64
Os elementos populares na obra de Alberto Ginastera: As três sonatas para piano solo Dissertação para a obtenção do grau de Mestre em Música Interpretação Artística Especialidade: Piano Orientador(a): Professora Doutora Madalena Soveral Ana Raquel Barbosa dos Reis Cunha 2013 Escola Superior de Música, Artes e Espetáculo Instituto Politécnico do Porto Portugal

Os elementos populares na obra de Alberto Ginastera: As ...€¦ · mais dissimulada) melodias e ritmos da era pré-colombiana, assim como elementos folclóricos argentinos, misturados

  • Upload
    others

  • View
    0

  • Download
    1

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: Os elementos populares na obra de Alberto Ginastera: As ...€¦ · mais dissimulada) melodias e ritmos da era pré-colombiana, assim como elementos folclóricos argentinos, misturados

Os elementos populares na obra de

Alberto Ginastera:

As três sonatas para piano solo

Dissertação para a obtenção do grau de Mestre em Música

– Interpretação Artística

Especialidade: Piano

Orientador(a): Professora Doutora Madalena Soveral

Ana Raquel Barbosa dos Reis Cunha

2013

Escola Superior de Música, Artes e Espetáculo

Instituto Politécnico do Porto

Portugal

Page 2: Os elementos populares na obra de Alberto Ginastera: As ...€¦ · mais dissimulada) melodias e ritmos da era pré-colombiana, assim como elementos folclóricos argentinos, misturados
Page 3: Os elementos populares na obra de Alberto Ginastera: As ...€¦ · mais dissimulada) melodias e ritmos da era pré-colombiana, assim como elementos folclóricos argentinos, misturados

Ana Raquel Barbosa dos Reis Cunha Os elementos populares na obra de Alberto Ginastera: As três sonatas para piano solo

iii

AGRADECIMENTOS

Agradeço a orientação da Professora Doutora Madalena Soveral, no tempo que me

concedeu na elaboração desta dissertação e na sua disponibilidade incansável e encorajadora

com que sempre me orientou no processo do trabalho.

Agradeço as aulas e conselhos importantes do Professor Luís Filipe Sá, assim como as

informações valiosíssimas dadas pelos pianistas Luiz de Moura e Castro e Lucia Abonizio.

Agradeço a Manuela e Abel Cunha, meus pais, e ao violoncelista Bruno Pinto

Cardoso, a presença e incentivo constantes e o apoio fundamental da Doutora Isabel Barbosa,

minha prima, na reta final da elaboração deste trabalho.

Page 4: Os elementos populares na obra de Alberto Ginastera: As ...€¦ · mais dissimulada) melodias e ritmos da era pré-colombiana, assim como elementos folclóricos argentinos, misturados
Page 5: Os elementos populares na obra de Alberto Ginastera: As ...€¦ · mais dissimulada) melodias e ritmos da era pré-colombiana, assim como elementos folclóricos argentinos, misturados

Ana Raquel Barbosa dos Reis Cunha Os elementos populares na obra de Alberto Ginastera: As três sonatas para piano solo

v

RESUMO

A presente dissertação centra-se nos elementos da música popular argentina na obra

para piano de Alberto Ginastera. Este é considerado um dos compositores mais importantes

do seu país. A sua música é profundamente inspirada nas civilizações antigas do mundo pré-

colombiano e também na música tradicional argentina. Este trabalho concentra-se nas três

sonatas para piano solo deste compositor, onde se faz a análise em termos harmónicos,

rítmicos, formais e pianísticos. É também abordada a importância da música popular no

discurso musical.

Palavras-chave: Ginastera, Sonatas, Música popular.

ABSTRACT

This dissertation focuses about the folk elements of Argentine music in Alberto

Ginastera’s piano work. He is considered to be one of the most important composers in his

country. His music is deeply inspired by the ancient civilizations of pre-Columbian world and

also by Argentine traditional music. This work is based on the composer’s three piano

sonatas, where an analysis of these pieces in harmonic, rhythmic, formal and pianistic manner

is made. It also approaches the significance of folk music in the musical speech.

Keywords: Ginastera, Sonatas, Popular music.

Page 6: Os elementos populares na obra de Alberto Ginastera: As ...€¦ · mais dissimulada) melodias e ritmos da era pré-colombiana, assim como elementos folclóricos argentinos, misturados
Page 7: Os elementos populares na obra de Alberto Ginastera: As ...€¦ · mais dissimulada) melodias e ritmos da era pré-colombiana, assim como elementos folclóricos argentinos, misturados

Ana Raquel Barbosa dos Reis Cunha Os elementos populares na obra de Alberto Ginastera: As três sonatas para piano solo

vii

ÍNDICE

ÍNDICE DE EXEMPLOS ......................................................................................................... ix

INTRODUÇÃO .......................................................................................................................... 1

CAPÍTULO I – Alberto Ginastera e Argentina .......................................................................... 3

CAPÍTULO II – Música popular argentina .............................................................................. 15

2.1 - A música andina e os cantos de caja ............................................................................ 15

2.2 - Música crioula .............................................................................................................. 17

CAPÍTULO III – Sonata nº1 (opus 22) .................................................................................... 23

3.1 – Primeiro andamento ..................................................................................................... 24

3.2 – Segundo andamento ..................................................................................................... 26

3.3 – Terceiro andamento ..................................................................................................... 29

3.4 – Quarto andamento ........................................................................................................ 31

CAPÍTULO IV – Sonata nº2 (opus 53) .................................................................................... 35

4.1 – Primeiro andamento ..................................................................................................... 35

4.2 – Segundo andamento ..................................................................................................... 39

4.3 – Terceiro andamento ..................................................................................................... 41

CAPÍTULO V – Sonata nº3 (opus 54) ..................................................................................... 45

CONCLUSÃO .......................................................................................................................... 51

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ..................................................................................... 53

Page 8: Os elementos populares na obra de Alberto Ginastera: As ...€¦ · mais dissimulada) melodias e ritmos da era pré-colombiana, assim como elementos folclóricos argentinos, misturados
Page 9: Os elementos populares na obra de Alberto Ginastera: As ...€¦ · mais dissimulada) melodias e ritmos da era pré-colombiana, assim como elementos folclóricos argentinos, misturados

Ana Raquel Barbosa dos Reis Cunha Os elementos populares na obra de Alberto Ginastera: As três sonatas para piano solo

ix

ÍNDICE DE EXEMPLOS

Exemplo 1 - Sonata nº1 – 1º andamento (cc.175 – 179) ............................................................ 9

Exemplo 2 - Danzas Argentinas – Danza del gaucho matrero (cc.62 – 69) ............................. 10

Exemplo 3 - Danzas Argentinas – Danza del Viejo Boyero (cc. 79 – 83) ............................... 10

Exemplo 4 - Sonata nº1 - 2º andamento ((a) - cc. 109 – 110 (b) – cc. 185 – 187) .................. 11

Exemplo 5 - Células rítmicas mais usadas por Ginastera ......................................................... 11

Exemplo 6 - Sonata nº1 - 2º andamento (cc. 51 – 54) .............................................................. 11

Exemplo 7 - Danzas Argentinas – Danza del gaucho matrero (cc. 186 – 188) ........................ 11

Exemplo 8 - Baguala ................................................................................................................ 16

Exemplo 9 - Variações rítmicas ternárias características da música andina ............................ 16

Exemplo 10 - Vidala mostrando o uso do quarto grau aumentado .......................................... 16

Exemplo 11 - Vidala de andamento lento ................................................................................ 17

Exemplo 12 - Vidala mostrando o uso do quarto grau natural e aumentado ........................... 17

Exemplo 13 - Gato para guitarra .............................................................................................. 18

Exemplo 14 - Chacarera para guitarra solo .............................................................................. 19

Exemplo 15 - Malambo para acompanhamento de guitarra ..................................................... 19

Exemplo 16 - Suite de Danzas Criollas (último andamento cc. 37 - 39) ................................. 19

Exemplo 17 - Milonga para acompanhamento de guitarra....................................................... 20

Exemplo 18 - Allegro barbaro de Béla Bartók (cc. 1 – 6) ........................................................ 24

Exemplo 19 - Sonata nº1 – 1º andamento (cc.1 – 4: início do 1ºtema) .................................... 24

Exemplo 20 - Sonata nº1 – 1º andamento (cc. 52 – 55: 2º tema) ............................................. 24

Exemplo 21 - Sonata nº1 – 1º andamento (cc. 7 – 8) ............................................................... 25

Exemplo 22 - Sonata nº1 – 1º andamento (c. 101) ................................................................... 25

Exemplo 23 - Sonata nº1 – 1º andamento (cc. 138 – 139) ....................................................... 26

Exemplo 24 - Sonata nº1 – 1º andamento (cc. 184 – 187) ....................................................... 26

Exemplo 25 - Sonata nº1 – 2º andamento (cc. 1 – 2) ............................................................... 27

Exemplo 26 - Sonata nº2, op.35 de Frédéric Chopin – 4ºandamento (cc.1 – 4) ...................... 27

Exemplo 27 - Sonata nº1 – 2º andamento (cc. 30 – 33) ........................................................... 27

Exemplo 28 - Sonata nº1 – 2º andamento (cc. 48 – 49) ........................................................... 28

Exemplo 29 - Sonata nº1 – 2º andamento (cc. 82 - 84) ............................................................ 28

Exemplo 30 - Sonata nº1 – 2º andamento (cc. 109 – 110) ....................................................... 28

Exemplo 31 - Sonata nº1 – 2º andamento (cc. 183 – 187) ....................................................... 29

Exemplo 32 - Sonata nº1 – 3º andamento (cc. 1 - 4) ................................................................ 29

Exemplo 33 - Sonata nº1 – 3º andamento (cc. 68 – 70) ........................................................... 30

Exemplo 34 - Sonata nº1 – 2º andamento (últimos compassos) .............................................. 31

Exemplo 35 - Sonata nº 1 – 4º andamento (Elementos motívicos do tema A (cc. 1 – 2) e do

tema B (cc. 27 – 28), respetivamente) ...................................................................................... 31

Exemplo 36 - Sonata nº1 – 1º andamento (cc.143-147) ........................................................... 32

Exemplo 37 - Sonata nº1 – 4º andamento (cc.30-35) ............................................................... 32

Exemplo 38 - Sonata nº1 – 4º andamento (cc.175-179) ........................................................... 33

Exemplo 39 - Sonata nº2 – 1º andamento (cc. 1 – 2) ............................................................... 36

Exemplo 40 - Sonata nº2 – 1º andamento (c. 148) ................................................................... 36

Page 10: Os elementos populares na obra de Alberto Ginastera: As ...€¦ · mais dissimulada) melodias e ritmos da era pré-colombiana, assim como elementos folclóricos argentinos, misturados

Ana Raquel Barbosa dos Reis Cunha Os elementos populares na obra de Alberto Ginastera: As três sonatas para piano solo

x

Exemplo 41 - Sonata nº2 – 1º andamento (c. 150) ................................................................... 37

Exemplo 42 - Sonata nº2 – 1º andamento (cc. 61 – 70) ........................................................... 37

Exemplo 43 - Sonata nº2 – 1º andamento (cc. 71 – 74) ........................................................... 38

Exemplo 44 - Sonata nº2 – 1º andamento (cc. 74 – 75) ........................................................... 38

Exemplo 45 - Sonata nº2 – 1º andamento (cc. 136 – 137) ....................................................... 38

Exemplo 46 - Sonata nº2 – 1º andamento (c. 17) ..................................................................... 39

Exemplo 47 - Sonata nº2 – 2º andamento (c. 1) ....................................................................... 39

Exemplo 48 - Out of doors de Béla Bartók – Night’s music (c. 1) .......................................... 39

Exemplo 49 - Sonata nº2 – 2º andamento (cc. 3 – 4) ............................................................... 40

Exemplo 50 - Sonata nº2 – 2º andamento (cc. 9 – 13) ............................................................. 41

Exemplo 51 - Sonata nº2 – 3º andamento (cc. 1 – 4) ............................................................... 41

Exemplo 52 - Sonata nº2 – 3º andamento (cc. 50 – 53) ........................................................... 42

Exemplo 53 - Sonata nº2 – 3º andamento (compassos finais) .................................................. 42

Exemplo 54 - Sonata nº3 (c. 2) ................................................................................................. 45

Exemplo 55 - Sonata nº3 (cc. 1 – 4) ......................................................................................... 46

Exemplo 56 - Sonata nº3 (cc. 12 – 13) ..................................................................................... 46

Exemplo 57 - Sonata nº3 (cc. 42 – 43) ..................................................................................... 46

Exemplo 58 - Sonata nº3 (cc. 46 – 48) ..................................................................................... 47

Exemplo 59 - Sonata nº3 (c. 77) ............................................................................................... 47

Exemplo 60 - Sonata nº3 (c. 36 e c. 74) ................................................................................... 48

Exemplo 61 - Sonata nº3 (c. 56) ............................................................................................... 48

Exemplo 62 - Sonata nº3 (c. 26) ............................................................................................... 49

Page 11: Os elementos populares na obra de Alberto Ginastera: As ...€¦ · mais dissimulada) melodias e ritmos da era pré-colombiana, assim como elementos folclóricos argentinos, misturados

Ana Raquel Barbosa dos Reis Cunha Os elementos populares na obra de Alberto Ginastera: As três sonatas para piano solo

1

INTRODUÇÃO

Este trabalho, tal como indica o título, é direcionado para a obra para piano solo de

Alberto Ginastera. A importância que assume as três sonatas no percurso criativo do

compositor justificaria, por si só, a escolha do tema. Mas também outras razões mais pessoais

ditaram esta escolha: o impacto causado pela audição da Sonata nº1, opus 22 pelo pianista

Luiz de Moura e Castro desde logo influenciou a minha vontade de trabalhar este compositor.

Durante a minha Licenciatura, apresentei em recitais a Sonata nº1 e, desde essa fase,

percebi o quão importante seria conhecer melhor as características da música popular

argentina.

Após o meu ingresso no Mestrado em Interpretação Artística na Escola Superior de

Música e das Artes do Espetáculo do Porto, fui trabalhando outras obras de Ginastera, como a

Suite de Danzas Criollas e as Danzas Argentinas, o que me permitiu ficar a conhecer melhor

a sua linguagem musical.

No sentido de aprofundar ainda mais o meu conhecimento sobre este tema, assim

como aperfeiçoar a minha interpretação das obras, trabalhei com os pianistas Luiz de Moura e

Castro e Lucia Abonizio.

Tendo em vista aprofundar o trabalho, o estudo analítico pareceu-me ser um meio

particularmente eficaz na ajuda da interpretação das obras.

No intuito de dar uma visão o mais alargada possível do percurso de Alberto

Ginastera, foi essencial fazer uma abordagem geral do ambiente cultural e musical que

rodeava o compositor naquela época.

Passo a anunciar a divisão do trabalho: o primeiro capítulo é uma explanação do

panorama histórico e cultural da Argentina, passando pelo desenvolvimento e crescimento da

música no seio da sociedade argentina e a vida de Ginastera, enquanto compositor.

O segundo capítulo aborda questões sobre a música popular, dando exemplos de

danças e canções argentinas. Serão aí tratadas as músicas de origem crioula e andina,

permitindo posteriormente ver a aplicação desses ritmos ou melodias nas três sonatas.

Os terceiro, quarto e quinto capítulos fazem um estudo em termos harmónicos, formais

e pianísticos das Sonatas nº1, nº2 e nº3, respetivamente. Aí será abordada a importância da

música popular no discurso.

Page 12: Os elementos populares na obra de Alberto Ginastera: As ...€¦ · mais dissimulada) melodias e ritmos da era pré-colombiana, assim como elementos folclóricos argentinos, misturados
Page 13: Os elementos populares na obra de Alberto Ginastera: As ...€¦ · mais dissimulada) melodias e ritmos da era pré-colombiana, assim como elementos folclóricos argentinos, misturados

Ana Raquel Barbosa dos Reis Cunha Os elementos populares na obra de Alberto Ginastera: As três sonatas para piano solo

3

CAPÍTULO I – Alberto Ginastera e Argentina

“Há aqui um jovem compositor que é normalmente olhado como a

«esperança» da música argentina. Seria proveitoso para Alberto Ginastera

contatar com realidades fora da Argentina. Todos o veem com bons olhos,

é apresentável, modesto quase ao ponto da timidez e um dia será,

sem dúvida, uma figura incontornável da música da Argentina.”

Aaron Copland

Alberto Evaristo Ginastera (Buenos Aires, 11 de Abril de 1916 – Genebra, 25 de

Junho de 1983) é considerado um dos mais importantes compositores da Argentina. As suas

composições alcançaram um amplo reconhecimento, tendo sido também um forte contributo

para a música latino-americana do século XX. O carácter popular inerente à sua música e a

força rítmica com que esta é conduzida, são constantes em toda a sua obra.

