam conseqüências no campo tributário, como sejam os referentes às garantias judiciais, à legalidade, à irretroatividade, aos direitos de circulação e de residência e à igualdade perante a lei. Mas é nos Tratados de Dupla Tributação assinados pelo Brasil que se encontram as normas básicas sobre a não-discriminação e outros direitos humanos. Extraordinariamente importantes também são os documentos fundamentais da Comunidade Econômica Européia, máxime o Tratado de Maastricht, que colocam o “princípio de respeito aos direitos humanos e às liberdades fundamentais como princípio constitucional a nível da União Européia”. TORRES, Ibid., os. 18-19 36 TORRES, Ibid., p. 14 37 TORRES, Ibid., p. 5
No Estado Patrimonial, que vai do século XIII ao século XIX, as imunidades
significavam limitação ao poder do Rei pela Igreja e pela nobreza. No Estado de Direito ou
Estado Fiscal, originário das grandes revoluções do século XVIII, as imunidades passaram a
limitações ao poder do Estado pelos direitos preexistentes dos indivíduos38, aparecendo ora
como limitação do poder fiscal, ora como autolimitação da competência tributária e,
atualmente, como limitação do poder de tributar pela reserva dos direitos humanos.39
Marshall, para explicar a tese da limitação do poder fiscal afirmava que o poder de
tributar envolve o de destruir (the power to tax involves the power to destroy) e que a aptidão
para destruir não deve ser controlada apenas pela confiança (confidence), mas pela
representação, pela estrutura do governo e pela supremacia da Constituição.40 A liberdade,
neste caso, significava intributabilidade.41
As limitações impostas pelos próprios direitos individuais transformam-se em
autolimitações governamentais ou judiciais na tese da autolimitação da competência
tributária42, para a qual os direitos fundamentais surgem da Constituição positiva,
aparecendo como concessão do Estado ou como “obra do constituinte”.43
Já a tese da autolimitação dos direitos humanos defende que a imunidade há que ser
vista como limitação absoluta do poder tributário do Estado pelas liberdades preexistentes. A
liberdade individual é que se autolimita, abrindo o espaço para a atuação limitada do poder
fiscal. Há reserva dos direitos humanos diante da fiscalidade. A imunidade é, portanto,
intributabilidade, impossibilidade de o Estado criar tributos sobre o exercício dos direitos da
liberdade, incompetência absoluta para decretar impostos sobre bens ou coisas
38 TORRES, Ibid., p. 42 39 TORRES, Ibid., p. 42 40 Ibid., p. 43 41 Ibid., p. 44 42 Com a máxima vênia discordo de Ricardo Lobo Torres quando este afirma que Paulo de Barros Carvalho advogou a tese da constituição ilimitada do poder tributário e da ulterior supressão, no próprio texto constitucional, da competência tributária dos diversos entes políticos (49), pois este autor defende doutrina exatamente contrária, no sentido de que não há cronologia entre o conferir competências e impor imunidades - incompetências -, mas simplesmente o traçado constitucional sobre os quais o legislador pode construir, os quais envolvem, por lógico, pontos sobre os quais pode caminhar – tributar – e pontos sobre os quais está impedido de fazê-lo. 43 Ibid., ps. 58-59
indispensáveis à manifestação da liberdade, não-incidência ditada pelos direitos humanos e
absolutos anteriores ao pacto constitucional.44
Para esta teoria, as imunidades advêm dos direitos humanos, já que após a 2ª Guerra
Mundial, com o refluxo do positivismo, os direitos da liberdade se reaproximaram do direito
natural, da natureza das coisas, dos direitos públicos subjetivos e dos direitos morais.45
Assim, a imunidade preexiste ao Estado Fiscal como qualidade essencial da pessoa humana
e corresponde ao direito público subjetivo que erige a pretensão à incolumidade diante da
ordem jurídica tributária objetiva. 46 Nesta esteira, poder-se-iam considerar imunidades
aquelas proibições de tributar inerentes à própria estrutura de cada sistema jurídico, de tal
forma que, prevista ou não na Constituição, deveria ser considerada como implícita em
decorrência da própria natureza do sistema, sem o que se estabeleceria uma brecha
dogmática.47
Hoje as idéias são outras, aqui e alhures. Superadas as condicionantes positivistas,
a teoria das imunidades fiscais, especialmente nos Estados Unidos e na Alemanha, volta para
o âmbito dos direitos da liberdade. No Brasil, redemocratizado, há que se retornar aos
fundamentos liberais das imunidades.48
As imunidades devem ser vistas, então, como normas constitucionais que prestigiam
as liberdades humanas e não como favores dos constituintes. Afinal, decorre daquelas a
positivação. Outrossim, que pode haver imunidade implícita, decorrente de um princípio,
direito ou garantia expresso na Carta Suprema.
Carrazza ensina que as imunidades tributárias são as normas negativas que
desenham a competência tributária na Constituição Federal do Brasil, que as imunidades
tributárias significam a incompetência tributária dos entes políticos em relação a determinadas
44 Ibid., p. 51 45 Ibid., p. 59 46 Ibid., p. 61 47 Ibid., p. 61 48 Ibid., ps. 93-94
pessoas.49 Seria a imunidade, por esta vertente, uma liberdade negativa, um direito
fundamental do contribuinte50 oponível ao Estado.
Carvalho as afirma como uma das múltiplas formas de demarcação de competência51
e nega a corrente afirmação das imunidades como limitação constitucional às competências
tributárias, evidenciando a inexistência de cronologia que justifique dizer que o constituinte
dá competências e depois vem apará-las, pois o que ocorre é o desenho já pronto daquelas,
que envolve caminhos positivos e negativos, o que natural. Destarte, quando um jogador de
xadrez define suas peças, implicitamente afirma que com suas peças negras o adversário não
pode jogar. Mal comparando, este jogador fez nada mais nada menos que definir os limites
onde cada um podia e não podia caminhar. A lição do mesmo autor é : dada a
interdefinibilidade dos modais deônticos, o legislador pode vedar ou proibir simplesmente
negando a permissão ou obrigando a não fazer, o que implica manter a mesma mensagem,
com alteração da estrutura frásica do idioma. Ainda assim, permanecendo forma sintática
redutível à proibição, teremos hipótese de imunidade.52
Segundo Paulsen, Só a Constituição estabelece imunidades. As regras de imunidade
têm foro exclusivo na Constituição porque são regras (ainda que negativas) de competência
tributária.53 No mesmo sentido Amaro54.
Por outro giro, Carrazza afirma que as regras imunizantes conferem aos
beneficiários o direito público subjetivo de não serem tributados, os quais inafastáveis55. José
49 CARRAZZA, Roque Antonio; Curso de Direito Constitucional Tributário. 17. ed. São Paulo, São Paulo: Malheiros, 2002, ps. 612-613 50 Ibid., p. 689 51 CARVALHO, Paulo de Barros; Curso de Direito Tributário. 15. ed. São Paulo, São Paulo: Saraiva, 2003, p. 168 52 Ibid., p. 170 53 PAULSEN, Leandro; Direito Tributário: Constituição, Código Tributário Nacional e Lei de Execução Fiscal à Luz da Doutrina e da Jurisprudência. 4. ed. Porto Alegre, Rio Grande do Sul: Livraria do Advogado e ESMAFE/RS, 2002, p. 195 54 Nas situações que ultrapassam os limites fixados, ou desatendem a princípios ou formas estabelecidas, o que se passa não é que a competência seja vedada, ela simplesmente inexiste. A lei que pretendesse tributar situação imune não estaria, propriamente, (ou somente), ferindo o preceito constitucional da imunidade, mas sim exercendo competência tributária que não lhe é autorizada. AMARO, Luciano; Direito Tributário Brasileiro. 9. ed. São Paulo, São Paulo: Saraiva, 2003, p. 107 55 Ibid., p. 613
Wilson Ferreira Sobrinho, igualmente, afirma as imunidades como normas jurídicas
atributivas, por conferir ao imune o direito público subjetivo de não ser tributado.56
Pontes de Miranda afirmou as imunidades como direito fundamental, apoiado em E.
R. Huber.57.
Carvalho situa as imunidades nas normas de estrutura ou de produção ou de
formação ou de transformação de outras normas58, que contrariamente às normas de
comportamento, voltam-se ao legislador estabelecendo modo e condição de produção de
outras normas.59
Vicente Ráo incluiu as imunidades tributárias nas matérias de interesse social
predominante 60.
Carrazza propõe interessante classificação das imunidades em imunidades em
sentido amplo e imunidades em sentido estrito, querendo com aquelas abranger a
incompetência das pessoas políticas a tributar fora da sua competência ou contrariamente aos
princípios constitucionais tributários; e estas, as normas constitucionais expressas que
declaram aos entes tributantes, dentro da sua faixa de competência, vedação para tributar
determinadas pessoas.61 Carvalho não aprova esta classificação, por não resolver o cerne da
questão, mas apenas sugerir alteração do nomen juris do Capítulo I do Título VI da Carta Mãe
para Imunidades Tributrárias.62
Rodrigues bem e sinteticamente explica a classificação de Hugo de Brito Machado
neste rastro, afirmando que a não-incidência de fato (em sentido amplo) é aquela decorrente
da ausência de interesse de imposição normativa; e a não-incidência de direito (em sentido
estrito) é a ausência de competência impositiva.63
56 Citação, Ibid., 614 57 Ibid., ps. 63-64 58 CARVALHO, Ibid., p. 180 59 Ibid., p. 172 60 CARRAZZA, Citação, Ibid., p. 615 61 Ibid., ps. 621-623 62 CARVALHO, Ibid., ps. 169-170 63 RODRIGUES, Denise Lucena; A imunidade como limitação à competência impositiva. São Paulo, São Paulo: Malheiros, 1995, p. 22
No que se refere à necessidade das imunidades constarem expressas no Texto Maior,
tem-se as lições de Carvalho pelo sim, como se pode verificar do seu conceito de imunidade:
a classe finita e imediatamente determinável de normas jurídicas, contidas no texto da
Constituição Federal, e que estabelecem, de modo expresso, a incompetência das pessoas
políticas de direito constitucional interno para expedir regras instituidoras de tributos que
alcancem situações específicas e suficientemente caracterizadas.64
Torres, diferentemente, defendendo os direitos fundamentais pré-constitucionais
como o fundamento das imunidades, afirma que não carecem de normas jurídicas contidas no
texto da Constituição Federal ou em qualquer outro diploma, já que podem existir
independentemente de tradução legal. Para este autor, as imunidades serão tantos quantos
forem os correspondentes direitos da liberdade, explícitos ou implícitos 65.
Os direitos da liberdade e as suas imunidades contra os tributos, quando explícitos, vêm declarados em dispositivos específicos das Constituições ou constam das Declarações de Direito. ... A Declaração de Direitos, ainda que topograficamente incluída no corpo da Constituição, não se confunde com esta sob os aspectos lógico e ontológico. Tem natureza essencialmente declaratória. Não constitui nem outorga direitos, pois estes, quando fundamentais, não decorrem de uma decisão política do povo nem de ato de vontade do legislativo, mas preexistem à Constituição.66
Neste caso, a conseqüência da inclusão das imunidades no Texto Maior é sua
declaração apenas, tendo em vista que a ele preexistem. O positivismo, contrariamente, nega a
eficácia declaratória dos direitos fundamentais e das imunidades expressas no Texto Maior,
conferindo-lhes eficácia constitutiva ou programática e filosófica, o que provoca aquela
dicção generalizada sobre todas as não-incidências registradas no Texto Maior serem
imunidades, não distinguindo as fundadas em direitos humanos das demais. 67
Da teoria que se adote, seguem-se conseqüências como a de se entender irrevogável
qualquer disposição da Carta Maior no sentido da intributabilidade de uma pessoa, ou,
contrariamente, no sentido da revogabilidade criteriosa das imunidades, conforme sejam
expressão de liberdades humanas.
64 CARVALHO, Ibid., p. 181 65 TORRES, Ibid., p. 75 66 Ibid., p. 85 67 Ibid., p. 86
De outra parte, Torres tece registro no sentido de que a Constituição americana não
tem cláusulas expressas sobre as imunidades e que foi a Corte Suprema quem as trouxe à
baila, atenta às entrelinhas das liberdades, diferentemente do Brasil que, como já se anotou, as
imunidades constaram expressas nos Textos Constitucionais desde 1891.68
Por outra parte, Carraza afirma que as imunidades operam no plano da definição da
competência tributária ao passo que a isenção, no do exercício da competência69.
Os positivistas adotam a definição das imunidades como a não-incidência
constitucionalmente qualificada70 que, além das impropriedades em falar em incidência em
momento que ainda se desenha o espaço das liberdades do Estado em relação ao povo,
também agrega confusão sobre o fundamento e origem das imunidades, resumindo-as ao
Texto Constitucional. Por esta definição as imunidades são apenas intributabilidade
decorrente de registro expresso no Texto Maior, não importando sua causa.
Esta a origem da confusão entre a não-incidência, a imunidade e a isenção que se
arrasta até os dias atuais. Alguns chegam a diferenciá-las apenas pelo fato de umas constarem
prescritas no Texto Maior e outras, em legislação infraconstitucional, olvidando sua essência
e as implicações decorrentes. Acompanhe-se a gravidade desta confusão no quadro sinóptico
desenvolvido por Torres71:
Imunidade Isenção Não-incidência
(privilégios não odiosos)
Natureza limitação do poder fiscal autolimitação do poder fiscal autolimitação do poder fiscal
Conceito incompetência absoluta derrogação da incidência delimitação do fato gerador
Fundamento liberdade absoluta justiça lógica ou justiça
Origem direitos morais direito positivo direito positivo
Fonte constituição (escrita ou não) lei ordinária constituição, lei comp./ord.
Eficácia declaratória cosntitutiva declaratória
Vigência irrevogável revogável revogável
Extensão obrigação principal e acessória obrigação principal obrigação principal e acessória
O quadro evidencia a distinção essencial das três figuras, a qual não pode ser
resumida à composição do Texto Supremo.
68 Ibid., p. 75 69 CARRAZZA, Ibid., p. 613 70 TORRES, Ibid., ps. 75-76 71 Ibid., p. 471
Afinal, as imunidades em refletindo liberdades, não decorrem de escolhas políticas,
de autolimitação pelo Constituinte na distribuição das competências, mas dos direitos
humanos de liberdade que precisam sim do Estado, todavia tão somente para salvaguardá-los
na vida social. Jamais para destruí-los.
Vale dizer, o povo confere seu poder aos seus representantes para que dentro dos
limites conferidos organizem a vida em sociedade, possibilitando a solidariedade e cidadania
fiscais e nunca a simples expropriação ou limitação sem causa de direitos naturais. Ora, o
criador – homem – não quer que sua criação – Estado - lhe suplante através de uns poucos
semelhantes que o representam. O poder destes não é absoluto.
Se assim não for, utilizando lições de Torres que vêm a calhar: o poder de tributar
torna-se simplesmente o poder de expropriar (the power to tax is simply the power to take),
caso em que tributar e expropriar são ações idênticas (taxing and taking are identical).72 Daí a
assertiva no sentido de que é por intermédio das imunidades que as liberdades se afirmam
como direitos absolutos diante do poder tributário.73
4. AS CONSEQÜÊNCIAS: AS IMUNIDADES SÃO CLÁUSULAS ETERNAS?
Qual a conseqüência de se concluir as imunidades como regras de competência
negativa; ou como direito subjetivo público; ou como exceção à regra da tributação; ou como
cláusula expressa na Constituição? E neste último caso, são pétreas ou não?