Segundo Sergio de los Cobos, “a vida de Ginastera pode ser descrita como uma

reflexão temporal microcósmica da evolução cultural macrocósmica da Argentina”. Assim

sendo, é importante referir brevemente o contexto histórico do país onde nasceu e que o irá

influenciar na criação da sua música. Originalmente, era a civilização Inca que habitava a

atual Argentina, a sua música era ainda muito primitiva. Em 1516, deu-se a colonização

espanhola, tendo sido a primeira influência estrangeira no país; na música, foi introduzida a

guitarra e aparece o termo “crioulo”, que nasceu de uma mestiçagem espanhola, indígena e

africana. Com a independência da Argentina, em 1816, surgiu o “gaúcho”, termo que se refere

aos habitantes e pastores da zona do pampas, ou seja, das largas planícies de Argentina, e que

passou a ser uma fonte de inspiração constante para a cultura nacionalista argentina. O nome

pampas refere-se, mais concretamente, à região geográfica que se estende sobre o interior da

Argentina e cobre a parte oeste da província de Buenos Aires, a sudoeste de Córdoba e Santa

Fé, a sudeste de San Luis e quase toda a província de La Pampa. Por esta altura, a música

crioula está presente em duas regiões: as províncias do Noroeste e Centro e a zona do Rio de

la Plata e de La Pampa1. Posteriormente, com a emigração europeia, o país sentiu necessidade

de encontrar a sua identidade cultural. Então, tal como sugere de los Cobos, “pode ser traçado

um paralelo entre a evolução de Ginastera como compositor e o desenvolvimento da

Argentina como uma identidade cultural”, pois em toda a sua obra, dando particular

incidência nesta monografia às três sonatas para piano, ele utiliza (de uma forma explícita ou

mais dissimulada) melodias e ritmos da era pré-colombiana, assim como elementos

folclóricos argentinos, misturados com sonoridades das cordas da guitarra.

Curiosamente, a Argentina teve as suas primeiras eleições livres, com sufrágio

universal e secreto, em 1916, ano em que nasceu Ginastera. Yrigoyen foi eleito e assumiu

presidência no mesmo ano. Depois do período de presidência de Marcelo Torcuato de Alvear,

Hipólito Yrigoyen é reconduzido ao cargo a 12 de Outubro de 1928. No ano seguinte inicia-se

a Grande Depressão Mundial. Este período é conhecido pela história argentina como “A

Etapa Radical”, que se segue até 1930, quando é interrompido por um golpe de Estado. É

nesta década que o tango (símbolo musical da Argentina) passa de uma dança com foco

Page 14: Os elementos populares na obra de Alberto Ginastera: As ...€¦ · mais dissimulada) melodias e ritmos da era pré-colombiana, assim como elementos folclóricos argentinos, misturados

Ana Raquel Barbosa dos Reis Cunha Os elementos populares na obra de Alberto Ginastera: As três sonatas para piano solo

4

apenas na música para uma forma mais lírica e poética, com cantores como Carlos Gardel. A

idade de ouro do tango (1930 a meados de 1950) espelhou-se no Jazz e Swing dos Estados

Unidos, apresentando-se com grandes grupos orquestrais. Mais tarde, o virtuoso

bandoneonista e compositor Astor Piazzolla transformou o tango tradicional num estilo

denominado “novo tango”, sendo este um género mais subtil, intelectual, mais orientado para

o ouvinte e que incorpora elementos de jazz e música clássica. Foi também na década de 30

que surgiu na Argentina um estilo folk nacional, para além de dezenas de danças regionais já

existentes. Nas artes plásticas, distinguiam-se as litografias de um grande artista influente,

Adolfo Bellocq, que utilizava este meio para retratar as duras condições de trabalho no sector

industrial crescente da Argentina, durante os anos de 1920 a 1930. Também nesta área,

Florencio Molina Campos, ilustrador e pintor argentino, ficou conhecido pelo seu trabalho

descrever cenas tradicionais do pampas e gauchescas, usando algum humor. Por esta altura,

Ginastera inicia os seus estudos musicais no Conservatório Williams (fundado por Alberto

Williams), em Buenos Aires, com os professores Torcuato Rodriguez Castro (teoria e solfejo),

Cayetano Argenziani (piano), Celestino Piaggio (harmonia) e José Gil (composição). Depois

de terminar os estudos no Conservatório Williams, Ginastera ingressa no curso de

composição do Conservatório Nacional de Música, de 1936 a 1938, onde estuda harmonia

com Athos Palma, contraponto e fuga com José Gil e composição com José André2.

Após o golpe de estado de 6 de Setembro de 1930, o general José Félix Uriburu

derrota o governo constitucional, iniciando uma série de golpes de estado e governos

militares, ficando esta fase conhecida como a Década Infame (governos de Ortiz, Justo e

Castillo). A Argentina encontrava-se sob uma nova ditadura que se estenderia até à revolução

de 4 de Julho de 1943. O movimento operário argentino começava a organizar-se nesta época,

formando a Confederação Geral do Trabalho (CGT). Nas eleições de 1946, Perón foi eleito

com 56% dos votos, começando rapidamente a consolidar o seu poder, seguindo uma linha

política própria que incluía elementos do chamado “Populismo” (nacionalista, antinorte-

americana, trabalhista e simpática dos países do eixo). Na música folk nacional, a Argentina

de Perón fez com que surgisse a Nueva Canción, pois os artistas começaram a exprimir na sua

música objeções a temas políticos. Atahualpa Yupangui, o maior músico folk da Argentina, e

Mercedes Sosa seriam figuras proeminentes no processo de evolução da Nueva Canción,

ganhando esta última reconhecimento global.

Sendo um pensador franco liberal e independente, Ginastera tinha uma relação

conflituosa com o Estado, o que lhe custou o lugar no Liceu Militar General San Martín,

ganho em 1941 por concurso. Em 1945, Juan Perón, na altura secretário no Ministério da

Guerra, demitiu Ginastera e outros catorze professores por terem assinado um manifesto que

defendia princípios de liberdade e de democracia. Esta situação agravou-se durante o mandato

de Perón, perdendo o seu cargo de diretor no Conservatório de Música e Artes Cénicas, em

Buenos Aires. É nesta altura, em Dezembro de 1945, que Ginastera decide ir para os Estados

Unidos, juntamente com a sua mulher e filhos, dando uso à bolsa que lhe havia sido atribuída

em 1942 pela Fundação Guggenheim. Assim, no final da guerra, e tendo sido dispensado dos

seus postos pelo ditador Juan Perón, concretizou a sua viagem, com a ambição de se

aproximar de Bartók e conhecer melhor a sua música, o que não se realizou pois Bartók

Page 15: Os elementos populares na obra de Alberto Ginastera: As ...€¦ · mais dissimulada) melodias e ritmos da era pré-colombiana, assim como elementos folclóricos argentinos, misturados

Ana Raquel Barbosa dos Reis Cunha Os elementos populares na obra de Alberto Ginastera: As três sonatas para piano solo

5

falecera uns meses antes.3 Então, acabou por estudar com Aaron Copland, em Tanglewood

(Massachusetts), compositor americano, cuja música possuía muitas afinidades com a de

Ginastera.4 Em 1948, de regresso a Buenos Aires, tomou a iniciativa de formar a Liga de

Compositores que se tornou a secção argentina da International Society for Contemporany

Music (ISCM). Fundou também o Conservatório da Província de Buenos Aires em La Plata e

manteve o seu cargo de presidente do grupo de composição do Conservatório Nacional de

Música, o qual lhe tinha sido atribuído em 1944. Em 1951 viaja até à Europa para a estreia do

seu 1º Quarteto de Cordas em Frankfurt, obra eleita para integrar os programas do 25º

Festival da Sociedade Internacional de Música Contemporânea. De visita a outros países

europeus, encontra-se em Paris com Nadia Boulanger, a qual o convida a conhecer a Escola

de Fontainebleau, onde é diretora. Quando em 1952 é estendido o direito de voto às mulheres,

o Partido Peronista, para além das vertentes sindical e política, aglutina a vertente feminina.

Nesse mesmo ano, Alberto Ginastera compõe a Sonata nº1 a pedido da Carnegie Institution e

do Pennsylvania College for Women. No período de 1952 a 1955, Ginastera, tendo

dificuldades económicas devido ao regime, assina com várias empresas contratos para

escrever música para películas cinematográficas. O cinema argentino estava no seu auge, pois

desde 1930 até 1950 foram realizadas inúmeras produções, sendo esta fase denominada de

“idade de ouro”. Com a Revolução Libertadora (1955-1958), Perón é obrigado a exilar-se,

fixando-se em Madrid. Ginastera recupera a sua posição no Conservatório de Música e Artes

Cénicas em 1956. Durante os anos 60 e 70 todos os governos eleitos foram derrubados por

golpes militares. Em 1972, Perón volta ao país e o claro triunfo do peronismo nas eleições de

1973 é afetado pela morte do mesmo no ano seguinte. Neste período, Ginastera já estava a

viver na Europa desde 1970, onde se casou com a violoncelista Aurora Natola, tendo vivido

até aos seus últimos anos em Genebra.

Chase sugere que o movimento nacional na música argentina era dominante quando

Ginastera atinge a maturidade.5

Uma das figuras primordiais nos músicos argentinos, durante a primeira metade do

século XX, foi Alberto Williams (1862 – 1952), que estudou com César Franck, tendo sido

profundamente influenciado pela escola francesa. Foi também quem iniciou o movimento

nacional na música argentina, com a sua obra para piano El Rancho Abandonado:

“Tal como Bartók, visitou muitas regiões do seu país para descobrir de que forma a

música era representada e executada na sua variedade de estilos.”6

Assim, com Williams, surgiu um novo rumo na música da Argentina, o qual foi

seguido por outros compositores do país, tal como Julián Aguirre (1858 – 1924), Carlos

López Buchardo (1881 – 1948) e outros. O primeiro foi mais longe que Williams na sua

procura de um estilo nacionalista: introduziu o crioulismo na sua obra, que se trata de uma

tendência nativista nas literaturas ibero-americana, por outras palavras, uma mistura de

elementos nativos americanos e europeus. Em suma, tal como na Europa, esta corrente

nacionalista estendeu-se pela Argentina durante a década de 1880. Mas, com o início do

século XX, ocorreu uma evolução mais ampla na composição, passando esta a ter um carácter

muito mais internacional e, por consequência, uma maior variedade de estilos e técnicas. Tal

como Ginastera afirma:

Page 16: Os elementos populares na obra de Alberto Ginastera: As ...€¦ · mais dissimulada) melodias e ritmos da era pré-colombiana, assim como elementos folclóricos argentinos, misturados

Ana Raquel Barbosa dos Reis Cunha Os elementos populares na obra de Alberto Ginastera: As três sonatas para piano solo

6

“… os músicos da geração nascida antes [de 1880], muitos dos quais com

estudos feitos na Europa, foram influenciados por compositores da segunda

metade do século passado, pelos primeiros esplendores do impressionismo

francês e do realismo italiano de Puccini. A geração nascida na década de 1890

apresenta um quadro muito diferente. O conhecimento das obras de Debussy,

Ravel, Schönberg, etc…, provocou uma evolução na música argentina, tendo como

resultado mais admirável a superação da tradição romântica.

A força rítmica de Petroushka, ou de A Sagração da Primavera, a novidade de A

História do Soldado ou de Pulcinella, a simplicidade e grandeza de O Rei David, o

uso de material folclórico em Falla e Bartók e a originalidade de Hindemith e Milhaud

foram naquela altura as fontes que originaram o novo movimento estético na

Argentina.”7

O compositor argentino Juan José Castro (1895 – 1968) é um exemplo desta “segunda

geração” de músicos, pois tanto utiliza tradições folclóricas nacionais como recorre ao

neoclassicismo8 de Stravinsky tão em voga na época.

Ginastera refere que é através do seu primeiro contacto musical com Bartók, aos

quinze anos, num concerto de Rubinstein, ao ouvir pela primeira vez a peça Allegro barbaro,

que sentiu “o impacto de uma descoberta, o espanto de uma revelação”9.

Durante o período de escrita de Panambí (1934 – 1936) e, principalmente, das Danzas

Argentinas (1937), Ginastera argumenta estar sob a influência de Bartók, como também

afirma que o seu “folclore imaginário” começa aí10

, com as suas harmonizações politonais e

os seus ritmos intensos e bem marcados – o “entusiasmo febril” bartoquiano11

. Assim, tal

como Bartók inseriu na sua música características do folclore húngaro, Ginastera conseguiu

recriar o espírito da música popular argentina (folclore argentino) nas suas composições,

principalmente nas do seu primeiro período composicional.

Para além da música de carácter popular de Bartók, a corrente neoclássica também

estava muito presente na Europa, mas esta só veio a influenciar Ginastera anos mais tarde:

“Embora eu não a tenha aceitado de imediato [A Sagração da Primavera], como

poderia ter feito se nesse momento os meus únicos deuses não fossem Debussy e

Ravel, ainda assim não a rejeitei completamente. Eu não imaginava na época que esta

seria uma das obras que mais me iria influenciar nos últimos anos.”12

Enquanto Ginastera, durante o seu primeiro período composicional – Nacionalismo

Objetivo (1937 – 1948) - ainda compunha sob influência de Debussy, Ravel, mas também já

de Bartók, na Europa as correntes musicais que mais se manifestavam eram o dodecafonismo

de Schönberg13

e o neoclassicismo de Stravinsky, e nos Estados Unidos da América, o

ultramodernismo de Henry Cowell.

Page 17: Os elementos populares na obra de Alberto Ginastera: As ...€¦ · mais dissimulada) melodias e ritmos da era pré-colombiana, assim como elementos folclóricos argentinos, misturados

Ana Raquel Barbosa dos Reis Cunha Os elementos populares na obra de Alberto Ginastera: As três sonatas para piano solo

7

Ginastera dividiu a sua obra em três fases: Nacionalismo Objetivo (1937-1948),

Nacionalismo Subjetivo (1948 – 1958) e Neoexpressionismo (1958 – 1983)14

. O início da

primeira fase poderia datar de 1934, tal como aparece noutras fontes, mas o mais correto será

considerar 1937, pois, tal como refere Gilbert Chase, as primeiras composições reconhecidas

por Ginastera datam de 1937:

“Entretanto, mesmo antes de concluir o curso no Conservatório [Williams em Buenos

Aires], esteve a compor extensivamente, incluindo um vasto número de obras que

destruiu mais tarde. As primeiras composições que ele agora reconhece datam de

1937.”15

Ginastera define este período da seguinte forma:

“O objetivo, no qual os elementos de carácter argentino são apresentados de uma

forma simples e em que a linguagem participa ainda de elementos melódicos da

música tonal.”16

O compositor afirma também ter sentido necessidade, nesta fase, de expressar-se como

homem argentino e, ao mesmo tempo, como homem do pampas, tornando-se o expoente

máximo da tradição gauchesca17

na música:

“Sempre que atravessei o pampas ou lá vivi por algum tempo, o meu espírito sentiu-se

inundado por impressões mutáveis, ora alegres, ora melancólicas, algumas cheias de

euforia e outras repletas de uma profunda tranquilidade, resultantes da sua ilimitada

imensidão e da transformação que o campo sofre com o decorrer do dia.”18

Essas emoções provocadas pelo pampas estão também intrinsecamente ligadas às

impressões que Ginastera recebia depois de ler literatura gauchesca ou observar pinturas de

Pedro Figari, figura emblemática do Uruguai ao basear a sua produção artística num vasto

leque de temas relacionados com as tradições e costumes da região do Rio de la Plata:

“A contemplação da paisagem argentina e o estímulo intelectual que exerceram em

mim alguns quadros de Figari e alguns livros de Güiraldes, levaram-me ainda mais

nesse sentido.”19

Desta fase podem destacar-se as obras para piano solo Danzas Argentinas (1937),

Suite de Danzas Criollas (1946) e 12 Preludios Americanos (1944).

Após a Segunda Guerra Mundial, com os novos avanços tecnológicos, foi possível

viajar e comunicar de uma forma mais rápida e a informação passou a estar muito mais

disponível.

Durante a década de 1940, Messiaen e Dallapiccola adotam a ideia, oriunda da

matemática, da permutação da série dodecafónica para determinar a sequência ordenada de

Page 18: Os elementos populares na obra de Alberto Ginastera: As ...€¦ · mais dissimulada) melodias e ritmos da era pré-colombiana, assim como elementos folclóricos argentinos, misturados

Ana Raquel Barbosa dos Reis Cunha Os elementos populares na obra de Alberto Ginastera: As três sonatas para piano solo

8

intensidade, duração e timbre dos sons. Nasce, então, o serialismo integral, criado na "Escola

Internacional de Verão" para a Música Nova de Darmstadt (Alemanha). Entre os

compositores desta escola, sobressaem Stockhausen e Boulez, criador de Le marteau sans

maître (1953 – 1955). Também na mesma época emergiu a “micropolifonia”20

de Ligeti.

Estamos então na altura do Nacionalismo Subjetivo de Ginastera (1948 - 1958), que é

descrito pelo próprio como uma fase onde o carácter argentino começa a adquirir uma nova

fisionomia e a linguagem musical inicia a sua evolução até ao dodecafonismo21

, isto é, trata-

se de um período “subjetivo” pois aparecem características de um estilo que, sem abandonar a

tradição argentina, se torna mais amplo ou com uma maior ampliação universal.22

As obras

mais representativas deste período são o 1º Quarteto de Cordas (1948), a Sonata nº1 para

piano (1952) e Pampeana nº3 (1954), sendo esta última o ponto culminante deste

Nacionalismo Subjetivo. A Sonata nº1 é uma obra que não possui um único tema popular e

apresenta, contudo, uma linguagem que se reconhece como tipicamente argentina. Segundo

Ginastera:

“A Sonata é escrita com técnicas politonais e dodecafónicas. O compositor não utiliza

qualquer material folclórico, mas, em alternativa, introduz na textura temática motivos

rítmicos e melódicos cuja tensão expressiva tem um acentuado carácter Argentino.”23

No desenrolar do seu segundo andamento, Presto misterioso, Ginastera recorre a

algumas sonoridades que nos mostram claramente que usou o dodecafonismo não como uma

técnica rigorosa de composição, mas mais como inspiração.24

É a primeira vez que aparece

material de doze sons na música para piano de Ginastera. Tendo já interpretado a Sonata nº1 e

a Suite de Danzas Criollas, posso constatar que muitos dos motivos rítmicos da sonata

estavam já presentes no andamento final Scherzando e Coda da outra obra referida atrás.

É de notar que em muitas obras de Ginastera existe, através do título, uma alusão

óbvia ao seu país (Danzas Argentinas, Pampeana, Malambo), mas mesmo nas obras mais

formais e autónomas, como o 1º Quarteto de Cordas e a referida Sonata nº1, há um carácter

nacional definitivo, ainda que não seja tão evidente25

.

A fase neoexpressionista (1958 – 1983) inicia-se, segundo o compositor, com o 2º

Quarteto de Cordas (1958) e consolida-se com, por exemplo, o Concerto para piano e

orquestra nº1 (1961) e a Cantata para América Mágica (1960). É também no final desta fase

que foram compostas as Sonata nº2 (1981) e Sonata nº3 (1982) para piano solo. Aqui, o

material musical torna-se mais transcendente, apesar da linguagem musical adquirir maior

poder de síntese ao voltar-se abertamente ao serialismo; deixa de haver células rítmicas ou

melódicas do folclore. Contudo, esta terceira fase apresenta pormenores que podem

considerar-se de essência argentina, por exemplo, os ritmos fortes e obsessivos (que nos

remetem para as danças masculinas), a qualidade contemplativa de alguns adagios que

sugerem a tranquilidade pampeana ou o carácter esotérico e mágico de algumas passagens

que recordam as impenetráveis e misteriosas selvas.26

Page 19: Os elementos populares na obra de Alberto Ginastera: As ...€¦ · mais dissimulada) melodias e ritmos da era pré-colombiana, assim como elementos folclóricos argentinos, misturados

Ana Raquel Barbosa dos Reis Cunha Os elementos populares na obra de Alberto Ginastera: As três sonatas para piano solo

9

Por esta altura, já novos estilos surgiam na Europa, como o pós-modernismo do

alemão Wolfgang Rihm ou a música espectral do francês Gérard Grisey, e nos Estados

Unidos da América, a música minimalista de Terry Riley, John Adams e Philip Glass.

Em suma, é possível notar que Ginastera não compunha segundo as correntes musicais

que se manifestavam em determinada altura, muitas vezes ia buscar ideias aos movimentos

novos que estavam presentes mas só anos mais tarde é que os aplicava com o rigor e a técnica

com que outros compositores europeus ou americanos já tinham trabalhado. Em 1957, Gilbert

Chase afirmou:

“Qualquer que seja a direção futura da sua evolução criativa, acredito que Alberto

Ginastera continuará a assimilar técnicas contemporâneas internacionais sem sacrificar

a força enraizada e a intuição telúrica de um compositor que se identificou tão

profundamente com as tradições nacionais e os símbolos emocionais da sua terra

nativa.”27

Tal como referiu Ginastera numa entrevista com Pola Suárez Urtubey28

, a sua obra

apresenta três constantes fundamentais, isto é, três elementos permanentes desde a sua

primeira composição, Panambí, à sua última29

, e esses são:

1) Exaltação do lirismo, elevação da melodia;

2) Forte condução rítmica, através de ritmos bem marcados, oriundos das danças

masculinas (como o malambo);

3) Clima expressionista, quase mágico (como, por exemplo, no Scherzo da Sonata

nº1 para piano)

Para além destas características, Sergio de los Cobos, na sua dissertação Alberto

Ginastera’s three piano sonatas: a reflection of the composer and his country, faz notar um

aspeto harmónico recorrente, que se encontra nas três sonatas para piano: a importância do

intervalo de terceira, por outras palavras, a organização motívica destas sonatas é baseada no

intervalo de terceira, maior ou menor30

. O movimento de terceiras paralelas numa linha

melódica poderá estar relacionado com o folclore argentino31

e podem encontrar-se exemplos

no primeiro andamento da Sonata nº1 (Exemplo 1), assim como na Danza del gaucho

matrero, último andamento das Danzas Argentinas (Exemplo 2):

Exemplo 1 - Sonata nº1 – 1º andamento (cc.175 – 179)

Page 20: Os elementos populares na obra de Alberto Ginastera: As ...€¦ · mais dissimulada) melodias e ritmos da era pré-colombiana, assim como elementos folclóricos argentinos, misturados

Ana Raquel Barbosa dos Reis Cunha Os elementos populares na obra de Alberto Ginastera: As três sonatas para piano solo

10

Exemplo 2 - Danzas Argentinas – Danza del gaucho matrero (cc.62 – 69)

Outro elemento harmónico e característico de variadas obras de Ginastera é o acorde

mi, lá, ré, sol, si, mi, formado a partir da afinação das cordas da guitarra, instrumento

arquétipo da música crioula da Argentina e símbolo do gaúcho e do pampas. Este acorde

natural da guitarra foi denominado, segundo Gilbert Chase e Mary Ann Hanley, por “acorde

simbólico”32

e surge em obras como Danza del Viejo Boyero, a primeira das três Danzas

Argentinas, mesmo na parte final da peça (Exemplo 3), no início de Malambo para piano,

assim como no final do segundo andamento da primeira sonata para piano, Presto misterioso,

por exemplo, nos acordes arpejados (Exemplo 4a) e na passagem da mão esquerda (Exemplo

4b):

Exemplo 3 - Danzas Argentinas – Danza del Viejo Boyero (cc. 79 – 83)

(a)

Page 21: Os elementos populares na obra de Alberto Ginastera: As ...€¦ · mais dissimulada) melodias e ritmos da era pré-colombiana, assim como elementos folclóricos argentinos, misturados

Ana Raquel Barbosa dos Reis Cunha Os elementos populares na obra de Alberto Ginastera: As três sonatas para piano solo

11

(b)

Exemplo 4 - Sonata nº1 - 2º andamento ((a) - cc. 109 – 110 (b) – cc. 185 – 187)

Quanto ao ritmo, passo a indicar algumas das células rítmicas mais usadas por

Ginastera, muitas delas provenientes de danças rurais tradicionais argentinas, como a zamba

( ) ou, principalmente, o malambo33

:

Exemplo 5 - Células rítmicas mais usadas por Ginastera

Outro ritmo muito presente na escrita de Alberto Ginastera, que não pude deixar de

notar nas obras que estudei, encontra-se nos seguintes exemplos do segundo andamento da

Sonata nº1 (Exemplo 6) e nas Danzas Argentinas (Exemplo 7).

Exemplo 6 - Sonata nº1 - 2º andamento (cc. 51 – 54)

Exemplo 7 - Danzas Argentinas – Danza del gaucho matrero (cc. 186 – 188)

Page 22: Os elementos populares na obra de Alberto Ginastera: As ...€¦ · mais dissimulada) melodias e ritmos da era pré-colombiana, assim como elementos folclóricos argentinos, misturados

Ana Raquel Barbosa dos Reis Cunha Os elementos populares na obra de Alberto Ginastera: As três sonatas para piano solo

12

Numa entrevista dada ao Washington Post, em 1978, Ginastera explica que, apesar das

variadas diferenças estilísticas que a sua música sofreu, consegue discernir nela uma certa

unidade:

“Está sempre presente na minha música este ritmo violento. A Natureza está lá

representada, por vezes calma, outras vezes com esta violência.”34

A partir desta contextualização geral, o meu objetivo no próximo capítulo será fazer

uma breve reflexão sobre a música popular argentina para poder nos próximos capítulos

apresentar um estudo mais pormenorizado de cada uma das sonatas para piano, de um ponto

de vista analítico, mas reincidindo maioritariamente sobre os elementos de carácter popular.

1 Antonieta Sottile, Alberto Ginastera: Le(s) Style(s) d’un compositeur argentin”, Paris, L’Harmattan, 2007,

p.36. 2 José André, aluno de Alberto Williams, foi para a Schola Cantorum, em Paris, onde estudou com Albert

Roussel e Vincent D’Indy. Provavelmente transmitiu muitos elementos da cultura francesa a Ginastera. 3 Andrzej Panufnik, Alberto Ginastera e Iannis Xenakis, Homage…, op. cit., p. 4.

4 James M. Manheim, Ginastera, Alberto: 1916-1983: Argentine Composer, in

http://www.encyclopedia.com/doc/1G2-3433900040.html. Acedido em 30 de Março de 2010. 5 Gilbert Chase, Alberto Ginastera: Argentine Composer, in “The Musical Quaterly”, Vol. 43, Nº 4, Oxford

University Press, 1957, p. 442. 6 Sergio de los Cobos, Alberto Ginastera’s three Piano Sonatas: A reflection of the composer and his country,

D.M.A., Rice University, 1991, p. 12. Tradução da autora. Texto original: “Like Bartók, he visited many regions

of his country to discover how music was represented and performed in its variety of styles.” 7 Alberto Ginastera, Notas sobre la Música Moderna Argentina, in “Revista Musical Chilena”, Nº 31, 1948, p.

21. Tradução da autora. Texto original: “… musicians of the generation born before, many of whom studied in

Europe, were influenced by composers of the second half of the past century, by the first splendors of French

Impressionism and the Italian realism of Puccini. The generation born in the nineties presents a very different

picture. Knowledge of the works of Debussy, Ravel, Schönberg, etc…, provoked an evolution in Argentine

music, the most admirable result of which was the overcoming of the Romantic tradition.

The rhythmic force of Petroushka, or of Le Sacre du Printemps, the novelty of L’Histoire du Soldat or of

Pulcinella, the simplicity and grandeur of Le Roi David, the use of folkloristic material in Falla and Bartók and

the originality of Hindemith an Milhaud were at that time the fountains which originated the new aesthetic

movement in Argentina.” 8 A denominação "Neoclássica" em música refere-se, geralmente, a um movimento musical um tanto difuso,

ocorrido aproximadamente entre 1920 e 1950. A principal figura deste movimento foi Stravinsky, que após um

período identificado como primitivismo, ou "fase russa", passou a evocar a estética do século XVIII. Isso

ocorreu principalmente a partir do seu ballet Pulcinella (1920). Outros compositores podem ser reputados como

neo-clássicos no século XX, em geral uma característica atribuída àqueles que não buscaram uma estética atonal

ou o exacerbado uso da dissonância e do ruído, mas continuaram compondo segundo os parâmetros tonais dos

séculos anteriores, de alguma forma renovados. 9 Andrzej Panufnik, Alberto Ginastera e Iannis Xenakis, Homage to Béla Bartók, in “Tempo”, New Series, Nº

136, Cambridge University Press, 1981, p. 4. 10

Andrzej Panufnik, Alberto Ginastera e Iannis Xenakis, Homage…, op. cit., p. 4. 11

Béla Bartók, Influence de la musique paysanne sur la musique savante contemporaine (1931). In Bence

Szabolcsi, “Bartók: sa vie et son oeuvre”, Boosey & Hawkes, Budapeste, 1968, pp. 151-163. 12

Roger Smalley, Alexander Goehr, Gordon Crosse, John Tavener, Alberto Ginastera, Personal Viewpoints:

Notes by Five Composers, in “Tempo”, New Series, Nº 81- Stravinsky’s 85th

Birthday, Cambridge University

Press, 1967, p. 28. Tradução da autora. Texto original: “Although I did not accept it straightaway, as I might

have done if at that time my only gods had not been Debussy and Ravel, yet I did not reject it altogether. I did

not imagine at the time that this would be one of the works which would influence me most in later years.” 13

Segunda Escola de Viena: Arnold Schönberg, Alban Berg, Anton Webern.

Page 23: Os elementos populares na obra de Alberto Ginastera: As ...€¦ · mais dissimulada) melodias e ritmos da era pré-colombiana, assim como elementos folclóricos argentinos, misturados

Ana Raquel Barbosa dos Reis Cunha Os elementos populares na obra de Alberto Ginastera: As três sonatas para piano solo

13

14

Segundo Deborah Schwartz-Kates, musicóloga de referência nos estudos de Alberto Ginastera, existe um

quarto período estilístico na obra do compositor, situando-se este entre 1978 e 1983 e caracterizando-se por uma

síntese pessoal de tradição e inovação. 15

Gilbert Chase, Alberto Ginastera…, op. cit., p. 440. Tradução da autora. Texto original: “Meanwhile, even

before graduating from the Conservatory, he had been composing extensively, including a number of large

works that he later destroyed. The first compositions that he now acknowledges date from 1937.” 16

Pola Suárez Urtubey, Alberto…, op. cit., p. 68. Tradução da autora. Texto original: “El objectivo, en el que los

elementos de carácter argentino están presentados de una manera directa y en el que el lenguaje participa aún de

elementos melódicos de la música tonal.” 17

“A tradição gauchesca visa aludir ao modo de vida e aos hábitos dos gaúchos, pastores da zona das Pampas,

supostos descendentes mestiços de Espanhóis e Indígenas.” (Gama, J., 2009) 18

Gilbert Chase, Alberto Ginastera…, op. cit., p. 445. Tradução da autora. Texto original: “Whenever I have

crossed the pampa or have lived in it for a time, my spirit felt itself inundated by changing impressions, now

joyful, now melancholy, some full of euphoria and others replete with a profound tranquility, produced by its

limitless immensity and by the transformation that the countryside undergoes in the course of the day.” 19

Pola Suárez Urtubey, Alberto…, op. cit., p. 72. Tradução da autora. Texto original: “La contemplación del

campo argentino y el estímulo intelectual que ejercieron en mí algunos cuadros de Figari o algunos libros de

Güiraldes, me impulsaron aún más en esse sentido.” 20

Ligeti define micropolifonia: "a complexa polifonia das partes individuais está fundida num fluxo harmónico-

musical, no qual as harmonias não mudam subitamente; em vez disso, mesclam-se umas com as outras. É uma

combinação de intervalos claramente reconhecível e que vai se tornando nebulosa. Nesta nebulosidade, pode

distinguir-se uma nova combinação de intervalos que se vão formando.” 21

Pola Suárez Urtubey, Alberto…, op. cit., p. 68. 22

Pola Suárez Urtubey, Alberto…, op. cit., p. 72. 23

Gilbert Chase, Alberto Ginastera…, op. cit., p. 451. Tradução da autora. Texto original: “The Sonata is written

with polytonal and twelve-tone procedures. The composer does not employ any folkloric material, but instead

introduces in the thematic texture rhythmic and melodic motives whose expressive tension has a pronounced

Argentine accent.” 24

Sergio de los Cobos, Alberto Ginastera’s three Piano Sonatas…, op. cit., p. 37. 25

Gilbert Chase, Alberto Ginastera…, op. cit., p. 441. 26

Pola Suárez Urtubey, Alberto…, op. cit., p. 72. 27

Gilbert Chase, Alberto Ginastera…, op. cit., pp. 457-458. Tradução da autora. Texto original: “Whatever may

be the future direction of his creative evolution, I believe that Alberto Ginastera will continue to assimilate

contemporany international techniques without sacrificing the rooted strength and the telluric intuition of a

composer who has so deeply identified himself with the national traditions and the emotional symbols of his

native land.” 28

Pola Suárez Urtubey, Alberto…, op. cit., p. 70. 29

Aquando desta entrevista, Ginastera ainda estava a compor, pois Pola Suárez Urtubey refere no início do texto

que se tinham passado quase trinta anos da estreia de Panambí (1937), a sua primeira composição, ou seja,

estaria a decorrer, provavelmente, o ano de 1966. 30

Sergio de los Cobos, Alberto Ginastera’s three Piano Sonatas…, op. cit., p. 74. 31

Sergio de los Cobos, Alberto Ginastera’s three Piano Sonatas…, op. cit., pp. 31-32. 32

Gilbert Chase, Alberto Ginastera…, op. cit., p. 451. 33

Embora o malambo seja uma dança rápida, Ginastera tem por hábito escrever os andamentos dos seus

malambos mais rápidos do que o tempo tradicional. 34

James M. Manheim, Ginastera, Alberto: 1916-1983: Argentine Composer, in

http://www.encyclopedia.com/doc/1G2-3433900040.html. Acedido em 30 de Março de 2010. Tradução da

autora. Texto original: “Always in my music there is this violent rhythm. Nature is there, sometimes calm, and

sometimes with this violence.”