Por primeiro, analisem-se as imunidades como regras de competência negativa:
Carrazza leciona a inalterabilidade como uma das características das normas de
competência, no sentido de que não podem ser alteradas pela própria pessoa política que a
detém. Somente a própria Carta Maior é que pode compor alterações nas competências,
através de emenda constitucional74. Carvalho nega tal característica por vislumbrar a
72 Ibid., p. 52 73 Ibid., p. 66 74 CARRAZZA, Ibid., p. 568
alterabilidade sob outro ângulo - justamente o da emenda constitucional -, como sendo uma
das prerrogativas do poder de reforma da Constituição, a qual só poderá restar tolhida pela
observância de princípios constitucionais da federação e autonomia dos municípios.75
Para tais autores, assim, as normas de competência podem ser alteradas por emenda
constitucional, desde que observados outros princípios constitucionais, notadamente o da
federação e o da autonomia municipal. Somente se contradizem ao conferir enfoques distintos
à alterabilidade.
Portanto, por este primeiro ângulo - como normas responsáveis pelo desenho da
incompetência tributária -, pode-se afirmar alteráveis as cláusulas de imunidades por emenda
constitucional que lhe suprima ou restrinja a abrangência.
Por segundo, responda-se a segunda parte do questionamento inaugural deste
subitem: ... ou como direito subjetivo público ...?
Mesmo como regra de competência, Rodrigues defende a impossibilidade de
emenda constitucional alterando as imunidades, pois as vislumbra como uma limitação à
competência do Estado, que representa uma segurança aos que estão abrangidos por ela76.
Carrazza também leciona a irrevogabilidade das imunidades pelo constituinte
derivado, apesar de defini-las como regras de incompetência tributária, sob o argumento de
que as imunidades são garantias fundamentais dos cidadãos-contribuintes e, em sua maioria,
conseqüências lógicas de princípios informadores do Sistema Tributário Nacional:
Em termos mais precisos, o direito à imunidade é uma garantia fundamental constitucionalmente assegurada ao contribuinte, que nenhuma lei, poder ou autoridade pode anular. Em suma, criar tributos, só a lei pode; violar imunidades tributárias, nem a lei pode. É que, no sistema constitucional tributário brasileiro, a materialidade das normas ordinárias instituidoras das regras-matrizes de incidência já se encontra pré-qualificada no próprio Texto Supremo. ... Abrindo um ligeiro parêntese, convém termos presente que a maioria das imunidades contempladas na Constituição é uma decorrência natural dos grandes
75 CARVALHO, Ibid., p. 219 76 RODRIGUES, Ibid., p. 27
princípios constitucionais tributários, que limitam a ação estatal de exigir tributos (igualdade, capacidade contributiva, livre difusão da cultura e do pensamento, proteção à educação, amparo aos desvalidos etc.). Portanto, não podem ter seu alcance diminuído nem mesmo por meio de emendas constitucionais, quando mais pelo legislador ordinário.77
Rodrigues também defende que as imunidades representam uma garantia aos
cidadãos, quando devidamente prevista. Havendo uma norma limitadora determinando que
pessoas, bens e serviços não sejam tributados, tal norma estará gerando direito, qual seja, a
garantia de não exação. São voltadas para o cidadão e não para o Fisco.78
E como gênero da não-incidência, do qual são espécies: o fato não tributado, a
imunidade e a isenção, deve-se ter clara a posição da imunidade como a não-incidência
permanente e a isenção, como a não-incidência temporária ou provisória79:
Tanto o âmbito da isenção como o da incidência compreendem o universo dos fatos econômicos que podem estar ou não sujeitos à incidência tributária. Este universo é mutável a qualquer instante, dependendo da vontade do legislador. Já a imunidade é permanente, no sentido de que, enquanto prevalecer o Texto Constitucional, ela não poderá ser alterada pelo legislador ordinário. A revogação da imunidade só é cabível se houver mudanças nos critérios qualificadores do beneficiário, alterando os requisitos indispensáveis a sua concessão. Pode-se mesmo classificar a imunidade como direito fundamental do contribuinte, portanto inalterável. Roque Carrazza esclarece: “o Estado, ao exercer a tributação, deve observar os limites que a ordem constitucional lhe impôs, inclusive no que atina com os direitos subjetivos públicos das pessoas (...). Em outros termos, a União, os Estados-membros, os Municípios e o Distrito Federal, ao fazerem uso de suas competências tributárias, são obrigados a respeitar os direitos individuais e suas garantias” (ob. cit., pp. 241-242)80
Ainda somando argumentos a embasar a inalterabilidade das imunidades tributárias
por emenda constitucional, acentue-se o princípio da supremacia constitucional quando se tem
uma constituição rígida81, como é a brasileira.
77 CARRAZZA, Ibid., ps. 618-619 78 RODRIGUES, Ibid., p. 21 79 Ibid., p. 23 80 Ibid., ps .23-24 81 Ibid., p. 29
Com frase forte, Rodrigues conclui que as imunidades do artigo 150, VI sobre as
quais se debruça são a extensão dos Direitos e Garantias Fundamentais82 e, como tais, não
poderão ser alterados por Emenda Constitucional83.
Por outro ângulo com a mesma essência, realce-se que a imunidade representa
atualmente não só um incentivo a determinadas situações, mas, também, reflete princípios
maiores resguardando os direitos fundamentais, como, por exemplo, a liberdade religiosa, de
expressão, de associação política e sindical, etc. Destarte, sua influência no âmbito político-
social é de elevada importância, intervindo, assim, nos mais variados setores.84
As lições de Chiesa quanto às imunidades e os princípios garantidores de valores
fundamentais como a liberdade e a propriedade, tocados pela tributação são:
Tanto os princípios quanto as imunidades auxiliam na demarcação da competência tributária, entretanto, são realidades distintas. Os princípios são normas jurídicas que devido a sua carga axiológica, ocupam um lugar de preeminência no sistema, condicionando a interpretação e aplicação de todas as demais normas, subjugando aos seus comandos não só a atividade do legislador, mas também a do aplicador do direito. Já as imunidades constituem hipóteses de afastamento da tributação, previstas no texto constitucional, que estabelecem a incompetência das pessoas políticas de tributarem certos fatos, situações ou pessoas, as quais podem revelar a consolidação de um princípio ou não, mas que, de qualquer forma, com eles não se confundem. Os princípios são diretrizes fundamentais que visam a estruturar o sistema; não contemplam hipóteses de incompetência para tributar, como ocorre com as imunidades85.
Em oposição às assertivas supra, Costa afirma a possibilidade de emenda
constitucional excluindo imunidades tributárias do Texto Constitucional, a qualquer tempo, e
o conseqüente restabelecimento da competência tributária plena, não sob o argumento de que
são regras de competência negativa e como tais sujeitas às emendas constitucionais, mas por
conferir àquelas significado de verdadeiras exceções ao princípio da capacidade contributiva
enquanto excludentes de pessoas que detêm capacidade para contribuir, salvo no que se refere
à imunidade ontológica86 ou recíproca (art. 150, VI, a).87. Quanto a esta, que importa em
82 Ibid., p. 36 83 Ibid., p. 36 84 Ibid., p. 47 85 CHIESA, Clélio; A competência tributária do Estado Brasileiro: desonerações nacionais e imunidades condicionadas. São Paulo, São Paulo: Max Limonad, 2002, ps. 312-313 86 COSTA, Regina Helena; Princípio da capacidade contributiva. 2. ed. São Paulo, São Paulo: Malheiros, 1996, p. 71
exceção ao princípio da capacidade contributiva que as pessoas políticas não detêm, afirma
ser indiferente sua presença expressa no Texto Constitucional uma vez que é conseqüência
natural dos princípios federativo e da autonomia municipal.88
A autora objeta as teses anteriores e a lição de Nogueira: Todas as imunidades
institucionalizadas pelas alíneas a, b, c, d, item VI do art, 150 da vigente Constituição da
República, atendidas respectivamente as disposições do art. 14 do CTN e as dos parágrafos
do mesmo art. 150, são ‘situações’ ou ‘entidades’ que, por suas naturezas (ontológicas) e
finalidades (teleológicas), são e estão constitucionalmente reconhecidas como sem nenhuma
‘capacidade econômica’ ou contributiva” (Imunidades, p. 7)89
Rodrigues bem coloca que não se deve vincular a imunidade à capacidade
contributiva, pois nem todos os casos de imunidade recaem sobre pessoas sem capacidade
contributiva, exemplificando com o caso dos livros e periódicos, cuja justificativa monta no
princípio da liberdade de expressão.90
Por terceiro, estude-se a imunidade como exceção à regra da tributação.