Page 24: Os elementos populares na obra de Alberto Ginastera: As ...€¦ · mais dissimulada) melodias e ritmos da era pré-colombiana, assim como elementos folclóricos argentinos, misturados
Page 25: Os elementos populares na obra de Alberto Ginastera: As ...€¦ · mais dissimulada) melodias e ritmos da era pré-colombiana, assim como elementos folclóricos argentinos, misturados

Ana Raquel Barbosa dos Reis Cunha Os elementos populares na obra de Alberto Ginastera: As três sonatas para piano solo

15

CAPÍTULO II – Música popular argentina

O objetivo deste capítulo não será fazer uma revisão completa da música popular

argentina, mas sim fornecer alguns dados gerais e essenciais à compreensão do material que

será discutido nos capítulos seguintes, os quais tratarão a forma como Ginastera utiliza os

elementos das danças populares da Argentina nas três sonatas para piano solo.

A música popular argentina pode ser dividida em três grupos, segundo a sua origem:

andina, crioula e europeia.35

A música de origem andina, tal como o próprio nome indica,

deriva das civilizações pré-colombianas, ou seja, da população indígena dos Andes, região

montanhosa a noroeste da Argentina. A música crioula é a música da população rural do

pampas (centro da tradição crioula) e, por fim, a música europeia refere-se às formas musicais

que surgiram da influência da cultura europeia, como as valsas, por exemplo. Os elementos

populares que Ginastera utiliza nas três sonatas para piano são tirados da música andina e da

música crioula.

Como as pessoas que executam este tipo de música interessam-se mais pelas canções e

danças e menos pelas formas e ritmos, torna-se difícil aplicar uma categorização musicológica

à música popular.36

Todavia, existem características distintas associadas a determinados tipos

de música popular.

2.1 - A música andina e os cantos de caja

Pouco existe sobre a música dos povos da época pré-colombiana, pois, devido à

colonização espanhola de 1516, as suas tradições culturais foram praticamente todas

destruídas, exceto nas montanhas do noroeste da Argentina, as quais, juntamente com a

Bolívia e Perú, faziam parte do império dos Incas.37

As regiões que sofreram menos misturas

culturais preservaram mais elementos das suas tradições musicais indígenas, enquanto a

música da população mestiça evidencia uma mistura de elementos da música indígena com

crioula.38

Neste trabalho, irei focar-me na música andina que apresente características típicas

da música indígena do noroeste montanhoso da Argentina.

O canto de caja é um tipo de canção muito popular dos habitantes desta região da

Argentina e é composto por um cantor acompanhado apenas por uma caja, um pequeno

tambor. O exemplo mais antigo deste tipo de canção é a baguala, que significa “primitivo” ou

“rude”, cujas melodias consistem em apenas três notas do acorde maior, normalmente num

andamento muito lento e em tempo binário ou quaternário.39

A baguala é muito comum entre

os indígenas do vale Calchaquí no noroeste da Argentina, embora possa também ser ouvida

fora desta região.40

Page 26: Os elementos populares na obra de Alberto Ginastera: As ...€¦ · mais dissimulada) melodias e ritmos da era pré-colombiana, assim como elementos folclóricos argentinos, misturados

Ana Raquel Barbosa dos Reis Cunha Os elementos populares na obra de Alberto Ginastera: As três sonatas para piano solo

16

Exemplo 8 - Baguala

Outra categoria dos cantos de caja engloba canções com as seguintes características:

uso rigoroso de métrica ternária e uso de escalas hexáfonas com o quarto grau aumentado,

normalmente no modo de fá. Estas canções costumam ser harmonizadas através de terceiras

paralelas, e quando a voz principal recorre ao quarto grau aumentado, a voz secundária, uma

terceira inferior à voz principal, usa a quarta natural.

Exemplo 9 - Variações rítmicas ternárias características da música andina

Tal como a baguala, estas canções eram originalmente acompanhadas pela caja, mas

agora é comum ter o acompanhamento da guitarra, como substituição da caja ou juntamente

com ela. O uso da guitarra é um exemplo da influência da música crioula.41

Muitas das vezes,

o guitarrista adota uma técnica de percutir as cordas do instrumento com as mãos, de forma a

assemelhar-se ao som do acompanhamento do tambor.42

De um modo geral, estas canções são lentas e uma característica que as faz distinguir-

se de outras canções é o uso do quarto grau aumentado. O uso deste intervalo incorporado em

escalas modais era já habitual antes da colonização espanhola (existia em instrumentos

musicais da era pré-colombiana), o que nega a hipótese de ser influência da música gregoriana

europeia.

O género musical que mais usa o quarto grau aumentado é a vidala, comum na música

dos povos mestiços do noroeste da Argentina. A palavra espanhola vida, que possui o mesmo

significado em português, é usada com um significado carinhoso, juntamente com o sufixo –

la, um diminutivo presente no vocabulário dos índios quechua, uma das tribos dos Andes.

Este género possui geralmente um texto emocionalmente intenso e profundo.43

Exemplo 10 - Vidala mostrando o uso do quarto grau aumentado

Page 27: Os elementos populares na obra de Alberto Ginastera: As ...€¦ · mais dissimulada) melodias e ritmos da era pré-colombiana, assim como elementos folclóricos argentinos, misturados

Ana Raquel Barbosa dos Reis Cunha Os elementos populares na obra de Alberto Ginastera: As três sonatas para piano solo

17

Tal como já foi referido, a nomenclatura para a música popular não é de todo

consistente, daí o tipo de canção descrito acima como vidala, pode ter o nome de yaraví

noutras regiões da Argentina.

As características escritas em cima não podem ser vistas como implacáveis, pois é

possível encontrar canções que não se inserem perfeitamente numa categoria particular dos

cantos de caja mas apresentam traços de diversas categorias. Alguns exemplos são muito

lentos, tal como a baguala, mas possuem características da vidala:

Exemplo 11 - Vidala de andamento lento

É comum encontrar vidalas, fora da região do noroeste argentino, sem o típico quarto

grau aumentado, mas também com mistura do quarto grau natural com aumentado.

Exemplo 12 - Vidala mostrando o uso do quarto grau natural e aumentado

Este exemplo, para além de evidenciar o uso do quarto grau natural e aumentado,

mostra também os finais cadenciais descendentes, terminando em 4-3 ou 2-1.

2.2 - Música crioula

O pampas, as vastas planícies existentes na região central da Argentina, onde habitam

os gaúchos, é o local de origem da tradição popular crioula. A música tem como instrumento

principal a guitarra, que serve de acompanhamento às danças e canções.44

O repertório crioulo

consiste fundamentalmente em canções e danças, e as últimas provêm muitas vezes das

anteriores. Como o gaúcho passava grande parte do tempo sozinho, a sua música refletia essa

Page 28: Os elementos populares na obra de Alberto Ginastera: As ...€¦ · mais dissimulada) melodias e ritmos da era pré-colombiana, assim como elementos folclóricos argentinos, misturados

Ana Raquel Barbosa dos Reis Cunha Os elementos populares na obra de Alberto Ginastera: As três sonatas para piano solo

18

solidão nos longos solos cantados acompanhados apenas por uma guitarra. Nos raros

momentos em que vários gaúchos se encontravam, realizavam-se competições entre cantores,

denominadas de payada, onde um cantor improvisava a música, juntamente com a letra,

perante outro cantor. O mesmo tipo de competição também existia na dança, denominando-se

este por malambo. Este e outros tipos de danças crioulas foram as que mais influenciaram

Ginastera na escrita da sua música.

Muitas das formas das danças e canções são semelhantes e, por isso, podem ter um

nome na região do pampas e outro nome diferente noutro local. Por exemplo, a zamba e a

cueca são idênticas, devendo-se isto ao facto de terem ambas origem numa dança antiga

chilena, chamada zamacueca. Outro par semelhante a este é o gato e a chacarera.

De uma forma geral, o esquema métrico que melhor descreve o ritmo da música dos

gaúchos é o compasso 6/8, combinando hemíolas e ritmos sincopados, dando ao ouvinte a

sensação, por vezes, de um compasso ternário – embora cada tipo de canção ou dança tenha

as suas próprias características rítmicas. Quanto à estrutura harmónica, pode dizer-se que é

bastante simples, normalmente envolve poucos acordes e, por vezes, recorre apenas à

sequência tónica – subdominante – dominante - tónica, a qual pode ser apresentada logo de

início por uma introdução feita pela guitarra.

Tal como já foi referido em cima, alguns antecedentes influenciaram algumas formas

– por exemplo, a seguidilla espanhola é a principal influência do gato.45

O gato, uma das

danças populares que mais características tipicamente crioulas apresenta, foi muito popular ao

longo do século XIX e era dançado por pares. É uma das poucas danças folclóricas que são

rápidas e enérgicas, com muitos movimentos animados.46

O gato é acompanhado por um

rasgueado47

uniforme e contínuo em 6/8 da guitarra, ou pode ser inteiramente instrumental,

com um guitarrista a tocar a melodia e um segundo guitarrista a fazer o acompanhamento.

Exemplo 13 - Gato para guitarra

A chacarera, muito semelhante ao gato, mas diferente na coreografia e acentuações

rítmicas, era uma dança muito popular no mundo rural do século XIX, dançava-se aos pares e

é uma das poucas danças populares que ainda se dançam na atualidade.48

Rápida e possante, a

chacarera pode ser estritamente instrumental (guitarra ou harpa solo, ou violino ou acordeão

com acompanhamento de guitarra), tornando evidente, nestes casos, a síncopa característica

desta dança entre a melodia e acompanhamento.

Page 29: Os elementos populares na obra de Alberto Ginastera: As ...€¦ · mais dissimulada) melodias e ritmos da era pré-colombiana, assim como elementos folclóricos argentinos, misturados

Ana Raquel Barbosa dos Reis Cunha Os elementos populares na obra de Alberto Ginastera: As três sonatas para piano solo

19

Exemplo 14 - Chacarera para guitarra solo

Segundo Chase, a dança típica dos gaúchos é o malambo.49

Musicalmente, a sua forma

básica original consiste em dois compassos 6/8, o primeiro contendo os acordes da

subdominante e da dominante, e o segundo, o acorde da tónica. No acompanhamento, feito

pela guitarra, é evidente a presença da hemíola entre o marcante 6/8 do primeiro compasso e a

ênfase no 3/4 do segundo compasso. Geralmente em tempo rápido, esta dança pode incorporar

vários padrões rítmicos sincopados e o contraste entre a métrica 6/8 e 3/4 pode aparecer numa

longa sequência de compassos.

Exemplo 15 - Malambo para acompanhamento de guitarra

É uma dança executada só por homens e caracteriza-se por movimentos tão enérgicos

e complexos que os pés dos bailarinos quase não tocam o chão.

Um outro exemplo do uso do malambo na música de Ginastera é no último andamento

da Suite de Danzas Criollas:

Exemplo 16 - Suite de Danzas Criollas (último andamento cc. 37 - 39)

A milonga é uma dança relativamente recente e a sua métrica é binária simples (2/4),

em revés da vulgar métrica binária composta (6/8). O seu padrão mais comum é 3+3+2, o que

poderia ser representado, num compasso quaternário, por duas semínimas com ponto seguidas

Page 30: Os elementos populares na obra de Alberto Ginastera: As ...€¦ · mais dissimulada) melodias e ritmos da era pré-colombiana, assim como elementos folclóricos argentinos, misturados

Ana Raquel Barbosa dos Reis Cunha Os elementos populares na obra de Alberto Ginastera: As três sonatas para piano solo

20

de uma semínima. Um exemplo de acompanhamento de guitarra em 2/4, mostrando o mesmo

padrão:

Exemplo 17 - Milonga para acompanhamento de guitarra

Na sua forma original, a milonga era bastante lenta, mas à medida que os anos foram

passando e se foi tornando mais popular no meio urbano, sofreu influências da habañera e de

outros elementos europeus, o que fez com que o seu andamento se tornasse mais rápido,

dando origem à mais importante dança urbana argentina: o tango. Em ambos os géneros, o

padrão irregular 3+3+2 é um contraste interessante à constante métrica de 6/8 da maior parte

das danças crioulas.50

Ginastera apreciava particularmente a milonga, não só devido ao seu

carácter assimétrico, mas também devido ao seu potencial de gerar outros ritmos.

Todas as danças que já foram mencionadas são as que mais se encontram na obra de

Ginastera, mas outras também são passíveis de ser encontradas, daí fazer uma breve descrição

de cada uma delas.

Zamba – de origem chilena, é uma dança que se caracteriza por uma parte vocal com

um tema de quatro compassos repetidos, com uma introdução e conclusão feitas por uma

guitarra. As letras cantadas são geralmente melancólicas e românticas, num compasso 6/8.

Triste – forma musical do folclore, é uma dança melancólica, sentimental e até

dolorosa, difundida no Chile, Peru, no noroeste argentino e também, mais tarde, em Buenos

Aires e na região do pampas. O musicólogo Carlos Vega afirma que nenhuma outra canção

sul-americana teve a originalidade, a beleza e a aceitação do triste. A sua música é constituída

por três a seis frases de medida igual ou diferente.51

É caracterizado por uma introdução lenta

da guitarra, melodia-recitativo com escasso acompanhamento, o uso de expressões de

lamento, tais como “Ah” ou “Ay”, e meio-tom descendente nas duas últimas notas do

motivo.52

Huella – dança ou canção argentina em compasso 6/8 e dividida em duas secções:

uma alegre e outra moderada. Dançou-se durante todo o século XIX e os seus pares faziam

referências diretas aos acontecimentos da época. Ventura Lynch, estudioso das danças e do

folclore de Buenos Aires, acrescenta que as cordas da guitarra vibram ao compasso 6/8, num

tempo entre o Allegro e o Danzante. No texto era inevitável repetir a palavra huella.

Bailecito – dança argentina em dois tempos e de movimento ágil. O bailecito pode

passar pelo burlesco, mas tende a ser sentimental. É constituído por duas partes de quatro

Page 31: Os elementos populares na obra de Alberto Ginastera: As ...€¦ · mais dissimulada) melodias e ritmos da era pré-colombiana, assim como elementos folclóricos argentinos, misturados

Ana Raquel Barbosa dos Reis Cunha Os elementos populares na obra de Alberto Ginastera: As três sonatas para piano solo

21

frases, sendo a primeira repetida, a qual serve também de final. As suas melodias são sempre

binárias. Tem possível origem no Perú.

Yaraví – canção popular argentina de origem Inca, em compasso 3/4 e de melodia

lenta e triste. O yaraví distingue-se do triste porque constrói-se quase sempre sobre a escala

pentatónica e é mais sintético, denso, mais dramático e também mais livre, segundo Carlos

Vega. Um exemplo de texto poético: “ya mi triste desventura / no deja / esperanza de tener /

alivio / y el buscarlo sólo sirve de darme / el tormento de mirarlo / perdido”.

Carnavalito – dança já existente antes da chegada dos colonos europeus à América

Latina, mas que continua a ser dançada no Perú, região ocidental da Bolívia e no norte de

Argentina e do Chile. A sua música é caracterizada pelo uso de instrumentos como a quena

(flauta do período Inca) e o charango (pequena guitarra) e pelo seu ritmo jovial, mas por

vezes rude.

Tonada – também popular no Chile, trata-se de uma canção de tema amoroso que

geralmente começa com um ritmo alegre e nervoso.

Pala-pala – nome dado a uma dança individual de origem quechua, de carácter vivo e

pantomímico e em compasso ternário. 53

35

Mark Grover Basinski, Alberto Ginastera’s use of argentine folk elements in the sonata for guitar, op.47”,

D.M.A., The University of Arizona, 1994, p. 13. 36

Carlos Vega, Panorama de la música popular argentina, Buenos Aires, Editorial Lousada, 1944, p. 104 37

Mark Grover Basinski, Alberto Ginastera’s use…, op. cit., p. 28. 38

Isabel Aretz, Argentina: Folk Music. In “New Grove Dictionary of Music and Musicians”, ed. Sir Stanley

Sadie, vol.1, London, Macmillan, 1980, pp.566-71. 39

Isabel Aretz, Musica tradicional de La Rioja, Caracas, Biblioteca Inidef, 1978, p. 167. 40

Isabel Aretz, Argentina: Folk Music, op. cit., pp. 568-69. 41

Carlos Vega, Panorama de la música…, op. cit., p. 173. 42

Ana Serrano Redonnet, Cancionero Musical Argentino, Buenos Aires, Ediciones Culturales Argentinas, 1964,

p. 17. 43

Carlos Vega, Danzas y canciones argentinas, Buenos Aires, Ricordi, 1936, p. 296. 44

Carlos Vega, Los instrumentos aborígenes y criollos de la Argentina, vol.1, Buenos Aires, Ediciones

Centurión, 1946, pp. 163 – 171. 45

Carlos Vega, Danzas y canciones argentinas, op. cit., pp. 40 – 41. 46

Carlos Vega, Las danzas populares argentinas, Buenos Aires, Instituto de Musicologia, 1952, p. 539. 47

Técnica muito típica da música flamenca, em que se arrastam as unhas pelas cordas da guitarra sem as

pontear/dedilhar. 48

Carlos Vega, Las danzas populares argentinas, op. cit., p. 703. 49

Gilbert Chase, Alberto Ginastera: Argentine Composer, in “The Musical Quaterly”, Vol. 43, Nº 4, Oxford

University Press, 1957, p. 454. 50

Mark Grover Basinski, Alberto Ginastera’s use…, op. cit., p. 43. 51

http://www.folkloredelnorte.com.ar/danzas/vocdanzas.htm. Acedido em 5 de Maio de 2011. 52

http://en.wikipedia.org/wiki/Cinco_canciones_populares_argentinas. Acedido em 23 de Março de 2010. 53

A descrição de todas as danças e canções tiveram por base a informação obtida nos seguintes sites:

http://www.folkloredelnorte.com.ar/danzas/vocdanzas.htm e

http://www.argentina.gov.ar/argentina/portal/paginas.dhtml?pagina=266. Acedido em 5 de Maio de 2011.

Page 32: Os elementos populares na obra de Alberto Ginastera: As ...€¦ · mais dissimulada) melodias e ritmos da era pré-colombiana, assim como elementos folclóricos argentinos, misturados
Page 33: Os elementos populares na obra de Alberto Ginastera: As ...€¦ · mais dissimulada) melodias e ritmos da era pré-colombiana, assim como elementos folclóricos argentinos, misturados

Ana Raquel Barbosa dos Reis Cunha Os elementos populares na obra de Alberto Ginastera: As três sonatas para piano solo

23

CAPÍTULO III – Sonata nº1 (opus 22)

“(…) surge uma música de grande virtuosismo na

brilhante Sonata de Alberto Ginastera, com frequentes

reminiscências de Bartók devido à sua qualidade rítmica e tendo

como fonte de inspiração a verdadeira música nativa argentina.”

H. H. Stuckenschmidt, Die Neue Zeitung, Berlim, 1953

Composta em 1952, por encomenda do Carnegie Institute e do Pennsylvania College

for Women para o Festival Internacional de Música Contemporânea de Pittsburgh, a primeira

sonata para piano de Alberto Ginastera foi dedicada a Johana e Roy Harris (compositor e

diretor deste festival). A obra foi estreada no Carnegie Music Hall, por Johana Harris, a 29 de

Novembro de 1952. Em 1953, foi escolhida pela Sociedade Internacional de Música

Contemporânea para ser interpretada no seu XXVIIº Festival em Oslo, 1953. Desde então tem

integrado com regularidade o repertório pianístico, tendo sido apresentada quer em recitais a

solo, quer em concursos internacionais, sendo especialmente popular nos Estados Unidos54

.

Constituída por quatro andamentos (Allegro marcato, Presto misterioso, Adagio molto

appasionato e Ruvido ed ostinato), esta peça apresenta uma forma muito semelhante a outras

obras de Ginastera, nomeadamente a Sonata para guitarra, opus 47 (1976), o Concerto para

piano nº1, opus 28 (1961) e o Quarteto de Cordas nº1, opus 20 (1948). Estas obras possuem

quatro andamentos organizados num esquema muito semelhante: o primeiro andamento

funciona como uma introdução enérgica à obra; o segundo - scherzo – é um andamento rápido

em compasso 6/8, normalmente começando e acabando em pianíssimo (evocação mística de

Ginastera à nachtmusik de Bartók)55

; o terceiro, de carácter livre e lírico, contrasta fortemente

com os ritmos alucinantes dos andamentos que o rodeiam; o quarto andamento tem a forma de

uma toccata rápida baseada nas características rítmicas do malambo.

Desde os compassos iniciais (e ao longo de toda a primeira sonata) pode observar-se

várias influências de vários estilos e técnicas composicionais. Como Ginastera afirma:

“Primeiro, foram os impressionistas franceses… Mas as grandes influências para mim

são Stravinsky, Bartók, e também Falla. E vários anos depois, foi Berg.”56

De facto, ao ouvirmos esta sonata não podemos deixar de notar o carácter primitivo da

sua linguagem, lembrando, muitas vezes, certos traços de A Sagração da Primavera de

Stravinsky. Do mesmo modo, a força condutora dos seus ritmos remete claramente para as

composições de Béla Bartók, nomeadamente para o Allegro Barbaro (ver Exemplo 18),

também como as indicações de tempo do primeiro e quarto andamentos. Contudo, o seu

idioma é tipicamente argentino, com alguma influência espanhola.

Por exemplo, o efeito percutivo da oitava como resposta ao motivo inicial (ver

Exemplo 19) evoca a sonoridade de um instrumento de percussão (como os tímpanos), numa

alusão clara à forma como Bartók introduz este tipo de som na sua escrita.

Page 34: Os elementos populares na obra de Alberto Ginastera: As ...€¦ · mais dissimulada) melodias e ritmos da era pré-colombiana, assim como elementos folclóricos argentinos, misturados

Ana Raquel Barbosa dos Reis Cunha Os elementos populares na obra de Alberto Ginastera: As três sonatas para piano solo

24

Exemplo 18 - Allegro barbaro de Béla Bartók (cc. 1 – 6)

Exemplo 19 - Sonata nº1 – 1º andamento (cc.1 – 4: início do 1ºtema)

3.1 – Primeiro andamento

O primeiro andamento está escrito na forma-sonata.

Em termos formais, este andamento segue o esquema tradicional da forma da sonata

clássica. Construído em dois temas, o primeiro (Exemplo 19) apresenta carácter masculino e

enérgico ritmicamente, enquanto o segundo (Exemplo 20) é feminino e, por consequente,

mais melódico. A unidade entre estes dois temas contrastantes é apresentada por Ginastera

nos compassos 7 e 8 (finais do primeiro tema), onde é esboçada a ideia melódica (e rítmica)

inicial do segundo tema (Exemplo 21).

Exemplo 20 - Sonata nº1 – 1º andamento (cc. 52 – 55: 2º tema)

Page 35: Os elementos populares na obra de Alberto Ginastera: As ...€¦ · mais dissimulada) melodias e ritmos da era pré-colombiana, assim como elementos folclóricos argentinos, misturados

Ana Raquel Barbosa dos Reis Cunha Os elementos populares na obra de Alberto Ginastera: As três sonatas para piano solo

25

Exemplo 21 - Sonata nº1 – 1º andamento (cc. 7 – 8)

Em termos harmónicos, o primeiro tema, no modo eólio, sugere um centro tonal em lá

e o segundo apresenta um tratamento melódico claramente folclórico, baseado numa escala

pentatónica (si, dó, mi, fá sustenido, lá). A linha melódica principal deste segundo tema

apresenta reminiscências da música Inca e parece querer imitar a sonoridade e ornamentações

de uma quena (flauta muito simples do período Inca). A indicação dolce e pastorale,

frequente noutras obras de Ginastera, simboliza a tradição do pampas e a lenda do gaúcho.

O motivo inicial do primeiro tema (ver Exemplo 19) desenvolve-se através de

intervalos de terceira menor ascendente na mão direita (mi – sol e dó – mi bemol) e

descendente na mão esquerda (mi – dó sustenido e dó – lá). Este movimento em direções

opostas sugere de imediato uma tensão inicial, resultante do acorde dissonante (lá, dó

sustenido, mi bemol, sol). Tal como já foi referido no primeiro capítulo57

, o recurso ao

intervalo de terceira, na escrita de Ginastera, está ligado ao folclore argentino, no qual muitas

melodias populares são harmonizadas à terceira (menor ou maior). Esta célula motívica irá

determinar a estrutura de toda a composição, como será demonstrado mais à frente, tal como

acontece na música dos séculos XVIII, XIX e XX.

Paralelamente, o intervalo de quarta perfeita, parcialmente inspirado na afinação da

guitarra (típica dos gaúchos), assume um papel importante na elaboração de diversas

estruturas harmónicas, como será explorado mais à frente, no segundo andamento (acorde

simbólico). Assim sendo, a utilização simultânea de intervalos de terceira e de quarta, conduz

a um outro aspecto característico do estilo composicional de Ginastera: o uso da

politonalidade, como se pode verificar com o seguinte exemplo:

Exemplo 22 - Sonata nº1 – 1º andamento (c. 101)

Page 36: Os elementos populares na obra de Alberto Ginastera: As ...€¦ · mais dissimulada) melodias e ritmos da era pré-colombiana, assim como elementos folclóricos argentinos, misturados

Ana Raquel Barbosa dos Reis Cunha Os elementos populares na obra de Alberto Ginastera: As três sonatas para piano solo

26

Em termos formais, como foi dito, a obra segue o esquema tradicional de sonata

clássica. Na reexposição, o aspeto pianístico assume um papel central na apresentação dos

elementos iniciais. Assim, o primeiro tema aparece reforçado por duplas oitavas e uma voz

adicional na melodia (Exemplo 23) e o segundo tema é também enfatizado através de quintas

e oitavas dobradas (Exemplo 24), com indicação para ser tocado ff e com alegria, jovialidade

(gaio).

Exemplo 23 - Sonata nº1 – 1º andamento (cc. 138 – 139)

Exemplo 24 - Sonata nº1 – 1º andamento (cc. 184 – 187)

Outro princípio central da escrita é a presença de mudanças frequentes de métrica

neste primeiro andamento (compassos 3/4, 2/4, 4/4, 5/8, 9/8, por exemplo). No Exemplo 22, é

também de notar a presença de ritmos bem marcados que nos remetem para Stravinsky.

3.2 – Segundo andamento

O segundo andamento é um scherzo de estrutura ABACA’B’A’’ (sonata-rondo),

sendo que a parte A vai dos compassos 1 a 47, B dos 48 a 69 e C dos 78 a 116. A frase inicial

é constituída por doze sons, sendo esta a primeira vez que aparece material dodecafónico na

música para piano de Ginastera58

(Exemplo 25). Porém, o compositor usa o dodecafonismo59

apenas como inspiração, de uma forma muito livre e para exprimir uma determinada ideia

musical, evitando técnicas seriais rígidas.

Page 37: Os elementos populares na obra de Alberto Ginastera: As ...€¦ · mais dissimulada) melodias e ritmos da era pré-colombiana, assim como elementos folclóricos argentinos, misturados

Ana Raquel Barbosa dos Reis Cunha Os elementos populares na obra de Alberto Ginastera: As três sonatas para piano solo

27

Exemplo 25 - Sonata nº1 – 2º andamento (cc. 1 – 2)

O início deste andamento apresenta, portanto, um carácter mágico, o qual é sublinhado

pelas indicações de dinâmica, articulação (pp e molto legatissimo) e de tempo (presto

misterioso), pelo uso abundante de pedal (col due pedale), pela disposição do motivo em

registos paralelos à distância de três oitavas entre as duas mãos) e também pela indefinição

harmónica criada pela sucessão dos doze sons. Como não existe qualquer polaridade nos doze

sons, sobressai o carácter mágico através da ideia de suspensão nos sons, pois nenhum é

prioritário60

. É de referir que o motivo principal deste andamento (Exemplo 25) apresenta

algumas semelhanças com o último andamento da Sonata op.35 de Frédéric Chopin: as

indicações de tempo (presto), dinâmica e articulação (sotto voce e legato) são idênticas,

também como a escrita à distância de oitava (neste caso, apenas uma oitava separa a mão

esquerda da direita) – ver Exemplo 26.

Exemplo 26 - Sonata nº2, op.35 de Frédéric Chopin – 4ºandamento (cc.1 – 4)

A contrastar com o motivo melódico (Exemplo 25), Ginastera cria um outro motivo,

rítmico, que se aproxima muito de um ambiente de ritual, através de uma série de quatro

compassos que se assemelham ao bater de um tambor, como ilustra o próximo exemplo:

Exemplo 27 - Sonata nº1 – 2º andamento (cc. 30 – 33)

Page 38: Os elementos populares na obra de Alberto Ginastera: As ...€¦ · mais dissimulada) melodias e ritmos da era pré-colombiana, assim como elementos folclóricos argentinos, misturados

Ana Raquel Barbosa dos Reis Cunha Os elementos populares na obra de Alberto Ginastera: As três sonatas para piano solo

28

Esta alternância entre estes dois motivos, melódico e rítmico, vai definir todo o

segundo andamento, pois vão ser o elo de ligação entre as secções distintas deste andamento.

Uma dessas secções surge a partir do compasso 48 (secção B), onde o compositor recorre a

acordes para estruturar a melodia e a células rítmicas características da música crioula, que

atribuem a esta secção um ritmo animado e possante. Este tipo de passagem, com ritmo

sincopado entre melodia e acompanhamento, aproxima-se das características de uma

chacarera61

. Para reforçar esta ideia, note-se a indicação de cantando (no modo eólio em ré),

remetendo para a música popular argentina (Exemplo 28).

Exemplo 28 - Sonata nº1 – 2º andamento (cc. 48 – 49)

Segundo Sergio de los Cobos, a partir da secção C (compasso 78) cria-se um “efeito

de alucinação estática”62

devido à constante oposição entre os dois cromatismos lá – si bemol

– si: a mão esquerda apresenta um motivo simples e obsessivo (lá – si), enquanto a mão

direita prossegue com o movimento do motivo inicial, jogando com os três sons através dos

registos (Exemplo 29).

Exemplo 29 - Sonata nº1 – 2º andamento (cc. 82 - 84)

De seguida, nesta mesma secção, aparece o som de seis cordas soltas de uma

denominado por “acorde simbólico”, sendo isto, conforme foi referido, uma das marcas

principais na escrita de Alberto Ginastera63

(ver

Exemplo 30). Também aqui há sobreposição de intervalos de terceira e quarta, já referidos no

primeiro andamento.

Page 39: Os elementos populares na obra de Alberto Ginastera: As ...€¦ · mais dissimulada) melodias e ritmos da era pré-colombiana, assim como elementos folclóricos argentinos, misturados

Ana Raquel Barbosa dos Reis Cunha Os elementos populares na obra de Alberto Ginastera: As três sonatas para piano solo

29

Exemplo 30 - Sonata nº1 – 2º andamento (cc. 109 – 110)

Para se aproximar do ambiente de amplos espaços ao ar livre do pampas, Ginastera

recorre ao pp, leggero e lasciar vibrare na mão direita para simular o efeito do vento nas

planícies. Este ambiente será explorado no próximo andamento, servindo o final deste Presto

misterioso de transição. Aqui, Ginastera vai diluindo a quantidade de notas e apresenta

claramente, na mão esquerda, as notas correspondentes às cordas soltas da guitarra,

acrescentando novamente um lasciar vibrare, para que a entrada no Adagio molto

appassionato venha já um pouco preparada (ver Exemplo 31).