Com base neste fundamento, alguns tentam refutar a interpretação extensiva às
imunidades defendendo-as como exceção, cuja interpretação deve ser restritiva. Mas, a
imunidade seria o desvio (a exceção) de qual regra?91
Ora, já se afirmou que as imunidades não são exceção, mas o são as regras de
tributação, uma vez que a regra para os cidadãos é a de que ninguém é obrigado a algo sem lei
prévia que o estabeleça. Igual a dizer, a regra é a da liberdade geral que pode ser tolhida por
lei em nome da convivência social. Por outro lado, a legalidade dirigida à Administração
Pública, significa que esta só pode fazer o que prescrito em lei, restando pouquíssimo ou
nenhum espaço à discricionariedade.
87 Ibid., ps. 102-103 88 Ibid., p. 71 89 RODRIGUES, Citação, Ibid., p. 48 90 RODRIGUES, Ibid., p.48 91 Ibid., p. 37
O Estado só pode tributar porque o Constituinte assim o autorizou, indicando-lhe os
exatos limites. Tanto assim que está adstrito à estrita legalidade. O cidadão, por conseguinte,
só deve pagar tributo se este devidamente prescrito em lei. Somente assim alguém resta
obrigado à solidariedade social pregada pelos impostos, por exemplo.
Afinal, Desde sua origem, o Estado tomou a si prover a prosperidade material e
moral de seus componentes, sobretudo por meio da paz interna. Daí ser lógico raciocinar que
desde que o Estado existe há também justiça; para mantê-la, mística ou sacerdotizada, eram
necessários recursos internos, quando não bastassem os externos em forma de pilhagens
guerreiras ou de tributos exigidos dos povos vencidos. Fica assim formada a linha
triconômica – Política-Economia-Direito, este, chamado a colaborar no sustentáculo estatal,
mantendo uma ordem jurídica de coerção, sincronizada com a ordem política e a ordem
econômica. (A Natureza Social do Tributo, p. 7).92
Da mesma maneira que a tributação, as imunidades que com elas
concomitantemente existiram, sofreram alterações conforme o desenvolvimento histórico.93
No início, como já afirmado, as exonerações eram arbitrárias, assim como a tributação. As
imunidades eram privilégios dos dominantes, existindo algumas de ordem administrativa,
religiosa, política ou fiscal. No Estado absolutista, os privilégios continuavam a beneficiar
algumas classes, restando aos mais pobres a tributação pesada. A Igreja e a nobreza perderam
o direito de receber tributos ao príncipe, porém não os pagavam a este, sob o argumento de
que já contribuíam por outras formas com o Estado. A imunidade somente aparece como
direito fundamental dos cidadãos no Estado de Direito94.
Por quarto, responda-se à quarta parte do questionamento: ... ou como cláusula
expressa na Constituição?
92 Ibid., p. 39. Para desenvolver as atividades justificadoras do seu nascimento e existência, o Estado não se poderia abster da utilização de recursos, talvez, de início, preponderantemente humanos. Com o passar do tempo, o caráter econômico desses recursos foi avultando, já que também crescia o leque do desempenho financeiro que se fazia necessário cumprir. Para a obtenção dos recursos possibilitadores de sua atividade financeira, teve o Estado que voltar-se para um outro aspecto que lhe é inerente: o império das suas decisões, a cogência do seu mando, a imposição da sua força. Viabilizam-se, de tal forma, em termos práticos, os tributos e, em virtude disso, a tributação.(Ibid., p. 18) 93 Ibid., p. 40 94 Ibid., p. 41
O Direito brasileiro se preocupou em criar um instituto superior, estabelecido no texto constitucional, de forma que seja imutável, fazendo com que todos permaneçam sob o império da Constituição, garantindo assim, que os casos necessários de exoneração fiscal fiquem fora das decisões políticas e mesmo arbitrárias que se manifestam nos diversos movimentos sociais. 95
Esta a democracia ocidental, já comentada. É uma das peculiaridades das
imunidades a presença no Texto Maior, de forma que parece oportuno breve histórico das
Constituições brasileiras, na narração de Rodrigues:
Na Constituição do Império (1824) já se encontram referencias às exonerações em relação a determinadas taxas. determinava o artigo 179, XXXI e XXXII, a garantia aos cidadãos de socorros públicos e instrução primária gratuitos.
A Constituição de 1824 também realizou papel importante no âmbito fiscal quanto extinguiu a imunidade da nobreza no Brasil, privilégio obtido pela mesma durante anos e anos.
Ensaia-se a capacitade contributiva, quando o artigo 179, XV, fala em contribuição “na proporção de seus haveres”:
“Art. 179. A inviolabilidade dos direitos civis e políticos dos cidadãos brasileiros, que tem por base a liberdade, a segurnaça individual, e a propriedade, é garantida pela Constituição do Império, pela maneira seguinte:
... “XV. Ninguém será isento de contribuir para as despesas do Estado em proporção
de seus haveres. “XVI. Ficam inteiramente abolidos todos os privilégios, que não forem essenciais, e
inteiramente ligados aos cargos, por utilidade pública.” ... Quanto à igreja, não houve concessões específicas na Constituição. Contudo,
continuaram sendo garantidos, através de leis, vários privilégios fiscais. A Constituição da República dos Estados Unidos do Brazil já estabelece em seu
texto as primeiras diretrizes do Sistema Tributário, onde encontram-se raízes de princípios básicos como o da liberdade de tráfego, legalidade, delimitação de competência e, também, algumas normas exonerativas.
Estabelece o artigo 9º, em seu §4º, normas semelhantes à imunidade recíproca atual, vedando aos Estados tributar bens e rendas federais ou serviços a cargo da União e reciprocamente. No §2º do mesmo artigo, tem-se que: “É isenta de impostos, no Estado por onde se exportar, a produção dos outros Estados”.
Observa-se que a Constituição começa a emanar normas de caráter permanente, evitando, assim, que a legislação ordinária altere o teor do sistema por ela previsto.
Já na Constituição de 1934, encontra-se um sistema mais complexo, onde estão estampados diversas garantias e controles à atividade do Fisco.
Mantém-se a imunidade recíproca, conforme o artigo 17, X, estendendo tal benefício às concessões de serviços públicos.
A Constituição de 1934 estabelece também a imunidade dos combustíveis produzidos no país para motores a explosão (art. 17, VIII). Veda a incidência de imposto que grave diretamente a profissão de escritor, jornalista ou professor (art. 113, 36).
95 Ibid., p. 42
É interessante notar que, dependendo do contexto político-social atravessado, há uma variação das normas fiscais.
Pode-se dizer que essa liberação dos escritores, jornalistas e professores foi um antecedente da atual imunidade cultural existente em determinadas situações.
Na Constituição de 1937 há a retirada da imunidade às concessões de serviços públicos:
Parágrafo único, artigo 32: “Os serviços públicos concedidos não gozam de isenção tributária, salvo a que lhes
for outorgada, no interesse comum, por lei especial.” A imunidade recíproca continua sempre inalterada (art. 32, c). Na Constituição de 1946 encontram-se as diretrizes básicas de imunidade conforme
vêm sendo aplicada hodiernamente. O artigo 31 prevê a imunidade recíproca e inclui também a imunidade dos templos
de qualquer culto, partidos políticos, instituições de educação e assistência social e a imunidade dos papéis destinados a impressão de jornais, periódicos e livros.
... Com a Constituição de 1967, o texto relativo à imunidade é praticamente o mesmo,
acrescentando a imunidade também aos jornais, livros e periódicos, além do papel destinado a sua impressão (art. 20, III).
A Emenda Constitucional nº 1 de 1969 nada alterou em relação ao texto anterior, sendo o teor do artigo 19, III, praticamente igual ao da Constituição de 1967.96
Àqueles, todavia, que defendem as imunidades como liberdades humanas, como
Torres, a positivação não é imprescindível, podendo haver imunidade não expressa em norma
constitucional, valendo tal eventual registro apenas para declarar uma imunidade existente e
reclamável contra o Estado.
Por quinto, e finalmente, continuando na esteira dos últimos argumentos, responda-
se à questão se as imunidades constam vazadas em cláusulas pétreas ou não?
Das muitas classificações das imunidades é premente no presente estudo a análise
daquela que as cataloga como pétreas e suprimíveis. Esta classificação não é pacífica e
decorre da rigidez constitucional que, segundo Pontes de Miranda, é um postulado
fundamental para a manutenção da ordem jurídica instaurada pelo poder constituinte
originário, evitando-se a destruição da Constituição.97
As imunidades pétreas são aquelas que não podem ser retiradas do Texto Maior pelo
constituinte derivado ou pelo legislador ordinário, pois contemplam hipóteses que estão sob o
manto da proteção constitucional máxima, ou seja, da imutabilidade até a instauração de um
96 Ibid., ps. 43-44 97 Ibid., p. 136
novo Estado. Apartam-se das demais não por sua situação no Texto Constitucional (artigo
150)98 mas pela matéria que veiculam, afirmando tratar-se de cláusula pétrea aquelas que
preservam a separação dos poderes ou os direitos individuais99, as quais, justamente por isto,
recebem tratamento diferenciado do legislador.
As imunidades pétreas são todas aquelas que, estando ou não previstas no art. 150 da
Constituição Federal, são veiculadas por normas constitucionais que, devido ao regime que
lhe foi atribuído pelo poder constituinte originário, não podem ser abolidas da ordem
jurídica. No que se refere às imunidades suprimíveis, estas são todas as que não desfrutam da
mesma proteção constitucional, por não veicularem matéria protegida pela intangibilidade das
cláusulas pétreas arroladas no §4º do art. 60 da CF.100
Torres, no mesmo pensamento, defende que as imunidades não são todas as cláusulas
de não tributar expressas no Texto Constitucional mas somente aquelas fundadas em direito
fundamental, as quais e somente estas são protegidas pela garantia de eternidade ou
imodificabilidade através de emenda constitucional, diferentemente daquelas não-incidências
que revelam medidas conjunturais (155, §2º, X, a e); ou privilégios (imunidades das
entidades assistenciais que não beneficiam os pobres – 150, VI, c); ou proteção de direitos
sociais e não individuais (sindicatos dos trabalhadores – 150, VI, c), que podem ser
emendadas a qualquer tempo pois não refletem direitos humanos. 101
Em síntese, para aqueles que defendem o fundamento das imunidades nas liberdades
humanas: as imunidades fiscais exibem a mesma validade dos direitos fundamentais, que
exornam. Valem erga omnes, inclusive contra terceiros, e protegem até mesmo as pessoas
jurídicas. Têm eficácia meramente declaratória, e não constitutiva. Do ponto de vista da
validade formal ou da vigência, são irrevogáveis.102
98 A posição topológica das normas imunizantes no texto constitucional, por si só, não é suficiente para determinar a eficácia das imunidades, pois não há nesse fato nenhuma relevância jurídica que justifique emprestar maior ou menor eficácia às hipóteses previstas dentro da seção denominada “Das limitações do poder de tributar”, com relação às demais espalhadas pelo texto constitucional. O regime jurídico das várias hipóteses é o mesmo, não há que se fazer nenhuma distinção quanto aos seus efeitos jurídicos, em decorrência dessa circunstância, pois são os mesmos (313 Chiesa). 99 Ibid., ps. 137-138 100 Ibid., p. 138 101 TORRES, Ibid., ps. 77-78 102 TORRES, Ibid., p. 83
Assim, podem ser opostas por todos, inclusive as pessoas jurídicas, contra terceiros, o
Estado e o próprio constituinte. Os alemães bem afirmam que a proteção dos direitos
fundamentais não deve ser garantida apenas através, mas também contra o legislativo, lição
que o Supremo assimilou no julgamento, por exemplo, da ADIN 939-7, declarando
inconstitucional dispositivo da Emenda Constitucional nº 03/1993, a ser analisada.103
5. ANÁLISE DA JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
A tentativa neste ponto será, analisar verticalmente, sempre com base na doutrina
esposada nos subitens antecedentes, dois momentos nos quais o Supremo Tribunal Federal foi
instado a manifestar-se acerca da relativização e revogação de imunidade tributária:
Decisão A: ADI 939-7 de 1993 decorrente da Emenda Constitucional nº 03/1993 que instituiu o Imposto Provisório sobre Movimentação Financeira sem a observância do artigo 150, inciso VI, alíneas a a d. Esta ADIN declarou inconstitucional a emenda, afirmando não excepcionável o dispositivo citado; e, Decisões B: RE 372.600-5 de dezembro de 2003 e AR 1997.01.00.013399-6/DF, de setembro de 2004, ensejados pela Emenda Constitucional nº 20/1997 que revogou a imunidade prescrita no artigo 153, §2º, inciso II. Não houve ADIN envolvendo o tema, conforme pesquisa solicitada ao Supremo Tribunal Federal em outubro de 2004, nem decisão no sentido da inconstitucionalidade da emenda, mas apenas as decisões no recurso especial e na ação rescisória citadas, que concluíram por sua constitucionalidade.
Analisem-se, primeiramente, os fundamentos da decisão A:
No acórdão, apenas no que se refere à matéria interessante ao presente estudo, a
conclusão foi no sentido da inconstitucionalidade do §2º do artigo 2º da Emenda
Constitucional nº 03/1993, por afronta também ao disposto no artigo 150, inciso VI. Houve
votos vencidos e no que toca o tema relevado houve dissensão entre as conclusões do Senhor
Presidente Ministro Octavio Gallotti e do Senhor Ministro Marco Aurélio.
O Senhor Presidente declarava a inconstitucionalidade apenas em relação à alínea a
do inciso VI do artigo 150, afirmando vedada sua revogação pelo inciso I do §4º do artigo 60
103 Ibid., ps. 83-84
que impede proposta de emenda tendente a abolir a forma federativa do Estado. Não concluía
pela inconstitucionalidade da revogação das alíneas a a c, argumentando que:
14. Quanto às vedações de que trata o inciso VI do art. 150, não me parece que configurem, propriamente, garantias individuais, mas, sim, imunidades tributárias, que, por Emenda Constitucional, se pode excepcionar, quando se autoriza a instituição de tributo novo, desde que não se imponha sacrifício desarrazoado a tais entidades. 15. Isto , porém, com relação às imunidades previstas nas alíneas “b”, “c” e “d” do referido inciso VI do art. 150.104 (destacou-se) O Senhor Ministro Marco Aurélio, por seu turno, com voto vencedor neste ponto,
concluiu pela inconstitucionalidade da desconsideração de todas as alíneas do inciso VI do
artigo 150, afirmando constituírem as imunidades das alíneas a a c, todas elas, instrumentos
de salvaguarda fundamentais dos princípios, liberdades e direitos básicos da Constituição,
como liberdade religiosa, de manifestação do pensamento, pluralismo político do regime, a
liberdade sindical, a solidariedade social, o direito à educação e assim por diante105 e
negando-as, portanto, como direito ou garantia individual.
Apenas acrescente-se que sob os mesmos argumentos o acórdão declarou
inconstitucionais os artigos 3º, 4º e 8º da Emenda, os quais decorriam do comentado §2º.
Veja-se que nenhum dos Senhores Ministros seguiu a fio as lógicas doutrinárias
expostas nos apartados antecedentes, um afirmando sem qualquer fundamento que as
imunidades tributárias são excepcionáveis, e outro, que são figuras jurídicas ímpares que não
se confundem com direito ou garantia individual, entretanto que servem de instrumento
essencial aos princípios, liberdades e direitos básicos da Constituição.