Exemplo 31 - Sonata nº1 – 2º andamento (cc. 183 – 187)

3.3 – Terceiro andamento

Aparentemente, o terceiro andamento é aquele que apresenta uma maior mudança de

ambiente. Enquanto o andamento anterior se desenvolve de uma forma mais agitada, aqui

Ginastera mostra-nos uma outra Argentina, de ambiente melancólico. Este Adagio molto

appassionato remete-nos para a imensidão do pampas (através do peso do silêncio) e para a

enigmática natureza do país (através de sons mágicos e misteriosos). Nos andamentos lentos,

Ginastera mostra-nos a sua capacidade de desenvolver uma dada sonoridade ao longo de todo

um andamento. As suas inúmeras indicações de tempo, de dinâmica (pp, sonoro), de

expressão, como lasciar vibrar col ped (c. 1), intenso (c. 14), lírico (c. 23), agitato (c. 30),

con passione (c. 34) e sonoro ma lontanissimo (c. 68) são fundamentais para o intérprete não

ficar por uma mera improvisação impressionista, tal como poderia suscitar erradamente o

início do andamento (notar Exemplo 32).

Exemplo 32 - Sonata nº1 – 3º andamento (cc. 1 - 4)

Page 40: Os elementos populares na obra de Alberto Ginastera: As ...€¦ · mais dissimulada) melodias e ritmos da era pré-colombiana, assim como elementos folclóricos argentinos, misturados

Ana Raquel Barbosa dos Reis Cunha Os elementos populares na obra de Alberto Ginastera: As três sonatas para piano solo

30

A estrutura geral deste Adagio é ABA (forma simétrica), em que A (cc. 1 – 22) é a

secção mais imóvel, constituída por repetições do arpejo inicial, e B (cc. 23 – 56) é uma parte

que começa de forma estática, sendo nela onde se desenvolve todo o andamento. A secção A

está escrita num compasso 5/4 e começa com um arpejo que, embora não seja composto pelas

notas do “acorde simbólico”, aproxima-nos novamente da sonoridade da guitarra (semelhante

ao que acontece no segundo andamento, por exemplo, nos compassos 185 – 186: ver Exemplo

31).

David Wallace reforça:

“A parecença do arpejo com o acorde da guitarra acabado de ouvir na conclusão do

andamento anterior é certamente intencional.”64

Este arpejo, motivo a partir do qual se constrói todo o terceiro andamento, aparece

onze vezes, por vezes na sua forma original, outras transposto ou alargado em termos de

amplitude de registo. A primeira vez que aparece uma melodia (resultante do

desenvolvimento do arpejo inicial) é só no compasso 13, a qual vai ganhando forma e energia

até que reaparece em ff e agitato a partir do compasso 34.

A secção B, escrita num compasso 2/2, surge com um novo elemento mais melódico e

com tratamento polifónico (podem encontrar-se quatro vozes presentes), o qual se vai

desenvolvendo cromaticamente (e utilizando os doze sons) até chegar ao clímax do

andamento – indicação de precipitadamente (molto accel.) até rubato ff com passione. No

final desta secção e antes de regressar ao motivo inicial (secção A), existe uma passagem que

serve de transição, onde o compositor insiste nos intervalos de terceiras menores (cc. 48 – 56).

Na minha opinião, este intervalo é fundamental na análise desta Sonata nº1, pois é com um

salto de terceira menor que se inicia esta obra (tal como foi referido anteriormente).

No final deste terceiro andamento, no compasso 68, Ginastera utiliza as doze notas da

escala sem qualquer repetição, sendo as primeiras seis notas uma cópia exata do primeiro

compasso deste andamento e as outras seis as restantes notas necessárias para completar a

série dos doze sons. Sendo esta a frase conclusiva de todo o andamento, penso que o

compositor, ao recorrer a uma técnica de expansão do registo da frase inicial, pretende

transmitir ao ouvinte uma sensação de maior amplitude de espaço e, talvez, de progressivo

afastamento das planícies argentinas (ideia esta reforçada pela indicação de alargando, pp

sonoro ma lontanissimo), como mostra o exemplo seguinte:

Exemplo 33 - Sonata nº1 – 3º andamento (cc. 68 – 70)

Page 41: Os elementos populares na obra de Alberto Ginastera: As ...€¦ · mais dissimulada) melodias e ritmos da era pré-colombiana, assim como elementos folclóricos argentinos, misturados

Ana Raquel Barbosa dos Reis Cunha Os elementos populares na obra de Alberto Ginastera: As três sonatas para piano solo

31

A última nota do terceiro andamento é um ré agudo, da mesma forma que, no segundo

andamento, a última nota é também um ré, mas desta vez grave – disposição simétrica do ré,

em registos opostos do teclado (Exemplo 34). Através desta observação, poderei concluir que

Alberto Ginastera, pelo menos nesta sonata, utiliza os doze sons de uma forma mais

tradicional, onde divide a estrutura cromática em dois hexacordes, em torno de uma nota pivô

– o ré –, como sugerido no final do segundo andamento, estabelecendo, portanto, uma relação

estrutural entre os dois andamentos centrais.

Exemplo 34 - Sonata nº1 – 2º andamento (últimos compassos)

3.4 – Quarto andamento

À semelhança do que foi esboçado no primeiro andamento, no último andamento da

Sonata nº1 (Ruvido65

ed ostinato) o compositor volta a transformar o piano num instrumento

de percussão, com passagens exuberantes e virtuosísticas, estando bem presente o cariz

popular da música argentina. O ritmo presente trata-se claramente do malambo (alternância

constante entre um compasso de subdivisão binária e um de subdivisão ternária)66

e

predominam ao longo de todo o andamento os intervalos de quarta, quer em harmonias, quer

em saltos melódicos.

Obviamente que a escrita pianística com repetição de padrões e de motivos é essencial

para criar o efeito de ostinato, mas há uma construção contínua e em crescendo: esse

crescimento progressivo é alcançado, para além dos níveis da dinâmica, através do acréscimo

de acordes formados por intervalos de quarta, oitavas dobradas e uma escrita que requer três

pautas.

Do ponto de vista formal, a peça adota a forma de um Rondo, que se divide em

ABACA’-Coda. A parte A (cc. 1 – 61) é constituída por dois temas (tema A e tema B) que

estarão sempre presentes ao longo do andamento, quer de forma implícita quer explícita (ver

Exemplo 35).

Page 42: Os elementos populares na obra de Alberto Ginastera: As ...€¦ · mais dissimulada) melodias e ritmos da era pré-colombiana, assim como elementos folclóricos argentinos, misturados

Ana Raquel Barbosa dos Reis Cunha Os elementos populares na obra de Alberto Ginastera: As três sonatas para piano solo

32

Exemplo 35 - Sonata nº 1 – 4º andamento (Elementos motívicos do tema A (cc. 1 – 2) e

do tema B (cc. 27 – 28), respetivamente)

A parte B (cc. 62 – 81), semelhante na escrita (embora com a melodia na mão

esquerda e dobrada em oitavas), contrasta com as restantes pois está no modo dórico (ré)

transposto em si, enquanto o modo predominante neste andamento é o eólio (lá) –

relembrando um pouco a diferente sonoridade dos dois temas do primeiro andamento.

Na secção C (cc. 100 – 137), escrita em três pautas, realça uma melodia que apresenta

afinidades com o tema B (nas pautas dos extremos) e a linha do meio destina-se ao

acompanhamento.

Tal como referi na reexposição do primeiro andamento, o aspeto pianístico sublinha o

aspeto formal: uma maior densidade na escrita pianística reforça a conclusão formal. O

mesmo se passa no final do quarto andamento, quando surge a secção A’ (c. 138). Mais uma

vez se demonstra a presença das normas de composição clássicas em Ginastera, onde os

clímax sonoros se colocam sempre no final das peças ou andamentos.

A exuberante Coda (c. 179), com a indicação de tutta la forza, feroce, percorre todo o

teclado com oitavas na mão esquerda e acordes na mão direita e termina com um salto para o

registo extremo grave do piano com uma oitava na nota lá.

Será importante referir que o primeiro e quarto andamentos (indiscutivelmente

modais) terminam em lá, enquanto os andamentos do meio (exploração dos doze sons)

terminam em ré, o que mostra mais uma vez a estrutura simétrica em toda a sonata.

Outras dimensões da escrita acompanham a mesma ideia formal. É o caso, por

exemplo, de certos elementos rítmicos que aparecem como motivos centrais de articulação

formal das frases. Como mostram os exemplos seguintes, a utilização de um elemento comum

ao primeiro e quarto andamentos, e com origens na música folclórica argentina, é um gesto

rítmico que aparece frequentemente como elemento de conclusão ou de transição de frase67

:

Exemplo 36 - Sonata nº1 – 1º andamento (cc.143-147)

Exemplo 37 - Sonata nº1 – 4º andamento (cc.30-35)

Page 43: Os elementos populares na obra de Alberto Ginastera: As ...€¦ · mais dissimulada) melodias e ritmos da era pré-colombiana, assim como elementos folclóricos argentinos, misturados

Ana Raquel Barbosa dos Reis Cunha Os elementos populares na obra de Alberto Ginastera: As três sonatas para piano solo

33

Exemplo 38 - Sonata nº1 – 4º andamento (cc.175-179)

Em suma, toda a sonata é escrita segundo métodos clássicos e tradicionais, estando

sempre presente uma estrutura simétrica, quer no todo, quer em cada andamento. No seu

conjunto, pode dizer-se que se trata de uma forma tripartida, visto que os dois andamentos

centrais estão relacionados pelo mesmo material (utilização dos doze sons e respetiva

articulação interna), formando uma unidade.

Estando o momento de escrita da Sonata nº1 distanciado cerca de trinta anos da

Sonata nº2, surge uma questão: será que os processos de escrita da Sonata nº2 serão ainda

clássicos e tradicionais como constatei quanto à Sonata nº1?

54

Joana Maria Carneiro Gama, Sonata op.22 de Alberto Ginastera – Estudos de Interpretação, Universidade de

Évora, 2009, p. 10. 55

É interessante notar que os últimos compassos do segundo andamento da Sonata nº1 para piano são

praticamente iguais aos compassos correspondentes dos segundos andamentos da Sonata para guitarra e do

Quarteto de Cordas nº1. 56

Sergio de los Cobos, Alberto Ginastera’s three Piano Sonatas: A reflection of the composer and his country,

D.M.A., Rice University, 1991, p. 28. Tradução da autora. Texto original: “First, it was the French

impressionists… But the great influences for me are Stravinsky, Bartók, and also de Falla. And several years

later, it was Berg.” 57

Página 9. 58

Sergio de los Cobos, Alberto Ginastera’s three Piano Sonatas…, op. cit., p. 36. 59

Ver Capítulo 1, página 8. 60

Este carácter mágico também se pode encontrar no seu Concerto para Piano nº1 e no Quarteto de Cordas nº1. 61

Ver Capítulo 2, página 18. 62

Sergio de los Cobos, Alberto Ginastera’s three Piano Sonatas…, op. cit., p. 37. 63

Ver Capítulo 1, página 10. 64

David Wallace, Alberto Ginastera: An Analysis of his Style and Techniques of Composition, Ph.D.,

Northwestern University, 1964, p. 169. Tradução da autora. Texto original: “The resemblance of the arpeggio to

the guitar chord just heard at the conclusion of the previous movement is surely intentional.” 65

Rude, grosseiro. 66

Esta alternância de subdivisão, característica indissociável da música da Argentina, viria a estar presente em

obras emblemáticas relativas à América Latina, como o musical West Side Story (1957) de Leonard Bernstein ou

a Danza de Jalisco (1959) de Aaron Copland. 67

Joana Maria Carneiro Gama, Sonata op.22 de Alberto…, op.cit., p. 32.

Page 44: Os elementos populares na obra de Alberto Ginastera: As ...€¦ · mais dissimulada) melodias e ritmos da era pré-colombiana, assim como elementos folclóricos argentinos, misturados
Page 45: Os elementos populares na obra de Alberto Ginastera: As ...€¦ · mais dissimulada) melodias e ritmos da era pré-colombiana, assim como elementos folclóricos argentinos, misturados

Ana Raquel Barbosa dos Reis Cunha Os elementos populares na obra de Alberto Ginastera: As três sonatas para piano solo

35

CAPÍTULO IV – Sonata nº2 (opus 53)

“Eu tenho sempre uma ideia presente. Por exemplo, acabei de compor

a minha segunda sonata para piano. Eu tive a ideia geral presente na

minha cabeça durante trinta anos, desde a minha primeira sonata.”

Alberto Ginastera

Durante o período de quase trinta anos que separa a segunda sonata para piano da

primeira, Ginastera pouco compôs para piano: apenas os dois concertos para piano e orquestra

e pequenas peças como Pequeña Danza e a Toccata (transcrição para piano da Toccata per

organo de Domenico Zipoli). Ginastera revela numa entrevista que este longo espaço de

tempo que decorreu desde a escrita da primeira sonata até à escrita da segunda deveu-se ao

facto do enorme sucesso que a primeira tinha alcançado.

Alberto Ginastera escreveu a Sonata nº2 durante o Verão e Outono do ano de 1981,

em Formentera (Maiorca) e Genebra, e continuou até quase a sua morte em junho de 1983 a

fazer revisões à obra.

Encomendada e dedicada aos seus amigos Dorothy e Mario di Bonaventura, a Sonata

nº2 foi estreada por Anthony di Bonaventura (irmão de Mario), na Universidade de Michigan

em Ann Arbor, no Auditório Rackham, a 29 de Janeiro de 1982. Ginastera escreveu sobre esta

sonata:

“A primeira sonata foi inspirada na música do pampas da Argentina. Eu fui

igualmente inspirado na escrita da segunda sonata, a qual reflete a música do norte do

meu país, de origens Aymará e Quechua (música não europeia) com as suas escalas

pentatónicas, as suas tristes melodias ou os seus ritmos alegres, as suas quenas e

tambores indígenas, assim como os seus ornamentos microtonais melismáticos.”68

Escrita em três andamentos, o primeiro, Allegramente, apresenta um tema principal e

enquadramentos baseados em diferentes danças e canções argentinas, entre elas o pala-pala.

O segundo andamento, Adagio sereno – Scorrevole – Ripresa dell’Adagio, possui um carácter

noturno; a primeira parte trata-se de um yaraví, uma canção melancólica de amor, de origem

pré-colombiana no Cuzco, com as inflexões vocais características das civilizações primitivas;

o Scorrevole evoca os murmúrios da noite nos Andes e a parte final do andamento reduz tudo

isto ao silêncio. O terceiro e último andamento, Ostinato aymará, apresenta a forma de uma

toccata cujo ritmo principal provém duma dança denominada de carnavalito, transmitindo um

carácter sólido e impetuoso, tal como a música popular da América do Sul.

4.1 – Primeiro andamento

A estrutura do primeiro andamento é mais livre relativamente ao andamento

correspondente na Sonata nº1 e a sua organização é também diferente. Porém, a sua forma

Page 46: Os elementos populares na obra de Alberto Ginastera: As ...€¦ · mais dissimulada) melodias e ritmos da era pré-colombiana, assim como elementos folclóricos argentinos, misturados

Ana Raquel Barbosa dos Reis Cunha Os elementos populares na obra de Alberto Ginastera: As três sonatas para piano solo

36

continua a ser a forma-sonata. É de referir que esta forma tripartida também se encontra na

música popular espanhola, por exemplo, nas composições do tipo dança – canção – dança69

.

Iniciando-se com o efeito de um rufar de tambores, surge o tema principal (ver

Exemplo 39), o qual funciona como introdução e conclusão do andamento. Da mesma forma,

enquadra-se na parte central um desenvolvimento que se baseia numa sucessão de canções e

danças populares argentinas.

Exemplo 39 - Sonata nº2 – 1º andamento (cc. 1 – 2)

À semelhança da introdução da Sonata nº1, este início é concebido a partir de

intervalos de terceira, organizando o aspeto vertical e horizontal do discurso.70

O motivo

inicial do primeiro tema (ver Exemplo 39), baseado em intervalos de terceira maior,

desenvolve-se através de movimentos ascendentes de terceira menor ascendente na mão

direita (mi – sol e dó – mi bemol) e descendentes na mão esquerda (si – sol sustenido e sol –

mi). Toda a frase tem os dois movimentos nas duas mãos: são movimentos simétricos, pois as

primeiras e últimas terceiras são idênticas, sendo este exatamente o mesmo gesto de abertura

da Sonata nº1. Para além dos intervalos de terceira serem típicos do folclore, nos compassos

que se seguem, o ritmo de colcheias agrupadas em grupos de três sugere um pouco o balanço

de uma chacarera (tal como foi referido no Capítulo 3, relativamente a uma secção específica

do segundo andamento).