Porém, felizmente, muito embora não se perceba a análise vertical da figura jurídica
posta sub judice,de certa forma houve preocupação com a pessoa humana através das
cláusulas mestras da Constituição Federal.
Observe-se que se o acórdão fosse pela constitucionalidade da emenda, também não
seria com base nas lógicas doutrinárias colacionadas nesta pesquisa – capacidade contributiva
e liberdades humanas -, o que resta claro nos argumentos dos votos vencidos. 104 Folhas 69-70; voto do Senhor Presidente Ministro Octavio Gallotti 105 Item 8 das Folhas 7-8; voto do Senhor Ministro Marco Aurélio
Na decisão da ADIN em análise, muito embora com postura desligada da teoria
exposta pela doutrina, mostrou-se ligada à paz social com justiça, interesse primeiro do
Estado, e ao homem, interessado maior na vida social solidária.
Contudo, tal postura mostra-se como uma moeda de duas faces, tendo uma cruel que
deve ser evitada, pois deixa o cheiro de decisão política no ar, desligada da lógica jurídica e,
portanto, muito facilmente distorcida para o lado de maior interesse.
É esta a insegurança jurídica que se vem refutando durante este estudo.
É imprescindível se ocupem os estudiosos do Direito com o tema direitos humanos
dos cidadãos-contribuintes106 justamente para evitar quadros perigosos como o exposto, no
qual as posições variam tanto em função de não se saber ao certo se as imunidades se
encontram ou não entre os direitos e garantias fundamentais, como na inexistência de
fundamentação lógica pautada em uma ou noutra teoria.
Na decisão analisada, perceba-se que não foi questionada a natureza jurídica das
imunidades. Em determinado momento até se procurou por seu fundamento, no caso do
Senhor Ministro Marco Aurélio, porém também não da forma necessária, com a certeza
pedida pelo Estado Social de Direito.
Há que se aplaudir, portanto, o bom senso jurídico que prevaleceu, porém sempre
alertando ao risco de se desligar da lógica jurídica na análise dos dispositivos legais.
Analise-se, a partir de agora, o RE 372.600-5 e a AR 1997.01.00.013399-6/DF, que
julgaram constitucional a Emenda nº 20/1997 que suprimiu a imunidade tributária
antigamente prevista no inciso II, do §2º do artigo 153, que assim dispunha:
Não incidirá, nos termos e limites fixados em lei, sobre rendimentos provenientes de aposentadoria e pensão, pagos pela previdência social da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios a pessoa com idade superior a sessenta e cinco anos, cuja renda total seja constituída, exclusivamente, de rendimentos do trabalho.
106 E nos direitos humanos em geral.
Os fundamentos das decisões em análise foram que esta imunidade não significava
direito ou garantia individual do cidadão-contribuinte, não ferindo a Identidade da
Constituição107 como no caso das imunidades do artigo 150, inciso VI, alíneas a a d
(RE372600 e AR1997.01.00.013399-6/DF), bem assim que aludida imunidade não era auto-
aplicável, estando a depender de lei regulamentadora, sendo certo que até sua regulamentação,
continuará válida a Lei (ordinária) nº 7.713/88 (AR1997.01.00.013399-6/DF108).
Em relação a este último argumento Paulsen cita oposição de Carvalho: na falta de
norma geral de direito tributário que estabeleça a forma a ser adotada para o desfrute da
imunidade, devemos entender plena e imediata a eficácia e a aplicabilidade do comando
constitucional, desprezando-se quaisquer limites, requisitos ou pressupostos que o legislador
ordinário venha a estipular nesse sentido. Cita também orientação do Superior Tribunal de
Justiça, nos RMS 3.368-6RJ e 2.623-1RJ, bem assim do Tribunal Regional Federal da 5ª
Região, 2ª Turma, no Ag 9.572/CE, no mesmo sentido.109
Somam-se a estes argumentos contrários à decisão, aqueles ligados à classificação das
imunidades em condicionadas e incondicionadas, na medida em que dependam de norma
regulamentadora da norma constitucional.
Barreto define as imunidades incondicionadas como aquelas que independem de
qualquer integração de norma infraconstitucional para viabilizá-las. Ou, dito de outra forma,
a Constituição não estabelece qualquer requisito, qualquer condição para que a imunidade
tenha plena eficácia. As condicionadas, por sua vez, requerem complementação
infraconstitucional, a própria Constituição subordina a eficácia plena dessas imunidades à
observância de certas condições estabelecidas em normas infraconstitucionais.110
Insta realçar em letras garrafais, contudo, que esta complementação deve se dar por lei
complementar em decorrência do que dispõe o artigo 146, inciso II da Carta Maior, bem
107 Citação de Carl Schmidt, na folha 02 do voto do Senhor Ministro Gilmar Mendes, no RE 372600. 108 Ver também: MS 22.584MG e Revista Dialética de Direito Tributário n. 37, out/98, artigo A imunidade dos proventos dos idosos; Oswaldo Othon de Pontes Saraiva Filho (citações, PAULSEN, Ibid., ps. 258-259) 109 Citações de PAULSEN, Ibid., p. 259 (outrossim, na mesma página: Eduardo Marcial Ferreira Jardim, in Imunidade do Imposto sobre a Renda com Relação aos Rendimentos Provenientes de Aposentadoria e Pensão de Servidor Público com Idade Superior a 65 Anos, na Revista Dialética de Direito Tributário nº 36, 1998, página 37). 110 BARRETO, Aires F. e BARRETO, Paulo Ayres; Imunidades tributárias: limitações constitucionais ao poder de tributar. 2. ed. São Paulo, São Paulo: Dialética, 2001, p. 14
assim que ela não diz respeito à norma imunizante, mas aos pressupostos formais a serem
preenchidos pelos favorecidos para a fruição dos benefícios proporcionados pela imunidade.
Não se trata de completar as (sic) norma imunizante, pois ela está toda delineada no próprio
texto constitucional, mas de instituir deveres instrumentais a serem cumpridos pelos
contemplados pela imunidade para que façam jus ao benefício.111
A qualificação utilizada pela Constituição deve ser suficiente para compor a hipótese
de imunidade, o que não significa a exclusão do legislador complementar na regulação dos
condicionantes fáticos.112
As imunidades, como sabido, são normas de estrutura que se dirigem imediatamente
ao legislador e, mediatamente, aos cidadãos, na medida em que estes podem controlar a
justiça dos atos daqueles e verificar se atentaram às incompetências postas do Texto Maior.
Porém, há que se considerar que as normas que instituem deveres instrumentais na
regulamentação das imunidades condicionadas caracterizam-se como regras de conduta,
dirigindo-se diretamente aos contribuintes e traçando-lhes as ações omissivas ou comissivas
que se voltam a determinada imunidade.113
Tais condutas do contribuinte são para possibilitar à Administração o controle do
desenvolvimento das atividades do contribuinte beneficiado pela imunidade, visando
assegurar a melhor eficácia à norma constitucional, sem desvirtuamentos dos escopos do
constituinte originário.114
Daí ser possível afirmar com convicção que: A ausência de normas regulamentares da
imunidade, porém, não lhe prejudica a fruição, pois os direitos absolutos independem do
sistema legislativo infraconstitucional.