Neste andamento, em termos harmónicos, estamos perante um uso constante de

acordes politonais, os quais combinam elementos tonais (intervalos de quarta), elementos

diatónicos e escalas de tons inteiros. Este recurso à politonalidade é muito característico em

Ginastera, apresentando algumas semelhanças com a Sonata nº1, nomeadamente no compasso

101 do primeiro andamento71

. O exemplo que se segue é a ilustração de uma dessas

passagens:

Exemplo 40 - Sonata nº2 – 1º andamento (c. 148)

Page 47: Os elementos populares na obra de Alberto Ginastera: As ...€¦ · mais dissimulada) melodias e ritmos da era pré-colombiana, assim como elementos folclóricos argentinos, misturados

Ana Raquel Barbosa dos Reis Cunha Os elementos populares na obra de Alberto Ginastera: As três sonatas para piano solo

37

Passagens ainda mais dissonantes surgem quando o compositor agrupa dez sons

distintos num acorde só, como mostra o seguinte exemplo:

Exemplo 41 - Sonata nº2 – 1º andamento (c. 150)

Na minha interpretação, este compasso funciona como ponto máximo de tensão neste

andamento, servindo de transição para se voltar a ouvir o tema principal da secção A.

Na secção central (cc. 63 – 150) pode encontrar-se uma grande variedade de canções

ou danças populares argentinas. Logo no início, as indicações come una cassa india e

cantando, o uso de três notas na melodia que compõem um acorde maior (sol –si –ré) e as

constantes apogiaturas representando as inflexões da voz humana, sugerem tratar-se de uma

baguala72

(Exemplo 42).

Exemplo 42 - Sonata nº2 – 1º andamento (cc. 61 – 70)

À semelhança da Sonata nº1, o segundo tema, mais feminino e com a melodia no

modo pentatónico, é acompanhado das indicações lontano e suave e come kenas (Exemplo

43), deixadas pelo compositor, sublinhando o carácter indígena aqui presente.

Page 48: Os elementos populares na obra de Alberto Ginastera: As ...€¦ · mais dissimulada) melodias e ritmos da era pré-colombiana, assim como elementos folclóricos argentinos, misturados

Ana Raquel Barbosa dos Reis Cunha Os elementos populares na obra de Alberto Ginastera: As três sonatas para piano solo

38

Exemplo 43 - Sonata nº2 – 1º andamento (cc. 71 – 74)

As sugestões dadas pelo compositor, como come una cassa india e cantando (c. 66),

são um forte indício da presença da música popular. De novo, as melodias são construídas a

partir de escalas pentatónicas e encontram-se apoiadas em harmonias de quarta (Exemplo 44).

Exemplo 44 - Sonata nº2 – 1º andamento (cc. 74 – 75)

Por vezes, Ginastera escreve duas armações de clave distintas para a mão esquerda e

mão direita, surgindo passagens politonais (como é o caso do exemplo em cima).

A última dança popular presente neste andamento trata-se do pala-pala73

(Exemplo

45).

Exemplo 45 - Sonata nº2 – 1º andamento (cc. 136 – 137)

Ginastera recorre ao uso desta dança para construir uma transição bastante viva e

alegre que conduz ao tema da secção A. De acordo com a sua posição no conjunto

(reexposição), o material inicial é aqui amplificado, através de um crescendo gradual até ao

final (sempre fortíssimo (c. 151), ancora cresc. (c. 165), tutta forza (c. 168) e sforzatissimo (c.

175)), contribuindo a disposição pianística decisivamente na estrutura formal da peça. Em

termos formais, como foi dito, a obra segue o esquema tradicional de sonata clássica.

O “acorde simbólico” encontrado nas primeiras obras de Ginastera está agora menos

presente, embora apareça por instantes nesta sonata, bastante transformado e apenas neste

andamento, num breve compasso (ver Exemplo 46). Isto parece indicar uma reduzida

importância para o compositor no uso deste simbolismo tipicamente argentino.

Page 49: Os elementos populares na obra de Alberto Ginastera: As ...€¦ · mais dissimulada) melodias e ritmos da era pré-colombiana, assim como elementos folclóricos argentinos, misturados

Ana Raquel Barbosa dos Reis Cunha Os elementos populares na obra de Alberto Ginastera: As três sonatas para piano solo

39

Exemplo 46 - Sonata nº2 – 1º andamento (c. 17)

4.2 – Segundo andamento

Todo o segundo andamento é uma descrição do ambiente noturno e Ginastera

confirma onde foi buscar essa inspiração:

“Desde a minha infância que recordo os sons da noite: os grilos, os pássaros e as rãs.

Estava sempre presente a atmosfera das vastas planícies do pampas e a grande

extensão do céu noturno repleto de estrelas. Lembro-me de certos efeitos de luz

provocados pelo luar nas bananeiras ou no rio Paraná e dos pirilampos – isto torna-se

parte da alma de uma pessoa, e todos estes elementos reaparecem nas minhas

composições.”74

Logo na abertura deste andamento, é de salientar a relação evidente com a nachtmusik

de Bartók, por exemplo, na sua suite Out of doors (ver Exemplo 47 e Exemplo 48).

Exemplo 47 - Sonata nº2 – 2º andamento (c. 1)

Exemplo 48 - Out of doors de Béla Bartók – Night’s music (c. 1)

Page 50: Os elementos populares na obra de Alberto Ginastera: As ...€¦ · mais dissimulada) melodias e ritmos da era pré-colombiana, assim como elementos folclóricos argentinos, misturados

Ana Raquel Barbosa dos Reis Cunha Os elementos populares na obra de Alberto Ginastera: As três sonatas para piano solo

40

Nestes dois exemplos, pode verificar-se o mesmo tipo de escrita pianística, assim

como as mesmas dinâmicas e indicações de tempo muito próximas, revelando, mais uma vez,

a forte influência que a música de Bartók exercia na escrita de Ginastera.

Ginastera não faz qualquer referência à métrica ou ao compasso pretendido para o

início deste andamento e recorre apenas a barras duplas para separar cada secção distinta. Este

tipo de notação oferece ao intérprete uma maior liberdade na condução sonora do discurso e,

por consequente, interpretativa. Por outro lado, esta escrita pianística sugere também um

carácter improvisado e as suas respirações no final de cada grupo melódico-harmónico põem

em evidência um fraseio que remete para o carácter vocal da música.

Em termos formais, a construção deste andamento é feita usando a forma tripartida,

ABA, onde as indicações Adagio sereno – Scorrevole – Ripresa dell’Adagio delineiam essa

mesma forma. A primeira secção, que vai dos compassos 1 a 8, contém um dos tipos de

canções de amor mais tristes da era pré-colombiana, denominada por yaraví75

ou harawi

(como aparece na partitura), no idioma quechua. O seu tempo é lento, com ritmo ternário, e as

suas melodias são, normalmente, construídas sobre a escala pentatónica ou bimodais. As suas

típicas inflexões vocais são aqui sugeridas por ornamentações frequentes na melodia que,

neste caso, está maioritariamente baseada na escala pentatónica (ver Exemplo 49).

Exemplo 49 - Sonata nº2 – 2º andamento (cc. 3 – 4)

A secção central B (cc. 9 – 122), com a indicação inicial de se tocar o mais leve

possível, como um suspiro (il più pianíssimo possibile e volante, come un soffio), deve ser

tocada num tempo bastante mais rápido, sugerindo os murmúrios da noite e o movimento do

vento. Escrita num compasso 7/8 e começando com uma sobreposição de segundas maiores

em movimento contrário (lá – sol na mão direita e sol sustenido – lá sustenido na esquerda),

organizadas em ritmo regular de colcheias, esta secção proporciona ao ouvinte um efeito de

vibração e sucessão de diversas tonalidades e cores. Não há qualquer intenção por parte do

compositor de se fazer ouvir uma melodia nesta secção, mas sim criar um efeito de suspensão,

reforçado pelo uso de meio-pedal (Exemplo 50).

Page 51: Os elementos populares na obra de Alberto Ginastera: As ...€¦ · mais dissimulada) melodias e ritmos da era pré-colombiana, assim como elementos folclóricos argentinos, misturados

Ana Raquel Barbosa dos Reis Cunha Os elementos populares na obra de Alberto Ginastera: As três sonatas para piano solo

41

Exemplo 50 - Sonata nº2 – 2º andamento (cc. 9 – 13)

Em termos harmónicos, o centro tonal deste andamento é em ré, passando por si um

pouco antes de se chegar à secção B e, por fim, regressando a ré na secção final. Esta última

secção, onde Ginastera vai buscar o mesmo material inicial, é mais pequena que a primeira

secção e termina de uma forma subtil, quase que como a dissolver-se no silêncio da noite.

4.3 – Terceiro andamento

A indicação de tempo deste terceiro andamento é ostinato aymará. Aymará é uma

região no norte da Argentina, onde Ginastera procurava muitas vezes a sua inspiração. Por se

tratar de um local remoto no norte do seu país, longe do pampas e da civilização de Buenos

Aires, os seus costumes e tradições ter-se-ão mantido mais fiéis às suas origens. Assim, este

último andamento, em estilo de toccata, apresenta uma ideia rítmica principal baseada numa

das danças típicas desta região da Argentina, chamada de carnavalito76

(ver Exemplo 51).

Exemplo 51 - Sonata nº2 – 3º andamento (cc. 1 – 4)

O sinal de repetição da primeira parte - assinalado pelo compositor através da

indicação “Repetição obrigatória”- parece ter como objetivo reforçar o carácter ostinato do

ritmo do carnavalito. No desenvolvimento deste andamento, a partir do compasso 42, com a

presença de novos elementos, o ritmo continua presente, embora não tão exposto como no

princípio (Exemplo 52).

Page 52: Os elementos populares na obra de Alberto Ginastera: As ...€¦ · mais dissimulada) melodias e ritmos da era pré-colombiana, assim como elementos folclóricos argentinos, misturados

Ana Raquel Barbosa dos Reis Cunha Os elementos populares na obra de Alberto Ginastera: As três sonatas para piano solo

42

Exemplo 52 - Sonata nº2 – 3º andamento (cc. 50 – 53)

Com a sua forma tripartida, este andamento segue as linhas tradicionais ao verificar-se

que a parte central (cc. 42 – 78) se trata de um desenvolvimento do material temático exposto

na secção inicial e que a última secção (cc. 79 – 118) reforça a conclusão formal através da

apresentação do material inicial mas, como é habitual, com uma maior densidade na escrita

pianística: dinâmicas que atingem o sempre ff e violento (c. 101), tutta forza! (c. 110) e

sforzatissomo (c. 113) e glissandi em teclas brancas e pretas, na mão direita e mão esquerda,

respectivamente.

Num gesto contrário à abertura desta Sonata nº 2, Ginastera encerra a sonata com o

mesmo efeito de rufar de tambores, como ilustra o seguinte exemplo:

Exemplo 53 - Sonata nº2 – 3º andamento (compassos finais)

Resumindo: ao longo dos trinta anos que separam a composição das duas primeiras

sonatas, conforme referido no início, há uma evolução na linguagem de Ginastera, sendo

notória a passagem de uma música de inspiração europeia para uma música de inspiração nas

culturas mais primitivas. Esta ideia é corroborada pela seguinte afirmação de Ginastera:

“… de momento estou a evoluir… Esta mudança está a tomar a forma de uma

reversão, um voltar à América primitiva das civilizações Maia, Azteca e Inca. Este

tipo de influência na minha música não a sinto tanto como folclórica, mas – como

dizer? – como uma forma de inspiração metafísica. De certa forma, o que eu fiz é

uma reconstituição do aspeto transcendental do mundo pré-colombiano antigo.”77

68

Alberto Ginastera, Sonata nº2, opus 53, Boosey & Hawkes (Ed. Revista), 1995. Tradução da autora. Texto

original: “The first sonata was inspired by the music of the Argentinean pampas. I was similarly inspired in

writing the second sonata, which suggests the music of the northern part of my country, of Aymará and Kechua

origin (non-European music) with its pentatonic scales, its sad melodies or its joyful rhythms, its khenas and

Indian drums, as well as its melismatic microtonal elements.”

Page 53: Os elementos populares na obra de Alberto Ginastera: As ...€¦ · mais dissimulada) melodias e ritmos da era pré-colombiana, assim como elementos folclóricos argentinos, misturados

Ana Raquel Barbosa dos Reis Cunha Os elementos populares na obra de Alberto Ginastera: As três sonatas para piano solo

43

69

Sergio de los Cobos, Alberto Ginastera’s three Piano Sonatas: A reflection of the composer and his country,

D.M.A., Rice University, 1991, p. 48. 70

Ver Capítulo 3, página 24. 71

Ver Capítulo 3, página 25. 72

Ver Capítulo 2, página 15. 73

Ver Capítulo 2, página 21. 74

Lilian Tan, An interview with Alberto Ginastera, American Music Teacher, Vol.33, Nº3, 1984,

p. 6. Tradução da autora. Texto original: “From my childhood, I remember the night sounds: the crickets, the

birds and the frogs. There was the atmosphere of the great plains of the Pampas and the huge expanse of night

sky full of stars. I remember certain light effects-moonlight on the banana trees and the fireflies – they become a

part of one’s soul, and they all reappear in my compositions.” 75

Ver Capítulo 2, página 21. 76

Ver Capítulo 2, página 21. 77

Lilian Tan, An interview with Alberto Ginastera…, op. cit., p. 7. Tradução da autora. Texto original: “… at the

moment I am evolving… This change is taking the form of a kind of reversion, a going back to the primitive

America of the Mayas, the Aztecs and the Incas. This influence in my music I feel as not folkloric, but – how to

say it? – as a kind of metaphysical inspiration. In a way, what I have done is a reconstitution of the

transcendental aspect of the ancient pre-Columbian world.”

Page 54: Os elementos populares na obra de Alberto Ginastera: As ...€¦ · mais dissimulada) melodias e ritmos da era pré-colombiana, assim como elementos folclóricos argentinos, misturados
Page 55: Os elementos populares na obra de Alberto Ginastera: As ...€¦ · mais dissimulada) melodias e ritmos da era pré-colombiana, assim como elementos folclóricos argentinos, misturados

Ana Raquel Barbosa dos Reis Cunha Os elementos populares na obra de Alberto Ginastera: As três sonatas para piano solo

45

CAPÍTULO V – Sonata nº3 (opus 54)

“Em oposição às minhas Sonatas nº1 e nº2 para piano, ambas escritas

em três andamentos [sic] distintos, a Sonata nº3, Opus 54, é composta num só

andamento, utilizando a forma binária que consiste em duas secções principais

e uma Coda. A indicação inicial de tempo, “impetuosamente”, define o ritmo

de toda a obra, cujas texturas rítmicas são baseadas nas danças dos índios

americanos e danças coloniais da América Latina.”

Alberto Ginastera (Boosey & Hawkes)

Escrita durante o Verão de 1982 em Formentera (Maiorca) e em Genebra, a Sonata nº3

foi composta no seguimento de uma encomenda pela Universidade de Michigan. A sua estreia

teve lugar em Nova Iorque, no Alice Tully Hall, Lincoln Center, a 17 de Novembro de 1982,

pela pianista Barbara Nissman, a quem foi dedicada a obra.

O seu editor, W. Stuart Pope, tem a certeza de que Ginastera teria acrescentado um

terceiro andamento a esta sonata, caso não estivesse doente e tivesse vivido mais tempo.78

Com esta afirmação pressupõe-se que o compositor teria em mente uma obra com três

andamentos antes de a completar, assim como a existência de um segundo andamento.

Segundo o pianista Luiz de Moura e Castro, Ginastera ter-lhe-á pedido pessoalmente para

compor mais um andamento para esta sonata, assim como uma introdução, pois achava-a

incompleta. Luiz de Moura e Castro preferiu declinar o convite, tal era a responsabilidade.

A estrutura global desta sonata de um andamento é ||: A :||: B :|| Coda. O primeiro

elemento a destacar na secção A (cc. 1 – 40) é a terceira menor descendente (Exemplo 54).

Este motivo está dobrado a uma sexta menor inferior, mas se transpusermos essa nota inferior

uma oitava acima, obtemos uma terceira maior, intervalo também muito significativo na

escrita das Sonatas nº1 e nº2.

Exemplo 54 - Sonata nº3 (c. 2)

Em resposta a este motivo, a mão esquerda faz exatamente o mesmo gesto mas uma

terceira menor ascendente (Exemplo 55). Como esta resposta não acontece em simultâneo

com a mão direita, transmite-nos a sensação de uma alternância em cânone, também devido às

acentuações distribuídas alternadamente pelas duas mãos.