A Constituição brasileira reservou, em alguns casos, à lei ordinária a prescrição de
requisitos, limites e parâmetros necessários à fruição de algumas imunidades: 150, VI, c; 153,
§2º, II e 153, §4º.115 Nestas hipóteses, também, não há falar em possibilidade de emenda
111 CHIESA, Ibid., p. 142 112 CARVALHO, Ibid., p. 183 113 CHIESA, Ibid., p. 314 114 Ibid., p. 314 115 TORRES, Ibid., p. 79
constitucional aniquiladora das imunidades, que têm fundamento, não se olvide, nos direitos
humanos. As duas últimas, aliás, têm fundamento no mínimo existencial.116
As normas regulamentadoras, complementares ou ordinárias, são, quando muito,
aclaradoras do assunto que já foi esgotado pelo legislador constituinte.117
Em expressões certeiras, Paulsen ensina que As normas negativas de competência
bastantes em si são auto-aplicáveis. Quanto a isso, não há dúvida. O problema surge quando
a norma exige regulamentação, mormente quando seu texto remete expressamente aos
requisitos e/ou condições estabelecidos em lei. A doutrina, mesmo nestes casos, preconiza
majoritariamente a auto-aplicabilidade. Entretanto, o STF tem trilhado caminho oposto,
conforme se pode ver de nota ao já revogado inciso II do §2º do art. 153 da CF, quando
pronunciou-se pela retenção do imposto de renda na fonte sobre os proventos dos
aposentados com mais de sessenta e cinco anos, cuja renda total fosse constituída
exclusivamente de rendimentos do trabalho, até que surgisse a lei fixando os termos e limites
da não-incidência....118
Ressalte-se que os preceitos constitucionais sobre imunidade produzem efeitos
independentemente da edição de lei integrativa, ainda que esta seja requerida expressamente
na Constituição. Apenas pode a lei prevista conter a eficácia do preceito constitucional, mas
não impedi-la por sua ausência. (Hamilton Dias de Souza, em Comentários ao Código
Tributário Nacional, vol. 1, coord. Ives Gandra da Silva Martins, Ed. Saraiva, 1998, p.
10).119
Assim, as normas imunizantes independente de serem condicionadas ou
incondicionadas são de eficácia plena e aplicabilidade imediata120.
Do exposto, quanto ao segundo argumento, equivocou-se o Supremo Tribunal
Federal e sem se fundar em qualquer lógica jurídica, demonstrando nenhuma das
preocupações observadas no julgado anteriormente analisado (ADI 939-7).
116 TORRES, Ibid., p. 88. Sobre o mínimo existencial, ler doutrina interessante deste autor (obra citada). 117 CARRAZZA, Ibid., p. 616 118 PAULSEN, Ibid., p. 197 119 Citação, Ibid., p. 197 120 CARRAZZA, Ibid., p. 616
No que se refere ao primeiro fundamento, foi o objeto das inúmeras teses expostas
nos apartados antecedentes. Para aqueles que consideram as imunidades normas de
incompetência modificáveis por emenda constitucional assim como as que proclamam
competências, a decisão procede. Também procede àqueles que consideram que esta
imunidade não reflete direito individual algum, sendo conjuntural, decisão política,
concluindo-a suprimível, na classificação pétrea-suprimível. Igualmente, àqueles que
entendem as imunidades como exceção ao princípio da capacidade contributiva.
Porém, a decisão é inaceitável àqueles outros que entendem as imunidades como
direito subjetivo do cidadão-contribuinte, ou como garantia individual ou, ainda, como reflexo
de um princípio ou um dos objetivos do Estado brasileiro ou de um direito individual, parte do
cerne imutável da Carta Maior.
Ainda que se considere a imunidade em comento uma imunidade política, não de pode
olvidar a melhor orientação: Não se pode desconhecer, dentro desse contexto, que as
imunidades tributárias de natureza política destinam-se a conferir efetividade a determinados
direitos e garantias fundamentais reconhecidos e assegurados às pessoas e às instituições.
Constituem, por isso mesmo, expressões significativas das garantias de ordem instrumental,
vocacionadas, na especificidade dos fins a que se dirigem, a proteger o exercício da
liberdade sindical, da liberdade de culto, da liberdade de organização partidária, da
liberdade de expressão intelectual e da liberdade de informação. A imunidade tributária não
constitui um fim em si mesma. Antes, representa um poderoso fato de contensão do arbítrio
do Estado na medida em que esse postulado da Constituição, inibindo o exercício da
competência impositiva pelo Poder Público, prestigia, favorece e tutela o espaço em que
florescem aquelas liberdades públicas. Cumpre não desconhecer, neste ponto, a grave
advertência lançada pelo saudoso Min. Aliomar Baleeiro (‘Limitações Constitucionais ao
Poder de Tributar’, pág. 191, 5ª ed., 1977, Forense), para quem revela-se certo e
inquestinável o fato de que ‘... o imposto pode ser meio eficiente de suprimir ou embaraçar a
liberdade de manifestação do pensamento, a crítica dos governos e homens públicos, enfim,
de direitos que não são apenas individuais, mas indispensáveis à pureza do regime
democrático’.” (do voto do Min. Celso de Mello na ADIn 939/DF, RTJ 151/832)121
121 PAULSEN, Ibid., p. 196
Além destas ponderações, há uma questão a se responder: se há imunidades não
decorrentes de liberdades humanas (políticas, conjunturais, suprimíveis) que são
automaticamente suprimíveis, qual seria sua diferença com relação à não-incidência
anteriormente exposta no quadro sinóptico? Posto é que a não-incidência não impede a
tributação, ao passo que a imunidade significa incompetência. Comparando-se o que prescrito
na Emenda Constitucional nº 41/2003 com a Emenda em questão, tem-se que naquela
ampliou-se a tributação para os servidores inativos e pensionistas, num quadro constitucional
onde não havia imunidade122. Nesta, por sua vez, passou-se a autorizar a tributação de pessoas
com mais de 65 anos, revogando-se uma imunidade tributária.
As conseqüências são as mesmas para uma não-incidência e uma imunidade?
Absolutamente, não pode ser porque, como exposto anteriormente, são figuras completamente
diferentes: a imunidade é limitação do poder fiscal pelos direitos humanos, refletindo
incompetência absoluta aos entes políticos, com fundamento na liberdade absoluta e origem
nos direitos humanos, ao passo que a não-incidência é a autolimitação do poder fiscal, decisão
política de delimitação do fato gerador, com fundamento na lógica ou justiça e origem no
direito positivo.
Por este ângulo, tem-se que a chamada não-incidência, ou seja, a mera não previsão
constitucional de uma exação, pode ser superada e ser imposta nova exação desde que
respeitados os limites constitucionais, notadamente os ligados à pessoa humana. Mas e as
imunidades? Ora, se decorrem de limitação ao poder fiscal pelos direitos humanos garantidas
no Texto Constitucional, não podem restar vulneráveis a decisões políticas. Devem ser
asseguradas pela cláusula de imutabilidade, pois se estão na Constituição não é acaso, mas
declaração de liberdade que restaria vulnerável ao poder fiscal.
Carrazza, sobre o tema, põe presente que a maioria das imunidades contempladas na
Constituição é uma decorrência natural dos grandes princípios constitucionais tributários,
que limitam a ação estatal de exigir tributos (igualdade, capacidade contributiva, livre
difusão da cultura e do pensamento, proteção à educação, amparo aos desvalidos etc.).
122 Alteração do artigo 40 da Constituição Federal para abranger os servidores inativos e pensionistas
Portanto, não podem ter seu alcance diminuído nem mesmo por meio de emendas
constitucionais, quanto mais pelo legislador ordinário.123
E, por considerar as imunidades direito fundamental do contribuinte, Carrazza
manifesta-se pela inconstitucionalidade da Emenda Constitucional nº 20 e a irradiação de
efeitos do dispositivo que, para ele, continua em vigor.124 Vale dizer, muito embora tal
emenda tenha revogado expressamente o dispositivo que continha a imunidade, o autor
considera que as pessoas com mais de 65 anos continuam imunes à tributação pelo IR.
Para aqueles, no entanto, que não entendem as imunidades como direito público
subjetivo, é imprescindível se procure qual seu fundamento para concluir pela possibilidade
ou não da sua revogação.
Como já assinalado acima, a Constituição tem limites implícitos ou vedações
implícitas: o processo do artigo 60; o rol do §4º do art. 60 e os princípios constitucionais
(objetivos e fundamentos do Estado brasileiro, constantes, respectivamente, do art. 3º e dos
incisos do art. 1º da CF).125 Dentre estes princípios, a dignidade da pessoa humana disposta
no inciso III do artigo 1º.
Outrossim, a Constituição prescreve um Capítulo no Título VIII separado à Ordem
Social e estipula, no artigo 230, que A família, a sociedade e o Estado têm o dever de
amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua
dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida.
Ora, se se debruçar em uma pesquisa neste rumo certamente a conclusão será no
sentido de que esta imunidade está intimamente ligada a um objetivo inafastável do Estado.
O idoso tem direitos subjetivos contra o Estado, conferidos pelo constituinte originário
no escopo de lhe garantir a segurança emanada das cláusulas constitucionais, pelas razões
mais humanas que se possa pensar. Um destes direitos está disposto no §2º do artigo 230, que
assegura aos maiores de sessenta e cinco anos a gratuidade dos transportes coletivos urbanos.
123 CARRAZZA, Ibid., p. 619 124 Ibid., p. 689 125 Ibid., ps. 11-12
Ora, esta é imunidade relativa a uma taxa126. É direito do idoso decorrente dos objetivos do
Estado brasileiro vazados nas letras do Texto Supremo.
O mesmo ocorre com a imunidade em comento, objeto do julgado em análise. Trata-se
de direito subjetivo do idoso em face do Estado não sofrer a imposição do Imposto sobre a
Renda nos termos do artigo revogado.
A causa, aliás, desta imunidade é também a necessidade de garantir ao idoso o direito
à vida, em relação ao qual o Estado, muita vez, incorre em falta, por exemplo, não fornecendo
adequado sistema de saúde pública. Como em idades mais avançadas, as enfermidades são
mais esperadas e mais ocorrentes também, o constituinte certamente conferiu este direito ao
idoso, deixando de subtrair-lhe parcela do seu rendimento que previa fosse utilizada com, por
exemplo, plano privado de saúde diante do descumprimento, pelo Estado, de ofertar saúde
gratuita aos cidadãos. Aliás, têm o mesmo escopo as prescrições do artigo 203, inciso V.
Vale dizer, pelo objetivo social do Estado em cuidar da família, zelando também do
idoso, algumas imunidades foram prescritas no Texto Maior, e como direitos subjetivos dos
cidadãos idosos válidos erga omnes.
Assim, não há falar que contrariamente às imunidades do artigo 150, inciso VI, a
imunidade em tela não aflija a Identidade da Constituição, pois é patente que o faz.
Aliás, por todas as teses jurídicas que se prefira dentre as expostas no subitem anterior,
as únicas que concluiriam pela constitucionalidade da emenda seriam aquelas da capacidade
contributiva e a aqui citada – da imunidade suprimível, por política, conjuntural -, a qual
certamente não resiste no presente caso, uma vez demonstrada a ligação da imunidade
revogada com um objetivo do Estado brasileiro, limite material implícito.
Mas, a que valem todas as teses jurídicas expostas e a atuação jurisprudencial
analisada se tem escapado a preocupação com o principal interessado? Pode-se afirmar
presente alguma segurança jurídica quando se houve continuamente a expressão: vai depender
do que o Tribunal decidir? A segurança jurídica que se busca na formação de um Estado no
126 Desconsideradas aqui as controvérsias sobre ser taxa ou preço público ou tarifa
qual se pretenda viver em sociedade com a delegação de poderes a alguns que a todos
representem é a determinada pelo Supremo Tribunal Federal tão somente? Claro que não. E é
por isso que atualmente já se pesquisa, inclusive, a relativização da coisa julgada naquelas
decisões que corroboram inconstitucionalidades patentes.
Afinal, se não mais é suportável a tese de que as imunidades são favores conferidos
aos homens pelo Estado legislador, também não o é a tese no sentido de que qualquer direito
humano é aquele concedido ao homem pelo Estado julgador.
Por isso se aplaudiu o resultado alcançado na decisão A e se criticou o da decisão B.
Estas são algumas questões que se pretendeu levantar com a análise conjunta da teoria
e da prática do Direito - doutrina e jurisprudência -, cuja conclusão, in casu, é no sentido de
que aquela e esta têm andado por caminhos um tanto longínquos, desconectadas entre si e
principalmente do interesse premente do Estado Social de Direito – paz social com justiça – e
daquele que deveria figurar como o único interessado: o homem.
6. SÍNTESES CONCLUSIVAS
1. É imprescindível a redefinição dos direitos humanos.
2. É imprescindível definir a natureza jurídica e os fundamentos das imunidades ou
ao menos, ter-se clarividente qual a tese adotada em uma decisão judicial e da qual decorra a
conclusão lógica: ... Da teoria que se adote, seguem-se conseqüências como a de se entender
irrevogável qualquer disposição da Carta Maior no sentido da intributabilidade de uma
pessoa, ou, contrariamente, no sentido da revogabilidade criteriosa das imunidades,
conforme sejam expressão de liberdades humanas,...127
3. É imprescindível exigir-se do Supremo Tribunal Federal e da jurisprudência em
geral a adoção transparente de teorias jurídicas sobre os temas sobre os quais são instados a se
debruçar, dos quais decorram suas decisões: ... É imprescindível se ocupem os estudiosos do
Direito com o tema direitos humanos dos cidadãos-contribuintes justamente para evitar
127 Trecho da página 18
quadros perigosos como o exposto, no qual as posições variam tanto em função de não se
saber ao certo se as imunidades se encontram ou não entre os direitos e garantias
fundamentais, como na inexistência de fundamentação lógica pautada em uma ou noutra
teoria...128
4. É imprescindível, em cada um deste passos, focar-se somente nos escopos
permanentes do Estado brasileiro e no contato, cada vez mais próspero e estreito, com outros
Estados soberanos na fixação da solidariedade e justiça mundiais: ... Os limites transcendentes
são foco de discussões e dúvidas: os objetivos da sociedade civil envolvem todas as suas
peculiaridades enquanto sociedade, todos os anseios que emergiram após os totalitarismos
que constituíram os pluralismos político, jurídico, religioso, etc, enfim, que partiram para as
aspirações comunitárias; já os direitos e as garantias fundamentais do homem, preservados
pelo direito internacional significam a consideração dos direitos que têm como fonte o
sistema de normas jurídicas de eficácia e aplicabilidade internacionalmente observadas...129
5. É imprescindível, em cada uma destas etapas, não desviar os olhos do homem, seja
como cidadão-contribuinte; seja como cidadão-administrado, ...: ... Os direitos humanos
devem ser a razão de existir dos Estados, seu escopo e ao mesmo tempo timoneiro. Que os
Estados existam, então, em função dos direitos humanos, para salvaguardá-los e buscá-los
em relação a cada matéria, tempo e espaço...130
6. Por todas estas necessidades, em meio a muitas outras, é que se pretendeu levantar
as questões todas tocadas no presente estudo, as quais remanescem carentes de respostas ou
com respostas insuficientes, que, porém, poderão ser alcançadas na continuidade desta
pesquisa que deverá ser paciente, paulatina, detida no laboratórios jurídicos pátrios e externos,
bem como nas bibliotecas jurídicas de cá de de lá, com olhos aos valores humanos que
emanam mundialmente. Este o projeto de Mestrado que se tem pensado...: ... Estas são
algumas questões que se pretendeu levantar com a análise conjunta da teoria e da prática do
Direito, da doutrina e da jurisprudência, cuja conclusão, in casu, é no sentido de que aquela
e esta têm andado por caminhos bem longínquos, desconectadas entre si e principalmente do
128 Trechos das páginas 31-32. 129 Ibid., p. 95 130 Trecho da página 03
principal interesse do Estado Social de Direito – paz social com justiça – e daquele que
deveria figurar como o único interessado: o homem...131
7. Por tudo isso se aplaudiu a decisão final da ADI 939-7 como postura a ser
observada para um Novo direito, novos juízes, na busca constante da evolução desta ciência
humana com a concomitante metamorfose do Judiciário. Sem é claro, deixar de chamar a
atenção às falhas desta decisão que teve um final feliz, apesar do meio desvinculado da
postura assinalada. Sem portanto deixar de gritar à necessidade de, aqui no Direito, fazer
acontecer como em outras facetas da ciência, unindo-se aos laboratórios as bibliotecas, vale
ressaltar, aos julgamentos as doutrinas, sempre com centro no homem.
131 Trecho da página 40
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