Page 56: Os elementos populares na obra de Alberto Ginastera: As ...€¦ · mais dissimulada) melodias e ritmos da era pré-colombiana, assim como elementos folclóricos argentinos, misturados

Ana Raquel Barbosa dos Reis Cunha Os elementos populares na obra de Alberto Ginastera: As três sonatas para piano solo

46

Exemplo 55 - Sonata nº3 (cc. 1 – 4)

Assim sendo, a composição desdobra-se da seguinte forma: primeiro um grupo de três,

depois quatro e cinco intervalos de terceiras menores, sendo estas separadas por grupos de

cinco, sete e nove oitavas, sucessivamente, reunidos num compasso, o qual funciona como

ponte entre as diferentes frases.

O segundo motivo na secção A é constituído por um grupo harmónico, em torno da

nota fá sustenido, enquadrando uma descida de três sons por graus-conjuntos, como mostra o

seguinte exemplo:

Exemplo 56 - Sonata nº3 (cc. 12 – 13)

Este motivo está dobrado à quinta e à oitava e é objeto de tratamentos semelhantes

(como é o caso da escrita para a mão esquerda). É apenas nesta secção que aparece a dinâmica

mp e só durante três compassos, pois toda a sonata se desenvolve à volta da dinâmica ff. Esses

compassos em mp funcionam como transição para a próxima secção e o material usado é o do

segundo motivo, mas apenas a parte final da descida de três sons por graus-conjuntos.

A secção B (cc. 41 – 80) é constituída pelos mesmos elementos principais da secção

A, embora trabalhados de forma diferente e segundo uma distribuição temporal e pianística

diferente: o segundo motivo aparece antes do primeiro e encontra-se na mão esquerda, não na

direita (Exemplo 57).

Exemplo 57 - Sonata nº3 (cc. 42 – 43)

Page 57: Os elementos populares na obra de Alberto Ginastera: As ...€¦ · mais dissimulada) melodias e ritmos da era pré-colombiana, assim como elementos folclóricos argentinos, misturados

Ana Raquel Barbosa dos Reis Cunha Os elementos populares na obra de Alberto Ginastera: As três sonatas para piano solo

47

Este é seguido do primeiro motivo, mais contrapontístico. Também aqui se notam

algumas alterações em termos pianísticos: o motivo é, em primeiro lugar, apresentado na mão

esquerda, sendo a resposta destinada à mão direita. Esta alternância do discurso pianístico

encontra-se reforçada pela distribuição dos mesmos elementos em direções opostas (Exemplo

58).

Exemplo 58 - Sonata nº3 (cc. 46 – 48)

A sensação criada por esta alteração no discurso pianístico é a de todo o material

apresentado estar, aos poucos, a convergir para o final desta secção B, onde uma nova ideia

rítmica surge e, com esta, o acorde simbólico da guitarra, com a indicação de Ginastera come

chitarra (un poco lírico):

Exemplo 59 - Sonata nº3 (c. 77)

A Coda inicia-se com uma passagem ao estilo de uma cadência (c.81) e apresenta

elementos que evocam novamente os sons da guitarra dedilhada. O segundo motivo,

encontrado anteriormente, surge agora harmonizado por acordes muito densos na mão

esquerda, formados a partir de escalas de tons inteiros ou de cinco tons. Embora a melodia se

repita sucessivamente, os acordes vão variando, passando por diferentes tonalidades. Estes

são os únicos compassos em toda a sonata onde o turbilhão de notas e de ritmos desaparecem

por um momento, para dar lugar a uma pequena melodia repetida e com o motivo descendente

presente. Aqui será o único momento da Sonata nº3 onde o intérprete pode respirar para

voltar a ganhar energia para a conclusão da obra, baseada em numerosos gestos pianísticos,

como trémulos com a indicação feroce, acordes arpejados come chitarra e em sforzatissimo e,

por fim, um glissando até ambas as extremidades do teclado.

Nesta sonata, Ginastera recorre a glissandi de oitavas na secção A e de terceiras na

secção B, com intenção de criar um gesto de transição entre as diferentes secções. Na

conclusão da secção A, o glissando nas duas mãos, em movimento contrário, converge para o

início de uma nova secção, enquanto que, no final da secção B, diverge com o intuito de

Page 58: Os elementos populares na obra de Alberto Ginastera: As ...€¦ · mais dissimulada) melodias e ritmos da era pré-colombiana, assim como elementos folclóricos argentinos, misturados

Ana Raquel Barbosa dos Reis Cunha Os elementos populares na obra de Alberto Ginastera: As três sonatas para piano solo

48

alargar o espectro sonoro, de forma a preparar o reaparecimento do motivo inicial (ver

Exemplo 60).

Exemplo 60 - Sonata nº3 (c. 36 e c. 74)

Então, mais uma vez se pode notar a presença de um discurso pianístico tradicional,

onde predominam movimentos simétricos no registo (alargamento e contração do espectro

sonoro) associados a determinados gestos pianísticos, como os glissandi que acabei de referir

e como a distribuição dos motivos principais pelas mãos esquerda e direita. Tudo isto

contribui para reforçar a ideia de que esta sonata apresenta alguns dos princípios tradicionais

da forma, pois todo o discurso musical está pontuado por momentos de tensão e resolução

típicos da música tonal.

Resumindo: podemos encontrar nesta sonata constantes do estilo composicional de

Ginastera: utilização de dinâmicas extremas, relações intervalares de terceira, predominância

de harmonias à base de quartas e mudanças constantes de métrica. O simbolismo do

rasgueado da guitarra gaúcha, ausente na Sonata nº2, apresenta-se como elemento essencial

nesta obra. O conjunto destas características faz com que, numa obra relativamente curta,

sobressaia uma interpretação pianística repleta de vigor e amplitude gestual.

Um elemento frequente em toccatas e outras obras do mesmo carácter compostas ao

longo do século XX é o ostinato, ou seja, a repetição obsessiva de um mesmo valor rítmico

que, no caso desta sonata, se trata da colcheia.79

Ao longo de toda a obra, as duas mãos tocam quase sempre nota contra nota, criando

um efeito martelato que remete para os sons das danças tribais da América Latina, com os

seus instrumentos arcaicos de percussão. Porém, surgem ainda alguns elementos do folclore

argentino, com o uso de hemíolas em alguns compassos da sonata (sendo o exemplo mais

interessante o do compasso 56 – Exemplo 61) e através de efeitos de polirritmia no compasso

26 (Exemplo 62).

Exemplo 61 - Sonata nº3 (c. 56)

Page 59: Os elementos populares na obra de Alberto Ginastera: As ...€¦ · mais dissimulada) melodias e ritmos da era pré-colombiana, assim como elementos folclóricos argentinos, misturados

Ana Raquel Barbosa dos Reis Cunha Os elementos populares na obra de Alberto Ginastera: As três sonatas para piano solo

49

Exemplo 62 - Sonata nº3 (c. 26)

Além da alteração da estrutura tradicional em vários andamentos para uma de um só

andamento, esta peça possui aspetos importantes determinando a evolução da forma: partindo

de um material temático reduzido, o compositor efetua diversos tipos de operações de redução

ou desenvolvimento, criando diferentes motivos. Este tipo de tratamento do material motívico

estava já presente na tradição da música clássico-romântica, sendo retomada depois na fase

expressionista e dodecafónica de Schoenberg. Nos seus últimos anos de vida, Ginastera

focou-se essencialmente nestes procedimentos composicionais, daí ele próprio caracterizar

esta sua última fase como neoexpressionista.

78

Roy Wylie, Argentine Folk Elements in the Solo Piano Works of Alberto Ginastera, Ph.D., University of

Texas at Austin, 1986, p. 36. 79

Sergio de los Cobos, Alberto Ginastera’s three Piano Sonatas…, op. cit., p. 71.

Page 60: Os elementos populares na obra de Alberto Ginastera: As ...€¦ · mais dissimulada) melodias e ritmos da era pré-colombiana, assim como elementos folclóricos argentinos, misturados
Page 61: Os elementos populares na obra de Alberto Ginastera: As ...€¦ · mais dissimulada) melodias e ritmos da era pré-colombiana, assim como elementos folclóricos argentinos, misturados

Ana Raquel Barbosa dos Reis Cunha Os elementos populares na obra de Alberto Ginastera: As três sonatas para piano solo

51

CONCLUSÃO

Um dos aspetos incontornáveis do estudo apresentado nas páginas anteriores é a

extrema unidade e coerência nos processos composicionais de Alberto Ginastera. Embora

escritas à distância de trinta anos, as sonatas revelam entre si certos traços comuns em termos

harmónicos, rítmicos, formais e pianísticos.

Harmonicamente, os intervalos de terceira (maior e menor) formam a base da

organização dos agregados sonoros. Paralelamente, os intervalos de quarta perfeita são um

meio igualmente presente na elaboração dos grupos harmónicos, nomeadamente na formação

do “acorde simbólico”. De acordo com certas correntes da música europeia do século XX,

Ginastera, através da acumulação de intervalos de segundas, terceiras e quartas, atinge

acordes de dez sons, tal como no primeiro andamento da Sonata nº2. Embora auditivamente

possam parecer acordes atonais, o compositor não abandona a ideia de tonalidade. Prova disso

é a existência de centros tonais, como elemento de articulação do discurso. Tudo isto leva a

crer que a organização harmónica em Ginastera é, à semelhança de algumas obras como A

Sagração da Primavera de Stravinsky, politonal. Essa politonalidade não abandona os centros

tonais, pelo contrário, multiplica-os.

Em termos rítmicos, Ginastera faz apelo a certas figuras de compositores como Béla

Bartók ou Igor Stravinsky, por exemplo, no uso de ostinatos para marcar o perfil sonoro de

novos motivos, tal como se passa na última sonata ou ainda no último andamento da Sonata

nº2. É de referir ainda a alternância métrica (compassos 9/8, 3/4, 7/8, entre outros) herdada de

Stravinsky.

Também a música popular influenciou de maneira decisiva o tratamento rítmico e

harmónico das obras. Harmonicamente, como já foi referido em cima, predominam os

intervalos de terceira, típicos do folclore. Ritmicamente, oriundo da música crioula, é realçado

o som típico da guitarra gaúcha, através de indicações como rasgueado, e o tipo de dança

mais presente é o malambo (último andamento da Sonata nº1). Quer o malambo quer o

carnavalito são ritmos que fornecem material para os enérgicos andamentos finais das

Sonatas nº1 e nº2. Da música de origem andina, Ginastera inspira-se nos cantos de caja, como

a baguala e a vidala, para depois criar a sua própria melodia.

Quanto ao aspeto formal, as sonatas revelam uma forma simétrica, remetendo para a

forma tradicional de um Allegro de uma sonata dividido em exposição, desenvolvimento e

reexposição. Esta simetria, na grande forma, encontra correspondência no tratamento de

elementos mais pequenos, como é o caso da distribuição simétrica de intervalos de terceira

maior e menor, na abertura dos primeiros andamentos das Sonatas nº 1 e nº2.

Refira-se que o aspeto pianístico, como é usual, assume um papel central na perceção

simétrica da forma. Por exemplo, a reexposição é sempre articulada com o aspecto pianístico

muito desenvolvido, o que ajuda a perceber a forma da obra.

Page 62: Os elementos populares na obra de Alberto Ginastera: As ...€¦ · mais dissimulada) melodias e ritmos da era pré-colombiana, assim como elementos folclóricos argentinos, misturados

Ana Raquel Barbosa dos Reis Cunha Os elementos populares na obra de Alberto Ginastera: As três sonatas para piano solo

52

A Sonata nº3 poderia ser considerada uma síntese das duas sonatas anteriores: nela

existe uma economia do material temático e a forma é reduzida a um só andamento. A sua

forma bipartida é sublinhada por certos gestos pianísticos característicos: a utilização de

glissandi, tão presente na escrita, parece assumir um papel importante na articulação formal

do discurso. Na verdade, são os gestos de introdução de novos motivos e também o gesto

conclusivo na obra. O efeito sonoro que resulta do alargamento e contração sonoro pode

igualmente ser comparado ao efeito de tensão e distensão da música tonal.

Concluindo, apesar de nunca abandonar os princípios da música tradicional

(harmónica e formalmente), a música de Alberto Ginastera afirma-se com uma

espontaneidade e cariz pessoal muito específicos. Por exemplo, ao longo das três sonatas

verificou-se uma certa evolução na escrita, assim como uma passagem da música de

inspiração europeia para uma música de inspiração nas tradições antigas do mundo pré-

colombiano. Só a audição das obras fará jus a esta evolução e originalidade, melhor que

qualquer outra análise.

Page 63: Os elementos populares na obra de Alberto Ginastera: As ...€¦ · mais dissimulada) melodias e ritmos da era pré-colombiana, assim como elementos folclóricos argentinos, misturados

Ana Raquel Barbosa dos Reis Cunha Os elementos populares na obra de Alberto Ginastera: As três sonatas para piano solo

53

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ARETZ, Isabel, Musica tradicional de La Rioja, Caracas, Biblioteca Inidef, 1978.

ARETZ, Isabel, Argentina: Folk Music. In “New Grove Dictionary of Music and Musicians”,

ed. Stanley Sadie, Vol.1, London, Macmillan, 1980.

BASINSKI, Mark Grover, Alberto Ginastera’s use of argentine folk elements in the sonata

for guitar, op.47”, D.M.A., The University of Arizona, 1994.

CHASE, Gilbert, Alberto Ginastera: Argentine Composer, in “The Musical Quaterly”,

Vol.43, Nº4, Oxford University Press, 1957.

GAMA, Joana Maria Carneiro, Sonata op.22 de Alberto Ginastera – Estudos de

Interpretação, Universidade de Évora, 2009.

GINASTERA, Alberto, Notas sobre la Música Moderna Argentina, in “Revista Musical

Chilena”, Nº31, 1948.

HANLEY, Mary Ann, The Solo Piano Music of Alberto Ginastera II, American Music

Teacher, Vol.25, Nº1, 1975.

LOS COBOS, Sergio de, Alberto Ginastera’s three Piano Sonatas: A reflection of the

composer and his country, D.M.A. diss., Rice University, 1991.

PANUFNIK, Andrzej, GINASTERA, Alberto e XENAKIS, Iannis, Homage to Béla Bartók,

in “Tempo”, New Series, Nº136, Cambridge University Press, 1981.

REDONNET, Ana Serrano, Cancionero Musical Argentino, Buenos Aires, Ediciones

Culturales Argentinas, 1964.

SMALLEY, Roger, GOEHR, Alexander, CROSSE, Gordon, TAVENER, John e

GINASTERA, Alberto, Personal Viewpoints: Notes by Five Composers, in “Tempo”, New

Series, Nº81 – Stravinsky’s 85th

Birthday, Cambridge University Press, 1967.

SOTTILE, Antonieta, Alberto Ginastera: Le(s) Style(s) d’un compositeur argentin”, Paris,

L’Harmattan, 2007.

SZABOLCSI, Bence, Bartók: sa vie et son oeuvre, Boosey & Hawkes, Budapeste, 1968.

TAN, Lillian, An interview with Alberto Ginastera, American Music Teacher, Vol.33, Nº3,

1984.

Page 64: Os elementos populares na obra de Alberto Ginastera: As ...€¦ · mais dissimulada) melodias e ritmos da era pré-colombiana, assim como elementos folclóricos argentinos, misturados

Ana Raquel Barbosa dos Reis Cunha Os elementos populares na obra de Alberto Ginastera: As três sonatas para piano solo

54

URTUBEY, Pola Suárez, Alberto Ginastera, Buenos Aires, Ediciones Culturales Argentinas,

1967.

VEGA, Carlos, Danzas y canciones argentinas, Buenos Aires, Ricordi, 1936.

VEGA, Carlos, Panorama de la música popular argentina, Buenos Aires, Editorial Lousada,

1944.

VEGA, Carlos, Los instrumentos aborígenes y criollos de la Argentina, vol.1, Buenos Aires,

Ediciones Centurión, 1946.

VEGA, Carlos, Las danzas populares argentinas, Buenos Aires, Instituto de Musicologia,

1952.

WALLACE, David, Alberto Ginastera: An Analysis of his Style and Techniques of

Composition, Ph.D., Northwestern University, 1964.

WYLIE, Roy, Argentine Folk Elements in the Solo Piano Works of Alberto Ginastera, Ph.D.,

University of Texas at Austin, 1986.

Páginas da internet:

MANHEIM, James M., Ginastera, Alberto: 1916-1983: Argentine Composer, in

“Contemporary Hispanic Biography”, 2003. http://www.encyclopedia.com/doc/1G2-

3433900040.html. Acedido a 30 de Março de 2010.

http://www.folkloredelnorte.com.ar/danzas/vocdanzas.htm. Acedido em 5 de Maio de 2011.

http://en.wikipedia.org/wiki/Cinco_canciones_populares_argentinas. Acedido em 23 de

Março de 2010.

http://www.argentina.gov.ar/argentina/portal/paginas.dhtml?pagina=266. Acedido em 5 de

Maio de 2011.